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- “Em julho último, em Nova York, decidi oferecer a meus amigos um prato
brasileiro típico. Com muita dificuldade consegui encontrar feijão-preto, costeletas
de porco defumadas, couve e demais pertences e assim pude preparar uma
feijoada, que servi com a devida pompa. Foi aí que um de meus amigos, um preto
do Alabama, depois de ter cuidadosamente olhado e cheirado a travessa, destruiu
todo o suspense observando que se tratava simplesmente da comida à qual
estava acostumado desde criança. O que é, no Brasil, um prato nacional é, nos
Estados Unidos, soul food” (p. 47).
- A origem do prato é a mesma nos dois países – era elaborado pelos escravos
utilizando sobras de porco desprezadas por seus senhores. “A diferença está no
significado simbólico do prato. Na situação brasileira, a feijoada foi
incorporada como símbolo da nacionalidade, enquanto nos Estados Unidos
se tornou símbolo de negritude, no contexto de liberação negra” (p. 47).
- “Gilberto Freyre usa esses exemplos, entre outros, para demonstrar que a
colonização foi, no Brasil, um processo essencialmente harmônico, marcado pela
ausência de preconceito racial. Tratando a cultura como se fosse transmissível
geneticamente, Freyre opõe a experiência colonial portuguesa à inglesa, francesa
e alemã, as quais, por motivos culturais, seriam mais contaminadas pelo
preconceito racial” (p. 47-48).
- Candomblé.
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- Nasceu da escravidão negra. Forma religiosa na qual divindades africanas
podiam se esconder atrás de máscaras de santos católicos (p. 48-49). Foi desde o
início reprimido. Mas muitos membros eram da elite branca (p. 48).
- Samba.
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Moçambique, uma sagaz manobra política, foi interpretado pelos apologistas do
colonialismo português como prova da ausência de preconceitos racistas. Gilberto
Freyre (...) deduz da troca aparentemente livre de traços culturais entre vários
grupos étnicos a natureza essencialmente democrática da estrutura social
brasileira. Penso, ao contrário, que a conversão de símbolos étnicos em símbolos
nacionais não apenas oculta uma situação de dominação racial mas torna muito
mais difícil a tarefa de denunciá-la. Quando se convertem símbolos de “fronteiras”
étnicas em símbolos que afirmam os limites da nacionalidade, converte-se o que
era originalmente perigoso em algo „limpo‟, „seguro‟ e „domesticado‟. Agora que o
candomblé e o samba são considerados chiques e respeitáveis, perderam o poder
que antes possuíam. Não existe soul food no Brasil” (p. 52-53).
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- Diz que o Brasil, até recentemente, era, assim como outros países, considerado
contra-exemplar do “modelo americano” de relações raciais. E que há uma crítica
de que a tradição americana teria imposto arbitrariamente a outras realidades uma
dicotomia entre brancos e negros. O uso de “categorias raciais americanas para
descrever o Brasil” foi muito denunciado como “violência simbólica” e derivaria do
poder norte-americano (p. 208).
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- Havia outros estudiosos debruçando-se sobre a questão racial no país. “Nina
Rodrigues imaginou uma complexa classificação racial e previu que a população
tenderia a três tipos básicos – brancos, mulatos e negros - , que poderiam ser
definidos não tanto por critérios genealógicos quanto pela aparência”. Ele era
inspirado pela escola italiana de antropologia criminal. Ele propunha que cada
grupo tivesse seu próprio código penal, já que suas “inclinações morais” diferiam.
- “Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande & Senzala, em que dizia que a
„miscigenação‟ e a mistura de culturas não eram a danação do Brasil, mas sim sua
salvação. “Reunindo um vasto conjunto de documentos sobre o Brasil colonial e
imperial, assim como suas próprias lembranças de filho de uma família nordestina
de proprietários de terras, e embelezando seu texto com considerável licença
poética, ele descreveu o Brasil como uma sociedade híbrida na qual africanos,
ameríndios e europeus (especialmente os portugueses) se haviam entrecruzado
pelo intercâmbio de genes e culturas. Freyre descreveu uma sociedade baseada
numa série de antagonismos culturais e econômicos (...) Ele afirmou que essa
dualidade [indivíduos de cultura predominantemente européia e outros de cultura
principalmente africana e ameríndia] não era inteiramente „prejudicial‟ e que existia
um certo equilíbrio (...) Mas, acima de tudo, os antagonismos eram
„harmonizados‟” (p. 213-214).
- Freyre, como outros, estava preocupado tanto com a descrição do Brasil quanto
com identificar a sua especificidade em relação a outros países, em particular os
EUA. Como diz Fry: “Casa-Grande & Senzala foi um exercício de construção da
nação e também etnografia histórica” (p. 214).
- Freyre rompeu de nodo importante com uma imagem negativa das culturas
ameríndia e africana. Enfatizou a contribuição positiva que cada uma deixou para
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a sociedade brasileira como um todo. Todos os brasileiros, afirmava, eram
culturalmente africanos, ameríndios e europeus. “Na sociologia de Freyre, as três
„raças‟ eram imaginadas como aglomerações culturais que, combinadas,
permitiam a imaginação de um Brasil racial e culturalmente híbrido” (p. 215).
- Essa imagem do Brasil foi amplamente aceita aqui e no resto do mundo até a
década de 1940 (p. 216). O Brasil era visto como uma “democracia racial” – “onde
as relações entre pessoas de cores diferentes eram fundamentalmente
harmoniosas” (p. 216).
- Continuou-se a perceber as relações raciais aqui como diferentes das dos EUA.
Brasil, por exemplo – importância não só da ascendência, mas da “aparência”
levaria a classificações mais complexas do que “negros” e “brancos” (p. 217).
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preconceito. Oitenta e sete por cento dos pesquisados que se classificaram como
brancos e 91% dos que se definiram como pardos afirmaram não ter nenhum
preconceito contra negros, enquanto 87% dos negros entrevistados negaram ter
qualquer preconceito contra brancos. De modo ainda mais surpreendente, 64%
dos negros e 84% dos pardos negaram ter sofrido preconceito racial. É como se
os brasileiros tivessem preconceito do preconceito racial, como um informante
branco dissera a Florestan Fernandes e Roger Bastide anos atrás. “„Nós,
brasileiros‟, disse um branco, „temos preconceito contra ter preconceito‟” (Bastide
e Fernandes, 1971: 148) (p. 220).
- “Esta interpretação do Brasil em particular tornou-se cada vez mais forte nos
últimos anos, não só por causa da influência dos estudiosos norte-americanos e
da utilização de categorias „raciais‟ desenvolvidas para descrever as „raças‟ e as
„relações de raça‟ norte-americanas como também por causa do crescimento
paralelo de um movimento negro articulado que, em geral, tem-se aliado
fortemente aos pesquisadores acadêmicos” (p. 223).
- Ação política.
- Constituição de 1988 – lei contra o preconceito racial (desde 1951 já existia lei
punitiva à discriminação racial, mas a partir de 88 ela define a prática racista como
crime e não simplesmente contravenção) (p. 225).
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da corrupção, do nepotismo, do preconceito e do poder puramente violento,
permanece como ideal a que muitos aspiram. De outro, não muito diferente, está o
apelo à „tradição‟, à „inteligência sociológica brasileira‟, que evoca a especificidade
da sociedade brasileira presa entre os „ideais‟ de democracia e a „tradição‟ da
hierarquia e da ambigüidade. E ainda num terceiro lado está a exigência de
mudança radical, um descarte da „tradição‟, o reconhecimento formal de „raças‟
distintas e a criação de medidas temporárias para amenizar a desigualdade entre
elas”. Embora o debate tenha sido provocado pela experiência norte-americana de
ação afirmativa, sua existência mostra como o “modelo americano” não se tornou
“hegemônico” no Brasil.
- Ação social.
- Talvez seja mesmo por isso que os símbolos da identidade negra vieram
frequentemente de fora do Brasil, como o reggae no Maranhão, o hip hop no Rio
de Janeiro e em São Paulo e da própria África, especialmente na Bahia, onde
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grupos de Carnaval “afro”, como o Ilê Aiyê, trouxeram desde o início da década de
1980 temas de inspiração africana para o desfile de carnaval e restringiram seus
membros a pessoas de pele bem escura (p. 233).
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com toda a sua ambigüidade e contradição interna, é muito mais difícil de
perceber intelectualmente, quanto mais como base de ação política” (p. 240).
- Conclusão.
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