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VILMA ARÊAS Antes de mais nada devo dizer que, do meu

ponto de vista, Decio de Almeida Prado é a pessoa


que melhor escreve, hoje, no Brasil. Diante de

A crítica
seus textos sinto impulsos de plagiar Alceu de
Amoroso Lima, deslocar personagens e tam-
bém proclamar: ninguém escreve como ele, ele
não escreve como ninguém.
Aos espíritos incrédulos – tudo é possível!

viva de
– essa afirmação a seco pode parecer gêmea da
insensatez da Duquesa, o que escandalizou
Alice: “primeiro a sentença, depois o julga-
mento”. Por isso, apresso-me a acrescentar que
tal juízo não se deve só, ou principalmente, a

Decio de
critérios estéticos, embora seja extraordinário
observar a risca de um estilo que, avaliativo e
crítico, próprio de alguém que conhece melhor
que ninguém o seu ofício, move-se de jeito
leve, com um ar às vezes um pouco distraído

Almeida
como se improvisasse (mas sei que essa im-
pressão é falsa, como falsa é a sensação de
naturalidade que os grandes atores transmitem).
Tal resultado se deve certamente à compe-
tência e ao talento, mistura cada vez mais rara

Prado
nos dias que correm, o que permite casar pes-
quisa rigorosa com experiência pessoal, remi-
niscências em tom às vezes de conversa, mei-
as-confissões pespontadas de ironia. Essa

“ A R E A L I D A D E

N A C I O N A L

N O P A L C O D E I X A

D E S E R F I C Ç Ã O ! ”

( D . A . P R A D O ) .

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inflexão discreta da voz talvez seja o que situe Como outros livros, este examina o teatro Peças, Pessoas, Persona-
gens, de Decio de Almeida
o crítico tão longe do cabotinismo freqüente entre as balizas da literatura dramática e da Prado, São Paulo, Companhia
das Letras, 1993.
na roda intelectual, lamentavelmente esqueci- teatralidade, “pano de fundo sem o qual as pró-
da das sábias palavras que Bento Prado Jr. prias peças não adquirem o necessário relevo”.
espalhou aos quatro ventos: “o narcisismo é Atento a essa realidade física, tal como se apre-
1 Em “Decio de Almeida Pra-
inimigo natural da inteligência”. Ao contrário senta concretamente no palco, o crítico enfrenta do e o Papel do Teatro no
Sistema da Cultura Brasi-
disso Decio esgrime o senso de humor que o desafio mais radical: aquilo que, no teatro, é leira” (Cultura Vozes, 6,
ano 89, nov.-dez. de 1995)
nunca falha e que estabelece a distância neces- sempre o mais fundamental e o mais fugidio, isto Paulo Arantes sugere que
a obra de nosso autor per-
sária entre analista e objeto analisado, com um é, o desempenho do ator. Sua lição tem sido a de faz o roteiro de uma verda-
afirmar que a arte de representar exige tanta ima- deira formação do teatro
resultado que pode ser ou não isento, mas que brasileiro.
se mostrará quase sempre desconfiado da ginação criadora quanto a de escrever. Se o dra-
limpidez das generalidades. Escapa ele desse maturgo fornece as palavras, “o resto, que na
modo da fábrica das idéias pré-moldadas em hora da representação é quase tudo, compete ao
direção à zona livre dos contatos diretos, seja ator”. Quanto a esse aspecto, João Caetano, pe-
com seus objetos de estudo, seja com teorias, los motivos óbvios da distância no tempo e
incapazes desde sempre, como bem sabemos, bibliografia precária, permanece como realiza-
de se organizarem numa “ciência do teatro”. ção invejável em seu traçado metódico da figura
Pois bem, Peças, Pessoas, Personagens é do grande intérprete, cuja definição exigiu seu
um livro excepcionalmente rico em todos esses encaixe nas questões controversas do século XIX.
aspectos, alinhando-se junto aos outros ensaios Em contrapartida, entretanto, a esse e de-
do autor, interessado em acompanhar o desen- mais livros, Peças, Pessoas, Personagens
volvimento do teatro no Brasil, desde seus dis- obedece a um outro plano e apresenta uma VILMA ARÊAS é
cutíveis e discutidos inícios, investigar seu pa- organização material diferente. Não se trata professora de
Literatura Brasileira
pel no sistema da cultura brasileira (1). Um te- agora de uma reunião de observações e co- na Unicamp,
atro que “tem crescido sem cessar, ainda que no mentários escritos ao calor da hora como os ensaísta e autora
de, entre outros, A
ritmo desordenado, cheio de altos e baixos, que três volumes de crítica que conhecemos e que, Terceira Perna
é o da própria vida nacional”. na constância da descontinuidade, acabam por (Editora Brasiliense).

No sentido horário:
Decio de Almeida Prado;
Ziembinski em Divórcio
para Três, de Victorien
Sardou (TBC, 1953);
e Procópio Ferreira
em O Avarento,
de Molière, 1969.

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partilhar a mesma linha uniforme. Também do tempo, responsável pela desaparição das
não se desenvolve ao redor de um motivo pessoas que admiramos ou amamos.
específico como João Caetano ou o ensaio Assim, em ritmo intercadente, toda a his-
que se segue, João Caetano e a Arte do Ator. tória do teatro nacional comparece em Pe-
Temos agora nove textos aparentemente dis- ças, Pessoas, Personagens, dos românticos
tantes, distribuídos em grupos de três. No e realistas do século passado (personagens
miolo de cada grupo, frisando-se portanto colaboradores do autor em sua tragicomé-
sua importância, a figura de um grande ator dia, escrita “de brincadeira”, “A Censura
(Procópio, Cacilda) ou do ator/autor, Revisitada”, ao lado, claro, da presença fran-
Guarnieri. O crítico entretanto nos adverte cesa), passando pelos pré-modernistas, mo-
que embora tenham sido escritos em épocas dernistas e pós-modernistas, com suas es-
diferentes, obedecendo a razões várias, gi- trelas de primeira grandeza e suas pequenas
ram todos ao redor do movimento de reno- celebridades datadas, seus estilos, palavras
vação do teatro nacional. Possuem portanto de ordem e intérpretes.
a unidade da preocupação comum. No entanto, isso assim posto quase nada
Mais do que isso e estruturalmente liga- diz da disposição, no sentido retórico, e al-
do a preocupações anteriores (as conclusões cance dos capítulos deste livro.
sobre Oswald, por exemplo, retrabalham o O trabalho do analista é, uma vez carac-
texto de 67, publicado em Exercício Findo) terizados aspectos e modos teatrais,
Peças, Pessoas, Personagens tem muito de relacioná-los no espírito e no tempo.
uma suma da produção teórica do autor, pas- Um exemplo: quem suspeitaria que a fe-
sada pelo fio do depoimento, da memória e bre de aforismos e paradoxos (2) dos anos
da interpretação da cultura e da sociedade 20 tivesse algo a ver com o teatro de Oswald
brasileiras. de Andrade, que só conhecemos como tea-
Examinarei cada um desses aspectos pro- tro ao final dos anos 60 (3)? Pois Decio nos
curando relacioná-los. mostra de forma irrevogável que o espírito
2 A popularidade de Berilo
Neves e o título do livro de
Em primeiro lugar observo que essas epigramático colado ao “teatro de frases”,
D. Xiquote(!) (Bastos Ti- questões, mesmo possuindo um fulcro que substituíra a voga do vaudeville e de
gre), Penso, Logo... Eis
Isto, dão bem o clima inte- temático, se desenrolam-se de forma inter- nossa gasta comédia de costumes, cristali-
lectual da época.
mitente, indo e voltando, abandonadas um zou-se na famosa obra de Joracy Camargo
3 Em Pequena Taboada do
Teatro de Oswald de instante para serem pouco depois retocadas, (4), espelhando-se em O Rei da Vela, peça
Andrade (tese de
doutoramento, Unicamp, mergulhadas que estão nos assuntos que se escrita “na cola de Deus lhe Pague”, conclu-
inédita), Orna Messer Levin
descobre um verdadeiro nomeiam como principais: os três ensaios são que não deixa de ser desconcertante, hoje.
ovo de Colombo que esca-
pou a todos, ao observar
(“O Teatro e o Modernismo”, “Procópio A diferença, observa o crítico, é que a peça
que a montagem do Ofici-
na em 67 “impôs-se de tal
Ferreira, um Pouco da Prática e um Pouco de Oswald é isso e também o seu contrário, “a
maneira na historiografia do da Teoria” e “Fredi Kleeman, Ator e Fotó- paródia, o deboche, os processos cênicos e
teatro brasileiro, que ficou
impossível analisar o texto grafo”); os três prefácios, nomeados à ma- dramatúrgicos postos à mostra” (5). Não nos
de Oswald sem levar em
conta a versão deste espe- neira inglesa (“A Antropofagia Revisitada”, esqueçamos de que o “teatro de frases” tam-
táculo”.
“Guarnieri Revisitado” e “A Censura bém inclinou-se para um gênero oposto ao
4 Mendigo: “Viver é racioci-
nar. E o raciocínio é o su- Revisitada”); finalmente as três homenagens, seu, isto é, o teatro de tese, contradição de que
premo bem da vida. Quem
raciocina não sofre... Pelo
a Anatol Rosenfeld, Cacilda Becker e o próprio Oswald era consciente.
raciocínio, sabemos o fim
de todas as coisas. A soci-
Alfredo Mesquita. Essa reconstituição crítica da história se
edade vai sofrer, porque Mais do que unidos ao redor da preocu- dedica também a desfazer equívocos, a ilu-
não raciocina” (citado pelo
autor). pação comum, a própria tensão a que é sub- minar impasses difíceis de se compreender,
5 Passando ao largo da pola- metida a matéria – ora retesada, ora solta – corrigindo a rota da interpretação da cultura.
rização dos anos 70 que
desencavou os velhos clu- faz com que ela tenha uma forma regular- O primeiro ensaio, por exemplo, “O Te-
bes do Alecrim e da
Manjerona – Mário ou mente irregular e que surjam à tona ou atro e o Modernismo”, nega a idéia corrente,
Oswald? –, Decio tem exa-
minado com minúcia as
submerjam, ora o fio contínuo da história, eternamente reiterada, da irrelevância do te-
contradições de nosso mo-
dernista, espelhadas com
ora as interpretações críticas, ora observa- atro no modernismo brasileiro. Procurando
perfeição na volubilidade ções pessoais ou a consciência um pouco preencher tal lacuna, o crítico tece “um fei-
das opiniões de época, ou
em suas vicissitudes. melancólica, mas sempre estóica, do passar xe de relações entre o teatro e o modernis-

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mo, com o objetivo de provar que há entre os plano nacional e internacional, que “puxou”
dois mais vínculos profundos do que sonha o radicalismo estético e tirou do limbo a
nossa habitual historiografia”. peça de nosso modernista. (Decio estende
A partir da evidência de que o moder- suas considerações até a redescoberta de
nismo conta com um autor – Oswald – e um Mário de Andrade no final dos anos 70,
crítico – Alcântara Machado – a análise pas- através do Macunaíma levado à cena por
sa a iluminar o lugar do criador de Pathé Antunes Filho.)
Baby, “cuja exata contribuição está ainda Talvez possamos identificar o ponto ner-
por se levantar”. E será mesmo do exame voso dessa revisão histórica e crítica do te-
da produção crítica do nosso modernista, atro brasileiro, da qual só citei dois mo-
“apocalíptico” e “profeta de uma nova era mentos, em sua qualidade de desfoque ou
estética”, que Decio conclui tratar-se, não desencontro: entre intenção e realização,
de um crítico no sentido profissional da pa- entre talento, disciplina e sensibilidade his-
lavra, apreciando peças e espetáculos se- tórico-estética (confira-se o extraordinário
gundo padrões estéticos, mas de alguém que estudo sobre Procópio Ferreira) ou entre
escreve artigos doutrinários semelhantes “à ilusão e senso de realidade nas análises
pregação naturalista de um Zola em 1870 conjunturais. Essas duas últimas parcelas
ou à campanha empreendida por Bernard estão expostas de forma sutil, ligeiramente
Shaw, em fins do século XIX, a favor do irônicas, nas análises das vicissitudes do
ibsenismo”. pensamento de esquerda no Brasil, menos
Comprometido até a medula com o pro- levado à prática do que alimentado de lite-
jeto nacionalista do modernismo, Alcântara ratura, afinal sua forma mais comum ape-
Machado atacava os pilares básicos da cul- sar da inflamação retórica. Ou, como diria
tura oficial brasileira, propondo “trancos” Decio, “esse espírito de subversão apenas
para reorientar o teatro, integrando-o ao verbal...”.
momento universal (6) e ao que seria pró- Convido o leitor a perseguir esse fio sub-
prio do Brasil, isto é, segundo ele, a velha terrâneo ao correr dos nove ensaios, e que
comicidade farsesca. “O riso popular, su- reponta aqui e ali. Seja observando o “abc do
bindo do circo e da revista, foi a chave para marxismo, explicado pelo Método Berlitz, de
uma interpretação genuinamente brasileira perguntas e respostas” de Deus lhe Pague, ou
de textos brasileiros, servindo ainda, de pas- os pendores esquerdistas de Procópio, que
sagem, para a reavaliação de clássicos fran- afinal não durariam muito. (Diga-se de pas-
ceses e espanhóis.” sagem que a preocupação de Decio enquanto
A análise minuciosa a que Decio subme- crítico atuante não era fiscalizar ideologica-
te os textos de Alcântara Machado, mostran- mente Procópio e, sim, incitá-lo a retomar
do-os em relação com o teatro que se fez seu lugar em nosso teatro quando o grande 6 Tarefa levada a cabo, em
que pese a acusação de
depois e examinando suas limitações, se faz ator começou a ser atirado para a periferia “teatro burguês” pelo TBC,
que aliás encenou A Se-
justiça à sua importância ao compará-los a teatral; assim deve ser lida a crítica a Essa mente, de Guarnieri. Na
época a censura só foi con-
um verdadeiro Prefácio de Cromwell de Noite Choveu Prata e não conforme a enten- tornada graças à interfe-
rência e diplomacia de De-
nosso modernismo, aponta sua paradoxal deu Miroel Silveira, numa página de resto cio de Almeida Prado e
Sábato Magaldi (cf. Viver
inanidade, pois que, se alguém os leu, não completamente equivocada (7), mas que rima de Teatro, uma Biografia
tiveram a menor repercussão no teatro. Essa com sua auto-avaliação em prefácio do pró- de Flávio Rangel, de José
Rubens Siqueira, Secreta-
intensa pregação teórica caiu no vazio. E prio livro, como “um dos agentes decisivos ria do Estado da Cultura de
SP/Nova Alexandria,
quando de fato se iniciou a renovação tea- para o surgimento do moderno teatro brasi- 1995). Aliás, todo teatro a
que assistimos aqui e ali é
tral, entre 1940 e 1950, “esta se fez sem pla- leiro”, às vezes com posição “evolucionária e burguês, criticando ou não
a burguesia, tomando ou
no de conjunto, por avanços e recuos, por realista, como Mao em relação à velha Chi- não partido de classe.
Quanto ao teatro popular,
iniciativas às vezes antagônicas, quase to- na...” – assim mesmo!) confiram-se textos de
Marlyse Meyer, principal-
das de caráter individual”. Se continuamos a acompanhar o mesmo mente alguns contidos em
Por seu turno, o reencontro do teatro de fio, surpreendemos o trio Tarsila-Oswald- Caminhos do Imaginário
no Brasil (Edusp, 1993).
Oswald de Andrade com os anos 60 é ana- Pagu às vésperas da crise, em 1929, brilhan-
7 Em A Outra Crítica. São
lisado a partir da conjuntura política, no do nos salões elegantes da Barão de Limeira. Paulo, Símbolo, 1976.

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“Pouquíssimo tempo depois, os três, já sua geração, participamos de sua surpresa
desligados, mas obedecendo individual- com a própria juventude (aqui o tempo é
mente ao mesmo imperioso mandato his- circular) ao folhear o álbum de Fredi
tórico, inscreviam-se artística e huma- Kleeman: “Como era jovem o nosso teatro
namente na contestação comunista. por volta de 1950! Que belos rostos adoles-
Tarsila adotava a ‘pintura social’. Pagu centes tinham tantos dos meus amigos e
escrevia sob pseudônimo um romance companheiros de viagem de então!”.
proletário. E Oswald, na capa interna do Por isso Peças, Pessoas, Personagens
Serafim, renegava a totalidade de sua obra também se revela como um livro de forma-
publicada até aquela data, 1933”. ção, podendo ser alinhado ao lado de Recor-
tes, de Antonio Candido que “sem ser auto-
Se damos um salto aos anos 60, observa- biográfico”, segundo Nelson Ascher (10),
mos da mesma forma uma certa incorporação “delineia com traços fortes seu percurso in-
do marxismo, segundo a letra e a música da telectual”. São ambos “livros soltos”, reche-
época. Em suma, segundo penso, a sugestão ados de lembranças, não a serviço da
de Decio é a de que, assim como a fortuna sentimentalidade, mas com a intenção do tes-
teatral, a formação do intelectual de esquerda temunho, a homenagem aos companheiros,
no Brasil é também cheia de buracos e sujeita o respeito em relação aos traços da cultura
a modismos, o que não significa desqualificar nacional, mesmo se desajeitados. Como são
esse pensamento, mas, desculpem-me a rei- livros reveladores ou desmistificadores, não
teração, repensá-lo. Seus equívocos, talvez podem ser neutros, no sentido de manter afas-
ingenuidades, não devem ser culpa de nin- tada de si a subjetividade. Pois não é verda-
guém, mas das próprias contingências em que de que, intrínseco ao real, o discurso é parte
nos formamos enquanto nação (8). da subjetivação da objetividade (11)?
Decio não se exime dos enganos e lá o Passo a palavra a Yan Michalski no livro
surpreendemos assistindo a Deus lhe Pague póstumo Ziembinski e o Teatro Brasileiro (12)
“vibrando de entusiasmo”, acrescentando- ao observar ser impossível escrever sobre seu
se a seu prazer “um arrepiozinho a mais – o personagem, “autêntico eixo da evolução do
da subversão sem perigo, efetuada somente teatro brasileiro” sem escrever ao mesmo tem-
por meio do pensamento”. po sobre a história da crítica teatral brasileira
Aqui chegamos ao último ponto que co- do período. Acrescenta ser indispensável “res-
mentarei de Peças, Pessoas, Personagens, e saltar mais uma vez o papel desempenhado
8 Eis uma ingenuidade real-
mente ingênua, hoje difícil que é justamente seu caráter de impureza, por Decio de Almeida Prado – tão revolucio-
de entender, mas que vale
a pena relembrar: Tempo: entre ensaio, depoimento de percurso inte- nário em sua contribuição para a crítica quanto
depois do golpe de 64;
Lugar: Teatro Opinião,
lectual, registro de época, construção foi o papel desempenhado por Ziembinski na
Copacabana; Hora: saída
do espetáculo; Todos (in-
ficcional, efetivamente realizada na tragi- sua contribuição para o palco”.
clusive eu) contritos e sus- comédia de A Censura Revisitada. Esse tra- Não tenho dúvida que a razão desse re-
surrantes: “o golpe não vai
poder resistir depois deste ço já o havia registrado Antonio Arnoni Pra- conhecimento repousa no compromisso de
espetáculo” (pano rápido).
do em ‘O Teatro de Decio de Almeida Pra- Decio de Almeida Prado com a cultura viva.
9 Publicado em Novos Estu-
dos Cebrap, 38, março de do’ (9), observando que o click da máquina Peter Brook observa em The Empty Space
1994.
de Fredi Kleeman “modelou a fisionomia de (13) que a diferença entre vida e morte, tão
10 Folha de S. Paulo, 31 de uma geração”, retratando antes personagens clara no homem, é um tanto obscura em ou-
maio de 1992.
que pessoas. Incluindo-se também entre as tros campos. Quanto ao teatro, ele o define
11 A formulação é de Chico
de Oliveira em O Elo Per- primeiras, Decio abre o intervalo necessário como uma arte autodestrutiva, sempre “es-
dido Classe e Identidade
de Classe, São Paulo, para examinar-se ou acompanhar os próprios crita no vento”. O espectador morto, ou o
Brasiliense, 1987.
passos com a relativa isenção permitida pela crítico morto, ou o dramaturgo morto não
12 Hucitec/Ministério da Cul-
tura/Funarte, 1995. Edição distância e com um mínimo de adesão. As- podem respirar o ar rarefeito dessa
final do texto de Fernando
Peixoto, com a colabora-
sim o flagramos em seus equívocos, ilusões efemeridade e apenas querem ver confirma-
ção de Johana Albu-
querque.
ou acertos, tomamos conhecimento de seu das no palco as próprias teorias.
percurso intelectual na esfera do teatro, da É fácil concluir que Decio de Almeida
13 Londres, McGibbon & Klee,
1968. importância, admitida com simplicidade, de Prado joga no time oposto.

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