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ISSN: 1984-6290

B3 em ensino - Qualis, Capes


DOI: 10.18264/REP

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O brincar na Pré-Escola: reflexões sobre a brincadeira, a escola e o


desenvolvimento infantil

Marcélia Amorim Cardoso


Docente (Fabel), mestre em Educação (UERJ), doutoranda em Educação (UFRRJ)

Ivone da Silva Carrancho


Pedagoga, docente da rede privada de Nova Iguaçu/RJ

Introdução
Apresentamos uma reflexão sobre o brincar na Pré-Escola a partir de uma questão: como a brincadeira contribui no desenvolvimento
infantil? Iniciamos pontuando sobre o desenvolvimento Infantil, a seguir elencamos aspectos importantes na Educação Infantil e
finalizamos com reflexões sobre o brincar na Pré-Escola. Ao longo deste estudo buscamos analisar como se dão as práticas em sala de
aula e a relação entre professor, aluno e o brincar nesse conjunto. Como elemento cultural, a brincadeira é aprendida e repassada para
outras gerações pelas interações sociais, e nelas as brincadeiras são memorizadas, resgatadas, reproduzidas e recriadas. A Pré-Escola
torna-se espaço privilegiado para os encontros dos diálogos lúdicos entre culturas e experiências.

Desenvolvimento infantil

Os primeiros passos da vida de uma criança são marcados por grandes transformações, tanto no ambiente familiar quanto no ambiente
escolar. A criança recebe ao longo dessa fase muitas informações ao mesmo tempo.

Concepções contemporâneas sobre o desenvolvimento humano entendem que é com o outro e por meio do outro que o indivíduo se constitui. Tais
concepções trazem a noção de desenvolvimento como um processo que se dá pelas e nas interações sociais, essa concepção é a única compatível com a
noção de ser humano como uma espécie biologicamente social
(Hansen et al., 2007, p. 134).

As primeiras vivências que as crianças experimentam desde seu nascimento e até antes, durante a gestação, são importantes, pois
ampliam as fases do desenvolvimento que possibilitam conhecer o mundo em seu entorno. Os vínculos que criam com as pessoas que
estão ao seu redor, cuidando, falando, acariciando, brincando no começo de suas vidas influenciam profundamente seu desenvolvimento
físico, cognitivo, emocional e social.

Os primeiros anos de vida são importantes porque o que ocorre na primeira infância faz diferença por toda a vida. A ciência nos mostra o que devemos
oferecer às crianças e do que devemos protegê-las para garantir a promoção de seu desenvolvimento saudável. Relacionamentos estáveis, responsivos,
estimulantes e ricos em experiências de aprendizagem nos primeiros anos de vida provêm benefícios permanentes para a aprendizagem, para o
comportamento e para a saúde física e mental (Shonkoff, 2009, p. 9).

A criança busca entender o que acontece à sua volta por meio da comunicação, dos movimentos, contemplando a afetividade e a
interação, dispondo de um ambiente que a estimule pela via das brincadeiras, das histórias, das imagens e das músicas. Estudiosos do
desenvolvimento infantil, como Wallon e Piaget, apontam que esse processo ocorre em etapas ou fases. Craidy e Kaercher (2009, p. 26-29)
apresentam as fases do desenvolvimento infantil segundo a perspectiva de Wallon.

1. Estágio impulsivo-emocional (1º ano de vida): nesta fase predominam nas crianças as relações emocionais com o ambiente. Nesta
fase vão sendo desenvolvidas as condições sensório-motoras (olhar, pegar, andar) que permitirão, ao longo do segundo ano de
vida, intensificar a exploração sistemática do ambiente.
2. Estágio sensório-motor (um a três anos): ocorre neste período uma intensa exploração do mundo físico, em que predominam as
relações cognitivas com o meio. No final do segundo ano, a fala e a conduta representativa (função simbólica) confirmam uma nova
relação com o real, que emancipará a inteligência do quadro perceptivo mais imediato. Ou seja, ao falarmos a palavra "bola", a
criança reconhecerá imediatamente do que se trata, sem que precisemos mostrar o objeto a ela.
3. Personalismo (três aos seis anos): nesta fase ocorre a construção da consciência de si, através das interações sociais, dirigindo o
interesse da criança para as pessoas, predominando assim as relações afetivas. Há uma mistura afetiva e pessoal que refaz, no plano
do pensamento, a diferenciação inicial entre inteligência e afetividade.

As autoras também trazem as etapas do desenvolvimento infantil definidas por Piaget:

1. Estágio sensório-motor (zero a dois anos, aproximadamente): esta etapa é caracterizada por atividades físicas que são dirigidas a
objetos e situações externas. Quando a criança adquire a marcha e a linguagem, as atividades externas desenvolvem uma dimensão
interna importante, pois toda a sua experiência vai sendo representada mentalmente. A partir da aquisição da linguagem, inicia-se
uma socialização efetiva da inteligência.
2. Estágio pré-operacional (por volta dos dois aos seis/sete anos): nesta fase a criança vai construindo a capacidade de efetuar operações
lógico-matemáticas (seriação, classificação). Ela aprende, por exemplo, a colocar objetos do menor para o maior, a separá-los por
tamanho, cor, forma (Craidy; Kaercher, 2009, p. 26-28).

Wallon e Piaget entendem que progressivamente a criança vai aperfeiçoando tais movimentos e reflexos, estruturando seu pensamento de
acordo com cada fase. Tanto na fase sensório-motor de Wallon quanto na de Piaget, a criança inicia sua comunicação com o meio. Para os
autores, nessa fase a fala e a interação com o meio são utilizadas ampliando as possibilidades de ação, descobertas, percepções e controle
corporal por sensações e experimentações. Craidy e Kaercher (2001) lembram que Vygotsky não organizou o desenvolvimento infantil em
fases como Wallon e Piaget, mas apontou a linguagem lúdica como elemento agregador nesse processo.

Educação Infantil
Apesar das mudanças positivas no cenário da Educação Infantil durante as últimas décadas, ainda temos um grande desafio: transformar
os espaços infantis em áreas de conhecimento significativos para o desenvolvimento infantil. A Educação Infantil, primeira etapa da
Educação Básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se
caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que
educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por
órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social (Brasil, DCNEI, 2009). Seu papel é oferecer vivências e experiências
significativas em diferentes áreas do desenvolvimento da criança, construindo laços afetivos e a criatividade em um ambiente seguro e
acolhedor.

O período de vida da criança atendido pela Educação Infantil caracteriza-se por aprendizagens muito importantes, como a marcha e a fala. Além disso,
formam-se a imaginação e as capacidades de fazer de conta e de representar por meio de várias linguagens. Nesse período, as experiências são decisivas e
seu conhecimento desenvolve-se mais do que em qualquer outra etapa da vida. É direito da criança, portanto, ter acesso a uma prática educativa de
qualidade, compatível com o ritmo de seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida, respeitadas suas competências e limitações (Instituto Avisa Lá, 2015,
p. 13).

O desenvolvimento infantil deve ser considerado ao se oferecer a Educação Infantil. Além de direito reservado e garantido pelas instâncias
legais, a Educação Infantil deve garantir o respeito ao processo de desenvolvimento, às características pessoais e às manifestações
culturais que cada criança apresenta, suas fases e etapas, processos e pensamentos. Dessa forma entendemos que a Pré-Escola deve
promover situações de aprendizado de forma ética, política e estética segundo a proposta das diretrizes curriculares da educação,
promovendo ações e práticas inovadoras, pontuando elementos primordiais na relação da criança com o mundo.

Bastos e Pereira (2003) reforçam que cabe à escola produzir um ensino que atenda às reais necessidades dos alunos da Educação Infantil,
que de fato produza crescimento individual e social, capaz de fazê-la entender sua participação naquele espaço. A escola precisa enxergar
o poder de criação das crianças. O Instituto Avisa Lá, em sua publicação Diretrizes em Ação (2015, p. 12), reitera que

a ideia de que a criança pequena sabe muito e aprende rapidamente enfrenta um paradoxo: por um lado, os adultos que são próximos, como pais, tios; por
outro, as escolas, por oferecer-lhes atividades não adequadas às suas habilidades cognitivas Tanto as escolas quanto a produção editorial propõem
atividades não condizentes com as competências e habilidades infantis. São pensadas para uma criança genérica, imatura, em dissonância com o seu nível de
desenvolvimento.

Contudo, ainda há práticas que, além de acreditar que a criança aprende repetindo mecanicamente letras e números em uma ânsia
desnecessária de apressamento de conteúdos do Ensino Fundamental, desconsideram aspectos essenciais do desenvolvimento infantil
para a aprendizagem. A criança se relaciona com “o mundo e com ela própria, mas o percurso é sinuoso, um percurso de vaivém entre o
interno e o externo” (Cerisará, 1997, p. 46), o mundo infantil é dotado de descobertas, experimentações, sensações, percepções
pensamentos e vivências que estarão presentes no desenvolvimento desse universo infantil. A forma em que a Educação Infantil é
organizada revela uma série de concepções: de criança, de aprendizagem, de desenvolvimento. Segundo o Instituto Avisa Lá (2015, p. 14),

a concretude dos espaços e a disposição dos materiais são elementos decisivos para revelar a identidade da Educação Infantil e, por consequência, o papel
dos profissionais. Portanto, observar os espaços das creches e pré‑escolas, bem como refletir sobre eles, ajuda a entender o lugar da criança na sociedade,
nas secretarias da educação e junto aos profissionais da área.

Nesse sentido, muitas realidades em Pré-Escola revelam um lugar de desqualificação da criança, pois não aceitam seus saberes e não
permitem que falem sobre suas vivências. A brincadeira tem hora e lugar e não é a criança que define; estão ausentes atividades de
descobertas e expressões corporais, culturais e afetivas. Romper essas realidades é promover uma Pré-Escola em que no centro do seu
pensar e do seu fazer estejam a criança e o que ela mais preza e necessita: a brincadeira.

Brincar para o desenvolvimento Infantil


LEI

O brincar é uma atividade prática que envolve afeto, organização, socialização e respeito; além disso, é um direito assegurado na
Declaração dos Direitos da Criança, adotada em 1959 pela Organização das Nações Unidas: “A criança terá ampla oportunidade para
brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em
promover o gozo desse direito” (Declaração Universal dos Diretos da Criança, 1959, Princípio 7).

É referência para diversos países, inclusive o Brasil, que a considera no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990; em seu Art. 16,
define que “o direito à liberdade compreende os seguintes aspectos (...) brincar, praticar esportes e divertir-se” (Brasil, 1990).

As brincadeiras são aprendidas no meio cultural com outras crianças e pessoas mais velhas. Nas brincadeiras, idealizam personagens por
meio de objetos, contos e fantasias. A brincadeira realizada na Pré-Escola encontra muitas críticas de adultos que ainda conservam o ideal
preparatório em discordância mediante as práticas lúdicas realizadas em sala de aula.

A Pré-Escola deve ser um espaço de experiências significativas tendo papel fundamental no desenvolvimento da autonomia infantil diante
das resoluções de eventuais situações dentro do cotidiano escolar. O desenvolvimento infantil no ambiente escolar está aliado a vários
fatores, dentre eles o brincar e as situações que envolvam criatividade infantil a partir da ludicidade. Machado e Nunes (2012, p. 19-20)
destacam que

as experiências que as crianças vão adquirindo na Educação Infantil devem possibilitar o encontro de explicações contextualizadas sobre o que ocorre à sua
volta e consigo mesma, enquanto desenvolvem formas de sentir, pensar e solucionar problemas que serão refletidos e vivenciados na idade adulta.

Assim toda vivência infantil contextualizada principalmente por meio de brincadeiras influi significativamente no desenvolvimento infantil.
Para Hansen et al. (2007, p. 134),

Existem, portanto, certos comportamentos que são adaptativos a uma fase específica do desenvolvimento e ao longo da vida desaparecem. Um exemplo
típico presente em várias espécies é o comportamento de brincar, o qual na espécie humana está relacionado aos desenvolvimentos físico, social, emocional
e cognitivo das crianças.

As brincadeiras sempre tiveram relação direta ou indireta com o comportamento humano; elas expressam emoção, timidez, dor e alegria.
A criança tem necessidade de interagir, construir seus pensamentos, sentir suas emoções, seus desejos, suas vontades. Então percebemos
que o simples ato de brincar – seja um faz de conta, uma história contada, ou até um esconde-esconde – contribui no processo de
consciência social e afetiva do mundo ao redor. Ao manipular os objetos, a criança também está transferindo para eles suas emoções.

A vida intelectual requer alguns instrumentos necessários à sua realização, tal como a linguagem, que é construída na vida social. Sendo a vida emocional o
primeiro terreno das relações interindividuais de consciência, ela é também uma das condições necessárias à vida intelectual. Emoção e inteligência mantêm
contínuas relações (Cerisará, 1997, p. 45).

Situações em a que criança vive podem ser percebidas por sua forma de brincar e manipular os brinquedos, como é o caso de maus-
tratos, percebidos em acompanhamentos terapêuticos e no cotidiano escolar. O corpo da criança é um elemento fundamental na
descoberta e na interação com o mundo.

Araújo (2005) cita uma pesquisa realizada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo em que foram acompanhadas as
brincadeiras de crianças internas em uma instituição. Os resultados da pesquisa indicaram que as crianças vítimas de violência transferiam
para os brinquedos a dificuldade com a representação familiar e o temor pela recordação das experiências traumáticas.

Os movimentos são considerados, pelos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 1998), uma forma de
linguagem, e pelas brincadeiras a linguagem é desenvolvida e ampliada. Machado e Nunes (2012, p. 12) reiteram que “o movimento para a
criança significa muito mais do que mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço. A criança usa seu corpo para expressar pensamentos
e emoções que ainda não consegue exprimir pela palavra”.

Portanto, o espaço escolar precisa se adequar às necessidades da criança, apresentando panorama agradável, sugestivo e com variedade
de materiais que estejam ao seu alcance, permitindo a interação com os pares e com os objetos de forma espontânea e lúdica.

Considerações
A Educação Infantil deve favorecer o ambiente lúdico necessário às experiências sensoriais, emocionais, sociais e culturais fundamentais ao
desenvolvimento infantil. Longe de ser espaço preparatório para o Ensino Fundamental, a Pré-Escola deve considerar as elaborações e
hipóteses infantis surgidas e experimentadas na brincadeira. Nesse sentido, esta deve ser considerada o próprio processo pedagógico.

Referências

ARAÚJO, Lucivaldo da Silva. Maus-tratos infantis, singularidade e contexto: um desafio para a clínica da terapia ocupacional. Cadernos de
Terapia Ocupacional, v. 3, nº 2, p.77-90, 2005.

BASTOS, Ivanilda Maria e Silva; PEREIRA, Sonia Regina. A contribuição de Vygotsky e Wallon na compreensão do desenvolvimento infantil.
Linhas, Florianópolis, v. 4, nº 1, p. 72-94, 2003.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em 9 maio 2016.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Conhecimento de Mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 3.

CERISARÁ, Ana Beatriz, A psicogenética de Wallon e a Educação Infantil. Perspectiva, Florianópolis, v. 15, nº 28, p. 35-50, jul./dez, 1997.

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