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EPISTEMOLOGIA DE AL-GHAZALI

Editora Bismillah
O Imam Al-Ghazali deve ser visto dentro da tradição sunita ortodoxa. Os sunitas
ortodoxos, baseando-se na tradição do Profeta (que a paz esteja com ele) e dos
Companheiros, postulavam três meios ou fontes de aquisição de conhecimento. Esses
três componentes são:

● A percepção sensorial (os cinco sentidos – al-hawwass al-khams)


● A razão (al-`aql)
● A revelação divina (al-wahy)

Os muçulmanos sunitas afirmam que as três ferramentas de aquisição de conhecimento


têm cada uma o seu papel na descoberta da verdade. O conhecimento obtido por meio
da percepção sensorial, por exemplo, é válido e aplicável em questões legais, como os
horários das orações e as regras de pureza da água.

Mas os cinco sentidos são falíveis, então usamos a faculdade da razão para corrigir e
remendiar o que eles são incapazes de considerar e determinar. No entanto, a própria
razão também é incapaz de conhecer ou determinar verdades e valores referentes às
verdades eternas e divinas, pois, apesar de ir além dos sentidos, ela se baseia neles
para sua operação.

Então, é al-wahy (a revelação) que vem em resgate dos cinco sentidos e da razão.
Al-wahy nos proporciona o conhecimento das realidades cujo contexto transcende o
tempo e o espaço. Isso significa que as três ferramentas de conhecimento devem ser
empregadas, cada qual em seu domínio. Essas três ferramentas se empregam tambem
em sentido descendente: tanto a razão quanto os sentidos são usados para determinar
de que modo al-wahy deve ser aplicada, e também na busca dos sinais de Deus na
criação, confirmando o que al-wahy diz.

Imam Al-Ghazali caracterizou-se por examinar sistematicamente essas três fontes de


conhecimento a fim de determinar de que modo poderia o ser humano ter acesso à
certeza absoluta. Nessa procura, relatada em sua Autobiografia Espiritual, ele estudou a
fundo os princípios e métodos de quatro grupos que se propunham buscar a verdade:
os teólogos dialéticos, os filósofos, os “ocultistas” (que diziam receber seu
conhecimento diretamente de um Imam oculto infalível) e os sufis.

Dedicando-se arduamente, ele assimilou o conhecimento desses quatro grupos, nessa


ordem. Considerou o conhecimento dos teólogos dialéticos útil para refutar heresias,
mas inútil para os fins que ele mesmo tinha em vista, quais sejam, a obtenção da
certeza absoluta.

Quanto aos filósofos, reconheceu a utilidade de seus conhecimentos em matemática,


lógica e ciências da natureza, mas em matéria de metafísica rechaçou suas conclusões
que contradiziam a revelação divina.

Quanto aos “ocultistas”, que alegavam receber seu conhecimento diretamente de um


Imam infalível, concluiu Al-Ghazali que eles não resolviam o problema da certeza, pois,
ainda que tal Imam realmente fosse infalível, o fato de ser uma fonte de conhecimento
exterior ao ser humano (ou seja, ser uma outra pessoa) excluía a possibilidade do
acesso constante ao conhecimento e impunha a necessidade da formulação de juízos
racionais pessoais falíveis.

Dedicando-se então ao estudo e à prática dos métodos dos sufis, Al-Ghazali alcançou a
iluminação interior e a intimidade com a Presença Divina que os adeptos dessa escola
alegavam ter. Reconheceu nessas coisas uma participação no que chamou de
“faculdade da profecia”: um acesso, ainda que limitado, à inspiração divina direta, na
qual reconheceu a única fonte possível de certeza absoluta para o ser humano.

A faculdade da profecia existia em plenitude em Muhammad e nos outros profetas (que


a paz esteja com todos eles), e em diferentes níveis e graus naqueles que se
dedicavam aos métodos de purificação e iluminação interior do tasawwuf islâmico, que
lhes permitiam por assim dizer conhecer a revelação divina “por dentro”, em sua
realidade íntima, e não somente em suas manifestações exteriores doutrinais, rituais e
legais.

Foi a partir desse conhecimento íntimo da revelação divina que Al-Ghazali retomou e
recapitulou todas as ciências islâmicas em sua obra principal, A Revivificação das
Ciências da Religião. Essa reapresentação do conjunto da religião a partir de um
conhecimento vivo de sua realidade espiritual valeu-lhe o título de A Prova do Islam –
aquele que, em sua pessoa e em sua obra, provou que o Islam é uma religião
verdadeira e salvadora.
Extraído de: https://www.editorabismillah.com.br/breve-apreciacao-de-al-ghazali/

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