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Com A Pre Escola Nas Maos Fundamentos Da Proposta
Com A Pre Escola Nas Maos Fundamentos Da Proposta
EDUCPÇAO E M ^ÇA O
Sonia Kramer
A organização
curricular constitui um
dos maiores desafios
(organizadora)
Professora universitária. Pesquisadora nas áreas de educação
pré-escolar, linguagem e alfabetização, formação de professores.
colaboração:
da escola brasileira. Ana Beatriz Carvalho Pereira
Como elaborar
propostas pedagógicas Maria Luiza M agalhães Bastos Oswald
que levem em conta a Regina de Assis
grande diversidade das
nossas populações
infantis e, ao mesmo
tempo, garantam o
desenvolvimento pleno
da criança e o seu
acesso ao
conhecimento?
O livro Com a
COM A PRE-ESCOLA
pré-escola nas mãos
apresenta uma das
possíveis respostas
para essa instigante
NAS MÃOS
questão. Trata-se de Uma alternativa curricular para a educação infantil
uma proposta
curricular que tem
como objetivo um
trabalho pedagógico
eficiente, em especial
com crianças entre 4 e
6 anos. Mais do que um
texto puramente teórico
ou simples manual de
atividades, este livro é o \ r .
resultado de uma
prática de longos anos FABEL LIO TECA
das autoras em defesa v ^ %
Pr«fS d t uieliu üe Ò ouíü B t u f a p>
Responsabilidade editorial
Fernando Paixão
Preparação dos originais
Denise Azevedo de Faria
Colaboração pedagógica
Márcia de Oliveira Torcatto
Edição de arte
Milton Takeda
Divina Rocha Corte
Coordenação de composição
(Produção/Paginação em vídeo)
Neide Hiromi Toyota
Alice Yuriko Someda
MM)*#» apa
Mm Fiíia. fü;éj de M pM ic( sar Pereira
f ABr t A nossos filhos e filhas,
Registro n2 üata
a todas as crianças com quem trabalhamos,
EDITORA AFILIADA
14a EDIÇÃO
9a impressão
2007
Todos os direitos reservados
pela Editora Ática.
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CAPÍTULO 1
dita normas — é uma síntese provisória do trabalho escolar, que
como tal deve ser atualizado, transformado, refeito.
O segundo aspecto, estreitamente relacionado ao anterior,
é o de que é preciso compreender o currículo como guia que Fundamentos teóricos
apóia e complementa, mas jamais substitui o trabalho criati
vo, professores e alunos. Assim, o currículo não pode ser visto
como um conhecimento pré-concebido que define conteúdos e
da proposta
estratégias metodológicas meramente executados por professores
e alunos. A prática pedagógica, entendida como prática social
viva e ativa, confirma, nega, acrescenta e reduz aspectos e te
mas ao currículo, que é, dessa forma, instrumento constante
mente avaliado.
Para isso, no entanto, se coloca como crucial explicitar
um terceiro aspecto: o currículo sintetiza a orientação teórico-
metodológica da proposta, mas não exclui a necessidade de aper
feiçoamento contínuo e atualização pedagógica dos professo T T oda proposta pedagógica deve ser sempre orientada por pres
res. A fim de que os professores e a equipe como um todo pos supostos teóricos que explicitam as concepções de criança, de
sam (re)elaborar e (re)definir o currículo — bem como a sua educação e de sociedade. Com a finalidade de definir tais pres
prática cotidiana —, é essencial que tenham acesso aos conhe supostos, recorremos inicialmente à história, à sociologia, à an
cimentos que vêm sendo produzidos. Dessa forma, lhes será pos tropologia e à psicologia, por considerar que essas áreas do co
sível não apenas reproduzir mas fundamentalmente renovar, nhecimento são capazes de fornecer uma fundamentação teó
produzir o seu conhecimento coletivamente, avançando na re rica sólida, a partir da qual a proposta pode ser delineada. Ex
flexão e na atuação pedagógica. plicitamos, em seguida, as principais teorias e tendências peda
Talvez não fosse necessário dizer, mas toda essa ação está gógicas que têm informado a prática da educação de crianças
condicionada a condições de trabalho e salariais dignas, e a re de 0 até 6 anos, definindo com base nelas nosso posicionamen
cursos materiais básicos para apoiar a prática docente. Não se to e nossas opções.
trata, pois, de apenas captar o “ espírito” desta proposta, mas
de garantir requisitos fundamentais para torná-la concreta.
Enfim, cabe acrescentar que muitos dos aspectos aqui des BASES TEÓRICAS
critos são válidos também para a faixa de 0 a 3 anos, desde que
feitas as devidas adequações e consideradas as especificidades, Situando a educação de crianças de 4 a 6
principalmente no que se refere ao processo de socialização. Ca anos no Brasil — Contribuições da visão
be deixar claro, além disso, que o critério “ idade” é visto aqui histórica
com a flexibilidade que de fato caracteriza as crianças. Assim,
a idade deve ser um dos referenciais considerados na composi Recorrendo aos estudos históricos da educação, consta
ção das turmaç, mas não o único. Nesse sentido, também, não tamos que, no contexto brasileiro, apenas nos últimos cinqüenta
apresentamos no currículo situações ou atividades específicas anos é que a educação passou a ser encarada como dever do
por faixa etária, na medida em que essa adaptação é função Estado e direito de todos os cidadãos, situando-se, nesse aspecto
do planejamento que, por sua vez, é feito a partir do contexto em especial, a educação elementar de 4 anos de duração (a an
específico de cada turma. tiga escola primária). A partir de 1971, com a Lei 5692, a edu
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cação básica foi prolongada de 4 para 8 anos de duração, pas Definindo o papel da escola —
sando o ensino de 1? grau — dirigido às crianças dos 7 aos 14 Contribuições da sociologia
anos — a ser obrigatório em todo o estado nacional, apesar de Há uma estreita relação entre educação e sociedade. A par
existirem hoje, ainda, cerca de sete milhões de crianças, um terço tir de uma análise crítica dos estudos e das discussões correntes
da população na faixa dos 7 aos 14 anos, fora da escola. A baixa na sociologia, é possível definir o papel que atribuímos à esco
qualidade do ensino, aliada à falta de vagas nas escolas em algu la na sociedade brasileira, como concebemos as crianças e os
mas regiões do País são as maiores responsáveis por esse fato. adultos que com elas trabalham, e de que forma situamos nos
A repetência e a evasão são uma constante na escola brasileira, sa própria proposta pedagógica.
e a obrigatoriedade dos 7 aos 14 anos, se bem que estabelecida Entendemos que a escola não tem o poder de mudar a so
em lei, não é, ainda, realidade para a maioria da população. ciedade, mas, simultaneamente, ela não tem o mero papel de
Se considerarmos, por outro lado, a história e a evolução conservar mecanicamente essa sociedade. A escola de 1? grau
do atendimento às crianças de 0 a 6 anos, o quadro é ainda muito e também a escola para crianças até 6 anos têm a função de
mais grave. Até muito recentemente, esse atendimento era vis contribuir, junto com as demais instâncias da vida social, para
to como tendo caráter apenas médico e assistencial, e as espar as transformações necessárias no sentido de tornar a sociedade
sas iniciativas públicas estavam (e estão) imbuídas dessas tôni brasileira mais democrática.
cas. É só a partir da década de 70 que a importância da educa Cabe dizer, ainda, que não atribuímos à educação de crian
ção da criança pequena é reconhecida e as políticas governa ças de 0 a 6 anos o papel de evitar, por antecipação, os proble
mentais começam a, incipientemente, ampliar o atendimento, mas da escola de 1? grau. Diferentemente dessa visão compen
em especial das crianças de 4 a 6 anos. No entanto, essa educa satória — que consideramos equivocada e discriminatória —
ção não está assegurada pela legislação, o que, evidentemente, e diferentemente, também, daqueles que não consideram a pré-
dificulta a expansão com qualidade da educação para este ní escola importante, temos consciência dos seus limites e das suas
vel. Hoje, então, apenas 10% das 25 milhões de crianças brasi possibilidades reais.
leiras de 0 a 6 anos (das quais cerca de 16% são crianças de Por isso, reconhecemos a função pedagógica do trabalho
4 a 6 anos) recebem algum tipo de atendimento, incluindo-se com crianças de 0 a 6 anos, capaz de favorecer o desenvolvi
aqui dados da rede privada e das iniciativas de órgãos de assis mento infantil e a aquisição de conhecimentos, e consideramos
tência social. A nova Carta Constitucional reconhece o dever como extremamente relevantes as contribuições que pode con
do Estado de oferecer creches e pré-escolas para todas as crianças ferir à escola de 1? grau.
de 0 a 6 anos. No entanto, a fim de que esse reconhecimento A fim de que essa função se efetive na prática, o trabalho
se transforme em realidade, fazendo com que a educação pré- pedagógico precisa se orientar por uma visão das crianças como
escolar se torne verdadeiramente pública, é necessário que ha seres sociais, indivíduos que vivem em sociedade, cidadãs e cida
ja legislação e recursos específicos, estabelecidos não só pela dãos. Isso exige que levemos em consideração suas diferentes ca
nova Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional, mas tam racterísticas, não só em termos de histórias de vida ou de região
bém pelas Constituições Estaduais. geográfica, mas também de classe social, etnia e sexo. Reconhe
No atual momento histórico é, portanto, fundamental que cer as crianças como seres sociais que são implica em não igno
se amplie a oferta de educação para crianças de 0 a 6 anos, de rar as diferenças. Os conflitos — que podem emergir — não de
modo a garantir, a todas, o direito de acesso e permanência. vem ser encobertos, mas, por outro lado, não podem ser refor
Evidentemente, o trabalho realizado no interior dessa escola deve çados: precisam ser explicitados e trabalhados com as crianças
ter a qualidade necessária para que possa com efetividade be a fim de que sua inserção social no grupo seja construtiva, e para
neficiar as crianças, aspecto que podemos melhor aprofundar que cada uma seja valorizada e possa desenvolver sua autono
a partir das contribuições provenientes da sociologia, da psico mia, identidade e espírito de cooperação e solidariedade com as
logia e da antropologia. demais.
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Considerando o contexto social e cola ou pré-escola para crianças das classes médias” . E isso por
cultural em que a criança está inserida — que insistimos no critério único de qualidade como requisito
Contribuições da antropologia para uma educação democrática, pois a diferença deve ser con
siderada para que se possam alcançar os mesmos objetivos in
Se os estudos históricos nos ajudam a situar a proposta
dependente da origem sócio-econômica ou cultural das crianças.
pedagógica no contexto político mais amplo; se os estudos so
ciológicos orientam nossa definição sobre o papel que atribuí Esses pressupostos teóricos estabelecem as diretrizes do tra
mos à escola e quanto aos conhecimentos a que deve dar aces balho com crianças de 4 a 6 anos, e dão os fundamentos a par
so; se, ainda, as pesquisas de cunho psicológico nos fornecem tir dos quais se pode optar por uma dada tendência pedagógi
subsídios valiosos para planejar e desenvolver nosso currículo, ca, privilegiar determinados procedimentos e estratégias meto
os estudos antropológicos exigem que levemos em conta o con dológicas e, também, selecionar noções e conteúdos básicos das
texto de vida mais imediato das crianças e as próprias caracte diferentes áreas do conhecimento. Entendemos que oferecem
rísticas específicas dos professores e da escola como instituição. uma base sólida para um trabalho que se pretenda de qualida
Isso significa reconhecer que as crianças são diferentes e de, mas reconhecemos que esse trabalho tem diferentes formas
têm especificidades, não só por pertencerem a classes diversas e possibilidades de concretização. Nesse sentido, não há padrões
ou por estarem em momentos diversos em termos do desenvol ou requisitos únicos para a implementação deste currículo, que
vimento psicológico. Também os hábitos, costumes e valores pode, portanto, ser desenvolvido em circunstâncias diversas, des
presentes na sua família e na localidade mais próxima interfe de que realizadas as devidas adaptações.
rem na sua percepção do mundo e na sua inserção. E, ainda,
também, os hábitos, valores e costumes dos profissionais que
com elas convivem no contexto escolar (professores, serventes, DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS
supervisores etc.) precisam ser considerados e discutidos. DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR
Dessa forma, as relações estabelecidas entre os profissio À NOSSA PROPOSTA
nais da escola, desses com as crianças, com as famílias e com
a comunidade, precisam ser norteadas por essa visão real da Sistematizar as diferentes tendências pedagógicas é tarefa
heterogeneidade — rica em contradições — que caracteriza a nada simples, principalmente se entendemos que a realidade é
sociedade e as escolas em geral, e cada creche ou pré-escola em muito mais rica, dinâmica e contraditória do que as tipologias
particular. Essa diversidade nos coloca o desafio de buscar as ou classificações que dela fazemos. Isso quer dizer que, enquanto
alternativas (em termos de atitudes e estratégias) necessárias para prática social, a prática pedagógica é muito mais complexa do
atender as crianças — e cada criança —, compreendendo-as a que o rótulo que, porventura, nela colocamos. Além disso, a
partir das suas experiências e condições concretas de vida. maioria dos professores e de seus trabalhos não se encaixa fa
E, evidentemente, dessa postura decorre a valorização que cilmente em um dos tipos, exatamente porque a prática peda
deve ser dada à estreita relação com as famílias, não só para gógica é contraditória e está sempre em movimento.
conhecê-las melhor, mas para que possam conhecer a proposta Por outro lado, nenhuma prática é neutra: ao contrário,
pedagógica e ajudar a construí-la na prática, facilitando assim ela está sempre referenciada em alguns princípios (os nossos se
um real diálogo entre escola e família, o que possibilita um con encontram no item anterior) e se volta a certos objetivos, mes
texto educacional no qual as contradições e dificuldades pos mo que não formulados explicitamente. É nesse sentido — per
sam ser enfrentadas em benefício das crianças. cebendo os limites de uma classificação, e, ao mesmo tempo,
Mas esse reconhecimento da diversidade cultural e social o sentido político e social de toda prática pedagógica — que
das crianças não pode levar a aceitar discriminações do tipo “ es identificamos as tendências predominantes hoje, no Brasil, em
cola ou pré-escola para crianças das classes populares” e “ es programas educacionais dirigidos a crianças menores de 6 anos:
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1) a tendência romântica, que concebe a pré-escola como ças menores de 7 anos. Ela representa, na verdade, uma descon
um "jardim de infância” , onde a criança é “ sementinha” sideração quanto à especificidade dessa educação e uma espécie
ou “ plantinha” que brota e a professora a "jardineira” ; de “ prolongamento para baixo” ou antecipação da perspectiva
2) a tendência cognitiva, jde base psicogenética, que en mais tradicional da educação de 1? grau. Baseada em treinamen
fatiza a construção do pensamento infantil no desen tos, a “ preparação” visaria, assim, a “ aceleração” (das crianças
volvimento da inteligência e na autonomia; das classes médias) ou a “ compensação de carências” (das crian
3) a tendência crítica, que vê a pré-escola como lugar de ças das classes populares). Tal forma de encarar a função da pré-
trabalho coletivo, reconhece no professor e nas crian escola pode ser encontrada tanto em muitas propostas “ român
ças sua condição de cidadãos, e atribui à educação ticas” quanto em algumas cognitivas, principalmente quando as
o papel de contribuir para a transformação social. crianças se aproximam dos 6 anos de idade. Por não levarem em
consideração os determinantes sociológicos e antropológicos do
Procedemos à análise de cada tendência da seguinte for processo educacional, e por terem uma concepção da criança ape
ma: em primeiro lugar, apresentamos os pressupostos que lhe nas como “ futuro adulto” é que tais estratégias se voltam ape
estão subjacentes; em seguida, descrevemos suas diretrizes prá nas à preparação. Na bibliografia apresentada ao final, há várias
ticas; ao final, trazemos alguns exemplos do cenário brasileiro referências de trabalhos que aprofundam essa questão (Kramer,
que são por ela informadas. 1982; Kramer e Abramovay, 1986; Kramer e Souza, 1988).
De posse dessa análise e coerentemente com o referencial
teórico apresentado, procuramos, em seguida, apontar as tendên A tendência romântica: A pré-escola é um
cias pedagógicas que fornecem os subsídios e instrumentos que jardim, as crianças são as flores ou sementes,
consideramos adequados para empreender uma educação volta a professora é a jardineira — A educação deve
da à cidadania, meta primordial de nossa proposta. Explicitamos,
favorecer o desenvolvimento natural
então, onde se situa nossa proposta: reconhecemos as contribui
ções de três abordagens, e em seguida identificamo-nos com a ten Essa tendência se identifica com o próprio surgimento da
dência crítica e priorizamos os aspectos de caráter social e cultural. educação pré-escolar. Nasce no século XVIII, num contexto em
Finalmente, vale esclarecer que não estamos comparando que os princípios do liberalismo, no plano filosófico, as pro
aqui o método Montessori com a teoria de Piaget ou os centros fundas modificações na organização da sociedade, no plano so
de interesse de Decroly com as oficinas Freinet. Seria grave er cial, e, ainda, as progressivas descobertas na área do desenvol
ro teórico submeter a tal tipo de análise produções de estatutos vimento infantil geram intensos questionamentos à chamada es
científicos tão diversos. A educação se alimenta de várias ciên cola tradicional, no plano educacional.
cias, norteada por um eixo político e movida pela história. As Tais questionamentos lançam os fundamentos da escola
sim sendo, várias são as fontes de influências às teorias educa nova, movimento que irá se aprofundar nos séculos XIX e XX.
cionais e as tendências pedagógicas nelas fundamentadas. O que Várias metodologias têm origem nesse movimento, tendo al
buscamos fazer aqui é apenas analisar, sob o prisma da orga gumas delas exercido forte influência no ensino brasileiro, em
nização curricular, as diferentes tendências pedagógicas que im particular na pré-escola.
pregnam programas ou propostas direcionadas para crianças Como princípios básicos da escola nova destacam-se: a va
de até 6 anos. E falar claro da nossa proposta! lorização dos interesses e necessidades da criança; a defesa da
O leitor pode se surpreender por não encontrar aqui, co idéia do desenvolvimento natural; a ênfase no caráter lúdico
mo tendência, uma situação bastante comum nas pré-escolas das atividades infantis; a crítica à escola tradicional, porque os
brasileiras — a de preparar as crianças para a 1? série. A “ pre objetivos desta estão calcados na aquisição de conteúdos; e a
paração da prontidão” , como é chamada, não se constitui, en conseqüente prioridade dada pelos escolanovistas ao processo
tretanto, em uma tendência pedagógica da educação de crian de aprendizagem.
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O currículo que deriva de tais princípios tem sempre co (origem do estudo das crianças naturais), o da associação no tempo
mo centro as atividades. Desde a sua origem, na Europa, com e no espaço (da qual derivam a história e a geografia) e a expres
Froebel e os primeiros jardins de infância, passando por De são (em que se trabalha o grafismo e a linguagem). Para Decroly,
e p ly e sua proposta de renovação do ensino e organização das “ a sala de aula está em toda parte” , e o tempo de duração de
atividades escolares em “ centros de interesses” , até Montesso- cada centro de interesse deve ser flexível, orientado de acordo com
ri e sua preocupação com uma “ pedagogia científica” e um “ mé os interesses, o desenvolvimento e a curiosidade infantis. Nesta
todo pedagógico” capazes de orientar eficientemente a ação es corrente pode-se analisar criticamente, em primeiro lugar, que
colar, o fundamental para a Escola Nova é a atividade e o seu as necessidades básicas apontadas por Decroly são as dos adul
caráter de jogo. tos (e de determinados adultos), e não as das crianças. Em se
Algumas diferenças podem ser constatadas no interior dessa gundo lugar, o objetivo do trabalho escolar continua sendo a aqui
tendência pedagógica, que entende romanticamente a pré-escola sição de conhecimentos predeterminados, pois os “ centros de in
como jardim de infância e as crianças como plantinhas ou se- teresse” , na verdade, apenas reorganizam os conhecimentos em
mentinhas, situando-se concepções de Froebel, Decroly e Mon geral distribuídos nas matérias escolares, apesar de proporem ati
tessori. Assim é que Froebel (1782-1852), por exemplo, defen vidades que caminhem do “ empírico” ao abstrato.
dia a idéia da evolução natural da criança e enfatizava a impor Já Montessori (1870-1952) sofre influências de duas pers
tância do simbolismo infantil. Considerava que o desenvolvimen pectivas: de um lado, ela é marcada pela psicologia experimen
to verdadeiro provém de atividades espontâneas e construtivas, tal da qual deriva sua preocupação com a criação de uma “ pe
primordiais, segundo ele, para “ integrar o crescimento dos po dagogia científica” ; de outro lado, é influenciada pela filoso
deres físico, mental e moral” . Sua proposta pode ser caracteri fia oriental, responsável por sua “ visão cósmica” e pela ênfase
zada como um “ currículo por atividades” , onde o caráter lúdi dada por seu método à introspecção. Dentre os princípios filo
co é o determinante da aprendizagem da criança. Brinquedos can sóficos que baseiam o método, pode-se citar: o ritmo próprio,
tados, historias, artes plásticas, desenho, recorte e colagem, cons a construção da personalidade através do trabalho, a liberda
trução, observação da natureza e horticultura são as atividades de, a ordem (considerada o elemento integrador da personali
fundamentais nos Kindergartens, onde os recursos pedagógicos dade), o respeito e a normalização (autodisciplina).
estão organizados em: “ prendas” (brinquedos, jogos de cons
Destes princípios derivam as diretrizes metodológicas de
trução), “ ocupações” (recorte, colagem, dobradura) e “ atividades
Montessori, que estão calcadas: na importância da escola ati
maternais” (música, dança, embalos). Pode-se criticar, nesse en va; na visão de que a criança “ absorve” o meio; na noção de
foque, a desconsideração dos aspectos sociais, a concepção po “ silêncio” e autocontrole (para Montessori uma conquista); na
sitivista de que as atividades levam espontaneamente ao conhe progressão (inicialmente o controle de si, em seguida o contro
cimento e, ainda, a visão linear do processo educacional. le das coisas, enfim, o respeito pelos outros); na modificação
Decroly (1871-1932), por sua vez, destacava o caráter global e adaptação do mobiliário às crianças; e na utilização de mate
da atividade infantil e a função de globalização do ensino. Co riais específicos que visam a promover a aprendizagem nas di
mo pressuposto básico postulava que a necessidade gera o in ferentes áreas (sensorial, vida prática, linguagem, matemática
teresse, verdadeiro móvel em direção ao conhecimento. As ne etc.). Na concepção do método Montessori, esses materiais são
cessidades capitais do homem na sua troca com o meio são, se autocorretivos, graduados, isolam as dificuldades (“ uma tare
gundo Decroly: 1) a alimentação; 2) a defesa contra intempé fa de cada vez” ) e devem ser explorados segundo a “ lição de
ries; 3) a luta contra perigos e inimigos; 4) o trabalho em so três tempos” (informação; reconhecimento; fixação do voca
ciedade, descanso e diversão. Desse pressuposto deriva sua pro bulário). Vários são os questionamentos que podem ser levan
posta pedagógica de organizar a escola em “ centros de interes tados a este enfoque. Criado originalmente para crianças ex
se , onde a criança passa por três momentos: o da observação cepcionais e aplicado, mais tarde, a crianças “ normais” , o
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método Montessori — diferentemente das propostas de Froebel epistemólogo, Piaget (1896-1980) investiga o processo de cons
e de Decroly — fragmenta o conhecimento, já que as atividades trução do conhecimento e realiza, ao longo de sua vida, inú
são calcadas fundamentalmente em materiais didáticos específi meras pesquisas sobre o desenvolvimento psicogenético, cen
cos para cada finalidade. Tais materiais são descontextualiza- trando seus estudos, principalmente nos últimos anos de sua
dos e criados artificialmente, ao invés de se usar objetos e situa vida, no pensamento lógico-matemático. Produtor de uma vas
ções reais, e oferecem, ainda, o risco de mecanização da ativi
dade infantil. Por outro lado, o “ silêncio” e a “ autodisciplina” tíssima obra, Piaget utiliza, nas suas investigações, o “ méto
representam, de certa forma, estratégias camufladas de autori do clínico” que permite o conhecimento de como a criança
tarismo do adulto sobre a criança, além de ser estabelecida uma pensa e de como constrói as noções sobre o mundo físico e social.
relação normativa da escola com as famílias, uma vez que se acre Para melhor situar o trabalho de Piaget e as várias pro
dita que a “ pedagogia científica deve influenciar o meio” . postas pedagógicas delineadas a partir de suas contribuições,
Assim, embora proponham alternativas curriculares dife cabe mencionar alguns pressupostos básicos de sua teoria, em
rentes, as três propostas são românticas: partindo de uma vi especial o interacionismo, a idéia de construtivismo seqüencial
são de criança como sementinha, de pré-escola como “ jardim ” e os fatores que, segundo ele, interferem no desenvolvimento.
e de professora como “ jardineira” , deixam de considerar os Para Piaget, o desenvolvimento resulta de combinações
aspectos sociais e culturais que interferem tanto nas crianças, entre aquilo que o organismo traz e as circunstâncias ofereci
quanto nas professoras, como, ainda, na própria pré-escola.
das pelo meio: o eixo central, portanto, é a interação organis-
No Brasil, essa concepção de pré-escola como “ jardim de mo/meio. O interacionismo pretende, assim, superar, de um
infância” foi inaugurada com o movimento da Escola Nova
nas décadas de 20 e 30 deste século, sendo até hoje muito di lado, as concepções inatistas e, de outro lado, as teorias com-
fundida, seja na rede pública, seja na particular. Cabe regis portamentalistas. Essa interação se dá através de dois proces
trar, nesse sentido, a atuação de Heloísa Marinho, que, informa sos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio,
da pelo escolanovismo e influenciada especialmente pelas idéias funções exercidas pelo organismo ao longo de toda a vida. A
de Froebel, tem desenvolvido, desde 1930, uma série de estu adaptação — definida por Piaget como o próprio desenvolvi
dos e trabalhos em torno do “ currículo por atividades” e mento da inteligência — ocorre através da assimilação e aco
do método natural de leitura por ela criado. A abordagem Mon modação. Os esquemas de assimilação vão se modificando,
tessori, por sua vez, teve sua expansão principalmente devi progressivamente, configurando os estágios de desenvolvi
do à atuação dos educadores vinculados à Organização Brasi mento.
leira de Atividades Pedagógicas e à Associação Brasileira de Edu
cação Montessoriana. Apesar de reconhecer a grande contri Os estágios evoluem, segundo a teoria de Piaget, como uma
buição dada por estes educadores em defesa da educação pré- espiral, de maneira que cada estágio engloba o anterior e o am
escolar, é preciso perceber seus limites, em especial por não le plia. Piaget não define idades rígidas para os estágios, mas con
varem em consideração a heterogeneidade social e o papel po sidera que se apresentam em uma seqüência constante (cons
lítico que a pré-escola desempenha no contexto mais amplo da trutivismo seqüencial), a saber: sensório-motor, simbólico (ou
educação e da sociedade brasileira. pré-operacional), operatório concreto e operatório abstrato (ou
lógico-formal). Considera, ainda, que tal processo de desenvol
A tendência cognitiva: A criança é sujeito que vimento é influenciado pelos seguintes fatores: maturação (cres
pensa, e a pré-escoia o lugar de tornar as cimento biológico dos órgãos); exercitação (funcionamento dos
crianças inteligentes — A educação deve esquemas e órgãos que implica na formação de hábitos), apren
favorecer o desenvolvimento cognitivo dizagem social (aquisição de valores, linguagem, costumes e pa
drões culturais e sociais) e equilibração (processo de auto-
Essa segunda tendência tem em Jean Piaget, e em seus dis regulação interna do organismo, que se constitui na busca su
cípulos, a mais importante de suas fontes inspiradoras. Como cessiva de reequilíbrio após cada desequilíbrio sofrido)..
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Com base em tais pressupostos, a educação na visão pia- 4) A organização é adquirida através da atividade e não
getiana deve possibilitar à criança o desenvolvimento amplo e o contrário. É fazendo a atividade que a criança se or
dinâmico desde o período sensório-motor até o operatório abs ganiza.
trato. A escola deve, assim, levar em consideração os esque 5) O professor é desafiador da criança: ele cria “dificul
mas de assimilação da criança (partir deles), favorecendo a rea dades” e “problemas”. Assim, a pré-escola deixa de
lização de atividades desafiadoras que provoquem desequilíbrio ser vista como passatempo, e passa a ser um espaço
(“ conflitos cognitivos’’) e reequilibrações sucessivas, promo criativo, que permite a diversificação e ampliação das
vendo a descoberta e a construção do conhecimento. Nessa cons experiências infantis, valorizando a iniciativa, curiosi
trução, as concepções infantis (ou hipóteses) combinam-se às dade e inventividade da criança e promovendo a sua
informações provenientes do meio, na medida em que o conhe autonomia.
cimento não é concebido apenas como espontaneamente des 6) Na pré-escola é essencial haver um clima de expec
coberto pela criança, nem como transmitido mecanicamente pelo tativas positivas em relação às crianças, de forma a
meio exterior ou pelo adulto, mas como resultado dessa intera encorajá-las a ter confiança nas suas próprias possi
ção onde o sujeito é sempre ativo. bilidades de experimentar, descobrir, expressar-se, ul
Assim, os principais objetivos da educação consistem na trapassar seus medos, ter iniciativa etc.
formação de homens “ criativos, inventivos e descobridores’’, 7) No currículo da pré-escola informado pela teoria de Pia
na formação de pessoas críticas e ativas e, fundamentalmente, get as diferentes áreas do conhecimento (linguagem,
na construção da autonomia. A interdisciplinaridade é con matemática, ciências naturais e sociais) são inte
siderada central, ao contrário da fragmentação dos conteú gradas. O eixo central desse currículo são as ativi
dos existentes nos currículos da pedagogia tradicional e racio- dades.
nalista.
Diversas críticas podem ser levantadas tanto à teoria de
Algumas implicações da teoria de Piaget para a prática da
Piaget quanto às implicações pedagógicas dela decorrentes. Em
pré-escola merecem ser destacadas, partindo-se do princípio de
relação à teoria, pode-se apontar o reducionismo da epistemo-
que Piaget não propõe um método de ensino, mas, ao contrá
rio, elabora uma teoria do conhecimento e desenvolve muitas logia genética, que identifica o desenvolvimento do homem com
investigações cujos resultados são utilizados por psicólogos e o desenvolvimento da inteligência e, dessa forma, prioriza o pen
pedagogos. Nesse sentido, suas pesquisas recebem, freqüente- samento lógico-matemático (ocidental), desconsiderando outras
mente, interpretações diversas, que se concretizam em propos “ lógicas” construídas em outros contextos sócio-culturais. Pode-
tas didáticas também diversas. Há, no entanto, alguns princí se questionar, também, o caráter universal de seus achados, na
pios básicos que, em geral, orientam a prática pedagógica de medida em que a teoria não leva em consideração as interfe
uma pré-escola fundamentada na teoria de Piaget, a saber: rências de classe social, cultura e sexo, e destacar, ainda, a pre
ponderância dos processos cognitivos sobre os sócio-afetivos
1) Tudo começa pela ação. As crianças conhecem os ob na determinação do desenvolvimento infantil.
jetos, usando-os (um esquema é aplicado a vários obje
tos e vários esquemas são aplicados ao mesmo objeto).
Em relação às implicações pedagógicas da teoria de Pia
get, pode-se mencionar a ênfase dada aos aspectos cognitivos
2) Toda atividade na pré-escola deve ser representada
(semiotizada), permitindo que a criança manifeste seu em detrimento dos domínios social, afetivo e lingüístico. São
simbolismo. passíveis também de críticas as propostas curriculares “ piage-
3) A criança se desenvolve no contato e na interação com tianas” , onde as atividades lúdicas são o centro, e não a crian
outras crianças: a pré-escola deve sempre promover ça histórica e socialmente situada, com suas atividades reais e
a realização de atividades em grupo. significativas em função de seu contexto sociocultural de origem.
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as mudanças profundas na educação deveriam ser feitas pela A proposta pedagógica de Freinet centra-se em técnicas,
base — pelos próprios professores. dentre as quais pode-se citar: as aulas-passeio; o desenho livre
O movimento pedagógico por ele fundado pode ser carac e o texto livre; a correspondência interescolar; o jornal (mural
terizado por sua dimensão social, demonstrada através da de e impresso); o livro da vida (diário individual e coletivo); o di
fesa de uma escola centrada na criança, vista não como indiví cionário dos pequenos; o caderno-circular para os professores
duo isolado, mas fazendo parte de uma comunidade “ a que ela etc. Tais técnicas visam a favorecer o desenvolvimento dos mé
serve e que a serve” , e que possui direitos e deveres, dentre os todos naturais da linguagem (desenho, escrita, gramática), da
quais o direito ao erro. A ênfase maior é dada ao trabalho: as matemática, das ciências naturais e das ciências sociais<.
atividades manuais são consideradas tão importantes quanto Assim, compreende que a aquisição do conhecimento e
as intelectuais, e a disciplina e a autoridade são fruto do traba fundamental, mas deve ser garantida de forma significativa e
lho organizado. Esta escola dinâmica é elemento ativo de mu prazeirosa. Para tanto, a organização pedagógica das classes
dança social para a edificação de uma sociedade mais humana, Freinet supõe: oficinas de trabalhos manuais e intelectuais; pro
e é também popular, pois se direciona às crianças do povo, pa jetos e contratos de trabalho; fichários (de diferentes áreas e
ra fazer com que não se sintam discriminadas por pertencerem com diversas finalidades) e a cooperativa escolar.
às classes populares. Considera que a disponibilidade de materiais e espaço fí
Freinet constrói uma pedagogia, não cria um método co sico bem como a organização da sala e da escola são cruciais
para a realização das atividades nas oficinas. Finalmente, a ava
mo caminho fechado, mas técnicas construídas lentamente com
liação é entendida em três níveis: individual, cooperativa e fei
base na experimentação e documentação, que fornecem à criança
ta pelo professor.
instrumentos para aprofundar o seu conhecimento e desenvol
ver a sua ação. A título de comentários gerais, pode-se dizer que há pou
co conhecimento e muita incompreensão no Brasil quanto à pe
Considerando ã atividade básica do homem como sendo dagogia Freinet, em especial sua proposta de educação pelo tra
o trabalho, questiona os deveres escolares (repetitivos e enfa balho. Criticado como tradicional pelos educadores escolano
donhos) opostos aos jogos (atividades lúdicas, recreio etc.) que vistas e como escolanovista pelos educadores tradicionais, per
visam, em geral, a dar uma válvula de escape à opressão sofri seguido pelos nazistas como revolucionário e criticado pelos co
da no trabalho. Aponta como essa dualidade presente na esco munistas por não ter se filiado ao Partido Comunista Francês,
la reproduz a dicotomia trabalho/prazer gerada pela socieda é provavelmente um dos pedagogos contemporâneos que mais
de capitalista industrial. Propõe o trabalho-jogo como ativida contribuições oferece àqueles que estão preocupados com a cons
de fundamental da escola dinâmica popular. trução de uma escola ativa e dinâmica e, simultaneamente, con
“ O desejo de conhecer mais e melhor nasceria de uma si textualizada do ponto de vista social e cultural. Sua pedagogia
tuação de trabalho concreta e problematizadora. O trabalho de apresenta,’obviamente, lacunas — em termos de nossa realida
que se trata aí não se limita ao manual, pois o trabalho é um de atual — que precisam ser ultrapassadas, dentre as quais pode-
todo, como o homem é um todo. Embora adaptado à criança, se destacar, por um lado, sua visão talvez por demais otimista
o trabalho deve ser uma atividade verdadeira, e não um traba quanto ao poder transformador da escola. Por outro lado, a
lho para brincar, assim como a organização escolar não deve dimensão social é identificada por Freinet aos fatores de classe
ser uma caricatura da sociedade.” social ou geográfico-culturais, estando ausentes os aspectos re
ferentes à discriminação de sexo e de cor, problemas efetivos
Freinet destaca a extrema importância da participação e para a sociedade brasileira e o movimento social atual. Do ponto
integração entre famílias/comunidade e escola, e defende o pon de vista do método natural de leitura, pode-se questionar a pro
to de vista de que “ se se respeita a palavra da criança, necessa posta de o professor ser o “ escriba” da turma, aspecto que as
riamente há mudança” . investigações mais recentes da psicolingüística permitem modi-
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ficar. Finalmente, falta na sua pedagogia uma explicitação mais cio deste capítulo, nossa meta básica é implementar uma pré-
articulada, sob o ponto de vista psicológico, do processo de de escola de qualidade, que reconheça e valorize as diferenças exis
senvolvimento das crianças. tentes entre as crianças e, dessa forma, beneficie a todas no que
No Brasil, não são muitos os trabalhos baseados em Frei- diz respeito ao seu desenvolvimento e à construção dos seus co
net. Conhecido apenas muito recentemente, ele tem influencia nhecimentos.
do algumas escolas e educadores, entre os quais registramos: Ma Para que esse objetivo maior seja concretizado, definimos
ria Inês Cavaliere Cabral, ao nível da escola secundária e do en as seguintes metas educacionais: a construção da autonomia e da
sino da língua francesa; Regina Yolanda Werneck, com sua ex cooperação, o enfrentamento e a solução de problemas, a res
periência principalmente na área da literatura infantil; além de ponsabilidade, a criatividade, a formação do autoconceito está
Rute Joffily, mais especificamente voltada para a pré-escola na vel e positivo, a comunicação e a expressão em todas as formas,
área rural de Paulínia (SP), e Madalena Freire, que, fortemente particularmente ao nível da linguagem. É em função dessas me
marcada por Freinet, vem trabalhando numa linha psicocultu- tas que o currículo é pensado e a prática pedagógica desenvolvida.
ral, com a qual nos identificamos, e que nos parece mais se apro Assim, não estamos interessados em apenas formar crian
ximar das necessidades e anseios de nossas populações infantis. ças que sejam “ inteligentes” e saibam resolver problemas; mas,
Dos caminhos percorridos, das lições aprendidas, das crí ao mesmo tempo, nossa atuação não se dirige, tão-somente,
ticas levantadas, enfim, da história construída, como fica deli ao acúmulo repetitivo e mecânico dos conteúdos escolares por
neada nossa proposta? parte das crianças.
Reconhecemos a importância que teve, no seu momento Na nossa concepção, o desenvolvimento infantil pleno e
histórico, a concepção de “ jardim de infância” e consideramos, a aquisição de conhecimentos acontecem simultaneamente, se
ainda, inúmeras das contribuições que nos conferem a teoria caminhamos no sentido de construir a autonomia, a coopera
de Piaget. Porém, nossos pressupostos mais se aproximam da ção e a atuação crítica e criativa.
pedagogia de Freinet, embora a avancemos em determinados Assumindo as crianças como indivíduos que pertencem a
aspectos, em particular naqueles referentes ao desenvolvimen grupos sociais, entendemos que a pré-escola que lhes oferece
to infantil. No que diz respeito, por exemplo, à polêmica jo- mos deve necessariamente contribuir para sua inserção crítica
go/trabalho, consideramos que o que a criança faz com inten e criativa na sociedade. Para tanto, é essencial que possam ad
cionalidade (dada por ela própria ou pela professora) na esco quirir os conhecimentos exigidos no 1? grau de forma dinâmi
la é trabalho, que nem por isso deixa de ter um aspecto lúdico ca e viva, participando desse processo que, afinal, é o processo
(como deseja Freinet). Além disso, há momentos variados da de construção de sua cidadania.
atividade da criança na escola em que o gozo e o prazer são O currículo da pré-escola é, então, elaborado a partir desse
os móveis da atividade lúdica, e o jogo (espontâneo ou dirigi referencial, levando em conta as características específicas das
do) é só ludicidade mesmo, isso significa, então, que há traba crianças e do momento em que vivem (seu desenvolvimento psi
lho (prazeroso) e jogo na escola, tendo ambos aspectos distintos. cológico), as interferências do meio que as circundam (sua in
Nossa proposta pode ser caracterizada como de tendên serção social e cultural) e os conhecimentos das diferentes áreas,
cia crítica com fundamentação psicocultural, abordagem que capazes de permitir a articulação da pré-escola com a escola de
só recentemente começa a ser desenvolvida no Brasil em proje 1? grau.
tos como,,por exemplo, a “ Escola da Vila” , de São Paulo, e Entendemos, ainda, que mais importante do que adotar
“ Criança e Meio Ambiente” , em Campinas, São Paulo. uma metodologia pré-elaborada é construir, na prática peda
Privilegiamos os fatores sociais e culturais, entendendo- gógica, aquela metodologia apropriada às necessidades e con
os como os mais relevantes para o processo educativo. Coeren dições existentes e aos objetivos formulados. Nesse sentido, par
tes, então, com os fundamentos teóricos apresentados no iní- timos de alguns princípios metodológicos, que são:
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CAPÍTULO 2
— tomar a realidade das crianças como ponto de parti
da para o trabalho, reconhecendo sua diversidade;
— observar as ações infantis e as interações entre as
crianças, valorizando essas atividades;
— confiar nas possibilidades que todas as crianças têm
Falando sobre
de se desenvolver e aprender, promovendo a constru
ção de sua auto-imagem positiva;
— propor atividades com sentido, reais e desafiadoras
as crianças
para as crianças, que sejam, pois, simultaneamente
significativas e prazerosas, incentivando sempre a des
coberta, a criatividade e a criticidade;
— favorecer a ampliação do processo de construção dos
conhecimentos, valorizando o acesso aos conheci
mentos do mundo físico e social;
— enfatizar a participação e a ajuda mútua, possibilitan
do a construção da autonomia e da cooperação.
C o m o mostramos no capítulo 1, entendemos que há deter
O currículo aqui apresentado é uma das possíveis alterna minados parâmetros psicológicos que orientam o desenvolvi
tivas para a concretização desses princípios. Os capítulos apre mento de todas as crianças. Sabemos, por outro lado, que a
sentados a seguir procuram descrever a implementação e ava situação sociocultural e as condições econômicas em que vivem
liação desse currículo na prática, partindo de “ quem são nos as crianças, além do sexo e da etnia, exercem uma forte influên
sas crianças” e como constroem conhecimentos, marco crucial cia sobre elas e sobre os conhecimentos que constroem. Mas
para o trabalho pedagógico. “ como se dá essa influência” , “ em que direção ela atua” , e
“ de que maneiras os fatores sociais e culturais interferem no
desenvolvimento infantil” constituem-se hoje em um campo
aberto à pesquisa. Muitos aspectos relativos à complexa inter
seção da antropologia e da lingüística com a psicologia encon
tram-se, ainda, sem resposta e oferecem uma gama de indaga
ções à investigação científica no campo do desenvolvimento hu
mano, da socialização e da aprendizagem.
Em que pese a fragilidade das pesquisas nessa área, sabe
mos, no entanto, que é crucial o contexto de vida das crianças
com quem trabalhamos para o processo de construção de um
currículo. Entendemos também que uma compreensão mais
aprofundada de quem são as crianças e de como constroem co
nhecimentos é obtida com a realização de cada trabalho e com
o desenvolvimento de pesquisas relacionadas às crianças e aos
fatores sociais e culturais que as influenciam na construção de
seus conhecimentos.
No sentido de explicitar a grande diversidade sociocultu
ral existente na escola e na pré-escola, apresentamos — a título