Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
#18.art (2019)
#18.art (2019)
ANAIS
1
18º Encontro internacional de Arte, Ciência Tecnologia
18th International Meeting of Art, Science and Technology
18º Encontro internacional de Arte, Ciência Tecnologia
18th International Meeting of Art, Science and Technology
Edição I Edition
ISSN: 2238-0272
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ORGANIZAÇÃO I ORGANIZATION
Instituições | Institutions
Cultivamos Cultura - Associação Cultural (Portugal);
The COMMITTEE RESPONSIBLE for the event is constituted by a team of Chairs that
transversally ensure the accomplishment of the International Meeting agglomerating
each year to prestigious teams recognized in different Teaching / Research Institutions.
4
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
5
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Design I Design
7
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Throughout the past editions of the International Meeting, #ART, we have been able to veri-
fy that some of the themes dealt with have been reflections aimed at revealing the complex
political, social and identity relationship, as a way of highlighting artistic thinking. New
concepts emerge which allow us to understand and deepen the theories that are born from
new creative paradigms linked to the symbiosis of systemic, artistic, scientific, technologi-
cal, aesthetic, geographic, ecological, communicational and political thinking.
The International Meeting #ART has counted on international partners, such as those
support-ed by the European Union’s cooperation program called “Europe-pays tiers: le
Bresil; whose proposal affirms that art is not indifferent to the tense relationship betwe-
en local and global - on the one hand, it is subject to the political, social and economic
constraints of a territory, on the other hand, it is under pressure from the great dimension
of media information and communication technologies.
8
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
onde se alude a que o preço da liberdade é a vigilância eterna. Esta ideia de evolução
ultrapassa o Homem enquanto individuo, por outro lado, vemos cada vez mais, hoje
em dia, estados de presença e ausência, materialidade e imaterialidade que são en-
carados no domínio da hauntologia - enquanto sensibilidade construída à volta da
ideia de espectro, do simultaneamente presente e ausente. Esta dupla condição de
corpo e imagem pode ser compreendida na dependência da vigilância da tecnologia,
nos fluxos de dados negociados na vivência em rede digital e na proposta de moni-
torização da saúde ou na investigação científica. Vemos como que um contraponto
entre esta hipotética civilização ultra-estruturada (tendo com objetivo a obtenção da
felicidade de todos indivíduos) e as impressões humanas e sensíveis do “anormal” que,
visto como algo aberrante, faz desenvolver um fascínio estranho entre nós.
O uso da tecnologia para construção da felicidade pode por outro lado ser enten-
dida como meio de produção artística, como emergência emocional caraterística
da excecional inteligência humana, auxiliada pela linguagem. Em “A Estranha Or-
dem das Coisas”, Damásio afirma que os sentimentos – de dor, sofrimento ou pra-
zer antecipado – foram as forças motrizes primordiais do empreendimento cultural,
os mecanismos que impulsionaram o intelecto humano na direção da cultura. Nas
suas palavras: “os seres humanos distinguiram-se de todos os outros seres ao criarem
espantosas criações de objetos, práticas e ideias conhecidas coletivamente como
«culturas».” Damásio propõe que os sentimentos monitorizaram o sucesso ou o fra-
casso das nossas invenções culturais, associando cultura a homeostasia tornando
relevante a ligação à natureza aprofundando a humanização do processo cultural,
criando uma interdependência das ideias, praticas culturais, objetos e biologia.
Verificamos que através dos anteriores eventos deste Encontro Internacional, ficou
claro que a arte - com as condições proporcionadas pelo discurso da ciência, tec-
nologia e dos média - oferece um potencial - inteligente e potenciador - onde os
média e as tecnologias estão engajadas no pensamento crítico e de elocução para
as artes e onde se desvanecem distinções ontológicas pré-concebidas. No entanto,
as qualidades simbólicas e estéticas, bem como o pensamento critico e os aspetos
investigativos e de confronto teórico da “pré-média arte”, também se apresentam ser
tão importantes para a “pós-media arte”, obrigando a produção e o discurso artístico
a manter uma mediação entre a matéria e o assunto - realidades e utopias, devolven-
do à arte latu senso a questão central da sua existência.
9
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The use of technology for the construction of happiness can be understood as a means
of artistic production, as an emotional emergence characteristic of exceptional hu-
man intelligence, aided by language. In “The Strange Order of Things,” Damasio states
that feelings - of pain, suffering, or anticipated pleasure - were the prime driving forces
of cultural endeavor, the mechanisms that propelled the human intellect toward cul-
ture. In his words, “human beings have distinguished themselves from all other beings
by creating astounding creations of objects, practices and ideas collectively known
as” cultures. “Damasio proposes that feelings monitored the success or failure of our
10
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The International Encounter “# 18.ART: OF THE ADMIRABLE ORDER OF THINGS: art, emo-
tion and technology”, will seek to analyze concepts that arise from the artistic, techno-
logical and scientific practice of its participants, and confront them with notions derived
from contemporary thoughts of the nominated authors or other proposed inter-actors.
Through the previous events of this International Meeting, it was clear that art - with
the conditions provided by the discourse of science, technology and the media - offers a
potential - intelligent and enhancer - where media and technologies are engaged in crit-
ical thinking and of elocution for the arts and where preconceived ontological distinc-
tions fade. However, the symbolic and aesthetic qualities, as well as the critical thinking
and the investigative and theoretical aspects of the “pre-media art”, also appear to be so
important for the “post-media art”, forcing the production and the artistic discourse to
maintain a mediation between matter and subject - realities and utopias, restoring art
latu senso to the central question of its existence.
The #ART International Meeting on Art and Technology allows the creation of strategies
and methodologies for presentation, recording and critical interdisciplinary analysis in a
process of mapping action and thinking, which allows the construction of a platform for
discussion and consultation and a critical analysis and their multiple meanings. It also
contributes to the creation of publics with the various simultaneous exhibitions and to
the creation of a legacy of investigation, a deepening of an understanding of a territory
that is inscribed beyond its physical limits in perpetual movement. A map, simultaneous-
ly, aesthetic, political, cultural and affective.
We invite you to submit your proposals for participation in an article/poster format and
its presentation, exhibition work, and/or an artist talk, so that together we can explore
and produce innovative experiences.
Datas | Dates
Encontro em Lisboa | Meeting in Lisbon city
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
17 a 19 de Outubro
Exposição | Exhibiton
EmMeio#11
17 a 19 de Outubro
11
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Temas | Themes
12
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
KeyNotes
Her next book, “Arrested Welcome: Hospitality in Contemporary Art,” will come out
in early 2020 from the University of Minnesota Press. Currently teaching at the Uni-
versity of Michigan’s Penny W. Stamps School of Art & Design and the Digital Studies
Institute, Aristarkhova previously worked at Penn State University’s College of Liberal
Arts and the School of Visual Art. Aristarkhova is also a Visiting Professor in Media Art
& Culture Program at the Department of Image Science, Danube University Krems,
Austria. Between 2001-2005, she was the Director of Cyberarts Research Initiative at
the National University of Singapore. Her writing has been translated into Chinese,
Greek, Romanian, Portuguese, German and Slovenian. Aristarkhova currently works
on two projects: an edited collection on Post-Soviet new media art and machinic
futures of affection.
13
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
www.gilberttoprado.net
www.poeticasdigitais.net
14
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
15
SUMÁRIO
Artigos / papers - Edição Lisboa 17
Fluxo de Dados: Visualização e Sonificação 18
Data Flows: Visualization and Sonification
Posters 1456
artigos / papers
EDIÇÃO LISBOA
ANAIS
17
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fluxo de Dados:
Visualização e Sonificação
Data Flows: Visualization and Sonification
18
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A dinâmica da cultura na internet em seus vários estágios, desafia e movimenta
todos os aspectos sociais, inclusive a arte. Esse texto busca explorar a trajetória
dos fenômenos da web em suas múltiplas gerações e fazer alguns apontamen-
tos através de exemplos de trabalhos artísticos nacionais e internacionais e de
como a arte dialoga com essas mudanças. Dentre os trabalhos artísticos aqui re-
latados, apresentamos também a obra desenvolvida dentro do MediaLab/UnB
intitulada de “Flores de Plástico não Morrem”. Desenvolvida a partir do diálogo
poético com os paradigmas e questões da WEB 4.0, essa instalação interativa,
luminosa e constituída de plástico apresenta-se no encontro das tecnologias de
objetos conectados e Internet das Coisas, onde criamos uma selva artificial, com
plantas e flores de plástico interconectadas mediante uma rede interna (Intra-
net), as quais formam um biótopo computacional.
Palavras-chave: Pontozeros, Gerações da Web, Arte computacional, Internet das Coisas.
Abstract
The dynamics of Internet culture in its various stages challenges and moves all so-
cial aspects, including art. This text seeks to explore the web phenomena trajecto-
ry in its multiple generations and make some notes through examples of national
and international artistic works and how art dialogues with these changes. Among
the artistic works reported here, we also present a work developed at the new me-
dia laboratory MediaLab/UnB, entitled “Plastic Flowers Don’t Die”. Developed from
the poetic dialogue with the paradigms and questions of WEB 4.0, this interactive,
luminous and plastic installation is presented in the meeting of connected object
technologies and the Internet of Things, where we created an artificial jungle, with
plants and flowers interconnected upon an internal network (Intranet), creating a
computational biotope.
Keywords: Pointzeros, Web generations, Computational art, Internet of Things.
19
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
Os avanços e transformações tecnológicas mudam a forma de nos relacionar com
as pessoas e com as coisas do mundo. Transformamos nossa perspectiva de encarar
a vida, como por exemplo, a internet proporcionou quebras de paradigmas desde
a forma de como nos relacionamos uns com os outros, passando pela economia,
comunicação, arte e até o próprio modo de viver.
Mesmo que o advento da internet seja recente, essa já passou por várias transforma-
ções significativas e por mudanças paradigmáticas. Para se referir a essas mudanças
técnicas, econômicas e sociais nas gerações da internet, tentamos classificá-las em
pontozeros. Decorrente das grandes transformações na rede mundial de computa-
dores, criamos uma espécie de “versionamento” da internet, passando da versão web
1.0 (1 pontozero), que teve como marco a abertura do espaço online para uso comer-
cial, para a versão “web 2.0” (2 pontozero), onde o foco era centrado no usuário e em
sua produção. Chegou-se na versão 3.0 (3 pontozero) onde a “web” ficou conhecida
como internet semântica, e agora para se referir ao momento atual da internet, que
estreita o limite do virtual e o físico, tem-se referido a esta geração como “web 4.0 (4
pontozero)”.
Em cada mudança de paradigma nas várias versões da web criamos esperanças ro-
mânticas e utopias por meio de promessas propostas por novas tecnologias, que
escondem problemas cada vez mais complexos. Esses problemas frequentemente
estão ligados a questões econômicas, mercadológicas e de consumo, como exem-
plo a promessa da web 2.0 de criar uma comunidade, que acabou encadeando o
capitalismo exploratório de dados ou nos transformando em empregados não re-
munerados de grandes monopólios econômicos e tecnológicos. Como é de se espe-
rar, os artistas e a própria arte também são impactados por essas mudanças tecno-
lógicas. Além de nos fazerem repensar vários aspectos do nosso cotidiano, também
nos fazem reavaliar algumas convicções da própria noção do papel da arte e do ar-
tista na contemporaneidade. A cada transformação na rede de internet, artistas vêm
trazendo com maior destaque suas reflexões e problematizações dessas mudanças
tecnológicas e sociais, por meio da sua própria prática artística.
WEB 2.0
Em função do barateamento dos computadores pessoais e câmeras digitais, softwa-
res com preços mais acessíveis e a expansão do movimento de software livre, houve
uma espécie de democratização na criação e no acesso aos conteúdos na rede por
parte do usuário comum no final dos anos 90 e início dos anos 00. Isso fomentou o
surgimento do que chamamos hoje como “web 2.0”, dando destaque aos websites
da “World Wide Web” que enfatizam conteúdos gerados pelo usuário, como Wikipe-
dia e as plataformas de blogs.
20
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O termo “web 2.0” foi criado por Tim O’Reilly (2005) para se referir na época aos vá-
rios desenvolvimentos técnicos e sociais da internet, dando foco então a um novo
paradigma centrado na produção de conteúdo distribuído e gerado pelos usuários,
na folksonomia e na colaboração em massa.
A popularização das redes sociais entre os anos de 2007 e 2008 foi um importan-
te catalisador para democratização do acesso e distribuição de conteúdo na web.
Neste período já se tinha uma quantidade significativa de produções de áudio e/ou
visuais criadas por usuários comuns e publicados em plataformas sociais e de hos-
pedagem de portfólios online. Produções essas, criadas por meio de técnicas como
a de remix, que consiste na mistura da informação, do recurso e do caminho para a
distribuição deste conhecimento na sociedade. Nesse período também a mídia tra-
dicional, a academia e os artistas cada vez mais se interessavam pelos os espaços da
web 2.0, uma vez que a internet tinha se tornado uma grande mídia de comunicação
entre os usuários, incluindo também as conversas em torno de conteúdo gerado
pelo usuário (Manovich, 2008).
Manovich (2008) escreve em seu texto, “Art after web 2.0”, publicado no livro “The
Art of Participation”, que entre as celebrações do conteúdo criado pelo usuário as
discussões acadêmicas a respeito dos avanços da web, em sua versão 2.0, não está-
vamos nos fazendo algumas perguntas básicas, como: “Em que medida o fenômeno
do conteúdo gerado pelo usuário é impulsionado também pelas próprias empresas
de mídias sociais – que estão no negócio em busca de obter o máximo de tráfego
possível para seus sites para que possam ganhar dinheiro com a venda de publicida-
de e os usos de nossos dados?” Em uma análise sobre as indústrias e meios de comu-
nicação que “nasceram digitalmente”, dentro do contexto da web 2.0, é perceptível
uma nebulosa diferença entre estratégias e táticas no sentido proposto por Certeau
(apud Manovich, 2008). As estratégias e táticas criadas por essa indústria digital es-
tão agora ligadas em uma relação interativa, e muitas vezes suas características são
invertidas. O paradigma da Web 2.0 representa a mais dramática reconfiguração da
relação estratégia/tática até hoje, respondendo às facilidades e disponibilidade de
acesso e produção gerada pelo usuário, empresas criaram poderosos produtos cha-
mados redes sociais.
As estratégias hoje utilizadas pelas empresas de mídias sociais muitas vezes parecem mais as táticas
da formulação original de De Certeau – enquanto as táticas parecem mais estratégias. Uma vez que
as empresas que criam plataformas de mídias sociais ganham dinheiro a partir da quantidade máxi-
21
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ma de usuários a visitá-los (eles também ganham com a publicação de anúncios, venda de dados de
utilização para outras empresas, com a venda de serviços extras, etc), elas têm um interesse direto
em ter os usuários entregando o máximo possível de suas vidas para essas plataformas. Por conse-
guinte, elas concedem aos usuários espaço ilimitado de armazenamento para guardar todas as suas
mídias, a capacidade de personalizar sua “vida on-line” (por exemplo, controlar o que é visto e por
quem) e expandir a funcionalidade das próprias plataformas. (Manovich, 2008, p. 290).
Diariamente, as redes sociais aumentam seus números de usuários, que dão a cada
acesso mais detalhes do seu cotidiano, criam e fazem upload de suas mídias ou es-
crevem posts que se tornaram públicos.
Algumas iniciativas vêm tentando ir contra essa lógica, ou nos alertar sobre os eventu-
ais problemas que podemos ter ao cair nessas tentações tecnológicas propostas pela a
grande indústria digital. O movimento de software livre por exemplo, tem nos propor-
cionados ferramentas livres e abertas de uso comum, como alternativas a esses serviços
ofertados pelas grandes corporações tecnológicas. Os artistas também têm tido um
papel importante ao especular e fomentar uma discussão a respeito das possibilidades
e armadilhas dessas novas ferramentas digitais.
Como na obra “With Elements of Web 2.0” realizada em 2006 pela dupla zombie_and_
mummy, que de forma sarcástica traz uma séries de gravuras em silkscreen para ironizar
os usuários da Web 2.0. Através de posters, os artistas Olia Lialina e Dragan Espenschied
trazem um retrato brando, mas cruel da web, sua evolução e involução além de suas
confusões entre a comercialização e o DIY (faça você mesmo).
The resulting imagery of ’With elements of Web 2.0’ is chilling and familiar in its re-enactment of
primeval spiritual representation. In ’Constellations’ the starry night backdrop seems belittled by
the gigantic figures of Holy Mother and Son as they blankly stare beyond us sided by the duality of
the micro-market and the ominous reaper figure of the rating stars, all so big and anodized yellow
as in a new age trinity of blind faith and ruthless democratic order. The vision of ’Dimension’ is
even more repulsive as all life as now evicted our space, the white evil layout of the faked note-
book looks scarred and empty like a corpse sucked out of its blood, besides it the spiked techno
skeleton of the ominous zoom slider is a cross without a prophet. This map is our cemetery: Only
Zombie and Mummy can dig us out of the web’s fresh new grave. (2006)
22
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
23
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A evolução dos algoritmos de inteligência artificial (IA) tem de fato impactado a nos-
sa sociedade, inclusive a arte e o seu mercado. Alguns episódios têm evidenciado
esse impacto, como a recente venda da obra artística produzida por uma IA, vendida
pela Christie’s por US$432,5003, ou mesmo as obras desenvolvidas por IA que se pas-
sam por criações humanas. Outro exemplo é o trabalho do artista Eric Maillet, onde
uma inteligência artificial constrói textos automatizados de crítica de arte.
3 Is artificial intelligence set to become art’s next medium? Disponível em: <https://www.christies.
com/features/A-collaboration-between-two-artists-one-human-one-a-machine-9332-1.aspx>.
Acesso em dez. 2018
24
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 4. Imagens da obra Portrait of Edmond Belamy vendida pela empresa Christie’s4
Fonte: Página da empresa Christie’s .
25
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
I’m not afraid for artists. I trust them to unfold all the expressive forms of AI technology, to use,
abuse, hack, sabotage AI just like they do with any new medium. And as for us, the public, i sus-
pect we’ll start treasuring human fallibility just like we are amused by the glitches in the machines
nowadays. (2018).
26
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
WEB 4.0
Como resposta ao atual contexto das tecnologias baseadas na web, temos também
o surgimento do coletivo artístico denominado de additivism. O nome do coletivo
cria uma brincadeira com os processos de fabricação digital aditiva. Em seu manifes-
to, o coletivo declara as suas intenções em expandir as tecnologias de impressão 3D
e outros processos de fabricação digital aos seus limites absolutos, além do campo
do provocativo e do estranho. Um dos trabalhos relevantes desenvolvido pelo cole-
tivo é o livro “The 3D Additivist Cookbook”, que os autores descrevem como:
27
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Estamos entrando em uma nova geração da web, a chamada “web 4.0”. A denomi-
nação 4.0 vem como uma referência a indústria 4.0, onde máquinas podem interagir
de maneira exógena entre si, por meio da rede de internet. Essa interação possibilita
uma nova forma de produção industrial, acelerando os processos de fabricação e
algumas ações de logística por meio do uso das inteligências artificiais. A chegada
dessa “web 4.0” é marcada pela fisicalidade atual da web, por meio de novos pro-
cessos de fabricação e do fenômeno da internet das coisas. Estamos passando por
um borramento das distinções entre físico e virtual, o biológico e o artificial. Isso é
intensificado por exemplo no fenômeno da internet das coisas, onde os objetos co-
nectados estão modelando uma realidade informacional, que por sua vez impacta
de forma significativa o real.
Assim como os outros pontozeros anteriores da web, somos pegos por uma política
de dominação econômica, escondido por trás de promessas de uma transformadora
tecnologia social. A respeito disso, Sangüesa alerta:
…. the horizon drawn by 4.0 is homogeneous and continuous with the other pointzeros: to a
policy of economic dominance based on the exceptional use of another technology and its com-
binations with others that already exist, all based on information.(2018)
Nessa proposta cada flor é constituída de hastes formadas por cano PVC reaprovei-
tados, no qual variam de altura a cada produção. As pétalas, sépalas e pedúnculo
partem de uma morfogênese digital e generativa. Para o desenvolvimento de cada
flor são coletados dados mediante sensores ( resistência galvânica ) acoplados a
plantas, as quais cultivamos no Medialab/UnB. Paralelamente um software desen-
volvido pela equipe cria fenômenos biológicos simulados por meio de algoritmos
computacionais, que dão origem a um vida artificial unicelular.
28
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações finais
As gerações anteriores da web nos seduziu, com promessas de construção de uma
comunidade, com a possibilidade de uma comunicação democrática na rede e com
a acessibilidade de dados. E por fim nos conduziu para situação atual, onde é evi-
dente a privatização da comunicação em rede, a centralização de informações, os
controles de vigilância privados, a venda e uso de dados sem autorização, as crises
de privacidade, os exércitos de bots eleitorais, além dos algoritmos misteriosos que
controlam diariamente o que é exibido em nossas timelines.
29
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
E este é um dos papéis delegados aos artistas, além do papel de estimular uma refle-
xão e ceticismo moderado por meio da criação de novas narrativas e modelos, criar
uma articulação entre todas as dimensões sociais de uma nova tecnologia, infiltran-
do-se em discussões virtuais e eventualmente agindo na realidade concreta.
Referências
Atkins, R., Frieling, R., Groys, B. & Manovich, L. (2008). The art of participation. Mi-
chigan: Thames & Hudson.
DEBATTY, R. (2018). Does art have any relevance “in the Age of AI”?. Recuperado
em 14 de novembro, 2018, de http://we-make-money-not-art.com/does-art-have-
-any-relevance-in-the-age-of-ai.html
SANGUESA, R. (2018). The 4.0 revolution and its tunes. CCBBLAB. Recuperado em 14 de
novembro 2018, de http://lab.cccb.org/en/the-4-0-revolution-and-its-tunes/?fbclid=-
IwAR1rMsmUBspgQvXrX_0XAHbR2uCtvfevqK0zSDR92v4QZOTTAY9qyGSxVzo
30
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Bonds, S. (2016) What is the brain’s emotional response while on social media’s
not so digital reality? Does Facebook use this data in order to maximize their pro-
fit?. Recuperado em 26 de novembro, 2018, de http://socialbonds.org/
31
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente artigo visa a exploração das possibilidades conceptuais e das prá-
ticas criativas associadas ao conceito de data portrait enquanto mecanismo de
representação e de expressão da identidade individual.4 Para esse fim, o estudo
procura evidenciar de que forma o retrato, enquanto género de representa-
ção, pode tomar partido da actual proliferação de dados digitais e meios com-
putacionais para produzir retratos que representem o ser humano através de
características que estão para além da sua aparência física, podendo também
representar a variabilidade das mesmas ao longo do tempo. Segundo este pro-
pósito, aborda-se a evolução do retrato no sentido de acompanhar e reflectir
32
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
This paper aims to explore the conceptual possibilities and creative practices as-
sociated with the concept of data portrait as a mechanism of representation and
expression of individual identity. To this end, the study seeks to highlight how por-
traiture, as a representation genre, can take advantage of the current proliferation
of digital data and computational media to produce portraits that represent human
beings through characteristics that are beyond their physical appearance, while
also expressing their variability over time. According to this purpose, we address the
path and evolution of portraiture in light of changes in the social, cultural and tech-
nical context that revert to the emergence of data portraits in the late 1990s. In this
manner, the study seeks to highlight how data portraits become relevant as creative
experiments developed around the representation of identity and how it is shaped
by the current cultural and technological context.
Keywords: Data portrait, portrait, personal data, visualization, autoethnography.
Introdução
O retrato enquanto representação simbólica da identidade individual tende a ser
um reflexo do contexto social, cultural e técnico no qual é criado. No actual momen-
to histórico, em que a mediação tecnológica é omnipresente, artistas e designers
exploram os limites do retrato através de experimentações criativas em torno da
representação da identidade, baseadas na visualização de dados pessoais.
Assim, os data portraits emergem como formas de retrato que se propõem em re-
presentar a identidade individual a partir de dados pessoais, produzidos no decorrer
de actividades quotidianas dos sujeitos. Estes dados são continuamente registados
por meio de tecnologias digitais que incluem várias aplicações de uso corrente, as-
sim como uma rede dispositivos permanentemente ligados à internet, capazes de
recolher uma vasta quantidade de dados, com ou sem o envolvimento activo do ser
humano. Como tal, estes registos estendem-se no tempo e, quando visualizados e
contextualizados, adquirem valor simbólico e significado emocional configurando-se
como potenciais repositórios biográficos.
33
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O objectivo do retrato é assim criar um modelo visual de uma pessoa real, ou seja,
ser uma mimesis do ‘eu’, apresentando-se como único ao mesmo tempo que lida
com as contingências do contexto cultural no qual é produzido. Desta forma, o retra-
to utiliza uma enorme variedade de meios, tradicionalmente a pintura, o desenho, a
escultura, a gravura e a fotografia, estendendo-se a outras manifestações artísticas
como o vídeo, a performance e a instalação.
Segundo van Alphen (2005), o retrato refere-se sempre a um ser humano que está
(ou esteve) presente fora do retrato; representa um elo importante com o passado
e a memória, cumprindo funções biográficas ao documentar a identidade de um
indivíduo no momento e contexto específicos em que foi registado. Por este moti-
vo, a sua função principal é sempre a de representar o sujeito perante o outro e/ou
perante si mesmo. Além desta função documental, e devido às suas características
ontológicas de veículo de representação, o retrato consolida a identidade do sujeito
representado ao conceder-lhe uma forma exterior, podendo ser usado como veículo
de auto-exploração e expressão pessoal, sendo a sua disseminação um reflexo de
uma crescente valorização da identidade individual.
34
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Deste modo, o retrato tende a florescer em culturas que privilegiam a noção de in-
dividualidade, daí ter tido o seu apogeu na época Renascentista, em que conceitos
como identidade, individualidade e auto-consciência passaram a ser amplamente
valorizados. Actualmente assistimos a um revivalismo destas tendências, relaciona-
das com a afirmação da identidade individual, auto-consciência e desenvolvimento
pessoal, em paralelo com a democratização de tecnologias pessoais (como os smar-
tphones) e dos meios de difusão de informação (como as redes sociais). A dissemina-
ção do retrato e do auto-retrato representa então, segundo Hall (2014), uma respos-
ta ao anonimato experienciado por muitos no seio das sociedades contemporâneas,
ao permitir um “acesso privilegiado à alma do sujeito”. 5
A produção destes retratos era morosa e obrigava a uma série de encontros e ne-
gociações entre o artista e o sujeito que, mais tarde, o desenvolvimento de novos
meios técnicos como a fotografia veio tornar desnecessários. A disseminação da fo-
tografia, no início do século XX, marca um ponto de viragem na história do retrato,
separando pela primeira vez o olhar do artista do corpo do sujeito por meio de um
‘aparato tecnológico’ (Flusser, 1998) – a câmara fotográfica. Neste momento, a pro-
dução do retrato foi pela primeira vez mediada pela tecnologia e esta mediação do-
5 Segundo Hall (2014) “O auto-retrato migrou muito além da igreja, palácio, estúdio, academia, mu-
seu, galeria, plinto e moldura. (...) Agora as selfies fotográficas são onipresentes. É amplamente acei-
te – e esperado – que os auto-retratos dêem acesso privilegiado à alma do sujeito e, assim, superem
a alienação e o anonimato experimentados por tantos nas sociedades urbanizadas modernas”.
35
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na sequência deste raciocínio, o género do retrato tornou-se cada vez mais versátil,
acomodando uma série de novas possibilidades conceptuais e técnicas, seguindo a
tendência de se desligar da representação mimética do corpo físico no sentido de
uma maior abstracção formal. Por exemplo, a obra Portrait of Deb from 1988-199?
(2012-2013) de L. J. Roberts, procura desafiar concepções binárias estritas de género
e abordar o seu impacto na identidade. Sendo concebida a partir de uma série de
emblemas bordados coleccionados por Deb, esta obra é uma forma de retrato ‘físico’
feito por meio do inventário dos seus objectos pessoais, baseando-se na noção de
que estes objectos expressam significado (Goodyear et al. 2016). Este tipo de obras
vêm questionar as barreiras do retrato, enquanto género de representação, ao pos-
sibilitar a mesma exploração da identidade que caracteriza o retrato convencional,
empregando para isso técnicas de enumeração e inventário pessoal.
Portrait of Deb from 1988-199?, L. J. Roberts, 2012- 2013 – Colecção de emblemas bordados.
36
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6 Do original: “(...) shift attention from iconic qualities of portraiture to indexical ones” (West 2004, 212).
7 Por exemplo, Sophie Calle pode ser considerada uma espécie de etnografa do quotidiano que uti-
liza técnicas etnográficas para produzir obras artísticas a partir das suas vivências pessoais, através
de processos de observação hiper-detalhada e recolha de dados, utilizando estratégias complexas de
vigilância, registo e documentação.
8 Do original: “‘endotic’ anthropology of the infra-ordinary” (Perec 1999, 210). Perec sugere que “o
que talvez seja necessário é, finalmente, fundar a nossa própria antropologia, uma que fale sobre
nós, que busque nós mesmos aquilo que há tanto tempo tentamos encontrar no outro. (...) Não mais
o exótico, mas o ‘endótico’” (1999, 210).
37
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esta constante vigilância digital levanta questões relacionadas com privacidade e se-
gurança, tal como expresso em obras como a performance Poisonous Antidote (2016)
de Mark Farid12 que explora o quão intimamente é possível conhecer uma pessoa
apenas através da sua pegada digital. Farid argumenta que a acessibilidade 24 horas
por dia aos nossos dados pessoais faz com que a nossa privacidade (e verdadeira
identidade) sejam erodidas e trocadas por uma identidade cultural hegemonizada e
globalizada, armazenada pública e permanentemente, em conformidade com ide-
ais políticos, sociais e culturais vigentes.
38
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
13 Do original: “We’re halfway thru the decade when humans shift from mysterious beings - to Big
Data algorithms, where everything about us will be known. Rather than worry, I envision a time
when personal data is a unique glimpse into our hidden personality” (Frick sd.).
14 Do original: “instead of using data just to become more efficient, we argue we can use data to beco-
me more humane and to connect with ourselves and others at a deeper level” (Lupi e Posavec 2016).
39
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
uma imagem mental e, por outro lado, à materialização de uma imagem que permi-
te representar algo visualmente, ou seja, à conversão de conceitos em imagens ou
formas visíveis. Isto significa que visualizar é representar visualmente algo abstracto
para o tornar acessível aos sentidos – neste caso à visão – e, ao mesmo tempo, tornar
algo inteligível através da percepção e interpretação humanas (Almeida 2017).
15 Do original: “We have not found a single visualization that combines all of the above. Our solution
is the data portrait, or user visualization based on interaction data” (Xiong e Donath 1999).
16 Do original: “depictions of people made by visualizing data by and about them” (Donath 2017, 187).
40
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ainda assim, este elevado nível de subjectividade pode, no entanto, ser relacio-
nado com a noção de Realismo. Em particular, podemos evocar o conceito que
Min (2015) designa como ‘realismo digital’, para designar sistemas de visualização,
que produzem imagens formalmente abstractas, mas que podem, no entanto, ser
consideradas realistas, uma vez que a sua forma é resultado directo dos dados que
estão na sua origem.18 Neste contexto, o papel da visualização é o de promover
um acesso directo à ‘realidade’ através da tradução de dados extraídos do fluxo do
‘real’ em imagens. Tal como refere Renaud (2003), a visualidade destas imagens
não é mais fruto de um processo de registo pictórico, ou o resultado “da forma de
um mundo fenomenal, com os seus rostos, as suas paisagens, os seus eventos”,
mas sim uma construção simbólica, resultante “da multiplicidade elementar cons-
titutiva de uma nebulosa de dados que um interface-ecrã irá distribuir e organizar
em matrizes de pontos luminosos, sob uma legislação puramente convencional de
organização discursiva”.
Desta forma, e no que respeita às suas funções, os data portraits evocam muitas
das funções do retrato tradicional, decorrentes do seu carácter documental. Estas
funções estão essencialmente ligadas à representação do sujeito perante o outro
e/ou perante si mesmo. Por um lado, os data portraits podem cumprir uma função
de proxy, substituindo a presença física dos indivíduos em comunidades online, re-
velando os seus padrões de comportamento nessas mesmas comunidades e ten-
do um impacto sobre como os outros agem perante eles. Por outro lado, podem
actuar como um espelho de dados (data mirror), ou seja, um retrato projetado para
ser visto apenas pelo sujeito, funcionando como veículo para a auto-exploração
da identidade, ao reflectir padrões de comportamento de uma forma autodirigida
(Donath et al. 2014).
41
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Spigot (Babbling Self-Portrait), Jason Salavon, 2010 – Instalação com ecrãs digitais.
Por fim, e de acordo com Lupton (2016), os data portraits podem também promover
um vínculo afetivo com os dados pessoais como efeito de sua instanciação. Quando
representados, os dados adquirem um valor simbólico que pode gerar sentimen-
19 O projecto utiliza dados referentes a mais de 10.000 pesquisas pessoais, que o Google manteve
em arquivo durante três anos. O sistema de mapeamento re-executa aleatoriamente pesquisas
feitas anteriormente por Salavon, criando visualizações a partir das datas (timestamps) e textos
dessas pesquisas. O resultado é um fluxo de vídeo que representa esses dados através de uma
grelha de quadrados coloridos, acompanhados por uma voz robotizada que lê os termos empre-
gues nas pesquisas.
42
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Outra característica particular dos data portraits relaciona-se com o facto de estes
20 Lupton (2016) indica que quando se mostram visualizações dos seus próprios dados aos sujeitos,
novos tipos de laços afetivos emergem entre eles e os seus dados pessoais, passando estes a estar
investidos um novo significado: “os números adquirem novo significado emocional (...) tornando-se
um repositório biográfico de significância e significado para o utilizador” (Lupton 2016).
21 “This second aspect is an inspiration for our work. The on-line equivalent of one’s objects is data
about one’s past interactions (Xiong e Donath 1999)”.
22 No projecto The Art of the Thrill (2014), desenvolvido pela Sosolimited para a Porsche foram se-
leccionados 25 condutores para experimentarem a emoção de conduzir um novo automóvel. Uma
amostra de dados biométricos e de geolocalização foi recolhida através de métodos de self-tracking,
para registar a emoção (thrill) que cada participante sentiu durante a condução do veículo. Quando
experienciamos emoções fortes o nosso ritmo cardíaco aumenta, a nossa respiração torna-se mais
rápida e menos profunda, a nossa temperatura corporal sobe (Sosolimited 2014).
43
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por fim, podemos afirmar que, ao evocar o ser humano através de características que
estão para além da sua aparência física e ao simular a evolução dessas característi-
cas ao longo do tempo, os data portraits têm a particularidade de representar o ser
pela experiência. Observamos esta tendência em vários dos data portraits analisa-
dos neste estudo, como por exemplo o projecto The Sixth Sense (2016), que tem por
objectivo capturar a experiência de cada participante num espectáculo de música.
À entrada do evento, era fornecida uma pulseira com sensores incorporados para
capturar dados biométricos, assim como movimento e deslocação e associá-los a
timestamps. Durante o evento os dados de cada participante foram mapeados em
tempo-real e projectados no local, permitindo visualizar como cada indivíduo expe-
riencia o mesmo ambiente de formas diferentes.
The Sixth Sense, Clever Franke, 2016 – Instalação, performance, visualização dinâmica, impressão.
23 Do original: “Possibly the most startling thing about our individual existence is that it is conti-
nuous” (Viola 1982).
44
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
O retrato, enquanto construção artística que pretende representar o ser-humano,
começou por ter como principal referente imagens do corpo, sendo essencialmente
definido pelas suas funções documentais decorrentes deste carácter mimético. No
entanto, o conceito de retrato tem vindo a expandir-se, acompanhando os avanços
tecnológicos e culturais. A sua prática distancia-se da representação do corpo físico
indo ao encontro de uma crescente abstracção formal e passando a empregar téc-
nicas de visualização de dados que dão origem a data portraits. O uso destas técni-
cas representa assim uma mudança de paradigma no retrato, transferindo o foco no
processo de registo pictórico para o processo de construção simbólica de sentido.
Desta forma, a função principal do retrato deixa de ser a de descrever a aparência do
sujeito, passando a ser a de evocar a sua experiência.
Podemos então concluir que os data portraits, apesar de serem visualmente abstrac-
tos, seguirem uma abordagem quantitativa e serem muitas vezes gerados algoritmi-
camente, permitem representar traços da identidade que não estão totalmente acessí-
veis aos modos de retrato tradicionais. Ao representar traços da identidade individual
que não são directamente observáveis e ao mapear a experiência humana ao longo
do tempo, os data portraits expressam a natureza fluída da identidade, moldada pelos
fluxos constantes de informação a que, actualmente, estamos expostos.
Com este estudo espera-se realçar a relevância dos data portraits enquanto experi-
mentações criativas em torno da representação da identidade individual e a forma
como esta é moldada pela cultura digital. Ao mesmo tempo, procura-se reflectir so-
bre o modo como as práticas aqui exploradas, promovem uma reconfiguração do
próprio conceito de retrato, informada pelo contexto actual da sociedade de infor-
mação e da vivência num quotidiano imerso dados.
Referências
Almeida, Pedro. 2017. Visactivism: A Visualização de Informação na Perspectiva
do Design Activista. Repositório da Universidade de Lisboa. [último acesso: 03-12-
2018] <http://repositorio.ul.pt/handle/10451/29334>.
Donath, Judith. 2017. The Social Machine - Designs for Living Online. Massachu-
setts: MIT Press.
———. 2001. “Mediated Faces”, Sociable Media Goup. [último acesso: 05-01-2018] <http://
smg.media.mit.edu/papers/Donath/MediatedFaces/MediatedFaces.CT2001.pdf >.
Donath, Judith; Alex Dragulescu; Aaron Zinman; Fernanda Viégas; Rebecca Xiong, e Yan-
nick Assogba. 2014. “Data Portraits”, Sociable Media Goup. [último acesso: 18-05-2017]
<http://smg.media.mit.edu/papers/Donath/DataPortraits.Siggraph.final.graphics.pdf>.
45
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dragulescu, Alex C. 2009. “Data Portraits: Aesthetics and Algorithms”, Sociable Me-
dia Goup. [último acesso: 18-05-2017] <http://smg.media.mit.edu/Papers/dragu/
data_portraits_thesis.pdf>.
Dreier, Katherine. 1922. ‘Western Art and the New Era’, New York, apud Adès D., ‘Du-
champ’s Masquerades’, in Clarke G. (Ed.). The Portrait in Photography. London: Re-
aktion Books Ltd.
Frick, Laurie. (sd.). “Your Life Makes Beautiful Patterns. Exploring the Future of Data
About You“, Laurie Frick Personal Website. [último acesso: 10-10-2018] <http://www.
lauriefrick.com/>.
Goodyear, Anne C.; Jonathan Walz, Kathleen Campagnolo, e Dorinda Evans. 2016. This Is a
Portrait If I Say So: Identity in American Art, 1912 to Today. Yale: Yale University Press.
Flusser, Vilem. 1998. Ensaio Sobre a Fotografia - Para uma Filosofia da Técnica.
Lisboa: Relógio d’Água.
Hall, James. 2014. The Self-Portrait: A Cultural History. London: Thames & Hudson Ltd.
Lupi, Giorgia; e Stefanie Posavec. 2016. Dear Data. London: Penguin Random House UK.
Lupton, Deborah. 2016. “You are Your Data: Self-Tracking Practices and Concepts of
Data”, Lifelogging - Digital Self-tracking and Lifelogging – Disruptive Technolo-
gy and Cultural Transformation. Berlin: Springer VS. (pp. 61-79).
Min, Sey. 2015. “Data Visualization Design and the Art of Depicting Reality”, MoMA. [úl-
timo acesso: 12-12-2018] <https://www.moma.org/explore/inside_out/2015/12/10/
data-visualization-design-and-the-art-of-depicting-reality/>.
Perec, Georges. 1999. Species of Spaces and Other Pieces. Harmondsworth: Penguin.
Selke, Stefan. (Ed.) 2016. Lifelogging - Digital Self-tracking and Lifelogging – Disrup-
tive Technology and Cultural Transformation. Berlin. Springer VS.
46
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Van Alphen, Ernest. 2005. “The Portrait’s Dispersal: Concepts of Representation and
Subjectivity in Contemporary Portraiture”. Art in Mind: How Contemporary Ima-
ges Shape Thought. Chicago: University of Chicago Press. (pp. 21-34).
Viola, Bill. 1982. “Will There Be Condominiums in Data Space?”, The New Media Rea-
der. (Ed. Wardrip-Fruin, Noah). 2003. Massachusetts: MIT Press.
Whitelaw, Mitchell. 2008. “Art Against Information: Case Studies in Data Practice”, The
Fibreculture Journal. [último acesso: 08-01-2018] <http://eleven.fibreculturejournal.
org/fcj-067-art-against-information-case-studies-in-data-practice/>.
Xiong, Rebecca; e Judith Donath. 1999. “PeopleGarden: Creating Data Portraits for
Users”, Association for Computing Machinery. [último acesso: 10-10-2018] <https://
dl.acm.org/citation.cfm?id=322581&dl=ACM&coll=DL>.
47
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão acerca do projeto de desenvolvimento de um
artefato interativo para uso em astrologia ocidental. Aqui discute-se a astrologia
como conhecimento de base pré-científica, mas que se desenvolveu paralela-
mente à ciência e que mesmo nos dias atuais possui apelo a parte da popula-
ção. A astrologia enquanto conhecimento não científico não produz explicações
concretas para os fenômenos naturais, mas sim narrativas ou metáforas que se
utilizam de símbolos provenientes da natureza e que apelam às pessoas sob uma
dimensão afetiva e subjetiva. Sendo assim, há um público que se interessa por ela,
mas que não se aprofunda ou apenas o tangencia, devido à complexidade de seu
sistema de signos. Com esta base, foi possível propor um objeto astrológico com
as tecnologias atuais e que fosse relevante para este público. O projeto em ques-
tão teve como objeto de estudo um diagrama bidimensional conhecido como
horóscopo, considerado a ferramenta básica da astrologia ocidental. Propôs-se
traduzi-lo para uma estrutura tridimensional e interativa, simulando seu dese-
nho e demonstrando a hierarquia entre as informações que contém. Por meio de
uma análise visual, foi decifrada sua estética, elementos constituintes e maneira
de expressar informações, possibilitando transformá-los em formas, encaixes e
mecanismos. Utilizando tecnologia de corte a laser em madeira, desenvolveu-se
sucessivos modelos em escala 1:1, até se obter uma configuração formal que fosse
visualmente inteligível, funcional e esteticamente coerente.
Keywords: astrologia, design de informação, fabricação digital, cultura maker.
Resumo/resumen/resumé
This article presents a reflection regarding the development of an interactive artifact
for western astrology. Here, astrology is discussed as a pre-scientific knowledge that
has developed in parallel to science and even today appeals to a part of the popula-
tion. As a non-scientific knowledge, astrology does not give concrete explanations to
the natural phenomena, instead giving out narratives or metaphors that utilize natu-
ral symbols and appeal to people subjectively and through affection. There is a group
1 Formado em Design com habilitação em Programação Visual e Projeto de Produto pela Universida-
de de Brasília (UnB). Mestrando em Mídia, Arte e Design pela Bauhaus-Universität Weimar.
48
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
of people that takes an interest in it, but only superficially because of its complexion.
Knowing this, it was possible to use the current technologies to propose a new astro-
logical object that would be relevant to this audience. This project studied the structure
of the horoscope, a two-dimensional diagram that is considered to be the basic tool
for western astrology. The proposal was to translate it into an interactive three-dimen-
sional structure that simulates its design and demonstrates its informational hierar-
chy. By means of visual analysis, it was possible to decipher the horoscope’s aesthetic,
components and informational language and transform them into forms, joints and
mechanisms. Many 1:1 models were created in succession, resulting in a final model
that was visually intelligible, functional and aesthetically coherent.
Palavras-chave/Palabras clave/Mots clefs: astrology
Introdução
Thorndike (1955) defende que os sistemas astrológicos eram considerados lei univer-
sal para interpretação e previsão de fenômenos astrológicos até o advento da lei de
gravitação universal de Newton. Isso significa que o desenvolvimento do método cien-
tífico como principal ferramenta de compreensão do mundo tornou a astrologia uma
prática marginal que é muitas vezes vista com maus olhos sobretudo por cientistas.
Além do caráter impreciso e não confiável do astrologia perante à ciência, pode-se men-
cionar que a falta de conhecimento histórico acerca do assunto por parte de céticos con-
tribui para a má fama da astrologia. No entanto, isso não se dá somente pela aversão
ou falta de interesse, mas também pelo fato de que as fontes bibliográficas referentes
ao assunto não são confiáveis, como defendido por Tester (1996). Ele menciona que há
uma grande polarização entre autores pró e contra astrologia e mesmo os textos mais
confiáveis são acríticos e se valem de poucas fontes primárias. Vale lembrar, no entanto,
que por ser uma prática vernacular e interpessoal, muito da sua produção vem de uma
cultura oral que carece de documentação, mas que é ainda assim muito rica.
49
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É importante mencionar que apesar de ser espiritual, a astrologia sempre foi tam-
bém racional e natural, não havendo uma distinção clara entre estes aspectos.
(Daher, 2019, no prelo) Enquanto tratava-se de adivinhações para o futuro, também
alimentava a geometria, a matemática, a geografia, dando a base para a astronomia
científica moderna.
O projeto aqui descrito, no entanto, não foi uma tentativa de dar credibilidade à as-
trologia para aqueles que não a valorizam, mas criar um produto que fosse capaz de
tangibilizar alguns de seus elementos mais básicos para aqueles que já possuem in-
teresse. Isso significa mostrar ao público que a astrologia não é um conhecimento à
parte de tudo que elas conhecem, e sim algo que fez parte do desenvolvimento da
civilização humana e que se relaciona com a própria natureza. Não se espera que este
produto forme astrólogos profissionais, mas que atenda uma demanda de parte da
sociedade que é de se adentrar nesta maneira tão antiga de compreender o mundo.
Método
50
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dado este referencial, foi feito um processo de experimentação visual com os sím-
bolos astrológicos, o que gerou uma proposta de como funcionaria a interface entre
usuário e objeto. Este processo se deu por meio de desenhos manuais e vetoriais.
Posteriormente, foram feitos modelos virtuais tridimensionais, que posteriormente
foram fabricados utilizando a tecnologia de corte a laser. Devido ao baixo custo de
maquinário e materiais, foi possível criar sucessivos modelos em escala 1:1, que fo-
ram testados junto a astrólogos e simpatizantes. Deste modo, foi possível aprimorar
o objeto versão a versão, lapidando sua forma enquanto recurso de comunicação,
expressão e representação não verbal, como defendido por Siqueira (2006).
Horóscopo
Para muitos, o primeiro contato com astrologia foi por meio dos signos do zodíaco e
seus símbolos. Por este motivo também é comum reduzir toda a prática astrológica
ao nome signos. Outro ícone da prática astrológica, para aqueles que possuem al-
gum aprofundamento, é a imagem do horóscopo (também conhecido como mapa
astral), um diagrama bidimensional que demonstra as posições relativas dos astros
em determinado instante (vide Figura 1). O desenho de um horóscopo é uma ferra-
menta indispensável na prática astrológica, uma vez que ele sintetiza todas as infor-
mações importantes sobre a disposição dos astros em uma só imagem. O formato
apresentado na figura é o mais utilizado em sites e softwares astrológicos.
• Zodíaco: anel exterior contendo os símbolos dos signos que representa o cami-
nho que o Sol faz ao redor da Terra ao longo do ano;
• Ascendente: linha horizontal (indicada por AC) que representa o horizonte sob
a perspectiva do observador e aponta para o leste;
• Meio do céu: linha vertical (indicada por MC) que aponta para o ponto do céu
em que se vê o Sol a pino;
52
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tradução visual
O processo de tradução do bi para o tridimensional foi muito inspirado no trabalho
desenvolvido pro Trogello, Neves e Silva (2015), no qual desenvolveram uma esfera
celeste didática, descrita como objeto de aprendizagem, termo que é descrito por
Tavares (2010 apud Trogello et. al) como ferramentas que apresentam características
do fenômeno que se pretende simular” que “têm a característica de ser reutilizado,
ou seja, representam um dado fenômeno, ou parte dele, em uma escala reduzida,
analógica e até mesmo de forma paralela.”
53
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 3. Ordnung des Planetensystems. Fonte: SLUB / German Photo Library, Cristoph Vorschauer.
54
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Outra modificação foi trazer a tabela de distâncias angulares como parte parte in-
tegrante do diagrama, utilizando os símbolos geométricos em azul ou vermelho no
espaço vazio de cada órbita. Por exemplo, se quisermos saber qual é a relação entre
Lua e Mercúrio, basta encontrar o símbolo da Lua e verificar se existe algum símbolo
geométrico alinhado a ele dentro da órbita de Mercúrio. Neste caso, por haver um
triângulo, verifica-se que a distância entre eles é próxima a 120°.
55
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Também foi feita uma classificação dos elementos do horóscopo em fixos ou móveis,
a fim de guiar os tipos de peça que o objeto deveria conter e como eles deveriam
estar dispostos e relacionados. Os elementos tidos como fixos são relativos ao ponto
de vista do observador, que se mantém estático na Terra, sendo eles: centro, ascen-
dente e casas astrológicas. Os elementos móveis são aqueles que mudam ao longo
tempo e são observáveis no céu, sendo eles: zodíaco, meio do céu e planetas.
Modelagem
Desenvolveu-se diversos modelos em escala 1:1 até chegar a um tabuleiro circular,
dado o nome de horóscopo manual. Visualmente, sua estrutura é bastante pareci-
da com o modelo apresentado na Figura 4, porém com peças tridimensionais. Sua
montagem é feita pela sobreposição e colagem de peças planas cortadas a laser,
como apresentado na Figura 5. À esquerda, estão mostradas apenas as partes fixas
do objeto, que mantêm a sua coesão. É possível diferenciar as casas astrológicas por
suas marcações radiais; o objeto também possui sulcos que recebem as peças pla-
netárias, aqui representados como anéis coloridos, assim como o zodíaco, represen-
tado como um anel grosso com doze setores que alternam em quatro cores; o meio
do céu é representado na forma de um marcador em sua parte superior; por fim, o
ascendente é representado por uma seta que mantém as peças móveis acopladas
ao restante do objeto.
56
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Foi possível também aplicar soluções gráficas simples mas eficazes nas peças. A tec-
nologia de corte a laser permite que se faça marcações no material, possibilitando
criar demarcações e símbolos na superfície das peças. Foi aplicado um código cro-
mático tanto no zodíaco como nas peças planetárias, diferenciando-as entre si e per-
mitindo uma rápida assimilação. No zodíaco, as cores aplicadas foram relativas aos
quatro elementos ocidentais (fogo, terra, água e ar), enquanto cada planeta recebeu
uma cor baseada em suas características astrológicas: Marte é tradicionalmente as-
sociado à guerra e leva a cor vermelha; Saturno é associado ao tempo e à morte,
levando a cor preta, etc.
Por fim, as diferenças angulares foram aplicadas em cada peça planetária como mar-
cações gráficas, como na Figura 6. Sendo este um objeto completamente analógico,
seria impossível apresentar uma solução que se adaptasse a cada horóscopo. Por isso,
foram marcadas na órbita de cada planeta as distâncias de 60°, 90°, 120° e 180° com
seus respectivos símbolos. A leitura é feita da mesma forma explicada para a Figura 4.
Figura 6. Esquema das peças planetárias para Lua e Mercúrio, com marcações geométricas
e a uma distância angular de 120°.
57
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações
A solução proposta para este projeto consistiu em um artefato analógico e interati-
vo, porém ainda com uma estrutura plana. Embora houvesse interesse em explorar
as possibilidades tridimensionais, houve também um receio de que excessos pudes-
sem prejudicar a comunicação, entendendo que o horóscopo em si já é bastante
complexo.
Referências
Chicca Jr, N. A.; Castillo, L. G. (2014). Impressão 3D na cultura do design contemporâ-
neo. In: Anais do 11º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design
[= Blucher Design Proceedings, v. 1, n. 4]. São Paulo: Blucher. p. 2344-2353.
Thorndike, L. (1955).“The true place of astrology in the history of science”. In: Isis. Vol.
46, No. 3 (Sep., 1955), pp. 273-278.
58
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente artigo descreve o desenvolvimento de uma interface digital interativa
para visualização e comparação entre diferentes ferramentas de medição e registro
do tempo existentes na história da humanidade. O projeto se desenvolveu a partir
de uma série de investigações pertinentes ao tema nos âmbitos teórico, da percep-
ção de possíveis usuários e do funcionamento das ferramentas em questão, tendo
como motivação a hipótese de que a percepção que temos sobre o passar do tempo
atualmente é guiada pelas ferramentas que utilizamos para medi-lo. Com a coleta
dessas informações, as ferramentas foram analisadas e agrupadas, gerando os requi-
sitos necessários para o desenvolvimento da interface: visualização comparativa das
ferramentas ao longo da história e visualização detalhada de cada ferramenta. Esses
requisitos permitiram seis distintos tipos de visualização, que variam a grandeza de
tempo, a sua estrutura e a base teórica, fornecendo uma visão informativa sobre o
contexto cultural do artefato representado. A partir da proposta de uma narrativa de
navegação mínima pautada em apresentação, instruções e a informação efetiva, foi
confeccionado um protótipo de interface. Sua identidade gráfica seguiu os precei-
tos da mimese cartográfica, apoiada pela abstração estética de micro e macro pro-
porções. Palavras-chave: tempo, historiografia, metadesign, ferramentas, interface.
Abstract
This article describes the development of an interactive digital interface with the
purpose of visualizing and comparing different tools for measuring time that exist-
ed throughout history. The project was developed by first investigating theoretical,
1 Bacharel em Design com habilitação em Programação Visual e Projeto de Produto pela Universida-
de de Brasília (UnB). Mestrando em Mídia, Arte e Design pela Bauhaus-Universität Weimar.
2 Bacharelando em Design com habilitação em Programação Visual na Universidade de Brasília
(UnB).
3 Bacharela em Design com habilitação em Programação Visual pela Universidade de Brasília (UnB),
com pesquisa em mulheres na História do design. Interessa-se em historiografia e materialidade.
4 Bacharel em Design, Mestre em Psicologia e Doutor em Artes. Professor Adjunto do Departamento
de Design da Universidade de Brasília (UnB).
59
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
perceptive and functional aspects of the tools. The motivation was the hypothesis
that our perception of time is guided by the tools we use to measure it. After col-
lecting this information, the tools were analyzed and grouped, creating the basic
requirements for the interface: its comparative historical and detailed visualization
for each one. Six different types of visualization were developed, based on time scale,
functional structure and theoretical basis. The navigation narrative proposed for the
interface was: introduction, usage instructions and effective information, allowing
for the creation of a prototype. Its graphic identity was based on cartographic mi-
metics and supported by the abstraction of micro and macroproportions. Keywords:
time, historiography, metadesign, tools, interface.
Introdução
Há tempos a humanidade tem a necessidade de marcar a passagem do tempo, seja
para situar-se ou para registrar eventos decorridos. (Daher et al., 2019, submetido à
publicação) A princípio, a observação dos ciclos naturais do Sol e da Lua eram a prin-
cipal maneira de se situar no tempo, mas à medida que as sociedades se desenvol-
veram cultural e tecnologicamente, foram surgindo também diferentes ferramentas
para esta finalidade. (Daher et al., 2019, submetido à publicação)
Com base nestes insumos, o presente artigo relata o desenvolvimento de uma in-
terface digital interativa cujo objetivo geral é a visualização comparativa entre fer-
ramentas de registro do tempo. Para tanto, espera-se: (a) definir a estrutura de na-
vegação da interface; (b) esboçar wireframes e estrutura das telas; (c) desenvolver a
linguagem e identidade gráfica; (d) desenvolver protótipo funcional para realização
de testes e futura implementação.
60
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Método
O método aqui relatado apresenta um tratamento dos insumos relatados no artigo
supracitado para aplicação na interface, entendendo que o produto desenvolvido
deve apresentar uma narrativa que seja coesa e coerente com o assunto abordado.
Base teórica
A busca bibliográfica teve foco no design de informação, sobretudo em termos de lin-
guagem e estruturas de visualização, citando como base Envisioning Information (Tufte,
1990), Visual Insights (Börner & Polley, 2014) e Design for Information (Meirelles, 2013).
Estrutura de navegação
Para que a interface apresente seja coerente, inteligível e didática, foi necessário de-
finir uma narrativa de navegação que fizesse sentido para a visualização dos agrupa-
mentos gerados durante o processo de pesquisa, sendo eles:
• Contexto de uso
• Base teórica
• Estrutura de funcionamento
• Estrutura de visualização
• Historiografia
• Grandeza de tempo
Esboço de wireframes
Definida a narrativa a ser apresentada, foi definido um fluxo de navegação da inter-
face com diferentes etapas. Para cada etapa, foram desenhados wireframes em baixa
fidelidade a fim de estudar quais elementos deveriam estar presentes em cada tela,
como deveriam ser dispostos e como se daria o intercâmbio entre telas.
Apresentação da interface
Foi necessário desenvolver também uma identidade gráfica para os elementos de
navegação e informação. Ela deveria ser adequada a diferentes suportes digitais e
também ser coerente com o assunto tratado. Para tal, fez-se uso da metalinguagem
ao buscar referências visuais nas próprias ferramentas estudadas. As percepções de
usuários obtidas no estudo anterior também foram importantes neste processo.
61
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Prototipação
A fim de avaliar e viabilizar a implementação da interface, foram feitos dois protó-
tipos. O primeiro tratou apenas da aplicação da identidade gráfica sobre os wire-
frames, possibilitando o desenvolvimento de um protótipo completo por meio da
plataforma online gratuita Quant-UX.
Resultados
Neste artigo trazemos em detalhe principalmente os resultados obtidos pelas eta-
pas de execução da interface, uma vez que os insumos teóricos estão descritos em
maior detalhe no artigo anterior.
Pesquisa teórica
Os conceitos trazidos por Isabel Meirelles em Design for Information (2013) foram
muito importantes. De acordo com a autora, a maioria dos sistemas de mensura-
ção de tempo são cíclicos, refletindo a experiência material de viver os ciclos dos
astros, como o nascer e pôr do sol, bem como o movimento das estrelas e as quatro
estações. (p.84) É desenvolvido no texto também que os sistemas de escrita de uma
cultura influenciam na ordem de disposição dos elementos e sua percepção cogni-
tiva (p. 88).
Utilizou-se também o livro Information Interaction Design: a unified field theory of de-
sign (1999) de Nathan Shedroff e seu diagrama de Espectro do Aprendizado, em
que “a tradução do dado em informação pelo produtor do conteúdo é apenas um
estímulo que necessita de contexto e experiência para produção do conhecimen-
to - e o entendimento do conhecimento, a partir da experiência e contexto, gera a
sabedoria.” (apud Daher et al., 2019, submetido à publicação)
Figura 1: ‘Chart of Biography’ criado por Joseph Priestley, 1765. Exemplo ilustrativo das convenções
analisadas por Isabel Meirelles. (Ilustração de domínio público).
62
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por fim, utilizou-se os conceitos trazidos por Kandinsky em Ponto, linha, plano: Contri-
buição para a análise dos elementos picturais (1987), muito importantes para o esboço
das principais visualizações e também para o desenvolvimento da linguagem gráfica.
Estrutura de navegação
Para garantir que seja possível a visualização e comparação entre as distintas fer-
ramentas, foi definido que a interface deveria: possibilitar distintas visualizações
baseadas nos parâmetros comparativos; conter visualizações intercambiáveis;
conter informações a respeito de cada ferramenta. A seguir, apresenta-se a lista
de ferramentas:
63
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Wireframes
Foram desenhados wireframes de cada tela, apresentando suas principais funciona-
lidades. Apresentamos nas figuras 3, 4 e 5, os esboços para as telas de visualização.
64
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
65
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por meio de filtros localizados na parte superior esquerda, o usuário pode segmentar o
círculo de diferentes maneiras com base em parâmetros. Essa função permite a visuali-
zação da estrutura de maneira similar a um gráfico de setores, demonstrando os agru-
pamentos. Junto aos filtros, localiza-se um botão que permite a alternância entre visua-
lização de ferramentas de micro e macroescalas. Ao clicar em cada ferramenta, o usuário
também pode ser levado para a sua tela de informações, chamadas aqui de cards.
66
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 6: iconografia usada para ferramentas com microescalas de tempo. Fonte: Quant-UX.
67
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
68
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações
O desenvolvimento da interface demonstra que o trabalho em design de informa-
ção necessita de um bom entendimento sobre aquilo que se deseja demonstrar. O
aprofundamento no tema possibilitou diferentes maneiras de se compreender as
ferramentas estudadas a partir de suas semelhanças e diferenças, o que pôde ser
traduzido nas visualizações propostas.
References
Daher, C.; Nazareno, F.; Sá, G.; Silva, T. (2019). Mapeando o tempo: visualização intera-
tiva para comparação entre ferramentas de registro do tempo. Anais do 9º Congres-
so Internacional de Design da Informação | CIDI 2019. Belo Horizonte. Submetido à
publicação.
Grafton, A.; Rosenberg, D. (2010). Cartographies of time. New York: Princeton Archi-
tectural Press.
69
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kandinsky, W. (1987) Ponto, linha, plano: Contribuição para a análise dos elementos
picturais. Lisboa: Edições 70.
70
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Ao escrever Admirável Mundo Novo, Audous Huxley nos apresenta um univer-
so distópico possivelmente caracterizado pelo progresso da tecnologia e suas
influências no período em que viveu. O autor foi capaz de perceber que emer-
gentes avanços tecnológicos influenciariam não apenas a maneira em como a
sociedade iria interagir, mas também como essa sociedade em eterna vigilância
teria suas sensações e valores transformados. O presente artigo é feito a partir
de um trabalho que busca explorar influências e potenciais possibilidades para
a criação artística através da tecnologia. Este trabalho traz consigo a mesma pre-
ocupação abordada por Huxley, porém de forma a acreditar que a tecnologia
seja uma ferramenta capaz de nos aproximar e assim transformar nossas rela-
ções interpessoais.
Palavras-chave: arte contemporânea, arte e tecnologia, poéticas digitais, new media.
Abstract
In the book Brave New World, Audous Huxley presents us with a dystopian universe
possibly characterized by the progress of technology and its influences in the period
in which it lived. The author was able to see that emerging technological advances
would influence not only how society would interact, but also how this ever-vigi-
lant society would have its sensations and values transformed. This abstract is made
from a work that seeks to explore influences and potential possibilities for artistic
creation through technology. This work brings with it the same concern addressed
by Huxley, but in order to believe that technology is a tool capable of bringing us
closer and thus transforming our interpersonal relationships.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: contemporary art, art and technology, digital
poetics, new media.
1 Felipe Bernardes Duarte é técnico em eletrônica pela Escola Técnica Estadual Monteiro Lobate - CI-
MOL (RS), formado em artes visuais / bacharelado em desenho e plástica pela Universidade Federal de
Santa Maria -UFSM (RS) e mestre em Práticas Artísticas Contemporâneas pela Faculdade de Belas Artes
da Universidade do Porto (Portugal). Atua com pós produção de imagem, vídeo, arte e tecnologia.
71
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tecnologia digital
Ao pensar que desenvolvimento digital, tecnológico e midiático seja cada vez mais
forte e presente na sociedade atual, ainda existem inúmeros questionamentos que
preocupam artistas, curadores, filósofos da arte e pesquisadores. Entre tais receios,
o transe maquínico que a relação entre o homem e o objeto técnico pode causar
preocupada drasticamente o rumo da sociedade de acordo com o avanço tecno-
lógico. Eu acredito portanto, que ao referenciar o uso da tecnologia digital cada
vez mais presente no processo de criação, exposição de arte contemporânea e até
mesmo sua aplicação para repensar obras já consagradas pelo sistema da arte, este
artigo possibilita uma contribuição para a discussão sobre os novos horizontes que
a tecnologia pode nos possibilitar.
A expansão no uso das tecnologias como meios de criação na arte trouxe uma progres-
siva transformação na experiência artística, na crítica de arte e na estética. A produção
de imagens e os meios para seu acesso aumentaram muito através da popularização
dos meios tecnológicos. O ciberespaço e a interatividade tornaram-se novas manei-
ras de acesso e interação da cultura. Na verdade, as redes de informação derrubam
fronteiras e traçam os contornos virtuais daquilo a que o filosofo canadense Herbert
Marshall McLuhan chama de “The Global Village”, num mundo em que todos estariam,
de certa forma, interligados com influência de novas tecnologias eletrônicas.
Tais tecnologias são pensadas pelo autor Pierre Lévy, o qual acredita que seremos
capazes de um desenvolvimento de maneira mais humanista e em seu Livro Ciber-
cultura, ele espera ver na tecnologia potencialidades mais positivas, seja nos pla-
nos econômico, político, cultural e humano. O autor faz questionamentos sobre as
implicações culturais das novas tecnologias. Para ele, o virtual não se opõe ao real
mas sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois modos diferentes da
realidade. “É virtual toda entidade “desterritorializada”, capaz de gerar diversas ma-
nifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo
estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular.”
72
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esse texto é motivado por reflexões artísticas desse instante extremamente impor-
tante para a sociedade. Um exemplo disso, trata-se da a atual situação política no
Brasil, onde o presidente eleito em 2018, Jair Messias Bolsonaro ocupa o cargo exe-
cutivo de maior importância do país e compartilha todos os dias através de redes
sociais opiniões e discursos que são no mínimo inadequados. Sua campanha foi
apoiada por imagens de Jair Messias Bolsonaro em roupas de herói e até mesmo
em montagens fotográficas como um cavaleiro sobre um cavalo enquanto vestia
as cores da bandeira do Brasil. Parte da população foi influenciada em determinado
ponto pelo discurso conservador de Bolsonaro e acreditou nele como sendo de fato
um herói que iria libertar o Brasil de uma crise política e financeira. Muitas pessoas
passaram a adotar o discurso do até então candidato a presidência e é inegável que
as imagens e vídeos de discursos de Jair Messias Bolsonaro tenham contribuído para
polarizar a opinião política no Brasil.
Muitas pesquisas e eventos atuais com foco em arte contemporânea tem forte influ-
ência da tecnologia digital e da possibilidade de compartilhamento de fotografias
e vídeos através da internet. Através deles, eu passei a ter contato e ganhei gran-
de interesse pelas possibilidades de transformação de imagens e a sua reprodução
através de diferentes interfaces. Ao acompanhar análises recentes tanto em âmbito
cultural quanto político, é claramente notável que a polarização política através da
manipulação de imagens e a distorção de informações vitais para compreensão da
sociedade podem acabar por aumentar a desigualdade entre as pessoas.
73
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
produções de: Portugal, Suiça, Holanda, Japão, Reino Unido, EUA, Espanha, Itália, Fran-
ça, Alemanha, Canadá, Austrália, Polónia, Grécia, Nova Zelândia, Brasil, entre outros.
Ele ocorre de maneira Bienal e apresentou no ano de 2017 15 filmes a mais do que na
sua edição de 2015. Teve em estréia nacional mais de 90% das obras e contou com
quatro produções nacionais, e ainda uma outra que, embora produzida na Suíça,
teve direção portuguesa.
“Fomos o primeiro festival de cinema imersivo da Europa, quando ainda não se fazia
nada nesta área a título competitivo e a produção para ecrãs a 360 graus ainda era
escassa, mas entretanto houve uma grande evolução e a própria produção portu-
guesa ganhou força”, declara à Lusa o astrónomo António Pedrosa, director do even-
to e do planetário de Espinho.
As obras que participaram do Festival poderiam ser enviadas por quaisquer artistas,
produtores e realizadores sem restrição geográfica, dando caráter internacional ao
evento. Além de exibições de filmes, o Festival também contará com exposição de
74
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Helena Barranha aborda o surgimento de projetos por todo o mundo a serem re-
presentativos da procura de modelos institucionais e espaciais que consentiam
com os desafios tecnológicos do momento. Para ela, os exemplos mais relevantes
desse período, marcado por uma visão tendencial e otimista da revolução cultural
desencadeada pela Internet, destacam-se a Gallery 9, um projecto online do Walker
Art Center (1997-2003)4 e o Guggenheim Virtual Museum, projectado pelo atelier
Asymptote Architecture (1999-2002). Nas palavras da autora em sua comunicação
no #16.ART - 16º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia:
“O carácter algo utópico destes projetos, bem como o ritmo acelerado a que as tec-
nologias da informação evoluem e se tornam obsoletas, parece tê-los condenado
um registro histórico antecipado, à margem da realidade museológica da arte con-
temporânea. Contudo, e curiosamente, a sua influência no plano teórico e concep-
tual ainda persiste.” p30
75
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
reflexão crítica sobre o modo como as tecnologias digitais têm afetado o conceito
e a vida das cidades. Como podem a arte e a arquitetura responder a esta condição
incerta e instável. Procuram discutir como a globalização da Internet e mais recen-
temente o fenômeno das redes sociais, re-configuram o espaço urbano, desdobran-
do-o em múltiplos territórios que coexistem e se confundem, numa crescente ambi-
güidade entre os domínios público e privado, real e virtual.
Mundo em conexão
Eu acredito que a transformação em festivais e meios expositivos de arte menciona-
dos sejam um exemplo de como mudanças na maneira de observarmos o que está
em nossa volta podem ser evidenciadas através do cinema e da arte. Tais festivais de
cinema expandido podem influenciar estímulos em nossa criatividade e em nossa
percepção do mundo em nossa volta cada vez mais tecnológico. De acordo com o
avanço dos meios de produção em massa, uma parcela grande de processos arte-
sanais e operários serão automatizados através da indústria em questão de poucos
anos. O avanço da inteligência artificial pode causar um crescimento tecnológico
desenfreado e mudanças irreversíveis a sociedade.
Portanto, é fundamental que sejamos capazes cada vez mais de observarmos e dar-
mos atenção em como seremos capazes de utilizar a tecnologia para ampliar nosso
olhar e nos tornarmos cientes dos rumos para o sociedade cada vez mais automatiza-
da está a se direcionar. Se utilizarmos de redes locais e da WEB para conectarmos ga-
lerias, museus e festivais, talvez possamos criar mostras de arte constituídas para ação
em tempo real de artistas em diferentes lugares do mundo por meio da tecnologia.
Referências
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea, Uma História Concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
76
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
CHAN, Fang Lin. AR | RA: A Arte Na Realidade Aumentada. São Paulo, 2011.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004
LEMOS, André. Arte Eletrônica e Cibercultura. Revista FAMECOS, Porto Alegre, 1997.
MCLUHAN, Marshall. The Global Village: The transformage in the world life and
media in 21st Century. Oxford University Press Inc, 1992.
PARENTE, André. Imagem Máquina - A Era Das Tecnologias Do Virtual. São Paulo:
Editora 34, 1993.
PARENTE, André. Entre Cinema e Arte Contemporânea. São Paulo: Galáxia. Núme-
ro. 17, 2009.
PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrants. MCB University Press, Vol. 9
No. 5, 2001.
77
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
WELBEL, Peter. Expanded Cinema. Video and Virtual Environments. MIT Press, 2003.
YOUNGBLOOD, Gene. Expanded Cinema. Nova York: P. Dutton & Co., Inc., 1970.
78
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente trabalho visa analisar nossa pesquisa artística recente, mais precisamente
as performances Turbulências (2018) e Transduções (2019), as quais possuem como
ponto central as inter-relações entre imagem, som e corpo. Partindo de estratégias
operatórias que geram simultaneamente resultantes sonoras e visuais, buscamos a
constituição de uma série de relações de interdependência mútua entre os diferen-
tes meios de expressão artísticos solicitados nas obras. Para analisar estes trabalhos,
lançamos mão do conceito de transdução, da noção de imagem performativa pro-
posta por César Baio e da teoria corpomídia de Christine Greiner e Helena Katz.
Palavras-chave: Transdução; Imagem performativa; Corpomídia.
Abstract
The present work aims to analyze our recent artistic research, precisely the audiovi-
sual performances Turbulências (2018) and Transduções (2019), the main questions
of this research are the interrelations between image, sound and body. These perfor-
mances explore operative strategies that simultaneously generate sound and visual
results, thus constituting an environment of mutual interdependence between the
different means of artistic expression. In order to analyse this works, we define as
starting points the concepts of transduction and performative image.
Keywords: Transduction, Performative image, Bodymedia
1 Alessandra Bochio é artista multimídia, pesquisadora e professora. Como artista se dedica a criação
de performances e instalações audiovisuais. É doutora em artes visuais pela Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo (2015), com estágio de pesquisa na Université Sorbonne Nou-
velle Paris 3. É professora adjunta do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e líder do Grupo de Estudos e Práticas em Arte Mídia.
2 Felipe Merker Castellani é artista sonoro e multimídia, pesquisador e professor. Como artista de-
senvolve instalações interativas, videoinstalações e performances audiovisuais em parceria com ar-
tistas de diversas áreas. É doutor em música na área de Processos Criativos junto ao Instituto de Artes
da Unicamp (2016), com estágio de pesquisa na Université Paris 8. É professor adjunto do Centro de
Artes da Universidade Federal de Pelotas e líder do grupo de pesquisa Corpo-imagem-som: pesqui-
sa artística e práticas experimentais.
79
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
O presente trabalho aborda as performances audiovisuais Turbulências3 (2018) e Trans-
duções 4 (2019), as quais se constituem a partir das convergências e inter-relações entre
imagem, som e corpo. Por meio de estratégias operatórias que geram simultaneamen-
te resultantes imagéticas e sonoras, os ambientes performativos se configuram en-
quanto uma rede de retroalimentações entre informações de natureza distinta, entre
meios materiais e imateriais, entre analógico e digital, entre corpo, espaço e público.
Transdução
Entendido enquanto um processo de transformação energética, o conceito de trans-
dução serve de base para a compreensão de diferentes fenômenos sonoros do mun-
do físico e para a construção de diferentes aparatos tecnológicos. Nas performances
aqui analisadas, transdução energética e tradução informacional se interligam e ser-
vem como ponto de contato entre materialidades distintas.
3 Turbulências é uma performance audiovisual criada por nós em colaboração com a artista Isabel
Nogueira e o artista Luciano Zanatta. Um registro audiovisual do trabalho pode ser acessado no
seguinte endereço da web: https://www.youtube.com/watch?v=bolLNkv-3XQ&t=6s
4 Transduções são uma série de performances audiovisuais desenvolvidas por nós desde o início
de 2019 e que se configuram contínuo processo de investigação de estratégias performativas au-
diovisuais. Um registro do trabalho pode ser acessado no seguinte endereço da web: https://www.
youtube.com/watch?v=bRENNVfRgPU&t=53s
80
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Entendemos por transdução uma operação física, biológica, mental, social, pela qual uma atividade
se propaga pouco a pouco no interior de um campo, fundando essa propagação numa estruturação
do campo operada passa a passo: cada região seguinte, de modo que uma modificação se estende
progressivamente e simultaneamente a esta operação estruturalmente (SIMONDON, 2011, p. 32).
81
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
82
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
83
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
César Baio (2015) compreende a imagem performativa por meio de uma reflexão
a respeito da dimensão estética dos atuais regimes de sentido da imagem digital
e da passagem dos regimes de absorção para os regimes de projeção da imagem.
Nos primeiros, o espectador é convidado a mergulhar na imagem, tais como nos
ambientes virtuais; é decorrente do sistema de representação perspectivista do Re-
nascimento, sendo progressivamente potencializado pela fotografia, pelo cinema e
pelas tecnologias digitais.
84
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Notamos que as imagens que se projetam nos aparelhos técnicos digitais, como pro-
põe Baio, não podem ser compreendidas como um conjunto homogêneo. Assim,
a imagem performativa diz respeito a uma imagem atravessada pela performance.
Envolve a condição de presença, a experiência, o compartilhamento e o tempo real.
85
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
pequenos potes de vidros. Ao mesmo tempo que tais ações são capturadas por câ-
meras de vídeo, que após passarem por processamentos digitais, são projetadas no
ambiente, os sons provenientes de tais objetos são capturados por microfones, pro-
cessados digitalmente, mixados a outros sons e igualmente devolvidos ao ambiente.
Para nos auxiliar nesta reflexão recorremos agora à teoria corpomídia de Christine
Greiner e Helena Katz, proposta a partir de estudos interteóricos; no cruzamento da
filosofia, psicologia, biologia, semiótica e algumas vertentes das ciências cognitivas.
O que está fora adentra e as noções de dentro e fora deixam de designar espaços
não conectos para identificar situações geográficas propícias ao intercâmbio de in-
formação. As informações do meio se instalam no corpo; corpo, alterado por elas,
continua a se relacionar com o meio, mas agora de outra maneira, o que o leva a pro-
por novas formas de troca. Meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo
inestancável de transformações e mudanças (KATZ e GREINER, 2001, p. 71).
Isto quer dizer que corpo e ambiente sempre estão em um estado transitório ou pro-
visório; apenas se constituem a partir de suas trocas, a medida em que se acomodam
ou se desacomodam na relação com os contextos, que são produzidos a partir dessa
relação ao longo do tempo. O corpo resulta, com isso, de negociações constantes de
informação com o ambiente.
O objetivo de apresentar o corpo como mídia passa pelo entendimento dele como sendo o
resultado provisório de acordos contínuos entre mecanismo de produção, armazenamento,
transformação e distribuição de informação. Trata-se de instrumento capaz de ajudar a com-
bater o antropocentrismo que distorce algumas descrições do corpo, da natureza e da cultura
(KATZ e GREINER, 2002, p. 94).
86
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
BAIO, C. (2015). Máquinas de imagem: arte, tecnologia e pós-virtualidade. São
Paulo: Annablume.
87
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
88
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
In this paper digital network-technologies are reframed within the context of magic
and animation. New technological interfaces and interaction processes highlight
today the presence of non-human actors in the so-called stack. It is argued that
magic (phantasmagoric) strategies, as a result of digitization, did gain in the last
years a significant relevance for the human lifeworld. Contemporary technologies
are hence depicted as means to render the human reality as magical.
Keywords: Magic, Animation, Interface
Graphical User Interfaces (GUIs), as they are still central for many personal computers,
do define interaction processes with digital machines as feedback-based control op-
erations. Classical GUIs promise to form powerful human-machine interfaces by plac-
ing a human user-subject in the center. If one considers smartphone apps, one has
to speak of simple relays to a cloud-based infrastructure, respectively to server based
functionalities, which clearly oppose the classic idea of the GUI. One has to speak of
structures, which are rather installed to analyze than to support human users.
Our digital infrastructure did change gravely during the last years. We are basically
now living in a huge surveillance network world, in which any human move is con-
stantly tracked, while the service the user is opting for, is of secondary relevance. As
the cultural scientist Nishant Shah approves, it is no longer possible to understand
user interfaces as an infrastructure facilitating control.3 Contemporary “interfaces”
like Amazons Echo stations are rather defining “zones”, in which dynamic relation-
ships are created between people, machines, equipment, digital processes and net-
works, as well as entire organizational structures. 4 While talking about contempo-
rary digital technology, we are so obliged to question the concept of a powerful
3 Shah, „From GUI to No-UI: Locating the interface for the Internet of Things“.
4 Hookway, Interface.
90
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
user-subject, which was mainstreamed with the help of the Graphical User Interface
and is still considered to be crucial for our interaction with digital technology. This
paper proposes that such a rationality critique can be carried out by (re-)activating
the historic (European) concept of magic.
Magic
The term “magic” is versatile and has a long history. Originally derived from Persian
– the “Magi” were a Persian priest caste – the word is today deduced from the Greek
translation “mageia” and the Latin “magia”.5 The root of the term magic lies therefore
in European antiquity.
There are numerous discourses on the subject of magic in the history of science, that
from toady’s perspective can be categorized as highly problematic. The term magic
was for example functionalized to constitute the “image” of a scientifically rational
and enlightened European modernity. 6 The term “magic” has not only been repeat-
edly abused and transformed in its meaning throughout history. It undergoes a dy-
namic transformation in its present content and still remains a subject to/of perma-
nent change. Nevertheless, by turning to language (through the concept of magic),
respectively the (poetic) potential of language, central “qualities” of the (historical)
concept of magic can be specified.
Actually the term “magic” has etymologically a clear reference to the ritualized
speaking, to the “effect” of direct invocations. Magicians for sure never understood
themselves as linguists who address connections between signs, metaphors, for-
mulas and symbols. Magic invocations (ideally) transform symbolic or expressive
processes into reality. Those invocations avoid letting characters represent things
or events, but update them in targeted effects. Magic word professionals hence
claim to be able to create (phantasmagoric) connections between physical forces
and discursive strategies. They establish “communication models” with non-human
beings, by using a specific style of speech. In speaking or addressing in the famous
magic formula magicians underline a potential synthesis between word and desire,
between magical expression and its effect.
Animation
Animation techniques do have a central relevance, within the context of contem-
porary discussions on magic. As Philippe Descola describes in his book Beyond Na-
ture and Culture the idea of a material continuity linking all organisms and things
5 Otto, Magie.
6 Frederici, „Caliban and the Witch“.
91
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
together is common to most animist ontologies. Descola points out that as for the
animists, every non-human being has a subject-position equivalent to humans. Out
of this perspective one could analyze the stack as an animist environment, in which
subjectivity and reality evolve in interaction with non-human beings. And one can
claim that this situation already refers to historic artistic animations.
If one draws attention to Sergei Eisenstein’s famous classification, that it was the
“plasmacity”, meaning the permanently changing surfaces of contours, bodies and
things that made the early animated film revolutionary, it is already possible to get
close to what one might call the magic dimensions of artistic animation. Artistic an-
imation evidently has the potential to fuse mind and material in such a way, that it
produces sympathetic updates of “fantasies” or “desires” in material. Via animation
techniques man enables himself to create (magically) independent “materialities”, to
give things a quasi-magical (artistic) life.
92
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Historically, artistic animators demonstrated actively their ability to make the world
dance. They demonstrated how to facilitate sympathetic connections between
things, actions and phenomena that are not to be linked rationally.
Playing with the magic of phantasmagoric or plasmatic “things” has gained a re-
newed, pop-cultural presence in the early 21st century. If one considers that anima-
tion is one of the core elements of contemporary interface-design, that allows users
of digital technologies to interact with the networks they are embedded in, anima-
tion is a fundamental element of our “new” digital lifeworld. One can even state, that
humans (embedded in the technical layers of the stack) are in need of animated
interfaces in order to formulate their wishes, in order to interact with non-human
co-users. Hence, those animation technologies are fundamental to contemporary
interfaces, as they allow defining “zones”, in which dynamic relationships can be cre-
ated between people, machines, equipment, digital processes and networks, as well
as between entire organizational structures.
93
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Magic interfaces
According to this perspective it is even possible to claim, that contemporary interfaces
rely on magic or phantasmagoric strategies. In those interfaces the users have to learn
to communicate their “Eros” in interaction with opaque (demonic) non-human beings.
In contemporary animation technologies the ancient art to revive “things” magically,
which means to interact with the “demonic” anima of the things surrounding us, is
reactivated. Humans transform symbolic or expressive interaction processes into re-
alities by using digital animation technologies. For contemporary beings embedded
in the stack, interface animation creates a magic immediacy, that enables users not
only to re-categorize the world, but also to address relevant non-human co-users. In-
terface animation thus also creates (phantasmagoric) connections between physical
forces and discursive strategies. It is in this perspective, that I want to claim, that the
sympathetic synthesis between desire and word, between expression and its effect
(which characterizes magic strategies), has been updated in contemporary interaction
or communication processes. In other words, I am arguing, that in the digital networks
of our time, the magic spell was transformed into the “magic interface”.
94
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
In fact, the whole artwork is defined by a rupture, that divides the screen image
in two parts: in this way it prevents the viewer from engaging in an easy percep-
tion process. We are faced with a phenomenon resisting the suspected rationality
of the camera machine. This rupture defining the image formation in Der Sandman
epitomizes strikingly the subconscious tensions that have always been established
in technological interfaces. It depicts the tensions between subjects and objects,
nature and culture as well as between the psyche and the material world. Douglas’
work reflects the sympathetic synthesis between desire and word, between magic
expression and its effect, which is performed in contemporary image production. It
therefor depicts a magic dimension of contemporary technology, which has to be
re-evaluated as crucial factor in our contemporary life world.
References
Adamowsky, N. (2011). Affektive Dinge: Objektberührungen in Wissenschaft
und Kunst. Wallstein.
Bennett, J. (2010). Vibrant matter: A political ecology of things. Duke University Press.
Bridle, J. (2018). New Dark Age: Technology and the End of the Future. Verso Books.
Essler, M. (2017). Zauber, Magie und Hexerei: Eine etymologische und wortges-
chichtliche Untersuchung sprachlicher Ausdrücke des Sinnbezirks Zauber und
Magie in indogermanischen Sprachen. BoD – Books on Demand.
Franke, A., & Generali Foundation. (2011). Animismus Moderne hinter den Spie-
geln ; [Ausstellung 16. September 2011-29. Januar 2012, Generali Foundation
Wien. Köln: König.
Frederici, S. (2004). Caliban and the Witch. Women, The Body and Primitive
Accumulation.
95
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Shah, N. (2017). From GUI to No-UI: Locating the interface for the Internet of Things.
In Digitisation (S. 179–196). Routledge.
96
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
Mosca is a software extension class of the SuperCollider language for sound
synthesis and algorithmic composition. It produces three-dimensional sound
fields via an intuitive graphical user interface controlling a variety of hidden
internal methods. Drawing from ambisonics’ adaptable form of surround
sound applicable to wide-ranging loudspeaker configurations and head-
phones, Mosca is suitable in a variety of applications. Recent improvements to
the software include the incorporation of high-order ambisonics and the OS-
SIA/score project, enabling sophisticated control of audio spatialisation and
synchronisation with a variety of media. Additionally, current development
will bring location sensitivity to Mosca. Together with existing head-tracking
capacities for binaural audio reproduction, the software will be highly useful
in mixed and virtual reality projects.
Keywords: ambisonics, surround sound, electroacoustic music, SuperCollider,
OSSIA/score
Résumé
Mosca est une extension pour l’environnement de programmation audio SuperCol-
lider. Cette extension permet la production de champs sonores tridimensionnels à
travers une interface graphique intuitive et différentes méthodes internes. Tirant
profit de la flexibilité du format ambisonique, compatible avec le rendu au casque
et une large gamme de configurations d’enceintes, Mosca peut s’adapter à un grand
nombre d’applications. Ce programme est actuellement développé par les auteurs
pour intégrer des ordres ambisoniques supérieurs, et davantage de techniques de
1 Sound artist, composer and lecturer in sound design and voice at the Departamento de Artes
Cênicas, Instituto de Artes, Universidade de Brasília, http://cen.unb.br. Doctorate in arts from the
University of Wollongong entitled “Sound Installation and Self-listening”. Personal website: https://
escuta.org. Institutional email: iainmott@unb.br.
2 Software technician and system administrator at SCRIME, University of Bordeaux, https://scrime.u-
-bordeaux.fr. Member of the OSSIA team, https://ossia.io. Masters in computer music programming
from the university of Saint-Etienne, https://musinf.univ-st-etienne.fr/index.html. Personal page: ht-
tps://github.com/thibaudk. Organisation page: https://github.com/scrime-u-bordeaux. Institutional
email: thibaud.keller@u-bordeaux.fr.
97
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introduction
Mosca is a software extension class (or quark) of the SuperCollider language for
sound synthesis and algorithmic composition, and was initially developed as part
of a research project entitled Cerrado Ambisônico by Iain Mott, assisted by the MCTI/
CNPq in the Edital Universal. The software produces surround sound and offers an
intuitive graphical user interface (GUI) for direct control. A variety of ambisonic and
spatial audio techniques are used to render three dimensional sound designs on
both headphones and wide-ranging loudspeaker configurations. Mosca makes ex-
tensive use of the the Ambisonic Toolkit (ATK) code library for ambisonic processing
and the Automation quark to sequence control data. Recent work by Thibaud Keller
has brought improvements to the GUI and seen the inclusion of additional spatial
audio libraries. Furthermore, communication with the multimedia sequencer OSSIA/
score is now enabled, facilitating live performances and synchronisation with other
real-time multimedia systems. Current work also includes location sensitivity via GPS
and accelerometers, derived from Mott’s sound mapping installation Botanica, pre-
sented in the proceedings of #16.Art.
As an extension of SuperCollider, Mosca is open source and runs on Linux, Mac and
Windows platforms. This article describes both current capabilities of Mosca and the
work in progress. Along with the documentation for the Mosca quark in SuperCol-
lider, this article serves as a practical guide to the software and provides the reader
with information to realise their own projects.
Ambisonic sound
Sound is not a static object. It is liberated from a source and propagated through
space by way of compression and rarefaction of air molecules. On a mild day of
20 degrees centigrade, it moves in waves through the air at the speed of approxi-
mately 343 metres per second. Various sounds arrive at our ears from all directions,
either directly or after having first come into contact with surrounding objects and
materials. Ambisonics aims to both capture or synthesise and reproduce such
multidirectional sound fields for a certain region in space. Developed by Michael
98
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Gerzon and others in the UK and the USA in the early 1970s 3, ambisonics involves
encoding and decoding steps. To encode ambisonics is to process a sound source
or sources, for example a solo musical instrument or a flock of birds, by capturing
the waveform’s inherent phase and level information over a number of channels
and along specific spatial axes. Encoding may be done synthetically, by way of
digital or analogue processing, or acoustically, using a so-called soundfield4 mi-
crophone (Fellgett, 1975) first developed by Michael Gerzon and Peter Craven in
the 1970s (Batke, 2009) with a number of capsules to capture the incoming sound
from multiple angles at once. As a convention, sound fields are generally encod-
ed in the multichannel B-format, which may exist at different spatial resolutions,
or ambisonic orders (Hollerweger, 2008) and is independent of the loudspeaker
configuration used for reproduction. The rendering of an ambisonic sound field
is performed in the decoding step, where the signal is processed for a specific
loudspeaker array, whether it be a 2-dimensional arrangement of loudspeakers
surrounding an audience, or a three-dimensional array of loudspeakers and even
headphones, delivering a full spherical sonic experience.
Sound Sources
Mosca takes a flexible approach to encoding and decoding. Sound sources may
be any combination of mono, stereo or B-format material and the signals may
originate from file (loaded into memory or streamed from disc), from hardware
inputs (physical or from other applications like a DAW via the Jack Audio Connec-
tion Kit (Jack)5) or from sound synthesis processes inside SuperCollider itself (Mc-
Cartney, 1996; Wilson, Cottle, & Collins, 2011). A particular source is first selected
by right-clicking in a blank section in the GUI (Figure 1), then selecting its index
from the drop-down menu, with the total number of sources defined when initial-
ising Mosca. Once a source is selected, it can be assigned an input and the defined
sources appear as numbered circles in the GUI. The centre of the larger blue circle
defines the location of the listener or audience and its periphery marks the max-
imum audible distance from the listening point. Sources may be positioned and
moved in space by clicking and dragging.
3 For information on the origins and nature of ambisonics and extensive lists of early publications
on the subject, see: www.michaelgerzonphotos.org.uk. Ambisonics is under ongoing development
and many of the leading researchers participate in the email discussion group “Sursound”: https://
mail.music.vt.edu/mailman/listinfo/sursound. The website http://www.ambisonic.net alsoprovides
resources and the Wikipedia page on ambisonics provides an excellent technical introduction: ht-
tps://en.wikipedia.org/wiki/Ambisonics.
4 For information about encoding conventions see: https://www.ambisonic.net/fileformats.html
5 http://jackaudio.org
99
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
In order to spatialise the sound sources, mono and stereo inputs are processed
on a per-source basis by a selection of algorithm set from the “Library” pull-down
menu in the GUI. Users may choose between the ATK6, HOALib7 (Guillot, Paris, &
Deneu, n.d.), Ambitools (Grond & Lecomte, 2017)8, ADT(Heller & Benjamin, 2014)9,
BF-FMH, Josh and VBAP libraries10. The ATK and Josh are both restricted to 1st or-
der ambisonics, BF-FMH can either encode in 1st or 2nd order whereas Ambitools,
HOALib and ADTB offer up to 5th order ambisonics. The default ambisonic order of
Mosca is 1, however the user may enter a maximum order as an instantiation argu-
ment to perform higher order encoding and decoding. Josh is a simple ambisonic
granulator effect. VBAP on the other hand is a non-ambisonic method of sound
spatialisation unaffected by the “maxorder” argument. The acronym stands for
vector based amplitude panning (Pulkki, 1997) and involves the panning of sound
sources between adjacent loudspeakers in an array, the details of which—angular
6 http://www.ambisonictoolkit.net
7 http://hoalibrary.mshparisnord.fr/en
8 https://github.com/sekisushai/ambitools
9 https://bitbucket.org/ambidecodertoolbox/adt
10 The last three libraries are provided by the official supercollider plugin repository
100
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
B-format signals up to 5th order, when used as input to Mosca, have no need to
undergo ambisonic encoding. The signal can be oriented and transformed directly
in various ways. The user can load or stream existing archival B-format material or
create their own audio files, either by using Mosca itself to record B-format files from
manipulated sources (mono, stereo or B-format) or record their own material acous-
tically with a sound field microphone. Most commonly available soundfield micro-
phones are so-called A-format devices. Recorded signals using these microphones
will therefore need to be processed into B-format for use. The original Mosca project
has made use of such a microphone, the Core Sound Tetramic along with a TASCAM
DR-680 digital recorder and B-format material has been generated from raw record-
ings using the Linux software Tetraproc (Adriaensen, 2007). The methodology used
and a sample processing script are available online.11
Mosca uses two techniques for positioning B-format sources in space. Either the
push transformation from the ATK library or the Beam formation techniques avail-
able in Ambitools (Lecomte, Gauthier, Langrenne, Berry, & Garcia, 2016). Both effects
diminish as the source approaches the centre point, surrounding the listener and
allowing the inherent ambisonic coding of the original signal to dominate. With the
ATK, this signal can also be gradually striped of its directional attributes with the “Di-
rectivity” control. Fully rolled back, this parameter renders B-format inputs as omni-
directional signals with constituent sounds surrounding the listening point equally
from all directions. Additionally, rotation of incoming ambisonic sound fields around
their Z-axis can be performed with the “Rotation” parameter.
Mono and stereo sources are fully contracted by default, setting a focused position
in space. When fully de-contracted with the contraction control in the GUI, the signal
becomes omnidirectional. B-format sources, on the other hand, are de-contracted
by default and contraction causes them to become spatially focussed. The parame-
ter thus offers continuous control over the source’s width, from a narrow point to an
enveloping mass. When mono or stereo signals are de-contracted, the spread and
diffuse GUI options of the ATK library offer two different types of spectral smearing
over the spherical ambisonic image. Both have distinct rendering qualities and users
may find that one suits a specific class of sounds better than the other, as is the case
with all available libraries.
11 http://escuta.org/en/proj/research/ambiresources/item/222-shell-script.html
101
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
12 http://doc.sccode.org/Classes/FoaProximity.html
13 http://www.sekisushai.net/ambitools/hoa_encoder
14 https://ccrma.stanford.edu/~jos/pasp/Freeverb.html
15 http://escuta.org/en/proj/research/ambiresources/item/222-shell-script.html
16 In the case of Mosca, fed by the w component of the source’s B-format encoded signal.
102
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
17 B-format audio recordings from this field work are available online on an interactive map: https://
escuta.org/mapa
18 https://github.com/neeels/Automation
19 This method has been tested to work with the open source DAW Ardour on Linux.
20 When selected in the GUI, the user must enter the number of channels and the starting bus number.
103
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mosca can run without an active GUI by reading stored Automation data21 and may
also be controlled entirely through coded commands by way of proxies for the GUI
elements. Calling “myMoscaInstanceName.xboxProxy[i].value”, for example, will re-
turn the current x-coordinate of the source at index “i”. With the “valueAction” meth-
od, new values can be set in real time for any given parameter proxy. A full list of
available proxies is given in the help file for Mosca.
A major focus of Mosca’s rework was to enable communication with the intermedia se-
quencer OSSIA/score22 (Celerier, 2018). This open source project can be described as a
graphical language to formulate software interactions in time. The approach expands
on a traditional sequencer interface with the addition of flexible durations, parallel
timelines, conditional branches and a host of communication protocols. Developed
as a virtual conductor, OSSIA/score allows the creation of scenarios where events and
processes obey “when”, “while” and “switch case” statements represented as Triggers,
Loops and Conditions. Open Sound Control (OSC) (Schmeder, Freed, & Wessel, 2010)
and OSCQuery23 compliant applications like Mosca can then be remotely controlled
and synchronised together inside a single scenario. Exposed on the network with the
OSSIA quark24 for supercollider, all of Mosca’s parameters appear within the device ex-
plorer of OSSIA/score. This new feature not only greatly improves the integration with
other systems, it also provides high level functionalities for editing large-scale spatial
audio compositions and real time interactive projects of all kinds.
Decoding
A variety of options are available for decoding, each dependent on the rendering
system used (binaural, 2D ring or 3D array). A SuperCollider decoder object, chosen
from a number of types, may be passed to the Mosca instance in an initialisation
argument. If none is provided, raw ambisonic components of the chosen order are
outputted for processing with an external decoder, such as Ambdec (Adriaensen,
2011). The AmbiDecoderToolbox library for Octave and Matlab (Heller & Benjamin,
2014) may also be used and is recommended for higher-order decoding. It enables
users to create custom decoders calibrated specifically for their setup. The scripting
and compiling steps for ADT are described in the SC-HOA quark tutorials (Grond &
Lecomte, 2017). As mentioned, VBAP involves neither ambisonic encoding nor de-
coding, however Mosca does require VBAP to be initialised with an array of loud-
speaker coordinates (2D or 3D) passed as an initialisation argument.
Current work
Work is currently underway to bring location sensitivity to Mosca using SuperCol-
lider code developed in the sound art project Botanica (Mott, 2017). The code will
enable Mosca to import a map and then calibrate it to position a mobile listener in
accordance with their physical location. Longitude and latitude serial data may be
used as input, be it from GPS or from any location sensing device. The system de-
veloped uses a Ublox NEO-6M GPS module27 which is wired directly to the Arduino
Uno with 9-Axes Motion Shield. Coupled with head tracking, listeners will be able to
walk in a direction of their choice, or travel by some other means, to explore sound-
scapes spanning physical space. Together with existing head-tracking capacities for
25 https://store.arduino.cc/usa/9-axis-motion-shield
26 https://store.arduino.cc/usa/arduino-uno-rev3
27 https://lastminuteengineers.com/neo6m-gps-arduino-tutorial/
105
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
binaural audio reproduction, location sensitivity will lend Mosca broad application
in mixed and virtual reality projects. The OSSIA quark is also under development to
take over from the now deprecated ossia-supercollider28 project, currently the only
way to enable OSCQuery communication. It will soon be reconfigured and based on
Pierre Cochard’s wsclang29 fork of SuperCollider and the changes then submitted to
the official SuperCollider repository.
Resources
The home page for Mosca is http://escuta.org/mosca. To use Mosca, SuperCollider
must be installed on a Linux, Mac or Windows computer along with SuperCollider’s
assortment of plugins, including HOA30 and the ATK31. Like SuperCollider and the
ATK, the Mosca source code and accompanying Arduino source for head-tracking,
are available on the Github site.32 As well as including the SuperCollider source code
for Mosca and help files, the repository, as mentioned above, contains the source
code for the Arduino-based head-tracker and should be loaded onto the device us-
ing the Arduino IDE33 software. The Mosca quark and additional prerequisite quarks
including the ATK may be loaded via the Quarks.gui interface in SuperCollider. Once
loaded, the user may access the Mosca help file and guide with full instructions and
code examples, by running the help command on the class name Mosca. Addition-
ally, the moscaproject.zip file contained within the git source may be used. Once
extracted, the archive contains the basic file structure for a Mosca project as well as
an example RIR file. A much larger project directory with B-format audio files is also
available on the site Escuta.org.34
Acknowledgements
Participation in this event was made possible with assistance from the Fundação de
Apoio a Pesquisa do Distrito Federal (FAP DF). The authors gratefully acknowledge
Joseph Anderson (ATK), Pierre Lecomte (Ambitools), Florian Grond (SC-HOA), Pierre
28 https://github.com/OSSIA/ossia-supercollider
29 https://github.com/pchdev/wsclang
30 https://github.com/scrime-u-bordeaux/sc3-pluginsHOA
31 http://www.ambisonictoolkit.net/download/supercollider
32 https://github.com/escuta/mosca
33 https://www.arduino.cc
34 http://escuta.org/tmp/moscaproject.zip. The archive includes a B-format audio recorded by Iain
Mott in Chapada dos Veadeiros and Brasilia as well as a Spitfire recording by John Leonard, provided
with kind permission.
106
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
References
Adriaensen, F. (2007). A Tetrahedral Microphone Processor for Ambisonic Re-
cording. Presented at the Linux Audio Conference, Berlin.
Celerier, J.-M. (2018). Authoring interactive media: A logical & temporal approach
(PhD thesis). University of Bordeaux, France.
Fellgett, P. (1975). Ambisonics. Part one: General system description. Studio Sound,
17(8), 20–22, 40.
Grond, F., & Lecomte, P. (2017). Higher Order Ambisonics for SuperCollider. Pre-
sented at the Linux Audio Conference.
Guillot, P., Paris, E., & Deneu, M. (n.d.). La bibliothèque de spatialisation HOA pour
Max/MSP, Pure Data, VST, FAUST. Revue Francophone d’Informatique et Musique.
Retrieved from https://revues.mshparisnord.fr:443/rfim/index.php?id=245
Heller, A. J., & Benjamin, E. M. (2014). The Ambisonic Decoder Toolbox: Extensions
for Partial-Coverage Loudspeaker Arrays. Presented at the Linux Audio Confer-
ence, Karlsruhe, Germany.
Lecomte, P., Gauthier, P.-A., Langrenne, C., Berry, A., & Garcia, A. (2016). Filtrage direc-
tionnel dans un scène sonore 3D par une utilisation conjointe de Beamforming et
107
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mott, I. (2017). Botanica: Navigable, immersive sound art. Presented at the 16o
Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, Porto, Portugal.
Pulkki, V. (1997). Virtual Sound Source Positioning Using Vector Base Amplitude Pan-
ning. Journal of the Audio Engineering Society, 45(6).
Schmeder, A., Freed, A., & Wessel, D. (2010). Best Practices for Open Sound Control.
Presented at the Linux Audio Conference.
Wilson, S., Cottle, D., & Collins, N. (Eds.). (2011). The SuperCollider Book. Cambridge,
Massachusetts & London: MIT Press.
Wishart, T. (1996). On Sonic Art (2nd ed.; S. Emmerson, Ed.). Amsterdam: Harwood
Academic Publishers.
108
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo explora a investigação realizada para a construção da Dissertação de
Mestrado em Criação Artística Contemporânea que tem como título: “Escutar com
os olhos: Recital Visual”, uma Performance/Instalação, que procura abordar meta-
foricamente o local de fronteira entre as artes, particularmente o som e a imagem.
Nesta construção conceptual de discurso em torno da intersecção (entre som e
imagem), surge o uso de tecnologia para amplificar o espaço dessa mesma inter-
secção, inclusive, no instrumento de utilização - sendo que, uma das peças será
preformada integrando o corpo de uma Mulher. Desta forma procuraremos visar
questões de género na arte: a forma como a Mulher, indagada, se redefine num
destino próprio no âmbito da arte contemporânea, em termos de posicionamen-
to, uma outra abordagem daquilo que é a presença da Mulher no mundo da Arte.
Aqui, sugere-se um questionamento sobre que lugar poético é este que pretende
percecionar onde se situa o corpo da mulher (aludindo a questões da Body Art),
enquanto artista, obra ou instrumento de algo, de forma a possibilitar a constru-
ção de um possível recombinado “universo sinestésico”, utilizando a tecnologia de
forma a complementar a fronteira entre diferentes sentidos e artes.
PALAVRAS-CHAVE: Mulher, Tecnologia, Imagem; Som; Música; Poesia; Intersecção;
Abstract
This article explores the research carried out for the construction of the Master ‘s
Dissertation in Contemporary Artistic Creation, whose title is: “Listening with the
eyes: Recital Visual”, a Performance / Installation, which seeks to metaphorically
address the border of the arts, particularly sound and image. In this conceptual
construction of discourse around the intersection (between sound and image),
there is the use of technology to amplify the space of this same intersection, in-
cluding, in the instrument of use - one of the pieces will be performed by integrat-
ing the body of a Woman. In this way, we will seek to address gender issues in art:
the way in which the Woman, researched, redefines herself in a fate of contem-
porary art, in terms of positioning, another approach to what is the presence of
Women in the world of Art.
109
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Here, it is suggested a question about what poetic place is this one that intends to
perceive where the woman’s body (alluding to Body Art issues) is situated, as artist,
work or instrument of something, in order to enable the construction of a possible
recombined “synesthetic universe,” using technology to complement the boundary
between different senses and the arts.
KEYWORDS: Women, Technology, Image; Sound; Music; Poetry; Intersection;
INTRODUÇÃO
Neste artigo, encontram-se elementos que são parte integrante da minha Dis-
sertação de Mestrado em Criação Artística Contemporânea, na Universidade de
Aveiro (Portugal), versando, as intersecções poéticas entre Som e Imagem abor-
dando a temática do género para a construção de peças visuais. Esta inquietação
sobre o papel da mulher contemporânea e a sua representação social e artística
irá ser abordada de forma subjetiva na construção de linguagem visual (vídeo e
fotografia) preformada através de recurso a tecnologia num corpo de uma mu-
lher, numa das peças.
1 Slotherdijk indica que há “uma experimentação sobre si mesmo, sobre os seus próprios limites, que
pode levar a rutura com a própria identidade.” Que a melhor maneira de um indivíduo se conservar
a si mesmo é experimentar-se a si mesmo. (Sloterdijk, 2001, p. 11)
2 Título da obra de Pirandello (Pirandello, 1989) em que quanto mais oportunidades a vida nos dá,
mais seres ela desperta em nós.
3 O termo género foi utilizado primeiramente no âmbito da periodização literária e gramatical para
distinguir o masculino do feminino (Macedo & Amaral, 2005, p. 87). Com o decorrer da segunda
metade do século XX ganhou novos significados e viu o seu âmbito alargado à dimensão política,
histórica, cultural e social.
110
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
De acordo com Seyla Benhabib, uma das principais tarefas da teoria feminista con-
temporânea é encontrar respostas para a seguinte pergunta: como podemos ser
constituídos por discursos sem sermos determinados por eles? (Benhabib, 1992)
Simone de Beauvoir, dá-nos de alguma forma uma indicação sobre este caminho
- implicaria libertar-se da condição do determinismo biológico que uma das suas
mais célebres frases menciona: “não se nasce mulher, torna-se mulher” (1949) como
um processo de comunhão com o próprio Ser.
4 Esta ideia é cruzada, embora Deleuze e Parnet façam do desejo e do prazer inimigos ao longo do
seu discurso.
5 Fonte: https://medium.com/midium/o-que-é-ser-mulher-para-a-arte-fc12f75976d acedida a 10
de Julho de 2019.
6 Utilizava o pseudónimo Olímpia de Gouges, dramaturga e ativista política.
111
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
7 Carolee Schneemann (1939-2019), foi uma artista multidisciplinar, conhecida pelos seus trabalhos
multimédia sobre o corpo, sexualidade e género.
8 Fonte: https://www.artsy.net/artwork/carolee-schneemann-fuses, acedida a 21 de Julho de 2019.
112
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Interior Scroll” (1975) (Figura 3)9 foi uma peça determinante, Schneemann lia um per-
gaminho com textos feministas que ela retirava do interior da sua vagina. Há um dis-
curso que perpassa as suas obras, a marginalização das minorias, a violência (por vezes
explícita, outras vezes discreta sob a voz dos padrões sociais) praticada às mulheres.
Que signo (corpo) é este [de eleição e salvação como Baudrillard menciona (2008,
p. 174)] que pode determinar a construção do símbolo (identidade)? A mulher no
seu percurso de se libertar dos signos e símbolos do “belo contemporâneo” para sua
própria (re)construção.
Foi com a Série “Mirror Piece” (Figura 5)12 que Joan Jonas estabeleceu-se como uma fi-
gura predominante no campo das artes performativas. Motivada pelas suas ideias femi-
nistas, esta série explora as hierarquias de género, o poder do olhar (alheio e próprio) e
as noções de percepção e representação, os rituais do corpo e a simbologia dos gestos.
Fig. 5: Joan Jonas, “Mirror Piece II”, 2018, Fotografia por Graem Robertson/The Guardian
Na Série “My New Theater” (Figura 6)13, cuja começou em 1997 (com o “My Theater
I: Tap Dancing”) e aqui Jonas elabora “caixas de teatro” que são construções de
Fig. 6: Joan Jonas, “My New Theater III- In the Shadow a Shadow”, 1999
Tal como todas as artistas anteriores o corpo, os gestos e os rituais servem um po-
cionamento de intervenção na sociedade, é designada como uma das mais radicais
artistas da década de 80 na América Latina.
Esta inscrição no “feminismo essencialista” por parte da sociedade poderá ter sido uma
das causas da curta carreira artística de Marmolejo (produção foi apenas de 1980 a
1985 quando engravidou e auto exilou-se em Espanha). A Série “Anonimo” começou
com “Anonimo 1” em 1981 (Figuras 715 e 816 ) e em toda esta série de performances
14 María Evelia Marmolejo (1958), nasceu na Colômbia e é uma artista performativa e feminista
radical.
15 Fonte: https://www.pinterest.com/pin/550635491938941847/?lp=true. Acedida a 28 de Julho de 2019.
16 Fonte: http://myartguides.com/exhibitions/maria-evelia-marmolejo-engagementhealing/atta-
chment/scan-130726-0002-copy/, acedida a 28 de Julho de 2019.
115
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Numa das suas performances da série “Anonimo” utilizou a sua menstruação para
evidenciar não a fragilidade, mas a força da mulher, o corpo e as funções de um cor-
po de mulher como natural e digno de celebração. Há uma forte ligação ao longo do
seu trabalho à terra e do corpo em particular à terra, ao natural.
“(...) tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objeto de salvação. Substitui lite-
ralmente a alma, nesta função moral e ideológica” (Baudrillard, 2008, p. 168). Nova-
mente abordamos questões de liberdade, sob diferentes perspetivas, mas o corpo
como definição de género e como definição de espaço social ocupado. E como a
arte e os/as artistas definem a visão sobre este papel do corpo, seja numa localização
física/psicológica, seja como uma afirmação visceral sobre o mundo.
116
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
17 Genesis Breyer P-Orridge (1950) nasceu no Reino Unido como Neil Megson.
18 Terceiro género/sexo “descreve” indivíduos que não se consideram como do sexo masculino ou
feminino, sendo esta assunção um questionamento ao sexo biológico do indivíduo, ao papel social
relativo, identidade e orientação sexual atribuída ao género.
19 Lady Jaye Breyer P-Orridge (1969 – 2007), nascida em Inglaterra como Jacqueline Breyer, era en-
fermeira, teclista e cantora.
20 Pandrogenia: alquimia e cirurgia plástica para transcender a dualidade.
117
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Genesis P. Orridge pretendia chocar com o seu trabalho artístico, e com isso foi expulsa
de seu país. A sua personalidade proclamada excessiva estava disposta a cruzar todas
as fronteiras morais fê-la ultrapassar limiares - mesmo que numa questão de estilos
e perspetivas. A exaltação do masculino e feminino na sua diversidade parece ser a
maneira mais natural de sublimar a obra e transmutar o possível. Este dilema permite
evocar a diferença entre Baudrillard e Sartre: para o primeiro o inferno era ele mesmo
e para o segundo os outros (o outro). O casal registou em documentário este processo
de se parecerem cada vez mais um único, até chegar ao ponto além do gênero no do-
cumentário “The Ballad of Genesis and Lady Jaye” 21 (Figura 9)22, de 2011.
Um artista que evidencia a existência de corpos híbridos a partir de seu trabalho artísti-
co, é Stelarc 23, que desenvolveu múltiplas performances a partir de várias tecnologias.
Sempre integrando o corpo com tecnologias. Stelarc apresentou performances com
o seu corpo em suspensão, com próteses robóticas, ligado a Internet, modificado por
implantes, de várias maneiras para defender a ideia de um “pós-evolucionismo”, onde
entende o corpo como um acessório destinado ao desaparecimento. (Stelarc, 2019)
As performances “The Third Hand” (Figura 10)24, visavam amplificar os sinais e sons do
corpo e tinham a intenção de analisar a falta em lugar do excesso (que poderia ser a pre-
sunção visto adicionar uma prótese a um corpo que possuía ambos os braços), uma rela-
ção íntima entre a prostética, a tecnologia e o seu próprio corpo, tornando-se tudo uno.
O que nos parece possível afirmar é que em Stelarc e Lady Jaye e Genesis Breyer P-Or-
ridge, a tecnologia permitiu uma transgressão de fronteiras entre masculino/feminino,
humano/máquina, tempo/espaço, o transplante da técnica para o interior do corpo –
uma forma de colonização do corpo (Giannetti, 2010, p. 54) onde o ser humano apa-
rece não mais imerso na memória genética, mas reconfigurado no campo expandido
da presença corpórea na contemporaneidade, com os novos paradigmas - tais como a
ubiquidade, temporalidade, virtualidade, artificialidade, desmaterialização, entre outras,
trazendo um novo olhar sobre a media art.
21 Trailer: https://www.imdb.com/title/tt1821635/videoplayer/vi340368921?ref_=tt_pv_vi_aiv_1
acedido a 20 de Julho de 2019.
22 Fonte: https://ultraculture.org/blog/2012/10/25/genesis-p-orridge-lady-jaye/, acedido a 02 de
Julho de 2019.
23 Stelarc (1946), pseudónimo de Stelios Arcadiou é um performer, reconhecido como o “artista
mutante”. (Stelarc, 2019)
24 Fonte: https://ucsdvis159.wordpress.com/2015/02/01/stelarc-and-his-exploration-into-post-hu-
man/, acedida a 02 de Julho de 2019.
118
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
25 Ruyi, literalmente: “como se deseje”. Trata-se de um cetro abundantemente enfeitado, que traz
felicidade, longevidade e prosperidade. Mas a palavra pode também referir-se a uma coçadeira para
as costas. (Han, 2016, p. 71)
119
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 11: Ludmila Queirós, “Recital Visual: Escutar com os Olhos”, 2019
Tratar do corpo humano e suas mutações e interações requer também tratar das
relações de gênero, uma vez que práticas de poder atravessam o corpo ao longo da
história. Assim, as relações de gênero são abordadas nesta performance e em par-
ticular nesta peça enquanto fundamento para o entendimento dos corpos híbridos
e do possível papel da Mulher de forma de entendimento subjetivo, relacionando a
alguns aspetos da modernidade como instabilidade e transitoriedade, as reconfigu-
rações de espaço e tempo, as interações simbólicas e suas implicações na constru-
ção da identidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Basta traçar uma circunferência no chão e passam, de imediato, a existir dois espa-
ços – o de dentro e o de fora. E um limite. E com o limite, leis distintas.
Um, dois. Dentro, fora. Eis como tudo começa. E nem sempre o que começa é bom.”
(Tavares, 2013, p. 30) Ao definir-se limites propõe-se também uma conjuntura de de-
limitação da liberdade, ao estar num espaço híbrido propõe-se uma infinidade de re-
combinações sobre a possibilidade, sobre um espaço limiar - um lugar potenciador de
ação. O silêncio [“a cultura vigente implicou a representação do feminino enquanto
ausência, tabula rasa, vazio, negação ou silêncio (...)”(Vicente, 2012, p. 19)] presente na
construção do caminho das Mulheres (na arte e na vida em geral) poderá implicar uma
necessidade de traçar novas circunferências, novas leis, novos limites e agir.
120
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
RECONHECIMENTO
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciên-
cia e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UID/DES/04057/2019.
BIBLIOGRAFIA
Baudrillard, J. (2008). A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70.
Benhabib, S. (1992). Situating the self. Gender, community and postmodernism in con-
temporary ethics. New York: Routledge.
Blocker, J. (1999). “Body” in: Where is Ana Mendieta? Duke - EUA: Duke University Press.
Cooke, R. (2018). Joan Jonas: ‘You don’t know what you’re doing sometimes. You
just begin’. Retrieved June 25, 2019, from https://www.theguardian.com/artandde-
sign/2018/mar/04/joan-jonas-video-art-pioneer-tate-modern-exhibition-interview
Han, B.-C. (2016). O Aroma do Tempo Um Ensaio Filosófico sobre a Arte da Demora. Lis-
boa: Relógio d’Água.
Kierkegaard, S. (1986). Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra como Escritor. Edições 70.
Lagnado, L., Pedrosa, A., Freire, C., Roca, J., Martinez, R., & Volz, J. (2006). COMO VIVER
JUNTO: CATALOGO DA 27a BIENAL DE SAO PAULO. São Paulo: FUNDAÇAO BIENAL DE
SAO PAULO.
Lissoni, A., Lorz, J., & Ribas, J. (2018). Joan Jonas - Catálogo de Exposição. (J. Larz & A.
Lissoni, Eds.). Trento, Itália: Hirmer.
Macedo, A. G., & Amaral, A. L. (2005). Dicionário da Crítica Feminista. Porto: Edições
Afrontamento.
121
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Perrone, P. (2007). Lady Jaye Breyer P-orridge - Psychic TV keyboardist and singer. Inde-
pendent. Retrieved from https://www.independent.co.uk/news/obituaries/lady-jaye-
-breyer-p-orridge-397604.html
Poirier, A. (2013). Revolutionary feminist Olympe De Gouges in the race for a place in
France’s Panthéon.
Schneemann, C. (2019). CAROLEE SCHNEEMANN. Retrieved June 25, 2019, from http://
www.caroleeschneemann.com
Vicente, F. L. (2012). A arte sem história Mulheres e cultura artística (Séculos XVI - XX).
Athena.
Wollstonecraft, M. (2017). Uma vindicação dos direitos das mulheres. Lisboa: Antígona
Editores Refractários.
122
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Silvia Laurentiz1
Alguns desafios para a Visualização de Dados
Some challenges for data visualization
Resumo
A visualização de dados é uma representação gráfica que transmite ideias com-
plexas, com grande quantidade de informações, de forma clara, precisa e efi-
ciente. Um dos grandes desafios para a visualização de dados é o aumento da
quantidade de informação disponível, o que pode gerar alguns problemas na
análise e compreensão desses dados. Mas não é este problema que nos interes-
sa no momento. Mais do que desafios quantitativos, nos preocupam os modelos
conceituais e perceptivos das visualizações de dado. Nesse sentido, a visualiza-
ção criativa de dados, utilizando metáforas, diferentes formatos de representa-
ção, técnicas com soluções híbridas, com narrativas dinâmicas e interativas, será
o foco deste trabalho. Utilizaremos modelo de pesquisa exploratória, sendo seu
propósito proporcionar maior familiaridade com o assunto, envolvendo levan-
tamento bibliográfico e análise de casos, que serão obras de artistas que explo-
ram a visualização de dados poeticamente.
Palavras-chave: Arte, Dados, Modelos, Cognition, Percepção.
Abstract
Data visualization is a graphical representation that conveys complex ideas with a
large amount of information in a clear, precise and efficient way. One of the great
challenges for data visualization is the increase in the amount of information avail-
able, which can generate some problems in the analysis and understanding of
this data. But it is not this problem that interests us now. More than quantitative
challenges, we are concerned with the conceptual and perceptual models of data
visualization. In this sense, the creative visualization of data, using metaphors, dif-
ferent formats of representation, techniques with hybrid solutions, with dynamic
and interactive narratives, will be the focus of this paper. We will use an explorato-
ry research model, its purpose being to provide greater familiarity with the subject,
1 Profa. Dra. Silvia Laurentiz, Livre-docente, Professora Associada da Universidade de São Paulo,
Brasil. Desde 2010 criou e lidera o Grupo de Pesquisa Realidades (http://www.eca.usp.br/realida-
des), sediado em CAP-ECA-USP, certificado pela Instituição e reconhecido pelo CNPq, É docente do
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV-ECA) desde 2003, onde orienta mestrado e
doutorado. É docente do Departamento de Artes Plásticas, ECA, USP desde 2002. É uma das editoras
da Revista ARS (São Paulo).
123
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
involving a bibliographical survey and case analysis, which will be the works of art-
ists who explore the data visualization poetically.
Keywords: Art, Data, Models, Cognition, Perception.
Introdução2
Inicialmente temos que definir nosso objeto de estudo. De acordo com KHAN &
SHAH (2011), visualização de dados tem muitas definições, e pode ser:
Data visualization - visually represents quantitative data with or without axes in schematic or
diagrammatic forms e.g. Table, Line chart, Pie chart, Histogram, and Scatter plot etc. Information
visualization is an interactive interface of data to increase cognition or perception ability. Trans-
form data into a changeable image, through which users can interact during manipulation, e.g.
Data map, Tree map, Clustering, Semantic network, Time line, and Venn/ Euler diagram etc. Con-
cept visualizations - are methods use to elaborate ideas, plan, concepts, and analyze it easily, e.g.
Mindmap, Layer chart, Concentric circle, Decision tree, Pert chart etc. Strategic visualization - is a
2 Apoio parcial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº
2019/15178-6.
3 Não é tarefa fácil diferenciar Dados de Informação. Veja o estudo exaustivo de Rafael SEMIDÃO
(2014) sobre isso. Muitos os consideram conceitos sinônimos. Mas no âmbito da tecnologia pode-
mos perceber sutis diferenças. No contexto deste trabalho, Dados constituiria o patamar menos
dotado de significação enquanto Informação surge a partir da reunião e agregação de sentido aos
dados. Não estamos privando os Dados de significados, mas trataremos “dados como percepção
descontextualizada, informação como dados contextualizados” (SEMIDÃO, 2014, p.57).
124
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
To sort out the prototypes and guide researchers to new opportunities, I propose a type by task
taxonomy (TIT) of information visualizations. I assume that users are viewing collections of items,
where items have multiple attributes. In all seven data types (1-, 2-, 3-dimensional data, temporal
and multi-dimensional data, and tree and network data) the items have attributes and a basic se-
arch task is to select all items that satisfy values of a set of attributes (SHNEIDERMAN, 1996, p. 337).
É interessante ainda notar que dados com uma, duas, três dimensões, dados tempo-
rais e multidimensionais e dados em estrutura de árvore e em rede, pela proposta
de SHNEIDERMAN (1996), são maneiras de organizar dados que carregarão atributos
e formas de seleção. Estas atenderão aos valores de um conjunto de atributos. En-
quanto que visualização de dados, de informação, de conceitos, de estratégias, de
metáforas e composição de visualização da proposta de KHAN & SHAH (2011) são
métodos e processos organizados lógica e sistematicamente. A nosso ver, as propos-
tas se complementam uma a outra4.
4 Mais técnicas, métodos e uma introdução a visualização de informações pode ser encontrada em:
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/19398/000300210.pdf (acessado em setembro
de 2019). No artigo Introdução a visualização de informações, de Carla Freitas et al., RITA, Vol. VIII,
125
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esta breve apresentação foi necessária para posicionar nosso objeto, e o foco deste
trabalho serão os modelos conceituais e perceptivos das visualizações de dados, e
consequentemente, quais os processos envolvidos para a formação de novos mode-
los representacionais.
Outro ponto a destacar é o argumento de Stephen FEW (2013), que para se atingir
resultados satisfatórios com a visualização de dados, a apresentação visual destes
dados deve alcançar:
Isto já denota que são criadas relações causais, e estas devem ser claras, entre dados,
informações, diferentes tipos de representações e entre os resultados visualizáveis. E
essas relações são mantidas por argumentos e correlações entre os elementos e suas
partes. E isso tem que ser visualmente reconhecido, sem necessidade de um texto
ou outro tipo de reforço qualquer.
Hans ROSLING (2006) ficou conhecido pelos seus gráficos dinâmicos, defendendo que
grandes quantidades de dados, observados em outra escala e durante um certo perí-
odo de tempo podem surpreender com conclusões que não seriam deduzidas a partir
de outros formatos de apresentação destes dados. Em sua apresentação no TED Talk
de 2006, tendências globais em saúde e economia ganharam vida, e podemos perce-
ber visualmente considerações que não eram perceptíveis de outra maneira.
Suzete VENTURELLI e Marcilon Almeira de Melo acreditam que foi “a partir dos anos
2000 que ocorreu uma explosão de interesse pelas técnicas e pela estética visual das vi-
sualizações de dados. [...]exposições como a Design and the Elastic Mind realizada em
2008 pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) e a exposição Data Dynamics
Exhibit realizada pelo Whitney Museum of American Art em 2001” (VENTURELLI, 2019,
p. 205) exemplificam o argumento. Portanto, diferentes áreas, biológicas, humanas,
número 2, 2001. E na tese de doutorado de Luis Carli, FAU-USP, de 2015, Processos de Design de Visu-
alização de Dados, in https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16134/tde-08032016-165055/
publico/luiscarli.pdf (acessado em agosto de 2019).
126
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
127
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
VENTURELLI e Melo (2019) indicam que o interesse artístico no uso de Data Art ou a
visualização de dados acabam gerando
fantasia, ilusão e ficção, assim como também podem mobilizar e criar consciência crítica sobre
as questões políticas e éticas inerentes a forma como os dados são capturados, analisados e uti-
lizados. Jer Thorp (2012), artista e pesquisador de data art, autor de livros como Beautiful Visuali-
sation e Data Flow 2, diz que é a abordagem acrítica das características individuais dos datasets
que apresenta uma das grandes falhas dos projetos que utilizam dados como material artístico”
(VENTURELLI, 2019, p.206).
Primeiras Análises
Os exemplos citados atingem apenas algumas das características indicadas por FEW
(2013), apresentadas no início deste artigo. Retomando suas ideias, para atingirmos
melhores resultados através da visualização de dados temos que: indicar claramente
como os valores se relacionam uns com os outros; representar as quantidades com
precisão; tornar fácil comparar as quantidades; facilitar a visualização da ordem de
classificação dos valores; e, tornar óbvio como as pessoas devem usar as informa-
ções, sem a necessidade de reforços e outros argumentos. Entretanto, temos que
128
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ter em mente que estas são condições para que a comunicação da informação seja
eficiente. Como vimos, técnicas de visualização de dados podem ser também utili-
zadas como um poderoso instrumento para agrupamentos e relacionamentos de
informações na geração de resultados criativos, experiências sensíveis e modelos
perceptivos não-convencionais.
Nos interessa também o que KHAN & SHAH (2011, p.3) chamaram de Metaphor vi-
sualization (citado acima). A proposta para Visualização de metáforas destes auto-
res seria aquela que organiza e estrutura informações graficamente, transmitindo
o substrato da informação através da característica principal da metáfora que é uti-
lizada, por exemplo, o uso de modelo em árvore para estruturar um fluxograma de
informação. Mas este é um uso restrito das metáforas, como observaremos a seguir.
Já para Paul RICOEUR (1992:145), o processo metafórico é regido tanto pela cognição,
quanto pela imaginação e emoção, e isto significa dizer que não estaremos apenas
substituindo uma coisa por outra, provocaremos uma tensão pelo distanciamento e
suspensão da referência sígnica de um fato ou objeto, e a sua proximidade com ou-
tro(s) fato(s) ou objeto(s). Assim, uma metáfora é inovadora, conclui RICCOEUR. Há um
paralelismo criado pelo apagamento do sentido literal e que fornecerá novos referen-
ciais ao signo. Portanto, apagamentos, suspensões, distâncias, desvios, proximidades,
conceitos gerais e aspectos singulares fornecerão modelos gerados por mediações
intersignos. “A possibilidade ou compreensão da construção metafórica requer, assim
sendo, uma habilidade intelectual peculiar e um tanto sofisticada (... ): uma habilidade de
entreter dois pontos de vista diferentes ao mesmo tempo” (RICOUER,1992:155).
O texto de Max BLACK, More about Metaphor (1993), inicia-se apresentando sua te-
oria de interação, sugerindo relações das metáforas com seus fundamentos de se-
melhança e analogias, na esperança de aproximar a conexão entre os conceitos de
metáforas e modelos. E há ainda fatores culturais que fortemente direcionam a cria-
ção e interpretação de metáforas além das suas características literais e referenciais.
129
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
I-FLUX
Fig. 1: Detalhe da obra I-FLUX, da 6ª bienal internacional Emoção art.ficial, exposição Instituto
Itaúcultural em São Paulo, 2012.
O trabalho I-FLUX, de coautoria de Silvia Laurentiz e Martha Gabriel, com som desen-
volvido por Fernando Iazzetta, esteve exposto em 2012 no Instituto Itaúcultural em
São Paulo, na 6ª bienal internacional Emoção art.ficial (https://www.itaucultural.org.
br/iflux-silvia-laurentiz-martha-gabriel-e-som-de-fernando-iazzetta-emocao-art-fi-
cial-6-0, acesso em set de 2019).
I-FLUX (LAURENTIZ, 2013, 2013b) era uma obra sistêmica, interativa e dinâmica, que
trabalhava com fluxos de informações de diferentes naturezas. O coração do sistema
esteve localizado em uma instalação, que agia como o “hub central” (dispositivo que
interligava computadores de uma rede local), concentrando as interações dos fluxos
do ambiente em que esteve abrigado. O sistema evoluía por meio de estados locais
e do diálogo e transmutações das informações do lugar em que se encontrava (no
caso, o prédio do Itaú Cultural, SP, Brasil). Este fornecia os dados de fluxos para a ins-
talação: redes internas, rede elétrica, rede hidráulica, entradas e saídas de pessoas,
diferentes fluxos de informações que movimentavam diariamente a vida daquele
edifício. Cada tipo de dado era representado por um padrão, que era visualizado
como uma constante chuva projetada na parede da instalação e agia sobre uma
“criatura” (Fig. 1), uma espécie de regulador do ecossistema. Havia chuvas de diferen-
tes cores, cada uma representando um tipo de fluxo de dados.
130
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
maior quantidade de chuva significava que a criatura teria maior mobilidade e trân-
sito; enquanto que, em contrapartida, um tanque com menor nível fazia a criatura ter
menor mobilidade, e, portanto, alterava seu comportamento devido a esta situação
de compressão/contenção de espaço. A criatura com espaço reduzido modificava
seus movimentos e sons, e de maneira oposta, também alterava seus movimentos e
sons, estando num tanque transbordando de informação.
131
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
R-SCUTI
Fig.2: Montagem da instalação R-SCUTI – objeto e adesivos em parede – no Espaço das Artes, Cid.
Universitária, USP, 2019.
5 Membros do Grupo autores do trabalho: Beatriz Murakami, Bruna Mayer, Cássia Aranha, Clayton
Policarpo, Dario Vargas, Loren Bergantini, Marcus Bastos, Sergio Venancio, Silvia Laurentiz. Rodrigo
G. Vieira foi o astrônomo colaborador do trabalho.
132
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
água, criando padrões visuais a partir desta vibração. Uma lâmpada reflete no teto
da sala as ondas produzidas na água.
Considerações Finais
1. A visualização de dados é um desafio. Atualmente temos vários dados de dife-
rentes naturezas, dinâmicos e em fluxos contínuos, e tratar a forma como visualiza-
remos/interpretaremos estes tipos de dados, tem sido foco de algumas pesquisas,
tanto na área das ciências exatas como na das humanidades. Com as obras apresen-
tadas neste artigo podemos perceber que existem diferentes atuações para a visu-
alização de dados. Numa visualização poética de dados, como no caso do trabalho
I-FLUX foi criada uma narrativa para uma situação que se alguém souber o código
que está por detrás será capaz de traduzir e interpretar as dinâmicas daquele edifí-
cio, e por outro lado, a narrativa em si carrega qualidades sensíveis suficientes para
causar uma experiencia estética. Os trabalhos Celestial Mechanics e R-SCUTI mesclam
formas de conhecimento, fortalecendo relações entre áreas e intersignos, flagrando
seu campo interdisciplinar.
133
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
4. Estruturação de dados. Até pouco tempo atrás uma câmera de vídeo não poderia
ser utilizada da maneira que a utilizamos hoje. A imagem de uma câmera de vídeo
digital pode agir como sensor para entrada de dados, como demonstrado no traba-
lho Zoom Pavillon de Rafael Lozano-Hemmer. Das imagens das câmeras podemos
extrair dados parametrizáveis, e de alguma maneira conseguir inferir outras ações
e consequências para esses dados. Foi o caso também da obra I-FLUX, onde uma
câmera captava os movimentos das pessoas na sala, e fazia com que a variação de
movimento afetasse o comportamento da criatura no trabalho. Consequentemente,
as ações da criatura atingiam e afetavam as ações locais das pessoas e assim retroa-
limentavam o sistema. A área de visualização computacional está bem desenvolvida
atualmente. Já podemos reconhecer objetos, número de pessoas, padrões, cores a
partir de imagens capturadas por câmeras. No futuro, poderemos, além de rotula-
dores, somadas as técnicas de aprendizagem de máquina, reconhecer conteúdos
e contextos nas imagens, e em uma tomada de câmera de vigilância urbana, por
exemplo, poderemos distinguir uma manifestação, de uma festa ou um congestio-
namento de carros. A obra Zoom Pavillon alerta, todavia, para os problemas advin-
dos da detecção e controle.
134
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
na
DataInteligência Artificial, agrupa
Flows:Visualization coisas que são semelhantes
andSonificationSound por parâmetros
Harmonies: Homeostasis que
satisfazem algum critério de seleção, de norma ou lei. Processos de discriminação
(muio usado em Machine Learning do tipo GANs), impõem restrições a partir de cer-
tas condições e circunstâncias. E, em se tratando de arte, como relacionar diferentes
estímulos sensíveis, emparelhar emoções e sentimentos, classificar a experiencia es-
tética? R-SCUTI e I-FLUX trouxeram um tipo de relacionamento poético entre dados
de diferentes naturezas. As relações proporcionadas por estes trabalhos, entre sinais
e dados de diferentes áreas de conhecimento, acabam se relacionando ao que vimos
sobre a geração de metáforas criativas ao criar narrativas, e ao simular um ciclo de
retroalimentação de dados (especificamente como no trabalho R-SCUTI). E não dá
para verbalizar a experiencia produzida, pois como vimos anteriormente, o efeito
causado por uma metáfora é indizível, e tem que ser experienciado tacitamente.
Referências
BLACK, Max (1993), More about Metaphor , in ORTONI, Andrew. Metaphor and Thou-
ght, Cambridge:University Press.
FEW, S. (2013). 35. Data Visualization for Human Perception, in Soegaard, Mads &
Friis Dam, Rikke. The Encyclopedia of Human-Computer Interaction, 2nd Ed. 2013 (In
https://www.interaction-design.org/literature/book/the-encyclopedia-of-human-
-computer-interaction-2nd-ed/data-visualization-for-human-perception (acessado
em setembro de 2019).
ROSLING, H. (2006). The best stats you’ve ever seen, TED talks, in https://www.ted.
com/talks/hans_rosling_shows_the_best_stats_you_ve_ever_seen (acessado em
setembro de 2019).
135
Fluxo de Dados: Visualização
e Sonificação #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
KHAN, M. & SHAH, S. (2011). Data and Information Visualization Methods, and In-
teractive Mechanisms: A Survey. International Journal of Computer Applications.
34. 1-14. In https://www.researchgate.net/publication/264623537 (acessado em se-
tembro de 2019).
SHNEIDERMAN, B. (1996). The Eyes Have It: A Task by Data Type Taxonomy for Infor-
mation Visualizations, Proceedings 1996 IEEE Symposium on Visual Languages, IEEE,
p. 336-343. DOI: https://doi.org/10.1109/VL.1996.545307
VENTURELLI, S., & MELO, M. (2019). O visível do invisível. ARS (São Paulo), 17(35), 203
- 214. https://doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2019.152451
136
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Harmonias Sonoras:
Homeostasia
Sound Harmonies: Homeostasis
137
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ianni Luna1
sonoridades emergentes: performances sonoras e a
estética do ruído
emergent sonorities: sound performances and noise aesthetics
Resumo
Efeitos de sentido gerados a partir de trabalhos de arte sonora em circuitos con-
temporâneos se mostram potencialidades para proposições em percepção e
fruição estéticas. O presente texto busca apontar para uma dimensão poética
dos fenômenos sonoros através da análise de projetos e artistas específicos, atu-
ando nos interstícios de uma estética do ruído, em processos experimentais de
interação com diversas tecnologias sonoras. A espacialidade, que se evidencia
acusticamente ao ocupar lugares e direções; se coaduna com a presença, carac-
terística de ações poéticas situadas no âmbito da performance. Por meio do con-
ceito de emergência, o texto busca realizar aberturas semânticas que enfatizam
aspectos relacionais entre humano, natureza e máquina, a partir de uma pers-
pectiva dos desdobramentos entre arte e ciência. Nesse ínterim, a teria geral
dos sistemas complexos elucida práticas de co-criação entre artistas e aparatos,
o que vem a fornecer elementos que apresentam o som como aglutinador de
processos eminentemente estéticos.
Palavras-chave: arte sonora, performance, arte e tecnologia, emergência, barulho.
Abstract
Effects of meaning generated from works of sound art in contemporary circuits
show potentialities for propositions in aesthetic perception and fruition. The present
text seeks to point to a poetic dimension of sound phenomena through the analysis
of specific projects and artists, acting in the interstices of a noise aesthetics, in exper-
imental processes of interaction with different sound technologies. Spatiality, which
shows itself acoustically when occupying places and directions; joins presence, char-
acteristic of poetic actions within the scope of performance. Through the concept of
emergency, the text seeks semantic openings that emphasize relational aspects be-
tween human, nature and machine, from a perspective of the unfoldings between
1 Ianni Luna é doutoranda em Arte e Tecnologia pela Universidade de Brasília (UnB). Sua pesquisa
atualmente se concentra na estetização dos fenômenos sonoros por meio do arcabouço teórico
gerado a partir dos desdobramentos da arte sonora na segunda metade do século XX. Como artista
desenvolve trabalhos em instalação, vídeo e performance. Contato: 141277@gmail.com.
138
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
art and science. In this regard, the general theory of complex systems elucidates
practices of co-creation between artists and apparatuses, which comes to provide
elements that present the sound as agglutinator of eminently aesthetic processes.
Key-Words: sound art, performance, art and technology, emergence, noise.
Frente a possíveis esgotamentos dos chamados regimes de visualidade, seja em fun-
ção do excesso, da superabundância de imagens veiculadas; seja em função do con-
teúdo que essas formas adquirem, ocorre na contemporaneidade uma abertura em
direção ao campo expandido da imagem que mobiliza e gera realidades perceptuais
de outras ordens. Neste artigo, a ênfase se dará no senso da audição e a pletora de
manifestações de caráter teórico e poético que as artes sonoras fizeram emergir na
segunda metade do século XX.
Pois
ao contrário de outros órgãos dos sentidos, os ouvidos são expostos e vulneráveis. Os olhos po-
dem ser fechados, se quisermos; os ouvidos não, estão sempre abertos. Os olhos podem focalizar
e apontar nossa vontade, enquanto os ouvidos captam todos os sons do horizonte acústico, em
todas as direções (SCHAFER, 2011:55).
A experiência sônica exerce seu fascínio na medida de seu poder de infiltrar-se, de ser
incontrolável, irresistível, irrestrita. Nas palavras do artista e teórico da arte Brandon
Labelle: “O som é intrinsecamente e inegavelmente relacional: emana, propaga, comu-
nica, vibra e agita; deixa um corpo e entra nos outros; une e atordoa, harmoniza e trau-
2 Do original “Sound involves me closely-in what I see; it pulls the seen towards me as it grasps me
by my ears” (VOEGELIN, 2010:11).
139
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Presenciamos assim a “dinâmica relacional” do som (LABELLE, 2015), que se daria abar-
cando as tensões inerentes ao acontecimento estético sonoro, que se justifica em
termos do Outro em sentido amplo. Para LaBelle, haveria uma tendência do som a
tornar-se público, expresso em sua capacidade de incutir vínculos, fomentar a inven-
ção cultural e definir espaços ao mesmo tempo em que é flexível. O som é uma ‘coisa’
que se move através de sua própria produção. Seu tempo e espaço são simultâneos e
complexos. Funcionam em camadas. Seus elementos nunca se encontram ao lado um
do outro, e sim, produzem dimensões potencialmente, poeticamente infinitas.
Som em Emergência
A teoria geral dos sistemas (TGS), busca desenvolver princípios unificadores que
atravessam verticalmente os universos particulares das diversas ciências, com o ob-
jetivo de instaurar processos de conhecimento mais abrangentes e interdisciplinares.
140
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
141
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
não se sabe com precisão como esse comportamento de nível mais alto aparece,
mas sabemos que “é invocado pelas interações de feedbacks locais de agentes in-
conscientes, pelo complexo sistema de adaptação que chamamos de mente huma-
na. Nenhum neurônio individual é senciente e, de alguma forma, a união de bilhões
de neurônios cria a autoconsciência” (JOHNSON, 2003:151).
142
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A obra ‘I am sitting in a room’ de 1969, foi concebida como um trabalho para voz e
fita eletromagnética. Na ocasião de sua primeira performance, Alvin Lucier registra a
gravação de um texto, narrado por ele mesmo, sentado num quarto. Em seguida, re-
produz a gravação no mesmo ambiente, regravando-a. O novo material é então repro-
duzido e novamente regravado, diversas vezes, até tornar-se uma massa sonora densa
e sermos incapazes de reconhecer o texto enunciado inicialmente. Neste processo de
iteração algumas frequências sonoras são gradualmente acentuadas, sobressaindo-se
em intensidade. Essas frequências abstraem os sons específicos primeiramente gera-
dos e se transformam numa espécie de paisagem sonora, de caráter único, pois se
estabelece a partir da ressonância dos materiais particulares àquele quarto. “O som da
voz registrada vai dando lugar ao som da própria sala” (CAMPESATO, 2007: 51).
143
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
144
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
da idéia de música ambiental ditada pelo acaso, Cage foi uma das principais figuras
da vanguarda do pós-guerra. Sua abordagem à composição foi profundamente in-
fluenciada pelas filosofias asiáticas, voltando-se para a relação do humano com a
natureza em sua amplitude.
11 Do original: “New music: new listening. Not an attempt to understand something that is being
said, for, if something were being said, the sounds would be given the shapes of words. Just an at-
tention to the activity of sounds” (CAGE, 2012: s/p).
12 Disponível na página do artista em: http://www.michelespanghero.com/works/replay/. Acesso
em Setembro, 2019.
145
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na obra Replay de 2013 um vídeo mostra uma sala de ensaios com os instrumentos,
amplificadores e microfones típicos de uma apresentação musical em conjunto. Os
aparelhos estão ligados e garrafas de bebida e latinhas de cerveja estão no chão,
simulando uma situação em suspenso. Aos poucos, percebemos o desenrolar de
uma composição que é gerada a partir de um áudio anteriormente gravado das res-
sonâncias do espaço. O acionamento desses sinais interage, por meio de feedbacks
(retroalimentação), com os instrumentos, amplificadores, microfones e alto-falantes
ligados em sistema. Aquelas freqüências iniciais incitam uma massa sonora que se
dá como um acontecimento estético relacional, sendo o resultado interativo entre a
máquina, a idéia e o espaço acústico.
Figura 4: Cecilia Lopez, RED (Issue Project Room, Brooklyn NY), 201713.
Cecilia Lopez é compositora, musicista e artista sonora argentina. Seu trabalho ex-
plora as fronteiras entre composição e improvisação, bem como as propriedades de
ressonância de diversos materiais através da criação de performances e instalações
multimídia. A artista constrói sistemas de som que operam a partir de material que
pode ser pré-gravado ou produzido ao vivo, passando por diversos processos de
146
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
147
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
discos – que são, de maneira mais ou menos aleatória, lidos pelo toca-discos em mo-
vimento. A artista manipula esses pedaços de som com técnicas como o scratching15 e
uso de efeitos e controles de volume e velocidade, através da mesa de som. A narrativa
sem sentido que se dá, segue algum tipo de estrutura rítmica (gerada pela rotação
contínua automática do aparelho) e adquire nuances estranhamente eloquentes.
Num artigo pertinentemente intitulado “Nas mãos de Maria Chavez o som não vai
para onde esperamos” de 201716, em entrevista, a artista afirma: “É um toca-discos,
uma coleção de agulhas, que são como os meus lápis de som, e uma coleção de
discos de vinil, partidos e inteiros, que combino para criar ideias de som impro-
visadas”. E continua: “Além de manipular os sons gravados nos vinis, exploro as
qualidades electroacústicas dos discos em simultâneo com as diferentes fases das
agulhas. Incorporo o acaso, as falhas do material. Não uso samples17. Não vês isto
no turntablism de hip-hop, onde tudo tem de estar no sítio”. A artista se refere
a suas performances como uma “conversa sônica com o público” durante a qual
ocorre “permitir que a deterioração faça parte do processo artístico”. Chavez faz
referências a outros medium para estabelecer as poéticas e articulações discur-
sivas sobre sua prática. “Isto para mim não é a música, são esculturas de som que
existem por um pequeno período de tempo”.
148
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por música-ruído entendo a produção que utiliza o ruído como recurso extremo no conjunto de
práticas compostas por vários gêneros musicais que se configuraram a partir do final da década
de 1970 sob a influência de diferentes manifestações do rock e dos movimentos experimentais un-
derground, tanto musicais quanto da performance art no contexto das artes visuais. A música ruído
mais recente é frequentemente associada a gêneros como: industrial noise, japanoise, noise rock, no
wave, black metal, harsh noise, harsh noise wall, glitch, entre outras etiquetas (CAMPESATO, 2013:5).
Essas práticas incluem o uso do ruído gerado por inúmeras fontes sonoras, por ins-
trumentos acústicos (amplificados ou não), eletrônicos, samplers e mídias de áudio
fisicamente manipuladas ou processadas computacionalmente. Por transmissão de
sinal de rádio, sons naturais e voz humana processada ao vivo; por ruídos produ-
18 Do original: “Wherever we are, what we hear is mostly noise. When we ignore it, it disturbs us.
When we listen to it, we find it fascinating” (CAGE, 2012: s/p).
149
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
150
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
século XX em que uma concepção linear do tempo cede lugar a uma espécie de
simultaneização das coisas: um tempo múltiplo (...) concentrado no presente” (CAM-
PESATO, 2007:143). São processos que têm espaço em resposta a uma estética que
se dá em se “conhecendo como os fenômenos amorfos afluem às formas e as preen-
chem para depois afluírem novamente ao informe” (FLUSSER, 2017:21).
22 Do original: “As ever, I prefer concerts to records of instrumental music. Let no one imagine that
in owning a recording he has the music. The very practice of music (…) is a celebration that we own
nothing” (CAGE, 2012: s/p).
23 Do original: “I cannot freeze sound, there is no room for contemplation, narration of meta-
-position, there is only the small sliver of now which is a powerful influence but hard to trace”
(VOEGELIN, 2010:31).
151
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Lista de Figuras
Figura 1: Alvin Lucier, I am sitting in a room, 1969.
Fonte:http://rateyourmusic.com/release/album/alvin_lucier/i_am_sitting_in_a_
room/
Figura 4: Cecilia Lopez, RED (Issue Project Room, Brooklyn NY), 2017.
Fonte:http://www.cecilialopez.com/wpcontent/uploads/2015/02/MariodeVega_Ceci-
liaLopez_CourtesyISSUEProjectRoom_02162017byCameronKelly15-768x1024.jpg
Referências Bibliográficas
BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. São Paulo: Ed. Vozes,1975.
CAMPESATO, Lílian. Arte Sonora: uma metamorfose das musas. CMU. São Paulo:
USP, 2007.
152
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
LIPPARD, Lucy & CHANDLER, John. “A desmaterialização da arte”. In Revista Arte &
Ensaios n. 25, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013 (p. 151-165).
153
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Krishna Passos1
Arte Viva
Som, fogo, fumaça, luz, seres vivos, elementos/forças criativas
Living Art
Sound, fire, smoke, light, living beings, creative elements / forces
Resumo
O texto que se segue contém tópicos sobre propostas artísticas em fase embrio-
nária, que partem de pesquisas poéticas fundadas no som e em experimentos
de interação das vibrações sonoras com, diferentes elementos/forças e organis-
mos que integram os estudos desenvolvidos pelo autor. Tal prática levam-no
a averiguar potenciais criativos incomuns em arte, resultantes de conjunturas
fluidas e efêmeras surgidas dessas proposições artísticas em que o som é a força
transitória ativadora para a criação. Assim, Krishna Passos elabora sistemas in-
tuitivos nos quais induz de forma simples, mecanismos de convergência entre
elementos para explorar a natureza de tais ‘matérias-primas’ encadeadas. Essas
circunstancias podem levar à introversão do participante e, muitas vezes, pos-
sibilitar a percepção de outras realidades sobre os componentes da obra evi-
denciando forças que regem o comportamento dos (i)materiais escolhidos, ou
sugerir realidades incomuns em proposições artísticas.
Palavras-chave: Arte Sonora, Cimática, Vibração, Frequências, Som
Abstract/resumen/resumé
The following text briefly describes some embryonic artistic proposals - in sound-
based poetic research, and experiments with the interaction of sound vibrations and
different elements / forces and organisms - and brings together a number of stud-
ies by the author. This practice has led him to discover creative artistic potentials of
sound as a “transient activating force” for creation within these fluid and ephemer-
al conjunctures. This paper elaborates intuitive systems which induce convergence
mechanisms between elements to explore the nature of such coupled ‘raw materi-
als’. These situations may lead the participant to meditate on, and either perceive
1 Krishna Passos, é artista e Doutorando do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais pela Uni-
versidade de Brasília (UnB). Embora trabalhe com diferentes mídias (objetos, instalações, interven-
ções urbanas, e videoarte, etc.), nos últimos anos tem concentrado suas pesquisas poéticas em arte
sonora, Cimática, fenômenos físicos, fenômenos acústicos, eletroquímicos e eletromagnéticos, den-
tre outras formas para criações artísticas.
154
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
other realities of the components of the work, through the highlighting of the forces
governing the behavior of the chosen (im)material, or to infer them through the ar-
tistic proposals.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Sound Art, Cymatics, Vibration, Frequen-
cies, Sound
Essa breve reflexão embora possa parecer complexa, para alguns, é apenas uma ten-
tativa de conciliar todo tipo de retorno (output) que as experiências bem sucedidas
e aquelas não tão felizes como experiências singulares para o aprimoramento da
própria vivencia em si e das análises motivadas por esta circunstancia. Como conhe-
cer sem o desconhecer?! Como aprender a andar sem antes tropeçar, por vezes, cair?
155
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
156
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“O som intenso não provoca só reações dentro do nosso ouvido. Gera outras reações no corpo. Uma
delas é o despejo da adrenalina no sangue. A propósito, essa adrenalina é viciante. A pessoa sente pra-
zer pela exposição ao som elevado (…). Exposto a volumes intensos, o cérebro envia uma ordem para
a glândula suprarrenal, que produz noradrenalina a partir de alguns aminoácidos. A noradrenalina,
por sua vez, transforma-se em adrenalina, que é passada imediatamente para a corrente sanguínea
e, consequentemente, para todo o corpo. “Ela provoca todas essas reações, além de aumentar o me-
tabolismo do açúcar. Digamos que é uma reação de estresse provocada por som intenso, mesmo que
seja prazeroso, que seja a escolha da pessoa para se divertir.... “Por mais que a descarga de adrenalina
aconteça por uma expectativa de perigo interpretada pelo cérebro, que prepara o corpo para a luta
ou para a fuga, a sensação, dentro de uma balada, pode ser prazerosa. A exposição a altas doses do
hormônio levaria a uma maior disposição e animação, condições que fazem com que a pessoa fique
mais tempo na condição perigosa.”2
Além dessas influencias, desde a década de 1990 o autor dessa tese, vivencia obras
de musica experimental e arte sonora frequentando concertos de musica eletroacús-
tica, intervenções sonoras e afins. Como não poderia deixar de ser, esse arcabouço
impregnado em memórias possibilitam aguçaram sentidos a sensibilidade sonora
voltadas as questões debatidas aqui e da audição imanentes ao fenômeno sonoro.
Generalidades criatórias3
Nos casos tratado aqui, o som e suas propriedades metamórficas tem se mostrado
um rico manancial para este estudo de casos. Podemos atribuir ás ações vibrató-
rias uma série de reações e influencia em diferentes meios, funcionando quase
como uma interface para atividades em que elas podem operar tanto na criação
e manipulação de imagens pela Cimática, na manipulação e síntese de diferentes
materiais (Sonoquímica) como, também, em abordagens mais subjetivas como a
Psicoacústica, as sutilezas mágicas, intuitivas e etéreas (místicas) dos som, as quais
atribui-se poderes “sobrenaturais” (paranormais? Para-Psicológicos? Mágicos?
Ocultos?), bem como, fenômenos adjacentes operados por frequências vibratórias
e seus resultantes.
157
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
- Qual o tamanho de auto falantes e a potência sonora e necessária para criar uma
Cimática visível em um espelho d`água e, qual distancia entre ele e a superfície
- Como fazer um alto falante funcionar dentro da água mantendo o seu melhor de-
sempenho?
- Que tipo de som pode ser criado para aumentar a percepção dos efeitos cimáticos?
- Como fazer formas duas Cimáticas dialogarem entre si numa mesma superfície li-
quida?
- Onde conseguir os materiais em bom estado sem necessariamente ter que com-
prá-los e/ou produzir mais refugos, descarte e lixo?
158
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Assim como reúne-se os item acima, são determinantes aqui para o ato criativo
reunir condições de espírito resultantes de determinados hábitos e processos inter-
nos e externos que contribuem para a tentativa de se aguçar a percepção e, assim,
potencializar a identificação e captação dessas diretrizes que, podem ser, por vezes,
reveladoras, quando evidenciada em convergências criatórias trazendo indícios de
forças invisíveis conjugadas em obra.
Caso Laser
4 Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation < Gould, R. Gordon (1959). “The LASER, Light
Amplification by Stimulated Emission of Radiation”. In Franken, P.A. and Sands, R.H. (Eds.). The Ann
Arbor Conference on Optical Pumping, the University of Michigan, 15 June through 18 June 1959.
p. 128.> OCLC 02460155.
159
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Que entropias estariam disponíveis para escoá-las em fora de arte e reverter, ou me-
lhor, reciclar as forças dessa entropia? Com essas indagações e uma curiosidade ex-
trema, vem a parte pratica com o feixe de laser descrita abaixo passo a passo:
Ao artista, que se dedica a esse tipo de processo investigativo acreditamos que o mes-
mo possa promover conhecimentos distintos sobre parte daquele todo do qual ele
participa e atua como catalizador, reunindo emanações dessas forças e muitas outras,
para além do que ele sabe a priori.
160
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 01 e 02: Testes com o Laser para projeções e ocupação luminosa de espaços-tempos
Fig. 03 e 04: Testes com o Laser para projeções e ocupação luminosa de espaços-tempos
161
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A composição:
O Processo material:
Inicialmente, foi feita arrecadação para doações de auto falantes, assim, possibili-
tou-se experimentar tamanhos diferentes, além do reaproveitamento de materiais
descartados. Após a localização e busca, foram feitos testes em 15 auto falantes,
poucos em pares, alguns em péssimo estado e apenas 5 com a emissão de sinal
confiáveis, sem estarem estourado, falhando ou defeituosos. Assim, para a execução
dessa primeira fase, optou-se pela compra de novos falantes para manter a confia-
bilidade e a similaridade do par bem como, dispor de falantes idênticos reserva para
162
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Contratempo 1 – Foi necessário refazer a faixa para se obter uma dinâmica mais flui-
da entre as duas Cimáticas.
- Testar a Cimática no óleo para evitar a perda de auto falantes, a constante reposição
e, explorar outros efeitos possíveis com a diferença de densidade do fluido.
163
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 05 e 06: Teste, Epicentro Binários (sem e com erva na superfície do espelho) -
Objeto da Série Epicentro.
FA - 639 Hz: promove relacionamentos e a conexão com as pessoas; (LEIROS, 2010, p. 91)
164
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 07: Sistema usado nos estudos para Epicentro - Sistema Realidade Flexível Interface
sonora para manipulação de imagens
Partindo do estudo de caso acima, Epicentro Binário, surgiu uma outra linha de inves-
tigação com o uso da Cimática a partir do mesmo sistema usado. No entanto, há a in-
versão do ponto de vista, ao usarmos uma câmera submersa para registrar o efeito da
Cimática de dentro do fluido (água) para a superfície. Para nossa surpresa o sistema
desenvolvido apresentou grande potencial de uso como um processo para a manipula-
ção da imagem a partir das Cimáticas, ou seja, o sistema pode ser explorado como uma
interface de manipulação da imagem a partir do som e seu efeito na água. Seria então
uma forma de se intervir na imagem partindo do contato direto entre imagem (lente
água) e som, se tornando unidade, indistintos, um do outro nesse resultante/registro.
Eis ai um dos exemplos em que a obra parece criar a si própria, requerendo seus pró-
prios procedimentos para o avanço das idéias tanto no rumo de novos questiona-
mentos e visões, como, a seu tempo, ás novas perspectivas possibilidades criativas
refratárias aos paradigmas que as precedem, abrindo-nos outras diretrizes a serem
averiguadas para o trabalho e pesquisa em arte.
165
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 8: Frames extraídos de vídeo Epicentro - Sistema Realidade Flexível – Interface sonora para
manipulação de imagens
Fig. 9: Falante usado para o experimento
166
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
167
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A idéia aqui é trabalhar com gases da fumaça incensos e o plasma de uma labare-
da de fogo aplicando-lhes sons enquanto eles percorrem os tubos que canalizam
fumaça e chama para sua movimentação a partir dos falantes instalados no tubo,
experimentando assim um tipo de Cimática não horizontal mas, vertical.
Para isso serão usados , cilindros transparentes, de acrílico ou vidro, por onde tran-
sitarão de forma fina e retilínea os fluidos (fumaça e plasma do fogo) subindo da
base para o topo, como chaminés. Em ambos os casos o tubo está com furos onde
encontram-se auto falantes instalados. Com o uso do som nesses falantes tanto a
fumaça do incenso quanto a labareda de fogo oscilarão sinuosos sobre influencia do
168
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
mesmo som, criando interdependência entre elas a partir da sincronia do som apli-
cado. Idéias semelhantes ás relações descritas acima em Epicentro Binário também
poderão surgir, como diálogos e narrativas entre os movimentos ocorrentes nos dois
objetos. Além dos tubos, outros materiais importantes para sua montagem serão:
falantes, amplificador, som, gás, bico de maçarico e incensos.
Capta > Cria > Recria > Expande > Capta > Cria > Recria > Expande >
169
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
170
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como não poderia deixar de ser, em todos os tempos da história humana o som foi
e enquanto houver vida humana, cremos que, vibrações sonoras continuarão sendo
condutor de processos ritualísticos, transes, hipnoses, magias a sintonizar transfor-
mações e, em alguns casos, alteradoras de consciências. Com essas noções é bem
provável que num breve futuro aprendamos usufruir melhor em suas sutilezas e po-
tencias disponíveis.
Certos de que tudo o que há está encadeado a outros haveres (existir), agradecemos
a atenção e interesse partilhados aqui, partilhando desse campo partilhado.
Referências:
Lista de Figuras:
Fig. 5 e 6:Teste, Epicentro Binários (sem e com erva na superfície do espelho) - Objeto
da Série Epicentro. Acervo do artista.
Fig. 7: Sistema usado nos estudos para Epicentro - Sistema Realidade Flexível Interfa-
ce sonora para manipulação de imagens. Acervo do artista.
Fig. 8: Frames extraídos de vídeo Epicentro - Sistema Realidade Flexível – Interface sono-
ra para manipulação de imagens. Acervo do artista.
171
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 10: Esboço para Crismatica Crisálida. Cilindro transparente em acrílico ou tela,
terra, pé de maracujá, lagartas, crisálidas, borboletas e auto falante. Dimensões
1,80m. Acervo do artista.
Fig. 11, 12 e 13: Lagartas e borboletas criadas em ateliê para estudos de Crismatica
Crisálida. Acervo do artista.
Fig. 14: Epicentros Gasosos (Rascunho para projeto). Botijão de gás, fogo, incenso,
cilindros de acrílico, falantes e amplificação. Acervo do artista.
Bibliografia utilizada
Bergson, Henri. Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espí-
rito. Martins Fontes. São Paulo 1999.
Cage, John. Para los Pajaros, Caracas-Venezuela: Mote Ávila Editores, 1981.
Cage, John. The future of Music in: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília.(org) Escritos
de Artistas – Anos 60/70, Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 2006.
Jenny, Hans. CYMATICS - A Study of Wave Phenomena and Vibration I 1967 e II 1974.
Leros, Martha. Musica a chave do universo, Editora Cube dos Autores, 2010. E-book
Disponível em: <https://books.google.com.br/books?hl=pt-R&lr=lang_pt&id=qz-
BSBQAAQBAJ&oi=fnd&pg=PA32&dq=Chladni+arte+Hans+Jenny&ots=L3JM647M-
dx&sig=338m9BqFwRpphee9bG8wG0clkF8 >, Editora Cube dos Autores, 2010.
Acessado em 14/07/2016.
172
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dissertações de Mestrado
Web sites
173
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Lucier, Alvin. The Queen of the South Returns: Alvin Lucier. Disponível em: <http://
tvonm.editions75.com/articles/1973/the-queen-of-the-south-returns-alvin-lucier.
html> Acessado em 05/09/2016
174
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O artigo investiga o processo criativo no campo da arte-tecnologia em obras
denominadas Oferendas Performativas. As obras são experienciadas enquanto
um organismo estético configurado no sistema artista-obra-observador. A con-
figuração desse sistema se dá no exercício de consagração dos espaços. Esse
processo evoca conexões ancestrais da religiosidade afro-brasileira no contexto
da arte contemporânea em Poéticas Ritualísticas. Nelas são utilizadas sonori-
dades digitais capturadas através do sampleamento das narrativas míticas da
musicalidade dos Orixás, a fim de modelar esculturas sonoras. Essas narrativas
míticas possuem um caráter pedagógico que se contrapõe à uma pedagogia
da modernidade exercida no sistema de arte. A hipótese trabalhada no artigo é
que a reconexão com saberes da ancestralidade pode fomentar propostas cria-
tivas que operam uma reconfiguração das relações do humano com a natureza,
através de uma arte que considera enquanto potências criativas: a religiosidade
afro-brasileira, a performatividade e a tecnologia.
Palavras-chave: Oferendas Performativas, Poéticas Ritualísticas, Performance-Ritual
Abstract/resumen/resumé
The article investigates the creative process in the field of art technology in works
called Performative Offerings. The works are experienced as an aesthetic organ-
ism configured in the artist-work-observer system. The configuration of this system
occurs in the exercise of the consecration of spaces. This process evokes ancestral
connections of Afro-Brazilian religiosity in the context of contemporary art in ritual-
istic poetics. They use digital sounds captured by sampling the mythical narratives
of Orixás musicality to model sound sculptures. These mythical narratives have a
1 Victor Hugo Alves Araújo, Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-graduação da Universi-
dade de Brasília. Pesquisador nos campos da performance, arte-tecnologia e arte-sonora, investiga
as práticas performativas em um entrelaçamento das poéticas da religiosidade afrobrasileira, da
arte-tecnologia, e da arte-sonora. O artigo aqui apresentado é uma revisão de duas seções de sua
dissertação de mestrado denominada: Oferendas Performativas - Esculpindo sonoridades digitais
no panteão afrobrasileiro.
175
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Oferendas Performativas
176
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
2 “O núcleo laboratorial NANO foi instituído em setembro de 2010, e atua no âmbito da graduação e
do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes – UFRJ. Tem por finalidade
desenvolver pesquisas prático-teóricas na área de artes com foco específico em sua intersecção com
a tecnologia e a ciência, dispondo de espaço laboratorial para pesquisa prático-teórica neste eixo
temático.” Acessado em 05/10/2019 em: http://www.nano.eba.ufrj.br/
177
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na investigação deste artigo são feitas análises transversalizadas das práticas e ex-
periências ritualísticas da religiosidade afrobrasileira com as práticas e experiências
das tradições esotéricas. As tradições esotéricas tratadas aqui são “uma corrente de
pensamento e espiritualidade que surgiu também como uma reação muito parti-
cular à modernidade e suas conquistas materiais e filosóficas.” (Carvalho, 2006,
p.7) As tradições esotéricas em suas práticas podem fazer alusão ao um movimento
de reativação de uma religiosidade antiga em seus ensinamentos e iniciações. Essa
corrente esotérica de pensamento opera enquanto contraparte às manifestações
religiosas exotéricas das grandes religiões (cristianismo, islamismo e judaísmo). A re-
ligiosidade exotérica se caracteriza pelas práticas de auto-realização serem excluídas
dos rituais ou colocadas em um estado genérico, trivial, e sem a constituição de uma
mística 5, pois a compreensão das práticas de contato com o divino é intermediada
por uma hierarquia de princípios e o por um exercício de poder, acessível somente a
esfera sacerdotal. As obras aqui apresentadas trabalham a religiosidade no sentido
do autoconhecimento em uma manifestação esotérica de exercício na construção
3 “A palavra liturgia compreende uma celebração religiosa pré-definida, de acordo com as tradições
de uma religião em particular; pode incluir ou referir-se a um ritual formal e elaborado ou uma ativi-
dade diária.” Acesso em: 17/08/2019. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Liturgia
4 Adjetivo com o significado o que contraria as regras da arte, o que é excêntrico, fora do comum,
composto por elementos distintos e variados, heterogêneo. Definido pela sua diversidade de estilos
e gêneros; eclético. Acesso em 30/06/2019. Disponível em https://www.dicio.com.br/heteroclito/
5 Segundo Jakob Böhme (1983), a mística “enfatiza a atenção imediata da relação direta e íntima
com Deus, ou com a espiritualidade, com a consciência da Divina Presença. É a religião em seu mais
apurado e intenso estágio de vida. O iniciado que alcançou o segredo é chamado um místico. Os
antigos cristãos empregavam a palavra”“contemplação” para designar a experiência mística.” Acesso
em: 17/08/2019. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Misticismo
178
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6 Esse conceito está relacionado com o conceito de “entrelaçamento quântico (ou emaranhamento
quântico, como é mais conhecido na comunidade científica) [que] é um fenômeno da mecânica
quântica que permite que dois ou mais objetos estejam de alguma forma tão ligados que um objeto
não possa ser corretamente descrito sem que a sua contraparte seja mencionada - mesmo que os
objetos possam estar espacialmente separados por milhões de anos-luz.”
Acesso em: 17/08/2019. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Entrelaçamento_quântico
7 Segundo Capra, F. (1982), o ponto de mutação é o ponto de desconstrução dos paradigmas anti-
gos ligados ao método reducionista, científico ou mecânico para um método holístico ou sistêmico
que utiliza uma visão do todo como um sistema, um organismo em funcionamento.
8 Segundo Rosa, M. & Orey, D C. (2012, p.867), “a abordagem êmica procura compreender determi-
nada cultura com base nos referenciais dela própria. Em outras palavras, a abordagem ética é a visão
externa, dos observadores e investigadores que estão olhando de fora, em uma postura transcultu-
ral, comparativa e descritiva, enquanto a abordagem êmica é a visão interna, dos observados que
estão olhando de dentro, em uma postura particular, única e analítica.”
179
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
brasileira. (Rosa & Orey, 2012, p.867) A utilização da primeira pessoa do plural é um
recurso estilístico para criar uma ressonância entre o relato da pesquisa, as obras
apresentadas e jornada de autoconhecimento do artista. Assim, a utilização dos pro-
nomes pessoais e possessivos na transcrição da pesquisa gera um movimento de
dissonância entre a essa escolha estilística, obras apresentadas no artigo e a jornada
de construção do artista. Tal uso implicaria na construção de um olhar segregado
do recorte cultural pesquisado ao tratar a alteridade, e atribuiria uma separação do
artista em relação ao público, e sua consequente atribuição soberana como autor
das obras. Desse modo, o discurso desempenhado nesta dissertação em seu sentido
êmico, procura afirmar a psique enquanto “multiplicidade” (Bernier, 2016, pp. 25-26),
e almeja relatar os processos artísticos em uma possibilidade diferenciada do “mo-
delo burguês de artista.” (O´Doherty, 2002, p.86)
9 Essa perspectiva é colocada em: Descartes, R. (1973). Discurso do método. (Trad. J. Guinsburg e
Bento Prado Jr.). (Coleção Os pensadores, vol. XV). (pp. 33-80). São Paulo: Abril Cultural.
180
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No campo das artes esse processo de separação foi enaltecido e promulgado no pro-
cesso civilizatório das Américas. Esse processo civilizatório subjugou diversos povos
como meras ferramentas de trabalho, teve na arte a expressividade de um discurso
que arquitetou a passagem do modo rural para o modo urbano de vida. Portanto,
não se trata apenas de um discurso científico, técnico ou econômico, mas sim de
uma relação onde a construção de uma identidade objetifica e manipula a alterida-
de, e a arte nesse aspecto legitimou esse discurso em seu projeto de modernidade.
Mircea Eliade (1992) nos ajuda na obtenção de uma resposta, pois em sua perspec-
tiva a constituição de uma espacialidade sagrada acontece em uma hierofania, ou
seja no ato de manifestação da sacralidade, em um movimento que determina os
espaços que são sagrados e outros espaços que não sagrados. Nessa manifestação
a espacialidade não é homogênea, pois possui roturas, quebras e existem porções
de espaço qualitativamente diferentes das outras. (Eliade, 1992, p.17) Nessas roturas
na espacialidade está a ontologia11 da constituição do mundo, pois emerge delas
uma realidade absoluta em contraposição a uma realidade extensiva que circunda o
humano. Nessa realidade absoluta está situado em um eixo central, um Axis Mundi12
10 O conceito de Sociedade em Rede crivado por Manuel Castells (1999) aborda o contexto mediado
pelas novas tecnologias de informação e comunicação como remanejadores das estruturas sociais.
Castells, M. (1999). A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra.
11 “Qualquer religião, mesmo a mais elementar, é uma ontologia: ela revela o ser das coisas sagradas
e das figuras divinas, mostra o que é realmente e, ao fazê-lo, funda um mundo que já não é evanes-
cente e incompreensível.” Eliade, M. (1989). Mitos, Sonhos e Mistérios. (Trad. Samuel Soares). (p.10).
Lisboa: Edições 70.
12 Axis mundi significa “centro do mundo”, “pilar do mundo” é um símbolo ubíquo que atravessa as
culturas humanas. A imagem representa um centro no qual a eternidade e a terra encontram-se
entre os quatro cantos do mundo. Acesso em: 17/08/2019. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/
wiki/Axis_mundi
181
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na mitologia afrobrasileira Olodumare13 é essa força criativa central que criou o cos-
mos de um êxtase de si mesmo. Cabe a Olodumare dirigir e animar o cosmos, o que
garante a dinâmica da vida e composição do mundo para cosmos não se tornar no-
vamente caos. Portanto, a fundamentação cósmica é consequência da manifestação
do sagrado na extensão de todo cosmos. Nessa mitologia as manifestações da na-
tureza estão diretamente ligadas aos Orixás, como sendo as próprias manifestações,
ou seja uma ontofania 14 e uma hierofania estão unidas. Deste modo, as relações
com natureza exercem o papel do laço que nos chama, pois nelas estão as conexões
com o espaço na manifestação da sacralidade. Podemos fazer um paralelo com a
hipótese da Terra como um superorganismo 15, onde cada Orixá tem seu espaço e
onde se relacionam, e se integram. Dessa relação surgem crenças ligadas ao Orun
(Céu) e a Aiê (Terra) em uma cosmogonia. Esse paralelo também é encontrado em
diversas culturas em imagens, esculturas e artefatos, com uma gama muito variada
de formas, que se remetem a Terra Mater ou a Tellus Mater16. (Campbell, 2015) Na
mitologia afrobrasileira essa divindade é Onilé. Onilé carrega nela a base de toda a
vida, nascimento e morte é a “Dona de Ilé”, “Dona da Terra”, recebe também a alcunha
de “Aiê”17. (Prandi, 2003, p.568)
As práticas, em uma arte que está ligada a uma perspectiva diferente do modelo
ocidental, incorporam saberes não estabelecidos pelo discurso da modernidade.
Por esse motivo acreditamos que tais práticas nos trazem novas possibilidades de
integração entre as esferas científicas, éticas, estéticas e religiosas, criando pontes
onde havia um gap metafísico. Esse gap metafísico é a noção cartesiana da dualida-
de supranatural entre nós e mundo, entre o corpo e mente. (Fogliano, F., Rocha &
Santaella (Eds). 2017, p.22) Em nossas proposições artísticas de arte-tecnologia essa
noção dualidade busca ser refutada no contexto de interação das obras. Portanto,
o público tratado anteriormente apenas como sujeito contemplador das obras, por
13 Conforme Prandi (2003, p.568), “Olodumare: Deus Supremo. Criou os orixás e deu a eles as atribui-
ções de criar e controlar o mundo”.
14 O mito em sua “manifestação vitoriosa de uma plenitude de ser, torna-se o modelo exemplar de
todas as atividades humanas: só ele revela revela o real, o superabundante, o eficaz.” Eliade, M. (1992)
O sagrado e o profano (Trad. Rogério Fernandes). São Paulo: Martins Fontes.
15 Conforme aponta Lovelock, J. E. (1997), sua hipótese é que a Terra com sua biosfera e os com-
ponentes físicos da Terra: atmosfera, criosfera, hidrosfera e litosfera integrados formam um sistema
que procura manter o processo de homeostase como um superorganismo. Lovelock, J. E. (1997). A
Terra como um organismo vivo. In: WILSON, E. O. (Ed.). Biodiversidade. (pp. 619-623) Rio de Janeiro:
Nova Fronteira.
16 Mãe Terra. (tradução nossa)
17 Conforme Prandi (2003, p. 68) aponta: “Orixá feminino pouco conhecido no Brasil, homenageado,
contudo, em candomblés tradicionais da Bahia e candomblés africanizados, especialmente no início
do Xiré (ritual).”
182
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
183
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
utensílios e a consagração do espaço, nos quais nos ritos e rituais são imantados
com o Axé dos Orixás. Esse processo está ligado às funções vitais do espaço sagrado
seja: templo, moradia, locais de alimentação, sexualidade, trabalho ou os próprios
corpos. Portanto, a constituição dos espaços sagrados é ativada, quando se reproduz
enquanto obra dos Orixás. Assim, o corpo é esse espaço sagrado que possui uma
mitologia inscrita, pois nele o axé “se materializa por meio do provisório transe e
de marcas permanentes.” (Camargo, 2014, p.35) Observamos que o espaço sagrado
está em movimento para gerar permanência ou passagem. Nesses fluxos do Axé,
podemos exemplificar a permanência evocada nos rituais de iniciação, e a passagem
evocada nas danças cerimoniais.
Esse fluxo acontece em um Axis Mundi, pois o mundo é entendido como heterogêneo,
e o espaço seja qual for é portador de Axé18. “Esteticamente um ser humano ou um
objeto é belo porque traz consigo uma determinada qualidade e quantidade de axé
e realiza assim uma comunicação entre ele e a comunidade” (Barbára, 2000, p.151).
18 Conforme Prandi (1991, pp.1-50), “Axé é força vital, energia, princípio da vida, força sagrada dos
orixás. Axé é o nome que se dá às partes dos animais que contêm essas forças da natureza viva, que
também estão nas folhas, sementes e nos frutos sagrados. Axé é bênção, cumprimento, votos de bo-
a-sorte e sinônimo de Amém. Axé é poder. Axé é o conjunto material de objetos que representam os
deuses quando estes são assentados, fixados nos seus altares particulares para ser cultuados. São as
pedras e os ferros dos orixás, suas representações materiais, símbolos de uma sacralidade tangível e
imediata. Axé é carisma, é sabedoria nas coisas-do-santo, é senioridade. Axé se tem, se usa, se gasta,
se repõe, se acumula. Axé é origem, é a raiz que vem dos antepassados, é a comunidade do terreiro.
Axé se ganha e se perde.”
19 O ascetismo é uma relação com a religiosidade em um estilo de vida austero visando ao desenvol-
vimento espiritual, ou seja “muitos ascéticos acreditam que a purificação resultante do corpo com a
prática ascética ajuda a purificação da alma, a compreensão acerca de uma divindade ou a encontrar
a paz interior. Tais objetivos também poderiam ser obtidos com a automortificação, rituais, ou uma
severa renúncia ao prazer. Ascéticos defendem que essas restrições auto impostas trazem grande li-
berdade em várias áreas de suas vidas, tais como aumento das habilidades para pensar limpidamen-
te e para resistir a potenciais impulsos destrutivos.” Acesso em: 17/08/2019. Disponível em: https://
pt.wikipedia.org/wiki/Ascetismo_(filosofia)
184
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
20 Ver em: SITE Specific. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú
Cultural, 2019. Acesso em: 10 de Junho. 2019. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.
br/termo5419/site-specific Verbete da Enciclopédia.
21 Movimento artístico dos anos 60, 70 que propuseram no ambiente natural ou áreas urbanas.
Podemos citar os artistas como: Christo, Jeanne Claude, Anne Cauquelin.
185
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
to como uma “máquina para habitar” o universo. (Eliade, 1992, p.32) Essa máquina
para habitar está conectada ao seu operador em sua jornada mitológica. Conforme
aponta Pierre Verger, na mitologia dos Orixás houve um movimento nesse sentido
decorrido do fluxo da diáspora africana: “Quando o africano foi transportado para
o Brasil, o orixá assumiu um caráter individual, ligado ao destino do escravo, agora
separado de seu grupo familiar originário.” (Verger, 2002, p.33).
186
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No âmbito da interação, a possibilidade participativa foi usada com astúcia pelo sis-
tema da arte, pois a partir dos anos 80, ela proporcionou a geração de um mercado
que transforma a arte em espetáculo. (Basbaum, 2007, p.120) Nesse tipo de arte a
alteridade é exotizada, estereotipada. Podemos fazer um paralelo desse movimen-
to com a junção do formato tradicional dos museus de belas artes com os museus
nacionais, ou seja, o templo da arte formalista se unifica com o templo da arte ob-
jetificada, estereotipada. Trazemos aqui a definição do antropólogo José Jorge de
Carvalho para esse processo:
187
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
188
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações Finais
A pesquisa aqui considerada, analisou a religiosidade afrobrasileira, a performativida-
de dos corpos e elementos da natureza, e a tecnologia por meio da arte sonora como
aporte para obras no campo da arte-tecnologia em uma jornada mitológica individual
na construção do artista. Essa sonoridade pode proporcionar práticas artísticas que
buscam uma ruptura das fronteiras das hierarquias impostas culturalmente pelo mo-
delo ocidental, através da distinção entre formas eruditas e populares. Essas práticas,
em uma arte que está ligada a uma perspectiva diferente do modelo ocidental, in-
corporam saberes não estabelecidos pelo discurso da modernidade. Esse processo de
ruptura se dá em uma reconfiguração aflorada das Poéticas Ritualísticas que exercem
na Performance-Ritual a construção do espaço sagrado, em um fluxo que se remete a
criação de um Cosmos no sistema artista-obra-observador, enquanto obras no campo
da arte-tecnologia. A pesquisa investigou o jogo de captura do sistema de arte através
da espetacularização da alteridade. Nas propostas das obras é estimulada uma inver-
são do jogo de captura do sistema da arte. Esse movimento, onde o contexto torna-se
conteúdo, ocorre na contraposição ao caráter pedagógico operado por esse sistema
que objetifica e exotiza à alteridade, por um caráter pedagógico das narrativas mitoló-
gicas dos Orixás em Poéticas Ritualísticas.
Referências Bibliográficas
Ascott, Roy. (2003). Telematic Embrace: Visionary Theories Of Art, Technolo-
gy, And Consciousness. (Roy, Ascott. (Eds). & Edward, A.). Los Angeles, California:
Shanken University Of California Press Berkeley.
189
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Basbaum, Ricardo. (2007). Além da pureza visual. Rio de Janeiro: Editora Zouk.
Boehme, J. (1983). O Príncipe dos Filósofos Divinos. (1. Ed., p.29). (In: Composto e
Impresso na Grande Loja do Brasil). Curitiba, Paraná: Biblioteca Rosacruz.
Campbell, Joseph. (1990). O poder do mito / Joseph Campbell, com Bill Moyers.
(Trad. de Carlos Felipe Moisés). São Paulo: Palas Athena.
Carvalho, José Jorge de. (2010). Revista ANTHROPOLÓGICAS. (Ano 14, Vol.2, pp.
39-76). Caracas, 28 de Novembro de 2008.
Carvalho, José Jorge de. (2006). Uma Visão Antropológica do Esoterismo e uma
Visão Esotérica da Antropologia. (Série Antropologia Vol. 406). Brasília: DAN/UnB.
Eliade, M. (1992). O sagrado e o profano. (Trad. Rogério Fernandes). São Paulo: Mar-
tins Fontes.
Eliade, M. (1989). Mitos, Sonhos e Mistérios. (Trad. Samuel Soares). Lisboa: Edições 70.
Nóbrega, C.A.M. (2009). Art and Technology: coherence, connectedness, and the
integrative field. (Tese apresentada à Universidade de Plymouth em cumprimento
parcial para o grau de doutorado). School of Art & Media, Faculty of Arts. Plymouth,
Inglaterra.
190
Harmonias Sonoras: Homeostasia
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rocha, C., & Santaella L. (2017). Ignições [recurso eletrônico] / organização. (Cole-
ção Invenções). Goiânia : Media Lab/UFG.
Rosa, Milton., & Orey, Daniel Clark. (2012). O campo de pesquisa em etnomode-
lagem: as abordagens êmica, ética e dialética. (Vol. 38, n. 04, pp. 865-879). São
Paulo: Educ. Pesqui.
Prandi, Reginaldo. (2003). Mitologia Dos Orixás. São Paulo: Companhia Das Letras.
191
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Instalação e Espaço/
Design Interativo
192
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A exposição retrospetiva PABLO PALAZUELO Proceso de Trabajo. MACB-5-12-06 a
18-2-07; e a conferência (ln) Tangibles: Nanopercepció i Mon Quantic. Vitoria Vesna,
David Peat, CCCB- 24-3- 07, criam uma perspetiva da relação Arte-Ciência-Tecno-
logia. Essa perspetiva é aqui apresentada nos argumentos evidenciados pela obra
deste artista e desta nanocientista. A obra, na sua função figurativa emergente, flui
entre dois tempos: o da vida de Palazuelo (Madrid, 1915-2007) e Vesna (Washing-
ton D.C.,1960). Estas figurações materializam-se através da pintura e escultura em
PaIazueIo e em instalações interativas, ambientes digitais virtuais, performances
polisensoriais, em Vesna. Este “tête a tête”, conquista um espaço introdutório para
a criação de obras unidas numa temática: a Mandala. A transição entre imagens de
grãos de areia que revelam ondas padrão aparecendo a uma escala nanométrica,
é evidente na referência formal e concetual na obra de Palazuelo. Assim sendo, as
formas na matéria emergem seja pela via de atelier ou de laboratório.
Palavras-chave: Arte-ciência, Laboratório, Linguagem Gráfica
Abstract/resumen/resumé
The retrospective exhibition PABLO PALAZUELO Proceso de Trabajo. MACB-5-12-06
a 18-2-07; and the conference (ln) Tangibles: Nanopercepció i Mon Quantic. Vito-
ria Vesna, David Peat, CCCB24-3-07, create a perspective of the Art-Science-Tech-
nology relationship. This perspective is presented here in the arguments evidenced
by the work of this artist and this nanocientist. The work, in its emergent figurative
function, flows between two times: that of the life of Palazuelo (Madrid, 1915-2007)
and Vesna (Washington D.C., 1960). These figurations materialize through the
1 Artista Visual e Professora Universitária. Doutoramento: U. Barcelona, Faculdade de Belas Artes &
UTAD. Mestrado: Univ. do Porto & Faculdade de Belas Artes. Jurada do IPC. Expõe em Portugal, Es-
panha e França. O seu trabalho abrange áreas como desenho, pintura, instalação e videoarte. Inves-
tigadora nos temas: Arte e Ativismo, Relação Arte-Ciência-Tecnologia, Leonardo DaVinci. “TIMELES-
SNESS, IDENTITY AND SELF REPRESENTATION ON LEONARDO´S MONA LISA”. Docência na U.Minho,
Instituto Piaget e UTAD.
193
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
194
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Essa realidade tentaremos retomá-la aqui nos argumentos evidenciados pelas obras
destes dois artistas. A obra, na sua função figurativa3* emergente, flui entre dois tem-
pos: o da vida de P. Palazuelo (Madrid, 1915-2007) e V.Vesna (Washington D.C.,1960).
Ambas manifestam entre si diferença e repetição, e o que pesa afinal nestes artistas
é a sua liberdade, é a finalidade específica das suas vidas.
Esos estudios, que exigen esfuerzo y paciencia los continúo aún hoy día. (...) De la
Iectura pasaba al trabajo gráfico (...).4“
Por outro lado, Vitoria Vesna, artista, catedrática do Dept. de Design/Media Arts.
UCLA, diretora do Art/Sci Center e do VC Digital Arts Research Network, tem vinculada
à sua obra e investigação a relação entre nanotecnologia, arte e cultura;
V. Vesna afirma: “(...) procuro uma aproximação desde a perceção mais subtil no
trabalho artístico tendo como finalidade os aspetos precetivos da física quântica.5“
Este longo relato de que fala Kevin Power, o relato “de lo que há percebido, sentido e
visto como subyacente a todo (...)7 “ é realizado no PICO LAB da UCLA (05) através de
um instrumento, o SCANNING TUNNELING MICROSCOP (STM).
O STM representa o paradigma em que o ver é substituído pelo tocar, sentir. Estão
abertos novos campos criativos pela expansão de campos percetivos. Poderemos
dar como exemplo a obra INNERCELL (03) de Vitoria Vesna, que permite uma expe-
riência espaciotemporal, em analogia com o nano-espaço. A manipulação atómica
provoca uma alteração nos sentidos, complicando a normativa perceção do corpo e
5 http://sinapse.art.ucla.edu
* Gil, José - Imagem Nua e Pequenas Percepções, p.18: A “Imagem Nua” caracterizada por no mo-
mento da sua percepção se encontrar despojada de significação real, pode encontrar-se em todo
o domínio do real visível, em todas as representações de que os seus correspondentes verbais não
se incluam, contendo uma carga não consciente de sentido. Verificamos então que estamos mergu-
lhados num mundo de imagens nuas. A percepção de imagens nuas provoca um apelo de sentido.”
6 Palazuelo, PabIo - Desdobrável da Exposição MACB.06-07
7 Idem
196
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
a compreensão da escala. Por outro lado, SENCESPACES, Vitoria Vesna (O3), pressen-
tindo a saturação da imagem, cria a uma escala atómica a experiência de apreender
através da subtileza do toque.
V. Vesna afirma: “Num curto período da história muitas coisas novas apareceram,
criando as condições perfeitas para uma simbiose natural entre arte-ciência-tec-
nologia. Outra década passaria antes que as pessoas que ocupam estes mundos
criativos expandissem o seu campo percetual relacionando os pontos de vista uns
dos outros. Há uma necessidade genuína de abraçar novos sentidos, uma troca da
perceção visual por outro tipo de perceções. A nanociência, a escala nanométrica, e
a media art são poderosas sinergias que podem promulgar, no séc. XXI, a emergên-
cia de uma nova 3ª cultura; abarcando trocas biologicamente inspiradas, uma nova
estética e diferentes conceptualizações.9“
Palazuelo, em 1976, falava deste plano de interceções da seguinte forma: “La ciencia
penetra cada vez más profundamente en eI misterio de Ia materia formada, y el arte
puede hacerlo también por sus propios medios, buscando allí otras cosas que aún
no han sido reveladas.10 “
197
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Este “tête a tête” que aqui colocamos entre estes dois artistas conquista um espaço
introdutório para a referência de obras unidas numa mesma temática comum aos
dois artistas, a temática da Mandala.
A escolha das obras, a seguir indicadas, reflete não só a abordagem da mesma te-
mática, mas também a relação arte, ciência e tecnologia na abertura que o cerne
deste trabalho coloca: a diferença e repetição como fundamento para a sua análise
conceptual e formal.
11 Vesna, V - The Era of Posthuman Engineering - International Arts Experts Forum - ARCO 06
12 Power, K. - La Imagínacion Activa. P. Palazuelo, p.20
13 Deleuze, Gilles- Diferença e Repetição, p.57
14 Wagensberg, J.- EI Gozo Intelectual, p.149
198
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em relação ao carácter revelador da visão diz: “La visión es una forma de ver Io que
no se ofrece a nuestra vista. Su papel en el fenómeno de Ia percepción es superior
al que juegan los sentidos?17” A imaginação ativa, conceito fundamental da função
criadora, para Palazuelo tem um potencial visionário: “EI inconsciente pude producir,
con grand efectividad y de modo espontáneo, Ia representación de una estructura
matemática que sea expresión de una orden. (...) es Ia idea de epifanía, movida por
fuerzas psico-espirituales Ia que domina a percepción. (...) una doctrina filosófica y
científica que proporciona Ia traducción de una visión el mundo interior y exterior
basado en ritmos o microcósmicos 18”.
Em relação a este assunto Kevin Power afirma: “(...) EI mundo imaginalis, mundo de
la imagen, sería entonces un mundo tan real que desde el punto de vista ontológico
199
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
como el mundo de los sentidos y del intelecto, un mundo que requiere una facultad
de percepción que Ie pertenezca, una facultad cognitiva (…).19”
19 Idem, p.19
20 Palazuelo, Pablo- Energia, Materia y Forma, in P. Palazuelo- Processo de Trabajo, I995-2005. p.48
21 Idem, p.53
22 Esteban, Claude- Pablo Palazuelo, p. 20
23 Idem, p.32
* Mandala ‘el ojo filosófico’ o ‘el espejo de la sabiduría’. Las formas laberínticas de Palazuelo de los
anos sesenta pueden ser entendidas como Mandalas. El Mandala no es tan solo un medio sino que
también reacciona sobre su creador. Cierto que Palazuelo no esta creando “Mandalas” en el sentido
estricto del término, pero lo es que intenta crear ‘imágenes’ contemporâneas que sean capaces de
situarse dentro de un dominio sagrado similar”.
200
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Un Ienguaje que goza de un aceso al entendimiento de las formas, de todas las co-
sas, ya que Ia materia-prima, cuyo símbolo es el agua, la fluidez y Ia fertilidad, el
estado continuo de cambio. 26“
201
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
nifestações” apresentadas nas (Figs. 3,4), estão geradas a partir de linhas retas que se
cruzam, linhas essas que, no entender de ViIIel Borja e José Cuyás, “ (...) van del infinito
al infinito. No son composiciones cerradas, sino abiertas, en expansión rítmica.27 ”
Esta obra é nitidamente parte evolutiva das de 1956, sendo que o traçado da line-
aridade do desenho desaparece quase totalmente abrindo um espaço pictórico de
matéria em pulsação de formas Iatentes.
Este é o registo de ritmos Cristalográficos de uma matéria superficial ou, como diria
o seu autor; “rumor imperceptible Ilegado de outra escala del mundo. 28“; ou, como
Claude Esteban escrevia numa das suas cartas ao seu “Querido Palazuelo: “La musica-
lidad que se desprende de Ia composición e del encadenamiento de figuras, como un
regreso aI unísono, tras eI concierto desordenado, caótico, de las voces singulares. 29“
O seu fundo é negro como ainda no seu consciente fundo, fundado sem forma e
contendo todas as formas, fundo literal em devir. Este fundo manter-se-á na evo-
lução destas obras temáticas, desocultando no trabalho do artista as matérias e a
sua energia fundadora, abrindo-se em cor reveladora. As investigações formais de
27 Cuyas, José & Villell-Borja, M.- Diálogos de los Números. in Palazuelo, Proceso de Trabajo. p.38
28 Esteban, Claude- Palazuelo. p.117
29 Idem, p.125
202
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig.6 – P. Palazuelo, Mandala III, (2,35x1,44) 1965. Coleccion Sres René G. Zenner
Fig.7 – P. Palazuelo, Mandala II, (1,46x88cm) 1980. Galeria Maeght - Barcelona.
Não obstante a presença de branco, negro, vermelho e amarelo na sua obra, tam-
bém aparece o verde e o azul. Resultado de um “processo informante”, as Mandalas
de 1964-65 (Figs. 3,4) são dominadas pelo vermelho, laranja, amarelo e ocre. Sobre a
cor Palazuelo diz: “Me interesa la “trans-formación”, o pasajes (...). EI “rojo” estaria mas
cerca del ‘enrojecer’ que de Io ‘rojizo’, y al mismo tiempo, violeta o naranja... y muy a
menudo ennegrece o azulea31. “
203
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
humana ‘imagina’ la aparición de los colores en un orden que es casi constante. Pasa
por el ‘negro’ (imaginado, primero como substancial-tenebroso), por el ‘citrino iri-
discente’ (amarillo-verdoso, que evoca la multiplicidad de transformaciones), por el
‘blanco’ (Ia iluminación), y llega al ultimo ‘rojo’ que el artífice imagina rubió carbunclo
por su orden cristalino y por ser ‘receptáculo de Ia luz’ (y del fuego). La aparición de
una ‘forma feliz’ es siempre un acontecimiento maravilloso, (...) Io que colma los de-
seos del artista, que anuncia el ‘fin’ de sus trabajos.33“
Cabe-nos acrescentar que esse “fin” como finalidade de encontro íntimo, na elabo-
ração das Mandalas, inscreve-se no simbolismo da cor destas Mandalas, absoluta-
mente realizado, correspondendo ao esquema de um princípio conciliador entre a
“diversidade” da natureza e a “unidade” do espírito. Palazuelo continua afirmando ser
necessário: “Levantar las infinitas arquitecturas de Ia vida. De la materialidad. EI dios
que canta es Orfeo.34“
33 Ibidem, p.12
34 Ibidem, p. 10
204
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A relação arte-ciência é cabalmente assumida pelos dois, sendo seus referentes, por
um lado, o tangível na ciência através da tecnologia, e na obra de Pablo Palazuelo o
“tangível” na metafísica, através do experienciável na produção artística.
205
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Foi decidido pelos monges fazê-lo no espaço onde Vesna e Gimzewski fazem o seu
trabalho de investigação (PICOLAB). O uso tecnológico de materiais muito mais
delicados que a areia não intimidou os monges.
206
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Eu abraço a tecnologia, mas como qualquer artista tomo liberdade para transgredir,
redesenhá-la e questionar sobre o papel que ela tem na nossa vida.38“ Estes territó-
rios invisíveis confrontam-nos com múltiplos valores de escalas e articulam-se em
diferentes níveis.
Estamos perante uma viagem em novos campos de criação que nos mostram a dinâ-
mica do infinitamente pequeno, convidando-nos a procurar conhecer mundos para-
lelos e mentais de profunda carga imaginativa. Neste trabalho, Vitoria Vesna coloca
o público literalmente dentro de um grão de areia; através da ciência que manipula
a matéria até à escala do nanometer.
207
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Não podemos ter a pretensão de abarcar esse modo profundo de entrar no mundo,
o do filósofo clarividente, como é o pensamento e o ideário de Gilles Deleuze. Esta
é uma abordagem sintética, pois enunciamos neste estudo, apenas as ideias essen-
ciais que nos pareceram relevantes na compreensão do fenómeno pelas semelhan-
ças, diferença e repetição nas obras apresentadas.
208
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sobre esta problemática Deleuze escreve: “(...) a liberdade não mediatizada do fun-
do, a descoberta de um fundo atrás de qualquer outro fundo, a relação do sem-fun-
do com o não-fundado, a reflexão imediata do informal e da forma superior, cons-
titui o eterno retorno.40“ Estando longe de percorrermos um pensamento circular: é
necessário acrescentar que a repetição se opõe a todas as formas de generalidade.
O que também acontece aqui é que tentamos converter esta ideia de repetição
num “novo”, em relação com a diferença constitutiva das obras. Essa manifesta-se
singularmente através da nanotecnologia, que nos permite dizer o que aqui apare-
ce como exterior ao conceito, mas inerente a ele. Ou seja, a função, a mecânica ins-
trumental, dependeu na sua conceptualização técnica do fim em vista. Seríamos
levados a dizer que apenas existe repetição entre estas obras, encontramo-nos
perante elementos da mesma identidade (os que estão vinculados à estrutura da
matéria na forma) que atravessam o mesmo conceito e se revêm em diferentes
médiuns. Repete-se o conceito, sem diferenciação entre as representações, pois
são o mesmo na sua anterioridade.
Deleuze: “Devemos distinguir um sujeito secreto que se repete através deles, o ver-
dadeiro sujeito da repetição.41” A questão da inovação tecnológica e científica e da
sua influência na produção artística recoloca atualmente a questão dos limites da
ciência através das UBIQUIDADES e MATERIALIZAÇÕES da arte.
BIBLIOGRAFIA
Amon, Santiago. Matéria, Forma e Linguage Universal. Conversación com Pablo
Palazuelo, 1/6/76, Revista de Occidente.
Cuyas, José & Villell-Borja, Manuel. (2006) Diálogos de los Números. in Palazuelo,
Proceso de Trabajo
Gil, José. (1995). A Imagem Nua e as Pequenas Perceções, Lisboa: Relógio D’Água.
209
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Power, Kevin. Pablo Palazuelo –1995 -2005, Madrid: Museo Reina Sofia.
Power, Kevin & Palazuelo, Pablo. (1995) Geometría y visión : una conversación con
Kevin Power. Granada: Diputación Provincial de Granada
Vesna, Victoria. (2006). The Era of Posthuman Engineering, International Arts Ex-
perts Forum – Arco
210
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo apresenta o estado do projeto QuixadAR que usa a realidade au-
mentada com o objetivo de produzir uma nova forma de interação e divul-
gação do Museu Histórico Jacinto de Souza, da cidade de Quixadá, Ceará.
Adaptando o espaço de consumo de conteúdo passivo do museu para uma
forma mais dinâmica e interativa, visando atingir uma geração digital acostu-
mada em ter mais influência nas relações de consumo e divulgação de mídia.
O QuixadAR é um projeto de desenvolvimento de um sistema digital mobile
produzido como trabalho de conclusão de curso para receber título de gra-
duação em Design Digital e que tenta diminuir a distância entre o visitante e
a obra do museu. O sistema oferece aos usuários novas formas de interação
com as obras, como as capturar e expor utilizando realidade aumentada, per-
sonalizando a cidade com uma exposição virtual participativa, divulgando o
museu e suas obras para pessoas que utilizam o aplicativo e então, atraindo
novos visitantes. O projeto baseia-se nos conceitos de realidade aumentada e
compreende o espaço museológico tomando como base estudos de Jacques
Le Goff, Renata Andreoni e Antonio Gilberto.
Palavras-chave: Museu, cidade, realidade aumentada, Quixadá, aplicativo.
Abstract/resumen/resumé
This article presents the current state of the QuixadAR Project that uses augmented
reality to produce a new form of interaction and divulgation of the Jacinto de Sou-
za Historical museum, from the city of Quixadá, Ceará. Adapting the space of pas-
sive content consumption of the museum to a more dynamic and interactive way,
1 Brenno Nogueira de Oliveira, designer digital, artista 3D e ilustrador. Graduando em Design Digital
do Campus Quixadá da Universidade Federal do Ceará-UFC. Diretor de Arte no Núcleo de práticas
da UFC campus Quixadá.
2 João Vilnei de Oliveira Filho, artista visual e performer. Professor do Campus Quixadá e do PP-
GARTES, ambos da Universidade Federal do Ceará. Doutor em Arte e Design pela FBAUP (2017).
Mestre em Criação Artística Contemporânea pela UA/Portugal (2009) e Bacharel em Publicidade e
Propaganda pela UFC (2006). Líder do LICCA/UFC e do “Locomô”, ambos registrados no Diretório dos
Grupos de Pesquisa do CNPq. Membro também do i2ADS/FBAUP e do iD+/UP/UA.
211
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
aiming for reach a digital generation used to have more influence in the consume
relations and media outreach. The QuixadAR is a development project of a mobile
digital system produced as work to earn a bachelor degree in Digital Design and
that try to reduce the distance between visitors and museum pieces. The system of-
fers to the users new ways of interaction with the museum pieces, like capture and
expose using augmented reality, customizing the city with a participatory virtual
exhibition, promoting the museum and their pieces to people that uses the app and
then, attracting new visitors. The Project is based on augmented reality concepts
and understands the museological space based on Jacques Le Goff, Renata Andre-
oni and Antonio Gilberto studies.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Museum, city, augmented reality, Quixadá, app.
Introdução
Os museus possuem um importante papel de preservação histórica na sociedade.
Inicialmente sendo formulados como um conjunto ou depósito de objetos histó-
ricos, como afirma Andreoni (2011, p. 168), conceito que ao decorrer do tempo foi
sendo modificado, passando a ser entendido como um espaço discursivo e inter-
pretativo, que além da preservação histórica tem como dever comunicar e refletir
sobre o passado.
Uma forma de realizar essa aproximação com o museu é por meio da tecnologia,
que possibilita a criação de novas formas de interagir com o espaço, de modo que
os visitantes tenham experiências diferentes do que teriam em uma visitação nor-
mal, potencialmente aumentando a taxa de revisitação, incentivando o visitante a
retornar ao museu em busca de conteúdos novos. Dentre as tecnologias que podem
212
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Metodologia
O projeto foi desenvolvido a partir dos requisitos e dados adquiridos em uma série
de pesquisas com visitantes e não-visitantes do museu. Primeiramente, foram feitas
visitas técnicas para conhecer melhor o espaço e os recursos do museu. Além dos
recursos, foi realizada uma entrevista com Camila dos Santos Magalhães (diretora
do museu) para conhecer detalhes mais técnicos e organizacionais do museu. Para
gerar os requisitos que seriam utilizados como base do sistema, foram feitas entre-
vistas com moradores de Quixadá sobre o museu e seus gostos em relação a visi-
tação de espaços do tipo. A entrevista foi adaptada como questionário online para
serem analisadas opiniões de outros locais além de Quixadá para poder comparar
suas opiniões e necessidades com os visitantes locais. Com os dados das entrevistas
e questionário analisados, foi possível gerar um conjunto de características do pú-
blico alvo e seus gostos.
213
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conceitos
Realidade Aumentada
O termo RA, segundo Eliseu (2016), é atribuído à Tom Claudell por volta de 1990, que
o utilizou ao se referir ao sistema HMD 3 que exibia informações digitais para orientar
em tempo real trabalhadores de uma fábrica de aviões da Boeing. Segundo ele, o
sistema estava aumentado a realidade por possibilitar o acesso a informações que
não estariam disponíveis na realidade normal.
Uma aplicação em RA pode ser dividida em três partes: o mundo real, a informa-
ção virtual, e o dispositivo móvel que funciona como janela para visualização das
informações virtuais. Os dados virtuais precisam de um ponto de referência real
para serem situados no espaço e uma das técnicas mais comuns em RA é o uso de
marcadores e/ou coordenadas. Enquanto os marcadores funcionam como imagens
gatilho que servem de ponto de referência para uma projeção virtual quando lidas,
o uso de coordenadas utiliza uma posição de GPS passa situar modelo a ser exibido.
214
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para Eliseu (2016), a RA foi responsável pelo surgimento de uma nova temporalidade,
mais dinâmica, com a criação de novos significados e formas de leitura de conteúdos.
A Democratização da RA
No século XX, para realizar um projeto com uso de RA eram necessários computado-
res com alta capacidade de processamento para renderizar os gráficos tridimensio-
nais baseados nas imagens do mundo real (ELISEU, 2016, p. 33). Com o decorrer do
tempo, a popularização de dispositivos móveis como smartphones e tablets, a cada
ano em versões mais potentes, tornou viável o uso de RA nos mais diversos casos, de
maneira simples e móvel.
Museu
4 Em conjunto com esse desenvolvimento técnico dos aparelhos, sistemas de game engines
5 Kudan, Wikitude, entre outros, responsáveis por democratizar cada vez mais o desenvolvimento
de realidades mistas
215
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mesmo com as atualizações do museu, ainda existe uma postura distanciadora entre
a entidade museu e o visitante. Como afirma Roque (2017), o museu estabelece a
obra como um objeto sagrado em um altar, distanciando-a do visitante, definindo
papéis de detentor do conhecimento (museu) e pessoa em busca do conhecimento
(visitante). Essa distância fica mais marcante para uma geração acostumada com a
autonomia de consumo dada por mídias digitais. Introduzida em um conceito de
cultura participativa (JENKINS, 2014) onde o público possui influência na produção
e divulgação do conteúdo midiático consumido. Em uma geração acostumada a ser
bombardeada por informações o tempo todo, tendo total poder de escolha e influ-
ência no conteúdo a ser consumido, estar em uma experiência linear passiva pode
não gerar envolvimento. Essa lacuna entre visitantes e museu pode ser sanada por
meio da tecnologia, primeiramente reimaginando a experiência de visitação e crian-
do novas formas do usuário interagir com o espaço.
QuixadAR
O QuixadAR é um sistema digital para dispositivos móveis que utiliza a RA para
possibilitar que visitantes do museu capturem as obras expostas e as exponham
216
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
virtualmente pela cidade. O sistema tem o objetivo de dar mais opção de interação
com o museu, saber mais sobre os objetos e personalizar o espaço físico, ainda que
virtualmente, como desejar.
No QuixadAR, o usuário pode fazer 4 ações principais: Capturar uma obra do museu,
acessar sua galeria pessoal de obras, expor uma obra virtual em qualquer lugar e
visualizar obras expostas por outra pessoa.
Para possibilitar a captura, cartões marcadores são postos próximo a suas respecti-
vas obras. Quando os cartões são lidos pelo sistema, o usuário recebe um modelo
3D da obra referente àquele cartão e pode acessar mais dados sobre ela. A obra cap-
turada é armazenada em uma galeria pessoal do usuário, que a pode acessar para
visualizar os modelos ou ler mais sobre eles.
Também é possível expor a obra capturada. Ao expor uma obra, o usuário deve se-
lecionar o local desejado para a obra e, quando confirmar, ela ficará na posição sele-
cionada (identificando a posição do usuário por geolocalização), e qualquer usuário
do aplicativo que passar pelo local poderá visualizá-la por meio de RA.
Teste de Usabilidade
Para a realização do teste de usabilidade, foram desenvolvidas todas as possíveis
telas que os usuários teriam acesso e interligadas com o uso do Adobe XD para pos-
217
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O teste foi aplicado com 9 usuários, e cada participante deveria realizar 5 tarefas no
sistema . As tarefas eram referentes as atividades principais realizadas, como: Efetuar
login, capturar uma obra, acessar a galeria de obras, ver mais detalhes sobre uma
obra, expor uma obra. Durante o teste, o comportamento dos participantes era ob-
servado e as ações na tela do dispositivo e o áudio eram gravados para análise pos-
terior. Ao fim de cada teste, era feita uma entrevista sobre as opiniões e dificuldades
dos usuários com o sistema usado.
Figura 2: Tela principal com menu aberto do protótipo inicial (a) e do sistema atual (b)
218
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 3: Tela de confirmação de tutorial do protótipo inicial (a) e do sistema atual (b).
Das sugestões apresentadas, apenas a quarta não foi implementada, pois poderia
distrair o usuário durante o uso, além de ocupar espaço da tela que o usuário usaria
para ver as obras expostas. Logo, as opções de menu ficarão contidas em um único
botão que as exibe quando acionado.
Além das sugestões, foi notado durante o teste que os usuários sentiam-se confusos
em relação a ordem dos itens do menu. A ordem era: “Expor aqui”, “Minhas obras” e
“Capturar obra”. O que gera a confusão dos usuários lerem a primeira opção e não
saberem o que podem ou se têm algo para expor. As opções foram reorganizadas
de acordo com o fluxo de ação do usuário foi imaginado: “Capturar obra”, “Minhas
obras” e “Expor obra” (Figura 2b).
Estado de desenvolvimento
6 A sigla SDK corresponde à Software Development Kit ou kit de desenvolvimento de software. SDK
é o conjunto de ferramentas de desenvolvimento de software que permite o desenvolvimento de
aplicações para uma plataforma específica.
219
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
são atual, e não é plenamente compatível com a última versão do Unity (2019.2.4),
o que tornaria necessário utilizar uma versão anterior do software.
Por último, foi selecionado o Wikitude por permitir o desenvolvimento dos dois tipos
de aplicação, baseada em marcadores e GPS. Outra vantagem do SDK é não existir a
necessidade de estar em conjunto do ARCore ou ARkit para ser usado em dispositi-
vos móveis, possibilitando assim que dispositivos mais antigos (que possuam versão
do sistema Android a partir da 4.4) utilizem o sistema.
Conclusão
Este trabalho apresentou um projeto que trabalha com RA baseada na localização
por GPS. Durante o seu desenvolvimento, foi possível perceber que mesmo com a
democratização do desenvolvimento de aplicações em RA, ainda existe a dificul-
dade da integração de RA e geolocalização. Os recursos de RA mais difundidos e
acessíveis são, no geral, aqueles que fazem uso de marcadores e reconhecimento
de superfícies. Foram encontradas limitações específicas com o uso de RA baseada
em geolocalização como restrição de software apenas para aparelhos mais atuais
(ARCore e ARkit), falta de documentação atual (Kudan) e restrição de sistema opera-
cional compatível (Placenote).
Referências
Andreoni, R. (2011). Museu, memória e poder. Em Questão, 17(2), 167 - 179.
Ferreira de Souza, J., & Gobbi, M. (2014). Geração Digital: uma reflexão sobre as rela-
ções da “juventude digital” e os campos da comunicação e da cultura. Revista Gemi-
nis, 5(2), 129 - 145.
Jenkins, H., Green, J., & Ford, S. (2014). Cultura da Conexão. São Paulo: Editora Aleph.
220
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Jung, T., Dieck, M., Lee, H., & Chung, N. (2016). Effects of Virtual Reality and Augmen-
ted Reality on Visitor Experiences in Museum. Inversini A., Schegg R. (Eds) Informa-
tion And Communication Technologies In Tourism.
Museus. (s.d.). Notas sobre a história dos museus. Retrieved 27 May 2019, from http://
www.museus.art.br/historia.htm
Shibata, T. (2019). Head mounted display. Displays, 23(1 - 2), 57 - 64. Retrieved from
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0141938202000100?via%3Dihub
221
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A pesquisa “Entre o Real e o Sonho: o uso de Tecnologias de Interatividade na
criação do Espaço Cênico” trata da criação de um ambiente expressivo e dota-
do de significado que usufrui das tecnologias de interatividade. Nosso trabalho
perpassa por diversos campos do conhecimento, a saber: Human Computer Inte-
raction, Programação, Artes Visuais e Artes Performativas. Em seu viés prático, foi
concebido de modo colaborativo por artistas e pesquisadores das áreas citadas.
Este artigo pretende publicitar o processo criativo da obra interativa RainBow:
Entre o Real e o Sonho, as conclusões teóricas sobre as relações entre os diversos
campos do conhecimento e suas possibilidades de aplicação. Propomos a dis-
cussão acerca da magia, do encantamento e do inacessível na exploração de um
elemento da natureza com recursos de interatividade.
Palavras-chave: Instalação interativa, HCI – Interação Humano-Máquina, Espaço
Cênico, Arco-íris, Arte e natureza.
1 Bruna Christófaro (Brasil), doutoranda em Artes na Universidade de Lisboa, Mestre em Artes Cêni-
cas e Arquiteta. Professora no Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Pre-
to, onde leciona Cenografia, Caracterização e Materiais Expressivos para os cursos de interpretação,
direção e licenciatura em artes. Pesquisadora em Artes Digitais Interativas e Teatro. <http://lattes.
cnpq.br/3970387883673691>
2 Mónica Mendes (Portugal), professora da área de Arte Multimédia da Faculdade de Belas-Artes da
Universidade de Lisboa – FBAUL, designer e pesquisadora em Artes Digitais. É investigadora do Inte-
ractive Technologies Institute – ITI/LARSYS, colaboradora do CIEBA e co-fundadora do hackerspace
altlab. Interessada num ambiente mais sustentável, tem vindo a concretizar explorações interactivas
no âmbito do colectivo ARTiVIS.
<http://monicamendes.artivis.net>
3 Pedro ngelo (Portugal), consultor independente de investigação para projectos criativos e docen-
te assistente convidado no departamento de Design de Comunicação da Faculdade de Belas-Artes
da Universidade de Lisboa. Está a terminar o doutoramento em Digital Media no programa UT Aus-
tin|Portugal, focado no desenvolvimento de melhores ferramentas para o design colaborativo de
sistemas interactivos.
222
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
The research “Between Reality and Dream: The Use of Interactive Technologies in the
Creation of Scenic Space” Deals with the creation of an expressive and meaningful
environment that takes advantage of interactive technologies. Our project encoma-
passes many fields of knowledge, such as Human Computer Interaction, Program-
ming, Visual Arts and Performing Arts. In its practical learning, it was conceived in
a collaborative way by artists and researchers of the aforementioned areas. This
article intents to report on the creative process behind the interactive work Rain-
bow: Between Reality and Dream, the theoretical conclusions about the relations
between many fields of knowledge and its application possibilities. We propose the
discussion about magic, enchantment and the unapproachable in the exploration
of an element of nature with the resources of interactivity.
Keywords: Interactive installation, Human-Computer Interaction, Scenic space,
Rainbow, Art and nature.
Introdução
O conto “O ex mágico da taberna minhota” do escritor Murilo Rubião apresenta-nos
um mágico que surge sem passado, em frente ao espelho de uma taberna minhota.
Esse mágico tem poderes fantásticos. Mas, paradoxalmente, quanto mais mágicas
faz, e quanto mais encanta o público, menos o personagem está feliz, porque seus
poderes são incontroláveis, não dependem de sua vontade ou humor. Para livrar-se
do que acredita ser uma maldição, torna-se funcionário público, pois ouviu que “ser
funcionário público é suicidar-se aos poucos” (Rubião, 2014. p.24). Assim, perde a
capacidade de magia, mas agora sente saudades daquela época.
Inspirados por esse texto a explorar sobre a eterna insatisfação humana, desejamos
criar uma obra que nos lembre que o mundo é também feito de luz e magia, para
além da burocracia e do tédio do cotidiano. Procuramos refletir sobre como o ser hu-
mano interage com o ambiente cotidiano e com a possibilidade da intervenção da
magia nesse dia-a-dia, e até que ponto a magia é necessária ou mesmo suportável.
223
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Talvez seja justamente por sua “inutilidade” que a carga simbólica esteja tão presen-
te na história dos povos. É um símbolo presente nas religiões, seja como meio de
comunicação, de transcendência ou como meio de transporte de entidades divinas.
Citado na Bíblia, no livro de Gênesis, o arco-íris é a comunicação de Deus com Noé,
o “lembrete” de que é o momento de cessão do dilúvio. É considerado a ponte entre
o divino e o terreno: “Eu porei o meu arco nas nuvens, e ele será o sinal do concerto,
que persiste entre mim e a terra” (Gênesis 9: 15). Os budistas avaliam a translucidez
do arco-íris como uma transcendência do corpo físico, “o ‘corpo do arco-íris’, alcan-
çado através de intensa e solitária meditação (...) se alguém morrer em tal estado,
o seu corpo dissolver-se-á em luz com as cores do arco-íris” (ARAS, 2012). Segundo
os seguidores do candomblé, religião de origem africana existente no Brasil, o orixá
Oxumarê é a divindade que visita a Terra descendo pelo arco-íris, e representa “ri-
queza, vida longa, os ciclos e os movimentos constantes da natureza. Ele exprime
a união de opostos, que se atraem e proporcionam a manutenção do universo e da
vida. Sintetiza a duplicidade de todo o ser: mortal (no corpo) e imortal (no espírito)” .4
Por sua suavidade, por aparecer após uma chuva ou tempestade quando retorna a luz
do sol, o arco-íris é capaz de nos causar sensação de conforto, de encantamento e nos
deixa maravilhados por sua raridade, por suas cores e por seu esplendor, mas, acima
de tudo por ser intocável, inalcançável e inacessível, o arco-íris é o nosso escolhido
224
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
para ser representado em nossa obra interativa. Um elemento poético desejado, mas
inatingível, que representa a insatisfação humana, a ponte entre o mundo real e o di-
vino, a perfeição.
O projeto
Inspirados pela “magia” e encantamento do arco-íris, propusemo-nos criar perspec-
tivas desconhecidas deste elemento visual tão fértil no nosso imaginário. Optamos
por realizar uma instalação interativa. Na instalação os participantes se encontram
imersos em um ambiente de movimento e fantasia - e são os criadores das formas
do arco-íris. Com abordagens em torno do espaço e da performance, procuramos
dar ao público um momento de se realizar a “magia”, assim como fazia o “ex-mágico”.
Segundo Kim, cada disciplina tem suas preocupações primordiais, o que as comple-
mentam ou podem ser motivo de conflitos, pois cada disciplina tem sua prioridade
nas etapas de criação. “When people from different disciplines get together, their
values collide. What one person finds valuable others do not even notice” (Kim, 1990).
225
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
226
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Após as duas exibições, percebemos que o consumo de água era grande e que era
complicado o domínio da água a cair, molhando o chão para além da área do ar-
co-íris. Começamos a pensar em possibilidades de criar um circuito-fechado para a
água, para o consumo ser estável e proteger o piso das salas. Queríamos um arco-íris
que pudesse ser montado tanto em um espaço exterior quanto interior.
Trabalhos relacionados
Nas instalações de arte é comum a presença da natureza manipulada como objeto
artístico. Seja a nuvem da obra Nimbus (Berdnaut, 2015) 7 ou mesmo os arco-íris –
ora situado em um espaço interior, no caso da obra Beauty (Olafur Eliasson, 1993)8,
ora situado em um espaço exterior, como no trabalho The Rainbow Machine (Recec-
ca Cummins, 1998)9, a natureza é, por muitas vezes, evidenciada na exploração do
227
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
artista ao refazer um elemento cuja origem não é humana. Uma arte que busca o
cientificismo da reprodução de fenômenos naturais e, ao mesmo tempo, expõe o
saber e o domínio da natureza pelo homem.
Mas, diferentemente dos artistas citados, tínhamos conosco as perguntas: Como in-
teragir com esse fenômeno? Como um fenômeno natural pode alterar o espaço e a
presença de quem o observa? É possível ter experiências estéticas interagindo com
a natureza? O próprio público pode criar e manipular a natureza para além de seu
posicionamento ótico?
Uma obra inspiradora para o nosso trabalho é The Treachery of Sanctuary de Chris
Milk (2012). 10 Nesta obra, Milk posiciona lado a lado três ecrãs de aproximadamente
três metros de altura, onde é projetada a sombra do espectador, agora personagem
em uma história de nascimento, morte e transfiguração - cada parte da narrativa
ocorre em uma tela. A sombra, como extensão do corpo, faz com que o espectador
sinta que o que nasce, morre e transfigura é ele mesmo. Para distanciar o corpo da
câmera kinect, há um espelho de água entre o usuário e a sombra que, através da
reflexão, insere a imagem do espectador na obra.
O arco-íris que realizamos não é uma cópia naturalista do fenômeno real, pois “não
é a natureza do objeto copiado que define uma arte (tenaz preconceito de todos os
realismos), é o que o homem lhe acrescenta reconstituindo-o: a técnica é o próprio
ser de toda a criação” (Barthes, 1968, p. 22-23). Nessa perspectiva também se funda-
menta a arte computacional onde “recompõe-se o objeto para fazer aparecer fun-
ções, e é, se assim se pode dizer, o caminho que faz a obra” (Barthes, 1968, p. 22-23).
A produção
Para a participação na Residência Artística Expand propusemos tornar a natureza in-
terativa através da execução desse arco-íris dentro de um espaço fechado (Figura 3).
Figura 3 - Projeto de obra enviado para seleção de participação em Residência Artística. No projeto
havia a ideia de um reservatório de água para o circuito fechado realizado pela bomba de pressão.
A bomba de água conduz a água para o vaporizador, a 3 metros do solo. FONTE: Ilustração de
Bruna Christófaro.
Logo ao início das atividades realizamos as experiências com a bomba de água, para
verificar se a pressão seria suficientemente forte para formar o vapor (Figura 4). Ao
percebermos o funcionamento, verificamos que uma fina camada de água no piso
já seria suficiente para a sua sucção e, com a lona preta submersa, o piso tornou-se
um imenso espelho. Esse espelho de água, diferentemente do que aparece na obra
de Chris Milk, citada acima, reflete as imagens criadas pelo movimento do corpo e as
projeta no ambiente, ampliando o efeito de imersão.
229
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
e atuação (Figura 5). Eram, ao todo, dez obras a serem realizadas naquele mesmo
tempo nos espaços do Convento da Salvação. O tempo de residência foi utilizado
para testes, aplicação de materiais, montagens, ajustes na programação e, por fim,
apresentação da obra ao público. Para alinharmos entre a equipa e para comunicar-
mos nossas ideias entre os demais participantes da Residência Artística, durante as
atividades realizamos maquetes, esboços, mini-montagens e reuniões diárias.
A ideia inicial era termos um cubo metálico que delimite o espaço e suporte a água
vaporizada. O movimento do público é captado por uma câmera Kinect, e após pro-
cessamento através de software é gerada uma imagem que sendo projetada na cor-
tina de água gera o arco-íris.11
Por fim, decidimos realizar o cubo no tamanho final de 3 metros de arestas com
suporte para os tubos de vaporização. Para valorizar seu posicionamento, a fina “pis-
cina” que o suporta passou a ter 4,50m X 4,50m, ultrapassando as arestas do cubo,
diferentemente do projeto inicial em tamanho e profundidade. Dividido em peças
de 1 metro, sua montagem é feita por encaixes (Figura 6).12
11 Utilizamos a câmera Kinect - Sensor de movimentos com câmera RGB, sensor de profundidade
(infra vermelho), microfone embutido, processador e software próprios, e que detecta 48 pontos de
articulação do nosso corpo, ou seja, possui uma precisão sem precedentes (https://pt.wikipedia.org/
wiki/Kinect, recuperado em 15, agosto, 2019).
12 Requisitos técnicos: Projetor de imagens de 4000 lúmens ou maior, computador e Kinect, meca-
nismo e estrutura para os de aspersores, bomba de água de pressão - circuito fechado de água para
gerar o ecrã, piso plástico para receber a água que vai retornar ao aspersor.
230
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O público agora não era composto pelos artistas e seus convidados. Era composto
pelo público do próprio Pavilhão, por estudantes e transeuntes. Avaliamos que a
formalidade do evento, a formação de filas, os equipamentos de segurança exigidos
pela instituição - que não deixavam o público se aproximar da água ou da kinect
231
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
232
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Podemos modificar o espaço real através da interatividade com o espaço virtual? Como
as pessoas que estão nesse espaço são modificadas sensorialmente durante a interação?
Queremos que as pessoas realmente sintam a mudança do espaço. Ora como agentes
da mudança, ora como observadores, ora estimulados pelo próprio espaço.
Segundo Laurel, “John Walder (founder and president of Autodesk, Inc.) (…) attri-
butes the notion of ‘conversationality’ in human-computer interfaces (…) where a
person does something and a computer respondes – a tit-for-tat interaction” (Laurel,
2004. p. 3). Mas, segundo Laurel, não devemos considerar a interatividade como um
jogo de perguntas e respostas. Porque a ação e seu resultado vão se modificar de
acordo com a pessoa que estará a interagir. No nosso caso, varia também entre os
atores e os espectadores, que são os agentes que iniciam a ação.
I am defining it as a change to the state of the work – for which the work was designed—
that comes from outside the work. Interaction takes place through the surface of the work,
resulting in change to its internal data and/or processes. In many cases, some trace of in-
teraction is immediately apparent on the surface (e.g., an audience member types and the
letters appear as they are typed, or an audience member moves her hand and a video ima-
ge of her hand moves simultaneously), but this is not required. Interaction, while it always
changes the state of the work, can be approached with the primary goal of communication
between audience members – as when communicating through a shared (a) virtual world.
(Wardrip-Fruin, 2012. p.11 e 12)
233
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusões e aplicações
Diferentemente do que ocorre no ciberespaço, onde “o humano é convidado a pas-
sar para o outro lado da tela e a interagir de forma sensório-motora com modelos
digitais” (Lévy, 1999), neste trabalho convidamos o que estaria no ciberespaço a ser
materializado no mundo real, de forma visível e tangível.
Nesta obra, para além da sensação, podemos realmente entrar na imagem gerada
pelo programa, sem aparatos tecnológicos anexados ao corpo. Podemos dançar sob
a imagem, podemos nos molhar com sua névoa e podemos ter nossa cor alterada,
ao ficar sob seus fachos de luz. Quando à distância, alteramos seu formato e somos
estimulados a realizar diversos movimentos. Somos também transformados em
obra quando estamos sob o olhar de outros espectadores, que passam por aquele
espaço ou que aguardam sua vez.
234
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Segundo Hauser, “o valor artístico de uma obra não depende da natureza dos meios
técnicos que o artista utiliza, mas simples e unicamente do modo como os usa”.
(HAUSER, 1988, p.291). O modo como usamos a projeção, para além do já conhecido
ecrã, faz com que haja a imersão do virtual no espaço real e, consequentemente, a
imersão do espectador no ambiente criado pela obra.
Os corpos estão presentes. “Não apenas uma imagem de seu corpo, mas (a) dimen-
são essencial de sua manifestação física” (Lévy, 1999). A presença e ação do corpo no
espaço aproxima nosso trabalho ao campo das Artes Performativas.
Se Laurel propõe considerar o teatro como uma base promissora para pensar sobre
e realizar o design do HC experiences, desejamos o caminho inverso na continuida-
de desta pesquisa. Investigamos o que o Design do HC experiences acrescenta ao
espetáculo e à experiência do público. Laurel insere elementos do teatro na criação
de jogos interativos, já nós, deslocamos a programação para a cena ao criar uma
instalação interativa a ser utilizada nas artes performativas.
235
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Agradecimentos
Universidade Federal de Ouro Preto (Brasil) - Pró Reitoria de Administração (PROAD/
UFOP/Brasil), Universidade de Lisboa (Portugal), Interactive Technologies Institute
(Portugal) – ITI / LARSYS, ARDITI - Agência Regional para o Desenvolvimento da
Investigação, Tecnologia e Inovação (Portugal), O Espaço do Tempo, Audiência Zero.
Referências
ARAS: The Archive for Research in Archetypal Symbolism (2012). O livro dos símbo-
los: Reflexões sobre imagens arquetípicas. Köln: Taschen.
Barthes, Roland (1968). A atividade estruturalista In: Coelho, Eduardo Prado (org.).
Estruturalismo — antologia de textos teóricos (pp.19-27). Lisboa: Portugália.
Benjamin, Walter (1987). Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura
e história da cultura. Obras escolhidas, vol.1. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:
Brasiliense. 3ª ed.
Bíblia Sagrada, edição ecumênica (1977). GÊNESIS 9: 12-16. Trad.: Padre Antônio
Pereira de Figueiredo. Rio de Janeiro: Barsa.
Deleuze, Gilles (1968). Diferença e Repetição. Trad.: Luiz Orlandi e Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Graal.
http://www.cdcc.usp.br/maomassa/mostras/2011/anaisVIIIMOSTRA.pdf.
236
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kim, Scott (1990). Interdisciplinary Collaboration. In: Laurel Brenda. The art of Hu-
man-Computer Interface Design (pp.31-44). MA: Addison-Wesley.
Lévy, Pierre (1999). Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34.
Rubião, Murilo (2014). Obra Completa. São Paulo: Companhia de bolso. 7ª reimpressão.
237
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo indaga em que medida a aplicação de novos materiais no desenvol-
vimento de equipamento para o espaço de trabalho, pode ser a chave de leitura
para interpretar os novos comportamentos socias e as exigências do novo espa-
ço de trabalho que caracterizam a complexidade e a fluidez da realidade atual.
Em termos de aplicação, este estudo resulta de um parceria com duas empresas
que operam estes conceitos. Por um lado, a Value Optimize, orientada para o
deenvolvimento de mateiriais, nomeadamente, a folha de pedra. Por outro lado,
a Cadeinor, que opera no âmbito do mobiliário de escritório para o novo con-
texto de espaço de trabalho. Com este artigo pretende-se demonstrar que o a
criação de conexões entre âmbitos distintos permite a transferência de valores,
conhecimento e experiência e, por essa razão, a introdução de um novo material
com competência ecológica no desenvolvimento de equipamento para espaço
de escritório, pode ser uma ocasião para determinar produtos inovadores e pro-
porcionar bem-estar emocional e social.
Palavras-chave: Design e Materiais, Workspace, Bem-Estar Social, Equipamento.
238
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
This article examines the extent to which the application of new materials in the
development of workspace equipment may be the key to reading the new social be-
haviors and demands of the new workspace that characterize the complexity and
fluidity of current reality. In terms of application, this study results from a partner-
ship with two companies that operate these concepts. On the one hand, Value Op-
timize, oriented towards the development of materials, namely the stone sheet. On
the other hand, Cadeinor, which operates under office furniture for the new work-
space context. This article aims to demonstrate that the creation of connections
between different scopes allows the transfer of values, knowledge and experience
and, for this reason, the introduction of new ecologically competent material in the
development of office space equipment can be an occasion to determine innovative
products and provide emotional and social well-being.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Design and Materials, Workspace, Social Wel-
fare, Equipment.
INTRODUÇÃO
As oscilações constantes e a fluidez da realidade atual solicitam soluções para uma
modernidade “líquida” mais dinâmica que a modernidade “sólida” que a suplantou
(BAUMAN, 2000). A passagem de “estado físico” da modernidade acartou consigo mui-
tas mudanças nos aspetos da vida humana. Começamos a viver num mundo repleto
de sinais confusos que propõem mudanças bruscas de forma rápida e imprevisível.
Nesta sociedade contemporânea, “interrupção, incoerência, surpresa são as condições
comuns de nossa vida. Elas se tornaram mesmo necessidades reais para muitas pes-
soas, cujas mentes deixaram de ser alimentadas por outra coisa que não mudanças
repentinas e estímulos constantemente renovados…Não podemos mais tolerar o que
dura. Não sabemos mais fazer com que o tédio dê frutos.” (VALÉRY cit. in BAUMAN,
1999: 7). Este tipo de realidade não influência só os aspetos pessoais do ser humano,
mas invade também a sua postura profissional e o seu espaço de trabalho como expli-
ca o sociólogo Zygmunt Bauman (1999). Isto constituí que a efemeridade das relações
ligada ao pensamento colaborativo é a nova norma das organizações empresariais, ou
seja, “o pensamento funcional cruzado é a nova norma e esforçamos para unir as equi-
pes da maneira mais significativa para fazer seu melhor trabalho”4 (HAWORTH, 2016:
10). Este tipo de pensamento colaborativo estimula novas atitudes e um espaço que,
como alude a designer Patricia Urquiola, é mais um tipo de paisagem doméstica, nós
moramos no lugar onde estamos a trabalhamos. Esta constatação leva o profissional
que opera em mutua existência com outras personalidades a ter de trabalhar em co-
4 Tradução livre de autor: “Cross functional thinking is the new norm and we strive to bring teams toge-
ther in the most meaningful way to do their best work” (HAWORTH: 2016, p.10).
239
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO
Objetivos
5 Tradução livre de autor: “To work in community is to be flexible and understand many ways of being,
and being together” (URQUIOLA: 2016, p.12).
240
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
241
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1 6- Da esquerda para a direita: Biblioteca e catálogo de cores para Herman Miller no projeto
“Hight Touch / Design da estação de trabalho do sistema de ação do escritório para
Herman Miller 1983. Fonte6
Naquele tempo, existia também o intuito de fazer algo diferente do que o mercado
apresentava e as pessoas esperavam ser influenciadas pelo tempo, pelo espaço e
pelas circunstância (Brown, 2009). Como esclarece Clino Trini Castelli, o ambiente de
escritório do futuro era imaginado como um lugar agradável, com um diagrama de
cores secas, futurista e com muita tecnologia, mas este negando este modulo imagi-
nário e afirmando que o seu modelo acabou por desenhar um modelo de espaço de
trabalho, assim como de produtos, que se mantem até aos dias de hoje.
6 MITCHELL, C. Thomas (1996). NEW THINKING IN DESIGN . Estados Unidos da América: Jane Dege-
nhardt. Copyright by Vab Nortrand Reinhold . p.66
242
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Desde a sua fundação, a marca mais reconhecida do mundo faz lucros anuais im-
pressionantes e investe parte desses proveitos na criação de melhores e mais diver-
tidos ambientes de trabalho, isto porque sabe que “a felicidade e a produtividade
andam de mãos dadas.” (REIS: 2017, p.1). Uma empresa que alberga mais de 50 mil
funcionários e 70 escritórios em todo o mundo tem feito um investimento em au-
tênticas casas, oferecendo mesmo a possibilidade dos colaboradores dormirem nos
escritórios. Esta é uma boa medida implementada para os trabalhadores que traba-
lham fora da sua zona de residência, “as condições são tão boas que, de acordo com
as respostas a um inquérito do Quora, alguns empregados escolheram viver nas
instalações, desfrutando das infraestruturas disponíveis e da comida grátis. Não é
suposto isso acontecer, mas a segurança da empresa parece não colocar obstáculos.”
(ANTÓNIO: 2014, p.1). A filosofia desta empresa está assente num pensamento, “se
eu quero que aquele talento trabalhe comigo, vou proporcionar-lhe tudo para que
se mantenha na empresa. (GOOGLE cit in REIS: 2017, p.1) isto porque os talentos de
uma empresa são o cérebro e a chave para a inovação.
243
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 28 - da esquerda para a direita, cima para baixo: Paredes de escalada na Google em Seattle
e na Google em Ontári / Zonas trabalho ou descanso em forma de ovo na Google em Zurique
/ Solução de espaço privado de trabalho ou descanso na Google em Zurique / ChaiseLong para
sestas da GooglePlex na Califórnia / Xadrez gigante no corredor da Google em Londres. Fonte7
O caso mais interessante e fora do comum das empresas Google surge na sede de
Amesterdão e na sede da empresa na Califórnia (GooglePlex). As empresas são tão
grandes que os colaboradores podem deslocar-se entre espaços de bicicleta e tro-
tinete através das mini-ciclovias projetadas e organizadas dentro da empresa, “(…)
7 Este produto surge proveniente da GooglePlex, a maior empresa da Google fundada na Califórnia (EUA).
8 https://pt.ihodl.com/lifestyle/2017-07-11/26-fotografias-que-mostram-que-google-tem-os-escri-
torios-mais-cool-do-mundo/ (Aced. a 07/2019)
244
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
por vezes esquecemo-nos de que a Google é uma empresa “comum”, com departa-
mentos, áreas funcionais administrativas e uma rotina de trabalho como a de todas
as outras empresas (…) O conceito já começa a ganhar o mundo. (REIS, 2017: 1).
Segundo a Google, a política de trabalho assente na criação de um ambiente em que
há preocupações de motivar os trabalhadores e de desenvolver um sentimento de
comunidade faz aumentar a produtividade. Esta parece ser uma política que agrada
aos novos sistemas empresariais e em Portugal que já se começaram a verificar de
norte a sul do País exemplos de sucesso da mesma com empresas como a Uniplaces,
Outsystems, Subvisual, Prozis, Mindera, Kinematix District, Farfetch e SONAE Bit.
Estes casos são importantes para este estudo, porque proporcionam a possibilidade
de aplicar o projeto participativo ou Co-Design.
245
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
246
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
247
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 3 – Mapa mental e gráfico do Método e Sequência Operacional do Projeto. (Fonte: VIEIRA,
Diogo – Autor da investigação)
248
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Projeto Piloto
O desenvolvimento do projeto piloto resulta da aliança entre duas empresas do Nor-
te de Portugal de contextos diferentes e que nunca trabalharam juntas. O processo
utilizado pode ser defidnido como uma abordagem interativa com empresários, in-
vestigadores e artesãos que combinaram programas, discussão e protipagem. Espe-
ra-se que este processo transdisciplinar permita a compreensão correta de ambos os
setores. Por um lado, a empresa Value optimised que oferece soluções inovadoras de
revestimento, como é o caso da folha de pedra. Por outro lado, a empresa Cadeinor
que desenvolve mobiliário de escritório fundamentado no conceito de conforto do-
méstico e open space. Com esta metodologia a proposta de projeto incidirá em novos
conceitos assentes na experiência prévia para criar oportunidades para a inovação.
A Value Optimized, Lda nasceu em 2013 por mão de Diogo Ribeiro, empreendedor
e com 13 anos de experiência na área das madeiras. Depois da sua passagem pela
SONAE, inicia este projeto dedicado ao estudo e ao desenvolvimento de novos pro-
dutos tecnologicamente, inovadores, e ecológicos direcionados para a decoração e
a construção.
Tendo a Península Ibérica como o seu espaço de atuação no mercado, esta empresa
é formada por 3 vendedores distribuídos entre Lisboa, Porto e Vigo, e uma equipa
sub contratada que realiza as operações de montagem.
As suas marcas próprias e as que representam confluem num vastíssimo leque ino-
vador de aplicações, criando ambientes únicos, tanto de interior como de exterior,
com especial utilização nos setores da decoração, nomeadamente, na hotelaria, na
restauração, no comércio e na habitação.
14 Fonte: Entrevista a Diogo Ribeiro - CEO & Founder / Site da empresa indicado pelo mesmo
249
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com esta gama de produtos a Value optimez procura corresponder à visão e à mis-
são pela qual se move e foi fundada. Ou seja, liderar pela inovação, desenvolvendo
novas áreas de negócio que acrescentem valor, com produtos e soluções inovado-
ras para os sectores da Decoração, Arquitetura, Design de Interiores e Construção,
disponibilizando novos produtos e soluções, de forma profissional e competitiva,
recorrendo às mais inovadoras tecnologias, posicionando-se como um verdadeiro
parceiro de negócios.
A empresa CADEINOR15
Manuel Marinho, CEO & Founder Cadeinor, aponta 5 fatores importantes para es-
tar no pódio das empresas mais conceituadas no setor do mobiliário de escritório:
flexibilidade de resposta, o leque abrangente de produtos, especificações próprias,
prazos de entrega curtos e principalmente a inovação, “Conhecemos os riscos que
inovar comporta, mas estamos conscientes da importância que tem para as organi-
zações nos dias de hoje” (MARINHO; 2001).
A CADEINOR trata-se de uma empresa que garante a sua inovação através da ener-
gia da sua estrutura horizontal construtivamente insatisfeita que ambiciona romper
15 Fonte: Entrevista a Manuel Marinho - CEO & Founder / Site da empresa indicado pelo mesmo
250
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como valores existem três pilares para a empresa, inovação, eficiência e conforto
apostando em relações baseadas na ética e confiança e como missão a empresa pre-
tende acompanhar o ritmo e fluidez do mobiliário de escritório enquanto âmbito,
propondo diferentes tipologias de produtos com altos e rigorosos padrões de qua-
lidade. Para isso existe uma insistência num processo multidisciplinar que permite
criar produtos capazes de aliar o conforto à estética, e a qualidade ao preço.
251
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Devido à rápida urbanização que nos últimos 60 anos o mundo sofreu, devido ao
seu crescimento económico e tecnológico, cada vez mais existem áreas cobertas por
construções humanas e as pessoas deslocam-se da zona rural para as zonas urbanas à
procura de novas oportunidades pessoais e profissionais. Mas o ser humano tem uma
necessidade inata de de estar em contacto com a natureza, então é necessário pensar
na biofílico de forma a invadir estas construções humanas que nos afastam daquela.
Através do estudo que usamos como premissa para a nossa investigação consta-
tamos diversas experiências realizadas que demonstram os benefícios da Biofilia
e do Design Biofilico, desde o bem-estar, da recuperação mental, do aumento da
produtividade e criatividade ao aumento da saúde do trabalhador são inúmeros
os benefícios deste âmbito.“O bem-estar torna-se tangível através do ambiente de
trabalho, o que não se resume a uma questão de espaços de trabalho ergonômicos ou
confortáveis. Acreditamos que o ambiente de trabalho realmente pode ser um local
que faça com que as pessoas saiam mais saudáveis do que chegaram.” (HICKEY cit in
COOPER & BROWNING, 2015: 18).
De acordo com este estudo os elementos naturais mais desejados para um ambiente
de trabalho são a luz natural, as plantas, o silêncio, a vista para o mar e as cores vivas
associadas à natureza. Mas, este conceito não é tão simples de por em prática como
parece. Desde o produto à organização de espaço e à cultura do país onde está sediada
a empresa, para ser bem aplicado o design biofílica tem de ser pensado e bem organi-
zado. Os elementos naturais devem estar enquadrados com o ângulo de visão do co-
laborador enquanto trabalha. O espaço deve ter todos os seus elementos organizados,
como “formas eficazes de criar conexões simbólicas com a natureza dentro do escritório
compreende a inclusão de elementos naturais tais como fontes de água corrente, plantas
madeira e pedra; Oferecer condições de ventilação natural (por exemplo, janelas operáveis
e varandas) e utilizar tecidos que remetam às texturas de materiais naturais.” (COOPER &
BROWNING, 2015: 30) Devemos tirar proveito dos elementos naturais que estão no es-
paço exterior de maneira a transportá-los para o interior e é preciso conhecer a cultura
do território para conhecer os significados dos elementos associados a este mundo na-
tural e do bem-estar. Neste sentido, tem-se constado pelo estudo do Prof. Sir Cary Coo-
per e Bill Browning que, de país para país, os ambientes de escritório das empresas ren-
didas ao Design Biofilico são bastante distintos em termos de elementos naturais. Por
252
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
exemplo, no Reino Unido o elemento natural mais utilizado nos espaços de trabalho a
fim de proporcionar bem-estar do colaborador no interior dos escritórios é a pedra.16
Figura 4 – Mapa mental da ação efeito do impacto do Design Biofílico desde do colaboradore a
entidade empregadora (Fonte: Espaços Humanos: O impacto do Design Biofílico no Ambiente de
Trabalho; COOPER & BROWNING, 2015: 30)
253
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusões
Antevê-se uma investigação intensa de 6 partes, sendo a parte 3 e 5 as mais desafia-
doras por todos os limites e experimentações que vão acartar. Esta será uma cami-
nhada a 5 que pretende envolver aluno, orientadores e empresas, numa atmosfera
de investigação. Será importante em cada fase da investigação ter em consideração
a opinião e a avaliação das entidades intervenientes porque são estas as detentoras
do conhecimento teórico e prático que irão encaminhar a investigação no caminho
correto e irão validar as melhores soluções e propostas.
Os espaços de escritórios da empresa Google seria o cenário ideal para validar a in-
vestigação, mas as limitações geográficas afastam uma experiência na primeira por
isso em alternativa serão usadas as empresas em Portugal que se verifiquem com
esta metodologia.
Referências
CROSS, Nigel (2006). DESIGNERLY WAYS OF KNOWING. Londres: Springer. (Aced. a
03/2019)
254
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
BROWNING, Bill.; COOPER, Sir Cary (2015) . IMPACTO GLOBAL DO DESIGN BIOFÍLICO
NO AMBIENTE DE TRABALHO . Relatório de pesquisa da Espaços Humanos . Disponí-
vel em: www.humamspace.com . (Aced. a 06/2019)
PAPANEK, Victor. (1997) DESIGN FOR THE REAL WORLD: HUMAN ECOLOGY AND SO-
CIAL CHANGE. London : Thames and Hudson (Aced. a 07/2019)
255
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumen
En esta investigación abordamos el concepto de pantalla como dispositivo en
las proyecciones audiovisuales panorámicas y la introducción de elementos in-
teractivos en las instalaciones artísticas.
Las tecnologías digitales y las nuevas tecnologías de proyección audiovisual han
facilitado la experiencia artística contemporánea en dos direcciones iniciales,
uno en el desbordamiento de los límites de la pantalla convencional y otra en la
construcción de un espacio panorámico de representación. Finalmente veremos
como la utilización de elementos interactivos propician un espacio de represen-
tación diferente a partir del concepto de pantalla ampliada.
Pantallas mutantes es un proyecto de investigación que nos permite explorar
desde la práctica artística las posibilidades de la pantalla extendida a partir de la
videoinstalación interactiva “idea-imatge-Universitat RELOAD” en una pantalla
semipanorámica cilíndrica
Palabras clave: Proyección; audiovisual; panorama; interactividad Projection; au-
diovisual; panorama; interactivity
Abstract
In this research we address the concept of screen as a device in panoramic audio-
visual projections and the introduction of interactive elements in art installations.
Digital technologies and new audiovisual projection technologies have
1 Artist and professor of the Department of Sculpture of the Faculty of Fine Arts of the Polytech-
nic University Valencia, Spain. Member of the research group Laboratorio de Luz of the Polytechnic
University of Valencia with which he develops different projects of interrelation art, technology and
public space. He develops his research and artistic works in new media in the Espai214_LAB (http://
www.espai214.org/espai214lab/) https://orcid.org/0000-0001-6794-9032
2 Intermediate Artist / Researcher. PhD in Visual and Intermediate Arts from the Polytechnic Universi-
ty of Valencia. He develops his research and artistic works in new media in the Espai214_LAB (http://
www.espai214.org/espai214lab/) around participatory art and new media, carrying out works both
in the physical space and in virtual space. https://orcid.org/0000-0003-1200-8598
256
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The term “mutant screen” arises to refer to a set of concerns, research and tests
around the concept of expanded screen beyond its original standard format that
we have been developing in the research group Laboratorio de Luz. Although we
extend the term to the wide field of experimentation on the concept of screen and
image projection that different contemporary artists have been developing, which
evolve the concept of ‘screen art’ that emerged at the end of the last century linked
to the appearance of the projector of video (Brea, 1999), incorporating through the
software solutions of integration in the space and participation of the spectator.
The last years we have developed a series of works as prototypes in which to test
the possibilities of video projection along with an extended concept of projection
screen that we have called a ‘mutant screen’. Recently we presented at the exhibition
“idea-imatge-RELOAD University” at the La Nau Cultural Center of the University of
Valencia, a projection device consisting of a cylindrical screen of 24 meters perime-
ter and two and a half height on which we made a panoramic projection with three
video projectors on which a room was superimposed that could be operated by the
public by modifying the whole projection. This device allowed us to carry out a se-
ries of tests and projections and continue the reflection on the artists and the artistic
proposals that they have experimented with these concepts and their contributions.
….
The appearance of the video projector and its technical evolution in the last decades
of the twentieth century allowed artists to explore a territory in which the spatiality
of the experience, the place of the projection-exhibition and the spectator took a
257
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
leading role. The spatiality of the place linked to the experience accompanies the
artistic experience from its origins, it is enough to mention from the first known cave
paintings to the relationship with the architectural space throughout history. We are
especially interested in the immersive capacity of the image linked to the place that
is identified with the great pictorial panoramas of the 19th century.
The term Panorama was used in the 19th century to designate gigantic circular paintings, which
were the logical generalization of the Renaissance perspective, a type of painting that allowed
a 360 ° view to the viewer, who was always given a leaflet that emphasized that circular vision
(Bastida de la Calle, 2001, p. 206)
The idea of panorama initially attributed to Robert Barker for his view of the city of
Edinburgh in 1788, was developed in Paris and in other European cities throughout
the 19th century (Bastida de la Calle, 2001)
These scenarios arising from the new scientific-technical possibilities of the 19th
century and from curiosity about the new ways of representing the world, were will-
ing to be open, to appear in venues specially designed for them, to participate in the
public, to the spectators of the epoch, while expanding their spatial perception of
the environment, offering them an experience in which spectacle and knowledge
went hand in hand.
Video projection develops rapidly in the last decades of the twentieth century, from
the mere projection of the document or audiovisual work to becoming a way of
doing. The initial limitation of the audiovisual presentation of the monitor box or on
the screen - wall of the space that could only be exhibited under certain conditions
of ambient brightness, is overcome with the new technological developments of
projection. The versatility product of the technical development of video projectors
and the accompanying software allow from micro projection on specific objects to
projection on large architectural objects, facades, buildings, as well as the power of
the projection allows greater autonomy with with respect to the luminosity condi-
tions of the space in which it is projected, which does not require total darkness,
and can sometimes be projected under conventional ambient light conditions. All
these developments allow experimenting with multiscreen concepts that will lead
to a spatialization of the projection space.
The pioneer artists who worked with the video image had experimented with the
physical, object component of the reproduction apparatus giving rise to the concept
of video sculpture, the works of Nam June Paik, Wolf Wostel, and the exhibitions of
the Fluxus group are well known in the 60s, and later on video installation with Bill
Viola or Bruce Nauman, among others. The videographic image gave rise to a subge-
nre of to the point that many artists declared themselves and declared themselves
video creators. However, the videographic image has crossed these limits and is cur-
258
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
rently another element, as was the photographic image, used by numerous artists
who take advantage of the possibilities of this moving image at the service of their
personal poetics and their proposals artistic.
Over time the projection space becomes the protagonist and the screen in the
device that activates it, works such as “Between Darkness and Light (After William
Blake)”, 1997, by Douglas Gordon or “Hors-champs”, 1992, by Stan Douglas, use a
floating screen displaced from its conventional location, in a central position in the
room, offering a double projection surface that forces the viewer to move around it
to visualize the whole projection. In Douglas Gordon’s work, he uses a semi-trans-
parent screen that allows the joint view of both sides of the projection playing with
the spooky image and with the viewer by allowing the shadow cast by the viewer
when approaching the screens in excess to interrupt part projection and allows you
to prioritize the projection on the opposite side
This type of interaction of the viewer with the projected that in the case of Douglas
Gordon was carried out in a “quasi-accidental” way from the possibilities of the own
form of exposure that the projection allows, has had a wide development from the
use of devices technology that make interaction with the viewer their main interest.
….
The experiences with the multiscreen projections will soon give rise to the experi-
ence with the space that the projection itself delimits and in which the viewer will
have a capital importance, since it is only his presence in front of the images that
surround him and his movements through these spaces. which allow the reading of
the work, sometimes define its meaning and always become a unique experience
that can only be acquired by the presence of each particular viewer.
The multiple screen allows you to restructure a pre-existing space or build your own.
From the initial concept of “graphic art” or its use in video installation, it gives rise
to interventions in which the screen design defines its own space. Initially the mul-
tiscreen used by video artists such as Isaac Julien, Eija-Liisa Ahtila allowed to expand
the projection surface under the concept of ‘screen art’ and create an interrelation
between projections, between different times, spaces, scenes. On the other hand,
artists such as Steve McQueen use the image as the protagonist in their installa-
tions with positions and camera movements, producing a perceptual and emotional
experience in the viewer. In the work “Western Deep”, 2002, he invites us to enter
a small projection room in which the image of a forklift is projected, used in the
descent to one of the deepest gold mines in the world in South Africa, that great
speed is accelerated, so that the spectators are involved in the vertigo of a descent
into the darkness under the thunderous mechanical noise of the forklift, linking the
perceptual experience with the critical reading of the image that is proposed to us in
terms of darkness and oppression in a colonial world.
259
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Steve McQueen’s Western Deep (2002) showed South African miners descending
into the hellish underworld of a gold mine. Enormous jarring sounds of mechani-
cal equipment and metallic screeching and crashing accompanied the descent into
darkness, with occasional flashing lights offering glimpses of the miners as they de-
scended ever farther, getting out of the lift at its occasional subterranean stops. The
message seemed to be that labour in a capitalist society is a hell of exploitation and
humiliation. (McEvilley, T. 2002)
We are interested in the proposals of authors who have worked on the arrange-
ment of the screens to generate autonomous spaces in which the image requires
the presence of the viewer, their movement in space and their perceptual experi-
ence. Authors such as Doug Aitken begin with proposals from the expanded ‘screen
art’ released from the main plane to acquire interesting spatial configurations that
transform the exhibition space “Altered Earth” , 2012, as their experimentation with
cylindrical screens in “New ocean floor” , 2001,
The appearance of the video installation - as an effective integration of the presence of the video
in the context of a dispersed set of significant elements - and that of all that new tradition that
we can call from the screen art feed heavily on this research in the possibilities of use of the vid-
eo, of the videographic image, finally released for presentation-presentation of the integration of
the “monitor object”. We could even distinguish two very different directions of search for formal
solutions: on the one hand those that point to flat, two-dimensional configurations, approaching
in their presentation language the pictorial model (solutions intensely welcomed by the museum
of course); on the other, those others that rather articulate the presentation of the image in a
volumetric arrangement, closer to a post-sculptural approach. (Brea, 1999)
Digital technologies and their artistic applications in the last two decades, since the
end of the 20th century and the beginning of the 21st, expand the possibilities of
spatialization that arose in the ‘screen art’ in its relationship with the viewer, which
has to do with the immersive and interactive capacity of the installation. A paradig-
matic example is found in “Landscape One”, 1997, by Luc Courchesne, in which, on a
panoramic panoramic projection with four screens that delimit a space, it reproduc-
es a landscape, the Mont-Royal park in Montreal, and testing the possibilities of in-
teraction of the public of the room in which it is exposed, with the virtual personnel
that appear on the projected landscape.
….
One of the most characteristic elements of the use of multiscreens is the fragmenta-
tion of the temporal and spatial linearity of the video image, these concepts present
since its inception in modern art and the artistic avant-gardes of the early twentieth
century, had a development after through the irruption of photography, but it is the
authors who have worked on these concepts through the generation of technical
260
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
devices that interest us. The interdisciplinarity of the work of Juan Downey and his
first forays into video installation and his connection of the perceptual device to the
critical issues he addressed. The construction of precinematic devices in Marin Kasi-
mir, and particularly the development of prototypes for capturing and projection of
the image of Edmund Kuppel.
261
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Each of these themes was developed with images of the university itself. In the first
video, we use the library, the documentation and archiving systems of knowledge
from the first codices that are preserved in the historical archive such as the first me-
dieval reproductions of the Ptolemy map or the codices about nature. The second
video is about the physical place, universities have accompanied the development
of their own societies that occupy privileged urban places and have become factual
references in cities through their architectural presence, in the case of the ‘University’
located in the old Jewish quarter of the medieval city has witnessed and is a re-
flection of the successive architectural transformations of the city of Valencia. In the
third video we gather the participation of the university, of university students in the
evolution of the social of society in society, in this case through testimonies of the
events that occurred in student mobilizations in the transition of the dictatorship to
society democracy in Spain in the last quarter of the twentieth century.
In the center of the projection there was a tripod [Figure 3] with a projector that the
viewer could move on its horizontal axis, projecting its image on the main projec-
tion. This fourth projector, based on its position, projected data related to the image
on which it was superimposed, generating a new projection that was activated by
the viewer, which transformed the images and the reading of the projections had
become the operator of the installation itself.
262
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
References
Bastida de la Calle, M. (2001). El Panorama: una manifestación artística marginal del
siglo XIX. Espacio Tiempo y Forma. Serie VII, Historia del Arte, 0(14). Recovered 2 Sep-
tember 2019 from: doi:https://doi.org/10.5944/etfvii.14.2001.2378
Douglas Gordon. Between Darkness and Light (After William Blake). 1997 | MoMA.
[online] Recovered 4 September 2019 from: https://www.moma.org/collection/
works/102420
The Museum of Modern Art, MoMA Highlights since 1980, New York: The Museum
of Modern Art, 2007
263
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Edmund Kuppel: Projections 1970–2010 | 19.03.2011 (All day) to 15.05.2011 (All day)
| ZKM. (2019). Recovered 2 September 2019 from: https://zkm.de/en/event/2011/03/
edmund-kuppel-projections-1970-2010
264
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Sob o impulso de aliar a produção do conhecimento acadêmico, o design de
produtos culturais e as tecnologias digitais, o presente trabalho relata o pro-
cesso de concepção e construção do evento “Édubanguê”, produzido pelo Gru-
po de Pesquisa Estudos da Paisagem e do Laboratório de Criação Taba-êtê, da
Universidade Federal de Alagoas. A denominação do evento evoca o período
colonial brasileiro, trazendo à tona a questão dos afro descentes bem como as
suas formas de expressão. Baseado em um extenso trabalho de pesquisa sobre
universo ligado aos saberes vernaculares, o evento moveu-se pelo estímulo de
pensar o tema da memória, do patrimônio bem como os vínculos entre a infor-
mação gerada pela pesquisa e as possiblidades abertas pela arte. Nesta conflu-
ência, ressalta-se o papel do corpo na sua esfera perceptiva e lúdica, bem como
os tracionamentos trazidos na atualidade pelo digital.
Palavras-chave: Digital, Memória, Patrimônio imaterial, Design.
Abstract
Under the impulse of combining the production of academic knowledge, the design
of cultural products and the digital technologies, this paper reports the process of
265
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
Trazer o corpo para a problematização do espaço e da arquitetura é atitude que de-
manda ser constantemente repensada. As analogias antropomórficas comparecem
nos clássicos da teoria renascimental seja na referência do corpo como medida, pre-
sente nos tratados, ou quando consideramos a arquitetura e a cidade no processo
de se instrumentalizarem rumo a uma sociedade industrial, como ocorreu, séculos
depois, no contexto do Movimento Moderno, experiência usualmente exemplifica-
da no escopo da teoria e prática corbusianas. Na contemporaneidade, estas relações
se tornaram ainda mais complexas a partir das possibilidades abertas pelo advento
das tecnologias digitas nas décadas finais do século XX. Dos pesados computadores
compartilhados aos portáteis notebooks com amplo acesso à internet, da fruição
mediada pelas telas dos tablets e smartphones aos espaços de realidade virtual, po-
demos dizer que as tecnologias digitais se configuram como um elemento determi-
nante no cotidiano das sociedades atualmente, com reflexos em todas as suas esfe-
ras. Este intricamento entre mundo físico e digital faz com que passemos a vivenciar
uma realidade que acaba sendo, de certo modo, coproduzida por estas instâncias,
como já nos dizia Paul Virilio em seu livro “O espaço crítico” (2014). Assumindo esta
forte presença do digital na existência humana, mais do que somente assistir de for-
ma apática sua “invasão”, pode-se aventar sobre seu potencial em criar outros modos
de capturar, analisar e produzir conhecimento.
266
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O envolvimento com o que está sendo estudado, de certa forma, inibia uma postu-
ra sobre a arquitetura e urbanismo que apenas cooptasse o corpo ergonômico de
músculos e ossos ou que contemplasse a cidade a partir de uma base cartesiana,
ampliando as exigências para além do manuseio da geometria para o estudo e pro-
posta de espaços.
267
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Contudo, o caminhar dos trabalhos e dos tempos veio a colocar o desafio de não
mais apenas inserir o corpo nos lugares mas também de deixá-lo exposto aos mean-
dros dos meios digitais. Este processo ocorreu de forma contínua e quase espontâ-
nea, desde a necessidade de organização de bancos de dados, da própria busca de
informações, chegando ao momento em que o conteúdo armazenado e propiciado
pela rede se fez apresentar como um outro universo, amplo, pleno de possiblidades
de intercomunicações entre tempos e espaços.
268
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A palavra “bangüê” era usada para denominar os engenhos alagoanos, onde se pro-
duzia o açúcar no período colônial, imperial e republicano, chegando até os dias de
hoje na forma atualizada das usinas. O termo de origem africana, resumia grande
parte das ações dos escravos ao se remeter ao ato de carregar. Carregar os grande
maços de cana, carregar a lenha para manter as fornalhas acesas, carregar o dono
e suas bagagens nas duras viagens. Hoje, a palavra pouco conhecida, foi escolhida
para relembrar estes fatos e alinhar as expressões do patrimônio imaterial às suas
evidentes raízes nas funções de trabalho, onde se destacam os afro descentes.
O Edubanguê
O evento buscou cruzar os resultados advindos do extenso projeto de mapeamento
de referências culturais no estado de Alagoas com a presença dos próprios artistas
populares. Contou com uma feira de artesanato e culinária e uma programação cul-
tural com oficinas, tomando para isto, um formato misto que agregou uma amostra
na Casa do Patrimônio, sede da superintendência estadual do IPHAN, e a feira e pal-
co montados em um trecho de rua frente a este local.
9 O projeto foi realizado a partir do atendimento a um edital municipal de incentivo a cultura “Prê-
mio Eris Maximiniano” no ano de 2015. Os autores deste texto, coordenadores do Laboratório de
Criação Taba-êtê e do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem, estiveram à frente dos trabalhos,.
269
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1: Atividades de brainstorm. Fonte: Acervo Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem (2018).
A partir deste encadeamento foram eleitos alguns temas para serem representados
na proposta da exposição e estruturar sua setorização. Foram eles: a abordagem for-
mal cartográfica do registro das paisagens do nordeste brasileiro, onde se incluia a
cana de açúcar, as manifestações ligadas ao patrimônio imaterial enquanto práticas,
saberes e ofícios e um núcleo conectado à esfera doméstica e das crenças religiosas.
O círculo foi escolhido como figura icônica do evento, tanto por fazer referência ao
objeto físico da moenda característico dos engenhos de açúcar do Brasil, como por
lembrar vários passos dos folguedos e práticas religiosas tradicionais. Desse modo
este conceito se materializou em um dispositivo físico, uma mesa circular, com três
metros de diâmetro, coberta por 50 kilos de açúcar. A roda girava a partir da intera-
ção do público e figurou como elemento de destaque. Ao redor da mesa dispôs-se o
conteúdo expositivo em um movimento que buscou delinear as macro e micro pai-
sagens alagoanas. Desse modo foram expostas desde iconografias (mapas e vistas)
seiscentistas, a uma projeção do curta-metragem inspirado, entre outros elementos,
por estas iconografias e uma série de imagens ligadas ao registro do patrimônio ima-
terial. Em seguida estavam os espaços ligados às celebrações religiosas na sua diver-
sidade, indo da tradição católica aos cultos afro, presentes tanto através de elemen-
tos tangíveis, quanto por meio de uma “audiozona”, que os visitantes podiam imergir
nas músicas de rituais religiosos e folguedos, reproduzidos em fones de ouvido.
270
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O preenchimento com açúcar, produto precioso nos séculos coloniais mas também
tão atraente na dieta atual, produziu uma superfície de reflexos e brilho, cumprindo
sua função como elemento que informava unido aos propósitos estéticos e ao lúdico.
271
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fundamentalmente, interação diz respeito a transmissão de informações entre dois sistemas, por
exemplo, entre duas pessoas, entre duas máquinas, ou entre uma pessoa e uma máquina. A cha-
ve, porém, é que essa transmissão deverá ser de alguma forma circular, caso contrário, ela será
somente “reativa” (Haque, 2006, p. 68).
Esta definição encontra argumentos similares na fala de Kas Oosterhuis que estabe-
lece a relação input-output como determinante na definição da interação.
What exactly is interactive architecture? Let me first clarify what is not. Interactive architecture
(iA) is not simply a structure designed to be responsive or adaptative to changing circumstances.
It is not a response to pushing a button, as when switching on the lights. It is much more than
that; it is based on the concept that bi-directional communication requires two actives parties.
Communication between two people is interactive naturally; they each listen (the input), think
(the processing part) and talk (the output)11 (Oosterhuis in Oxman & Oxman, 2014, p. 353).
272
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
273
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 4: Imagens da animação que compõem o holograma (acima) e projeção das mesmas na
exposição. Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem (2018).
Porém, o grande desafio da exposição não era apenas sair da esfera do tema da res-
ponsividade e buscar uma real interatividade pelos meios digitais mas a de colocar
as várias dimensões corpóreas – “naturais” e trazidas pela tecnologia - em evidência
ou até mesmo em confronto. Portanto, se por um lado, a exposição respondia a uma
demanda de testar e promover a interação digital com toda a sua potência para
informar e impulsionar a imaginação e a criatividade, por outro, a colocava perante
ingredientes seculares ligados à vida “real” que palpitava nas pequenas cidades ala-
goanas. A feira, as oficinas, as apresentação dos folguedos cumpriam este papel mas
274
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As rimas e os ritmos dos poemas e dos cantos, as danças e os rituais têm, como as narrativas, uma
função mnemotécnicas. Para evitar qualquer viés teleológico, poderíamos apresentar a mesma
ideia da seguinte maneira: as representações que tem mais chances de sobreviver em um am-
biente composto quase que unicamente por memórias humanas são aquelas que estão codifica-
das em narrativas dramáticas, agradáveis de serem ouvidas, trazendo uma forte carga emotiva e
acompanhadas de música e rituais diversos (Lévy, 2011, p.83).
275
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
rostos cobertos não apenas para ativar o caráter de segredo do folguedo12 mas tam-
bém porque a prática cotidiana com a cana demandava proteger o máximo possível
o corpo contra os filetes das folhas que cortam a pele de forma aguda se contrapôs
ao cenário das imagens e dos efeitos produzidos.
Considerações finais
Não conseguirmos saber o que o Mané do Rosário levou da exposição. Não sabemos
o impacto afetivo e emocional daquela apresentação que realizaram na cidade mais
importante do estado, sua capital Maceió. O que foi para eles ver a imagem de si
mesmos ou de pessoas muito próximas a eles, na roda ou fazendo parte do projeto
da exposição. Porém, para nós, este momento de união entre diversas camadas de
materialidade, corpóreas, audiovisuais, imagéticas, digitais, compuseram um univer-
so compartilhado, sem distinção entre instâncias ou suportes.
Figura 5: Membro do folguedo “Mané do Rosário” apreciando a exposição. Fonte: Acervo do Grupo
de Pesquisa Estudos da Paisagem (2018).
12 O folguedo “Mané do Rosário” é uma manifestação tipicamente alagoana e sua origem é datada
do século XVIII. Os dançadores vestem-se com trajes femininos, cobrem o rosto com uma fronha e
trazem no braço direito uma toalha ou xale. Usam meias para cobrir as mãos e parte dos braços. Na
cabeça usam chapéus de palha e colocam chocalhos presos à cintura. Os Bobos de usam terno com-
pleto, chapéu de palha ou de “baieta” e pintam o rosto com carão. (www. http://www.cultura.al.gov.
br/politicas-e-acoes/mapeamento-cultural/cultura-popular/folguedos-dancas-e-tores/folguedos-
-de-festas-religiosas/mane-do-rosario/mane-do-rosario, recuperado em 06, Setembro, 2019).
276
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Berenstein, P. J. (Org.). (2003). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a
cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra.
Ginzburg, C. (1989). Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Companhia das Letras.
Oosterhuis, K. (2014). Move that body: building components are actors in a complex
adaptative system. In Oxman, Rivka & Oxman, Robert. Theories of the digital in
architecture. Nova Iorque: Routledge.
Oxman, R. & Oxman, R. (2014). Theories of the digital in architecture. New York:
Routledge.
Silva, M. & Aprígio, E. (2011). A arquitetura que pulsa: a experiência do corpo na tare-
fa de projetar. Anais do V Projetar: Processos de Projeto: teorias e práticas, Belo
Horizonte, Minas Gerais.
277
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
This article analyzes interdisciplinary artistic creation from a systemic perspec-
tive, which explains the processes of information flow in its dual characteristic of
being input and output within an information system in which the processes are
iterative and qualitative. It also explains how the whole affects the parts and the
parts affect the whole; i.e. any information that is entered will affect the system
as a whole and the information that affects the whole will affect each of its parts.
The case study that allows this reflection is the artwork Dispositivo Espacio Ti-
empo. In the process of creation, the participation of the diverse disciplines and
personal conceptions about time and space made necessary the implementa-
tion of strategies, methods and work instruments that facilitated the communi-
cation, the consensus and the advance to reach a defined product thanks to the
interdisciplinary creative process.
Keywords: art, science, technology, space, time, collective creation.
Resumen
Este artículo analiza la creación artística interdisciplinaria desde la óptica sistémica, que
explica los procesos del flujo de la información en su doble característica ser insumo y
producto dentro de un sistema de información en el que los procesos son iterativos y
cualitativos. También explica cómo el todo afecta a las partes y las partes afectan al
todo; es decir que cualquier información que se introduzca afectará al sistema en su to-
talidad y la información que afecte la totalidad afectará a cada una de sus partes. El
estudio de caso que permite esta reflexión es la creación -Dispositivo Espacio Tiempo-;
en el proceso de creación la participación de las diversas disciplinas y concepciones per-
sonales sobre el tiempo y el espacio hizo necesaria la creación de estrategias, métodos
1 Irene Alfaro Ulate is a professor of graphic design and visual arts at the Escuela de Arte y Comunica-
ción Visual (EACV) of the Universidad Nacional (UNA) in Costa Rica. In 2011 she received her master’s
degree in Visual Arts and Multimedia at the Universitat Politècnica de València. She is currently a
doctoral candidate in the Doctorate Programme in Art: Production and Research at the Universitat
Politècnica de València.
278
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Art, finally, whatever definition we prefer to give it, is a language, an instrument of knowledge
and communication. A way of illuminating little known spaces of our being, making unknown
territories visible, taming the ghosts and fears that haunt the human being from the moment he
recognizes himself mortal. Diego Levis.2
The iteration in the creation of the visual arts is a common practice, it is enough to
see the amount of time that the authors dedicate to the development of sketches
on a topic in which they are working, and that constitute the physical manifestation
of the visual thought; a universally recognized example is the amount of studies of
horses made by Leonardo da Vinci visualizing the anatomy, postures and heads to
be able to create the final proposal of a sculpture in bronze. This process was also
carried out in pictorial works, in the indirect technique of oil painting, it is frequent to
find pentimento3 in the final execution, term that refers to the changes made by the
author in order to modify and correct parts of his work that are covered by the final
execution, being thus undetectable to the naked eye of the observer. It is thanks to
techniques such as X rays, infrared reflectography, examinations with lights (flush,
ultraviolet, etc.) that is possible to visualize these changes and identify how, during
the creative process to restructure a part, it ends up modifying the final result of the
work. This digression is intended to show the importance of iteration in individual
artistic processes; but in this case the question is to identify whether it is equally or
more important in interdisciplinary creation processes.
For this purpose, the project Dispositivo Espacio Tiempo (DET)4 developed in Costa
Rica by the National University (UNA) during the year 2016 and shown to the public
in November of the same year, will serve as a case study. This link between science
and art is generated through dissimilar epistemological, axiological and methodo-
logical principles, posing a challenge for the generation of a system capable of fa-
cilitating the flow of information in an environment of democratic and horizontal
participation. Another challenge faced by the project was to make uncertainty a
279
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Interdisciplinarity
In the classic work Social History of Literature and Art (Hauser, 1998), he indicates that
artistic manifestations respond to the social, technological and economic conditions
of the context, thus he explains that in ancient cultures knowledge was conceived in
an integral way. During the Middle Ages there is a concentration of information, and
therefore of power, within the Catholic Church. With the advent of the modern era
in the West, that has been called a rebirth in the history of art. Radical changes are
presented in society and consequently, in the understanding of the world and of the
human being. By the 18th century, the industrial revolution phenomenon brought
along new forms of power, and technological and social relations that led to a model
of specialization as opposed to the agricultural and artisanal model in the produc-
tion of goods and services. This specialization occurs in all areas of knowledge and
will continue to grow to the present day.
At the end of the 17th century, Newton presents his theory of the absolute mea-
surement of time and space, but afterwards, in the beginning of the 20th century,
Einstein presents his theory of relativity contradicting Newton, hence provoking dis-
cussions and debates between what has been rationalized until now and relativism
as a mode of thought. The same behavior can be observed in spheres such as art,
according to Giannetti (2002), who comments that this relativism can be observed
through different manifestations, as experimentalism becomes an essential part of
the piece, in addition to the radical changes in how it is received; the initiatives to
link the different artistic spheres and boost the relations between art, science and
technology; what is manifested intermediate works or mixed media, interventionist,
interdisciplinary.
280
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
product and to this the other disciplines are subordinated in order to achieve the
objective. In short, in a disciplinary or multidisciplinary process, each participant
knows very well what the objective is to be achieved and what must be done to
achieve it; this means that there is a guide beforehand that indicates what should
be done, when and where.
However, there is also the creative creation work called interdisciplinary, which
arises as a necessary practice of relating different disciplines for the generation of
new knowledge and practices, given the complexity of the problem that needs to
be solved integrally. In interdisciplinarity, Steinheider and Legrady (2004) say that it
is hoped that by bringing together the knowledge of experts from different areas,
synergistic effects can be expected, which will allow the result to be a different set
than a simple sum of the parts. As well as the integration of the diverse approaches,
methods and strategies allow for a multifaceted point of view of the problem and
therefore it collaborates in increasing the creative potential of the members of the
team; which is possible as long as there is a shared understanding of the problem
and of the different approaches to solve.
In accordance with the above, due to the characteristics that informed the creation
of the TED, it is clear that it is an interdisciplinary project, in which different phases of
interaction between disciplines were crossed. Therefore, in a first phase, disciplinary
information of the approach of the space-time thematic was socialized; with initial
questions such as what have been the historical conceptions of time and space for
the human being in his disciplinary environment?, or what cultural manifestations
make it possible for us to visualize the subject matter? Also, what were the scientific
and philosophical reasonings about the theories of time and space? In order to have
an overview of the understanding and implications of physical notions in the deve-
lopment of the discipline, this sharing allowed us to have a common language for
referring to terms and understanding phenomena.
One of the first consensus of the team was to begin with a series of talks organized
by the different disciplines, socializing theories and conceptions of time and spa-
ce from the disciplinary particularity, which, by the format of those talks, allowed
the discussions in situ for a team feedback. Afterwards, a consensus was reached on
concepts which led to a new starting point for another phase of exchange, discus-
sion and elaboration, and so on. Based on these standards, work was carried out on
the day-to-day effects on the ordinary citizen, for example, how is time and space
conceived? And how is time and space lived today? and so on. As a result of the de-
epening of disciplinary interactions, the understanding of knowledge could be seen
materialized in the proposal shown to the public, since it offered the translation of
concepts for reflection, understanding or clarification of the intelligences of space
and time in an integral manner.
281
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
282
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Case of study5
As Sempere (2017) indicates, “it must be recognized that interdisciplinarity opens up
a very interesting and fruitful field of hybridizations, beyond the specificity of the crea-
tive thinking that is put into practice in each area of knowledge”6, accordingly, within
artistic interdisciplinarity, it is possible to apply for the arts what Hernandis raises
in Sempere (2017), in relation to the solution of problems of product design by
industry, when it indicates that “systemic methodologies make it possible to take into
account multiple factors and the effects caused by the various alternatives according
to their objectives”7. That is, to apply to interdisciplinary artistic creation a systemic
vision that allows awareness of the cycles of entry, processing and exit of diverse
information, exercising mechanisms of control and self-adjustment of the system
for the improvement of processes and the achievement of the objectives served
by the system. In other words, when the creation is done individually, the iteration
passes through different filters and control mechanisms of the subject’s psyche,
history, feelings, technical and contextual information, among others. With each
iteration, part of the information is eliminated, and more information is added that
will lead to the formal synthesis in a determined time, which will depend in each
case on the creative subject. In other words, most individual creative processes are
characterized by what in system theory is called a black box, the input and output
5 Project Dispositivo Espacio Tiempo (DET), multimedia creation that was concretized by involving
art, science and technology, to account for the intellections of space and time through the interdis-
ciplinary creation of analogies conceived in 7 immersive and interactive installations, namely: linear
and absolute time in an unmodifiable and independent space. Cyclic time that establishes as a unit
of measure the loop in an independent space when time happens; time and space as a single dy-
namic and modifiable category (general relativity); time and space as independent and modifiable
entities (special relativity); space-time as a real entity that curves, vibrates, oscillates and generates
a sound (unified vision); all of them connected by corridors or steps that functioned as transitions
in a two-storey building, occupying an approximate space of 1400m2; in the city of Heredia, Costa
Rica. Members of the creative team: Irene Alfaro and Esteban Picado from the Universidad Nacional
(UNA), Ana Carolina Zamora and Esteban Campos from the Universidad Estatal a Distancia (UNED),
Espacios Autogestores: La Jauría (Joan Villalobos) and Lo que es arriba (César Alvarado); Indepen-
dent professionals: Juan Carlos Martínez, Nicol Mora, José Chavarría, Marjorie Navarro, Andrea Cata-
nia, Melissa Rivera, Katherina Moya and Karina Moya.
6 Free translation by the author.
7 Free translation by the author.
283
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
of the system is known, but not the processing mechanism that has been given to
the information. This would be unthinkable in interdisciplinary creation because
the complexity of the problems, diversity of disciplinary fields, personalities, me-
thodological approaches, would make it, if not impossible, at least inefficient in
order to achieve the objectives, and in principle the very subsistence of the system
would be threatened. Therefore, collective creation in this case becomes chaotic
and favors the loss of valuable information, reduces the capacity for feedback of
previously discarded processes, hinders communication and does not favor con-
sensual decision making. In addition, it would be frequent to witness disciplinary
power struggles where the dominant voice would be the one that decants and
determines the synthesis of form. Having said this, it can be inferred that the ideal
for interdisciplinary work is to promote the use of a white box for the treatment
of information, so that the registration, processing and output of the information
is clear for the participants, thus facilitating the making of consensual decisions
based on the transparency of the process that will lead to the achievement of the
objectives of the project.
To exemplify the above, in the case of TED it was decided to create a device based
on what Costa (1998) has expressed about the analogy: that it is a universal me-
ans of knowledge and thought, which captivates precisely by being knowledge. It
also indicates that within the main types of analogies, correspondence is identified
with the acquisition of knowledge and understanding of the world (complementary
correspondence), which functions by synthesis of complementarity, as the analo-
gy maintains a permanent tension between correspondence and complementari-
ty, where the forms created correspond to phenomena and are complementary to
them insofar as they make them intelligible, penetrable and comprehensible. This
made it possible to achieve the objective of communicating the intellections of time
and space to the users of the device. Because
284
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figure 1. Graphing process and public display of the multimedia installation about relative time.
Photographs by Irene Alfaro Ulate. 2016.
How could we communicate the special relativity raised by Einstein? During the in-
formation exchange process, Esteban Picado explained that special relativity is cal-
led special because it studies particular cases where subjects move with constant
velocities, and constant velocity has to be comparable to the velocity of light. With
the basic assumption that nothing travels faster than the speed of light within the
universe, Einstein found a series of paradoxes within physics, and the only way to
resolve these paradoxes was to allow space and time to change, not to be rigid, and
that change in space and time translated into a different view of how time happens;
285
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
because time now does depend on how the subject moves, it cannot yet be tou-
ched. What is changing is that when the subject moves, the intervals of time and
the intervals of space (i.e. distances) change, and that change depends on the ob-
serving subject and the way in which he moves, which means that time is no longer
universal (as Newton put it). All of this means that within this theory, subjects have
an active role in measuring times and spaces. Therefore, in one of the immersive TED
installations, a key criterion was that time may elapse differently between two peo-
ple or objects. In terms of describing the above-mentioned installation, Irene Alfaro
states that it could be considered, a priori, one of the most “simple” rooms vissually,
because it has no physical objects in the space, but rather it is worked through ligh-
ting and pre-recorded video projection of identical twin dancers using different time
intervals. The projection was arranged to generate a dialogue between the space,
the moving image and the dancers. The same dancers of the video intervened the
space in situ performing a choreography in which they interacted with each other,
with the video and the public. The room was partly illuminated with red light and
partly with blue light. The color code is important because the red (warm color) is
perceived to “approach”, and the blue (cold color) to “move away”. This coincided
with the notion represented in physics of accelerating and decelerating speeds and
propitiated the perception of different sensations on the passing of time.
286
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The costumes of the dancers were intervened with microprocessors that detected
their movement in space and the speed in which they did it, causing the LEDs sewn
to the costumes to change to blue if they increased the speed, and to turn to red if
they slowed down their movements. With this brief description we try to make clear
the analogy that was made between the intellection of time and space, a physical
theory (special relativity) and the language of the new media to communicate.
From a systemic perspective, the functioning of the system involved inputs of infor-
mation from physics, dance, video, lighting, space design, color theory, program-
ming language, which were processed and transformed through heuristic methods
for creation such as brainstorming, graphics and conceptual models, among others,
always passing through the control filter of curatorships in art and science, which
evaluated the relevance or not of the outputs, as well as the activation of feedback
mechanisms to initiate a new iterative process.
Conclusions
In artistic creation, the weight of disciplinary tradition makes interdisciplinary crea-
tion sensibly difficult, given that it is very difficult for artists to change towards forms
of collective creation, where they depend on others for the resolution of a problem.
Bibliography
Costa, J. (1998). La esquemática, visualizar la información. Buenos Aires: Editorial Paidós.
Giannetti, C. (2002). Estética digital: sintopía del arte, la ciencia y la tecnología. Bar-
celona: L’Angelot.
287
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Zátonyi, M. (2016). Aportes a la estética desde el arte y la ciencia del siglo XX. Buenos
Aires: la marca editora.
288
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O nível superior de formação implica a promoção de diferentes ações em prol de
competências que assegurem qualidade de atuação e autonomia profissional.
Portanto, este artigo tem como objetivo compartilhar uma pesquisa em anda-
mento, na modalidade de Iniciação Científica, realizada pelo “Grupo Veia”, o qual
debruça-se no estudo da compreensão e da produção de material pedagógico,
constituído de um personagem – Mascote – de própria autoria, e cujo suporte
adotado é o papel impresso. Trata-se de uma iniciativa instaurada por parceria
entre a UNIPAC/Barbacena e o Centro de Ciências da Universidade Federal de
Juiz de Fora (ambos situados no estado de Minas Gerais, Brasil).
Palavras-chaves: educação formal, formação de professores, material pedagógi-
co, personagem.
289
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
The higher level of education implies the promotion of different actions in favor of
competences that assure quality of action and professional autonomy. Therefore, this
academic article aims to share an ongoing research, in the Scientific Initiation modal-
ity, conducted by the “Veia Group”, which focuses on the study of the understanding
and production of pedagogical material, consisting of a character – Mascot – au-
thored by themself, and whose support is the printed paper. It is an initiative estab-
lished by a partnership between UNIPAC / Barbacena and the Science Center of the
Federal University of Juiz de Fora (both located in the state of Minas Gerais, Brazil).
Keywords: formal education, teacher training, pedagogical material, character.
Introdução
O nível superior de formação implica a promoção de diferentes ações em prol de
competências que assegurem qualidade de atuação e autonomia profissional. Este
artigo busca, portanto, compartilhar os desenvolvimentos de uma pesquisa em
andamento no Centro Universitário Presidente Antônio Carlos (UNIPAC/Barbace-
na-MG), na modalidade de Iniciação Científica, sendo essa realizada pelo grupo de
pesquisa intitulado “VEIA – Vertentes Ensinagem Integração e Arte” 7, formalizado no
curso de Pedagogia, com participação direta do curso de Publicidade e Propaganda.
Portanto, o principal objetivo desse é proporcionar aos alunos bolsistas ampliarem
o gosto pela educação pautada na pesquisa, estabelecendo mais curiosidade e criti-
cidade para com o processo de construção de conhecimento. Paulo Freire (1996) em
suas elucubrações quanto ao ato de ensinar afirma: “ensinar não é transferir conhe-
cimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (p.12,
grifo do autor) – sendo esse um dos saberes indispensáveis que o formando, desde o
princípio mesmo de sua experiência formadora necessita. Ou seja, a experiência, na
prática, se torna uma exigência do processo formativo dos educandos, uma deman-
da necessária em si mesma. Ora, exclama, o célebre educador brasileiro:
A prática de velejar coloca a necessidade de saberes fundantes como o do domínio do barco, das
partes que o compõem e da função de cada uma delas, como o conhecimento dos ventos, de sua
força, de sua direção, os ventos e as velas, a posição das velas, o papel do motor e da combinação
entre motor e velas. Na prática de velejar se confirmam, se modificam ou se ampliam esses sabe-
res. (Freire, ibid., loc. cit.).
7 A letra “v” corresponde a “Vertentes” equivale ao lugar geográfico sede da Universidade Presidente
Antônio Carlos, Campus Barbacena/MG. Como um todo, “Veia” em sua definição científica equivale
ao vaso sanguíneo que transporta o sangue em direção ao coração; no sentido metafórico (“veia-
-artística”), diz das aptidões individuais do ser humano. Nome que em si, já carrega a sensibilização
que se pretende.
290
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
8 “Metodologia” baseada nas obras de Michel Pêcheux, tendo seu desdobramento no Brasil a partir
dos trabalhos de Eni P. Orlandi. A escolha se deve ao fato de ela abarcar técnicas de tratamento e
análise do discurso pronunciado em diferentes formas de comunicações: escritos, orais, imagens,
gestos, sons, etc.
291
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No decorrer dos anos, novos cursos foram fundados em Barbacena: curso de Mate-
mática e a Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, com o curso de Direito, datado
de 1968; a Faculdade de Medicina, 1971; a Faculdade de Ciências Econômicas e Ad-
ministrativas, com a graduação em Administração de Empresa, 1975.
Para além desse município, novas unidades nasceram, a cidade de Ubá recebeu seu
campus9 em 1970; Visconde do Rio Branco 1975; Leopoldina 1991; Ipatinga 1993;
Juiz de Fora 1996; Conselheiro Lafaiete, Bom Despacho e Araguari 2001; Teófilo Oto-
ni 2002; Uberlândia, Governador Valadares e Uberaba 2003; Betim 2005; Contagem
2006 – destaca-se que uma segunda demanda na área de Pedagogia foi evidenciada
nesse mesmo ano, 2006, em vistas a exigência dada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB/96), a qual determinou que, a partir daquele ano, a formação superior
seria imprescindível para atuação dos professores em sala de aula. Em 2002, fundou-se
então, a Rede de Ensino Normal Superior com as Faculdades de Educação e Estudos
Sociais, sendo instaladas em mais de 200 cidades do estado de Minas Gerais – uma
iniciativa que proporcionou grande revolução educacional no interior mineiro.
Hoje, com mais de 55 anos de Fundação, além dos cursos descritos, outros tantos
surgiram, como Curso de Publicidade e Propaganda, Arquitetura e Urbanismo, Odon-
tologia, Medicina Veterinária, etc., sendo a UNIPAC, uma instituição responsável pela
formação de milhares de universitários em todo cenário brasileiro. Além de atuar
na graduação, também oferta cursos de pós-graduação lato sensu e de formação
continuada em curta duração. Em 2018, foi oficializada a modalidade de Iniciação
Científica através do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PROBIC) para alu-
nos e professores orientadores; o grupo “VEIA” apresenta-se como resposta a essa
demanda institucional.
9 1ª sede: Campus São José, localizado ao lado da antiga Escola Agrotécnica; 2ª sede: Campus Barba-
cena, situada no bairro Colônia Rodrigo Silva/Campolide.
10 Aquela que ocorre fora do sistema formal de ensino (sala de aula), sendo complementar a este.
É um processo organizado, mas cujos resultados de aprendizagem não são avaliados formalmente
(notas e boletins).
292
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Isso acontece através de visitas dos alunos da rede formal de ensino ao seu acervo,
sendo ele constituído por diferentes ambientes como os laboratórios e os salões
de “brinquedos científicos”. Muitos desses equipamentos são construídos dentro
de sua própria dependência; a exemplo cita-se a “Tabela Periódica Interativa” de
2 metros de altura por 3 metros de comprimento (uma das maiores do Brasil) – a
qual a professora orientadora dessa pesquisa fez parte; ou, ainda, a partir do de-
senvolvimento de projetos em parcerias com outras instituições, a exemplo do cir-
cunstanciado nesse pesquisa (UNIPAC/Barbacena/MG). Existem outros, como com
a Fundação Oswaldo Cruz (Museu da Vida), através do projeto “Cadê a química” –
esse nos convida a uma fascinante experiência imersiva em uma animada casa com
7 cômodos; momento no qual os sentidos e a imaginação são aguçados. Em um
balanço de visitas ao Centro de Ciências da UFJF, datado de 2017, registrou-se um
quantitativo de 37 mil visitas anuais.
Pode-se dizer, em linhas gerais, que material didático é um conjunto de recursos dos quais o pro-
fessor se vale na sua prática pedagógica, entre os quais se destacam, a grosso modo, os livros
didáticos, os textos, os vídeos, as gravações sonoras (de textos, canções), os materiais auxiliares
ou de apoio, como gramáticas, dicionários, entre outros.
Ou ainda como complementa Denise Bandeira (2009, p.14), “o material didático tam-
bém compreende os produtos pedagógicos, como jogos, ábacos, blocos lógicos e
brinquedos educativos.”
Wander Soares (2002), explica que o material didático ampliou sua função precípua,
... além de transferir os conhecimentos orais à linguagem escrita, tornou-se um instrumento peda-
gógico que possibilita o processo de intelectualização e contribui para a formação social e política
do indivíduo. O livro instrui, informa, diverte, mas, acima de tudo, prepara para a liberdade.
11 Material instrucional que se elabora com finalidade didática, sendo também identificado como
Material Didático; Recurso Didático; Produto Pedagógico; etc.
293
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
teorizada pelo “historiador francês Chartier (2002, p. 61s) ao afirmar que o texto não
existe fora dos suportes materiais que permitem sua leitura (ou sua visão) e nem fora
da oportunidade na qual pode ser lido (ou sua audição).” Assim, conclui Bandeira, o
material didático (“conjunto de textos, imagens e de recursos “) ao ser concebido com
a finalidade educativa, implica na escolha de um suporte, estando esse condicionado
também as épocas histórias, de modo a transladar entre as primeiras constituições de
papel12 (do latim papyrus), às novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
eclodidas no final do século XX. (Chartier apud Bandeira, ibid., p.15).
Lúcia Santaella em sua trilogia (1992; 2003 e 2007) explica que primeiro passou-se
da cultura de massa (1960) para a cultura das mídias (1980); posteriormente, com a
conectividade à rede mundial de computadores – internet – (1990), têm-se a cultura
virtual ou cibercultura, agregando uma fusão dos mais variados gêneros de lingua-
gens que o computador é capaz de acolher, e acrescentando agora, a era dos aplica-
tivos. Computador, celulares, TV digital, entre outros, passam a constituir o habitat
diário das novas gerações e como explica autores como González-Navarro em “Los
nuevos entornos educativos” (2009) e Eucidio Arruda em “Ciberprofessor” (2004), a
absorção rápida desses, pelos alunos, exige que a educação também se renove, ge-
rando novos processos de aprendizagem.
Mesmo com o avanço das TICs e o aumento considerável da oferta de produtos didá-
tico-pedagógicos desabrochados com as novas possibilidades de combinações des-
ses diferentes meios e tecnologias, a maioria do material didático continua sendo
produzido em mídia impressa – é o que constata autores como Bandeira (ibid., p.16).
Segundo ela, isso se deve, pois, o material impresso não requer equipamento ou
recurso tecnológico para sua utilização (muitas escolas ainda não foram equipadas
e nem mesmo possuem acesso à Internet para toda a comunidade escolar). Da pró-
pria experiência, enfatiza-se também o tempo como um fator determinante. Isto é,
o tempo de duração de cada aula é curto: 45 ou 50 minutos no Ensino Fundamental
(1º e 2º ciclo) e no Ensino Médio, e os equipamentos (quando as escolas os dispõem)
não ficam instalados na sala, o que gera demora para sua configuração adequada,
chegando, em muitos casos, não efetivar-se a aula (o fio está danificado pelos inú-
meros deslocamentos, o plug sumiu, ...).
12 Papiro refere-se a uma planta que cresce nas margens do rio Nilo no Egito, da qual se extraia
fibras tanto para a escrita, como para o fabricação de cordas e barcos. O papel teria sido inventado
na China 105 anos depois de Cristo (d.C.), por T’sai Lun. A técnica foi guardada tendo em vista o
comércio lucrativo, revelando-se graças aos monges budistas coreanos, somente 500 anos depois.
294
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que com longa tradição, o recurso de maior presença em sala de aula; sendo o mais
fácil, tendo em vista a sua mediatize. Embora, reconheça-se a necessidade de uma
diversificação de usos.
Ana Mae Barbosa (2012) pondera: “as práticas de ensino atuais derivam não apenas
de ideários pedagógicos, como também de encaminhamentos legais”. Logo, diante
de uma análise efetuada na Base Nacional Comum Curricular (2017/2018) – docu-
mento ainda em processo de implementação – e o uso de material pedagógico é
possível identificar, ao todo, 10 aparições do termo (material e/ou recurso didático).
Essas, estão entre discorrer sobre os livros didáticos adotados e materiais didáticos
complementares ao processo de ensino-aprendizagem. Entre os trechos, recorta-se:
“selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecnológicos para apoiar o
processo de ensinar e aprender”. Portanto, tal verificação comprova que a temática
da presente pesquisa se faz pertinente, estando dentro das ações necessárias que
asseguram aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica.
(BNCC, 2018, p. 16). Também nas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia bra-
sileira tal orientação se faz presente. Nessa há quatro aparições do termo (pp.4, 11,
12 e 22), firmando-se entre utilização, criação e avaliação de materiais pedagógicos;
cuja exigência requer vivências práticas, em grau cada vez mais complexos e abran-
gentes. Por essa via, compreende-se que o assunto da pesquisa vai de encontro,
também, as exigências legais de formação a nível de graduação.
295
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
De fato, passou-se da comunicação oral, predominante na sociedade ocidental até a idade mé-
dia, para a comunicação escrita, que começa a adquirir caráter de massa a partir da invenção
da tipografia, de Gutemberg. Com o advento dos chamados meios de comunicação de massa
em especial a televisão, o mundo ingressa em outro momento comunicacional: o da imagem.
(Borges, 2009, p. 109).
Quark é seu nome, sendo esse oriundo da Física de Partículas, que ao lado do Lép-
ton, representam os elementos básicos que constituem a matéria. A personalidade
296
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que absorve, está na iconografia de um Quati (do tupi akwa’tim, que significa “nariz
pontudo”); em outras palavras, se refere a um mamífero que se assemelha a um gua-
xinim, e cujos hábitos alimentares se baseiam em minhocas, frutas, insetos e ovos.
Vivem em grupos de fêmeas e machos jovens; os machos adultos só se unem ao
bando para reprodução. Ele foi desenvolvido pela Professora Orientadora do Projeto,
quando em atuação no Centro de Ciências da UFJF (2008-2013), tendo sido selecio-
nado pelo grande número de animais que viviam ao derredor do espaço, torneado
por uma mata atlântica preservada13.
Na imagem apresentada (Figura 1), foi realizado na presente data (2019), pela bol-
sista do Projeto Veia, aluna do curso de Publicidade e Propaganda da Unipac/Barba-
cena/MG, sob orientação docente. Nessa versão, suas roupas transmitem uma ideia
de cientista aventureiro, tendo em vista a proposição didática em construção: As
aventuras de Quark. Partindo efetivamente para campo (Pedreira), o primeiro livro
contará a história do mármore: extração e uso, na arte e na arquitetura.
Assevera-se que elementos visuais, como formas, cores, texturas, ritmo – são caracte-
rísticas responsáveis em “dar vida” a um personagem. São elas, que evocam o pensa-
mento através das percepções sensoriais, como a visão; mas também, são capazes de
desenvolver sensibilizações de emoção e afeto. Gomes e Azevedo (2005, p. 6) explicam:
a criança sentirá que faz parte do universo psicológico do personagem e essa atração está ligada à
sua dimensão psíquica. O personagem imaginário toca a criança diretamente, e ela se sente ‘conti-
da’ na imagem. Após o apelo visual, é o apelo emocional e a afetividade que tornarão personagem
e público cúmplices de uma mesma história.
13 Primeira sede, anexo ao lado Colégio de Aplicação João XXIII, bairro Santa Helena, Juiz de Fora – MG.
297
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
298
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações Finais
A partir das implementações em andamento passamos a mensurar o quanto o es-
tudo e a produção de Materiais Pedagógicos são mananciais para os bolsistas em
formação, seja da Pedagogia, como também da Publicidade. De outra forma, acredi-
tamos verdadeiramente, no exercício prático e de integração entre os conhecimen-
tos, bem como em proposições que unem a razão e o sonho: conhecer é também
maravilhar-se, divertir-se, brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas,
trabalhar duro, esforçar-se e alegar-se com as descobertas.
Referências
Bandeira, Denise. (2009) Materiais Didáticos. (1ª ed.). Curitiba, PR: IESDE.
Barbosa, Ana Mae. (2011). As mutações do conceito e da prática. In: BARBOSA, Ana
Mae (Org.). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. (6. ed.) São Paulo: Cortes,
pp. 13-25.
Borges, E. M. (2009) As mídias visuais e seus desafios para a escola. In: MIRANDA,
Sonia Regina; MARQUES, Luciana P. (Org.). Investigações – experiências de pesquisa
em educação. Juiz de Fora: UFJF, pp. 109-121.
Dondis, A. Donis. (2007). Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes.
299
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
300
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Joana Burd1
Corpo Vibratório: quando o movimento pede pausa
Vibratory body: when movement asks for pause
Resumo
O artigo “Corpo Vibratório: quando o movimento pede pausa” consiste na análi-
se de um processo de criação que parte do desmonte de eletrônicos obsoletos,
apresentando novos objetos ressignificados. Partindo da hipótese de que a tec-
nologia distancia nossos corpos, foram criadas esculturas e instalações interativas
que sensibilizam o observador através da tatilidade de diferentes dispositivos vi-
bratórios. O texto apresenta conceitos como o princípio da vibração através dos
estudos de Neil J. Mansfield e Shelley Trower e da presença do Outro interator
construindo relações com os escritos de J. Lacan, Derrick De Kerckhove e José Gil.
Trata-se de uma reflexão teórico-prática que compôs a pesquisa do Mestrado em
Poéticas Visuais realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: vibração, Outro, arte interativa, arte digital.
Abstract/resumen/resumé
The article “Vibratory Body: when movement asks for pause” consists in the analysis
of a creation process that starts from the dismantling of obsolete electronics, pre-
senting new resignified objects. Based on the hypothesis that technology distances
our bodies, sculptures and interactive art installations were created, that raise pub-
lic awareness through the tactility of different vibratory devices. The text presents
concepts such as the principle of vibration through the studies of Neil J. Mansfield
and Shelley Trower and the presence of the Other interactor building relationships
with the writings of J. Lacan, Derrick De Kerckhove and José Gil. This is a theoreti-
cal-practical reflection that composed the research of the master’s degree in Visual
Poetics at the Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: vibration, Other, interactive art, new media art.
Introdução
O presente artigo é resultado da dissertação de mestrado em Poéticas Visuais rea-
lizada entre 2016 e 2018 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na linha de
1 Joana Burd, mestra em em poéticas visuais, artista, pesquisadora e professora. Concentra sua pesqui-
sa no diálogo entre escultura, mídias digitais e tecnologia, a partir do princípio da vibração. Sua pes-
quisa interage com a área das novas mídias ressignificando objetos descartados como lixo eletrônico.
301
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No processo criativo dos trabalhos apresentados que envolvem a estética que deno-
mino como fundamentalmente tecnológica, busquei através do desmonte de obje-
tos eletrônicos catalogar seus diferentes mecanismos de hardware quando encon-
trei e me familiarizei com os sistemas vibratórios. Qualquer sinal de vibração possui
três qualidades: deslocamento, velocidade e aceleração, que estão inextricavelmen-
te ligados. Segundo o livro Human Response to Vibration (2005) de Neil J. Mansfield:
A vibração é um movimento mecânico que oscila sobre um ponto fixo (geralmente uma referên-
cia). É uma forma de onda mecânica e, como todas as ondas, transfere energia, mas não importa.
A vibração precisa de uma estrutura mecânica para viajar. Esta estrutura pode ser parte de uma
máquina, veículo, ferramenta ou mesmo uma pessoa, mas se um acoplamento mecânico for per-
dido, a vibração não se propagará mais. (MANSFIELD, 2005, p.2, trad. da autora).
É preciso para seu funcionamento que a peça esteja em uma cama protetora para
a propagação de movimento. Logo, é necessário fisicamente enclausurar o corpo
do motor permitindo o giro apenas de sua cabeça, em um berço milimetricamente
confeccionado. Ao realocar motores que se tornam obsoletos, penso criar novos tra-
balhos que podem conduzir modificações ao estado original dos eletrônicos, e en-
tendo essa transformação como uma espécie de hackeamento. Alberto Cupani, no
livro Filosofia da Tecnologia (2013), traz diversas contribuições interessantes sobre
o cotidiano digital e as transformações que estamos vivendo, entre essas destaca:
[...] não se deve prestar atenção apenas ao modo como as tecnologias alteram o pólo
“mundo” do nosso ser-no-mundo. Nossa corporeidade está cada vez mais modifi-
cada pelas tecnologias, e de tal modo que a sua “incorporação” não pode mais ser
percebida como tal (CUPANI, 2013, p.129).
Os trabalhos que desenvolvi neste contexto solicitam um corpo ativo para o seu fun-
cionamento, seja para ser experimento ou para ser experimentado. Desta forma inti-
tulei a pesquisa Corpo Vibratório: quando o movimento pede pausa. Corpo esse
que pode ser o do interator, o meu corpo propositor, o corpo elétrico dos objetos
que crio ou o corpo do texto. Apesar da ambiguidade em entender que o movimen-
to pede pausa, não me refiro ao deslocamento. Refiro-me a necessidade de parar um
pouco nosso pensamento velocitado para reconhecer novas formas de interação e
retomar a sensibilidade do nosso corpo, que tem sido relegada. Corpo digital, dedos
em diálogo silencioso com telas touchscreen, imagens virtuais de corpos cada vez
mais públicos. Incorporamos nosso ser-mente-corpo na estética pós-mídia.
302
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O princípio da vibração
Princípio pode ser o início, o embrião ou a fase de descoberta de um processo de
pesquisa em poéticas visuais. Também é o pressuposto que serve de base filosófica,
o que sustenta um pensamento fundamental. Já a vibração tange materialidades
concretas, é elemento, movimenta o material e é movida através de diferentes subs-
tâncias. Logo, o princípio da vibração foi o encontro com o que viria a ser a minha
maior ferramenta de pesquisa: os componentes vibratórios.
As sensações vibratórias nos rodeiam para além dos motores vibracall dos celula-
res e dildos de prazer. Vivemos imersos em transportes vibratórios, assentos, sinais
sonoros. Ruídos que cruzam nosso cotidiano, atravessam o nosso corpo. Destaco
que ao longo do processo desta pesquisa, fui questionada tantas vezes sobre caráter
sexual da vibração que opto por incluí-lo, entendendo que este não é ponto essen-
cial dos meus trabalhos, mas de certa forma sim, o considero curioso. Me dedico à
vibração como princípio de prazer em relação a todo o corpo do interator, podendo
significar a interação apenas com sua mão ou com o seu pescoço.
De outra forma, ao introduzir o tema das sensações e afinidades possíveis com a vi-
bração, Shelley Trower (2012) destaca que a ansiedade gerada através das permeabi-
lidades do corpo não deixa de ser algo que o uso excessivo das tecnologias também
ocasionou. A fantasia de termos relações intensas e diretas, mesmo que fisicamente
distantes, cria novas formas de relacionamento com o outro, com os objetos, pois
atribui um novo significado às fronteiras fixas do nosso corpo:
Neste cenário, a distinção entre objeto e sujeito, ou entre o mundo e o eu, novamente colapsa
totalmente. Objetos no mundo externo vibram o eu sensitivo, a própria sensibilidade de quem,
na forma de vibrações, irradia para fora, como o som de um instrumento, para se tornar parte do
mundo. Há um processo de duas vias, em outras palavras, pelo qual as vibrações externas pare-
cem colocar a matéria do corpo em uma tipo vibração simpática; vibrações no corpo então irra-
diam para o mundo além, por sua vez, potencialmente vibrando outra pessoa sensível (TROWER,
2012, p.11, trad. da autora).
303
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Deste modo, os objetos vibratórios que crio não deixam de ser um convite a recone-
xão com nosso próprio corpo. Foram em momentos introspectivos que a vibração
tornou-se um fundamento para minhas intervenções artísticas. Ao mesmo tempo,
sempre fui a primeira interatora de minhas traquitanas. De certa forma, criei esse
experimento na vontade de ser experiência e compartilhá-la com o outro.
Paul Beatriz Preciado no livro Manifesto Contrassexual (2014) retoma a história dos
dildos e instrumentos vibratórios em seu contexto de criação, especificamente para
dois espaços terapêuticos da histeria: a cama matrimonial e a mesa clínica. As pri-
meiras terapias de titilação eram manuais e os médicos nem sempre as considera-
vam efetivas para o combate às “crises histéricas” das mulheres:
O vibrador aparece como instrumento terapêutico da história pouco depois, em 1880, exatamen-
te como uma mecanização desse trabalho manual. O vibrador Weiss, por exemplo, era um apare-
lho eletromecânico que procurava massagens rítmicas tanto do clitóris e da região pélvica como
de outros músculos que eram objeto do tratamento por vibração. Essas “máquinas sexuais”, que
identificarei como estruturalmente vizinhas do dildo, existem em uma zona intermediária entre
os órgãos e os objetos. Assemelham-se de maneira instável, sobre a própria articulação natureza-
-tecnologia (PRECIADO, 2014, p.96-111).
Houve mudanças de significado para esses objetos de desejo. No início eram utiliza-
dos como articulações terapêuticas esquisitas e, no momento atual, como objetos
eletrônicos, agora a serviço da saúde sexual ou a eventos estéticos.
Projetar esculturas vibratórias que suscitam experiências sensoriais podem ser, por
vezes, invasivas. Mas como questionar o corpo do outro sem, de certa forma, inva-
di-lo? Essa proposta artística permeia invasão, entrar em um status e subvertê-lo de
forma estranha. Seria esse o devir máquina de um motor vibratório? Uma redesco-
berta de um corpo ainda não explorado?
304
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ao perceber a sinestesia como um fator que abrange todo nosso corpo em suas su-
perfícies sensíveis à vibração, vejo a tatilidade do ruído como um convite particular.
Talvez até na forma mais regressiva um mergulho em uma correnteza de memórias.
No livro Palavras para Nascer a Escuta Psicanalítica na Maternidade (1997), Myriam
Szejer traz que:
Bem antes de haver um sistema auditivo funcional - para isso é preciso esperar o terceiro trimestre da
gravidez -, a criança consegue reconhecer e discriminar as vibrações acústicas repercutidas pelo líqui-
do amniótico. Os haptoterapeutas dizem as vezes que ela - “escuta com a pele. (SZEJER, 1997, p. 80)
Acredito que as obras que serão apresentadas no decorrer do texto estão dentro
deste conceito de transposição da reação vibratória primordialmente uterina, hoje
no que vibra, um convite a escutar através da pele. Uma compensação tangível e
voluntária a novas descobertas através de superfícies sensíveis. Passamos a vida
tentando encontrar nosso devir, e hoje a tecnologia pode ser oferecida como ins-
trumento. Se esta é a conjuntura atual podemos refletir sobre nossa participação de
forma ativa e positiva. Abraçar a tecnologia e usá-la como elemento talvez seja um
caminho para entender no que estamos nos tornando.
A presença do outro
Lygia Clark é uma das primeiras artistas brasileiras a encorajar a participação ativa do
corpo do público em seus trabalhos. Em sua trajetória artística propõe situações que
elegem o corpo do espectador como suporte para suas proposições. Interseccio-
nando seu trabalho artístico ao trabalho terapêutico, ao final da vida recebe pessoas
em seu ateliê para experimentarem seus trabalhos de ordem sensorial e simbólica. A
artista ao comentar o trabalho Dentro e Fora (1965) descreve:
Sou o dentro e o fora, o direito e o avesso. O que me toca na escultura “Dentro e fora” é que ela
transforma a percepção que tenho de mim mesma, de meu corpo. Ela me modifica, estou sem
forma, elástica, sem fisionomia definida. Seus pulmões são os meus. É a introjeção do cosmos. E
2 https://www.zimoun.net/
305
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ao mesmo tempo é meu próprio eu cristalizado em um objeto no espaço. “Dentro e fora”: um ser
vivo aberto a todas as transformações. Seu espaço interior é um espaço afetivo (CLARK, 1965, p.3).
Diferentemente de Lygia, vejo o meu trabalho como uma aproximação entre fisio-
nomias e barreiras do que como uma transformação da elasticidade das formas. Co-
nheço, pois crio o corpo eletrônico, mas não vejo o público como parte constituinte
do trabalho. Logo, pergunto se existiria um modo de ser deste outro interator?
O público não é mais considerado apenas um ser visual, ou um ser pensante, ou um ser ouvinte,
mas sim um ser que possui um corpo, com um sistema sensório complexo, que funciona perce-
bendo o ambiente de acordo com sua memória e sua cultura. As sensações corporais, presentes
só num parque de diversões, podem estar também presentes nessas obras e não só as sensações
visuais, sonoras ou a reflexão. Consideramos que estamos num contexto em que a obra não segue
mais o paradigma da eliminação de elementos, mas sim a somatória, a reintegração do que foi
separado. A participação das sensações corporais não pode ser pensada como um impeditivo
para a reflexão, ou como elementos separados (SOGABE, 2010, p. 66).
306
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Apesar de todo o seu poder fundador, o grande Outro é frágil, insubstancial, propriamente virtual,
no sentido de que seu status é o de um pressuposto subjetivo. Ele só existe na medida em que
sujeitos agem como se ele existisse. […] algo pelo qual esses indivíduos estão prontos a dar suas
vidas; no entanto, a única coisa que realmente existe são esses indivíduos e suas atividades, de
modo que essa substância é real apenas na medida em que indivíduos acreditam nela e agem de
acordo com isso (ZIZEK, 2010, p.18).
Até a chegada dos trabalhos em ambiente expositivo, o corpo deste Outro é desco-
nhecido. Uma das hipóteses de destinatário às proposições dessa pesquisa, ainda no
espaço de construção dos trabalhos, é o grande Outro virtual. Acredito que a ideia
de Outro virtual sustenta a projeção dos trabalhos no momento de prototipagem e
testagem. Uma análise comparativa do que vivemos e do que acreditamos viver se
concretiza ao divulgar a possibilidade da interação real em um ambiente físico e pú-
blico. Segundo Zizek “O outro não só se dirige a mim com um desejo enigmático; ele
também me confronta com o fato de que eu mesmo não sei o que realmente desejo,
do enigma de meu próprio desejo” (2010, p. 56).
Dentro desse enigma, reconheço meu desejo por levar os trabalhos ao momento de
exposição para que se concretize o ato do acoplamento e para que o interator ex-
perimente e seja experimento. Entendo que qualquer registro compartilhado com o
outro pode ser uma provocação para os momentos de exposição. Estamos em cons-
tante mudança mental (mind shifting). Todo o tempo que dedicamos a interação
com a tela, seja do celular, computador ou televisão, leva a um inconsciente digital,
ou seja, a um não saber que sabe.
Em 2012, Kerckhove em uma palestra do projeto TED Talks sugere que em breve po-
deremos controlar algo simplesmente por pensar na sua ação. A afirmação se deu no
307
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O inconsciente digital é tudo o que se sabe sobre você que você não sabe. Ou o que pode ser
conhecido sobre você que você não conhece. Pensa-se, isso tem muito poder em sua vida como
inconsciente freudiano. Que você também não conhece. Revelar o inconsciente digital pode ser
uma coisa complicada que irá acontecer e várias coisas estão se movendo nessa direção. O fato
permanece apenas indo ao Google seu inconsciente digital já está sendo alimentado pela sua
seleção através de várias coisas que lhe interessam. (KERCKHOVE, 2012, trad. da autora)
Importante destacar que parte do amido também é tátil, sendo permitido ao pú-
blico manipular o conteúdo com os dedos, ou seja, tocar em uma forma plástica
modelada por ondas cerebrais. Na proposta de vibrar a mente e da mente vibrar
o mundo vejo o quão interessante é o processo de uma interatividade entre pares.
Não costumamos ouvir o outro através do contato entre os corpos. Se eu encostar
meu ouvido no pescoço do outro, poderei sentir a vibração da sua voz. Novamente
na tentativa de aproximação entre os corpos, monto o trabalho Voz de Dentro (2018)
para uma interação do Outro para o outro.
3 http://www.wlos.jp/
308
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para ampliar o aspecto vibratório, foram retirados os cones dos alto-falantes e inse-
ridos entre o input (microfone) e output (cadeira) dois amplificadores caseiros. Além
destes, o trabalho conta com um computador que ativa o software PureData, fazen-
do com que o som fique mais lento e grave. Logo, os agudos são eliminados e com
eles qualquer reconhecimento das palavras que estão sendo ditas.
Corpo Vibratório
Da vontade de instigar o movimento e o espaço do corpo do outro, convidei a bailarina
e performer Paula Finn para realizar um registro visual que envolvesse o movimento.
309
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Corpo enquanto imagem. Corpo em movimento. Corpos vibratórios. Como diria José
Gil (1997), o corpo que não significa, o corpo permite significar.
No ensaio levei motores vibratórios móveis, com pequenas baterias para serem
manuseados livremente. Destaco que ao apresentar meus motores em diferentes
contextos da pesquisa, desprovidos do restante que constitui meus projetos, ouvi
diferentes relatos sobre o significado de tais componentes. Confeccionados por di-
ferentes metais e fios, podem ser qualquer coisa entre as nossas mãos. Bichos, pás-
saros, ratos. Acredito que isso se deve a transferência de energia vibratória que ao
movimentar uma peça acolhida entre os dedos a torna “viva”.
O espaço do corpo envolve o próprio corpo com uma tipologia irregular, com fracturas, buracos,
reentrâncias ou pelo contrário, protuberâncias, cabos, apêndices; com texturas variáveis, mais ou
menos poroso, mais ou menos invulnerável, mais ou menos plástico. Resulta da metamorfose do
espaço interior: este, longe de se contentar em não se apresentar (por ser conteúdo de um conti-
nente), longe mesmo de não se exteriorizar se não filtrado (pelos orifícios de comunicação: olhos,
boca, ouvidos, nariz, vagina, ânus), prolonga-se por uma estranha reversão, no espaço exterior
(GIL, 1997, p.8).
Curioso pensar que o trabalho Corpo Vibratório (2018) resume a forma de interação
mais “clássica”, a fruição estética puramente visual. Ao ler as características fisiológi-
cas do nosso corpo descritas por Neil J. Mansfield (2005), percebi o quanto o sistema
ocular também experimenta estados vibratórios. Conforme Mansfield coloca:
O sistema visual também pode sentir a vibração observando o movimento de outros objetos no
ambiente de vibração. Por exemplo, um espelho retrovisor de um carro pode vibrar, borrando a
imagem; cortinas e luzes podem balançar em resposta ao movimento; a superfície de uma bebida
pode mostrar ondulações (MANSFIELD, 2005, p. 15, trad. da autora).
4 https://tonyoursler.com/
310
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Através da vibração visual, este trabalho é silencioso, mesmo com o vídeo em movi-
mento, nenhum som concreto saí de sua projeção. O corpo do outro aqui não fala,
não emite nenhum ruído, mas talvez possa comunicar de outras formas e combater
um achatamento sensorial ocular.
Ao longo da criação do trabalho Voz de Dentro (2018) descrito acima, desenhei di-
versas possibilidades de objetos táteis que fizessem vibrar a mão. O último trabalho
apresentado nesta pesquisa consiste em uma peça em formato de mão. Uma cópia
do meu próprio corpo, transparente, feita em resina cristal e nela inseridos dois mo-
tores de celular vibracall e um a mola de espremedor de laranja. Ilustrando essa ideia
de um corpo sensível compartilho com as ideias de Merleau-Ponty (2004):
Visível e móvel, meu corpo encontra-se entre as coisas, é uma delas, está preso no tecido do mun-
do, e sua coesão é a de uma coisa. Mas, dado que ver e se move, ele mantém as coisas em um
círculo ao seu redor, elas são um anexo ou um 110 prolongamento dele mesmo, estão incrustadas
em sua carne, fazem parte de sua definição plena, e o mundo é feito do estofo mesmo do corpo
(MERLEAU-PONTY, 2004, p.20).
311
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
312
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Aquilo a que os antropólogos chamam <<a libertação da mão>> é sem dúvida apenas um fenó-
meno exemplar do que se passou em todo corpo do homem: a libertação dos momentos, das
articulações, permitiram a construção de uma infra língua –e, ao mesmo tempo, permitiram à
língua falar e significar (GIL,1997, p. 45-46).
Ofereço então a minha maior ferramenta ao outro. A mão que produziu de forma ar-
tesanal os objetos vibratórios com os dedos que acionaram cada tecla dessa pesquisa.
Não deixa de ser o momento que termino por me autorreferenciar de forma descritiva.
Entrego a minha própria imagem com suas digitais, ou melhor uma versão do meu
corpo transformado em máquina, metamorfoseado finalmente, em vibração.
Conclusão
Espero que algum dia possamos entender essa angústia, veloz ansiedade, de um
corpo a outro, do meu corpo para o corpo do outro. Pergunto ao leitor: o que vibra
então dentro de ti? Quais partes do cotidiano velocitado podem de fato nos equali-
zar? Será uma possibilidade de combater esse achatamento sensorial, o que chamo
de fruição vibratória? Os encontros do texto aqui apresentado fizeram parte da ex-
posição individual Corpo Vibratório, realizada em Setembro de 2018, na galeria da
Casa Musgo, Porto Alegre, Brasil.
Projetar retiros atemporais, repensar o próprio corpo e o quanto cada vez mais nos dis-
tanciamos dele. Uma nostalgia de falsas memórias trazida pelo fetichismo consumis-
ta, a saudade de um antigo rádio e a dependência sensorial dos novos touchscreens.
Ressurgir com essas ideias de forma escrita, talvez possa ser visto como um propósito
dessa pesquisa. Nós as chamamos de novas mídias, mas é bem provável que com suas
transmutações, essas recém chegadas durem para sempre.
Referências
CLARK, Lygia (1965). Nós somos os propositores. Associação Cultural Mundo de
Lygia Clark: Disponível em: <http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.asp?idar-
qui vo=25>. Acesso em: 02/07/2018.
313
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MANSFIELD, N.J (2005). Human Response to Vibration, CRC Press, Boca Raton. Dis-
ponível em <http://dinus.ac.id/repository/docs/ajar/Mansfieldhuman-response-vi-
bration.pdf> Acessado em: 06/01/2017.
POPPER, Frank (1997). Art of Eletronic Age. New York: Thames & Hudson.
ZIZEK, Slavoj (2010). Como ler Lacan. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Revisão
técnica Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar.
314
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Instalações multimédia interactivas com modulação da percepção na mediação
do espaço de comunicação influenciam a maneira como vemos a realidade e
afectam a formação do significado. A construção de significado e a compreensão
cognitiva podem ser vastamente influenciados pelo ambiente individual, de
modo que interferem no usufruto desse lugar particular e na relação entre os
membros dessa área da população. O ecossistema pessoal é predisposto por an-
tecedentes culturais específicos, associações de validação, reflexos de emoções,
e as estruturas de atenção podem ser operadas positivamente no aumento da
fruição. O processo de interação leva o indivíduo a estabelecer uma variedade
de relações de significado que passam por: sentir, enquadrar e significar. Novas
afinidades geradas por instalações interativas multimédia podem promover um
aumento da sensação de bem-estar na fruição da cidade, criando ambientes
que facilitam o estabelecimento de novos laços entre os indivíduos que experi-
mentam juntos esses eventos e se transformam em um grupo.
Abstract
Multimedia interactive installations with perception modulation at mediation of
the communication space influence the way we see reality and have an effect on
the significance formation. Meaning construction and cognitive awareness can be
1 Author, João Fragoso e Castro, graphic and multimedia Designer, attends to ID+ PhD Program in
Design at University of Aveiro since 2018, researching about Fruition of the Place: influences and
connections by multimedia installations.
2 Co-author, Paulo Bernardino Bastos, Director of the research laboratory “Praxis & Poiesis: from prac-
tice to artistic theory” at ID+, promotes research in areas related to arts, science, media and culture.
Director of the DeCA Postgraduate Program in “Contemporary Artistic Creation”, develops his resear-
ch looking at the images produced by technological mediations.
3 Co-author, Heitor Alvelos, Director of the research laboratory “Lume: laboratory for unexpected media”
at ID+, which aims to recalibrate contemporary and traditional media for the common good. It stems
from the evidence that technological development requires a critical interpretation as well as a cons-
cious implementation and regulation. Professor of Design and New Media at the University of Porto
315
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
greatly influenced by the individual environment, so that they interfere on the en-
joyment of that particular place and the relationship between members of that area
of population. Personal ecosystem is predisposed by specific cultural background,
validation associations, mirroring of emotions, and, our attention structures can be
positively operated to a fruition increase. The process of interaction brings the in-
dividual to establish a variety of significance relationships that undergo through:
feeling, assortment, and meaning. New affinities generated by multimedia interac-
tive installations can uphold an increase of the sense of well-being on city fruition,
creating environments that facilitate new bond establishment between the individ-
uals that experience together these events, and themselves transform into a group.
Keywords: Place, Fruition, Communication Space, Interaction.
Introduction
The following considerations converge on understanding the design role on con-
structing meaningful project scenarios with an inherent desire of citizen’s life quality
improvement. Well-being quest on a territory is not exclusively related to the extent
of healthcare administrated to a population, it is as well a product of the relations
established between people and the fruition of that particular place. A proposal for
multimedia interactive installations reaches out to engage people to actively par-
ticipate on the city. For this matter is important to understand how to generate an
increased affinity, derived from specific essentials’ inclusion to facilitate a positive
effect on the place enjoyment. The way we see reality and the cognitive attribution
of meaning can be largely influenced by the modulation of perception at commu-
nication space mediation. To create with intense beauty towards the establishment
of new proximity relations between people within the city, is needed to understand
the attribution of meaning from the individual towards an event that is experiment-
ing. Emerges the need to project new designs that are actually meaningful. We live
in a spheroid full of everything, plenty of things which some we love, some we hate,
some are useless, some really make the difference, so… what to do next? This ques-
tion arises from the urgency of creating a new and better understanding for what
actually matter to the individuals that dwell in their life supported ecosystems. This
construction of intrinsic value is a consequence of the many levels that contribute
to the cognitive attribution of significance. Information is processed trough mech-
anisms of perception, attention, association, imagination, decision, interpretation,
and memory, and is transformed into understanding. Such information to be ac-
quired, and dealt with, is available all around us in the environment in which we live.
Time and again, the question that remarks the proposition to develop a new experi-
ence or artefact is transduced by a simple assertion: how does it make you fell? As a
316
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
matter of fact, the individual often does not choose to attribute a particularly mean-
ing to an object or experience that happened to be drawn inside. In the first place,
the composition of knowing what is happening, of attributing a meaning for the
information burst that our body perceptive tools manage to acquire, always starts
in being at a determined place at a determined time. As an individual, as well as
a group entity, the assumptions that we achieve drive from the interaction estab-
lished trough the manoeuvring and usufruct of a particular occurrence, experienced
as part of the occasion, with the self pivoting the spheroid in which we live.
The interaction circumstance implies being at the front roll of the event, be applied
on the issue in matter, and experience in first hand what is happening. The direction
of attention driven by an intention was brought by the philosopher Martin Heidegger
(1927), student of Edmund Husserl, implying for the use of phenomenological and
hermeneutical concepts. Such assumption manages a variation from the point of view,
focusing on the manners of being the individual in the world that surrounds himself.
As something disclosed, Dasein exists factically in the way of Being with Others. It maintains itself in
an intelligibility which is public and average. When the ‘now that...’ and the ‘then when...’ have been
interpreted and expressed in our everyday Being with one another, they will be understood in prin-
ciple, even though their dating is unequivocal only within certain limits. (Heidegger, 1927, p.463)
Conferring meaning implies, in the first place, that the subject of interaction exists
somehow in the same place and time as the matter in contact. When is aforesaid
somehow, that’s for the grounds that at the present time the matter of interaction
doesn’t need to be physically, or in strict presence of the subject. In fact in some
media of communication, the dematerialized essence of some contents places new
understandings to the well-made assumption of what is an object, or where it is…
and when was it made. How is it, right now, in front of the eyes of the person that
is seeing it for the first time, as it would be crafted as the individual experiences it?
Nevertheless, the relation that the body as with the world we live in is mutable and
specifically proper for each one of us. Maurice Merleau-Pointy (1945) takes us, also,
to think about the role of the body in relation to the world. When he started his
studies about perception, he recognized the importance of understanding that the
body is not only a thing, but also a permanent condition of the experience. There
is an intrinsic body consciousness that the analysis of attribution of meaning must
take into account.
It is a fact that I believe myself to be first of all surrounded by my body, involved in the world,
situated here and now. But each of these words, when I come to think about them, is devoid of
meaning, and therefore raises no problem: would I perceive myself as ‘surrounded by my body’
if I were not in it as well as being in myself, if I did not myself conceive this spatial relationship
and thus escape inherence at the very instant at which I conceive it? (Merleau-Pointy, 1945, p.68)
317
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Instead of a geometrical point in abstract space, I mean a position in ecological space, in a me-
dium instead of in a void. It is a place where an observer might be and from which an act of ob-
servation could be made. Whereas abstract space consists of points, ecological space consists of
places - locations or positions. (Gibson, 1986, p.59)
Being conscious that we are Humans, in motion, and that we move through the am-
bient, is easy to understand the difficulty of establishing rigid parameters in which a
stimulus correspond directly, like a hard-wire, to an engagement toward a construc-
tion of determined meaning. Perceiving what happens around us just participate in
the inferences of what is a particular reality.
318
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
relate the smooth touch of a feather, sliding trough the skin, to a feeling of passionate
evolvement. Also, tasting a fruit can transport the individual to the place and time that
he first experimented the sweetness of a bite and memories of that moment arise.
However, this particular sense is short in accuracy, is very susceptible and can be mis-
leading, being very easy to taste a food saltier after eating some sugar. So, taste is not
so reliable, and also is extensively connected to sense of smell, one of the most power-
ful sensor that nature equipped Humans. Not so evolved as in other animals, the sense
of smell can relate directly memories to the odours that we capture, an evolution fea-
ture that kept Humans alive in the wilderness. While searching for what was eatable,
smells could send the message of freshness, or if an aliment was rotten, preventing the
ingestion of pernicious intakes that could minimize our fragile existence. Nowadays
this evolutionary skills and memories still remain deep inside our brains, some herbal
odours can be easily related to incidents of poisoning, bringing nausea, and sickness.
Furthermore, a strong smell, as the bitter-sweet of cinnamon, can be, in instance, di-
rectly related to a memory of love from a grandmother preparing sweet rice for the
family reunion. Smell is also frequently preponderant to other senses; as something
could look good, felt well, taste marvellous but unfortunately smells like teen spirits,
so the individual often discards that choice.
Other than what smells, is what is heard that usually sets easily the mood. Audition
really realizes emotions. How does it make you fell when the sound of nature, of
birds, the ripple of the ocean or a cosmic white noise set to 432Hz is heard by? Or is it
possible to experience a state of relaxation listening to the “Stress” theme from Jus-
tice? It happens to be extraordinarily tangible that some frequencies induce states
of mind, and arouse memories engraved on the brain, seeing that one music that
was heard on the first encounter with a loved one, when heard again will transport
those to the day and time of that experience and to the emotions that wandered
trough their body. This sense also largely contributes to the perception of the sur-
roundings, as we relay on it to manage our way in a city full of traffic, or to capture
word sound messages codified in language. Perception brings us many possibilities
for communication, for capturing signals full of intention, to catch information that
can be used in our organic system. Is possible to see it better if we can use our eyes…
and yes, for design, a discipline so visual that argues about its aesthetics for a pursuit
of ideals of Beatty, many layers of importance can be inputted to visual perception.
In this contemporaneous postmodernist world, the cultural rules to achieve beauty
were crashed, and relay now, even more than then, on the feelings generated while
a visual encounter is established. Forms, geometry, distances and proportions can
always be feed to eyes, they are so important to give our brain the main picture of
the environment. Also, there certain geometries and figures that are more suitable
to attract an individual to gain some of is time staring, contemplating an object in
detriment of another. But, can our eyes see everything? Certainly, no! Not so, the
visual sense can not retain all aspects of the matter in front of him, as time is going
319
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
short for enquiry, as neither can do it as observer because the individual isn’t static,
the motion that comes for being in an environment makes the visual capture dy-
namic. Our body also has other sets of tools to perceive:
(…) ’extra’ senses have already been mentioned, including proprioception (sense of physical dis-
position of the body and limbs), balance (the sense mediated by the inner ear that is able to
detect gravity and our movement in space), including appetite, because detecting nutrient levels
in our blood and body is another kind of sense. (Burnett, 2016, p.141)
These extra senses bring other layers on information for the cognitive construction
of signification. Proprioception is frequently used to make efficient prosthetic limbs,
as the brain can engage to make it function properly as it manages to be aware of
the artificial member as a ‘natural’ extension that performs equivalently. Is also used
in artistic installations like “The matter of time” made by Richard Serra (2005) present
at Guggenheim Bilbao Museum, which takes the visitor through an installation with
inclined steel walls, in a process of interaction that places the body in a position of
comfort fracture in the relationship between the body and the oblique walls of this
work. The inner ear induces information contrary to visual perception and thus the
play of sensations begins. Therefore, the perceived inputs actuate in the memories,
establishing cognitive bridges that induce states of signification toward the mean-
ing of that particular experience. But can we rely on that inputs? What is their contri-
bution? Are they constrained by a cultural context?
From the cultural point of view, the production of objects is a cognitive and cultural
process in which artefacts must be produced materially as things, but also culturally,
as being a certain type of thing. People find value in them and they value social re-
lationships. Known for his work on modernity and globalization, the Indian anthro-
320
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
pologist Arjun Appadurai (1990) describes, in his paper “Disjuncture and Difference
in the Global Cultural Economy” these distinctive characteristics can be catalogued
for the understanding of the cultural and circumstantial backgrounds in attribution
of meaning, proposing to study an object according to several social prisms: ethno-
scapes, ideoscapes, mediascapes, techoscapes, and financescapes. The ethnoscapes
are made from the people who make the move between places and the transactions
that take place. It is the individual, or that particularly community, who have the
will, or not, to relate to an activity or matter of fact. The cultural field is very wide
and varies according to the place, “(...) by ethnoscape, I mean the landscape of per-
sons who constitute the shifting world in which we live: tourists, immigrants, refug-
es, exiles, guest workers, and other moving groups and individuals (...)” (Appadurai,
1990, p.589). The characterization of these ethnic spaces of a territory is essential for
the understanding of the dynamics related to the activities and the assumptions of
the use of their local identity artefacts and the attributed meaning. Ideoscapes are
a characterization of the engraved religious and ideological cultural heritages that
assist and constrain the production of meaning, bringing limits and rules to Human
action, establishing boundaries of thought, “(…) ideoscapes are composed of ele-
ments of the enlightenment world view, which consists of a chain of ideas, terms,
and images, including freedom, welfare, rights, sovereignty, representation, and the
master term democracy (...)” (Appadurai, 1990, p.591). Consequently, they can speed
up, or stagnate, the propensity to conceptualization of certain ideas to the detriment
of others. Mediascapes are the ways the information is brought up to, and from, a
particularly group of people. Oral reports, texts, photos, audiovisual and other me-
dium media, reveal identity and intrinsic characteristics of matters. All these reports
are just fragments of a memory that draws meanings about why a given artefact ex-
ists, revealing also reasons that led to the creation of certain objects “(…) produced
by private or state interests, tend to be imagecentered, narrative-based accounts of
strips of reality, and what they offer to those who experience and transform them is a
series of elements (such as characters, plots, and textual forms) (...)” (Appadurai, 1990,
p.591). Techoscapes talk about the necessity for technology in Human activity, which
is evidenced in the materials used, as well as in the tools. “(…) the global configura-
tion, also ever fluid, of technology and the fact that technology both high and low,
both mechanical and informational, now moves at high speeds across various kinds
of previously, impervious boundaries (…)” (Appadurai, 1990, p.589). The allocation
of resources is variable from place to place and these dynamics allow a broader view
of what can be materialized in a given location, so the financescapes make it possi-
ble, or not, to allocate resources for development and research on the creation of
new objects, moulding the access to experiences and the cultural approach, “(...) as
the disposition of global capital is now a more mysterious, rapid, and difficult land-
scape to follow that ever before as currency markets, national stock exchanges, and
commodity speculations move megamonies through national turnstyles at blinding
speed (…)” (Appadurai, 1990, p.590). The intrinsic culture shapes the individual and
321
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
the ways that he thinks and acts in the world that he lives in. It’s no surprise the
acknowledgement that ideas intruded in our minds trough the ages construct mind-
sets that allow, or block, the perceptive inductions that our body receives.
This heritage helps us, to understand the world, and to design more adjusted prod-
ucts, graphics, experiences and services, that respond to the needs of a particularly
group of people. There is a better way to design for a cluster, nevertheless improper to
other cluster that does not share the same acceptations about what is a good aesthet-
ic design. Simple differences in details can make the difference, and help to build or
destroy a meaningfulness design, since the incorporation of a feature that one cultural
cluster love, other might hate. The Dutch psychologist Geert Hofstede (2011) found six
cultural dimensions that influence the way of thinking: power distance, uncertainty
avoidance, individualism vs collectivism, masculinity vs femininity, long vs short term
orientation and indulgence vs restraint. Power distance is related to the way in which
different societies deal inequality among individuals, measuring how much less domi-
nant members in a society accept and expect the uneven sharing. “Power Distance has
been defined as the extent to which the less powerful members of organizations and
institutions (like the family) accept and expect that power is distributed unequally”
(Hofstede, 2011, p.9). Uncertainty avoidance reflects the embarrassment that people
feel with risks, unexpected situations and divergences of opinion. “Uncertainty avoid-
ing cultures try to minimize the possibility of such situations by strict behavioural
codes, laws and rules, disapproval of deviant opinions, and a belief in absolute truth”
(Hofstede, 2011, p.10). Individualism vs collectivism measures the call for people to
concern them, family or organizations they belong. “On the individualist side we find
cultures in which the ties between individuals are loose: everyone is expected to look
after him/herself and his/her immediate family. On the collectivist side we find cultures
in which people from birth onwards are integrated into strong, cohesive in groups,
often extended families (…)” (Hofstede, 2011, p.11). Masculinity vs femininity refers to
the amount of values such as aggressiveness in opposition to the individual value rela-
tionships and shows sensitivity and concern for the well-being of others. “The assertive
pole has been called ‘masculine’ and the modest, caring pole ‘feminine’ ” (Hofstede,
2011, p.12). Long vs short term orientation refers to the extent to which a society main-
tains or adapts its traditions, long term guidance reflects perseverance and effort to
produce results. “Long term oriented are East Asian countries, followed by Eastern and
Central Europe. A medium term orientation is found in South and North European and
South Asian countries. Short term oriented are U.S.A. and Australia, Latin American,
African and Muslim countries.” (Hofstede, 2011, p.15). Indulgence vs restraint is related
to gratification in opposition to control of basic human desires. “Indulgence stands for
a society that allows relatively free gratification of basic and natural human desires re-
lated to enjoying life and having fun. Restraint stands for a society that controls gratifi-
cation of needs and regulates it by means of strict social norms.” (Hofstede, 2011, p.15).
322
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
323
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
decontextualization that can mislead the user of an object. The motivation over and
over again proves to be stronger than necessity, and this desire to have something
special becomes a factor of differentiation from the individual to the others giving it
a sense of exclusivity. Reflective design reveals us how important the message of the
object is. Creating a concept, reflective design has the message and culture as the
preponderant role. The message, that the use of a product, intends to send about
the individual’s self-image leads to this approach being completely rationalized. It
is not part of the will but of the image that the person constructs when he wants to
transmit his values, in the purchase of a certain object or in its use. “Reflective design
covers a lot of territory. It is all about message, about culture, and about the meaning
of a product or its use.” (Norman, 2005, p.83). Certain objects are built for a particular
use, designed with parameters that satisfy the behavioural needs of a specific group
of people. But through a rational symbolic construction one can appeal to other
market niches for the use of this same object in the execution of different tasks. The
messages sent by an object are perceived and signified trough the cognitive con-
struction process of meaning. Levels of significance come up, and engage, or not,
the attention of the individual interacting with it.
324
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The texts of Mihaly Csikszentmihalyi and Eugene Rochberg-Halton authors about the
meaning given to matters, bring us three distinct levels of representation: personal,
social and cosmic levels. The personal level of representation is similar to a mirror of
emotions, the objects that are used are often a reflection of what you feel, of what
you aspire to be, of what you think about a subject. We use representations that
demonstrate the wide range of experiences that make up and form our intimate and
that allow us to infer that the object may even have self-consciousness. The trans-
mission of a message through the use of an object, which reflects emotions, soul
state, predispositions or personal choices, is a communicational product in which
the individual mirrors his idea of what interests him and complements his existence,
“(…) we use representations that stand for the vast range of experiences that make
up and shape the self and enable one to infer what the object of self-awareness
is (…)” (Csikszentmihalyi & Rochberg-Halton, 1999, p. 3). The reasons that lead an
individual to demonstrate emotions through an artefact refer to the relation Don-
ald Norman (2005) expresses about the construction of meaning. This attribution of
meaning can be completely intuitive, as well can be, in other hand, behavioural and
reflective. The latter one is based on the use of a rationality that allows the transmis-
sion of a constructed message. It is up to the other side, the recipient of this person-
al information, to decode this message, which can be diffracted by inadequate or
ill-informed contextualization. Toward a thriving decipherment, the object must be
equalized to the image of human emotions and inspired in its cultural memories,
achieving a nature of personification by means of the same representative values. A
social level of representation brings structures of attention to the cognitive process.
The human being does not live alone, it is a gregarious animal that lives in commu-
nity and has close social ties that allowed the species to stay in the face of this planet
through the ages. In the social movement of people, there are predictable patterns
of interaction between people, made possible by shared structures of attention that
have been built on trade between villages and on the social dynamics associated
with fertility, politics, economy or religion. Individual expression has a very strong
social dimension. An object means something to a person through the context in
which it is inserted. But personal representation, which mirrors individual emotions,
is also a reflection of social dynamics. This framework allows the human being to
feel that he is part of a larger or more restricted group, but integrated with other
individuals, “(...) predictable pattern of interaction among persons made possible
by shared structures of attention (...)” (Csikszentmihalyi & Rochberg-Halton, 1999, p.
6). Creating structures of attention that allow transmitting environmental values is
very important. The cosmic level of representation is when the meaning transcends
the object and the significant becomes meaningful. The disaffection of the ancestral
ties, that in the past approached the individual to nature, made the contemporane-
ous human to search for reasons for existence. This need to find a new relationship
between the person and the space in which is inserted has led the current, urban-
ized and artificial individual that surrounds himself with objects, trying to re-estab-
325
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
lish the connection with nature. A reflection of the self, through the social dynamics
of attention, is amplified when the design allows us to re-connect with the universe,
making everything seem to make sense again.
In traditional societies this cosmic level includes the great natural phenomena that control the
rhythm of life: the sun, the moon, the stars; water and fire; wind and earth. Every society has to
make believable connection between is own purpose and those that make the world go round.
(Csikszentmihalyi & Rochberg-Halton, 1999, p. 38)
Designers must include proposals of concept that return to elements that fall back
on nature in the project of new experiences, graphics, products and services, in or-
der to provide a bridge between the existence of the human being and his need to
rediscover himself. Therefore, symbolic representation through artefacts and media
content are a form of personal and social expression in which the public sphere iden-
tifies itself with a given matter, transmitting through the individual’s inner fence and
showing how a particular individual interacts with society. Desired concepts reveal
a message to others of their personal identity. In this way, the human being tries to
find a way of relating his individual existence to the rest of the world, which is, to find
a matter that makes the pieces of life fit, looking for the possibility of transcendence,
discovering new abilities and reaching other forms.
326
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
for Applied Scientific Research, in which biosensors record brain waves, heart rate
and galvanic skin response. Emotional data are analysed and metamorphosed into
their symbolic representation as light, a metaphorical allusion to the materialization
of the metaphysical space in physical space. At the same time, is important to men-
tion “Endless” project of TeamLab (2017), an ultra-technologies interdisciplinary art
group collective, based in Tokyo, whose collaborative practice seeks to navigate the
confluence of art, science, technology, design and the natural world. This installation
explores the effect of resonance through the projection of traces of particles forming
vortices of light. If the interlocutor moves, a force is applied in that direction, result-
ing in a flow, which when it happens faster than the velocity of the surrounding flow,
becomes a phenomenon of rotation, creating a vortex. Movement stimulates these
vortices, which in turn drive the individual to move.
The photopic search of the human being, a moving being looking for light, is ad-
dressed in the Thesis in Image Theory “Ecrã duplo. A Subjectividade Espacial do Es-
pectador na Imagem em Movimento Instalada” (Santos, 2012), a feature that puts the
viewer’s body in charge of visiting the communication space, establishing the path
between the elements in a healthy interactive cohabitation. The projection has a
luminous action that can provoke effects of transformation of the space. “Impressões
da Luz: Articulações da luz, da cor e da forma no espaço” (Zurita, 2010) is a Thesis that
addresses how urban supports can be modified by the light of projections, which
illuminates and launches images, impregnating them, and changing the initial
conditions. Multimedia projections play an important role in the transfiguration of
spaces, of communication, in this process of designing new perceptive layers, which
must be refined, modulated, in order to bring about an improvement in well-being.
The interactive installation “Deep Sea Room” produced by Japanese artist Takahiro
Matsuo (2012), provides a dive into the depths of the sea. The design of the envi-
ronment produces an immersion in the oceanic abyss, being the individual that ex-
periments this installation totally surrounded by jellyfish. A virtual scenario without
the dangers associated with contact with these beautiful marine beings. As visitors
approach or move away from walls, the number and frequency of jellyfish fluctuates.
This installation as the collaboration of architect Akihisa Hirata in the definition of
the spatial experience, where exploration through light, projections and architec-
ture, human interactions are strongly encouraged.
327
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
on an iPad. This work deals with a different way in which light can be projected into
the communication space, such as the way of interacting with the user. The work
“Onde Pixel” by the Italian artist Miguel Chevalier (2016), seeks this counterbalance
of inputs, playing between vision and spatial perception of the individual in his gen-
erative and interactive installation of virtual reality held at the UniCredit Pavilion in
Milan. This fluid universe reacts to the circulation of visitors due to the distribution of
sensors. The movements amplify the distortions of the virtual scenes under his feet
and influence the generative music of Jacopo Baboni Schilingi. The “Trompe l’oeil”
effects interfere on the perception of visitors while creating the sensation of a mov-
ing floor. It refers to Kinetic Art and Op Art, which conducted research on movement,
light or illusion of optics and prefigured digital art. Colours and forms in motion lead
to an imaginary and poetic journey of illusion and optical play.
Final considerations
To deliver new forms of design is essential to centre our attention on giving mean-
ingful innovative proposes that are reflections of the individual and collective needs,
and switch on a bright connection to world. Significant and virtuous matters have to
be included on the concepts, to materialize experiences that really make the differ-
ence, and will not be just another thing with a short life expectancy. Filled of that is
this artificial world, a place that urge to be redesigned, as it must discover a way for
a more levelled equilibrium.
This research essay was brought into being as a search for clues that put an empha-
sis on the significant construction of meaning. Through this research were found
other fonts of evidence that could also be note of future awareness. However, the
selected cases and literature show to be of great importance for the understanding
328
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
of this conceptual territory, which is carried out within the field of desire, the re-en-
counter with the sense of place and the emphasis of the significant qualities in the
individual’s relationship with others. Therefore, is educed that significant virtue can
be found on the matters of fact that fell right to interact with, that value the cultural
surrounding heritage, that stage with the stimulus perceived, and that reconnects
our existence.
References
Appaduray, A. (1990). Disjuncture and difference in the global cultural economy.
Oxford Blackwell Publishing.
Burnett, D. (2017). The idiot brain. Faber & Faber. Editor: Presença.
Giannoulis, S. & Verbeek, F. (2014). The Happiness Cube; an Approach to Elicit Re-
laxation and Happiness through Sound, Video, Light and Odor. Leiden Universi-
ty. Retrieved from https://www.researchgate.net/publication/203334787
329
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Gibson, J. (1986). The ecological approach to visual perception. New York: Psy-
chology Press.
Heidegger, M. (1927). Being and Time. Oxford Blackwell Publishing. 1962 ed.
Heidegger, M. (1969). Art and Space, Man and World: An International Philo-
sophical Review.
Heller, E. (2000). Wie Farben auf Gefuhl und Verstand Wirken. Editor: Garamond.
Ed. Pt 2018.
Kluckhohn, C. (1962). Culture and behavior; collected essays. New York: Free
Press of Glencoe.
Miller, D. (1987). Material culture and mass consumption. Oxford Blackwell Publishing.
Norman, D. (2007). Emotional design: why we love (or hate) everyday things. Ba-
sic books.
Nota Bene Visual, Atelier. (2011). In order to Control. [Web log post]
Retrieved from http://www.notabenevisual.com/works/in-order-to-control
330
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
331
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A relação entre desenho e gestos reflete diferentes formas de comunicação si-
lenciosa. Para o surdo que vive no Brasil, a LIBRAS pode ser apreendida como sua
primeira língua. Contudo, se há grande semelhança entre o português falado
e escrito em Portugal e no Brasil, o mesmo não ocorre na comunicação entre
surdos portugueses e brasileiros que, por utilizarem universos linguísticos de
origens diferentes, não encontram espelhamentos gestuais equivalentes às so-
noridades e marcas escritas compartilhadas pelos dois países.
O uso de tecnologias, não centradas apenas na visualidade, possibilita o envolvi-
mento dos sentidos humanos e favorece a ideação de imagens e artefatos con-
temporâneos do design/arte, pois a noção da visão como centro da percepção
humana é mais uma sensação que não descarta o toque, o gesto... Ao pensar
na comunicação surda, destacamos formas outras de estar e de agir no mundo
possibilitando, para além da valorização desse grupo, provocar reflexões sobre
articulações entre gesto, palavra e imagem de modo muito mais complexo.
Palavras-chave: design, arte, surdez, gesto, linguagem.
Abstract
A Brazilian deaf might learn LIBRAS as a first language. However, the similarity be-
tween the spoken and written language in Portugal and Brazil is not the same as
sign language for Deaf People in those Countries.
The technologies, not just visuality, can benefit from intervention based on the stim-
ulation of the other senses: that is the condition of contemporary creativity. The hu-
man perception consists of five senses, not only the vision, but also the haptic sense,
332
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
among others. Thinking about deaf communication, we can find links between ges-
ture, words and images in a very complex way.
Keywords: design, art, deafness, gesture, language.
Design e sentidos
No campo do design, ainda hoje, a ideia de comunicação visual se apoia no mode-
lo passivo de recepção visual e, apesar de algumas resistências, está ancorada no
modelo cognitivo de representação que visa idealizar circunstâncias consideradas
cognitivamente normais, buscando corrigir determinadas situações com a intenção
de obter melhores resultados. Como, por exemplo, o uso das ilusões figurativas nas
narrativas visuais (animações, ilustrações, entre outros) ou o intuito de evitar o que
são considerados erros de comunicação visual provocados por uma representação
particular do mundo (cores, formas, entre outros). Assim, nos parecem existir canais
diferentes que captam a natureza em sons, cores, etc, desconectados e dissociados
uns dos outros nos estudos de muitos autores.
Por outro lado, a utilização de tecnologias, não apenas centradas no aspecto visual,
possibilita o envolvimento dos sentidos humanos e favorece a ideação e criação de
imagens e artefatos contemporâneos do design, pois a noção da visão como centro
da percepção humana é mais uma sensação que não descarta o toque, o gesto, o
olfato, o paladar, entre outros.
Brian Massumi (2016) observa que é um equívoco pensar nessas sensações sepa-
radas como canais específicos. Para este autor, o movimento que acompanha cada
sensação em nosso corpo pode ser comparado à imagem da ponta de um iceberg
experiencial: ou seja, o que imaginamos perceber como um canal específico, por
exemplo, a visão que capta determinada imagem, significa que ao longo da vida
até a fase adulta de um observador já foi “educado e escolarizado” nesta virtual ex-
tensividade de diagramação espacial. Contudo, esta formatação das sensações não
consegue evitar o que Massumi considera como outras regiões desse “iceberg”: “As
regiões imperceptíveis do iceberg são a intensidade da experiência da qual a exten-
sividade da experiência emerge” quando temos a experiência de algum aconteci-
mento. Em alguns momentos, provocados por afetos ou outros fatores essa “parte
do iceberg” se intensifica e atravessa uma espécie de padrão de diagramação espa-
cial que foi configurado anteriormente. O resultado disso é que temos a impressão
de um distúrbio. (MASSUMI, 2016)
Mas, por que essa investigação interessa ao designer? A crença de que nossa percep-
ção é fundamentalmente uma recepção passiva de uma imagem é um tabu ainda
hoje em vários estudos e esta noção precisa ser reavaliada nesta área da pesquisa e
do ensino do design.
333
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Além disso, outros importantes debates se somam a esse tabu, gerando ao que Massu-
mi (2017) denomina como “complexos de espetáculo-espectador” e a “estrutura opres-
siva”. Este autor realiza uma reflexão a partir das ideias do semiólogo Gregory Bateson,
e destaca que, ao se referir à noção de “enquadramento”, o aspecto visual e a lógica se
aproximam por uma longa tradição histórica com a dicotomia exclusão/inclusão:
“Em ambos os casos — o visual e o lógico — é uma questão de exclusão por inclusão. A moldura
do quadro inclui certo número de elementos visuais organizados como uma gestalt perceptual.
A inclusão na moldura coloca em primeiro plano as figuras pintadas que ali aparecem, realçan-
do-as contra o fundo formado por aquilo que a moldura exclui. Um enquadramento visual é
também um enquadramento lógico. É “uma instrução para o espectador de que ele não deveria
estender as premissas que obtém entre as figuras no quadro ao papel de parede atrás dele”.
(MASSUMI, 2014: 128)
Para o surdo que vive no Brasil, a Língua Brasileira de Sinais pode ser apreendida
como sua primeira língua, contudo constitui desafio linguístico sua transposição
para o português pelas diferenças em diversos aspectos do nosso idioma falado.
Roland Barthes (2006) destacava essa questão ao pensar no sistema em que corpos
de significados implicam “por parte dos consumidores de sistemas (isto é, ‘leitores’),
334
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Apesar das línguas de sinais explorarem a visão como principal sentido para um di-
álogo por meio de gestos, ao pensar na comunicação surda, por exemplo, destaca-
mos outras formas de estar e de agir no mundo, o que nos faz notar a importância
do estudo dessas sensações para além da representação e até mesmo da cognição.
Isso possibilita não apenas a valorização desse grupo, mas provoca reflexões sobre
as articulações entre gesto, palavra e imagem na nossa sociedade, de modo muito
mais complexo.
335
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Neste sentido, nossas investidas teóricas se encontram com a prática do projeto, ten-
do em vista as ações no design/arte, na liberação das intenções de uso ou função.
Deste modo, as reflexões e fabulações são geradoras tanto de objetos para uso co-
tidiano quanto de trabalhos apresentados em exposições e mostras, obras que pro-
vocam o espectador a pensar sobre as relações possíveis entre língua/linguagem/
imagem, entre outras ideações, com características semelhantes às obras artísticas
de caráter visual, como instalações, vídeos, desenhos, artefatos e performances.
Entre muitos dos pontos de contato possíveis, nos dedicamos, por exemplo, a pen-
sar sobre a escrita alfabética, sua presença, na dinâmica que produz nos inúmeros
textos e palavras, que podem se expandir em possibilidades da escritura, como dinâ-
mica criadora, pertencente ao processo do designer e do artista em suas pesquisas
e na elaboração de seus trabalhos. Considerando, assim, em alguns momentos, que
esta escrita possa revelar a negação da própria palavra e da letra, transfigurando-se
em códigos diversos, gesto, movimento e transitoriedade de significados. Por meio
do estudo da língua, por exemplo, encontram lugar em nossos trabalhos, o exercí-
cio teórico e prático acerca das relações de significação, afeto e criação, no enfren-
tamento do aprendizado de uma nova língua, uma língua de gestos, neste caso a
LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais.
Por outro lado, nos espanta que Língua Gestual Portuguesa (LGP), incluindo tanto a
datilologia quanto os sinais, se diferencie da Libras, levando à reflexão dos modos
como ocorrem as ligações entre o gestual, a língua, as expressões e afetos. Do ponto
de vista histórico, o fenômeno se deu pelo modo como aconteceu a institucionali-
zação das línguas de sinais nesses territórios. Em Portugal, no século XIX, quando o
rei D. João VI fundou um instituto para educação de surdos tendo como orientador
o sueco Per Aron Borg, enquanto no Brasil, há uma origem francesa do alfabeto em
LIBRAS, trazida pelo professor Édouard Huet. Assim, apesar das aproximações cul-
336
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tecnologia e olhares-gestos
Considerando os nossos dias atuais, temos a possibilidade de sermos mais capaci-
tados criativamente, liberados de algumas tarefas que são realizadas hoje pelas tec-
nologias, contudo, paradoxalmente, ao reduzir esse dinamismo do corpo em alguns
recursos quando usávamos as mãos, nos tornamos mais vulneráveis à depender das
formas empregadas pelo computador e pela lógica do raciocínio.
Erin Manning e Brian Massumi (2014) notam que as abordagens baseadas nos con-
ceitos de esquema corporal e conhecimento implícito são condicionados ao raciocí-
nio lógico. E, fomentados pelo raciocínio dicotômico e cartesiano, determinam pre-
viamente o dinamismo corporal. Sendo assim, o dinamismo do corpo é readequado
a uma “dependência de uma mentalidade central” expressa em forma lógica e ligada
ao elemento de “significado geral compartilhado pela linguagem”. A oposição bi-
nária entre a mente e o corpo só pode ser desestabilizada quando aceitamos “dizer
que o movimento incorpora nada além de si mesmo. O movimento nunca incorpora
nada. Apenas corpos, a qualquer momento”. (MANNING & MASSUMI, 2014: 38)
Em primeiro lugar, podemos dizer que pode-se pensar que esses códigos diversifi-
cados nos permitem uma construção diagramática (mapas), cujo objetivo não é a in-
terpretação ou a busca de um sentido global unificado, mas a produção dearranjos
com outras leituras possíveis.
Por tais motivos, o objetivo deste estudo não visa se concentrar em recuperar equi-
valências culturais de tradução nessas comunicações, mas observar as inúmeras di-
337
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ferenças e semelhanças que surgem nessas relações: ou seja, nos chamam a atenção
os detalhes que são evidenciados e produzidos por novos conjuntos e por remon-
tagem. Desenhos, palavras e gestos são como pontos de um mapa: aspectos quase
imperceptíveis das mudanças nas sociedades e na comunicação entre pessoas que
culturalmente pareciam estar sustentadas em uma mesma base sólida e constante,
que envolvem ramificações históricas, práticas sociais, entre outros aspectos, que
têm como elo de significância a Língua Portuguesa.
Preferimos chamar de pontos que formam essa constelação (mapa) que fundamen-
ta não apenas o reconhecimento do código por meio da realidade aumentada, mas
também se apresentam como gráfico. Um gráfico apresenta informações em um
espaço abstrato. Essas anotações-fragmentos trazem à superfície combinações que
não estão perceptíveis em um nível cognitivo ou podem afetar ou serem afetadas
por processos que ocorrem em espaços virtuais.
338
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Potenciais latentes
As organizações e redes e as imagens confeccionadas nos computadores, nos per-
mitem pensar em aproximações e distanciamentos entre Brasil e Portugal que an-
tes não era possíveis. Portanto, este entrelaçamento entre língua de sinais/gestos,
escrita e imagem fica mais evidente com os espaços multidimensionais, a partir da
visualização e operação disponíveis através da tecnologia. Ferramentas do design
como animações, desenhos, gráficos, cores, etc nos permite imaginar um sistema
mais complexo para além das relações do conhecimento ou experiência acumula-
dos pela narrativa Histórica, mas também pelos afetos gerados nas frágeis ações e
dinâmicas cotidianas, entre outros.
Agradecimentos: este trabalho não seria possível sem a parceria das professoras do
curso Letras-Libras Danielle Mendes e Georgina Martins e a participação dos alunos
do projeto de extensão Imagens em Diálogos Possíveis (EBA e Letras-Libras / UFRJ).
Referências
BARTHES, R. Elementos de semiologia. 16a ed. trad.: lzidoro Blikstein. São Paulo:
Editora Cultrix, 2006.
339
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MANNING, E.; MASSUMI, B. Thought in the Act. Passages in the Ecology of Expe-
rience. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.
SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução Laura Teixei-
ra Motta. São Paulo: Companhia das Letras. 1998.
340
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumen
El artículo pretende aportar algunas reflexiones sobre las prácticas artísticas de
proyecciones audiovisuales en el entorno urbano que están vinculadas con las
performances, el video graffiti portátil y las prácticas anti-mapping. Con estas
reflexiones queremos contextualizar el marco referencial y conceptual proyecto
que estamos llevando a cabo en las calles de la ciudad de Valencia.
Alejados de una proyección estática y de un ambiente uniforme, se pretende
tener otro tipo de relación con la ciudad y sus habitantes (espectadores) y crear
relaciones dinámicas dentro de la metrópoli contemporánea.
Palabras clave: Proyecciones audiovisuales, Bicicletas, Video graffiti, Anti-mapping
Abstract
The paper aims to provide some reflections on artistic practices of audio-visual
projections in the urban environment. These practices are linked to performances,
portable video graffiti and anti-mapping projections. With these considerations
in mind, we wish to contextualise the referential and conceptual framework of the
project that we are currently carrying out in the streets of the city of Valencia, Spain.
Rather than producing a static projection and a uniform ambiance, the aim is to
create different type of relationship with the city and its people (viewers) and to form
a dynamic relationship within the contemporary metropolis.
Keywords: Audiovisual projections, Bicycles, Video graffiti, Anti-mapping.
1 Visual artist, researcher in interactive digital media. She is Professor at the Universitat Politècnica de
València, teaches at the Master in Visual Arts and Multimedia UPV, and the Master in Contemporary
Technological and Performing Art at the Universidad del País Vasco. She is a founding member of the
Research Group Laboratorio de Luz UPV (1990), and a founding member of the cultural association
HackLab Pluton.cc (2009) based in Valencia.
2 Visual artist, professor at the Universitat Politècnica de València, she teaches image technologies at
the Faculty of Fine Arts in Valencia. She is a founding member of the UPV Light Laboratory Research
Group (1990).
341
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introduction
In recent years, the practice of video mapping has expanded across many cities, with
large-scale image-light projections being cast over the irregular surfaces of façades
and monuments. Initially, this practice made a contribution to public art through its
strong element of social criticism, as in the case of the work of Krzysztof Wodiczko.
But over time, mainly on account of the spectacular nature of its expression, it has
evolved into a type of grandiose institutional event, using powerful projectors that
obscure everything else with their blinding light. A bombardment of dazzlingly bri-
ght images that hypnotize the public through their scale and impact, putting art at
the service of power. Guy Debord (1967) proclaimed that capitalist policies were
behind the transformation of urban life through the spectacle, where the commodi-
ty and capital become the mediated image.
Other key elements of this proposal are bicycles and scooters, vehicles that are trans-
forming our way of getting around the city, because they provide a friendlier way of
travelling, less polluting and generally move at a more human pace. To this we can
add the symbolic nature of the bicycle, a vehicle that has historically offered a means
of emancipation for women since the time of the suffragettes, as pointed out by
Susan B. Anthony: “bicycling… has done more to emancipate women than anything
else in the world” (Bly, 1986). It also symbolizes a stand against polluting traffic emis-
sions, fumes, particles and noise. “Since 2013, more bicycles have been sold in Spain
than cars. What some then blamed on the economic crisis, seems to have become
a trend that has been maintained over time.” (Cabezas, 2017) Among these active
means of transport, which demand a physical effort by the traveller, such as walking
or cycling, the scooter has emerged as a popular non-polluting urban vehicle, its use
becoming increasingly widespread in many cities. Cycling and scootering is the way
in which we are intending to make these small gestures, which, like mobile fireflies,
project light-images in the form of ephemeral graffiti.
Neruda provides us, with a poetic perspective, an analogy between these vehicles
and insects:
342
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
These elements mingle together in the form of a migrating performance that roams
the streets to reclaim the urban public space. A directionless movement, with no fixed
destination, tracing luminous signals to create a playful and sensorial experience.
“It is one of the ironies of our age that now, when the streets have become the hot-
test commodity in advertising culture, street culture itself has come under siege.
From New York to Vancouver to London, police crackdowns on graffiti, postering,
panhandling, sidewalk art, squeejee kids, community gardening, food vendors are
rapidly criminalizing everything that is truly street-level in the life of a city” (Klein,
2000, p 311).
343
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Artistic References
“Illegibilities of the layered depths of a single place, of ruses in action and historical
accidents. The writing of these evocations is sketched out, ironically and fleetingly in
graffiti, as if the bicycle painted on a wall, an insignia of a common transit, detached
itself and made itself available for indeterminate tours”. (de Certeau, 2002, p. 200)
Némo often paints figures of bicycles riding through the city, surrounded by objects;
a black cat, a kite or a balloon, and a suitcase with their name signifying no-one in Latin.
The beam shining from the bicycle appears like a projection, and the style of his gra-
ffiti bears much in common with a certain everyday innocence breaking the routine
on the streets with simple actions.
The Laser Tag action (2006) by the Graffiti Research Lab is another reference for our
project. They employ video tracking techniques using an open source app deve-
loped by openFrameworks. The work requires viewers to take action, so that they
briefly become graffiti artists who, drawing with the aid of a laser, leave illuminated
ephemeral messages on the street, which the software transforms depending on the
parameters selected.
A pioneering example of interactive art is The Legible City (1988-1991) by Jeffrey Shaw.
In his work, the presence of a stationary bicycle invites the viewer to ride through a
virtual city, constructed from large three-dimensional blocks of text. Pedalling and
turning the handlebars, the viewer controls where they go and the speed at which
they travel through the legible town. A small monitor placed in front of the bike dis-
plays a map of the city, showing the current position of the cyclist.
344
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The video artists M-O-T-H send out invitations for their projections of small mobile
images to their neighbours. As part of their StreetLight action, they travelled through
the streets of North Kensington presenting a curious illuminated trail of treasures,
which consisted of a mix of stories, performances and guerrilla video type projects.
With the trail of visual clues, images and animations, M-O-T-H offered an alternative
portrait of the neighbourhood, based on real stories and anecdotes told by the local
residents using street graffiti techniques
Another example of graffiti digital dynamization is Mule (2019) by Escif and n3m-
3da, performed for the 2019 Lyon Biennial. Using a physical device that generates
a local network linked to an App, the residents are able to interact autonomously
and anonymously with each other by introducing augmented reality images or
345
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
texts into the areas of the neighbourhoods where the device is installed. This work
encourages sharing and aims to reactivate walls in several locations in Lyon as
places of free expression.
Mounted on bicycles and scooters that are modified to accommodate the projectors
and a portable audio system with Bluetooth connection, the performers ride around
the streets of Valencia’s Carmen neighbourhood.
346
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The images are not projected onto the walls or surfaces in the same place, rather
they mutate over a fluctuating path, moving in no preordained manner, so that the
public/viewers capture a fleeting view of the projections. It is a practice of transien-
ce, with the images escaping, allowing little more to be known about the projections
beyond an ephemeral experience.
These urban performances were not produced in silence, although neither was the-
re a thundering noise. The projections were accompanied by the sound of On the
corner by Miles Davis. When the album was released in 1972, critics dubbed it “the
most hated album in jazz” (Tinge, 2007), and was subject to relentless criticism that
caused it to go underground until 1990, when it became an iconic work for many
young musicians, and today it is considered a precursor to funk, post-funk, electro-
nica and hip hop.
Conclusions
Starting with the earliest research into questions around the relationship betwe-
en bicycles, video graffiti and urban performances, we began to experiment on
the streets of the city. In conclusion, combined with the expectation of future
work, we wish to highlight that these small practices have opened up for us not
only opportunities for expression, but also a reencounter with basic experien-
ces that at one time propelled us and which the frenetic course of our routines
crystallized into pupas, but which that have metamorphized into new illumina-
347
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Admirable dialectical vision, on the one hand: ability to recognise in the smallest
firefly a resistance, a light for all thought. Non-dialectical desperation on the other:
the inability to find new fireflies once we have lost sight of the former ones –the «fi-
reflies of youth»” (Didi-Huberman, 2012, p 51)[translator’s translation]
As further work we are currently developing another urban performance entitled Un-
derground Sky, in which the performances record images of the sky and the ground,
which are then sent to a server where a program creates compositions with the ima-
ges. These are then streamed to other performances that subsequently project them.
Acknowledgements
This project has been made possible thanks to the Agencia Estatal de Investigaci-
ón of Ministerio de Ciencia, Innovación y Universidades support for the project De-
sarrollo de sistemas interactivos para la generación y proyección de imagen-luz y
sonido: revisión de su incidencia en arte público. Ref. HAR2017-87535-P-AR , and
the Generalitat Valenciana’s support for the project Ciclope. Visualización creativa de
sonido basada en propiedades perceptuales del sonido aplicada a la realización de
eventos audiovisuales en directo. Ref. GV/2017/028.
We would like to thank the research group Laboratorio de Luz of the Universitat
Politécnica de Valéncia for their support to this project.
References
Barthes, Roland. (1999). Camera Lucida. Reflections on Photography. Farrar, Straus
& Giroux Inc.
Bly, Nellie. (1890). Champion Of Her Sex: Miss Susan B. Anthony. In The New York
World, 2 February de 1896. New York: Pictorial Weeklies.
Cabezas, Dani. (2017). Así mejora la bici tu ciudad. En eldiario.es #16. Movilidad
Sostenible. La ciudad civilizada. (iBook).
de Certeau, Michel. (1984). The Practice of Everyday Life. University of California Press.
Debord, Guy. (1967) La sociedad del espectáculo. Recovered on 10 July 2019, from
http://serbal.pntic.mec.es/~cmunoz11/Societe.pdf
348
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Klein, Naomi. (2000) Reclaim the Streets. In No logo. Great Britain: Flamingo.
Tingen, Paul (2007). The most hated album in jazz. The Guardian. Recovered on 18
July 2019, from https://www.theguardian.com/music/2007/oct/26/jazz.shopping
349
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Em um espaço de dez anos, laboratórios de fabricação digital – inicialmente dedi-
cados a engenharia e desenho industrial – vêm se proliferando e ampliando sua
abrangência para áreas diversas em que a prática experimental como meio para
criação é elemento focal. Enquanto alguns destes laboratórios permitem o acesso
livre a seus equipamentos ou, de modo diverso, são privados, outros são exclusiva-
mente voltados para o suporte a atividades universitárias. O presente artigo tem
por finalidade destacar a relevância da implantação de laboratórios de fabricação
digital para o ensino, pesquisa e extensão, em contexto artístico acadêmico, com
apresentação de caso específico do ModelaFab, Laboratório de Modelagem e Fa-
bricação Digital do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Em primeiro lugar, apresentare-
350
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
In a period of ten years, digital manufacturing laboratories - initially dedicated to en-
gineering and industrial design - have been proliferating and expanding their scope
for a variety of application areas in which experimental practice as a medium for cre-
ation is a focal element. While some of these laboratories allow free access to their
equipment or are otherwise private, others are exclusively focused at supporting uni-
versity activities. This article aims to highlight the relevance of the implantation of dig-
ital manufacturing laboratories for teaching, research and extension, in an academic
artistic context, by the presentation of ModelaFab, a Modeling and Digital Manufac-
ture Laboratory that is part of the Department of Fine Arts of the School of Commu-
nications and Arts of the University of São Paulo (ECA-USP). In the first place, we will
present the challenges arising from the implementation of a university laboratory of
digital manufacturing; secondly, we will expose the process of installing ModelaFab,
its structure and the activities there developed up to now.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Digital Manufacturing, Teaching, Research, Ex-
tension, Visual arts.
351
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Apesar de inicialmente serem utilizados por áreas como engenharia e desenho in-
dustrial6, visando principalmente o desenvolvimento de protótipos, os laboratórios
de fabricação digital podem ser também considerados como espaços para produ-
ção criativa ligados às mais diversas áreas, tais como artes, arquitetura, design, enge-
nharia, etc. Esses locais proporcionam oportunidade de experimentação de novos
materiais, ideias e métodos no ato de projetar e representar um determinado objeto.
Eles utilizam tecnologias digitais e analógicas para a difusão de habilidades técnicas
e a criação de novos produtos.
O interesse pela prática criativa nestes espaços pode ser atribuído ao movimento
maker que se iniciou fora do sistema universitário, e teve como fundamento a cultura
do Do-It-Yourself (DIY), cujos três princípios básicos são os seguintes: a) uso de fer-
ramentas digitais para criação de projetos e prototipagem de novos produtos (DIY
digital); b) compartilhamento de projetos e colaboração online com outras comuni-
dades; c) uso compartilhado de arquivos-padrão, possibilitando o envio de projetos
para fabricação em serviços de produção comercial (Anderson, 2012, p.21).
Todavia, a autora (2016, p. 143) ressalta que, apesar de o modelo de DIY digital au-
mentar certamente a agência dos usuários e lhes dar autonomia em relação aos
6 Conforme Henno (2016, p.75), atualmente enquanto a Engenharia Mecânica tem produzido par-
tes de motores metálicos para as indústrias espacial e automotiva, a Engenharia Civil com a Arqui-
tetura vêm produzindo até casas inteiras por meio da fabricação digital. Outra área que se beneficia
com a fabricação digital é a Odontologia, com a realização de coroas dentárias personalizadas para
a estrutura bucal. Também na Medicina, a fabricação digital tem produzido um grande impacto, com
a produção de implantes, próteses e medicamentos.
352
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Maldini (2016, p. 154) ainda afirma que os sentimentos descritos pelos participan-
tes da pesquisa em relação à sua experiência parecem intimamente relacionados ao
sentimento de “fluxo”, descrito por Mihaly Csikszentmihalyi (1991). Ao fazer as coisas
acontecerem, em vez de serem comandadas por agenciamentos externos, as pesso-
as, de certa forma, sentem-se no controle de suas vidas. Para a autora, este é o real
valor do DIY digital: enfim, capacita os usuários a satisfazerem suas necessidades de
maneira autônoma, resultando em uma cultura material, diversa e de “escala huma-
na”, propiciando sentimentos de prazer e realização resultantes da ação. No entanto,
mesmo considerando esse impacto positivo, Maldini ainda observa que se deve ter
em mente as implicações da popularidade dessa tecnologia para o meio ambiente,
uma vez que tal tecnologia implica uma produção de material facilmente acessível e
distribuível (cada vez mais crescente)7.
Ademais, sem perdermos de vista as implicações antes referidas, tem-se ainda que,
no âmbito das universidades, tais espaços podem, segundo Barrett et al (2015),
responder à necessidade do estabelecimento de retroalimentações entre teoria e
prática, fornecendo meios extra-curriculares para que os alunos participem de mais
projetos práticos e desenvolvam uma grande variedade de habilidades. Segundo o
autor, os espaços makers vão além do ambiente tradicional de oficinas, oferecendo
acesso a equipamentos de prototipagem rápida e espaços de design conceitual. Po-
dem, além disso, servir como complemento para os cursos (de graduação e pós-gra-
duação), trazendo benefícios inerentes à habilidade na construção de modelos físi-
cos, assim como à instauração de ambientes de aprendizagem informais, também
abertos à comunidade.
7 Alinhado à preocupação com o meio ambiente, propõe-se no movimento DIY expandido, a mu-
dança do “fabricar” para o “reparar” (Bidoret, 2014). Nesse sentido, a figura do maker como indivíduo
“faz tudo”, seria atualizada para fixer (reparador), ou remaker (refazedor), pois este reutilizaria objetos
e produtos fabricados a partir de modificações, recontextualização e combinações.
353
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O primeiro cenário diz respeito aos perigos de se privilegiar um uso banalizado dos
equipamentos, prática em que o produto se sobressaia em relação ao processo. Tal
fato demanda dos educadores a necessidade de se esquivar dos projetos de de-
monstração rápida e levar os alunos a empreendimentos mais complexos.
Não havendo uma única e certa maneira de responder ao problema enunciado, do que
decorre uma prática exploratória para alcance da solução do problema, o segundo ce-
nário se refere ao potencial de os laboratórios de fabricação digital proporcionarem um
354
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ambiente para experiências viscerais de design, que podem levar a níveis de envolvi-
mento tanto de frustração quanto de excitação, normalmente não comuns à experiên-
cia cotidiana na universidade.
Do ModelaFab
O Laboratório de Modelagem e Fabricação Digital – ModelaFab, do Departamento
de Artes Plásticas da ECA-USP – iniciou suas atividades no ano de 2013. Naquele
momento, localizava-se no prédio do Departamento de Artes Plásticas. Contudo,
em razão da inadequação de espaço físico, as suas atividades eram bem restritas,
sendo o seu uso limitado somente às disciplinas de representação gráfica do cur-
so de Artes Plásticas. Primeiramente, com verba proveniente do Convênio Pró-E-
quipamentos – Edital CAPES nº 25/2011 – foi adquirida máquina a laser de corte
plano. Posteriormente, também com auxílio proveniente do Convênio Pró-Equi-
pamentos, mas do Edital CAPES Pró-Equipamentos nº 024/2012, foi viabilizada a
compra de outros equipamentos vinculados à tecnologia de impressão 3D e fresa-
gem digital. Mais recentemente, em agosto de 2018, o Laboratório de Modelagem
e Fabricação Digital passou a se localizar no Espaço das Artes (EdA), da Universidade
355
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de São Paulo (USP), onde foi possível a distribuição adequada de todos os equipa-
mentos em um único espaço.
356
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figuras 1a (detalhe), 1b (visão geral). Fresadora CNC Router modelo Raptor 1313. Laboratório de
Modelagem e Fabricação Digitais (ModelaFab), Espaço das Artes (EdA), Universidade de São Paulo
(USP), São Paulo. Fonte: Equipe ModelaFab
Figuras 2a (detalhe), 2b (visão geral). Cortadora a Laser Ruijie Laser, modelo RJ-1060.
Laboratório de Modelagem e Fabricação Digitais (ModelaFab), Espaço das Artes (EdA),
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo. Fonte: Equipe ModelaFab
357
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Processo aditivo: materiais são acrescentados camada a camada para se formar o ob-
jeto. As impressoras 3D realizam esse processo. Dentre diversos tipos de impressão
3D, o sistema FDM (Fused Deposition Modeling), modelagem por fusão e deposição
de material, é o mais comum. As opções de material podem variar dependendo do
modelo de impressora com a qual se trabalha, contudo, dois tipos de plásticos são
os mais comumente utilizados: ABS (acrilonitrila butadieno estireno), termoplásti-
co resistente, derivado do petróleo (Micallef, 2015, p.99); e PLA (ácido poliláctico),
termoplástico biodegradável, que possibilita ter uma riqueza de detalhes (Micallef,
2015, p.99). O ModelaFab possui dois modelos grandes e um pequeno de impresso-
ras 3DCloner (Figuras 3a, 3b).
Estrutura do ModelaFab
O ModelaFab possui máquinas anteriormente referidas: uma fresadora CNC Router,
modelo Raptor 1313, uma cortadora a laser Ruijie Laser, modelo RJ-1060, duas im-
pressoras 3DCloner, modelo ST e uma impressora modelo DH. Também possui um
Kit Arduino como componente eletrônico. Em questões de infraestrutura, apresenta
três computadores com diversos software instalados (Inkscape, Illustrator, Blender, 3ds
Max, Arduino, entre outros), mesas, dois armários para armazenar ferramentas, ma-
teriais e equipamentos.
358
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
359
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
sistemas digitais podem potencializar a criação, com vistas a serem utilizados como
instrumento e forma inovadora de representação. Além do mais, o curso intentou
criar um foro de discussão sobre temas de investigação na confluência da arte e dos
processos digitais de fabricação.
O curso se desenvolveu a partir das seguintes atividades: aulas expositivas com discus-
sões em grupo sobre a bibliografia indicada; aulas práticas no ModelaFab; palestras de
artistas e pesquisadores convidados, com vistas a compartilharem informação sobre
tópicos do conteúdo proposto; seminários destinados a articular conhecimentos que
problematizem as relações entre arte e processos digitais de produção.
360
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
361
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
362
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para tanto, o curso foi estruturado em aulas expositivas com introdução à fabrica-
ção digital, e a processos de montagem, colagem e bricolagem (para cada processo
procurou-se abranger exemplos de trabalhos artísticos produzidos com a fabrica-
ção digital). As aulas expositivas foram distribuídas ao longo do curso, que também
promoveu aulas práticas visando desenvolver conhecimentos ligados à elaboração
de trabalhos com o auxílio da fabricação digital. Foi dado enfoque à cortadora a
laser, de modo a explorar, de forma aprofundada, soluções de planificação, encaixe e
empilhamento em exercícios, que pretenderam estimular a produção de estruturas
criativas, partindo do bidimensional ao tridimensional.
Ministração de Workshops
O primeiro workshop oferecido pela equipe do ModelaFab ocorreu nos dias 22/04,
29/04, 06/05 e 13/05 de 2019, às segundas-feiras, das 14h às 16h, resultando em um
total de 8 horas de atividades.
363
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O segundo encontro “Estêncil com Cortadora a Laser” foi proposto com a intenção
de demonstrar a possibilidade de mescla de meios artesanais, de massa e digitais.
Foi introduzido o software livre Inkscape, assim como em todos os outros encon-
tros priorizou-se o uso de programas livres. Os participantes9 realizaram projetos de
estêncil que foram cortados a laser (Figura 9), e houve a possibilidade de discutir
adaptações nos desenhos (CAD). No segundo encontro também foi demonstrado
o funcionamento da fresadora CNC, com exemplo de corte de um círculo de 6cm
de diâmetro. Pelo fato de possuir uma complexidade maior em nível de execução, e
requerer profissionais qualificados no manuseio da máquina, não foram propostos
desenhos a serem cortados com essa tecnologia.
Figura 9. Resultado do workshop “Estêncil com Cortadora a Laser”, realizado no dia 29/04/2019 das
14h às 16h. Laboratório de Modelagem e Fabricação Digitais (ModelaFab), Espaço das Artes (EdA),
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo.Fonte: Ministrantes do workshop.
9 A primeira sequência de workshops oferecidos pela equipe do ModelaFab contou com 15 partici-
pantes inscritos, entre alunos e professores do CAP-ECA-USP e PPGAV ECA-USP.
364
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 10. Processamento da sequência de imagens capturadas com o aplicativo para smartphone
Android SCANN 3D. Laboratório de Modelagem e Fabricação Digitais (ModelaFab), Espaço das Artes
(EdA), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo. Fonte: Ministrantes do workshop.
365
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
10 De modo geral, usuários têm demonstrado interesse em explorar as possibilidades das tecnolo-
gias do ModelaFab, e estão encaminhando projetos para supervisão da equipe com a intenção de
viabilizá-los no âmbito do ModelaFab.
366
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esse material tem se mostrado útil como referência em aulas de disciplinas do Departa-
mento de Artes Plásticas da ECA-USP, conduzidas no espaço do laboratório, assim como
no primeiro conjunto de workshops ministrados nos meses de Abril e Maio de 2019.
367
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
368
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 13. Adesivos com logotipo, endereço de email, avisos gerais, manuais e regulamento do
laboratório, afixados em portas, paredes e maquinários. Laboratório de Modelagem e Fabricação
Digitais (ModelaFab), Espaço das Artes (EdA), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo.
Fonte: Ministrantes do workshop.
Considerações finais
No tocante às atividades desenvolvidas no ModelaFab, constata-se que: a) no que
tange ao ensino, tem-se buscado integrar teoria e prática em fabricação digital, pro-
piciando, de forma contínua, um fazer que enfoque o fluxo entre a fase de projeto e a
fase de fabricação de objetos; b) no que diz respeito à pesquisa, sem desconsiderar o
fluxo referido anteriormente, tem sido meta dar a conhecer os modos específicos de
produção que exploram os recursos tecnológicos do ModelaFab com vistas a poten-
cializar a realização de pesquisas artísticas, dinamizando e amplificando a prática e
a reflexão sobre processos criativos; c) no que se refere à extensão, é meta assegurar
a difusão do conhecimento, relativo às tecnologias de fabricação digital e adquirido
com o ensino e a pesquisa; inicialmente, esta atividade já foi implementada por meio
de workshop e com recorte circunscrito à comunidade do Departamento de Artes
Plásticas da ECA-USP, contudo, intenciona-se ampliá-la com a realização de palestras
e cursos de curta duração abertos a comunidade USP e escolas de nível médio, com
a intenção de vir a cumprir de modo abrangente função pedagógica e social.
369
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por fim, vale destacar que a equipe do ModelaFab deve sempre estar atenta aos cin-
co desafios, referidos por Papert (1980) e relativos às ações envolvidas no contexto
de laboratórios de fabricação digital: a) uso banalizado dos equipamentos; b) níveis
de envolvimento – de frustração ou excitação – trazidos pelos resultados obtidos no
desenvolvimento de projetos; c) potencialidade do trabalho interdisciplinar como
via para ampliar soluções; d) aprendizagem contextualizada em ciência, tecnologia,
engenharia, matemática, artes e geometria computacional, de modo a assegurar
abrangência de contextos; incorporação de demanda específica de usuários, valori-
zando repertórios e poéticas próprias.
Referências
Anderson, C. (2012). Makers: the new industrial revolution. New York: Random
House.
Barrett, T. W., Pizzico, M. C., Levy, B., Nagel, R. L., Linsey, J. S., Talley, K. G.; Forest, C. R.,
& Newstetter, W. C. (2015). A Review of University Maker Spaces. Proceedings of the
122nd ASEE Annual Conference & Exposition, June 14-17, 2015, Seattle, WA.
Dewey, J. (1902). The Child and Curriculum. Chicago, IL: University of Chicago Press.
Fröbel, F., & Hailmann, WN. (1901). The education of man. New York: Appleton.
370
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Regulamento ModelaFab. (2019). São Paulo. Retrieved June 22, 2019, from https://
drive.google.com/open?id=1PoHoq64ESid9zGsdsMERTgIsl4GlZipj.
Tanaka, A. (2011). Situating within Society: Blueprints and Strategies for Media Labs.
In Plohman, A. (Org.) et al. A Blueprint for a Lab of the Future. Eindhoven: Baltan-
Laboratories, 2011. pp. 12-20. Retrieved June 10, 2019, from https://research.gold.
ac.uk/14649/1/Atau-BlueprintFinal.pdf.
371
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Priscila Arantes1
Museu Interface:
Um estudo de caso sobre o Museu Paço das Artes
Resumo
Museu Interface:um estudo de caso sobre o Museu Paço das Artes pretende, a
partir de uma abordagem transdisciplinar, discutir como algumas práticas mu-
seais criam interfaces mais expandidas com a realidade social. Museus nômades,
museus que criam práticas efetivas junto a comunidades bem como museus di-
gitais serão alguns dos tópicos abordados na presente apresentação. Utilizare-
mos, para tanto, como estudo de caso, o Museu Paço das Artes.
Palavras chaves: museus digitais, comunidade, interface, ativismo,arte contemporânea.
Abstract
Interface Museum: a case study on the Paço das Artes Museum aims, from a trans-
disciplinary approach, discuss how some museum practices create more expanded
interfaces with social reality. Nomadic museums, museums that create effective
community practices as well as digital museums will be some of the topics covered in
this presentation. We will use, as a case study, the Paço das Artes Museum.
Keywords: digital museums, community, interface, activism, contemporary art.
Introdução
As transformações deste último século trouxeram modificações profundas no campo
da cultura e das políticas culturais públicas. O que se percebe, no caso específico do
Brasil, é um enfraquecimento crescente do papel do Estado na defesa da democrati-
zação cultural entendida aqui, não somente como o acesso a cultura mas, também,
como o atendimento da diversidade cultural. O que se vê muitas vezes é um desman-
telamento da área da cultura, especialmente em tempos de crise econômica, consi-
derada geralmente como uma área de menor importância frente a outras do Estado.
Pensar o papel do museu dentro deste contexto, levando em consideração que a cul-
tura é um direito constitucional (no caso do Brasil implementada pela constituição
de 1988) é, portanto, extremamente necessário.
1 Priscila Arantes é diretora e curadora do Paço das Artes desde 2007 e professora do PPG em Design,
Arte e Tecnologia na UAM/SP e do curso de Arte: história, crítica e curadoria da PUC/SP.
372
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
• Quais seriam as estratégias possíveis dos museus nos dias atuais, considerando
especialmente espaços, como o Paço das Artes, com orçamentos pequenos e
que se situam fora dos grandes centros hegemônicos de produção e circulação
de arte?
• Qual o lugar das instituições de arte que propõem estratégias mais experimen-
tais, diversas daquelas produzidas por espaços voltados para a difusão de pro-
postas espetaculares?
373
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Do Museu-Templo ao Museu-Espetáculo
Os museus como terrenos privilegiados para a exposição dos referentes culturais
basearam-se durante séculos sua atividade numa aura de autenticidade histórica e
cultural dos objetos que colecionavam e exibiam.
O impacto dos meios de comunicação, o advento da cultura digital bem como o fe-
nômeno da globalização, trouxeram modificações profundas para a área da cultura
e, consequentemente, dos museus.
As análises mais pessimistas deste novo momento defendem a idéia de que o pro-
cesso de globalização, ao afastar de forma radical a cultura do seu constrangimento
espacial, promoveu um processo de homogeinização cultural.
374
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Não por acaso o teórico alemão Andreas Huyssen (1997:223) pode afirmar que “o
papel do museu como um local conservador elitista ou como um bastião da tradição
da alta cultura dá lugar ao museu como cultura de massa, como um lugar de um
mise-en-scène espetacular e de exuberância operística”.
Essa espetacularização faz-se também através dos edifícios entregues muitas vezes a
arquitetos estrelas, como é o caso do Guggennheim de Bilbao, com projeto de Frank
Gehry, ou o museu MAXXI em Roma , de Zaha Hadid.
Aliado à noção de turismo cultural, muitos dos museus surgidos após os anos 90, in-
corporam grandes projetos arquitetônicos que redimensionam, ao mesmo tempo,
áreas urbanas inteiras, como é o caso do Museu do Amanhã, inaugurado em 2015 no
Rio de Janeiro, com projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. Iniciado em
2010, a concepção da obra pelo arquiteto espanhol se relaciona com a remodelação
urbana do entorno da praça Mauá, assim como com o projeto global de requalifica-
ção da região portuária do Rio de Janeiro, do qual o museu se beneficia a partir de
espaços livres resultantes da demolição da Perimetral.
Em muitos casos, como aponta a Rosalind Krauss em seu ensaio The Cultural Logic of
the late capitalism museum ( publicado na October nos anos 90) não é nem o acervo
a questão mais importante da instituição e sim o acolhimento de propostas expositi-
vas espetaculares que tem como objetivo não somente dar visibilidade a instituição,
mas também atrair grandes vultos orçamentários.
Por outro lado é possível perceber, em muitas destas mostras mais recentes, um com-
portamento completamente diverso do público em relação ao espaço expositivo.
Muitas pessoas estão à frente dos trabalhos expostos enquanto câmeras de celulares
375
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dentro de outra perspectiva podemos ver o museu menos como um espaço de de-
finições e narrativas consagradas, mas uma espécie de laboratório, território para a
criação, experimentação e produção de conhecimento. Não por acaso Walter Zanini,
quando diretor do MAC (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São
Paulo), escreve no catálogo da VI Exposição de Jovem Arte Contemporânea (JAC),
realizada em 1972:
As JACs, idealizadas por Walter Zanini no final dos anos 60 no MAC, podem ser vistas
não somente como espaços para fomentar e legitimar a produção de jovens artistas
brasileiros e para incorporar produções de linguagem com novos meios e técnicas
no espaço do museu, mas também como espaços para aprofundar discussões sobre
o papel do museu de arte contemporânea como fórum e laboratório durante os du-
ros anos da ditadura militar no Brasil (1964-1985).
Sem querer esgotar o assunto gostaria de fazer alusão ao ensaio Museologia Radical,
ou o que é Contemporâneo nos museus de Arte contemporânea de Claire Bishop.
Neste ensaio Bishop parte de uma crítica ao texto de Rosalind Krauss “A lógica cultu-
ral do capitalismo tardio nos museus” em que a critica norte americana em diálogo
com o ensaio A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio de Fredric Jameson, aponta
para a visão de que os museus contemporâneos seriam a expressão de uma lógica
consumista implementada no campo da cultura no momento atual.
376
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Bishop nomeia de museologia radical as experiências de museus que hoje podem ser
chamados de contemporâneos, e que de alguma maneira conseguiram se desvenci-
lhar de um modelo de museu-espetáculo. Ou seja, são outra alternativa para situar
a instituição museu no século XXI.
Estes museus, de alguma forma, seriam aqueles que podem ser apontados, como
diria Agambem, como espaços institucionais que se localizam no escuro e que acon-
tecem para além dos espaços usuais da indústria do entretenimento, como é o caso
do Museu Paço das Artes.
O Paço das Artes, equipamento da Secretaria de Estado de São Paulo fundado nos
anos 70, vem ao longo dos anos criando um espaço voltado para o experimental e a
jovem arte contemporânea, com a diversidade de suas linguagens.
Por não ser um museu no sentido estrito da palavra e, portanto, por não possuir
uma coleção de obras de arte - e por atuar na promoção e difusão da jovem arte
contemporânea brasileira – torna seu trabalho de registro e arquivo o eixo funda-
mental de seu ‘acervo’.
Poderíamos dizer que as ações do Paço das Artes constituem uma espécie de Museu
Imaginário, tal como o definiu André Malraux: o acervo do Paço das Artes são os ar-
tistas, as atividades, os curadores, críticos, educadores e público que por lá passaram.
377
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Livro-Acervo
O primeiro projeto, Livro Acervo, foi idealizado por mim no ano de 2010 em função
da comemoração dos 40 anos do Paço das Artes. A idéia inicial do projeto foi a de
desenvolver uma ‘grande’ curadoria que não somente pudesse resgatar a memória
do Paço das Artes - os atores e agentes que fizeram parte de sua história, - mas a
de oferecer ao público a possibilidade de ter acesso a uma curadoria para além do
espaço expositivo tradicional.
Foi dentro desta perspectiva que nasceu a idéia de desenvolver não somente uma
curadoria no espaço do livro - como uma espécie de curadoria portátil e circulante
– mas também de desenvolver uma curadoria a partir do ‘arquivo’ e ‘acervo’ da insti-
tuição resgatando um de seus mais importantes projetos: a Temporada de Projetos2.
O projeto foi composto por três partes principais3. Na primeira delas, 30 artistas que
passaram pela Temporada de Projetos foram convidados a desenvolver um trabalho
inédito em folhas de papel (como é o caso do flip book Naufrágio, desenvolvido pela
artista Laura Belém). Estes trabalhos foram impressos como cópias para distribuição
e encartados em conjunto com os outros itens que compunham o projeto. No mes-
mo encarte dos cadernos trabalhados pelos artistas, temos a Enciclopédia, segunda
parte do projeto, com informações sobre cada um dos artistas, curadores e júri que
participaram da Temporada de Projetos desde sua primeira edição. A terceira parte
do projeto era composta por uma obra sonora de até um minuto de duração, en-
cartado em um cd ROM, desenvolvida pelos artistas e curadores que participaram
da Temporada de Projetos. Cabe ressaltar que o projeto (constituído por estas três
partes) recebeu a forma de uma caixa/arquivo fazendo alusão exatamente à idéia de
que este dispositivo contém uma parcela importante da história do Paço das Artes e
de parcela da jovem arte brasileira.
MaPA
Dando continuidade ao projeto Livro/Acervo implantamos em novembro de 2014 o
MaPA: Memória Paço das Artes, uma plataforma digital de arte contemporânea que
reúne todos os artistas, críticos, curadores e membros do júri que passaram pela
Temporada de Projetos desde sua criação em 1996.
3 A partir da idéia inicial do projeto, convidamos os artistas Artur Lescher e Lenora de Barros para o
desenvolvimento e concepção da primeira curadoria do Livro/Acervo.
378
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A plataforma é composta por um banco de dados com mais de 870 imagens das
obras expostas na Temporada de Projetos, aproximadamente 270 textos críticos e
vídeos-entrevistas que foram especialmente desenvolvidos, desde 2014, para este
projeto. Reunindo mais de 240 artistas, 14 projetos curatoriais, 70 críticos de arte e
43 jurados, a plataforma foi construída como um dispositivo relacional e um work-in-
-progress oferecendo ao pesquisador a oportunidade de ter acesso às informações a
partir das relações existentes na Temporada de Projetos.
Finalmente o MaPA pode ser visto não somente como um dispositivo de resgate
de parcela da trajetória do Paço das Artes e do ‘acervo’ da instituição, mas também,
como um dispositivo fértil de pesquisa para todos aqueles interessados nos rumos
da jovem arte contemporânea brasileira.
Por último, mas não menos importante o MaPA é um veículo disparador para a cons-
trução de outras narrativas da história da arte brasileira, da jovem arte brasileira, que
muitas vezes não tem oportunidade ou não aparecem nos discursos da história da
arte oficial.
Ex-PAÇO
Como último projeto desta trilogia gostaria de ressaltar o trabalho em desenvolvi-
mento Ex-Paço4 concebido e idealizado por mim e Sérgio Nesteriuk em função da
perda da sede do Paço das Artes na USP.
379
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O Ex-Paço é uma réplica virtual tridimensional do Paço das Artes5, com saídas para
computador (local e on-line), celular, cardboards e óculos de realidade virtual. Mo-
delado em 3D a partir da última sede do Paço das Artes, o Ex-PAÇO é não somente
um espaço de memória, no sentido que recuperar em realidade virtual o antigo
espaço/sede da instituição, e neste sentido um espaço político e de resistência se
assim podemos dizer, mas um museu digital voltado para abrigar diferentes cura-
dorias e manifestações da arte contemporânea.
Neste sentido ele pode ser visto não somente como um espaço móvel, mas como
um espaço virtual político crítico em relação a história da perda de sede do Paço das
Artes, fruto de questões do seu momento.
Conclusão
E é neste sentido que entendemos este ‘museu’, que nomeio aqui como museu in-
terface, um museu que implode o cubo branco e que apresenta estratégias museias
e curatoriais que de alguma forma dão a ver outras vozes que não estão presentes
nos espaços tradicionais e do espetáculo.
A instituição de arte é, neste sentido, chamada a refletir sobre sua prática, espe-
cialmente as instituições públicas que, a princípio, deveriam exercer um papel
democrático e de efetivo acesso aos bens culturais. Trata-se de pensar o museu
como um dispositivo participativo e de ação e não como um espaço fechado em si
mesmo - como um cubo branco na expressão de Brian O’doherty.
5 No final do ano de 2015, o Paço das Artes teve que sair da sede que ocupou desde os anos 90 na ci-
dade universitária. Criado nos anos 70, o Paço das Artes nunca teve uma sede definitiva. Atualmente
a instituição conta com uma sede provisória localizada junto ao MIS (Museu da Imagem e do Som).
380
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O conceito de interface aqui diz respeito a pensar o museu não como um templo, nem
como um espaço do entretenimento, mas como um museu que cria uma interface
social, um museu que incorpora uma visão de cultura mais expandida e transversal.
Bibliografia
AGAMBEM. G. O QUE E O CONTEMPORANEO? E OUTROS ENSAIOS. Chapeçó, 2009.
BELTING, H.O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo,
Cosac Naify, 2006.
CRIMP, Douglas. Sobre as Ruínas do Museu. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2005.
GROYS, Boris. Art Power. The MIT Press Cambridge, Massachusetts London, England, 2008 .
KRAUSS,Rosalind.https://www.jstor.org/stable/778666?seq=1#page_scan_tab_
contents. The cultural logic of the late capitalism museum.
ZANINI, Walter. In: FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: arte conceitual no Museu.
MAC, Universidade de São Paulo, Jan 1, 1999.
381
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
This work explores the creational process of an interactive documentary based on
the text Le Plastique, published in the late 1950s (1957) by Roland Barthes in his
book Mythologies. In the text Barthes reveals the fascination with plastic - a materi-
al that was becoming omnipresent at that time, due to its opacity and malleability
and, above all, its artificiality - it was a hybrid, alchemical material, composed of
other elements and therefore unnatural. More than 60 years later, the text is revisit-
ed by this documentary that incorporates, in its realization, awareness of the envi-
ronmental impact of plastic on the environment. Between the fascination with the
material and the ecological awareness , we invite the viewer to build a path of his
own, obtaining new and varied information with each interaction.
Keywords: Interactivity, Plastic, Installation, Documentary, Barthes
1 Rui António nasceu na Alemanha. Com formação em Ciência da Computação, obteve seu Mestra-
do em Comunicação Multimedia e Doutoramento em Media Arte Digital. É membro do CIAC (Centro
de Investigação em Artes e Comunicação).Atualmente desenvolve pesquisas no campo dos filmes
interativos.
2 Mirian Nogueira Tavares é professora associada da Universidade do Algarve. Com formação aca-
démica nas Ciências da Comunicação, na Semiótica e nos Estudos Culturais, tem desenvolvido o seu
trabalho de investigação e de produção teórica nas áreas das estéticas fílmica e artística. Atualmente
é coordenadora do CIAC (Centro de Investigação em Artes e Comunicação) e vice-coordenadora do
doutoramento em Média-Arte Digital.
382
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
No final dos anos 50, o semioticista francês Roland Barthes escreveu uma obra a que
chamou de Mitologias. Neste livro, escrito em tom ensaístico e confessional, quase
romanesco, Barthes descreve uma série de eventos, ou de elementos, que na sua
opinião constituíam, naquele instante, a vida quotidiana dos seus compatriotas. O
que o preocupava era o caráter de naturalidade com que muitos eventos, e factos,
eram encarados, como se fizessem desde sempre, parte de uma cultura ou de uma
civilização. Em trabalhos anteriores já tinha chegado à conclusão que o mito é, antes
de tudo, linguagem. E uma linguagem ideológica que procura reafirmar valores de
uma dada sociedade. No caso específico, a sociedade ocidental dos finais dos anos
50, que vivia sob o fascínio crescente dos media e das novas tecnologias que passa-
vam a fazer parte do dia-a-dia dos cidadãos comuns.
Neste sentido, os textos de Barthes, e as suas reflexões, coadunam-se com este espí-
rito crítico que estava presente no universo da criação artística. Quando, anos mais
tarde, Andy Warhol imortaliza a atriz Marilyn Monroe ou a socialite Jacqueline Ken-
nedy, estava a referendar, sem o saber, as teses de Roland Barthes – os mitos contem-
porâneos já não eram os da tradição greco-romana ou judaico-cristã, eram as novas
estrelas celebrizadas nos ecrãs dos cinemas ou das televisões.
383
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O plástico
Barthes Plastic Extended é um documentário interativo com duas narrativas parale-
las: ouvimos o ensaio original de Barthes, apresentada apenas em formato áudio, ao
mesmo tempo que assistimos a outra narrativa em que imagens e textos dão-nos
conta da crescente preocupação com o papel do plástico no meio ambiente. O es-
petador pode experimentar ambas as narrativas através da interação, pode sobrepô-
-las, criando novas interpretações para o texto através dos seus próprios movimen-
tos corporais que acionam novas informações.
O plástico é um material versátil e durável que surgiu no início do século XX: começa
a ser elaborado em 1860 e, em 1909, após a invenção do polímero pelo químico Leo
Hendrix, pode-se dizer que entramos na “era do plástico”.A capacidade de substituir,
ou simular, diversos materiais de uso doméstico e/ou industrial, tornam o plástico
um material ubíquo e abundante. Quando escreve o texto, em 1957, Roland Bar-
thes, e toda a sua geração, desconhecia o risco biológico e ambiental deste material
“milagroso”: “Assim, mais do que uma substância, o plástico é a própria ideia da sua
transformação infinita, é a ubiquidade tornada visível, como o seu nome vulgar o
indica; e, por isso mesmo, é considerado uma matéria milagrosa: o milagre é sempre
uma conversão brusca da natureza. O plástico fica inteiramente impregnado desse
espanto: é menos um objeto do que o vestígio de um movimento.” (2001:111-2)
384
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
62 anos depois, a obra Barthes Plastic Extended pretende acrescentar, através do ví-
deo, do texto e dos sons ampliam o texto original, novas camadas de informações
sobre os efeitos nocivos do plástico no ambiente.
Os meios interativos permitem por vezes uma envolvência e uma compreensão na-
tural, pois permitem apresentar um grande conjunto de informação ao ritmo dos
utilizadores/espetadores, incluindo a repetição do visionamento e a reapreciação.
Vários cineastas e artistas já experimentaram a criação de obras através da apresen-
tação de narrativas interativas. No entanto, a aplicação da interatividade ao formato
documentário é mais recente.
385
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em 2014 Daniel Scheinert e Billy Chew realizaram The Gleam (2014) um documentá-
rio curto interativo centrado num jornal local (Guntersville, Alabama, EUA) intitulado
“The Advertiser-Gleam”. O espetador dispõe de um conjunto de pequenos vídeos
em forma de mosaicos que ao serem selecionados são reproduzidos remetendo
para outros vídeos selecionáveis (ver figura 2). A experiência resulta numa apresen-
tação resumida do perfil da comunidade daquela localidade. A banda sonora confe-
re-lhe unicidade e apesar das escolhas do espetador a sequência fílmica mantém-se
coerente. O final do filme é aleatório.
386
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
387
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kinect é um dispositivo composto por uma câmara, microfones e sensores (ver figu-
ra 3). O nome deriva da conjugação das palavras “kinetik” (cinemática) e “connect”
(ligar). Foi criado inicialmente para ser utilizado em jogos de consola, permitindo aos
utilizadores uma interação através de gestos e movimentos do corpo dispensando
os habituais dispositivos de controlo. Contudo, é possível ligar este dispositivo a um
computador pessoal via USB. As suas características e a possibilidade de utilização
de bibliotecas open source mostraram-se de grande valor para experimentações e
investigação na área da visão por computador.
Figura 3- Kinect
Instalação
A instalação é composta por uma tela (ou parede branca), um vídeo-projetor, um
computador e um dispositivo Kinect. O espectador poderá interagir através dos mo-
vimentos do corpo. Uma aplicação de computador interpreta e controla os dados
transmitidos pelo dispositivo kinect (ver Figura 4).
388
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A imagem do vídeo foi captada com uma lente de plástico. A opção de filmar com
uma lente de plástico foi tomada com o propósito de criar uma ligação conceptual e
estética entre a imagem e o texto original. O vídeo resulta da captação de imagens
na natureza. As legendas do vídeo apresentam informações pesquisadas em artigos
académicos recentes sobre a problemática dos plásticos do meio ambiente (ver figu-
ra 5). O critério de seleção da informação apresentada prendeu-se com a diversidade
e eficácia da mensagem.
389
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
O plástico, como material, dominou e domina uma era de produção de artefactos
e a sua maleabilidade e capacidade de criar formas similares, continua a ser uma
opção economicamente mais rentável para a produção industrial. No entanto, com
a degradação do ambiente e com os estudos realizados sobre o impacto do plástico,
o fascínio transforma-se, pouco a pouco, em rejeição. Quando Barthes louvava esta
matéria maleável, extensível e múltipla, não advinhava o papel que o plástico teria
no futuro, sendo um dos grandes responsáveis por desastres ambientais de propor-
ções inimagináveis. No entanto, a compreensão do plástico como um representante
de uma cultura e de um modo de vida, continua a ser uma ideia válida, pois a socie-
dade do consumo, fascinada por gadgets, criticada por Barthes e pelos artistas da
Pop Art, continua viva e vibrante, talvez um pouco mais consciente da pegada eco-
lógica que o consumismo produz. Barthes Plastic Extended reflete sobre o paradoxo
da civilização gerada na “era do plástico” que precisa, urgentemente, de encontrar
uma saída para uma nova era mais sustentável.
Referências
Barthes, R. (2001). Mitologias. São Paulo: Bertrand Brasil.
Gregersen, A.; Grodal, T. (2009). Embodiment and interface. In: Perron, B.; Wolf, M.
(org.). The video game theory reader 2. New York: Routledge.
Ryan, M.L. (2001). Narrative as virtual reality: immersion and interactivity in lite-
rature and electronic media. Baltimore: Johns Hopkins.
Singh, P., Sharma, V.P. (2016). Integrated Plastic Waste Management: Environmental
and Improved Health Approaches. Procedia Environmental Sciences 35, 692 – 700.
390
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Artigo acerca do desenvolvimento de uma instalação de cariz artístico designa-
da por “Insepulto Inhumatus Unburied”. Um trabalho de Moirika Reker, Gilberto
Reis e Sérgio Eliseu, exposto na sala da Porta 14, à Sé [Lisboa, setembro de 2018].
Uma obra que conjugou a presença de ferro fundido e de vídeo projeções inte-
rativas de imagens tridimensionais geradas em tempo real. O texto propõe uma
reflexão em torno da iconografia funerária etérea utilizada e do seu posiciona-
mento num plano lumínico, bem como uma apresentação do desenvolvimento
da peça, de como se construiu uma relação entre a quietude de quem se situas-
se no reduzido espaço da galeria e uma gratuita mobilidade de alguém que pas-
sasse no seu exterior. Os conteúdos integram-se, simultaneamente, no âmbito
do cruzamento das investigações individuais dos autores envolvidos, do qual
se espera contribuir para um promissor debate, aberto às questões inerentes à
relação entre as novas tecnologias e a sua utilização na criação de estratégias
narrativas assentes na ação do público.
Palavras-chave: Instalação, Interação, Media Arte.
1 Sérgio Eliseu é doutorado em Arte e Design pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do
Porto; Mestre em Criação artística Contemporânea pelo Departamento de Comunicação e Arte da
Universidade de Aveiro; Licenciado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra; É Professor convidado no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de
Aveiro, bem como Professor Adjunto no ISCE Douro: Penafiel, Porto. ID+ (Instituto de Investigação
em Design, Media e Cultura) e NIAM (Núcleo de Investigação em Artes e Multimédia) do Instituto
Superior de Ciências Educativas do Douro.
2 Moirika Reker é doutoranda em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Mestre
em Artes Visuais pela School of the Arts da Columbia University, Nova Iorque; Fez o Curso Avançado
de Artes Plásticas no Ar.Co, Lisboa, e frequentou o curso de Free Media na Rietveld Academie de
Amesterdão.
3 Gilberto Reis é formado em escultura pelo Ar.Co, Lisboa, e Licenciado em Antropologia pela Facul-
dade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. ID+ (Instituto de Investigação
em Design, Media e Cultura) e NIAM (Núcleo de Investigação em Artes e Multimédia) do Instituto
Superior de Ciências Educativas do Douro.
391
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
Article about the development of an artistic installation called “Insepulto Inhumatus
Unburied”. A work by Moirika Reker, Gilberto Reis and Sérgio Eliseu, exhibited in the
art gallery Porta 14, Sé [Lisbon, September 2018]. A work that combined the presence
of cast iron and video interactive projections of three-dimensional images generated
in real time. The text proposes a reflection on the ethereal funerary iconography used
and its positioning in a luminous plane, as well as a presentation of the development
of the piece and how a relation was built between the stillness of those located in the
small space of the gallery and the free mobility of anyone who might pass outside. At
the same time, the contents are part of the intersection of the individual investigations
of the authors involved, which is expected to contribute to a promising debate, open
to the questions inherent to the relationship between new technologies and their use
in the creation of narrative strategies based on public action.
Keywords: Installation, Interaction, Media Art.
INHUMATOS
Tudo começa com histórias. A peça Inhumatos surge da notícia de jornal que dava
conta de corpos deixados insepultos numa floresta por razões político-religiosas,
bem como de uma passagem de Antígona:
Antígona (IV, I)
Estas histórias (ouvidas na mesa ao lado, no café; lidas num jornal; relembradas de
noites de contadores de histórias escutadas em criança; semi-sonhadas na leitura
de poesia) são o rastilho que espicaça todo o processo de produção / criação. Ao
que foi lido, ou à sua memória, junta-se a ficção. Não se anotou a notícia, não se
sabe mais onde se encontra o registo dela. No entanto, os dados que dela perma-
necem são o ponto de partida para a pesquisa, sugerem o tema e orientam toda a
investigação. Não obstante, aos poucos, a ficção vai entretecendo e dando corpo à
crueza e secura da notícia, alia-se à investigação. A ideia de corpos insepultos con-
duziu-nos ao estudo de práticas fúnebres várias – como a dos Parsis, Zoroastristas,
que construíam torres de silêncio (dakhmas) onde os seus mortos, em lugar de ser
enterrados, cremados ou embalsamados, ficavam expostos aos elementos atmos-
féricos (Shokoohy, 2007, pp. 61-78) ou à prática de expor os corpos em árvores ou
plataformas, comum entre alguns povos nativos Americanos (Bushnell, 1927) e os
Choctaw (Bushnell, 1920).
392
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por outro lado, concordamos com Metcalf e Huntington quando dizem que os “ri-
tos mortuários desafiam os nossos paradigmas teóricos ao tornarem inescapáveis
questões que são sistematicamente evitadas noutros contextos” (Metcalf & Hun-
tington, 1991, p. 2). Tudo o que acontecerá neste espaço elegido para uma icono-
grafia funerária vai pertencer ao éter e a um plano lumínico. Insepulto / Inhumatus.
Sobre o chão do quarto um círculo de ferro. É um sumidouro. Abertura por onde
alguma coisa se some. Escoadouro. Lugar onde se perdem de contínuo os objetos
(também um corpo é um objeto), sarjeta, esgoto; mas também é o sumidouro o
curso subterrâneo das águas de um rio, que corre através de rochas; e ainda o é a
sepultura e a própria morte.
Em cadência, uma voz, diz e escreve, em círculos: “Somos mortos insepultos apo-
drecendo debaixo de um céu cruel e vazio / indiferença alheamento quieta non
movere / inhumatus.” E ainda, numa impulsão instintiva que se opõe a todo e qual-
quer exame, mas que guarda um enfim de força oculta, coberta a um só tempo de
agitação inquieta e de tranquilidade, a voz: “ergo iter inceptum peragunt fluvioque
propiquant”4 (Eneida, VI, pp. 361- 462).
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a
vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim.
Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho. Enquanto eu tiver
perguntas e não houver respostas continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas
acontecem antes de acontecer?
A pergunta que se nos colocou foi: como poderia o imersor (aquele que é ou o que
faz imergir) tirar o maior proveito da experiência?
O que emergiu dessa pergunta são mais perguntas, algumas respostas e poucas
certezas. A estas últimas estamos habituados a viver de costas para elas voltadas.
Antecipando o fim, o sujeito da pergunta deixará de ser uma preocupação. Como
sempre, perdemo-nos no entusiasmo de encontrar.
4 “Por essa razão completam a jornada aproximando-se do rio.” (Tradução de João Miguel Fer-
nandes Jorge)
393
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
I - Sabemos que cada um de nós constrói a sua história de acordo com a sua experi-
ência do tempo e dos lugares de onde olha, e de todos elementos da sua natureza
biológica, individual, social e cultural. Cada um na RV terá a sua história. Sabemos
que um livro tem também essa capacidade, mas neles o narrador é o imersor (o
que para nós significa que em RV os utilizadores devem estar livres para explorar e
encontrar o seu próprio caminho).
Dentro da RV as possibilidades para que cada um, de acordo com sua vontade, tome
uma determinação e a percepção ou sensibilidade da posição, deslocamento, equi-
líbrio, peso e distribuição do próprio corpo e das suas partes são enormes, mas não
lhe pertencem por exclusividade. São muitos os exemplos (cavernas, frescos, ciclo-
ramas, câmaras escuras, instalações totais, “Light Reignfall” de James Turrell [da série
Perceptual Cells], ressonância magnética [RM], meditação e mais).
Mas a RV é mais generosa nas probabilidades, ainda que finitas, quando o assunto é o de
estruturar deambulações (assim o pensamos por agora). Talvez não seja necessário fazer
todas estas comparações com outros médios, mas foi este o nosso ponto de partida.
394
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sabemos que não é possível para qualquer arte reproduzir a realidade na sua totalida-
de (nem achamos que seja esse o seu assunto), e estamos conscientes de que não há
apropriação objetiva da realidade – a metáfora de Platão da Caverna a isso nos avisa.
III - Aquilo que nos permite será tão diferente de outras matérias com que ao lon-
go do tempo todos os artistas trabalharam? Sabíamos que a capacidade de fazer
conexões abstratas (o mais díspares) é produtora de criatividade. E utilizamos isso
como ponto de partida, como um mapa mental. A imersão em sonhos a partir de
narrativas, sons, imponderáveis, palavras ditas ao acaso (novamente sons), per-
mitiu-nos construir livremente (não é sempre assim), pensar ao acaso. O efeito de
imersão é uma absorção também psicológica, a par da que ocorre no sonho (e
na leitura, cinema, teatro) sendo que a que ocorre na instalação e na RV é a mais
semelhante à do sonho.
Nos sonhos, como refere Bishop, ao falar de “Instalação Total” (Bishop, 2005, p.17) se-
guindo Freud, as situações aparecem-nos, não as pensamos: estamos nas situações,
395
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como dar forma a esta matéria, num espaço caleidoscópico de imagens espaço-
-tempo obrigou-nos a uma estrutura que tem por base primeira o som, a luz e o
seu contrário. Sons e luz universais de afastamento, enjeitamento, estranhamento,
repelência, repúdio, repugnância, repulsa, resistência ou de aproximação, empatia,
afeição, afeto, afinidade, amizade, atração, combinação, confraternidade, fraternida-
de, identidade, igualdade, inclinação, irmandade, simpatia, união, unidade, vincula-
ção, vínculo, tornaram-se os nossos melhores amigos. Mas há mais. Aqui podemos
sempre voltar atrás anulando (Ctrl-Z) ou refazendo (Undo-Redo), (Vial, 2016).6
5 “Immersion can be an intel-lectually stimulating process; however, in the present as in the past, in
most cases immersion is mentally absorbing and a process, a change, a passage from one mental
state to another. It is characterized by diminish-ing critical distance to what is shown and increasing
emotional involvement in what is happening” (Grau, 200, p.28).
6 “L’univers physique tout entier est soumis à l’entropie, c’est-à-dire au désordre croissant. La mort
n’est que l’illustration, à l’échelle du vivant, de l’irréversibilité foncière de l’univers. Pourtant, l’une des
propriétés ontophaniques du phénomène numérique, c’est la possibilité de revenir en arrière. Au
pays de la matière calculée, il est toujours possible d’Annuler (Ctrl- Z) ou Refaire (Undo-Redo). Sur le
terrain de la réception phénoménologique, l’événement est quasi surnaturel pour l’usager: il s’appa-
rente à une annulation de l’irréversibilité fondamentale du monde physique. Et nous sommes déjà
tellement accoutumés à cette ontophanie de la réversibilité que nous regrettons parfois, comme par
réflexe perceptif, de ne pas pouvoir en disposer dans nos expériences non-numériques.”
396
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Já nem mesmo sabemos se o conteúdo das palavras RV, não nos desviam da sua
verdadeira natureza (bem gostaríamos de saber qual é). A pouco e pouco começa-
mos a deixar de estabelecer um paralelo/oposição com a RR e de mãos dadas com
a neurobiologia, aceitamos que o que chamamos realidade é, na verdade, apenas
uma afirmação sobre o que somos realmente capazes de observar. Centramo-nos na
ferramenta e trabalhamos com pensamentos e emoções.
Pressentimos que a sua natureza a isso nos obriga. Somos dados não jogo.
Tateamos este aparente informe. Cair, voar, planar, emergir, submergir, parar, ouvir,
decidir, explorar, contemplar, tatear, sentir o cheiro do fósforo de tanto pensar, tudo
isto é possível se soubermos entender esta matéria que à falta de melhor é poeira
inteligente – música, matemática, poesia.
A pouco e pouco o imersor anónimo deixou de ser uma variável do trabalho. Nós
somos o imersor. Como sempre, perdemo-nos com o entusiasmo de encontrar. É
uma epifania, um abandono do corpo e do tempo ou é ainda com Stéphane Vial
(2016) uma ontofania digital. Construir estruturas líquidas e fosfóricas. Fomos da-
dos não jogo.
397
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
a assistir a uma cada vez maior utilização desta tecnologia por parte também dos
artistas7, que encontram neste meio mais uma forma de expressão.
Todavia, a tecnologia não é nova e é explorada, pelo menos, desde a década de ses-
senta do século XX. Apenas se tornou mais acessível e com aparatos menos com-
plexos e dispendiosos. Entre os mais famosos equipamentos desenvolvidos no seu
aperfeiçoamento destacou-se, por exemplo, o projeto C.A.V.E., pela sua forte dupla
capacidade imersiva e interativa. Um conceito baseado num cubo com 3x3x3 me-
tros, que está aberto num dos seus lados e onde a ilusão de se encontrar dentro de
um espaço tridimensional/virtual se consegue graças à utilização de óculos 3d, bem
como às projeções exibidas em todas as paredes e no chão (Lieser, 2009). Curio-
samente, o nome “C.A.V.E.” resulta de um acrónimo: Cave Automatic Virtual Envi-
ronment (“Caverna Digital – aludindo à caverna de Platão”) e funda-se numa ideia
visionária do artista e investigador Daniel J. Sandin, para a criação de um espaço
inteiramente virtual. Sandin desenvolveu o princípio nos anos de 1980, numa épo-
ca em que os computadores ainda não podiam gerar ambientes virtuais de grande
complexidade em tempo real. Por esse motivo, a primeira CAVE apenas foi imple-
mentada no ano de 1991. Não se trata de um caso isolado, muitos outros projetos
interessantes no campo da imersão/interação com a imagem digital poderiam aqui
ser referenciados como pioneiros e inovadores de instalações em RV, dado que, pelo
menos desde os anos 70 do séc. XX, estes são explorados pela comunidade artística
nos seus trabalhos.
Contudo, algumas das questões em torno dos nossos sentidos podem revelar-se
bastante perniciosas e escrever sobre RV implica, necessariamente, pensar sobre a
Realidade em si. O terreno é vasto e complexo.
7 Veja-se o exemplo de Laurie Anderson que apresentou no Festival de Cinema de Canes 2019 um
conjunto de três instalações de RV concebidas com a participação de Hsin-Chien Huang. “Aloft”,
“Chalkroom” e “To the Moon”. Ou ainda, em 2018, a presença de trabalhos em RV de alguns artistas
contemporâneos célebres, tais como Marina Abramović e Anish Kapoor, na Feira Internacional de
Arte Basel em Hong Kong.
398
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Segundo Damásio (2013), partilhamos com outros seres humanos, e até com alguns
animais, as imagens em que se apoia o nosso conceito do mundo. Porém, “essas
imagens são baseadas diretamente em representações neurais e são estas que nos
permitem recordar um dado objeto, um rosto ou uma cena” (Damásio, 2013, pp. 138-
139). Portanto, o que obtemos do real é uma mera reprodução, uma interpretação,
uma reconstrução do original (Damásio, 2013). Acontece que “tal realidade, mental
neural e biológica, é a nossa realidade” (Damásio, 2013, p. 301). Nunca poderemos
saber até que ponto o nosso conhecimento da realidade «absoluta» é fidedigno. “O
que precisamos de ter é uma consistência nas construções da realidade criadas e
partilhadas pelos cérebros de cada um de nós” (Damásio, 2013, p. 301). Contudo, a
anterior perspetiva não significa que vemos coisas que não existem. Pelo contrário,
percecionamos uma aparência objetiva e partilhável. Ou seja, como questiona e afir-
ma Latour: “É a realidade construída ou real? Ambos.” (Latour, 1993, p. 35).
Considerações finais
Em arte, acreditamos que o conhecimento se adquire na junção da experiência senso-
rial e racional. Tanto a RR como a RV são simultaneamente motivos e ferramentas que
nos permitem abordar / explorar / descobrir formas de interagir com o mundo e com
o outro. A tecnologia que é um fim em si mesma em arte, está, na nossa perspectiva,
votada ao fracasso. O lápis permite um mundo de possibilidades, mas, em si mesmo, de
pouco vale. O assunto, aqui, são as histórias que podemos construir e explorar através
399
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
destes instrumentos e que nos levam, se forem bem sucedidos, a novas histórias. O
mais importante é o acaso, as possibilidades de se fazerem novas ligações.
Portanto, para além da proposta narrativa inerente ao projeto elaborado e à sua va-
riante em RV atualmente em curso, esperamos contribuir simultaneamente para a
discussão da utilização da tecnologia da RV no campo da investigação académica
em artes e da sua exploração, essencialmente, como ferramenta para novas formas
de contar / experienciar histórias.
Referências
Bishop, C. (2005). Installation art: A critical history, Nova Iorque: Routledge.
Bushnell, D. (1920). “Native cemeteries and forms of burial east of the Mississippi.”
Bureau of American Ethnology Bulletin 71.
Bushnell, D. (1927) “Burials of the Algonquian, Siouan and Caddoan Tribes West of
the Mississippi.” Bureau of American Ethnology Bulletin 83.
Grau, O. (2003). Virtual Art: From Illusion to Immersion, London: The MIT Press Cambridge.
400
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo investiga o processo composicional de criação de uma instalação
cênica disposta em nove caixas pequenas. Em cada uma há um ocular e fones
de ouvido para que os espectadores assistam cenas interiores nítidas no modo
de um peep-show, os personagens vistos como fantasmas pelo mecanismo do
Pepper’s Ghost do teatro do século XIX. A Literatura Menor de Kafka é referencial
artístico importante além de O Inferno de Dante e Os Cantos de Maldoror. As
caixas representam fragmentos de memórias de deslocamentos e alienações
de personagens humanos, antropofagizados pela performer.
Palavras-chave: Literatura menor, antropofagia, multiplicação dramática, peep-
-show, Pepper’s Ghost.
Abstract
This article investigates the creative compositional process of a theatrical installation
disposed in nine small boxes. Each box has a visor and headphones so that spectators
may watch and listen, in the mode of a peep-show, to the finely constructed scenes
within; the characters seen as phantoms by way of the nineteenth century theatrical
technique, the Pepper’s Ghost. The Minor Literature of Kafka and Dante’s Inferno are
both important artistic references and the boxes represent fragments of memories of
human dislocation and alienation, ‘anthropophaged’ by the performer.
Keywords: Minor literature, anthropophagy, dramatic multiplication, peep-show,
Pepper’s Ghost
401
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
Este texto, investiga o processo composicional de criação de uma instalação cêni-
ca, disposta em nove caixas pequenas, com orifícios para que os espectadores ve-
jam cenas interiores nítidas, por meio de peep-shows. As personagens de Os Mortos
são vistas como fantasmas dentro de pequenas cenografias utilizando uma técnica
teatral que vem dos palcos de Londres e Paris do século XIX, o Pepper’s Ghost. A
Literatura Menor de Kafka e sua personagem Josefina, a cantora, são referenciais
importantes. As caixas são fragmentos de memórias de deslocamentos e alienações
de personagens humanos, antropofagizados pela performer. São nove camadas de
significação intensificadas em seus tamanhos miniaturizados. Com uma vista distin-
ta, a audiência poderá desenvolver uma ligação íntima com as cenas. Espectros de
corpos pequeninos e expressivos, multiplicados, re-presentam os mortos que vivem
a vagar em mundos sonoros secretos. Os mortos guardam segredos, que mal sa-
bemos e que poderão ser espiados através de uma brecha. São corpos espectrais,
vivem em estado nupcial de devir outro. São personagens não construíveis que pas-
sam pelo viés do fluxo de nossas memórias fisicalizadas em marcas, que nos movem
em 9 círculos. A obra de Lautréamont, Cantos de Maldoror, atravessa a instalação
cênica com furor e comicidade. O Inferno, de Dante Alighieri, é, também, uma refe-
rência para a criação das nove caixas, tocas nutritivas de Os Mortos. Esse material é
transformado em nove errâncias cênicas pândegas tecnizadas.
Alegria trágica
De acordo com F. Nietzche, “o artista trágico não é um pessimista, ele diz sim a tudo
o que é problemático e terrível, ele é dionisíaco” (Nietzsche, 2006, p. 19). Nessa pers-
pectiva a alegria dinâmica é o pensamento trágico, o qual não está no ressentimen-
to, no niilismo e na culpa, mas na positividade. Segundo Nietzsche trágico é igual a
alegre.O trágico é afirmação do devir. Trágico é o eterno vir a ser, sem contradições e
pathos dialéticos. Uma das alusões que não caricaturiza a tragédia, é a obra da poeta
Hilda Hilst. A personagem diz que tem o coração exposto, Hilst expõe, auto ironi-
camente, a potência e a comicidade de uma mulher desconfiada, por ter nascido
sem pele sobre o coração, em oposição à humanidade de coração engolido. Coração
revelados desses estados de personagens auto ficcionais podem ser vistos de perto
em caixas, por meio de um olhar participativo da audiência. Há vida plena dentro de
cada devir caixão, local onde se habita tragicamente, onde se afirma o múltiplo e seu
devir uno sem opor o apolíneo ao dionisíaco. Tumbas onde se brinca com mortas e
mortos dançantes e se produz espectros desejosos.
Um teatro menor
Gilles Deleuze e Félix Guattari no seu texto “Kafka: por uma literatura menor” (2014,
p. 39), assinalam que as três características da literatura menor de Kafka são: 1) A
402
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Eles perguntam: Quantas pessoas vivem hoje em uma língua que não é a sua? Ou
então, não conhecem mesmo mais a sua, ou não ainda, e conhecem mal a língua
maior que são forçados a servir? Problema dos imigrados, e sobretudo de seus filhos.
Problema das minorias. Problema de uma literatura menor, mas também para todos
nós: como arrancar de sua própria língua uma literatura menor, capaz de escavar
a linguagem, e de fazê-la escoar seguindo uma linha revolucionária sóbria? Como
devir a nômade e a imigrante e a cigana de sua própria língua? Kafka diz: roubar
a criança no berço, dançar sobre a corda bamba (Deleuze & Guattari, 2014). Nove
caixas menores sequestradas de berços, dançam e riem de si mesmas em Os Mortos.
Os palcos dos nossos teatros menores serão distribuídos em nove peep-shows, ins-
pirados nas próprias caixas de diversão dos séculos passados, populares nas feiras e
salões finos da Europa, China e nos Estados Unidos (Balzer, 1998). Numa referência
aos nove círculos do inferno de Dante, cada palco, representado por uma cenografia
403
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
menor dentro de cada caixa, será ocupado por sombras, Josefinas espectrais. Os peep-
-shows de Os Mortos representarão um miniaturização da técnica visual explorada
por Reis e Mott na instalação O Espelho em 2012 (I. Mott, 2013, p. 68–74)4, e as perso-
nagens serão projetadas como Pepper’s Ghosts (Speaight, 1989) dentro da cenografia
por meio de uma tela de LED, vidro angulado e um computador embutido. Tal como,
e igual as personagens de O Espelho, as mortas e os mortos aparecerão com uma
qualidade holográfica, sendo imagens de duas dimensões (imagens das persona-
gens refletidas pelos vidros na direção do espectador) sobrepostas nas cenografias
de três. Fiel às técnicas antigas dos peep-shows, o espectador verá a cena através de
uma lente de maior diâmetro com os dois olhos. A lente em cada caixa funcionará,
concomitantemente, para limitar a profundidade de campo5 ao redor da personagem
no centro da cenografia, emprestando uma visão de outro mundo, e para criar mu-
danças visuais por meio de aberração cromática da lente convexa simples. A aber-
ração muda sutilmente o plano focal de cada cor vista e junto com a limitação da
profundidade de campo, os dois efeitos amplificam a ilusão de tridimensionalidade.
O som para cada caixa será composto utilizando um sistema de software chamado
Mosca (I. Mott & Keller, no prelo; I. Mott, 2017) que fornece som tridimensional para
4 https://escuta.org/espelho
5 O alcance de profundidade de uma cena no qual os objetos estão em foco.
404
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A primeira vez que a performer, Simone Reis, transpôs para o teatro a ideia kafkiana
de literatura menor foi em sua pesquisa de doutorado, em Melbourne, em 2006.
A autora era estudante de doutorado, professora universitária brasileira morando
na Austrália e se sentia desterritorializada e patética, principalmente quando atuava
em inglês, para uma plateia estrangeira. A alienação e o deslocamento eram, para
ela, no mínimo, enigmáticos. Perguntas e vozes interiores como: Quem sou eu? O
que significa ser uma performer latino americana, uma artista brasileira na Austrá-
lia? Como seria atuar como uma atriz menor,sem servir à linguagem cênica maior?
Como roubar o teatro no berço? E como devir cigana, performadora nômade de seu
próprio teatro e de sua língua materna? Quais os ecos de tantas vozes multiplicadas
dramaticamente e de que modo essas vozes exteriores atravessam o meu interior?
Como sair para fora da caixinha? Ouço vozes?
This project presents a performance derived from the unique combination of Brazilian and Aus-
tralian performance practice. It sheds light on the power of the theatrical event for disparate
audiences, and on the performer’s experience of the creative process while generating a new
performance text that addresses the questions: What is it to ‘be’ ‘Brazilian’? Does ‘Brazil’ exist?
What is it to be ‘Latin American’? Does ‘Australia’ exist? This project, Little World: Four ‘Autoeth-
nographic’ Performances, explores the author/performer’s ‘being’‘Brazilian’, being ‘Latin American’ in
405
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A autora tem apreço por tudo o que espanta, desconcerta, desloca, faz rir e duvidar,
até de si mesma. Teve a oportunidade de ser orientada pelo professor pesquisador
australiano aborígene, Dr Mark Minchington, que a instigou a cultivar sua identi-
dade artística não fixável. A atriz se define nesse instante como uma performadora
trági-pândega menor, uma vaga lume que tem conexão com outros mundos e com
o deus do teatro, Dionísio. Artista menor auto-irônica e plebeia que diz sim ao que é
incerto, terrível, frágil, insignificante e galhofeiro.
Ou modos menores de existir, que não se restringem às minorias concretas necessariamente, como
os usuários de saúde mental, uma população excluída e preterida, mas ao devir minoritário de todos
os atores, artistas da cena e de cada um- como dizia Foucault, todos nós temos um lado de plebe, ou
como diria Guattari, todos nós temos virtualmente ao menos um devir-esquiso (2019).
Who is Josefine the Songstress? Josefine is a mysterious and refined singer among simple and rude
people, thats who. She is also the protagonist in another final text, this time Kafkaś last story from
1924, Josefine, the Songstress or: the Mouse People. Josefine has a rare talent among the mouse pe-
ople. She can sing and beautifully so, and she has a dedicated though fickle audience. To the mouse
406
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
people Josefine seems to bring moments of levity with her music--but is it music or escapism? Some
question the veracity of her talent and suspect she is only piping the notes (S. S. R. Mott, 2006, p. 65).
Tudo isso pode nos remeter, apesar do estilo mais seco de Kafka, à obra satírica e po-
ética Os Cantos de Maldoror, do uruguaio francês Isidore Lucien Ducasse, conhecido
pelo pseudônimo literário de Conde de Lautréamont. De modo paródico e irônico,
Lautréamont imita a retórica tradicional, o estilo rebuscado dos discursos acadêmi-
cos e pregações de oradores religiosos.
407
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Leitor, talvez queiras que eu invoque o ódio no começo desta obra! Quem te diz que não aspirarás,
banhado em inumeráveis volúpias, o quanto quiseres, com tuas narinas orgulhosas, grandes e
esguias, girando sobre teu ventre, como um tubarão, no ar belo e negro…
Direi por assentado, em poucas linhas, que Maldoror foi bom durante seus primeiros anos de
vida, em que viveu feliz; pronto. Logo reparou que havia nascido mau: fatalidade extraordinária!
(...) Não era mentiroso, confessava a verdade e dizia que era cruel. Humanos, ouvistes? Ele ousa
repeti-lo com esta pluma que treme! Assim pois, há um poder mais forte que a vontade… Maldi-
ção! (Lautréamont, 2008)
408
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Lautréamont e Hilda Hilst são latino americanos, hiperbólicos e sarcásticos. Hilda Hilst,
mesmo tendo afirmado que não queria ser lida como distração, tem em sua obra forte
dose de humor: que segundo a autora, é imprescindível para salvar-se. Uma das nove
estações será baseada em uma crônica chamada Receitas Antitédio Carnavalesco, de
Hilda Hilst, publicada originalmente no jornal Correio Popular em 1993.
Pequenas sugestões e receitas de espanto antitédio para senhores e donas de casa durante o
carnaval:
Pegue um nabo. Coloque duas ou três palavras dentro dele, por exemplo:bastão, ouro, amplidão.
Chacoalhe. Você não vai ouvir ruído algum. É normal. Aí ajoelhe-se com o nabo na mão e diga:
II
Alguns textos de Hilda Hilst, darão vitalidade ao apresentar frações dançantes e mu-
sicais de nonsense dramatúrgico na instalação cênica em constante desmontagem.
De acordo com Pelbart a estética contemporânea ecoa com o que vem do universo
da psicose por ser fracionária e fluxionária, não narrativa e não representacional. Não
409
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Toda a arte dos diretores residiu em recusar o dramalhão sentimental ou psicológico em favor
do trágico no seu sentido mais rigoroso. Seria necessário, para precisar esse tema, novamente
evocar Nietzsche e toda a questão do dionisíaco, da relação dos gregos com a dor e a morte, do
plus de vitalidade que segundo o filósofo eles extraíram do lado tenebroso da vida, da alegre
afirmação do efêmero e do múltiplo que alguns intérpretes de Nietzsche tão bem souberam pôr
em evidência (2000).
Teatro é lugar de onde se vê, se escuta, se afeta, se erra e, nesse caso, se multiplica e
entorpece o real em nove pequenos mundos inevitavelmente pândegos e à deriva
teatral e sonora. Os Mortos tem como intuito deixar pistas, fazer viver e deixar mor-
rer, tentar reconhecer o quê, no meio do inferno, não é inferno, e resguardá-lo, e abrir
cosmos, universos de alteridades. A proposta composicional em processo é uma in-
vestigação mágica e coletiva de um teatro tecnológico menor e experimentação po-
lítica de produção de sentidos destoantes,corações expostos,pandemônios, cenas
dos fluxos das possessões de uma performadora pan-teatral porosa atravessada por
seus amigos invisíveis. Solidão povoada de seres e vozes de brinquedo. Caixinhas de
música dissidentes. Josefina dos pepper ghosts a pandegar. Receitas anti tédio de
um Maldoror carnavalesco.
Referências bibliográficas
Balzer, R. (1998). Peepshows: A Visual History. New York: Harry N. Abrams, Inc.
Deleuze, G., & Guattari, F. (2014). Kafka: Por uma literatura menor. Autêntica editora.
410
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Hilst, H. (2018). Hist, Hilda, 132 Crônicas: Cascos & carícias e outros escritos.
Nova Fronteira.
Lautréamont, C. de. (2008). Os Cantos de Maldoror (C. Willer, Trad.). São Paulo: Iluminuras.
Mott, I. (2009). Close: Mute video installation in null extension. Revista do Programa
de Pós-Graduação em Arte da UnB, 8(2), 47–57.
Mott, I., & Keller, T. (no prelo). Three-dimensional sound design with Mosca. Apre-
sentado em 18o Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, Faculdade de Belas
Artes da Universidade de Lisboa.
Nietzsche, F. (2006). Crepúsculo dos Ídolos: Ou Como se filosofa com o martelo (P.
C. de Souza, Trad.). São Paulo: Companhia das letras.
411
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Vasileios Bouzas
Sharing non places
Κοινωνία μη τόπων
Abstract
The paper describes an interactive installation which involves the production
of audiovisual material from passengers’ movements in a ‘non-place’ such as a
subway station. This public intervention aims at investigating the invisible orga-
nic relations which are momentarily structured by the passage of users within
a particular spatial context into a public space that exudes “conventional lone-
liness”. Each passenger is considered to be the light bearer in a spatial arrange-
ment of cells and is in a constant interaction with the installation through his
body movement. The produced visual and sound material is the result of the
relation of the bodies’ movements and positions over a keyboard’s imprint on
the floor, and consequently the result of the multiplicity of their trajectories in
the given space. It also analyzes the way in which this installation constitutes a
mechanism for converting the flow of the bodies’ movements in real space, to
audio and visual signals that can take multiple forms and have multiple uses.
Keywords: Body, Space, Flow, Mapping, Interaction.
Σύνοψη
Το έγγραφο αναφέρεται σε μια διαδραστική εγκατάσταση που αφορά την
παραγωγή οπτικοακουστικού υλικού από κινήσεις επιβατών σε ένα «μη τόπο» όπως
είναι ο σταθμό του μετρό. Αυτή η δημόσια παρέμβαση αποσκοπεί στη διερεύνηση
των αόρατων οργανικών σχέσεων που στιγμιαία δομούνται από το πέρασμα των
χρηστών μέσα σε ένα συγκεκριμένο χωρικό πλαίσιο σε ένα συγκεκριμένο δημόσιο
χώρο που αποπνέει “συμβατική μοναξιά”. Κάθε επιβάτης θεωρείται o φορέας
του φωτός και βρίσκεται σε συνεχή αλληλεπίδραση με την εγκατάσταση μέσω
της κίνησης του σώματός του. Το παραγόμενο οπτικό και ηχητικό υλικό είναι το
αποτέλεσμα του συσχετισμού των κινήσεων και των θέσεων των σωμάτων πάνω σε
ένα αποτύπωμα του πληκτρολογίου στο πάτωμα και κατ’ επέκταση το αποτέλεσμα
της πολλαπλότητας των τροχιών τους στο υπόψη χώρο. Αναλύει επίσης τον τρόπο με
τον οποίο αυτή η εγκατάσταση αποτελεί ένα μηχανισμό για τη μετατροπή των ροών
των κινήσεων των σωμάτων στο πραγματικό χώρο, σε ηχητικά και οπτικά σήματα
που μπορούν να λάβουν πολλαπλές μορφές και χρήσεις.
Λέξεις κλειδιά: Σώμα, Χώρος, Ροή, Χαρτογράφηση, Διάδραση
412
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
413
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
the organically social, so non-places create solitary contractuality” (p.94) and that
“the space of the non-space does not create unique identities, not only loneliness
and similarity” (p.85).
This intervention in a public space such as the subway station was designed within
the context of non-place theory in which the game of identity and relationships is
constantly redefined. The intervention aims to explore these invisible relations that
are momentarily formed by the passage of the users within a certain spatial context
in a particular public space that exudes this conventional loneliness, in a non-place
such as the transit space of the subway passengers. It aims to explore the relations
developed between personal and shared identities composed by the various cultural
and political practices, ethnicities, social classes as expressed by the places of the ori-
gins of the passengers that interact with the work. Passengers circulating around the
metro station are carriers of memories which are associated with objects, faces with
visible or even invisible elements of their regions identities. When referring to the
user’s memory, we refer to a multi-faceted and multi-recurrent memory that bears
images and sounds from different regions corresponding to the passengers’ origins.
A sliced space is created within the non-place, a space for gathering and seeking out
these relations of passengers’ memories by randomly interconnecting maps, images
and sounds of the various places of their origins all around the globe. The sliced spa-
ce marked by a keyboard’s trace on the floor functions as the area of deterritorializa-
tion where passengers’ identities are deconstructed and merge. When the positions
of the people change within the sliced space, the form of the work changes because
of the interaction between its parts. The “flow of the passengers” control the lighting
of the constructed “cells of information” as well as the audio emitted by the speakers.
It is within this particular fractured space that the non-place acquires a fluid identity
associated with passengers’ memories. Invisible relations arising from the past, thre-
ads of connections and disconnections are uncovered in the contents of the cells
which come to a contrast with the ‘windows’ of the non-spaces that “play no role in
any composition that are not integrated with anything; they simply bear witness, du-
ring a journey, to the coexistence of distinct individualities, perceived as equivalent
and unconnected” (Auge, 1995, p.111). Although the non-place are the opposite of
utopia and do not contain any organic society (Auge, 1995), it is within this negative
dimension of coexistence that invisible organic bonds are sought.
414
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figure 1. Front and top view of the installation. The parts of the installation (http://vasileiosbouzas.
artroom7.com/nonplaceflow/function.html)
a. a red grid on the floor, containing a trace of a keyboard. Alphabetic characters are
inherent in the design and operation of the installation without being visible.
c. The corresponding sound signal transmitters mounted on the ceiling above each
keyboard character.
415
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The function of the installation concerns the way the local as expressed by the trace
of the sliced space, is linked up to the global as expressed by the audiovisual output
of the cells. The concept of the passengers’ impact on the illumination and readabi-
lity of the cells has multiple meanings and parallels. Each passenger brings the light
to one of the project’s cells and reveals its content. This light stays on for a while just
like the passenger in the station (Figure 2). Each position on the
Figure 2. Front and top view of the installation. For the function of the installation
see author’s URL: http://vasileiosbouzas.artroom7.com/nonplaceflow/.
416
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
alphabetic character that is activated by the passage of the subway user. Each pas-
senger’s body, depending on his position, the length of his stay, his direction in spa-
ce and in combination with the rest of the bodies, reveals the audiovisual material of
a beehive for a specific chronic period. The sensors (infrared photoelectric sensors)
located on the ceiling of the building along with their corresponding reflectors on
the floor create an invisible grid of vertical lines which are the beams emitted from
the transmitter to the reflectors and vice versa (Figure 3) that constantly detects
the passengers’ movements (http://vasileiosbouzas.artroom7.com/nonplaceflow/).
Each time a passenger passes under a sensor and over the corresponding reflector
and interrupts the beam sent by the first to the second, the sensor sends a signal
to the corresponding beehive and activates its backlights. The backlights turn the
opaque outer film of the beehive to transparent, revealing a visual assembly of the
layered illustrations. At the same time an analogous signal is sent to the speaker,
which corresponds to the activated sensor, resulting in the emission of a sound for
a certain period. If
417
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A network of sites that correspond to the separate parts of the trace is created by the
revelation of the hives’ contents. Each cell is the unit that composes the installation,
the way that the non-linear narrative developed by the flows encompasses the maps
of origin. It is the distinct unit where the memories are enclosed. The existence of
the cell refers to the closet, which as the poet Milosz says is full of the mute turmoil
of memories. When the passenger stays motionless above a position of the trace, or
he moves to the next one, the backlights of the hive are turned off and the images
become invisible. As soon as the backlights of the hive are turned off by the de-
activation of the corresponding position, the content of the cell becomes invisible.
Their revelation remains instantaneous. Nightlife begins again into the cell, capable
to fuel the imagination. Paraphrasing the French poet Charles Cros and putting cells
instead of furniture: to discover the mystery of the hive to reach the imaginary world
through the small mirrors, he needed to have a quick eye well-sharpened in hearing
and attention. It is the attention that prepares the senses for the instant. (Bachelard,
1992). If the secrets were revealed, indiscretion fills, as Gaston Bachelard observes.
The images placed in each box become in a way “secret” since their revelation re-
mains momentary.
Figure 4. A sample of the imagery of a layer enclosed into a cell of the installation.
The imagery enclosed in the cells of the installations do not have a common referen-
ce scale, nor is under any linear dependence. They are parts of maps and illustrations
of remote geographically areas which have been elaborated in many different ways.
Passengers may wander as flaneurs over the trace, uncover a deconstructed “map”
resembling a psychogeographic map and create visual and audio connections
among various distant regions.
The cubes are made of transparent material and their outer surface acts as a reflec-
tor of light, thus it is reflecting the passenger’s images (Figure 2). Each user who is
interacting with the installation is at the same time confronted with his image as
it appears on the reflective boxed surfasse (http://vasileiosbouzas.artroom7.com/
418
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
nonplaceflow/). In this way three distinct spaces interact during the operation of the
installation: the actual space which is mainly defined by the marked areas of interac-
tion, the virtual mirrored space created the reflective surfaces of the cells, and the
“space of places” that corresponds to the interior space of the activated cells and is
uncovered by users’ movements. With each body movement within the real space,
the relationships of the three spaces are readjusted.
In any case what remains fixed as a point of reference is the use of the relation between
the motion of the bodies, the flows in a non space territory and the produced audio
and visual material. Of course the design demands the creation and function of many
419
Instalação e Espaço/
Design Interativo #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
computing scripts that control the interaction and contain the secret codes of trans-
formation and there are definitely secondary steps that form the appearance and the
aesthetic values of the final output. Although different forms of the installation were
presented, the possibilities for enlargement and diversification were not exhausted.
Each case involves a new design that is open to explorations and implementations in
public spaces and non spaces in particular. Above all, the installation is an audiovisu-
al work designed to liberate the creative imagination of users, raise questions about
its use and operation, strengthen the socialization in a non conventional way, and
finally acquire the identity of a creative game within a public space.
References
Auge, M. (1995). Non Places: Ιntroduction to an Αnthropology of Super moder-
nity. London,Verso.
Castells, M. (2000). The Rise of the Network Society (2nd ed.). West Succex UK,
Willey Blackwell.
Certeau, M. (2011). The Practice of Everyday Life. Berkeley, University of California Press.
420
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Arte e Biologia:
Distopias e Utopias
Art and Biology: Dystopias and Utopias
421
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A implantação da IoT é aqui considerada sob perspectivas artística e distópica.
Nesta leitura, faço uso de passagens do livro Admirável Mundo Novo de Aldous
Huxley como motivador de questões tais como a função da arte na sociedade, o
artista como mediador entre público e tecnologia, vigilância versus liberdade e
as relações entre sensibilidade e conceptualidade. Algumas obras de arte e ex-
posições são analisadas com intuito de promover o diálogo entre arte e tecno-
logia, especialmente na relação da arte com a IoT. Essas análises fundamentam
as considerações finais a respeito da refuncionalização da arte e, consequente-
mente, do papel do artista na sociedade, compreendendo-o não somente como
criador de produtos artísticos, mas como pessoa responsável por harmonizar
imaginação, entendimento, liberdade, beleza e moralidade.
Palavras-chave: internet das coisas, distopia, arte e tecnologia, ciber-vigilância.
Abstract
The IoT establishment is considered under artistic and dystopic perspectives. In this
reading, I use passages from Aldous Huxley’s Brave New World as a motivator for
issues such as the function of art in society, the role of the artist as mediator between
public and technology, vigilance versus freedom, and the relationship between sen-
sitivity and conceptuality. Some works of art and exhibitions are commented intent-
ing to promote a dialogue between art and technology, especially in the relation of
art with IoT. These analysis ground the final considerations on the function of art
and, consequently, on the role of the artist in society, understanding him not only as
creator of artistic products, but as a person responsible for harmonizing imagina-
tion, understanding, freedom, beauty and morality.
Keywords: internet of things, dystopia, art and technology, cyber-surveillance.
422
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
Certa vez, durante uma aula na Universidade da Califórnia em Riverside, todos os
dispositivos móveis (como telefones, pagers e tablets) das pessoas presentes come-
çaram a soar simultaneamente. Estávamos recebendo mensagens por parte de uma
agência do governo do estado da Califórnia que avisava sobre a alta probabilidade
da ocorrência de um terremoto. Como é sabido, o estado da Califórnia é propenso
a frequentes abalos sísmicos por situar-se na borda de uma placa tectônica e na
chamada falha de San Andreas. Tendo conhecimento dessa situação geográfica pe-
culiar, eu recebi a mensagem enviada pelo governo como algo bem vindo e positivo,
pois desse modo a população tinha tempo para evacuar as áreas de maior risco e
tomar outras medidas adequadas para a segurança geral. No entanto, diversas pes-
soas ao receberem aquela mensagem começaram a protestar sob a justificativa de
que não haviam fornecido seus respectivos números de telefone àquela agência
governamental e tampouco consentiam que seus números fossem hackeados pelo
governo sob qualquer pretexto. Ou seja, muitos interpretaram aquele procedimento
como incorreto e o perceberam como invasão de privacidade.
Essa situação aponta para duas maneiras ou reações distintas ao interpretar o mes-
mo fato e, guardadas as devidas proporções, serve para ilustrar o que vem ocorren-
do quando o assunto é a vindoura Internet das Coisas (IoT). As discussões a esse
respeito têm polarizado opiniões, incentivado a criação de teorias da conspiração e
formulado prognósticos apontado para futuros utópicos e distópicos. O grupo dos
que percebem a IoT como a ponte definitiva para um mundo utópico entendem-
-na sob a perspectiva da existência de uma realidade tecnológica que irá conectar
objetos com intuito de sanar problemas e proporcionar uma melhor condição de
vida a todas as pessoas. O grupo distópico analisa a IoT como a porta aberta para a
definitiva invasão da privacidade dos cidadãos, instaurando-se assim um estado de
perene vigilância.
Partindo da constatada dicotomia trazida com essa nova tecnologia, neste artigo,
pretendo considerar a questão da implantação da IoT pelas perspectivas artística e
distópica. Nesta leitura, faço uso de passagens do livro distópico de Aldous Huxley
Admirável Mundo Novo como motivador de certas questões como, por exemplo, a
função da arte na sociedade, o artista como mediador entre público e tecnologia,
vigilância versus liberdade e as relações entre sensibilidade e conceptualidade.
423
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
nas que o fazem2. As pessoas têm acesso aos dados disponíveis na web por meio de
equipamentos, dispositivos e programas. Ainda estamos no inicio do processo que
permitirá a existência de um ser como o agente Gabriel Vaughan da série de TV nor-
te-americana Intelligence que teve um microchip implantado em seu cérebro e assim
tornou-se o primeiro ser humano a ser conectado diretamente à rede de informações
globalizada. Também não está próxima a mais fantasiosa conexão direta no cérebro
do tipo de equipamento usado por Neo, herói da trilogia Matrix, que o permite fazer
downloads de quaisquer informações diretamente para seu cérebro e a partir daí lite-
ralmente incorporá-las aos seus conhecimentos, mesmo em se tratando de saberes
que demandem um exercício físico motor elaborado, como as lutas marciais.
Na IoT o que existe é a dispensa de controle por parte do elemento humano, desig-
nando, assim, a possibilidade de comunicação direta entre os objetos, que podem
trocar informações prescindindo da autorizações das pessoas. Essa delegação via-
biliza a troca de dados de objetos com outros objetos, com centrais operadoras de
rede de dados, satélites ou mesmo com dispositivos móveis operados por pessoas.
2 O artista britânico Neil Harbisson (1984) tornou-se a primeira pessoa reconhecidamente como
cyborg. Harbisson implantou um sensor diretamente em seu cérebro que lhe permite converter
ondas de luz em ondas sonoras. Dessa maneira, ele consegue, por meio de uma conversão cines-
tésica, ver em cores, já que Harbisson nasceu com uma disfunção que o impede de enxergar as
cores. Harbisson afirma, em sua entrevista no Ted Talks, possuir em seu implante uma espécie de
chip que permite conexão com a internet. Mesmo admitindo essa possibilidade, ainda seria o chip o
responsável por estabelecer a conexão, e não o cérebro de Harbisson. No instituto que criou, outros
adeptos implantaram sensores no corpo, tal como a artista Moon Ribas, que possui um sensor que
capta movimentos tectônicos. Ver: www.cyborgarts.com
3 Linking the human brain directly to computers and other electronic devices via cybernetic im-
plants allowing the mind to interface with gadgets and programs”. Texto original disponível em
https://interestingengineering.com/neuralink-how-the-human-brain-will-download-directly-from-
-a-computer
424
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Obviamente, refletir sobre esse assunto e sobre essa nova condição sócio-tecnológi-
ca é muito importante, pois afeta a tudo e a todos. Essas discussões já se acirraram
há pelo menos 10 anos, causando a polarização de opiniões já citada na Introdução.
Há inúmeros problemas técnicos a serem solucionados para a implantação da IoT,
sobretudo nos países menos desenvolvidos como o Brasil, onde devido ao excesso
de burocracia, a inaptidão de governantes e à corrupção, as resoluções tendem a de-
morar para acontecer. No plano tecnológico, talvez um dos principais desafios para o
mercado brasileiro será a migração da tecnologia 4G de transmissão de dados, com
todos os equipamentos, dispositivos e programas existentes, para a nova tecnologia
5G. Foi somente em 24 de maio de 2019 que a Anatel (agência brasileira responsável
por deliberar assuntos relativos às telecomunicações) divulgou documento sobre o
regulamento das condições para o uso das faixas de radio frequências de 2,3 GHz e
de 3,5 GHz, faixas estas essenciais para a implantação da tecnologia 5G4. Contudo,
esses aspectos técnicos não são o foco das considerações que aqui pretendo apre-
sentar, tendo somente o intuito de indicar que o processo da IoT no Brasil é demo-
rado. Para análises sobre aspectos técnicos ligados à IoT ver Al-Fuqaha et al (2015) e
Atzoria et al (2010).
As vantagens advindas com a IoT que animam os utopistas seriam a maior comodi-
dade e agilidade na realização e prevenção de certas tarefas. Uma casa com apare-
lhos de ar-condicionado poderia ajustar automaticamente a temperatura ideal em
razão da presença e da ausência de pessoas naquele espaço, economizando, então,
energia elétrica. Câmeras de vídeo podem monitorar produtos nas prateleiras das
lojas e avisar ao fornecedor da necessidade da reposição de itens. Robôs e carros
podem informar sobre a necessidade de manutenção ou iminência de alguma falha.
A agricultura já vem beneficiando-se de aparelhos de irrigação controlados por sen-
sores, que analisam as condições atmosféricas e, a partir desses dados, determinam
se a irrigação se faz ou não necessária.
425
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
por autômatos. A empresa suíça ABB desenvolveu um robô (YuMi) que desempenha
a tarefa de controle de qualidade de peso e diâmetro de embalagens de desodoran-
te. Esse robô consegue analisar 24 itens em 10 minutos, enquanto o mesmo serviço
é feito por um humano em 40 minutos5. Atualmente, conectamos computadores,
telefones e tablets à internet. Esses aparelhos preocupam os técnicos em segurança,
pois podem ser hackeados. Imagine-se, então, um cenário no qual todas as coisas,
como máquina de lavar, marca-passo cardíaco, um carro ou um satélite puderem ser
invadidos e usados mal intencionalmente. Alargando as perspectivas preocupantes,
Greenfield e Kim questionam: “estariam os arquitetos das cidades inteligentes sus-
cetíveis à responsabilização democrática, considerando o nível de interferência que
podem exercer na vida das pessoas no contexto atual?” (apud Lacerda, 2015). Deci-
sões de arquitetos são atos políticos em âmbito urbano – do mesmo modo como a
autoria de um algoritmo destinado a promover a distribuição de recursos cívicos em
uma cidade. Se um carro sem motorista atropelar uma pessoa quem será o respon-
sável? o motorista que não dirigia? O operador do radar? Quem escreveu o progra-
ma? Quem administra a empresa que cuida da conexão do carro com o satélite? Se
agências governamentais terão acesso ilimitado a toda informação dos cidadãos,
que uso farão disso?
Essas, dentre outras, são algumas questões que preocupam grande parcela dos pen-
sadores sobre a IoT, sem adentrar ao campo mais fictício de filmes como Terminator
ou Matrix que prevêem o domínio das máquinas e escravidão dos humanos, levando
a uma visão totalmente distópica para o futuro da espécie to tipo “high tech - low life”.
5 https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2019/02/faltam-agua-e-esgoto-para-que-a-in-
ternet-das-coisas-avance-no-brasil.shtml
426
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
obra, Paik vislumbra o que poderia acontecer com Internet (que recém se instaurava
nos lares norte-americanos) em alguns anos, ou seja, o aumento e acúmulo crescen-
te de informação levando a certa saturação ou caoticidade ordenada.6
Embora, no início da videoarte, Paik fosse um crítico severo da televisão (veja adian-
te), ele possuía uma visão positiva a respeito da tecnologia e durante sua carreira fez
uso intenso em suas obras de aparatos e conceitos tecnológicos. No entanto, outros
artistas possuíam uma visão menos utópica do futuro da humanidade. Um dos au-
tores que contundentemente apresentou essa visão distópica foi Aldous Huxley. Em
seu livro Brave New World, lançado em 1932, Huxley retrata uma sociedade futura
na qual todos os aspectos da vida são automatizados, programados e controlados. A
sociedade é, assim, dividida em classes e totalmente estruturada com o suposto ob-
jetivo de fazer com que todos se sintam felizes. Admirável Mundo Novo (como o título
foi traduzido ao português) causou grande impacto e gerou uma série de obras ins-
piradas ou baseadas no livro. Recebeu duas adaptações para a TV, em 1980 dirigida
por Burt Brinckerhoff e outra em 1998 dirigida por Leslie Libman and Larry Williams.
No teatro foi adaptada por Dawn King e recebeu montagem do Royal & Derngate,
Northampton em associação com o Touring Consortium Theatre Company, estreada
na Inglaterra em 2015. Além disso, o livro inspirou outros livros como Player Piano
6 Essa obra foi originalmente comissionada pela emissora de televisão RTL, para o foyer de sua sede
em Colônia. No momento da mudança da RTL para Berlim, o trabalho foi doado para o ZKM. Texto
extraído do site da ZKM (https://zkm.de/de/werk/internet-dream). ZKM Centro para Artes e Media é
uma das maiores casas de cultura da Alemanha.
427
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por fim, o livro de Huxley motivou a realização de exibições em galerias de arte ao re-
dor do mundo, como por exemplo, a exposição Brave New Worlds de 2007 da Walker
7 The latest and most frightful creation-saving device for the production of standardized amuse-
ment. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20479785?seq=1#page_scan_tab_contents
428
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Art Center em Minneapolis, Estados Unidos. De acordo com Doryun Chong, ao lado
de Yasmil Raymond, curador dessa exibição, “a expressão [Brave New Worlds], na lin-
guagem cotidiana, de fato expressa ambivalência em relação ao implacável avanço
da modernidade, e é precisamente isso o que é encontrado no livro de Huxley. Sua
sociedade futura, um possível beco sem saída da modernidade, é em última análise
distópica, mas as pessoas são projetadas para serem eternamente ‘felizes’”.8
Entende-se a ambivalência comentada por Chong, pois o mundo fictício criado por
Huxley, assim como a perspectiva que os analistas atuais apresentam sobre a tecno-
logia de uma maneira geral e, particularmente, sobre a IoT, faz questionar o motivo
de esse mundo ser considerado distópico, uma vez que está totalmente estruturado
objetivando a felicidade das pessoas. E neste ponto a pergunta é inevitável: felicida-
de sim, mas a que preço? O que as pessoas têm que sacrificar para viverem em um
mundo de suposta felicidade? E no caso de Huxley, bem como em outros autores, a
resposta é a liberdade. Além disso, a pergunta deve ser atualizada e refeita quando
pensamos sobre as possibilidades de um futuro no contexto da IoT. Estaria a IoT a
comprometer nossa liberdade, colocando-nos em um estado de perene vigilância? É
preciso enfatizar que essa vigilância é de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que
a IoT facilita o total estado de vigilância por parte de agências governamentais e de
hackers mal intencionados, esta também obriga o cidadão comum a controlar seus
equipamentos para assegurar que estes estejam operando em conformidade com
8 “The expression [Brave New Worlds], in daily parlance, actually expresses ambivalence toward the re-
lentless forward movement of modernity, and that’s precisely what’s found in Huxley’s book. His future
society, one possible dead-end of modernity, is ultimately dystopian, but people are engineered to be
perpetually ‘happy.’” Disponível em: https://walkerart.org/calendar/2007/brave-new-worlds
429
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No estado fictício criado por Huxley, a arte é banida sobre o pretexto de promover a
conscientização das pessoas sobre sua condição de seres oprimidos e, consequente-
mente, torna-las insatisfeitas. Essa situação leva á infelicidade, à instabilidade social
e à revolução. A arte, como propiciadora de novas experiências emocionais tem essa
capacidade de apresentar às pessoas percepções para além de seu entendimento
imediato, o que levou Mustafa (o administrador no Novo Mundo) a explicar para
John (o selvagem) que se os cidadãos forem expostos a experiências distintas de
suas próprias, sensibilizados para sua humanidade inata e inspirados a questionar o
significado de sua existência, a sociedade deixaria de funcionar. Ao que o selvagem
replica dizendo que a arte fornece consolo para as inevitáveis tristezas e dificuldades
da experiência humana. Shakespeare, para John, em vez de deixá-lo mais insatisfeito
com sua condição, alivia seu sofrimento mostrando-lhe a universalidade de sua ex-
periência. A beleza e a verdade encontradas em uma peça como Otelo, ele acredita,
valem o sofrimento necessário para compreender a experiência de Otelo. Ao que
Mustafa rebate com a constatação de que “a felicidade universal mantém as rodas
[da sociedade industrial] girando firmemente; verdade e beleza não o podem fazê-
-lo”. Nessa breve passagem, temos um exemplo da duplicidade de entendimentos
pró e contra a arte na sociedade, cuja função de propiciadora de novas sensações
e experiências poderia incitar à instabilidade social, mas também servir como ele-
mento catártico, minimizando o sofrimento das pessoas por meio da empatia e pur-
gação, ou alívio, emocional. Esses atributos político e estético da arte são possíveis
por conta da própria natureza da arte, cujas reações que provoca não podem ser
integralmente previstas. Assim, em um mundo como Brave New World, onde todos
os aspectos da vida são controlados, a arte não poderia ser aceita.
9 Orwell feared that the truth would be concealed from us. Huxley feared the truth would be
430
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Após esse apartado sobre a função da arte e do perigo do entretenimento fácil e fútil
na sociedade, como apresentado por Huxley, poder-se-ía perguntar: se o futuro tec-
nológico é inevitável (particularmente com o estabelecimento da IoT), como esca-
par não somente do círculo vicioso de entretenimento que gera alienação, mas tam-
bém do pensamento dualista que vislumbra possibilidades utópicas e distópicas.
Arte e IoT
Os artistas, assim como os jornalistas, têm agido como arautos de possíveis cenários
futuros, quer sejam estes futuros expressos distopicamente como no caso de Huxley,
Orwell e tantos outros, ou utopicamente, como mostrado em inúmeras obras de
ficção tal como Star Trek, que além de aventarem prognósticos, acabam também por
inspirar a imaginação dos cientistas. No orbe da IoT, alguns artistas preocupam-se
com questões relacionadas à identidade, como é o caso de Katarina Macurova (Fi-
gura 2) que reflete sobre a diluição da individualidade em meio à massa de cidadãos
padronizados pela estrutura da sociedade pós-Ford imaginada por Huxley. Diversas
exposições têm sido organizadas com intuito de oferecer ao público a visão dos ar-
tistas a respeito do que vem à frente. Uma destas exibições ocorreu em Londres na
Whitechapel Gallery sob o título Is This Tomorrow? (2019) e ofereceu 10 obras de
artistas e arquitetos trabalhando em colaboração de modo a propor respostas artís-
ticas às tecnologias emergentes, especialmente às tecnologias computacionais e da
drowned in a sea of irrelevance. Orwell feared we would become a captive culture. Huxley feared we
would become a trivial culture, preoccupied with some equivalent of the feelies.
10 The phrase “serious television” is a contradiction in terms; […] television speaks in only one per-
sistent voice--the voice of entertainment.
431
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Internet. Segundo os curadores, “em uma era em que a humanidade enfrenta novos
desafios impostos pelo big data, pela bioengenharia e pela mudança climática, a
Whitechapel Gallery convidou dez grupos de artistas e arquitetos para explorar o
potencial da colaboração e oferecer suas visões do futuro”11.
Uma das questões mais sérias que preocupa não somente artistas, mas grande parte
dos estudiosos da implantação da IoT é o problema da vigilância cibernética. A situ-
ação é bem simples de ser compreendida, porém difícil de ser evitada. A perda da
privacidade já tem sido objeto de debates desde muito tempo (a esse respeito ver
Corrêa & Alves, 2017). Contudo, algoritmos para a vigilância de dados dos usuários
da Internet são aperfeiçoados diariamente. Na IoT o número de equipamentos que
poderão ser usados com intuito de coletar dados dos usuários será inumerável, o
que leva a questionar se existe a mínima possibilidade de controle do usuário sobre
seus próprios rastros digitais. O aspecto da vigilância tem sido objeto de reflexão
por parte dos artistas desde muito tempo. Mesmo Nan June Paik, que prognosticou
a revolução na comunicação por meio da banda larga (broadband communication
revolution, 1974), já nas suas obras pioneiras da videoarte considerou o problema da
vigilância, como se vê em TV Budha, também de 1974 (Figura 3). Paik cria um circuito
fechado de TV no qual Buda, a meditar na sua costumeira posição de lótus, assiste
compenetradamente à sua própria imagem na tela de uma TV, como se observas-
se uma imagem capturada por uma câmera de segurança. Ao mesmo tempo, Paik
faz refletir sobre o poder anestésico da televisão, que nesta perspectiva tornar-se-ia
uma religião, invertendo portando os papéis de Buda e da TV. Assim, caminharíamos
do budismo enquanto uma religião para o ato de assistir TV religiosamente.
11 In an era when humanity is facing new challenges posed by big data, bioengineering and climate
change, Whitechapel Gallery has invited ten groups of artists and architects to explore the potential
of collaboration and offer their visions of the future. Texto para a exposição Is This Tomorrow? Dispo-
nível em: https://www.whitechapelgallery.org/exhibitions/is-this-tomorrow/
12 Evidence Locker were staged and edited by the artist and filmed by the police using the public
surveillance cameras in the city centre. Wearing a bright red trench coat she would call the police
on duty with details of where she was and ask them to film her in particular poses, places or even
432
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
(Tim Hyde: Bus (2005); Kiki Seror: Modus Operandi (2005)) ou instalações, como 99
Red Balloons: be careful who sees you when you dream (2005) de Jenny Marketou (Fi-
gura 5). Essas obras foram expostas no Krannert Art Museum de Illinois na expo-
sição sob a curadoria de Michael Rush intitulada Balance and Power: Performance
and Surveillance in Video Art (2005). O conceito discutido por Rush nesta exibição foi
justamente a perda da privacidade e a impossibilidade de rejeitar a vigilância. Nas
palavras de Rush “estamos vivendo em um momento em que alertas de segurança,
câmeras de vigilância e Reality TV estão desfocando as fronteiras entre atuação vo-
luntária e involuntária para a câmera”.13
guide her through the city with her eyes closed. Disponível em: http://www.jillmagid.com/projects/
evidence-locker-2
13 We’re living at a time when security alerts, surveillance cameras, and Reality TV are blurring the
boundaries between voluntary and involuntary acting for the camera. Texto disponível em https://
kam.illinois.edu/exhibition/balance-and-power-performance-and-surveillance-video-art
433
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 5: Jenny Marketou, 99 Red Balloons: be careful who sees you when you dream (2005).
Fonte: http://www.thing.net/~jmarketo/99RedBalloons.shtml
434
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
14 “Still touchable?” explores our relationships to information. The physical relationships we had
with the media, such as letters, postcards, newspapers, CD, which started to disappear as the touch,
feel, memories and emotions we had with them are disappearing. Disponível em: http://agile-iot.
eu/2017/07/24/adaptation-still-touchable/
435
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações Finais
Baseado nos apontamentos apresentados ao longo desse texto, entendo que a tec-
nologia não é livre de valores éticos e está intrinsecamente unida à cultura. Portanto,
os impactos e responsabilidades sociais de todos os envolvidos na criação, produção,
gerenciamento e estudos sobre tecnologia não podem ser negligenciados sob o pre-
texto de que qualquer tecnologia é em si neutra. Particularmente ao que diz respeito
à IoT, percebo que os responsáveis por sua implantação parecem querer se eximir das
possíveis conseqüências sob a justificativa da neutralidade e imprevisibilidade tecno-
lógica. Todavia, reitero que todos (inventores, desenvolvedores, vendedores, usuários)
temos responsabilidade moral para com a inevitável IoT, e certos efeitos colaterais (tais
como a possibilidade da vigilância onipresente) não podem ser tratados como mera
conseqüência ou contra-parte da comodidade trazida pela IoT.
Em uma passagem de sua Ética a Nicômano, Aristóteles afirma que “toda arte e todo
saber, assim como tudo que fazemos e escolhemos, parece visar algum bem. Por
isso, foi dito, com razão, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem, mas há
uma diferença entre os fins: alguns são atividades, ao passo que outros são produtos
à parte das atividades que os produzem”. (Aristóteles, 1991, p.3). As coisas conecta-
das a satélites estão a ponto de tornarem-se esses produtos resultantes da atividade
criativa e criadora do ser humano e não se pode perder justamente a perspectiva
e objetividade intrínseca a essa produção que é a preservação das espécies e do
planeta (aspectos que para mim são o “bem comum” da citação de Aristóteles). En-
tretanto, algumas pessoas parecem preferir a satisfação de um mundo fictício digital
à liberdade no âmbito da dura realidade do mundo concreto e, desse modo, agem
como o personagem de Matrix que optou por trair os companheiros e retornar a
viver no mundo de fantasia criado pelas máquinas. Há evidências desse tipo de ati-
tude no mundo moderno, como por exemplo, o incomensurável número de pessoas
que fazem das chamadas redes sociais o seu núcleo comunitário mais íntimo, sem
ponderar que quanto mais tempo despendem nas redes sociais, menos tempo vi-
vem de fato em sociedade.
436
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O artista, assim como as pessoas vivendo em liberdade, são responsáveis pela ma-
nutenção do potencial criador inerente à nossa espécie, seja essa homo sapiens ou
homo digitalis. Devemos sinceramente continuar sempre visando ao bem comum,
sendo os artistas os encarregados de harmonizar compreensão, técnica e imagina-
ção com a beleza, ética e natureza.
References
Al-Fuqaha, Ala; Guizani, Mohsen; Mohammadi, Mehdi; Aledhari, Mohammed;
Ayyash, Moussa (2015). Internet of Things: A Survey on Enabling Technologies, Pro-
tocols, and Applications. IEEE Communications Surveys & Tutorials, vol.17, Issue:
4, pp. 2347-2376.
Atzoria, Luigi; Lerab, Antonio; Morabito, Giacomo (2010). The Internet of Things: A
survey. , vol.54, n.15, 28, pp.2787-2805.
Frost, Laura (2006). Huxley’s Feelies: The Cinema of Sensation in “Brave New World”.
Twentieth Century Literature. Vol.52, No. 4 (2006), pp. 443-473.
Huxley, Aldous (1958). Brave New World Revisited. Disponível em: https://www.
huxley.net/bnw-revisited/
Lebow, Richard Ned (2012). The Politics and Ethics of Identity - in search of our-
selves. New York: Cambridge. Disponível em: https://books.google.com.br/books?
Postman, Neil (1986). Amusing Ourselves to Death. New York: Penguin Books.
HYPERLINK “https://quote.ucsd.edu/childhood/files/2013/05/postman-
437
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Cleomar Rocha1
Afetações de um modus operandi2
Affetions of a modus operandi
Resumo
O artigo discute o modus operandi digital e o analógico, o primeiro relacionado ao
cérebro e ao pensamento, e o segundo ao mundo natural. Discute, à luz da fenome-
nologia, a transição de uma cultura centrada na posse a guarda para uma cultura do
acesso e compartilhamento, bem como as afetações que isso causa na concepção
do mundo. Por fim, verifica como a produção da Arte se inscreve nesse contexto
contemporâneo, por meio da arte tecnológica e da estética da conectividade.
Palavras-chave: Conectividade, estética, arte tecnológica
Abstract
The article discusses the digital and analog modus operandi, the first related to the
brain and the thought, and the second related to the natural world. It discusses, in
the light of phenomenology, the transition from a culture centered on possession to
a culture of access and sharing, as well as the affectations that this causes in the con-
ception of the world. Finally, it verifies how the production of Art is inscribed in this
contemporary context, through technological art and the aesthetics of connectivity.
Keywords: Connectivity, aesthetics, technological art
O cérebro e o mundo
O mundo natural é analógico, regido pela continuidade do espaço-tempo. As coisas
do mundo seguem essa lógica de organização e são igualmente analógicas, seguin-
do a linearidade do espaço-tempo. Esse aspecto lógico pareceu suficiente para que
o ser humano buscasse ordenar seu modo de pensar e agir segundo as regras ana-
lógicas, verificadas no mundo que ele habita. Assim, toda a concepção de conhe-
438
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
cimento foi ordenado segundo essa regra, como se pode verificar na organização
de livros, revistas, bibliotecas e produtos de arte como poemas, pinturas etc, cuja
expressão obedeceu ao sistema analógico.
Embora essas mesmas linguagens, de base constitutiva digital, expressa por seus
elementos em combinações múltiplas, seja um fato, sua aplicação em produtos es-
téticos e intencionalidades poéticas sempre foi orientada por padrões estruturais
analógicos, inclusive na nominação de trabalho finalizado. Os produtos da cultu-
ra, artísticos ou não, seguiram a determinação dos suportes, embora as linguagens,
como elementos mentais, sejam determinados pela lógica digital.
439
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Unidade e diversidade
A tríade religiosa Pai, Filho e Espírito Santo já indicava a possibilidade de uma uni-
dade ser formada por uma diversidade. Na lógica do desenvolvimento das socieda-
des, foi somente com o fim do período medieval que o mundo compreendeu que a
busca por unidade entre as nações resultava em guerras intermináveis. A lógica do
equilíbrio passa, necessariamente, pela diversidade como um princípio. Na Europa,
as guerras que buscavam domínio de um povo sobre o outro somente chegaram
ao fim quando se percebeu que o diálogo era mais efetivo que as guerras. Acordos
comerciais e econômicos resultaram em um bloco mais coeso, embora as tensões
permaneçam.
Talvez a prova disso seja a facilidade que a população das FARC, na Colômbia, apre-
sentou ao se deparar com a tecnologia digital, no pós-conflito. Após o histórico acor-
do com o governo, os guerrilheiros deixaram as armas e se integraram à sociedade
civil. Logo de início o choque cultural tornou-se visível: acostumados com as flores-
tas, essa população se encontrou com o século XXI com seus smartphones, redes
sociais e novos métodos de se comunicar. Já com a primeira bolsa recebida, o desejo
estava claro para a maior parte dessa população: o smartphone e as redes sociais. O
processo de aculturação foi quase instantâneo, com curva de aprendizagem curta
e leve. A lógica digital não está restrita a nativos digitais, mas, como toda cultura,
ao processo de aculturação, independentemente de quando as pessoas nasceram.
A lógica digital ganha corpo com a facilidade de mover-se por ela, instaurando uma
cultura baseada nos modos de pensar e organizar o pensamento. Hipertextos e links
se juntam ao modelo científico de gerar conhecimento, reformulando a lógica do
humano. A tecnologia potencializa o método, e o avanço não é algo controlado. A
premência de reinventar o mundo faz surgir produtos, modelos de negócios, for-
mas de produção, distribuição e consumo novos. Vivemos uma revolução cultural,
abandonando a ideia de unidade e vislumbrando na diversidade o equilíbrio entre o
humano e o mundo, o individual e o coletivo, a lógica digital e a lógica analógica. E
é nessa concepção da diversidade que as cidades se reinventam, os produtos são re-
novados, as velhas fórmulas de criar cultura se rendem ao novos ventos que sopram
o mundo, na velocidade de se converter dados em nuvens, liquefazer modernidades
e assumir que o futuro não é uma unidade, mas uma diversidade.
440
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nessa nova ordem, perde velocidade a cultura da posse guarda, visto que a imateria-
lidade das linguagens, dos códigos e da sociedade, bem como seus bens, alcançam
maior valor que a materialidade. A virtualização e a digitalização passam a ser valo-
rados com maior força que o conceito de ente. Virtualmente somos mais ricos, sábios
e independentes que jamais fomos. O acesso e compartilhamento do conhecimento
catapulta a sociedade a um estágio marcado pelo conhecimento e pela inteligência,
que de tão opulenta salta de cérebros para as coisas do mundo. Os objetos inteligen-
tes se propagam e alcançam cidades inteiras.
A conectividade tida nos diálogos entre artistas, filósofos e cientistas foi rotina desde
o século XVIII, tomando cada vez mais fôlego. Se os movimentos de época demora-
vam pouco mais de um século para se firmar, a partir do século XVIII tivemos uma
comunicação mais eficiente e, por conseguinte, uma redução de tempo nos movi-
mentos de época. O século XIX já acomodou uma série de movimentos e estilos de
época, intensificados com o século XX. O modernismo, rótulo guarda-chuva que en-
cerra em si vários movimentos, só foi possível graças aos deslocamentos e diálogos
entre os artistas. Cartas, visitas e uma série de trocas de informações e influências
varreram a Europa, principal área da produção de arte.
E o gosto pela conexão não se esgota na arte. Está disseminada na Economia, na Me-
dicina, na Comunicação, na Cultura e em todas as áreas de abrangência do humano.
Os equipamentos passam a ser digitais ou operados pela lógica digital, otimizando
441
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O gosto pelo digital é definitivo, não apenas pela luz emitida das telas de compu-
tadores e celulares, pirotecnia que deslumbra (4), mas essencialmente pelo modus
operandi do digital, similar à lógica cerebral, em seus eixos morfológicos e sintáticos,
de hardware e software, do cérebro e do pensamento.
Conclusão
Estamos, indubitavelmente, afetados (5) pelo digital, marca não apenas de um tem-
po, mas de um modo de compreender a lastrear o cérebro pelo mundo. A lógica di-
gital reivindica a reinvenção social, tendo por base o cérebro. Mais que um programa
de gosto (6), a conectividade é a mídia do digital, é a potência de uma socialização
que se mostra exitosa, inovativa e fundante. Ao se vincular a lógica digital ao modelo
de estruturação e funcionamento do cérebro e do pensamento, alinhamos a base de
uma nova poética, de uma nova ética e de uma nova estética para o humano. A cul-
tura do acesso e do compartilhamento, tal qual fazemos com nossos pensamentos
a partir das linguagens, parece fazer a bússola apontar para o futuro, magnetizados
que estamos pelo presente.
O modus operandi digital se lastreia pela descoberta feita pela Arte há séculos: a
criatividade está na articulação entre formas e cores, sons e letras, sílabas e versos.
As linguagens, já apontava Saussure (7), por serem mentais, seguem a lógica digital,
como é o próprio cérebro. O gozo estético, segundo essa mesma lógica, é tão men-
tal quanto digital, criando um assento natural, embora só tenhamos alcançado esse
reconhecimento no século XX. A epopeia humana avança, agora fundada na lógica
cerebral expandida para o mundo, e não o contrário.
Referências
(1) JOHNSON, Steven (2003). Emergência: A Vida Integrada de Formigas, Cére-
bros, Cidades e Softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
(2) PIGNATARI, Décio (2005). O que é comunicação Poética. 8a. Ed. Cotia, SP:
Ateliê Editorial.
442
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
(3) ROCHA, Cleomar (2014). Pontes, janelas e peles: Cultura, poéticas e perspec-
tivas e das interfaces computacionais. Goiânia: FUNAPE: Media Lab / Ciar / UFG.
(Coleção Invenções).
(5) SPINOZA, Baruch (2014). Obras Completas. Orgs. Jacó Guinsburg, Newton Cunha
e Roberto Romano. São Paulo: Perspectiva.
(6) PAREYSON, Luigi (1989). Os problemas da estética. 2ª ed. Trad. Maria Helena
Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes. (Ensino Superior)
(7) SAUSSURE, Ferdinand (2006). Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix.
443
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
We propose an anthropological and technocultural analysis that follows the
changeability of the tangibility of this subject, using David Le Breton in Farewell
to the Body (2003). The urban-corporeal technoscientific imaginary is explored in
complete decay, precariousness and imperfection, in which Post-flesh Kroker (1994)
1 Author, Research grant, (FCT) Ph.D student: Doutoramento em Média-Arte Digital. Aberta Univer-
sity and Algarve University, Portugal. Master in Contemporary artistic Creation, (UA, 2014). (CIAC):
Center for Research in Arts and Communication, University do Algarve, University Aberta. And in the
(ID+ [UA /DeCA) Group: Praxis and Poiesis: from arts practice towards art theory, Research Institute
for Design, Media and Culture, Aveiro University.
2 Coautor, Artist and Ph.D student: ISCTE-IUL Department of Anthropology, Lisbon, Portugal. Resear-
cher at CRIA-Centro em Rede de Investigação em Antropologia. Master in Contemporary Arts (FBAUP).
444
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
and Interzone (ibid) bodies. resting biomechanical objects maintain multiple con-
nections in an expanding world in the third millennium. We explore the concepts of
obsolescence, and accident presented by William Lurtz at the Association for Stra-
tegic Accidents of 1990. We present in parallel ideas of “drug design” biochemical
pharmacologies that allow new perception regimes that deal with ideas about vir-
tual reality. As will be demonstrated in the course of the argument, there is a direct
relationship between the expansion of VR technology immersion systems treated as
virulogy and infection on the human senses, which generate the side effect of the
immobilized body that is the result of a consensual hallucination (ibid). and desires
to escape the body.
Keywords: Anthropology, Technoculture, Narcotic-design, body, virtual reality
445
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
446
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
447
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
448
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
449
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O que propomos como realidade virtual para contrariar estas aplicações é a utiliza-
ção de farmacologias e tecnologias químicas disponíveis para desenvolver “design
de drogas” para fins estéticos e de exploração do conceito de realidade virtual. São
construídas para elaborar complexos estados alterados de consciência para apro-
fundar a experiência estética e as possíveis narrativas desenvolvidas. Não com re-
curso a imagem e estética do cinema ou vídeo jogo, mas com combinação química
que gera uma alteração no cérebro, curto circuito e intoxicação, com vista à fruição
estética num estado de consciência alterada e como solução para uma arte realmen-
te virtual, a qual também liberta o corpo dos mecanismos e de um estado comatoso,
apoiado ainda numa ideia de corpo ciborgue, proveniente do imaginário dos anos
1960-1990, ligado a próteses e animado por energias que não são as químicas. Uma
perfeita imagem do corpo amputado da sua capacidade de lidar com o real e onde
a prótese é o modo de adaptação à velocidade do progresso tecnológico em opo-
sição à adaptabilidade biológica. A nossa abordagem tecnológica é mais invisível e
traz a farmacologia e a tecnologia associadas para construir experiências estéticas
mais sofisticadas com um corpo libertado para a performatividade e afetado, que
explora todo o seu potencial de movimento e conexão. Se pensarmos que as ex-
periências de realidade virtual digitalizam e representam objetos e elementos que
podemos encontrar no mundo não virtual, logo a nossa experiência de realidade
virtual permite uma narrativa mais aberta em que os participantes encontram os
significados e objetos no cenário em seu redor, que é potenciado pela alteração dos
seus estados de consciência, atingindo, assim, uma verdadeira experiência de rea-
lidade virtual mais próxima das estéticas do pós-digital. Neste processo, o erro e o
imprevisível está equacionado como sintomatologias secundárias, manifestadas por
febres, alucinações, desorientação e outros efeitos catárticos, até convulsões. Todas
estas experiências servem acentuar o potencial da experiência estética e as utilida-
des do nosso sistema de realidade virtual. Procuramos também desenvolver, a longo
prazo, com apoio industrial, vírus infeciosos que permitam elaborar um conjunto de
sintomas corporais e psicológicos para explorar estes conceitos que estão próximos
da alucinação e são mediados por complexas tecnologias ao nosso dispor. Procura-
mos, assim, parceiros institucionais ou independentes para explorar estes processos
com fins estéticos e para expandir o corpo multimédia, implantando quimicamente
e de modo viral as condições para interação com os mundos virtuais e suas poten-
cialidades de criatividade e experiência. Os conceitos e técnicas da realidade virtual
devem evoluir, na nossa opinião, neste sentido na arte contemporânea, porque os
sistemas VR não têm a dimensão metafísica necessária para suportar esse argumen-
to, na nossa opinião.
Podemos dizer que alguns projetos de realidade virtual poderiam ser resolvidos
noutros suportes mais tradicionais, tendo em consideração que a única originalida-
de, em alguns casos, se situa unicamente no suporte tecnológico e não no conteúdo.
Existe, por assim dizer, uma dificuldade em separar uma atração generalizada que
450
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
5 “First, the posthuman view privileges informational pattern over material instantiation, so that
embodiment in a biological substrate is seen as an accident of history rather than an inevitability
of life. Second, the posthuman view considers consciousness, rgarded as the seat of human identity
in the Western tradition long before Descartes thought he was a mind thinking, as an epiphenome-
non, as an evolutionary upstart trying to claim that it is the whole show when in actuality it is only
a minor sideshow. Third, the posthuman view thinks of the body as the original prosthesis we all
learn to manipulate, so that extending or replacing the body with other prostheses becomes a con-
tinuation of a process that began before we were born. Fourth, and most important, by these and
other means, the posthuman view configures human being so that it can be seamlessly articulated
with intelligent machines. In the posthuman, there are no essential differences or absolute demar-
cations between bodily existence and computer simulation, cybernetic mechanism and biological
organism, robot teleology and human goals.” (Hayles, 1999)
451
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6 “Post-biology considers the body as a mosaic of biological, viral, technological, cultural and politi-
cal dynamics, all meshed into one unstable pattern. In this model, the borderline between organic
and non-organic dynamics is quite tenuous and our model of human being is called upon to mingle
and to fuse with what was previously considered un-human, a-human. But if representations of the
living body are really becoming post-biological, then post-biology cannot simply be a model of a
living thing to which technology has been bound. If there is a post-biological model, we could, in
fact, only truly examine it if we ourselves became (at least in part) post-biological. In fact, the pos-
t-biological model is a simulation of the living no longer having anything to do with an original,
fundamental Idea of the living being. Post-biology is a modelling that exists in an entirely different
time and space -- between matter instead of in it -- one that lies outside of organic representation.
Postbiology produces entangled, dynamic, and autonomously functioning simulacra.” (Dyens, 2000)
452
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por isso mesmo, avançamos com a solução tecnológica mais centrada na química
experimental e design de novas drogas na farmacologia, que é uma cápsula para
podermos elaborar experiências estéticas que consideramos realmente de realidade
virtual e desprovidas de qualquer prótese, utilizando os recursos do corpo biológico.
Como uma forma de libertação do corpo multimédia e sua performatividade em
que o corpo não necessita de ser terminal de ligação. Por isso, o conceito de vírus
e infeção foi fundamental para construirmos uma reflexão e solução que se situa
no controlo dos efeitos secundários das experiências de realidade virtual, que são o
empobrecimento da dimensão performativa, o condicionamento da mobilidade, a
necessidade de dispositivos e a obsolescência estética gerada por uma estética CGI
cinematográfica e narrativa que não explora todo o potencial biológico, químico e
elétrico do cérebro humano e sua metafísica. Digamos que a arte do futuro lidará
com outras técnicas e meios de exploração da experiência e objeto artístico. Este é
o avanço que propomos, na atualidade, para o contexto pós-digital e pós-humano
na arte. Dito isto, o modo como pretendemos desenvolver as nossas experiências de
453
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
realidade virtual e exploração estética de novas formas de experiência arte passa por
utilizar fórmulas químicas com o apoio da indústria farmacêutica ou outros grupos,
públicos e privados, que nos apoiem no design destas substâncias como também na
experimentação que passa pelo controlo do tipo de narrativa e sintomatologia que
podemos obter e gerar, numa tentativa de direcionar a experiência e conceber pro-
dutos estéticos mais apelativos que ativem todos os sentidos do corpo multimédia,
não sendo necessário outro tipo de dispositivo além das nossas cápsulas e seu con-
teúdo. Numa análise dos materiais utilizados, optamos por escolher a molécula de
MDMA7 como base para outras ligações entre moléculas, com o objetivo de desen-
volvermos novos designs mais experimentais como também experiências artísticas
de realidade virtual, cada vez mais complexas, que envolvam todos os elementos do
multimédia, imagem como alucinação, som e fala como alucinação sonora e narra-
tiva textual, entre outras manifestações no corpo, como mudanças de temperatura,
ritmo cardíaco, ansiedade, euforia e outros estados psicológicos e físicos difíceis de
simular nos sistemas de realidade virtuais mais tradicionais. É importante, também,
na nossa investigação a duração duma experiência completamente de imersão,
que tende a durar entre 3 a 6 horas, dando o tempo necessário para que o utiliza-
dor possa usufruir de uma experiência estética de realidade virtual bioquímica que
consideramos satisfatória. Estas experimentações são formas de testarmos o nosso
conceito de realidade virtual bioquímica que apresentamos como novo paradigma
a ser testado artisticamente no campo de interceção entre arte, design e tecnologia.
454
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“How Much More Lifelike Can We Get?” Implosão técnica para a autopreser-
vação experiêncial
Seguindo uma política implicita nos conceitos farmacológicos, o estado alterado do
corpo o translada para um outro patamar analítico, onde este sobre tais efeitos sinté-
ticos é projetado para um estado liminal (Turner, 1974), onde lhe é apresentado uma
passagem contínua ritualistica entre morte e resurgimento, mais específicamente
entre as dimensões de vírus, catarse e infecção. É neste entre-lugar “VR” onde a pre-
sença do corpo multimédia no seu espaço e tempo ganha significancia perante tal
aparato que aqui apresentamos como corpo terminal. O mesmo tem como príncipio
central culmatar o paradoxo apresentado nos dispositivos de VR, que se categorizam
como um lugar não definível antropológicamente, pois este se asemelha apenas a
uma espécie de local de passagem, como uma via rápida de entrada e saída de cor-
pos em modo automático. Ou seja, eles apenas permanecem ali com a finalidade de
chegar a algum local, o interessante será verificar que este mesmo local por conse-
quência também não existe, deixando portanto o corpo num estado suspenso entre
ida e chegada a lado absulutamente nenhum. Imóvel, este corpo sem lugar passa
a tornar-se um dummy de si próprio, onde o corpo é preparado para o acidente e
apresentado como simulação e autâmato.
O foco académico redirecionado para os estudos do corpo revela que esta contin-
gência é emergente, é notória a reviravolta analítica em relação à noção de coletivi-
dade de uma classe de corpos, sujeitos virtuais e terminais, sendo isto fruto da mu-
tação que o significado sofreu, resultado da interação tecnológica, nomeadamente
dos modos operativos de relação com outros por intermediação tecnologica. Dito
isto, cada vez mais assistimos a um crescente interesse em analisar o corpo através
dos sistemas biomédicos. Podemos então sugerir que existe uma concreta neces-
sidade de voltar a repensar a noção biológica de corpo, sendo que, no presente se
torna imperativo faze-lo seguindo os sistemas biopoliticos pelos quais ele foi pro-
duzido. Estes mesmos sistemas biomédicos em contrapartida, lidam e encorporam
a noção de corpo na sua elasticidade possível, exaltando a própria fisicalidade do
mesmo, uma vez que lidam com a contínua conciencialização da sua existência, seja
na dor, doença ou trauma. É através destes momentos que o corpo reaparece em
cena como passível de ser analisado, porque o mesmo encontra-se num estado de
exaltação de consciência, não só particular, como também, por alteração bioquímica
como propomos como as nossas drogas de design. O corpo assim duplica-se como
um virus e infeção nos sistemas sociais que o reproduzem, como explica Le Breton
no capítulo “A produção farmacológica de si”. Perante tal cenário a fissura provocati-
va está no resgate da coletividade associada à experiência por indução bioquímica
das drogas de design para libertar o corpo multimédia e terminal dos dispositivos
ocular-centricos. Para que, se desenvolvam experiencias de simulação VR mais totais
e centradas na biologia dos sujeitos e não dependente de macanismos. Esta analise
também se traduz para o espaço de experiência artística, uma vez que o próprio se
455
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
colocou numa posição radical, onde a própria experiência emergente do corpo pas-
sa a ser secundária, uma vez que sem conciência de si próprio não destingue ambos
os lugares, porque este mesmo espaço não o translada para um momento associado
a nenhum estado de espírito que o devolva a sua noção de fisicalidade e pertença ao
local. Ademais, apelamos a uma emersão dos sentidos co-modificadora bioquímica-
mente, de modo a que sobre efeito de drogas e farmacologias desenhadas para fins
artisticos e estéticos, a experiência corporal VR performativa seja resgatada na sua
totalidade e aprofundada como imersão e sinestesia no sistema sensorial humano
sem recurso a outros dispositivos.
Conclusão
O corpo multimédia sofre de “infecções” e condições inerentes ao aparato tecnoló-
gico “próteses” e “virologias”, onde estados subjectivos pseudo virtuais de percepção
são simulados. Assim sendo, a “drug desing” como propomos serve explorar sistemas
artísticos e tecnlógicos de realidade virtual mais complexos. Expandindo o pós-di-
gitais desprendido do visual-centrismo e dos meios computacionais de simulação.
Referências
Cascone. K. (2000). The Aesthetics of Failure: “Post-Digital’ Tendencies in Contempo-
rary Computer music”. Estado Unidos: Massachusetts Institute of Technology.
Megen.V.E. (1998). ASA: Access All Accidents. Publicado em, “The Art of the Acci-
dent,”. Holanda: V2_, Lab for the Unstable Media.
Parikka. J. (2007). “Contagion and Repetition: On the Viral Logic of Network Culture”,
Ephemera: theory & politics in organization. © ephemera 2007ISSN 1473-2866www.
ephemeraweb.orgvolume 7(2): 287-308.
Turner, V. (1974). “Liminal to Liminoid, in Play, Flow, and Ritual: An Essay in Comparative
Symbology.” Estados Unidos: Rice Institute Pamphlet - Rice University Studies, 60, no. 3.
Kroker, A. and Weinstein, A. M. (1994). Data Trash: the theory of the virtual class. Esta-
dos Unidos: St. Martin’s Griffin.
456
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente artigo técnico e ensaio procura analisar o impacto dos processos
de sonificação nas artes sonoras, colocando em análise os seus modos de pri-
meira e segunda ordem, na definição das metodologias de produção, tendo
como base o código genético da leptospirose, utilizado no desenvolvimento
de elementos sonoros e musicais com o software Iannix integrados na per-
formance Zoe:Actant (2017), apresentada no Arquipélago Centro de Artes
Contemporâneas dos Açores. Este projeto iniciou-se entre os meses de março
e maio de 2017 num contexto de residência artística, denominada Salutem:
à tua saúde, no Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada. Houve
colaboração e envolvimento com profissionais e utentes daquele centro hos-
pitalar, em especial com o centro de investigação centrado no estudo da lep-
tospirose e o centro de análises de fluídos mais comuns - sangue, urina, fezes
e expetoração – e, ainda, o centro de virologia.
Palavras-chave: Sonificação, Pós-Digital, Biologia, Artes Sonoras, Data-som
Abstract
This technical article and essay seeks to analyze the impact of sonification pro-
cesses on the sound arts, analyzing their first and second order modes in the defi-
nition of production methodologies, based on the genetic code of leptospirosis,
used in the development of sound and musical elements with Iannix software
1 Author, Research grant, (FCT) Ph.D student: Doutoramento em Média-Arte Digital. Aberta Univer-
sity and Algarve University, Portugal. Master in Contemporary artistic Creation, (UA, 2014). (CIAC):
Center for Research in Arts and Communication, University do Algarve, University Aberta. And in the
(ID+ [UA /DeCA) Group: Praxis and Poiesis: from arts practice towards art theory, Research Institute
for Design, Media and Culture, Aveiro University.
2 Coautor, Ph.D. CIAC, INESC-TEC e LE@D, Universidade Aberta, Portugal.
3 Coautor, Ph.D. ID+ Instituto de Investigação em Design Media e Cultura. Grupo: Praxis and Poiesis:
from arts practice towards art theory. Universidade de Aveiro, Portugal.
457
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
458
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1: Código genético da leptospirose, imagem da leptospirose e disco metálico com inscrição
musical para caixa de música Regina, Tecnologia de reprodução musical situada entre 1800 e 1900.
Assim, foi importante estabelecer relações conceptuais entre as imagens que me foram
facultadas e outros conhecimentos científicos e tecnologias que estavam associadas ao
universo musical, como é o exemplo dos discos metálicos de reprodução musical em
caixas de música mecânicas, e também formatos mais recentes, como os discos de vinil
ou o cd. Esta associação foi imediata porque, quando observamos a representação ge-
nética da leptospirose, vemos algo semelhante a três representações de faixas sonoras
no centro do desenho - uma branca, outra azul e outra verde – e, em direção à periferia
do círculo, linhas que partem de um centro e são espaçadas como passíveis de sequên-
cia rítmica. Por sua vez, estas definem temporalidades perante uma possível velocidade
de rotação acompanhada de eventos sonoros “sequencias” que, no todo, constituem
uma peça musical, no caso da imagem dos discos musicais metálicos. Então, existiam
associações que se começavam a desenvolver na observação que efetuei destes ele-
mentos visuais a par da imagem da bactéria leptospirose, que poderiam definir tanto
uma temporalidade ou duração relativa ao seu cumprimento, como também aprovei-
tar o desenho da sua ondulação para serem trascritos para midi e controlar efeitos de
onda e modelação de parâmetros que influenciavam elementos da composição. Desse
modo, foi partindo da imagem médica, científica e das suas representações que foram
pensadas as sonificações dos elementos integrados na composição sonora construída
para a obra. Nesta experimentação, desvendam-se atuants, como vírus e bactérias que
se encontram num estado de imanência e são revelados pela tecnologia. Estes actants
não se limitam ao agenciamento humano e aos seus atores, estendem-se também a
entidades não humanas, numa diligência de aprofundar argumentações que se preci-
pitem para lá do humano centrismo, promovendo formas mais livres de construção do
conhecimento. Não obstante, desde tempos primitivos que a nossa espécie observa
os fenómenos naturais a par de outros fatores e entidades biológicas mais intangíveis,
como vírus, bactérias, fungos, animais e plantas e suas transformações na paisagem, em
sincronia com a evolução cultural, em que se situa a arte ou a medicina. Por conseguin-
te, fabricamos um sistema de relações - sociais, biológicas e institucionais - com o meio,
459
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
onde atuam entidades humanas e não humanas, num sistema de trocas cinestésicas
culturais. Podemos constatar o modelo contemporâneo conceptualizado no “multispe-
cies ethnography” (Kirksay e Helmreich, 2010) proveniente da antropologia, que coloca
estas entidades em diálogo no nosso Terceiro milénio, avolumando o mundo visível,
o território da ação humana. Assim sendo, a sonificação utilizada foi profundamente
cultural, interpretativa e subjetiva, porque os “dados” utilizados não foram traduzidos
cientificamente em tempo real, mas sim interpretados partindo da imagem para de-
finir regras de composição e meios de gerar elementos sonoros. Desse modo, nas so-
norizações e nos seus processos, todas as escolhas encaminham o resultado sonoro
ou musical para o processo de escolha, baseados no estilo, especialmente no contexto
Pós-Cage, em que todos os sons são considerados musicais. Como considero todos os
processos gerados pelas sonificações fabricados, contextualizo este facto no conceito
de simulação ou porque é partindo de um conjunto de “data” informações científicas
sobre a leptospirose que os elementos sonoros e metodologias de composição são
pensados e explorados, tendo sempre em consideração que não estamos a lidar com
nenhum fenómeno sonoro ondulatório, mas sim com informação, e lidando com sis-
temas lógicos de transcrição de um meio para outro, por processos tecnológicos e de
organização. A sonificação permite um modo processual, por intermédio do potencial
computacional e do digital. Então, podemos gerar música ou data-som, porque o re-
curso a algoritmos e outras estratégias conceptuais são utilizados para dar vitalismo
à data e manifestá-la em eventos sonoros. De acordo com Lancaster “It should be that
arranging sound in a music way is part of a new definition of functional sonification”
(Lancaster, 2012). Apresento um organograma do modo como entendo os processos
de sonificação e as suas possibilidades de conceptualização.
460
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Desta forma, foram utilizados processos que contemplam uma segunda ordem da so-
nificação, que não está realmente teorizada a nível académico, mas que está cada vez
mais presente nos processos artísticos das artes sonoras e da música contemporânea,
461
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
como uma outra metodologia ao serviço dos artistas. Compreender estes fatores tor-
na-se fundamental para entender os modos como o som hoje emerge de um conjunto
de práticas em que o próprio som, como elemento vibratório, está ausente. Mas, por
um conjunto de processos analíticos, artísticos e tecnológicos assentes na vitalidade
da informação e tecnologia, é fabricado artificialmente. Os processos referidos esta-
belecem as regras, os modelos de conversão-manifestação e as condições necessárias
para o evento data-sonoro emergir. Estas alterações da natureza do evento sonoro,
que tem uma origem na “data”, mudam a sua ontologia enquanto evento vibrátil e,
por conseguinte, mudam também a sua natureza ou ontologia e existência e, assim,
reconfiguram novos modos de cognição e metodologias processuais de composição
ou sound design. Porque “Music is more than notes” (Middleton, 2003). Este som que
aflora dos processos de sonificação nada tem de semelhante com o som manifestado
numa ordem de natureza primária, que seria o som como o compreendemos, mani-
festado por impactos, fricção, vibração de corpos num meio sólido, gasoso ou líquido.
Desse modo, seja a sonificação utilizada para fins mais científicos de primeira ordem,
onde causas e efeitos são representados diretamente, ou artísticos, ela parte sempre
de um pensamento sobre o sistema que pretende implantar para a obtenção de resul-
tados, dados, informações que, posteriormente, podem ser manipulados em qualquer
instância e momento do processo. Daí a importância do conceito de ontologia simula-
da ou fabricada, porque a sonificação está sempre dependente de uma fabricação ou
organização de um sistema que não pode emergir de forma espontânea. A única coisa
que emerge de modo espontâneo são os dados captados pelo sistema e as lógicas
estabelecidas. Esses mantêm a flutuação e indeterminismo dos objetos ou eventos
que analisam, dentro do que é permitido e calibrado pelos instrumentos de medição,
que confluem em regras de leitura e reconversão dos dados. Tudo o que se segue nes-
ses processos de seleção e organização da data são opções estéticas, formais, opções
práticas e, por último, culturais.
462
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
desde tempos primitivos que a nossa espécie observa os fenómenos naturais a par
de outros fatores e entidades biológicas mais intangíveis, como vírus, bactérias, fun-
gos, animais e plantas e as suas transformações na paisagem, efeitos e reações que
irrompem pela nossa consciência, por intermédio da cognição, em articulação com
as ferramentas técnicas, onde se situa a música e as tecnologias, instrumentos que
construímos para manipular, e expressar-nos no real, acedendo a possíveis conclu-
sões, significados e contextos do mundo representável. Num sistema de relações
- sociais, biológicas e institucionais - e com o meio, onde atuam entidades humanas
e não humanas num sistema de trocas cinestésicas e aquisições, podemos consta-
tar este modelo contemporâneo de conceptualização na “multispecies ethnogra-
phy ” (Kirksay e Helmreich, 2010) proveniente da antropologia, que emerge a par
do desenvolvimento das tecnologias hiper-óticas e hiper-sónicas do nosso século,
que potenciam a expansão do mundo visível e audível, ampliando e amplificando
o território da ação humana, influenciando a cultura, estética e/ou imaginário. Des-
te modo, sobre estes resultados obtidos dos laboratórios e grupo de investigação
UGPM e IGC: Genetics Research Group BioISI no HDES, optei por partir das imagens
científicas como possibilidade de sonificação.
463
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
para gerar a conversão por intermédio do software Iannix. Os princípios foram: utili-
zar os três círculos centrais para definir uma relação de tempo e atividade geral, visto
que esses três elementos centrais são bastante semelhantes a representações espe-
trográficas sonoras. Logo, desenhei três linhas independentes para cada círculo, que
descrevem e acompanham o desenho e os seus picos de atividade onde foram inte-
gradas bolas azuis “trigger” que lançam mensagens midi entre 0-127, contribuindo
para uma duração estável do conjunto de dados que são gerados em notas musicais.
Por conseguinte, observei os marcadores azuis mais evidentes na imagem e com
maior número de concentração ou incidência de informação e optei por integrar
ações respeitando os elementos da imagem científica do código genético em aná-
lise. Nesta opção, descrevi outras trajetórias que partem tanto do centro do código
como da periferia, descrevem círculos e trajetos interpretados e consequentes da
imagem. Essas relações de trajeto estabelecem uma relação com a duração dos “trig-
ger” e, na sua constituição, definem quando as notas midi-musicais são lançadas por
intermédio das linhas cor de laranja que as ativam. Portanto, torna-se evidente que
o tipo de sonificação utilizado é de segunda ordem, tendo em conta que as opções
que efetuei foram culturalmente mediadas pelo modo como interpretei a imagem e,
consequentemente, construí estratégias de organização e implementação do siste-
ma de composição. Assim, gostaria, para clarificar a metodologia e o seu potencial,
de apresentar duas sonificações como exemplo, prova de conceito e resultados fun-
cionais do material sonificado e processo.
464
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
estou a desenvolver uma sonificação, neste caso centrada numa imagem onde o
input da informação não gera variações. O que se expressa neste tipo de sonifica-
ções é a capacidade de elementos casuais encontrarem uma lógica perante a sen-
sibilidade do autor no tratamento dos dados e nas lógicas que aplica nos eventos
gerados e no sistema construído. Porque neste projecto não é um algoritmo que de-
fine uma estratégia sensível, nem o que constrói a experiência estética que se retira
do contacto com a obra. O algoritmo é mais um elemento dentro de um sistema de
interações que são tanto da ordem do técnico, dos objetos e operações, quanto do
estético. O importante é o modo como o output do data-som nos faz sentir e provo-
ca construção de experiência que nos retire da ideia de estarmos diante de um obje-
to comum científico com uma sonificação de primeira ordem puramente ilustrativa.
Para emergir neste sistema que suportou a construção da composição da obra Zoe:
Actant, 2017, é necessário compreender que os eventos sonoros necessitam de con-
ter alguns princípios, tais como, sequências de eventos, duração, variação de pitch,
tempo e harmonia, para que possamos atribuir algum valor estético a estas experi-
ências, sendo esse valor dependente da cultura e das nossas experiências, porque a
arte não partilha qualquer relação com os objetos comuns do design e seu sentido
utilitário. Logo, deve ser analisada com modelos mais abertos, como Lawrence Kra-
mer propõe no seu capítulo em hermenêutica, em que ele aponta para a impossibi-
lidade da música se desconectar de uma dimensão discursiva, “But musical meaning
can be made explicit only by language, and the process of “translation” therefore
presupposes some sort of vital relationship between music and text.” (Kramer, 2003).
Logo, estas relações devem ser mais filosóficas e críticas.
465
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
produces a floating amalgam in which self image, artifact or system and generalized
representations of desire coexist albeit in competition.” (Pepperell e Punt, 2000), e
é dentro desse universo que são discutidas, com todas as subjetividades inerentes,
significações e história. Devemos compreender que o sistema de trocas que está
implicado nas atualidades artísticas que lidam com o fenómeno musical e sonoro
tem diversas proveniências, não centrando a investigação somente na música tradi-
cional, erudita ou em correntes estéticas, mas procurando onde, como, porquê, em
que contextos, grupos, meios, e com que discursos o fenómeno sonoro emerge na
arte contemporânea como uma contra-proposta em oposição a um estado de “bo-
redom” (Priest cit Ross, 2013). Que é um problema fundamental da arte e do discurso
contemporâneo de uma “insufficiency art” (ibid), que não é mais do que “symptoms
of disease but “normal” configurations of contemporary subjectivity” (ibid). O ele-
mento que liga tanto a arte como a ciência nesta relação é a técnica da sonorização
e a partilha de imaginários técnico-científicos que são culturais. Contudo, como é
no campo dos discursos das artes sonoras que centro a minha investigação, é neste
domínio que elaboro estas considerações e condições da minha obra. Assim sendo,
a segunda sonificação foi efetuada tendo como ponto de partida quatro represen-
tações da bactéria leptospira, tendo sido aplicados os seguintes princípios: traduzir
a imagem para diferentes percursos que se associam a diferentes durações na ativa-
ção das mensagens midi entre 0-127 e, consecutivamente, notas musicais; partindo
da imagem, corresponder a cada número de bolas azuis as mesmas em número na
sonificação, para existir uma relação direta entre a imagem e a “data” gerada para
controlar instrumentos virtuais ou analógicos, onde o evento data-sonoro é proces-
sado e manifestado. Gostaria ainda de reforçar que, neste processo, é a imagem que
dita as regras e o resultado sonoro dos elementos integrados na composição.
Digamos que este tipo de evento sonoro gerado pela sonorização pode ser com-
preendido como um data-som que, na sua origem, é um silêncio ou mutismo, ob-
tido tanto na ciência como na arte, com base no querer do autor, sua capacidade
466
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de imaginar as conversões da “data” para “som” através dos seus valores estéticos,
tecnológicos, processuais e formais, como também pelos objetivos do que pretende
trazer ao nível da perceção humana auditiva, procurando as condições necessárias
para a conversão, que é o meio de “trazer à realidade” o data-som, por processos al-
gorítmicos, simulados e fabricados artificialmente por conversões e transformações.
Desse modo, o data-som é um “data-evento-sonoro” que se encontra dependente
das condições computacionais-tecnológicas simuladas, que lhe são proporcionadas
pelo autor e pela ecologia tecnológica envolvente.
São assim apreentados nos seguintes Qr Codes dois processos de sonificação cons-
truídos e integrados nas metodologias da construção da composição final da obra
Zoe.Actant, 2017. Esta experimentação, como pode ser observada nos vídeos, utiliza
a mesma imagem e conjunto de regras para testar resultados que são diferentes em
termos sonoros e musicais nas suas qualidades. Uma delas, a do ritmo, que deve ser
compreendido nesta abordagem como um flow que na composição está ligado à
ordem do movimento, dos micro-sons fora da audição humana e trazidos até ela por
meios tecnológicos. Como também proponho o conceito de ritmo como aplicado
no contexto da academia, numa perspetiva contemporânea “rhythm is a concept,
a property, a practice, and a method that cross diferente fields of study.” (Ikoniadou,
2014). Digamos que este conceito de ritmo apoia a minha metodologia na produção
artística e teórica, permitindo-me transpor disciplinas de um modo mais livre.
Figura 8: Documentação vídeo e áudio da obra Zoe: Actant. Hugo Paquete, 2017
467
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
Os processos e metodologias envolvidos nos sistemas de sonificação trazem diver-
sificadas abordagens para as artes sonoras por influência dos meios digitais e ana-
lógicos em circulação socialmente, transformando os discursos e práticas artísticas.
Porque a arte, na sua essência, não lida com processos de comunicação ou ilustração
diretos, mas sim simbólicos e subjetivos, como os que demonstrei nos meus proces-
sos de composição em que utilizo sistemas de sonificação como apoio à criação de
modelos mais imprevisíveis. Este fator molda os significados da sonificação científica
ou artística. Esta questão é fundamental para compreendermos o data-evento-so-
noro fora da ontologia vibracional, como proponho, de onde aparecem um conjunto
de formas de lidar com a informação “data” e que permitem desenvolver sistemas de
transposição, sonificação, leituras, interpretações entre meios, por recurso a algorit-
mos ou estratégias mentais para gerar as condições e modos como o sistema é cons-
truído e as suas operações internas. O objetivo é tentar colocar estes processos em
discussão na musicologia e arte-digital, compreendendo que a transposição entre
disciplinas artísticas e metodologias técnicas implica modos de construção teórica e
sensibilidades diferenciados. Este artigo procurou demonstrar alguns dos processos
envolvidos nas minhas metodologias de criação artística e investigação teórica.
Referências
Helmreich, S. (2016). Sounding the limits of life: Essays in the Anthropology of Bio-
logy and Beyond. Estados Unidos: Princeton University Press, Princeton and Oxford.
Ikoniadou. E. (2014). The Rhythmic Event: Art, Media, and the Sonic. Estados Unidos:
MIT Press.
Kotz. L: (2001). Post-Cagean Aesthetics and the “Event” Score. Estados Ubnidos: MIT Press.
Kramer, L. (2003). Subjectivity Rampant! Music, Hermeneutics, and History. The Cul-
tural Study of Music: in A Critical Introduction. Autores Clayton, M. Herbert, T. Mid-
dleton, R. Reino Unido: Routledge.
468
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Priest, E. (2013). Boring Formless Nonsense: Experimental Music and the Aesthetics
of Failure. Estados Unidos: Bloomsbury Press.
469
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Joana Rafael1
Resumo
Nos últimos anos, concepções de natureza como um reino à parte do, e subser-
viente ao, humano estão a ser, cada vez mais, desafiadas em prol do reconheci-
mento de um modo igualitário e inextricávelmente entrelaçado com o modo de
estar-no-mundo dos humanos (sic). Um grupo internacional de artistas e ativis-
tas, com as suas diversas práticas e compromissos conceituais, participou dessa
transformação. Espelhando desenvolvimentos filosóficos recentes (como novo
materialismo, realismo especulativo, ontologia orientada a objetos e novas on-
das de ecofeminismo), estes ajudaram a repensar a relação da humanidade com
a natureza e o meio ambiente, e a resistir ao legado de antigas atitudes utilitárias
e instrumentais em relação a ideias de natureza, bem como a arranjos de reser-
va para a sua conservação. Esta apresentação mostra como esta transformação
desafia a divisão metafísica que influencia negativamente e violentamente no
ambiente planetário.
Palavras-chave: natureza, Amazonia, selvagem
Abstract
In recent years, conceptions of nature as a realm apart from, and subservient to the
human, is growingly being challenged in prol of a recognition of an egalitarian and
inextricably intertwined way with the human (sic) being-in-the world. An interna-
tional grouping of artists and activists, in their various practices and conceptual
engagements, participated in this transformation. Mirroring recent philosophical
developments (such as new materialism, speculative realism, object-oriented on-
tology and new waves of eco-feminism) these have helped to rethink humanity’s
1 Joana Rafael é arquiteta e investigadora. Possui um MRes e um PhD em Culturas Visuais da Gol-
dsmiths, Universidade de Londres. O seu doutoramento investiga causas e soluções para a crise
ecológica e planetária - como esta se manifesta em atos de arquitectura e de reservas -, e examina
como estas são encenadas através de um repertório de ações e formas problemáticas. Actualmente,
para além de continuar esta investigação e praticar arquitectura, leciona Cultura Contemporânea no
ISCE Douro, Penafiel,
470
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
relation to nature and the environment, and to resit the legacy of old instrumental
attitudes towards - and ideas of - nature, as well as the arrangements of reservation
for its conservation. This presentation portrays how this transformation has chal-
lenged the metaphysical division harming, negatively and violently, the planetary
environment.
Palavras-chave: nature, Amazon, savage
471
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O uso que Metuktire faz dos pronomes We (nós) e You (tu) para transmitir a sua
mensagem elucida o contraste entre visões de mundo dos povos indígenas ame-
ríndios - intimamente ligados à terra -, e da sociedade ocidental, e veicula um im-
portante gesto critico sobre o modo como nós, no ocidente, nos relacionamos com
a natureza. Implícito neste modo esta a nossa concepção de natureza como outro, e
objecto maleável do desejo de controlo da humanidade ou recurso de poder. Uma
concepção que têm vindo a ser também desafiada pelas artes e humanidades como
sendo ao mesmo tempo causais e consequentes da lógica utilitária e instrumental
subjacente aos princípios da modernidade industrial que suporta a sociedade oci-
dental. Mais ainda, uma concepção que está a ser discutida como obstáculo a mode-
los melhores (Latour, 1999; Morton, 2007; Woodard, 2010), contra a comodificação
do mundo da vida e o aumento progressivo e imoderado do consumo do mundo
natural, e importante ponderar.
472
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Neste sentido, da Amazonia provêm não apenas (uma historia de) mensagens de ad-
vertência e de apelo, mas o exemplo de excelência tanto desta simplificação e destrui-
ção, assim como de compreensão e possível ajuste da nossa relação com o mundo.
Como é que a arte descreve, traduz e considera estas ideias e registra novas
concepções de natureza?
A Amazónia, a maior floresta tropical do mundo é um dos espaços mais simbóli-
cos de ambiente idealizado e exotizado como “primitivo”, “prístino” e “selvagem”,
e racionalizado como fonte de vida: “repositório de biodiversidade” e “refugio da
natureza integral”. Ela é um espaço conceitualmente reduzido a outro natural e
inato, legitimado por narrativas de exploradores, naturalistas e etnografos, que
retratavam a Amazonia - com o auxilio de modelos científicos de determinismo
ambiental (Meggers, 1954) - como território inóspito para a civilização. Uma ideia
que serviu de base para impedir o crescimento demográfico, sócio econômico, a
estratificação política, inovação tecnológica e consequentemente o surgimento
de aglomerações urbanas no território, na tentativa de lhe preservar o natural.
Mas que serviu também para naturalizar uma serie de contactos destrutivos (e
sucessivos) que incluiram processos de genocídio e de desapropriação - durante
os séculos de ocupação/colonização europeia - assim como de “integração” das
comunidades indígenas na nossa, durante a segunda metade do século XX. Estes
contactos incluiram processos que facilitaram a progressiva “anulação” dos povos
indígenas em prol de uma estratégia de planeamento, controlo e exploração - de
apoio a industria de extração de reservas naturais (e locais) de petróleo, gás e
minerais. Processos que abalaram crenças espirituais, sistemas religiosos e insti-
tuições sociais e políticas indígenas, e empurraram inúmeras comunidades para
áreas de jurisdição chamadas áreas reservadas, de modo a assegurar a sua sobrevi-
vência, e “independência”. Mas processos que, consequentemente, enfraqueceram
capacidades efectivas de inibição da desflorestação - e de bloqueio de pressões
externas e de corporações - das comunidades indígenas pelo território.
473
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O interesse do mundo da arte por este território tem exposto uma diversidade de
experiências de estar e viver na Amazonia. Obras de Franz Krajcberg denunciam ci-
clos de destruição e crimes contra a natureza (e a humanidade) que a exploração
de minérios e a desflorestação infligiu na Amazonia brasileira. Roberto Evagelista
padroniza esta destruição com a trazida pelo projeto de colonização. Werner Herzog
mostra-nos a sua decepção com o imaginário edênico construído historicamente
sobre a Amazonia. Nos filmes Aguirre, a cólera dos deuses (1972), Fritzcarraldo (1982)
e mesmo em Burden of Dreams (1982), ele revela as incoerências do projecto civiliza-
dor, das tentativas colonialistas, de modernização da região, e mostra as perspecti-
vas de populações indígenas ameríndios e do perigo da sua extinção. Juan Downey
recorda os hábitos e rituais de uma destas populações, os Yanomami. Nestas diferen-
2 este mundo civilizado, de Aldous Huxley, corresponde ao ambiente de um mundo futurista onde
uma combinação de ciência da observação e de controlo do comportamento alimenta uma socieda-
de ultra-estruturada e assente numa racionalidade de eficiência, tipicamente industrial (632 depois
de Ford!). Neste mundo a eugenia e a produtividade governa a sexualidade e a procriação, e a felici-
dade é atingida através da repressão de tudo o que possa levar ao sofrimento e conduzir o homem
a sentimentos conflitantes, abalar o estado emocional e a estabilidade social. As pessoas são cultas
e iluminadas, consideradas humanas e regidas pelo prazer, promiscuidade e indulgencia, e livres de
restrições morais.
474
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tes explorações, somos confrontados com a dor das florestas devastadas, e a dos que
a habitam, mas também com intenções éticas e políticas que elucidam um outro
selvagem, bem diferente do idealizado e retratado como exótico ou primitivo.
Referências
Agamben, Giorgio, 2004, The Open: Man and Animal, Stranford: Stranford Uni-
versity Press
Demos, T.J., 2016, Decolonizing Natures, Contemporary Art and the Politics of
Ecology, Amsterdam: Stenberg Press
Harman, Graham, 2008, “On the Horrors of Realism: An Interview with Graham Har-
man”, Pli 19: 218-239
Klein, Noami, 2015, This Changes Everything: Capitalism Vs Climate Change, New
York: Simon & Schuster
Latour, Bruno, (1999) 2004, Politics of Nature - How to bring the sciences into de-
mocracy, Harvard: Harvard University Press
Tavares, Paulo, 2017, “In the Forest Ruins”, e-flux: Superhumanity. Online in: https://
www.e-flux.com/architecture/superhumanity/68688/in-the-forest-ruins/
Marques, Pedro Neves, 2014-15, Why the Forest is the School/Where to sit at a
dinner table?, Kadish Foundation
475
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Smith, Mick, 2011, Against Ecological Sovereignty: Ethics, Biopolitics and Saving
the Natural World, Menneapolis: University of Minnesota Press
Stengers, Isabelle, (2009) 2015, In Catastrophic Times, Ann Arbor, MI: Open Huma-
nities Press
Viveiros de Castro, Eduardo, 2015, Metafisicas Canibais, Sao Paulo: Cosac Naify
476
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo investiga a relação entre música, cérebro, sentimento e pensamento atra-
vés da análise de três das mais recentes publicações do Brain and Creavity Institute.
A partir de um quadro neurobiológico geral, onde as emoções são definidas como
programas de acção, e os sentimentos como as experiências mentais resultantes,
são investigados os correlatos neurais das emoções expressas através do som, no
sentido de sedimentar um novo campo de investigação: a neuroestética da música.
Palavras-chave: neuroestética da música, emoções, sentimentos, música de
arte, cérebro
Abstract
This article investigates the relationship between music, brain, feeling and thinking
by analyzing three of the latest publications from the Brain and Creavity Institute.
From a general neurobiological framework, where emotions are defined as action
programs and feelings as the resulting mental experiences, we investigate the neu-
ral correlates of emotions expressed through sound, with the aim of providing fur-
ther ground to a new field of research: the neuroaesthetics of music.
Keywords: neuroaesthetics of music, emotions, feelings, art music, brain
Introdução
O som é uma área de fronteira. Fronteira tanto do pensar como do sentir; fronteira
tanto do conhecer como do imaginar. Uma vez que a sua natureza intrínseca é a de
uma caleidoscópica diversidade de saberes, o som requer um pensamento complexo2
(Morin): um polimorfismo das ideias que congregue todas as funções da psique. Há,
no entanto, um equívoco inextrincável que atravessa a história da música, dividindo-a
1 Artista, Compositor e Investigador. Doutorado em Ciência e Tecnologia das Artes. As suas obras
foram apresentadas no Museo Guggenheim Bilbao, na 55ª e 56ª Bienal de Veneza, no 798 Art Dis-
trict (Pequim), no ARoS Aarhus Kunstmuseum, na Galerie Scheffel (Frankfurt), na Logos Foundation
(Ghent), no Museo de Arte Contemporáneo (Santiago do Chile), no Théâtre de la Ville (Paris), no
Arnold Schoenberg Hall (Haia), na Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), no Centro Cultural de
Belém (Lisboa), na Casa da Música (Porto).
2 C.f. Morin, E. (2008) On Complexity. Cresskill, New Jersey, Hampton Press, Inc.
477
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3 C.f. Wallin, Merker, B. & Brown, S. (eds) (2001) The origins of music. Cambridge, Massachusetts, A
Bradford Book, The MIT Press
4 C.f. Darwin, C. (2004) The Descent of Man, and Selection in relation to Sex. Penguin Books
5 Na perspectiva de S. Pinker, a música é provavelmente um subproduto de outras adaptações,
como (1) a nossa sensibilidade à fala, (2) aos chamamentos emocionais, muito antigos na história
evolutiva dos primatas, e (3) o sistema motor, sobretudo através do ritmo.
6 C.f. Pinker, S. (1999) How the Mind Works, Nova Iorque: W. W. Norton & Company
478
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No artigo Music, Feelings, and the Human Brain7, Damásio e Habibi apresentam uma
hipótese que coloca a música num nível bem mais profundo. Em primeiro lugar, ve-
rificam que a música pode alterar os sistemas neurais do ser humano em grande
escala, e que estas mudanças não estão confinadas aos sectores auditivos e motores,
ocorrendo também em regiões relacionadas com a regulação dos processos da vida
(homeostase). Com base nesta observação, teorizam que a música possui uma rela-
ção longa e consistente com os dispositivos neurais de regulação da vida humana.
O elevado grau de selecção e replicação de fenómenos musicais (tanto biológicos
como culturais) poderia assim ser parcialmente explicado pela sua estreita conexão
aos sentimentos e emoções, e pela sua eficácia em certos contextos pessoais e so-
ciais, ou seja, pelo seu papel na homeostase.
7 C.f. Habibi, A. & Damásio, A. (2014) Music, feelings, and the human brain. In: Psychomusicology:
Music, Mind, and Brain, 24(1), 92-102. Doi: 10.1037/pmu0000033
8 Um conjunto inato de respostas fisiológicas desencadeadas por desvios críticos nos ambientes
interno ou externo que podem produzir a qualidade da função biológica e da sobrevivência. Os
programas de acção visam manter ou restaurar o equilíbrio homeostático. Os programas produzem
mudanças nas vísceras e no meio interno (e.g. alterações na frequência cardíaca, respiração e tem-
peratura), músculo estriado (e.g. expressões faciais e corrida) e cognição (e.g. focando a atenção
num alvo específico e favorecendo certas ideias e modos de pensar). Os principais exemplos de
programas de ação são pulsões e emoções.
9 Programas de ação que visam satisfazer necessidades fisiológicas instintivas básicas. Exemplos in-
cluem fome, sede, líbido, exploração e diversão, cuidados com os descendentes e afeição aos parceiros.
10 Programas de ação desencadeados sobretudo por estímulos externos, percebidos ou recupera-
dos. Exemplos incluem nojo, medo, raiva, tristeza, alegria, vergonha, desprezo, orgulho, compaixão
e admiração.
11 As experiências mentais que acompanham o mapeamento dos estados do meio visceral e in-
terno, como ocorrem naturalmente (sentimentos do estado corporal) ou como são produzidas por
programas de ação (pulsões e emoções).
12 Um termo geral para o processo de manutenção dos parâmetros fisiológicos do corpo (como tem-
peratura, pH, hidratação e níveis de nutrientes) dentro da faixa que optimiza a função e a sobrevivência.
479
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Poderá a música desempenhar alguma função na homeostase? Terá sido ela nasci-
do como expressão direta dos mecanismos de regulação da vida, afastando-se pro-
gressivamente dessas origens através da evolução cultural e da percepção estética?
Apesar da música estar aparentemente distante dos aspectos mais essenciais à so-
brevivência, dois factos estão firmemente estabelecidos: (1) a arte dos sons é capaz
de evocar uma ampla gama de emoções e sentimentos, da alegria e quietude até à
tristeza e ao medo, e (2) os afectos relacionados com a música são frequentemente
acompanhados de mudanças psicológicas e comportamentais.
A música é capaz de mudar o estado do sistema nervoso autónomo, e uma vez que
modula, entre outros, a respiração, o batimento cardíaco e a temperatura, pode
afirmar-se que altera o estado corporal. Consequentemente, os mapas neurais dos
estados internos e viscerais são afectados, nomeadamente nas áreas do cérebro liga-
das à regulação homeostática. Esta corrente funcional está na origem de uma parte
480
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
significativa dos sentimentos induzidos pela música, ou seja, dos sentimentos que
emergem directamente da reacção corporal aos sons e às estruturas sonoras.
14 C.f. Juslin, P.N. & Sloboda, J. (Eds.) (2010) Handbook of music and emotion: Theory, research, appli-
cations. Oxford University Press
15 C.f. Koelsch, S. (2011) Towards a neural basis of music perception – a review and updated model.
In: Fronteirs in Psychology, 2, 110. doi: 10.3389/fpsyg.2011.00110
481
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O paradoxo da tragédia
Apresentado o quadro neurofisiológico geral, bem como os seus conceitos-chave,
implicações e consequências, importa agora reflectir sobre a aplicabilidade do mo-
delo a questões mais particulares, nomeadamente, à possibilidade de obter prazer
através de música associada à tristeza. Este problema, aparentemente paradoxal, é
investigado por Sachs, Damásio e Habibi no artigo The pleasures of sad music: a sys-
tematic review19.
16 Sabendo que os músicos têm tendência a escutar de forma mais analítica, e que estão muito mais
familiarizados com as estruturas sonoras da sua cultura musical (e.g. tensão crescente e subsequen-
te resolução, no caso da música clássica ocidental), seria desejável que pesquisas futuras incluíssem
a formação musical como variável de controlo e análise.
17 A inexistência de uma metodologia padronizada na escolha de estímulos sonoros e musicais é
também uma limitação decisiva na maioria dos estudos sobre música e as emoções. A psicoacústica,
por exemplo, nasceu e desenvolveu-se precisamente porque se concentrou inicialmente em sons
sinusoidais (inspirada pela análise de Fourier) e isolou os sons num contexto de laboratório, ou seja,
longe das suas condições ruidosas habituais. Por um lado, desenvolveu-se um enorme campo de co-
nhecimento do fenómeno sonoro, baseado na decomposição espectral do som, na reversibilidade e
na periodicidade, mas por outro excluíram-se abordagens como a descrição granular do som, o es-
tudo do ruído e dos transientes, e a maior parte dos fenómenos irreversíveis ou não-periódicos. Este
problema é agravado pela ausência de uma tipologia geral dos sons, apesar de algumas meritórias
tentativas. C.f. Schaeffer, P. (1966) Traité des Objects Musicaux. Paris, Seuil
18 Estudos futuros devem também incorporar medições fisiológicas, como a temperatura e os rit-
mos cardíaco e respiratório, para além da classificação subjectiva dos estímulos em escalas de emo-
ções pré-definidas (e.g. Geneva Emotional Music Scale), bem como selecionar condições de controlo
emocionalmente neutras.
19 Sachs, M., Damásio, A. & Habibi, A. (2015) The pleasures of sad music: a systematic review. In:
Frontiers in Human Neuroscience, 9:404, Dialogues in music therapy and music neuroscience. doi:
10.3389/fnhum.2015.00404
482
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os autores classificam a tristeza como uma de seis emoções básicas (tristeza, medo,
felicidade, ira, surpresa, nojo), e recordam que a importância das emoções negativas
através da história da humanidade pode ser explicada pela vantagem evolutiva que
elas conferem22. A tristeza é um estado complexo da mente e do corpo, o que implica
que a música capaz de evocar tristeza pode ser estudada tanto do ponto de vista
da interpretação subjectiva das emoções como das propriedades acústicas. Algu-
mas dessas assinaturas sonoras mais comuns são a utilização de frequências graves,
tempos lentos, timbres sombrios, modo menor, e melodias confinadas a pequenos
espaços de alturas.23
Uma das maiores divergências conceptuais diz respeito à distinção entre o sentimento
percepcionado e o sentimento induzido pela música. Actualmente, existem três po-
20 C.f. Nietzsche, F. (2008) The birth of tragedy. Oxford World’s Classics. Oxford University Press
21 Segundo Aristóteles, uma descarga emocional provocada por um trauma
22 C.f. Ekman, P. (1992) An argument for basic emotions. Cognition & Emotion 6, 169-200. doi:
10.1080/02699939208411068
23 Juslin, P.N. & Laukka, P. (2004) Expression, perception and induction of musical emotions: a review
and a questionnaire study of everyday listening. Journal of New Music Research. 33, 217-238. doi:
10.1080/0929821042000317813
483
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
sições: (1) a música percepcionada como triste não produz sentimentos de tristeza,
produzindo directamente os sentimentos positivos de prazer, (2) a música produz uma
mistura de emoções agradáveis e de tristeza, e (3) a música induz sentimentos reais de
tristeza, mas que são posteriormente convertidos em sensações positivas.
Huron, num artigo dedicado a este problema33, sugere que o mecanismo responsá-
vel pelo prazer de ouvir música triste é a hormona prolactina34. Huron refere ainda
que, quando questionados directamente, cerca de 25% dos participantes afirmou
sentir tristeza genuina, e os outros 75% declararam sentir emoções relacionadas,
sendo a mais frequente a nostalgia. Nos estudos que implicaram um distinção clara
entre a emoção “percepcionada” e a emoção “sentida”, os resultados apontam para
24 Levinson, J. (1990) Music, Art and Metaphysics: Essays in Philosophical Aesthetics. New York: Ox-
ford University Press
25 purga de emoções negativas.
26 um entendimento aperfeiçoado das emoções expressas numa obra de arte.
27 a satisfação que emerge do simples sentir de uma emoção, em resposta à arte.
28 a oportunidade para aprender sobre os nossos próprios sentimentos.
29 a confirmação da capacidade individual de sentir intensamente.
30 o conhecimento de que um estado emocional pode ser regulado.
31 o prazer que surge ao expressar os sentimentos próprios.
32 uma conexão com os sentimentos do músico ou dos outros ouvintes.
33 Huron, D. (2011) Why is sad music pleasurable? A possible role for prolactina. Musicae Scientiae.
15(2). 146-158. doi: 10.1177/1029864911401171
34 Segundo esta perspectiva, a música simula tristeza real, levando o cérebro a libertar prolactina
para confortar, consolar e contrariar a a dor mental que está na base da emoção negativa. Mas uma
vez que o ouvinte tem consciência de que não está, de facto, numa situação desagradável, os efeitos
da hormona são produzidos sem a dor, o sofrimento ou tristeza que geralmente os precedem.
484
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
uma mistura de emoções. A diferença entre música alegre e triste reflecte-se em di-
ferenças fisiológicas e comportamentais, e verifica-se também através da neuroima-
giologia35, uma vez que a música triste activa zonas do cérebro associadas a estados
afectivos de tristeza.
Apesar dos estudos existentes sobre a ligação entre prazer, música e tristeza serem
limitados e por vezes até contraditórios, os autores apresentam três conclusões ge-
rais sobre a música capaz de evocar tristeza: (1) pode ser agradável porque, sendo
uma arte, não inclui as circunstâncias físicas e sociais imediatas que habitualmente
são associadas a uma valência negativa (2) é plausível que seja considerada mais
bela que a música associada à alegria porque lida com preocupações endemónicas
como a auto-expressão ou o significado existencial (3) pode ajudar a lidar com emo-
ções negativas, dependendo da personalidade, do humor, do contexto social, ou da
evocação de memórias associadas a determinadas músicas.
35 A imagem por ressonância magnética funcional pode ser uma ferramenta importante no estudo
do paradoxo da tragédia, apesar de não existirem ainda estudos neurocientíficos sobre o tema que
apliquem essa técnica.
36 incluindo zonas associadas ao reconhecimento emocional, ao julgamento estético e ao processa-
mento de recompensas, entre outros.
485
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Combinada com uma classificação cruzada entre dois tipos de estímulos sonoros
(vocal e instrumental), a análise de padrões por multi-voxel40 permite uma categori-
zação dos estados mentais e razoável detalhe na distinção entre diferentes emoções,
37 Para além da sua ligação à selecção sexual, a música possui conexões com a sobrevivência pro-
fundamente enraizadas, e promove a coesão de grupo e a união social, permitindo não só a um
organismo mas também a um grupo regular o processo homeostático.
38 O que não significa que essas regiões sejam exclusivas da música que evoca tristeza.
39 Sachs, M., Habibi, A., Damásio, A. & Kaplan, J. (2018) Decoding the neural signatures of emotions
expressed through sound. In: NeuroImage, vol. 174, 1-10. doi: 10.1016/j.neuroimage.2018.02.058
40 Para a análise de padrões por multi-voxel foi utilizado o software PyMVPA toolbox (http://www.
pymvpa.org), para Python.
486
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
41 Apesar de o conteúdo emocional ter sido associado, em estudos anteriores, a determinadas regi-
ões do cérebro, permanece em aberto a questão se a actividade nessas zonas representa proprieda-
des acústicas simples dos sons, ou corresponde a uma categoria particular de emoções.
42 Para a medição dos componentes cognitivos e afectivos da empatia, foi utilizado o Interpersonal
Reactivity Index.
43 Belin, P., Fillion-Bilodeau, S. & Gosselin, F. (2008) The Montreal Afective Voices: a validated set of
nonverbal affect bursts for research on auditory affectve processing. Behaviour Research Methods 40,
531-539.
44 Paquette, S., Peretz, I. & Belin, P. (2013) The “Musical Emotional Bursts”: a validated set of musical
affect bursts to investigate auditory affective processing. Fronteirs in Psychology 4:1-7
45 Ekman, P. (1992) An argument for basic emotions. Cognition & Emotion 6, 169-200. doi:
10.1080/02699939208411068
46 Os estímulos foram apresentados aos participantes utilizando o software PsychToolbox, para MATLAB.
47 Utilizando o Harvard-Oxford Atlas planum temporale mask
487
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
a maior empatia emocional. Para extrair as propriedades acústicas dos sons48 conside-
radas relevantes ao conteúdo emotivo, foram efectuadas medições ao timbre49, à di-
nâmica50, às características tonais51, ao ritmo52, à duração e à frequência fundamental.
48 Para esta tarefa foi utilizado o software MIRToolbox, para MATLAB (https://www.jyu.fi/hytk/fi/
laitokset/mutku/en/research/materials/mirtoolbox), especializado em Music Information Retrieval.
49 spectral centroid, spectral brightness, spectral flux, spectral rolloff, spectral entropy, spectral spread,
spectral flatness
50 rms
51 mode clarity, key clarity
52 fluctuation entropy, fluctuation centroid
53 O fluxo espectral mede a variância do espectro sonoro ao longo do tempo, fornecendo informa-
ção espacio-temporal.
54 O centroide de flutuação mede-se através do espectro de flutuação, que contém informação
sobre periodicidades rítmicas.
488
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
Afirma-se frequentemente que o cérebro é o objecto mais complexo jamais encon-
trado no universo, uma vez que associado a uma das fronteiras do conhecimento ac-
tual – a consciência. Sabe-se que o cérebro formula mapas mentais tanto do interior
do corpo como do exterior, o que configura um quadro neurobiológico geral onde
as pulsões e as emoções são programas de acção, e o sentimentos as experiências
mentais correspondentes. Admitir que toda a experiência mental se localiza no in-
terior do cérebro, que nada vê nem ouve directamente, significa admitir como hipó-
tese que quando olhamos o céu numa noite estrelada o nosso verdadeiro crânio se
encontra para lá da via láctea...
A homeostase não implica nem estaticidade nem estabilidade, uma vez que é um
processo dinâmico altamente instável, e que possui uma irreversível direccionalida-
de temporal, dirigida aos limites fisiológicos e psicológicos que são compatíveis com
a vida. Neste sentido, uma das tarefas primordiais do cérebro é a de desenvolver a
capacidade para prever o futuro.
Se ambos concorrem para a homeostase, então não podemos afirmar que os senti-
mentos não são racionais, nem que os pensamentos não são emocionais. Este caso
contrasta em absoluto com a denominada “inteligência artificial”, onde os processos
homeostáticos não existem. Para se aproximar da vida, os algoritmos teriam que in-
corporar a vulnerabilidade, a resolução aparentemente ilógica de problemas, e uma
compreensão e interpretação do mundo acompanhada de experiências pessoais e
subjectivas. Mesmo que mimetizem um dia todos os processos neurais que ocorrem
no cérebro, simulando na perfeição os mapas do interior e do exterior, restará ainda
a questão da consciência. Como afirma Damásio, apesar de construirmos esses dois
tipos de mapas, não edificamos mapas dos sentimentos. O futuro maquínico dos
afectos terá que incorporar concertos de ações de uma orquestra oculta.
489
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A música, pela sua natureza interdisciplinar e pela sua profunda relação tanto com
sentimento como com o pensamento, pode ter uma função fundamental na home-
ostase, como apontam os trabalhos de investigação analisados no presente artigo.
As ideias expostas ajudam também a sedimentar um novo campo de investigação:
a neuroestética da música – que estuda os mecanismos e estruturas neurais envolvi-
dos nos processos perceptivo, afetivo e cognitivo geradores de respostas estéticas.
A imaginação continua a ser a semente da criatividade.
The composer should, in building his sonorous constructions, have a thourough know-
ledge of the laws governing the vibratory system, of the possibilities that science has
abundantly placed, and continues to place, at the service of imagination . The last word
is: Imagination (E. Varèse)
Referências
Belin, P., Fillion-Bilodeau, S. & Gosselin, F. (2008) The Montreal Afective Voices: a
validated set of nonverbal affect bursts for research on auditory affectve pro-
cessing. Behaviour Research Methods 40, 531-539.
Darwin, C. (2004) The Descent of Man, and Selection in relation to Sex. Penguin
Books
Ekman, P. (1992) An argument for basic emotions. Cognition & Emotion 6, 169-200.
doi: 10.1080/02699939208411068
Feyerabend, P. (1987) Creativity: A Dangerous Myth. In: Critical Inquiry, Vol. 13, No.
4. 700-711.
Gotlieb, R., Hyde, H., Immordino-Yang, M. & Kaufman, S. (2018) Imagination is the
seed of creativity. In: The Cambridge Handbook of Creativity. New York: Cambridge
University Press. 709-731.
Habibi, A. & Damásio, A. (2014) Music, feelings, and the human brain. In: Psycho-
musicology: Music, Mind, and Brain, 24(1), 92-102. doi: 10.1037/pmu0000033
Huron, D. (2011) Why is sad music pleasurable? A possible role for prolactina.
Musicae Scientiae. 15(2). 146-158. doi: 10.1177/1029864911401171
Juslin, P.N. & Laukka, P. (2004) Expression, perception and induction of musical
emotions: a review and a questionnaire study of everyday listening. Journal of
New Music Research. 33, 217-238. doi: 10.1080/0929821042000317813
Juslin, P.N. & Sloboda, J. (Eds.) (2010) Handbook of music and emotion: Theory,
research, applications. Oxford University Press
490
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Koelsch, S. (2011) Towards a neural basis of music perception – a review and up-
dated model. In: Fronteirs in Psychology, 2, 110. doi: 10.3389/fpsyg.2011.00110
Nietzsche, F. (2008) The birth of tragedy. Oxford World’s Classics. Oxford University
Press
Paquette, S., Peretz, I. & Belin, P. (2013) The “Musical Emotional Bursts”: a validated
set of musical affect bursts to investigate auditory affective processing. Fron-
teirs in Psychology 4:1-7
Pinker, S. (1999) How the Mind Works, Nova Iorque: W. W. Norton & Company
Sachs, M., Habibi, A., Damásio, A. & Kaplan, J. (2018) Decoding the neural signa-
tures of emotions expressed through sound. In: NeuroImage, vol. 174, 1-10. doi:
10.1016/j.neuroimage.2018.02.058
Sachs, M., Damásio, A. & Habibi, A. (2015) The pleasures of sad music: a systematic
review. In: Frontiers in Human Neuroscience, 9:404, Dialogues in music therapy and
music neuroscience. doi: 10.3389/fnhum.2015.00404
Wallin, N., Merker, B. & Brown, S. (Eds.) (2001) The origins of music. Cambridge, Mas-
sachusetts: A Bradford Book, The MIT Press
491
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kathleen Rogers1
Escrever no Corpo - a Matéria Escura do Genoma
Writing in the Body - the Dark Matter of the Genome
Resumo
Pesquisa de arte e marcos teóricos que trabalham no sentido de uma reconceitu-
alização do genoma e da epigenética para especular sobre as ecologias da mente,
corpo, ambiente e evolução. O estudo da epigenética é um campo emergente
nos estudos biossociais e bioculturais, à medida que os biólogos desmantelam
os estudos genômicos humanos fundamentais na hereditariedade para reimagi-
nar o genoma como uma entidade dinâmica e responsiva que sente, apreende
e responde a contextos ambientais, biológicos e culturais. Com base em dados
genealógicos familiares próximos e pesquisas em sistemas históricos de cuidados
infantis institucionalizados, o filme fotográfico / poético, Remembering the Unk-
nown, explora fenômenos epigenéticos transgeracionais associados à transmis-
são de trauma e PTSD (Transtornos de Estresse Pós-Traumático).
Abstract
Art research and theoretical frameworks that work towards a reconceptualization
of the genome and epigenetics to speculate on ecologies of mind, body, environ-
ment and evolution. The study of epigenetics is an emerging field in biosocial and
biocultural studies as biologists dismantle foundational human genomic studies in
heredity to re-imagine the genome as a dynamic and responsive entity that sens-
es, apprehends and responds to environmental, biological and cultural contexts.
Drawing on close family genealogical data and research into historic institution-
alised child care systems, the photo/poetic film, Remembering the Unknown, ex-
plores transgenerational epigenetic phenomena associated with the transmission
of trauma and PTSD (Post-Traumatic Stress Disorders).
Keywords: new-materialisms, epigenetics, PTSD, trauma, memory
1 Kathleen Rogers is Professor of Media Arts and Science, Film and Digital Art, School of Fine Art,
Photography and Visual Communication, University for the Creative Arts, UK. She is a London based
artist and researcher working with lens based media within the context of emerging post-human
theory and new materialisms.
492
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Stress Disorders). My art based research and the photo/poetic film production,
Remembering the Unknown, is conceptually framed within studies that explo-
re how meanings of trauma can be materially and symbolically inscribed and
enfolded trans-generationally into bodies, minds and cultures. There is an up-
surge of interest in contemporary interdisciplinary trauma studies with regard
to bio-molecular epigenetics that draw on a growing number of new studies
that support the idea that the effects of trauma can reverberate down as PTSD
in generations to come via epigenetic tags. (Gapp, K et al, 2018, Lacal & Ventu-
ra, 2019) Intergenerational trauma epigenetic researchers have identified nu-
merous non-genetic factors involved in the processing of exposure to extreme
physical and psychological suffering. The epigenetic mechanism is understood
as environmental causation of DNA methylation and histone changes linked to
RNA mechanisms, so that tiny chemical tags are added or removed from DNA in
dynamic response to an individual’s social and biological context (Lacal & Ven-
tura, 2018) and it is these inherited tags that have been identified as potentially
triggering intergenerational PTSD in human and animal populations.
Research into how inherited epigenetic traits associated with trauma may im-
pact intergenerationally, on families and populations shifts our critical appro-
ach and analysis of trauma in historic and contemporary contexts. Theoretical
research in epigenetics is not new, in 1995, Philosopher Eva Jablonka and Biolo-
gist Marion Lamb already noted that the gene was fluid and responsive to the
environment and that the gene was not the sole agency of information in trans-
mitting traits to descendants. (Jablonka and Lamb, 1995)
A 2018 animal study found an epigenetic effect associated with inheritable trau-
ma disorders across three generations (Gapp, K et al, 2018). This research evi-
dence implies that multiple epigenetic signatures can lead to heightened sensi-
tivities across generations so that descendants can react with PTSD symptoms
in the context of similar environmental cues to their close ancestors. PTSD, a
condition commonly found in fields of combat in war amongst military servi-
cemen and women, can include emotional symptoms of flashbacks, sensations,
aggression, memory problems, anxiety and avoidance. (Harms, 2015) The inter-
generational aspects of this research raise important issues and questions about
493
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tim Ingold, Chair of Social Anthropology, Aberdeen University is known for his
socio-ecological theories that focus on the continuum of human and non-hu-
man animals, plants, the biosphere and cultural transmission:
Human capacities are not genetically pre-specified but emerge within processes of ontogenetic
development that are at once historical and evolutionary. Replacing the ‘population thinking’ of
the Darwinian paradigm with a ‘relational thinking’ that focuses on the dynamics of developmen-
tal systems leads us to a new vision of anthropology, as a science of engagement in a relational
world. (Ingold, 2004, pp. 209-221)
494
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
theoretical physics that offers post human performative accounts of our quan-
tum entanglement with matter, Barad characterises matter is as an active parti-
cipant in the world’s becoming, in its on-going “intra-activity”. Barad argues that
all of the past and all cultural and social phenomena are enfolded materialized
through discrete and partial arrangement of a physical apparatuses, with agen-
cy conceived as performative diffractive operations within matter. (Barad, 2007)
The feminist and socio-political theorist, Noella Davis from The University of New
South Wales argues the significance of Barad’s performative materialist theory in
relation to epigenetic research into materialisation of intergenerational mental he-
alth to note how an individual’s environment, both physical and social, current and
historical, is enfolded and manifests in biology at the molecular level. She describes
how the past cannot be left behind, because materially enfolded, reconfigured and
corporeally manifested, making the interesting feminist observation that:
Politics and feminism are particular, contingent, material histories, with each practitioner recon-
figuring her or his specific biological and social materialization as their present-day political and
feminist actions. (Davis, 2014, 62-77pp)
495
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
caught up with a paradox in consciousness and argues how trauma is not loca-
table in the original violent event in the individual’s past but identified belatedly
and incomprehensively in “the way it is precisely no known in the first instance
– to return to haunt the survivor later on” (Caruth, 1996, 17 &4)
Traumatic experiences not only distance and estrange the onlooker but are inherently marked
by a rift between the victim and his or her experience; the shattering force of trauma results from
precisely that brutal expropriation of the victim’s self. Thus, because trauma is dispossession and
radical self-estrangement, it defines the traumatised individual through somethings he or she
does not own. (Bauer, 2005, p20)
His (Levin’s) photographs illustrate how the knowledge of trauma may be constituted in it’s trans-
mission from one person to another: the knowledge of the Holocaust in Mikael Levin’s work emer-
ges in the relations between his complex photographs, their viewers and his father’s text …. to
obey the logic of a kind of “double haunting” in which the son returns to places that were not
properly laid to rest by his father’s memories at the end of the war. (Bauer, 2005, p19)
PTSD syndrome has been at the heart of critical discourse on trauma in psycho-
logy, psychiatry for decades but now numerous interdisciplinary social, cultural
and philosophical theories and epigenetic studies support the idea that the ef-
fects and experience of Trauma can reverberate down as PTSD in generations
of families to come.
496
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ther’s death. Remembering the Unknown is predicated on the concept that inhe-
rited trauma that can be triggered or replicated like a script, activated in relation
to specific environmental cues. The project has enabled me to bring fragments of
an autoethnographic narrative out of the dark - allowing me contemplate on my
own trauma based on my early adult life experiences of repeated and long-term
exposure to cycles of abuse and violence. I have been able to use insights offe-
red in this interdisciplinary research to understand my own PTSD syndrome in the
symbolic context deeper and more difficult to access intergenerational psycho-
logical processes and the tension between knowing and not knowing my father
and grandmother’s lives. Based on the concept that the genome is not the sole
agency in inheritance the work explores epigenetic signatures suffered by gene-
rations of my close family, to be read/interpreted a form of secondary witnessing
and re-enactment to develop transgenerational Trauma narrative through art.
These episodes in my family history should not be lost and the work can be read
as reflexive processes of self-realisation and mourning.
497
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The film produced and screened within the exhibition context of this conference,
Remembering the Unknown, applies techniques of motion graphics and animated
typographic poetics to combine a number of previous black and white photo series
- I Poor Orphan, Here, There and Everywhere produced at CERN, the European Or-
ganization for Nuclear Research, these works reflected on allusions to memory and
trauma in the wider political and sociocultural collective of remembering of cold war
and conceptual capture of cosmic ray sense data.
Kathleen Rogers, print from the “Here, There and Everywhere” series, 2017/
Remembering the Unknown, 2019.
The photo series, Matrem, was produced whilst working in a scientific stem cell labo-
ratory research context to explore the framing of female absence and to raise ques-
tions about the political and ethical status of the orphaned ethereal subject in the
theoretical context of the feminist philosopher Luce Iragary’s seminal text, Hystera.
498
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kathleen Rogers, print from the “Matrem” series, 2018, Remembering the Unknown, 2019.
In 2018 I produced the photo series “Home’ based on site visits and photographs that
include those taken from outside the perimeter of HM Styal Prison for women, the
site of my father’s former orphanage in Greater Manchester.
Kathleen Rogers, print from the “Home” series, 2018, Remembering the Unknown, 2019.
499
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The “Home”, Styal photographs were produced on visits to get closer and imagine
how my father’s life might have been like within the cottage homes orphanage. The
so called, colony was envisaged as a utopian children’s orphanage village set in the
open air and in the countryside beyond the established overcrowded workhouse
conditions and systems of Manchester. (Stanhope Brown, 1989)
Kathleen Rogers, print from the “Home” series, 2018, , Remembering the Unknown, 2019.
My father arrived at Styal Orphanage in 1923, having been abandoned with siblings
by his mother after her impoverished return alone from Canada. She was a WWI
war bride, born in a London Workhouse hospital and later sent to charity schools
before going into domestic service. On arriving at around 2 years old my father had
suffered extreme malnourishment and had the bone disease Rickets. His sister was
sent to Australia as a home child and the family were never reconciled. Life at Styal
Cottage homes in the mid-1920s was harsh. Children in institutional situations like
these learnt that they could only count on themselves and to trust no-one. My fa-
ther was visibly marked by bone deformities caused by childhood rickets and was
deeply psychologically scarred from his early abandonment experience. He spent
his whole childhood and youth there as children were rarely allowed to leave the
enclosed community. It was commented that the Styal “home” children were almost
mute and had difficulties communicating with outsiders. The militaristic regime and
500
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
the endeavour to construct model citizens from orphaned and abandoned children
had an overwhelming impact on all the children who had already experienced ne-
glect – it was a harsh regime where everything was done to a schedule - there was
no self-directed play - everyone would eat at the same time, with each child carrying
out sets of repeated acts and movements according to regulations in states of en-
forced isolation.
Research into my father’s life has been emotionally challenging and difficult – not
surprisingly his orphanage experiences and his abandonment were not something
he talked about in his life time – my research led to the mystery of his own mother’s
past. The kinds of early hardship suffered by my grandmother and my father; the
lack of warmth and affection and socialisation are known to lead to permanent de-
velopmental changes in the fundamental material structures of the body.
Further information on this and related work can be found on the website pages Cos-
mopolitical Futures – The Anthropocenic Human + Projects - www.kathleenrogers.org
References:
Baer, U., 2005. Spectral Evidence: The Photography of Trauma, MIT Press.
Barad, K., 2007. Meeting the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entangle-
ment of Matter and Meaning, Duke University Press.
Caruth, C., 2016. Unclaimed Experience: Trauma, Narrative, and History, JHU Press.
Davis, N., Women Cultural Review ( Volume 25, 2014 – Issue 1 : Feminist Matters:
Politics Materialized: Rethinking the Materiality of Feminist Political Action through
Epigenetics. on-line 09 May 2014 accessed 01.09.2019
Damasio, A., 2018. The Strange Order of Things: Life. Feeling, and the Making of Cul-
tures, Pantheon Books
501
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Harms, L., 2015. Understanding Trauma and Resilience, Macmillan International Hi-
gher Education.
Ingold, T. & Palsson, G, 2013, Biosocial Becoming’s: Integrating Social and Biological
Anthropology, Cambridge University Press.
Ingold, T, 2005, Social Anthropology, Beyond Biology and Culture. The Meaning of
Evolution in a Relational World, Volume 12, Issue 2, Published online by Cambridge
University Press: https://doi.org/10.1017/S0964028204000291 accessed 01/09/19
Jablonka, E. & Lamb, M.J, 2005. Evolution in Four Dimensions: Genetic, Epigenetic,
Behavioural, and Symbolic Variation in the History of Life (Life and Mind: Philosophi-
cal Issues in Biology and Psychology), The MIT Press.
Malabou, C., 2008. What Should We Do with Our Brain?, trans. (New York: Fordham UP)
Margulis, L, 1970. Origin of eukaryotic cells: evidence and research implications for
a theory of the origin and evolution of microbial, plant, and animal cells on the Pre-
cambrian earth, Yale University Press New Haven.
502
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O Antropoceno surge como uma nova proposta científica para nomear a era geológi-
ca3 presente. As diversas transformações do ecossistema, causadas pelas ações huma-
nas, anunciam um porvir de distopias ambientais permeadas por severas mudanças
climáticas e modificações dos espaços naturais. Ao reconhecer a capacidade humana
de transformar o meio ambiente, diversas áreas de estudo, dentre elas o design e as
artes, passaram a incluir as questões ambientais em suas narrativas. A discussão sobre
o design e o consumo no contexto do Antropoceno promove questionamentos po-
líticos, sociais, tecnológicos e utópicos em relação à sua atuação na transformação da
vida orgânica em sintética. Diante dessas possibilidades, este estudo busca explorar as
relações possíveis entre o Antropoceno, o design e o consumo, a fim de propor uma
reflexão sobre a atuação humana nesta nova era geológica que se desdobra.
Palavras-chave: Antropoceno; consumo; design; arte
Abstract/resumen/resumé
The Anthropocene emerges as a new scientific proposal to nominate the present geo-
logical era. Those transformations in the ecosystem, caused by the human actions,
announce a future of environmental dystopias, permeated by several climate changes
and modifications in the natural spaces. By recognizing the human capacity of trans-
forming of the environment, many studying areas, among them the design and the
arts, are including the environment issues in their narratives. A discussion about design
and consumption in the context of the Anthropocene promotes political, social, tech-
nological and utopian questions regarding its role in transforming organic life into syn-
thetic life. Given these possibilities, this study aims to explore the possible relationships
between the Anthropocene, design and consumption, in order to propose a reflection
on human action in this new geological age that unfolds. Keywords/Palabras clave/
Mots clefs: Anthropocene; consumption; design; art
Introdução
Na obra Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, a narrativa ficcional soa como uma
premonição sobre um futuro distópico, higienista e excludente, no qual a diversidade
dos povos seria desprezada e os indivíduos seriam alienados por meio de substâncias
sintéticas. A ficção do século XX se aproxima da realidade do século XXI quando a vida
contemporânea se distancia do natural e se torna cada vez mais artificial. Nota-se que
a vida humana vem sendo influenciada pela vasta quantidade degadgets4 e remédios
disponíveis para amenizar as frustrações e ansiedades, além de substâncias que modi-
ficam, ou até mesmo substituem, os alimentos naturais.
Gradativamente a vida se distancia do natural, e se aproxima do artificial, fazendo
com que os próprios indivíduos provoquem mutações em si mesmos. Devido aos
avanços na tecnologia e na medicina, a junção entre os organismos e as máquinas
estão se tornando cada vez mais comuns, transformando os humanos em verdadei-
ros ciborgues (HARAWAY, 2009).
Diversos artefatos sintéticos vêm sendo inseridos e acoplados aos corpos humanos.
Desde os mais simples implantes capilares, silicones e lentes de contato, próteses que
substituem partes do corpo humano e até a aplicação de chips hormonais5 (Figura1)
e esteroides anabolizantes para estimular o desenvolvimento de músculos. Essa ten-
dência de manipular e transformar os corpos humanos naturais em sintéticos, chega
a transpassar para as relações que os indivíduos estabelecem com os espaços e seus
pares, que estão se tornando cada vez mais artificiais.
Antropoceno não seja reconhecido oficialmente como a era geológica atual, sua te-
oria se sustenta em pesquisas científicas que comprovam as diversas modificações
que estão ocorrendo no meio ambiente, como a destruição em massa de espécies,
as alterações climáticas e as catástrofes ambientais que estão se tornando cada vez
mais recorrentes. Essas transformações são tão expressivas que já deixaram seus re-
gistros marcados nas rochosas do planeta (LATOUR, 2017; HARAWAY, 2016; CHAKRA-
BARTY, 2013).
A partir da perspectiva de que os seres humanos atuam como uma força geológica,
entende-se que as diversas atividades culturais, econômicas e sociais, que atuam na
transformação do ambiente natural em artificial, estão relacionadas ao Antropoce-
no. O design faz parte dessas atividades por ser uma atividade que surgiu a partir da
produção industrial, responsável por projetar para os indivíduos e promover rela-
ções de convívio social e transformação dos espaços naturais por meio dos objetos.
Por essas razões, acredita-se que perceber o design no contexto do Antropoceno
pode ser uma forma de provocar novas reflexões, principalmente entre os designers,
sobre o seu papel de projetar não apenas para os seres humanos, mas também para
os outros seres e espaços que os cercam.
505
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esta nova nomenclatura questiona o Holoceno – era geológica atual, reconhecida ofi-
cialmente pela Comissão Internacional de Estratigrafia6 – por entender que a ativi-
dade humana é uma força geológica de alto impacto, capaz de provocar mudanças
climáticas e a extinção em massa de espécies, alterando assim o funcionamento do
ecossistema (STEEFEN et al, 2011).
O uso do termo antropo para nomear o período geológico enfatiza as atividades hu-
manas como principais agentes de transformação no planeta, e por isso, tem promo-
vido questionamentos em diversas áreas da ciência. Haraway (2016) argumenta que
as ações antrópicas tiveram efeitos planetários, e aponta para a urgência de nomear o
Antropoceno devido à escala, à relação taxa/velocidade, à sincronicidade e à comple-
xidade provocadas por essas mudanças.
Além disso, o design é também uma atividade que relaciona pessoas e objetos,
responsável por manipular a natureza para satisfazer as necessidades humanas,
e trazer artificialidade para a vida cotidiana. Segundo Flusser (2017) o design é
507
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
uma atividade astuciosa que engana a natureza por meio da técnica, e que, ao
potencializar as atividades humanas com objetos fabricados, transforma o natural
em artificial, possibilitando a transformação dos seres humanos, até então simples
mamíferos condicionados, em artistas livres.
Quando a arte também promove discussões relacionadas às crises ecológicas por meio
do Antropoceno, as narrativas provocam reflexões sobre a relação humana com a eco-
logia e seus hábitos, e assim impulsionam o despertar do pensamento crítico sobre o
tema. No Museu do Amanhã (Figura 2), na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, o Antropoce-
no faz parte da exposição permanente do local, sendo apresentado de forma bastante
didática, com um suporte tecnológico de arte e design, que leva o visitante a refletir so-
bre o assunto. Deparar-se com o Antropoceno em um museu, que em seu próprio nome
convida o visitante a pensar no futuro, desperta de imediato a inquietação humana so-
bre suas responsabilidades enquanto ser vivo que consome e habita o espaço natural.
508
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por entender que os seres humanos são os principais responsáveis por este futuro
que se assemelha a um futuro distópico, no qual as condições de sobrevivência no
planeta colocam em questão a própria espécie humana, entende-se que é impor-
tante ter uma percepção mais consciente sobre como os hábitos e os estilos de vida
da humanidade estão contribuindo para este porvir catastrófico. Acredita-se que o
consumo, uma das atividades mais importantes para a manutenção do sistema eco-
nômico vigente em quase todo o planeta, que possui uma demanda exagerada dos
recursos da natureza, e que devolve ao meio ambiente diversas formas de resíduos
tóxicos e poluentes, é uma atividade humana que precisa ser transformada.
Para afrontar comportamentos, rituais e estilo de vida, o Infinity Burial Suit 8(Figura
3), apontado por Anderson (2015) como uma perspectiva sobre morrer no Antro-
poceno, é um projeto intrigante e polêmico, justamente por abordar a morte, uma
etapa da vida humana pouco discutida no design. O Infinity Burial Suit foi desen-
volvido por Jae Rhim Lee, uma artista visual, designer e pesquisadora americana. A
proposta do seu produto é minimizar os impactos que o corpo humano provoca no
meio ambiente durante a sua decomposição. Dessa forma o projeto promove uma
forma ecológica de decomposição do corpo humano por meio de cogumelos que
decompõem e corrigem as toxinas no tecido humano.
7 Termo utilizado por Anderson (2015) para definir o movimento que prega a igualdade entre ho-
mens e mulheres, ao invés da equidade, sob a perspectiva masculina.
8 http://coeio.com/infinity-burial-project/
509
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No design, acredita-se que essas mudanças podem surgir a partir do design espe-
culativo. Dunne e Raby (2013), que apresentam o conceito de design especulativo,
entendem que as mudanças ocorrem na medida em que os sistemas de crenças e
ideias também mudam, e principalmente, quando há uma aproximação da busca
por soluções com as utopias, por permitirem que novas alternativas sociais e imagi-
nativas possam vir a surgir.
510
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com esse pensamento, Edgar Morin destaca a importância da arte em abordar te-
mas tão críticos e necessários como o Antropoceno. A arte, com seu potencial de
subjetividade, promove reflexões poéticas que transcendem as narrativas discursi-
vas. Por meio da arte é possível despertar os sentimentos necessários para que se
possa conscientizar e fazer refletir.
Considerações finais
Vivenciar este momento de crise ambiental, que impacta a todos os seres do plane-
ta, desperta sentimentos de descrença e impotência, como se nenhuma mudança
pudesse ser feita. No entanto, ainda assim, há dois caminhos possíveis: o da deses-
perança e aceitação de que nada poderá ser feito, ou o da esperança e crença de que
as realidades podem mudar. Para Morin (2011) a realidade não é inerte, ela possui
mistérios e incertezas e, portanto, não pode ser aceita como um fato consumado.
Já a importância da relação entre a arte e as crises ecológicas ocorre pelo seu poten-
cial de humanizar as áreas da ciência que se distanciam das propriedades humanas,
511
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
uma vez que a arte consegue despertar sensações que jamais poderiam ser com-
preendidas em números e palavras. Nesse sentido, Morin (2011) entende que um
dos problemas da realidade atual é também devido ao distanciamento do corpo, do
sangue, das paixões, do sofrimento da felicidade e da cultura.
Referências
Anderson, K. (2015, July). Ethics, ecology, and the future: art and design face the An-
thropocene. In ACM SIGGRAPH Art Papers (pp. 338-347) DOI: 10.1145/2810177.2810180
Cardoso, R.(2000). Uma introdução à história do design. São Paulo, Editora Edgar
Blucher Ltda.
Dunne, A. & Raby, F. (2013) Speculative everything: design, fiction and social drea-
ming. MIT press.
Ingold, T. (2016). From science to art and back again: The pendulum of an anthropo-
logist. ANUAC, 5(1), 5-23. https://doi.org/10.7340/anuac2239-625X-2237
Lang, M.; Dilger G.; Neto, J.P. (2016) Descolonizar o imaginário. São Paulo, Editora Elefante
512
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Manica, D., & Nucci, M. (2017). Sob a pele: implantes subcutâneos, hormônios e gê-
nero. Horizontes Antropológicos, (47), 93-129. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
71832017000100004
Moore, J.W. (2010). The end of the road? Agricultural revolutions in the capitalist
world-ecology, 1450–2010. Journal of Agrarian Change, v. 10, n. 3, p. 389-413. DOI:
https://doi.org/10.1111/j.1471-0366.2010.00276.x
Morin, E. (2011) Rumo ao abismo? Ensaio sobre o destino da humanidade. Rio de Janei-
ro, Editora Bertrand Brasil LTDA
Pananek, V.J (1985) Design for the new world. Chicago, Editora: Academy Chicago Pu-
blishers
Pompeu, Bruno. (2017). A revolução do design: Conexões para o século XXI. In: MEGI-
DO, V.F. São Paulo, Editora Gente.
Stengers, I. (2015) No Tempo das Catástrofes - Resistir à barbárie que se aproxima. São
Paulo, Editora: Cosac Naify
Thorpe, A (2010). Design’s role in sustainable consumption. Design Issues, v.26, n.2, p.
3-16 DOI: https://doi.org/10.1162/DESI_a_00001.
513
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Inspirada no pensamento de Merleau-Ponty sobre a intercorporeidade do corpo
com as coisas do mundo, no qual as coisas do mundo são aquilo que falta ao
corpo para fechar seu circuito, e no pensamento de Steve Mann sobre a com-
putação vestível, no qual a máquina deve possuir constância de operação e in-
teração, deve está sempre ligada, disponível, acessível e incorporada ao usuário,
crio brechas de entrelaçamento em performances artísticas utilizando vestimen-
tas que incorporam ao corpo humano ao dispositivo tecnológico. Ofereço como
reflexão a experiência na performance artística, na qual faço uso de uma vesti-
menta com bolsos em plástico vinil que incorporam dispositivos tecnológicos
para interagir simultaneamente com espectadores presenciais e espectadores
“ao vivo” em redes sociais. Até o presente momento, o entrelaçamento da inter-
coporeidade do corpo estesiológico com a computação vestível em performan-
ce, instaura o corpositivo, o toque sensível como encruzilhada de corpos que
amplia, transforma e instaura novos modos de ser no mundo.
Palavras-chave: corpositivo, intercorporeidade, computação vestível, perfor-
mance, onipresença.
Abstract
Inspired by Merleau-Ponty’s thinking about the body’s incorporeality with the things of
the world, where the things of the world are what the body lacks to close its circuit, and
Steve Mann’s thinking about wearable computing, in which the machine must have
constancy of operation and interaction, must always be linked, available, accessible
and incorporated to the user, creating gaps of interweaving in artistic performances
using clothing that incorporate the human body the technological device. I offer as
a reflection the experience in artistic performance, in which I make use of a garment
514
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
with vinyl plastic pockets that incorporate technological devices to interact simulta-
neously with in-person viewers and “live” viewers on social networks. So far, the in-
terweaving of the intercoporeity of the estiological body with wearable computing in
performance, establishes the devicebody, the sensible touch as a crossroads of bodies
that broadens, transforms, and establishes new ways of being in the world.
Keywords: devicebody, intercorporeality, wearable computing, performance, omni-
presence.
Introdução
O ponto de partida desta pesquisa é que o entrelaçamento do corpo com o disposi-
tivo tecnológico e com o outro, amplia a ontologia da carne e alarga as sensações de
presença, mas especificamente a presença cênica. Para dar início a essa reflexão faz-se
necessário contextualiza-la. Ela é parte dos estudos que venho desenvolvendo na pes-
quisa de doutorado que tem como título provisório “Onipresença cênica: corpo em
performance mediado por dispositivos tecnológicos na telemática”, está sendo reali-
zada na linha de Arte e Tecnologia do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da
Universidade de Brasília. A pesquisa de doutorado tem como objetivo principal inves-
tigar a sensação de onipresença do corpo em performances artísticas fazendo uso de
dispositivos tecnológicos conectados em rede pela telemática, buscando na imersão
a expressão dos efeitos intercorpóreos no corpo estesiológico do artista quando parti-
lha espaço e tempo distinto do espectador. Trata-se de uma pesquisa cartográfica que
busca falar do que se passa no território do desejo, do afeto, do estético, do político
e da experiência vivida quando estamos em performance. Para tanto, performances
artísticas são criadas e o corpo mediado por dispositivos tecnológicos conectados a
telemática são modos, maneiras estilos de experienciar a onipresença, ao buscar reali-
zar comunicação com espectadores presentes, ou seja, no lugar da ação, e com espec-
tadores a longa distância, on line, conectados ao vivo em redes sociais.
515
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nesse artigo faço um recorte da pesquisa e reflito sobre a relação do corpo estesio-
lógico e sua intercorporeidade entrelaçada ao dispositivo tecnológico e ao outro. De
início faço apontamentos sobre as noções que alicerçam o corpo estesiológico e a
intercoporeidade na fenomenologia de Merleau-Ponty (200, 2004, 2005). Em segui-
da, trago apontamentos sobre a computação vestível a partir das investigações de
Steve Mann (1998), Donati (2005) e Viseu (2003). Ao final ofereço como brecha do
entrelaçamento da intercorporeidade com a computação vestível o neologismo cor-
positivo por meio da descrição da experiência numa performance artística, na qual
faço uso de uma vestimenta com bolsos em plástico vinil que incorpora dispositivos
tecnológicos para interagir simultaneamente pelo toque sensível com espectadores
presenciais e espectadores “ao vivo” em redes sociais.
516
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
percepção. O corpo humano é então estudado como corpo estesiológico: “o corpo hu-
mano, portanto, é corpo que se move isso quer dizer corpo que percebe” (MERLEAU-
-PONTY, 2004, p.337). Assim, a percepção não se dá mais como espetáculo perceptivo,
e ela não é mais um sobrevôo do corpo e do mundo por uma consciência. A percepção
se dá no próprio movimento do corpo no mundo: “o meu corpo como interposto entre
o que está diante de mim e o que está atrás de mim, o meu corpo levantado diante das
coisas levantadas, em circuito com o mundo” (MERLEAU-PONTY, 2004, p.338).
A intercorporeidade é uma das noções que sustenta essa ontologia do corpo este-
siológico, ela trata da relação do meu corpo em circuito com o mundo, as coisas do
mundo e com os outros, considerando que todos temos percepção, que ela aconte-
ce em movimento e que somos feitos do estofo mesmo do mundo, ou seja, o mundo
não está diante de mim para ser percebido, eu sou mundo e assim é que acontece
nossa percepção. Somos, portanto, corpo-coisa, e a percepção é uma certa penetra-
ção a distância de sensíveis pelo meu corpo.
Desse modo, o corpo é nosso meio primordial de conhecimento do mundo, mas ele
é também conta entre as coisas do mundo, sendo visível e móvel, encontra-se entre
elas, preso nas tramas do tecido do mundo, carne da sua carne, pois “a carne do cor-
po nos faz compreender a carne do mundo”(MERLEAU-PONTY, 2000). Vale salientar
que o corpo, na fenomenologia de Merleau-Ponty, se é que pode ser comparado,
não é a máquina, mas sim a obra de arte, aberta e inacabada. E o conhecimento do
corpo é linguagem poética no mundo.
Um corpo humano está aí quando, entre vidente e visível, entre tocante e tocado, entre um olho e o
outro, entre a mão e a mão se produz uma espécie de recruzamento, quando se ascende uma faísca
do senciente-sensível, quando se inflama o que não cessará de queimar, até que um acidente do
corpo desfaça o que nenhum outro acidente teria bastado para fazer... (MERLEAU-PONTY, 2004, p.18)
É aqui onde incluo minhas pesquisas, ao lançar mão dessas noções para refletir so-
bre a nossa relação com as coisas do mundo, mas especificamente a relação cor-
po-tecnologia. Os estudos sobre os avanços tecnológicos buscam, justamente, essa
incorporação de corpos, na medida em que anseiam por corporificar a internet ao
517
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mas o que efetivamente posso destacar como sendo indicador dessa corporeidade
na relação de corpos mediados por dispositivos tecnológicos? Como a tecnologia
dos dispositivos tecnológicos desenvolvidos para mediar nossa corporeidade pode
ampliar nossa capacidade perceptiva? Como a experiência em performances artísti-
cas com o uso de dispositivos tecnológicos conectados a telemática pode me fazer
falar sobre a intercorporeidade?
Por hora, entendo que o meu corpo, o dispositivo tecnológico e o outro vivemos
uma relação de ejeção-introjeção, na qual o corpo humano estende-se ao corpo do
dispositivo e estende-se ao corpo do outro, o corpo do dispositivo, por sua vez, es-
tende-se ao meu corpo e ao corpo do outro, ainda tem o corpo do outro que esten-
de-se ao meu corpo e ao corpo do dispositivo. Há, pois, uma relação intercopórea, e
ela estabelece-se na complexidade e na reciprocidade, cuja a qual, há incorporação
do meu corpo ao corpo do dispositivo e ao corpo do outro e do dispositivo ao meu
corpo e ao corpo do outro, nossa relação é uma trama, um quiasma, um entrelaça-
mento de corpos numa espécie de carne maior que é carne do mundo.
Computação vestível
A computação em conato direto com a nossa carne amplia a interação corpo-
-computador. As pesquisas na área da computação vestível oferecem desafios
para refletirmos sobre a relação corpórea que estabelecemos com as máquinas
utilizadas para mediação corpórea, compreendendo-a para além de uma relação
sujeito-objeto, mas sim como uma relação de intercoporeidade, a maneira descrita
por Merleau-Ponty.
518
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ele deve estar incorporado ao espaço pessoal do wearer – usuário, potencializando um uso mais
integrado, sem limitar os movimentos corporais ou impedir a mobilidade. Está sempre ligado e
acessível com uma performance computacional que permite auxiliar o usuário em atividades
motoras e/ou cognitivas, sem, no entanto, ser considerado como uma simples ferramenta. Ele
funciona como uma “segunda pele”, sobreposto, sendo necessário descartar dessa classificação
os implantes, as alterações genéticas e os sistemas dedicados.
519
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nesse sentido, entendo que a computação vestível funciona como uma outra camada
de pele, uma segunda camada de pele, busca incorporar a computação ao corpo, e
o corpo a computação, na medida que permite a liberdade e a mobilidade do corpo
em deslocamento e portando dispositivos. Este objeto passa então a ser a extensão,
o prolongamento do corpo, posso portá-lo e transportá-lo em deslocamento, sendo
uma das suas principais funções ampliar as capacidades perceptivas do corpo.
Corpositivo
O neologismo corpositivo aparece aqui como uma noção que dê conta do toque
sensível, realizado pelo entrelaçamento do corpo a computação vestível e ao outro.
Busco no corpositivo uma relação para além do sujeito cognoscente a coisa do mun-
do e ao outro como objeto, mas sim como relação intercorpórea. O neologismo foi
construído a partir junção das palavras corpo e dispositivo para dar conta da trama
sensível da linguagem corpo-tecnologia-outro e expressar em linguagem a experi-
ência do corpo entrelaçado ao dispositivo tecnológico.
Desse modo, há uma reciprocidade do corpo e do dispositivo, que ocorrem pela in-
serção e entrelaçamento de um no outro. O outro é o que me falta para fechar meu
circuito e faz surgir: um novo esquema corporal de incorporação do dispositivo ao
520
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
521
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
522
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
523
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações finais
A relação do corpo com o dispositivo tecnológico e com o outro é tratada como um
diálogo sensível que se revela em forma de linguagem expressa num discurso artístico.
524
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
DONATI, Luisa Paraguai. Computadores vestíveis: convivência de diferentes espaciali-
dades (2004). Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, 93-102,
MANN, Steve. Smart Clothing: The Shift to Wearable Computing (1996.). In Commu-
nications of the ACM, 39 (8), 23-24.
MERLEUA-PONTY, M (2000). A natureza. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes.
VISEU, A (2003). Shaping technology/building body (nets). Sarai Reader 03: Shaping
Technologies. Sarai: Delhi/Amsterdam; Center for the Study of Developing Societies
and Waag Society, 128-133.
525
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Diante dos campos de Design e Saúde e as suas intersecções, encontros, e
pesquisas que abordam ambas as áreas e argumentam sobre a importância
do designer como modificador da sociedade e projetista de produtos que te-
nham impacto positivo sobre a vida das pessoas, pretende-se, aqui, refletir
sobre a transversalidade entre o Design e a área da Saúde. Propõe-se, então,
levantar os conceitos de design, transversalidade e saúde a fim de compre-
ender a relação entre estes e debater os possíveis benefícios da colaboração
entre os campos, utilizando-se, também, de estudos e ensaios bem-sucedidos
realizados a partir dessa contribuição.
Palavras-chave: design e saúde, transversalidade, conexões.
Abstract
Facing the fields of Design and Health and its intersections, meetings, and rese-
arches that approach both areas, and argue about the importance of the desig-
ner as a society modifier and developer of products that have a positive impact
on people’s lives, this article intends to reflect about the transversality between
Design and Health. Through the concepts of design, transversality and health,
the intention is to comprehend the relation between those concepts, and de-
bate about the possible benefits of the collaboration between both fields, using
1 Bacharel em Design de Moda pela Universidade Anhembi Morumbi, e Mestranda em Design pela
mesma instituição. Atua no mercado como Designer de Estampas.
2 Psicanalista. Doutora e Mestre em Psicologia pelo Núcleo de Estudos da Subjetividade - PUC-SP.
Pós-Doutorado no Departamento de Artes da Goldsmiths, University of London. Professora e pes-
quisadora do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi.
3 Doutor e Mestre em Design, pela Universidade Anhembi Morumbi, onde também concluiu a
Pós-Graduação Latu Senso em Neurociência aplicada à Educação e em Moda, Arte e Cultura. Pro-
fessor Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi Morum-
bi. Professor dos cursos Design de Moda e Negócios da Moda da Universidade Anhembi Morumbi,
Pós-Graduação Neurociência aplicada à Educação, e na Pós-Graduação Master em Negócios e
Varejo de Moda.
526
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
Os campos de Design e Saúde são ciências de diferentes áreas do conhecimento: a
primeira pertencente às Ciências Sociais Aplicadas, e a segunda às Ciências Biológi-
cas. Contudo, o fato de não estarem categorizadas em grupos iguais não significa
que a colaboração entre os saberes não seja possível – e necessária. Este artigo tem
como objetivo refletir sobre a necessidade e importância de gerar conexões trans-
versais entre os campos de Design e Saúde. Para embasar esta discussão, os concei-
tos de design, saúde e transversalidade serão apresentados a fim de produzir ques-
tionamentos sobre a conectividade das áreas e sobre os seus próprios conceitos. Por
meio do levantamento de estudos que permeiam ambas as faculdades, propõe-se
argumentar acerca da carência de pesquisas sobre o assunto, bem como discutir a
urgência do estímulo de produções transversais entre elas.
O papel do Design
Diante da variedade de significados e definições acerca do design, este artigo não
se propõe a analisar as diversas abordagens sobre o tema, mas buscar reflexões que
contribuem para a construção da discussão aqui proposta. Etimologicamente, de-
sign, do latim designare, significa “desenvolver”, “conceber” (BOMFIM, 2001). Essa
definição, apesar de coerente, é superficial quando o intuito é abordar as funções
e responsabilidades da área. Para além da atividade de desenvolvimento de produ-
tos, o design é orientado por parâmetros ideológicos, sociais, econômicos e políticos
(BOMFIM, 2001) que carregam os valores simbólicos e a subjetividade das responsa-
bilidades do designer.
527
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Design é uma atividade criativa que tem como objetivo estabelecer as múltiplas qualidades dos
objetos, processos, serviços e seus sistemas em todo seu ciclo de vida. Portanto, o design é um
fator central para a humanização inovadora das tecnologias e um fator crucial para a troca econô-
mica e cultural (ICSID, 2005 apud KRUCKEN, 2008, p. 26)
O conceito de saúde
Para tratar do conceito de saúde, utilizaremos aqui a definição da OMS publicada na
Declaração de Alma-Ata, que, em 1978, discutiu questões inerentes à saúde mundial e
cuidados primários de saúde. Nesse documento, a saúde é definida como “estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença
ou enfermidade” (OMS, 1978, p. 1), sendo um direito humano fundamental que deve
ter um espaço importante nas metas públicas globais. Assim, a saúde requer atenção
528
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de diferentes setores além do responsável pela sua promoção, incluindo as áreas so-
ciais, econômicas e educacionais, por exemplo. Diante desse significado, entende-se
que este é dependente também do conceito de bem-estar, sendo necessário conhecê-
-lo e discuti-lo para compreender, de fato, a definição de saúde trazida aqui.
Coelho e Filho (2001) contribuem também com essa discussão ao reunir as reflexões
epistemológicas, filosóficas e antropológicas acerca desse conceito, exaltando que
a dificuldade de conceituar saúde existe a muito tempo nos diferentes campos que
tratam do assunto. Os autores atribuem essa dificuldade aos paradigmas científicos
em relação ao tema e levantam a ideia de promover a saúde – e não apenas de curar
a doença – partindo de uma postura individualista para a coletiva.
“declara a saúde como direito social(art.6º). É direito de todo cidadão e, conseqüentemente (sic),
dever do Estado (art. 196). Quem se debruçar sobre a Constituição do Brasil verificará que, nela,
saúde significa ‘políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de ou-
tros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação’ (art.196).” (SÁ JUNIOR, 2004, p. 2)
Dito isso, a título de reflexão, questiona-se: seria o conceito de saúde mais bem defi-
nido se fosse considerada a subjetividade humana e um atendimento não “comple-
to” do bem-estar, mas sim equilibrado? Considerado, conforme Scliar (2007), que a
saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas – uma vez que depende,
também, de valores e avaliações individuais, cientificas, filosóficas, e subjetivas –, é
possível definir saúde como algo “completo/perfeito”?
O que é transversalidade?
O conceito de transversalidade é originário da geometria, referindo-se à ideia de “atra-
vessar”, “cruzar diagonalmente” (KRUKEN, 2008), e vem sendo discutido em diversas
529
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
áreas, o que ressalta o seu papel em conectar campos distintos. Aplicando a trans-
versalidade às pesquisas e estudos científicos, ela está relacionada a abordagens não
disciplinares, ou seja, que não sejam restringidas pelos limites das disciplinas conven-
cionais ou pela hierarquia das diferentes ciências e campos do saber (IBIDEM).
Conforme cunhado por Guattari (apud GOMEZ, 2009), é proposto que “se admita
as interrelações que se dão no estudo [...]. É na convergência de diversas áreas de
conhecimento que o estudo ou a análise de um objeto ou fenômeno é realizado”.
Gomez (2009) comenta ainda que a ideia de transversalidade é desvencilhar-se dos
eixos horizontal e vertical para comunicar-se em direções tridimensionais, isto é, em
diferentes níveis e sentidos. Dessa forma, aproxima-se também às ideias de rizoma
trazida por Deleuze e Guattari (1980), e de rede, apresentada por Santos (2000) e
Castells (1999). Este último comenta sobre essas ideias como “um conjunto de unida-
des inter-relacionadas que dependem umas das outras para o desempenho de uma
tarefa em comum” (1999 apud KRUKEN, 2008, p. 25).
O Design possui “caráter holístico, transversal e dinâmico [...] ao aceitar e propor inte-
rações multidisciplinares” (DE MORAES, 2010, p. 3) e atua realizando a mediação entre
os aspectos mercadológicos de um produto (como produção, viabilidade, ambiente,
consumo) e a sua responsabilidade na humanização das tecnologias (KRUCKEN, 2008).
O potencial de fazer do processo de design uma ferramenta para suprir necessidades
530
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de usuários visando a saúde é vasto e inerente aos valores intrínsecos ao campo, além
de poder impactar a vida e o bem-estar das pessoas de inúmeras formas.
Essa pluralidade pode ser abordada também dentro dos campos do Design e da Saú-
de, dado que existem diversas áreas e subáreas que possibilitam uma gama de possibi-
lidades de conexões. Embora ainda seja um assunto pouco explorado, alguns estudos
existentes exploram diferentes tipos de comunicação e colaboração, sendo pesquisas
de caráter inter, multi e transdisciplinar, ou ainda transversal. Podem, por exemplo, co-
nectar psicologia, informática e design de games; fisioterapia, arte e design gráfico;
engenharia, ortopedia e design de moda; entre muitas outras combinações.
531
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações finais
A intenção deste artigo é tratar da necessidade da transversalidade aplicada ao De-
sign e à Saúde e explorar as suas possibilidades. Porém, esse é um tema que pede e
merece uma discussão mais profunda e abrangente. A melhora nos processos dos
serviços de saúde ou caráter assistivo de produtos criados a partir dessa conexão são
pontos importantes de serem levantados, porém não devem encerrar a discussão.
Referências bibliográficas
MORAES, Dijon de. Metaprojeto como modelo projetual. Strategic Design Rese-
arch Journal, v. 3, n. 02, p. 63-68, 2010. Disponível em: <http://www.moda.ufc.br/
metodologia_projetual/Metaprojeto.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2019.
532
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
BOMFIM, Gustavo Amarante. Notas de aula sobre design e estética. PUC-RIO Depar-
tamento de Arte & Design, Rio de Janeiro, p. 01-61, jan. 2001. Disponível em: <http://
periodicos.anhembi.br/arquivos/Apostila/382670.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2019.
COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; FILHO, Naomar de Almeida. Conceitos de saú-
de em discursos contemporâneos de referência científica. História, Ciências, Saúde
- Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 02, p. 315-333, maio-ago. 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/%0D/hcsm/v9n2/a05v9n2.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2019.
SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janei-
ro, v. 17, n. 01, p. 29-41, 2007. Disponível em: < https://www.scielosp.org/pdf/phy-
sis/2007.v17n1/29-1/pt>. Acesso em: 09 jun. 2019.
GONÇALVES, Ana Elise da Silva; ROMANO, Fabiane Vieira; BATTISTEL, Amara Lúcia Ho-
landa Tavares. Design lúdico: carrinho para auxiliar o tratamento oncológico infantil. Rio
Grande do Sul, v. 1, n. 4, set-out 2014. Disponível em <http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-
-east-1.amazonaws.com/designproceedings/11ped/00868.pdf> Acesso em: jun. 2019.
533
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
PEREIRA, Lana Carolina Silva. Design lúdico: percurso meditativo como forma de tra-
balhar as funções executivas para público juvenil com TDAH. 2018. Tese (Bacharelado
em Desing) – Universidade Federal do Ceará, 2018. Disponível em <http://repositorio.
ufc.br/bitstream/riufc/36354/1/2018_tcc_lcspereira.pdf> Acesso em: jun. 2019.
534
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A concepção de Neurociência direciona o argumento curatorial de uma expo-
sição ao articular projetos participativos, interativos, vídeos, instalações e per-
formances no entrecruzamento da Arte, Ciência e Tecnologia. A Neurociência
se abre para um universo de complexidade, onde o corpo humano é capaz de
administrar nossa percepção da realidade, construindo uma relação inédita com
o espaço e o tempo maquínicos, seja ela sensorial, sensível e até mesmo de sen-
timento. Já a contemporaneidade abre-se, como um campo para pesquisa da
expansão das percepções, dos limites das atividades cerebrais, das concepções
do espaço e tempo que são rompidas frente às novas atividades sinestésicas
propiciadas pelas tecnologias. A curadoria compartilhada do FACTORS 3.0 sele-
ciona artistas nacionais e internacionais para, através de suas obras, fazer pensar
e questionar outros aspectos da experiência sensível na Arte.
Palavras-chave: Neurociência, Arte, Tecnologia, Percepção.
Abstract
The conception of neuroscience directs the curatorial argument of an exhibition
by articulating participatory, interactive projects, videos, installations and perfor-
mances in the intersection of Art, science and Technology. Neuroscience opens to
a universe of complexity, where the human body is able to manage our perception
of reality, building an unprecedented relationship with machinic’s space and time,
be it sensory, sensitive and even of feeling. The contemporaneity opens, as a field
for research into the expansion of perceptions, the limits of brain activities, the
1 Pesquisadora da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Brasil. Pós-Doutorado/ UFRJ e Douto-
rado/ UFRGS, em Artes Visuais, com estágio na Paris VIII, França. Atua no Programa de Pós-graduação
em Artes Visuais/PPGART, em História, Teoria e Crítica, com ênfase transdisciplinar em Arte-Ciên-
cia-Tecnologia. Coordena grupo Arte e Tecnologia/CNPq e LABART. Membro do Comitê Brasileiro
de História da Arte/CBHA, e da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas/ANPAP.
2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (PPGAV/UFRGS). É Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Ar-
tes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria (PPGART/UFSM). Integrante do Laboratório de
Pesquisa Arte Contemporânea, Tecnologia e Mídias Digitais (LABART/UFSM) e do Grupo de Pesquisa
Arte e Tecnologia/CNPq.
535
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
conceptions of space and time that are broken off against the new synesthetic ac-
tivities provided by technologies. Factors 3.0’s shared curatorship selected national
and international artists to think through and question other aspects of the sensi-
tive experience in art.
Keywords: Neuroscience, Art, Technology, Perception.
A ‘Neurociência’é um termo guarda-chuva que engloba todas as áreas da ciência - biologia, fisio-
logia, medicina, física, psicologia - que se interessam pelo sistema nervoso: sua estrutura, função,
desenvolvimento, evolução e disfunções. O objeto do estudo mais fundamental da Neurociência
é que o que somos, fazemos, pensamos e desejamos é resultado do funcionamento do sistema
nervoso e sua interação com o corpo. Toda a pesquisa em Neurociência é atualmente baseada
nessa premissa, e busca entender justamente como a estrutura e funcionamento do sistema ner-
voso, juntamente com a história de vida de cada um, a cultura, a sociedade, e a genética fazem
de nós o que somos, individualmente, como seres humanos, e como animais (MORRIS; FILLENZ,
2007. In: Projeto Neuroarte, 2014)4
A ciência cognitiva, no sentido mais amplo, é o estudo de como os organismos adquirem, reco-
nhecem, manipulam e usam informações na produção do comportamento. Obras de arte visuais
são estímulos intencionalmente projetados para desencadear respostas perceptivas, afetivas e
cognitivas comuns nos espectadores. (CARROL, et alii, In: SHIMAMURA; PALMER, 2011, p. 47-8)
536
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A única coisa que temos são nossas experiências; somos organismos vivos per-
cebendo-nos e percebendo o entorno; somos agentes exploradores. Deveríamos
nos perguntar como nossa percepção é experienciada. Também, o que é que en-
tendemos por experiência? E o que entendemos por percepção de uma experiên-
cia? (DELANNOY, 2015, p.70)
Para o autor, a Arte seria uma boa maneira de aproximação desta experiência, mas
ele a trata a partir do artista. Neste artigo, a intenção é entendê-la como uma ex-
periência sensível, e pensá-la também a partir do público que participa e interage
com as obras no espaço físico da exposição, considerando um projeto curatorial e
expográfico elaborado com este fim para o Festival.
Cada estímulo sensorial possível ou concebível tem uma ‘história’ em virtude de sua
relação ou semelhança com outros estímulos que temos experimentado no passado.
537
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“[...] Isto significa que todos os estímulos externos percebidos ativam, mediante as-
sociação imediata, um conjunto de cógnitos perceptivos” (FUSTER, 2015, p. 152).
538
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em 2016, o Festival tem como argumento curatorial a Neurociência, que como con-
ceito nomina o Festival: Neurociência e Arte, percepção como experiência sensível.
Apresenta os seguintes artistas e obras: Mindscapes (2011), performance audiovisual
de Fernando Velázquez (que não aconteceu in loco); The Assessment (2011/12), vi-
deoinstalação de Maria Manuela Lopes; Jardim de Epicuro 2 (2014), instalação inte-
rativa de Tania Fraga; No fundo de tudo há um jardim (2012-2016), instalação de Ma-
riela Yeregui; Compressão (2016), performance audiovisual de Fernando Codevilla,
Fernando Krum e Rafael Berlezi; Não pare de assistir (2016), fotos em loop de Carlos
Donaduzzi; EmMeio (2016) de Raul Dotto; Inutilidade Mecânica (2016), arte robótica
de Rosangela Leote e Daniel Seda; e, Neuro Body Game (2010), instalação interativa/
computador vestível de Rachel Zuanon.
Maria Manuela Lopes, em The Assessment (2016) aborda a memória e a falta dela em
pacientes com a doença de Alzheimer, através de experiências contínuas entre o
fora e o dentro do corpo, entre diferentes subjetividades e seu contexto. Durante a
sua pesquisa, a própria artista se submeteu a três testes de avaliação neuropsicológi-
ca semelhantes aos submetidos a pacientes durante um ensaio clínico para um novo
medicamento terapêutico. A obra é visualizada como uma projeção dupla, e o que
se percebe, é resultado de uma compilação de vídeos que se realizaram como regis-
tro de várias destas vivências, funcionando também para o trabalho per se como um
recurso poético. O vídeo final apresentado é uma tela dividida em quatro narrativas
que se dispõem, nesse momento, a acontecer simultaneamente.
5 Curadoras, Andrea Capssa, Giovana Casimiro, Manoela Vares e Nara Cristina Santos. Mestran-
das e professora orientadora LABART/PPGART/UFSM. Colaboradoras, professoras Maria Rosa
Chitolina PPGBIOTOX/UFSM (Ciências/Bioquímica)e Juliana Vizzotto PPGI/UFSM (Informática/
Tecnologia da Informação).
539
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1: The Assessment (2011/12), Maria Manuela Lopes. Fotografia: Artista para LABART/UFSM
Ele oferece um locus onde números e emoções humanas se miscigenam para criar um jardim virtual,
suas flores, fungos e insetos. Inspira-se em Epicuro, filósofo grego da antiguidade, e seu jardim na
periferia de Atenas onde ensinava filosofia. É uma obra de arte computacional para fruição, para a
expressão de qualidades poéticas e estéticas, para a experimentação imersiva com sensações. Visa
propiciar uma simbiose onde os estados emocionais de um interator afetam os reinos virtuais do
jardim onírico dentro do computador alterando suas configurações. (FRAGA, 2017, p. 2631)
540
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 2: Jardim de Epicuro 2 (2014), Tania Fraga. Fotografia: Carlos Donaduzzi para LABART/UFSM
Pode-se dizer que essa obra, além de ser gerada a partir das emoções humanas, pro-
voca diferentes modos de emocionar-se a partir da visualização e da consequente
sensação de imersão produzida pelo computador e pela projeção da imagem. A per-
cepção das suas inúmeras cores e formas, todas com mudanças que vão se deixando
perceber de maneira sutil, faz lembrar elementos da própria natureza em constante
transformação, como se o jardim das emoções projetado pela artista também esti-
vesse em constante processo de metamorfose, de nascimento e desaparecimento,
proliferando-se em novas formas.
Tania discorre sobre os desafios dos artistas que se aventuram a realizar projetos em
Arte Computacional e com isso, proporcionar outras percepções ao público que se
dispõe a interagir com seus trabalhos. Ela se concentra em refletir e desmitificar alguns
processos subjetivos que envolvem a produção artística, sobre como pensar e enten-
der os signos, sobre as sensações e emoções que povoam o cérebro humano e uma
possível codificação delas, em um processo de tradução tecnológica para um resulta-
do perceptível como objeto poético e estético, passível de uma experiência sensível.
541
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
542
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O projeto de Rosangela Leote e Daniel Seda traz uma aproximação com a robótica,
contrariando as expectativas de funcionamento de uma tecnologia, agora sub-
missa às interações humanas. Em Inutilidade Mecânica (2016), os artistas colocam
um semiautômato subordinado à aproximação de outros objetos ou pessoas, que
interferem em sua movimentação. Com uma performance totalmente dependen-
te da interação de outros, o autômato também apresenta deslocamentos desa-
jeitados, desequilibrados e por vezes, encontra-se em situações que não conse-
gue mais operar, precisando da ajuda humana para novamente seguir exercendo
sua “função”. A proposta questiona a estrutura de funcionamento e desempenho
perfeitos esperados de um dispositivo tecnológico, à medida em que ele lembra
um organismo vivo que se move diante de seus reflexos e impulsos, percebendo
quem dele se aproxima.
543
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
De modo distinto, na instalação interativa Neuro Body Game (2010/16), a artista Ra-
chel Zuanon propicia que um jogo e um computador vestível reajam à atividade
cerebral do usuário no momento em que ele interage. Na obra, o público pode jogar
uma versão de videogame a partir de suas ondas cerebrais, emoções e movimentos
do corpo, graças ao uso de coletes anatômicos gerados como computadores vestí-
veis, chamados pela artista de “Computador Vestível Afetivo Co-evolutivo”. Quando
eles são colocados junto ao corpo do usuário, reconhecem suas alterações emocio-
nais a partir da medição e análise de seu fluxo sanguíneo, oxigênio e sua resposta
neuroemocional ao jogo.
Finalizando
Uma tendência comum entre os artistas do FACTORS 3.0, diz respeito a uma pesquisa
transdisciplinar que explora também outros campos do conhecimento na produção
544
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
CARROLL, N.; MOORE, M.; SEELEY, W. P. (2011). The Philosophy of Art and Aesthetics,
Psychology, and Neuroscience: Studies in Literature, Music, and Visual Arts. In: SHI-
MAMURA, A. P.; PALMER, S. E. (org). Aesthetic science: connecting minds, brains,
and experience. Nova York: Oxford University Press, p.31-62.
DAMASIO, A. (2018) A estranha ordem das coisas. São Paulo: Cia das Letras.
545
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
546
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rachel Zuanon1
‘Como-Se-Fosse-O-Corpo’: deslocamentos à Empatia na
cooperação Arte-Tecnologia, Neurociência e Computação
Cognitiva
‘As-If-It Was-The Body’: displacements to Empathy in Art-Technology, Neuroscience,
and Cognitive Computing Cooperation
Resumo
A Neurociência explica o sentimento de empatia como uma capacidade intrín-
seca aos mecanismos da consciência e da memória. Nos seres humanos, tais
mecanismos mostram-se altamente sofisticados e, no caso do sentimento de
empatia, ambos articulam-se para a simulação dos estados de outro corpo em
regiões somatossensitivas do cérebro “simulador”, o que Damásio [1-2] denomi-
na “como-se-fosse-o-corpo”. Dessa perspectiva, este artigo aborda a cooperação
entre os campos da Arte-Tecnologia e das Ciências Cognitivas, especialmente
da Neurociência e da Computação Cognitiva (IBM Watson), no processo criati-
vo-poético da obra de arte interativa [POR NÃO SER EXISTINDO]: deslocamentos
à empatia. Esta obra revisita ‘Narciso’ a partir das redes sociais e das plataformas
de banco de dados públicos, em um espaço de co-criação físico-digital (intera-
tor/obra/artista). Mas em contraste ao mito, potencializa o sentimento de em-
patia nos seus interatores por meio da percepção de sua imagem e de si próprio
como algo pleno somente na alteridade.
Palavras-chave: Arte-Ciência-Tecnologia, Computação Cognitiva, Computação
Ubíqua, Co-criação Físico-Digital, Empatia
Abstract/resumen/resumé
Neuroscience explains the feeling of empathy as an ability intrinsic to the mecha-
nisms of consciousness and memory. In humans, such mechanisms are highly so-
phisticated, and in the case of empathic feelings both mechanisms are articulated
to the simulation of the states of another body in somatosensory regions of the
1 Dra. Rachel Zuanon é docente no Curso de Artes Visuais e professora/pesquisadora junto às áreas
de Processo Criativo em Composição Artística e de Arte e Tecnologia, do Instituto de Artes da Uni-
versidade Estadual de Campinas (IA-UNICAMP). Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Gra-
duação em Artes Visuais (IA-UNICAMP) e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura Tecnologia
e Cidade (FEC-UNICAMP). Desde 1998, dedica sua pesquisa à cooperação Neurociência e Processos
Criativos e Projetuais para aplicações em Arte, Arquitetura, Design, Educação e Saúde.
547
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“simulating” brain, what Damásio [1-2] calls “as if it was the body”. From this per-
spective, this article discusses the cooperation between the fields of Art-Technolo-
gy and Cognitive Sciences, especially Neuroscience and Cognitive Computing (IBM
Watson), in the creative-poetic process of the interactive artwork [POR NÃO SER
EXISTINDO]: displacements towards empathy. This artwork revisits ‘Narciso’ from
social networks and public database platforms, in a space of physical-digital co-cre-
ation (interactor / artwork / artist). However, in contrast to the myth, it empowers
the feeling of empathy in its interactors through their perception of their image and
of theirselves as something fully reached only in otherness.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Art-Science-Technology, Cognitive Computing,
Ubiquitous Computing, Physic-Digital Co-creation Environment, Empathy
548
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
549
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
550
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tabela 1: Tons emocionais analisados pelo IBM Watson™ Tone Analyzer [10].
551
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tabela 2: Tons de linguagem analisados pelo IBM Watson™ Tone Analyzer [10].
próprio como algo pleno somente na contínua apreensão da presença e das emo-
ções do outro. Ou seja, no entendimento daquilo que existe no outro, na alteridade,
e no exercício ininterrupto de se deslocar do seu ‘lugar’, da sua visão particular, e se
colocar na perspectiva da visão e do sentimento do outro.
Para iniciar sua experiência em ‘[POR NÃO SER EXISTINDO]’, o sujeito-interator se co-
necta à obra por meio de seu login na rede social ‘Facebook’. Com essa ação, o sujei-
to-interator permite que a obra acesse, em tempo real, seus posts, suas imagens e a
de seus amigos, presentes nesse espaço digital.
552
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
553
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para se deslocar ao próximo nível, o sujeito-interator deve fazer uma escolha dentre
as possibilidades de caminho que cada pétala representa. Ao se posicionar sobre a
pétala escolhida, o segundo nível de opções se abre ao sujeito-interator. Neste nível,
cada pétala é preenchida pelas imagens vinculadas aos perfis dos amigos do usuário
‘logado’. Assim como no ato anterior, seu deslocamento em direção à próxima escolha
leva o sujeito-interator ao terceiro nível. Nele, as pétalas são preenchidas por imagens
coletadas em plataforma de bancos de dados públicos, a partir do estado emocional
identificado nos últimos posts realizados pelo usuário ‘logado’ e interpretado pelo ‘IBM
Watson™ Tone Analyzer’. Ou seja, o estado emocional identificado pelo sistema com-
putacional cognitivo atua como input para a busca de imagens estáticas distribuídas
em bancos de dados públicos, que reforcem a ‘percepção’ do sentimento vivenciado
pelo usuário ‘logado’ e atuem como ‘respostas empáticas’ à emoção identificada. Tais
imagens preenchem as pétalas que compõem o terceiro nível.
554
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
posts realizados pelo usuário ‘logado,’ são empregados agora para direcionar a busca
de imagens gravadas e transmitidas em streaming por bancos de dados públicos.
Nele, a percepção de alteridade e a elaboração de empatia ganham outra dimensão
espaço-temporal, a da presença do outro ‘ao vivo’. Cabe aqui a última escolha do
sujeito-interator, que o levará ao quinto nível.
555
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No fluxo inverso, a obra interativa [POR NÃO SER EXISTINDO] acessa o mito de Nar-
ciso, as redes sociais e as plataformas de bancos de dados públicos pelo seu vetor
oposto: o de fortalecimento da experiência de alteridade e do ato de empatia. Neste
sentido, a obra busca na ação dos deslocamentos físico-digitais e co-autorais (entre
sujeito-interator/sistema computacional ubíquo e cognitivo / artista), o gesto criati-
vo-poético capaz de sensibilizar a percepção da presença do outro, das suas emo-
ções e, em decorrência disso, consolidar o sentimento de empatia.
Conclusão
São inúmeras as crises contemporâneas que ameaçam o equilíbrio homeostático
e, consequentemente a sobrevivência neste planeta: degradação sistemática do
ar, água e solo; catástrofes ambientais e destruição dos ecossistemas; guerras civis;
fluxos migratórios forçados, dentre tantas outras. Apesar da especificidade de seus
contextos, todas elas parecem convergir para uma mesma condição: emergem de
um estado político-social global marcado pela ausência de empatia. Um estado
que ignora as necessidades, os direitos, os sentimentos, as emoções, e o valor da
existência do outro.
Referências
[1] A Damásio (2004). Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimen-
tos. Companhia das Letras, Sao Paulo, SP, Brazil.
[2] A Damásio (2011). E o cérebro criou o homem. Companhia das Letras, Sao Paulo, SP, Brazil.
[3] E Couchot (2019). A natureza da arte: o que as Ciências Cognitivas revelam sobre
o prazer estético. Editora UNESP, Sao Paulo, SP, Brazil.
556
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
[5] V Gallese. Intentional Attunement. The Mirror Neuron system and its role in inter-
personal relations. Available at: <www.interdisciplines.org/mirror/papers/I/version/
original>.
[6] A Cuzzocrea et al. (2011). Analytics over large-scale multidimensional data: the
big data revolution!. Proc. of the ACM 14th international workshop on Data Wa-
rehousing and OLAP, 101-104.
[7] D Nahamoo (2014). Cognitive computing journey. Proc. of the 1st workshop on
parallel programming for analytics applications, 63-64.
[8] R High - IBM Corporation (2012). The Era of Cognitive Systems: An Inside Look
at IBM Watson and How it Works. Redbooks, https://www.redbooks.ibm.com/redpa-
pers/pdfs/redp4955.pdf
[9] O. Gervasi et al. (Eds.) (2017). ICCSA, Part III, LNCS 10406, 718–729. Springer Inter-
national Publishing AG. DOI: 10.1007/978-3-319-62398-6 51
[10] IBM Watson Developer Cloud. Tone Analyzer. Available at: https://cloud.ibm.
com/apidocs/tone-analyzer. Accessed September 09, 2019.
[11] Y Chen, E Argentinis, G Weber (2016). IBM Watson: How Cognitive Computing
Can Be Applied to Big Data Challenges in Life Sciences Research. Clinical Therapeu-
tics, 38(4), 688-701.
[12] JE Kelly III and S Hamm (2013). Smart Machines, IBM’s Watson and the Era of
Cognitive Computing. Columbia University Press, New York, NY, USA.
[14] U Ekman (2012). Throughout: Art and Culture Emerging with Ubiquitous Com-
puting. The MIT Press, Cambridge, MA, USA.
[15] S Poslad (2010). Ubiquitous Computing: Smart Devices, Environments and Inte-
ractions. Wiley, Hoboken, NJ, USA.
[16] Ovídio (1959). As metamorfoses. Organização Simões, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
[18] FLD Bittencourt (2009). Ecos de Narciso: leitura do livro Ecos, de Yêda Schmaltz.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras, Goiâ-
nia, GO, Brazil.
557
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
[20] C Miorin and C Ramos (2005). Narciso e o espelho que revela o belo. Mitos: pers-
pectivas e representações. Alínea, Campinas, SP, Brazil.
[21] JP Vernant (2000). O universo, os deuses, os homens. Companhia das Letras, Sao
Paulo, SP, Brazil.
[22] JP Vernant (1999). Mito e sociedade na Grécia antiga (2nd. ed.). José Olympio,
Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
[25] JS Brandão (1988). Mitologia grega. Volume II. Vozes, Petrópolis, RJ, Brazil.
[29] J Ribeiro Jr (1992). As perspectivas do mito. Pancast Editorial, Sao Paulo, SP, Brazil.
[30] R Cavalcanti (1992). O mito de Narciso: o herói da consciência. Cultrix, Sao Paulo,
SP, Brazil.
[31] M Eliade (1989). Aspectos do mito. Edições 70, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
[32] C Rosset (1988). O real e seu duplo. L&PM, Porto Alegre, RS, Brazil.
[33] R. Caillois (1972). O mito e o homem. Martins Fontes, Sao Paulo, SP, Brazil.
[34] S Freud (1972). Sobre o narcisismo: uma introdução. Obras completas. Volume
XIV – 1914-1916. Imago, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
558
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Esse artigo apresenta uma breve discussão sobre as relações entre neurociência
e experiencias de ENOC (Estados não ordinários de consciência) visando denotar
conexões e correlações entre processos mentais perceptivos enteogênicos e seus
desdobramentos em processos criativos artísticos. A abordagem traz a perspecti-
va da neurociência apoiada nos autores António Damásio (1999, 2000, 2004, 2011
e 2018) e Oliver Sacks (2007 e 1998). A conceituação de enteógenos é apoiada
no etnobotânico Terence Mckenna (2003) e no antropólogo Jeremy Narby (2004).
Sobre a “arte visionária” aponta os artistas pesquisadores Laurence Caruana (2013)
e José Eliezer Mikosz (2014). Como forma de exemplificação de processos cria-
tivos inspirados por ENOC os autores apresentam duas obras, “Cura” (2019) de
Rosangella Leote, obra que alude uma experiência com a bebida ritual xamâni-
ca Ayahuasca e a performance Lupus Noctis (2019), do Ciberpajé (Edgar Franco),
inspirada em uma experiência com a ingestão de cogumelos Psylocibe cubensis.
Palavras-chave: Artes, Ayahuasca, Enteógenos, Neurociência, Processos Criati-
vos, Psylocibe Cubensis.
Abstract
This paper carries a brief discussion about the relationship between neuroscience
and NOSC (non-ordinary states of consciousness) experiences in order to denote
1 Rosangella Leote é Artista/pesquisadora com ênfase na produção entre Arte, Ciência, Tecnologia;
Pós-doutora na Universidade Aberta (Lisboa-PT – Bolsa FAPESP); Doutora em Ciências da Comuni-
cação (ECA/USP- CNPq). É integrante do SCIArts-Equipe Interdisciplinar (Prêmio Sérgio Motta 2000 e
2005). Atua com instalações multimídias interativas; tecnoperformances; esculturas sonoras; objetos
interativos; vídeos e outros. Docente do PPG em Artes e Chefe do Departamento de Artes Plásticas
do Instituto de Artes da UNESP. Email: rosangellaleote@gmail.com. ORCID: 0000-0002-0967-4728.
2 Edgar Franco é o Ciberpajé, artista transmídia, um dos pioneiros brasileiros do gênero poético-fi-
losófico de quadrinhos, e mentor da banda performática Posthuman Tantra. Pesquisador de quadri-
nhos expandidos e criador do termo HQtrônicas, autor de 4 livros acadêmicos e inúmeros artigos,
pós-doutor em arte e tecnociência pela UnB, doutor em artes pela USP, mestre em multimeios pela
Unicamp, professor do PPG Arte e Cultura Visual da UFG, em Goiânia. Atualmente realiza pós-douto-
ramento em artes na Unesp. Contato: ciberpaje@gmail.com.
559
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os estudos sobre o assunto, trazidos por diversos autores (BODEN, 1999; LAURENTIZ,
1991; OSTROWER: 1996; PLAZA & TAVARES, 1998; SALLES, 2006;) nos mostram que os
processos criativos obedecem a etapas, até certo ponto lógicas e, invariavelmente,
imbricadas. Mas, como se poderia elencar as etapas de tais processos quando perpas-
sadas por experiências de estados não ordinários de consciência? E, se há estados ordi-
nários de consciência, o quê eles são nos processos criativos e o quê os diferencia dos
demais estados da mente para o artista? Sem pretender responder a isso, suspeitamos
560
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3 Estamos usando o conceito de Arte Visionária estabelecido por Laurence Caruana (2001), como se
verá mais adiante neste artigo.
4 Fazemos diferença entre as substâncias enteogênicas e as psicodélicas. Ambas causam alteração
dos estados da consciência. Entretanto, as primeiras se destinam aos usos rituais e são de elementos
naturais, enquanto as segundas são sintéticas, causam alucinações severas, e podem causar depen-
dência e outros desequilíbrios ao uso prolongado. Os elementos naturais podem ser plantas, fungos,
animais e bactérias. Esta diferenciação não +e um consenso na literatura sobre o assunto.
561
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O artista e filósofo canadense Laurence Caruana, que foi durante anos aprendiz e
assistente do notório pintor austríaco Ernst Fuchs - um dos fundadores da Vienna
School of Fantastic Realism – criada em 1946, na tentativa de organizar e estrutu-
rar o campo das artes dedicado às criações derivadas de visões obtidas através de
ENOC, escreveu em 2001 o “Primeiro Manifesto da Arte Visionária”. Em 2013 foi um
dos fundadores da Academia de Arte Visionária de Viena, hoje um centro de referên-
cia sobre essa forma de linguagem artística e suas manifestações. Caruana relata no
prefácio da primeira edição francesa de seu manifesto que ele surgiu das intensas
conversações com o mestre da arte fantástica Ernst Fuchs. Nas primeiras páginas
de seu manifesto o artista-pesquisador (2013: 1-2) conceitua o que chama de Arte
Visionária ao caracterizar os artistas visionários:
Os artistas visionários buscam mostrar o que repousa além das fronteiras de nossa percepção.
Através dos sonhos, transes ou estados alternativos, o artista busca ver o invisível (ou o mun-
do dos espíritos) – atingindo um estado visionário que transcende nosso modo ordinário de
percepção. A tarefa que o espera, consequentemente, é comunicar suas visões de forma re-
conhecível como na “visão do dia-a-dia”. […] Todos os artistas visionários estão unidos por um
espírito de experimentação contínua. […] . O objetivo de tais experimentos é trazer os estados
alternativos de consciência para a realidade, ou melhor, dar testemunho de outras realidades
que ficam claras nesses estados.
O contexto criativo da arte visionária, que nasceu na tradição das “Belas Artes”,
sobretudo na pintura e na escultura, tem desde 2001 encontrado ecos em outras
manifestações artísticas contemporâneas. No caso desse artigo, os dois artistas-pes-
quisadores apresentam criações que têm clara inspiração visionária por terem sido
gestadas a partir de experiências de ENOC, mas que se enquadram em linguagens
artísticas contemporâneas, sendo uma das obras um objeto interativo, e outra uma
performance audiovisual transmídia. Mikosz esclarece (2014: 26):
Podemos ver a Arte Visionária como quaisquer realizações visuais, bi ou tridimensionais, realiza-
das em qualquer técnica e suporte. Desde as técnicas tradicionais até as novas mídias eletrônicas,
cinema e animação, sejam estáticas ou cinéticas, figurativas ou abstratas. Na Arte Visionária, o
principal objetivo do artista é representar as visões obtidas nos ENOC. Não se discute aqui a sub-
jetividade relacionada ao gosto, ao valor estético, boa e má arte, arte maior ou menor, contexto
contemporâneo ou atemporal, nem estilos ou técnicas artísticas marcantes e inovadoras.
562
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
arte o surrealismo, que apresentava criações baseadas nas experiência de ENOC com
sonhos dos artistas. Caruana também propõe a existência de 3 categorias, a partir da
representação criadora baseada nas experiências de ENOC e outras. São elas:
2- “quase visionários” os que eventualmente usaram tais experiências, mas não têm
como foco principal a sua revelação através da arte;
É verdade que, ultimamente, alguns psicodélicos (tais como mescalina, LSD, cogumelos e DMT)
têm desempenhado um grande papel na criação de imagens, principalmente devido ao fato de
563
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que eles são novos para a nossa cultura, oferecendo único e inexplorado meio à experiência vi-
sionária. Mas, as fontes de experiência visionária são muitas e variadas: sonhos, sonhos lúcidos,
pesadelos, imagens hipnagógicas, sonhos acordados, estados de transe (provocados pela exaustão,
a privação, ou repetição rítmica de orações ou músicas), estados hipnóticos, de doença, expe-
riências de quase morte, buscas xamânicas de visão, meditação [...], loucura […], o devaneio, a
fantasia, a imaginação, inspiração, visitação, revelação, visões espontâneas, psicodélicos, […] e a
experiência metanoica, trazida pela Arte Visionária em si (CARUANA, 2013: 35).
Como se pode ver, a Arte Visionária tem muito mais realção com os processos criati-
vos em geral do que nos aparece superficialmente.
Macaco drogado
O termo “enteógeno”, criado por Jonathan Ott, Gordon Wasson e Carl A. P. Puck
(OTT, 1993: 15), designa “plantas ou químicos sintéticos e semi-sintéticos que fa-
vorecem experiências místicas” (RODRIGUES, 2014: 78). Ele foi adotado por um
dos maiores investigadores dos efeitos dessas substâncias na consciência e pe-
las experiências de ordem transcendente que suscitam, o etnobotânico Terence
McKenna (1993, 2004). Segundo Mikosz (2014: 44-45), enteógeno é “o que gera
experiência interna do divino”, tem sido usado para desviar os preconceitos que
alucinógeno carrega como algo gerador de perturbações mentais ou meramente
psicopatológico. Terence McKenna (2008: 247) destaca que Wasson, preferia o ter-
mo enteógeno ao psicodélico. A palavra refere-se a uma divindade interna sentida
sob a influência da psilocibina. Entretanto, ela passou a ser utilizada para referir-se
a todas as vulgarmente chamadas “plantas de poder”. Para o xamanismo, em suas
várias linhas, há três tipos de plantas importantes relacionadas à cura5. As plantas
medicinais, as de poder e as mestras (ou professoras). A diferença entre as de po-
der e as mestras é que as primeiras são associadas à cura física e energética por
canais de comunição extrassensórios. Já as segundas envolvem a conexão direta
com o Mundo dos Espíritos e com o Universo, desenvolvendo e fazendo acessar
conhecimentos, além de promover o autoconhecimento, a cura física e a espiritual.
A ayahuasca é feita de duas plantas mestres.
Mikosz (2014: 41-50) trata dos métodos de indução aos ENOC, dividindo-os a par-
tir de diversas formas ou circunstâncias de indução em: “enfermidades e patolo-
gias”, “misticismo e religião”, “relacionados aos sentidos e à mente”, “relacionados
564
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ao dissertar sobre qual seria, para ele, o verdadeiro “elo perdido”, McKenna (2004:
21) emenda:
6 Phantástica se refere à classificação feita em 1924, por Ludwig Lewin, que estabeleceu cinco tipos de
agentes que alteram os estados cerebrais. Conforme Sandro Rodrigues (2014: 65) eles são: Excitantia,
Euphorica, Hypnotica, Inebriantia e Phantastica, que são as alucinógenos. Todavia a classificação não
é estanque, permitindo apenas uma linha de entendimento sobre diferenciações entre os agentes.
565
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
7 A hipótese é bastante controversa, pois não parece haver evidências científicas. Porém, há um
jovem pesquisador, Oscar Olsen, que argumenta tê-las encontrado. (vide item Referências)
566
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O antropólogo canadense Jeremy Narby, que mergulhou durante dois anos na Ama-
zônia Peruana para estudar o xamanismo de tribos dessa região, chama a Ayahuasca
– bebida ritual enteogênica utilizada pelos xamãs – de “televisão da floresta” (NARBY,
2004: 13) devido aos seus efeitos de “miração”, conforme é chamada a experiência
visionária pelos “psiconautas”. Narby chega a afirmar que o complexo saber botânico
desses xamãs e de suas civilizações foi construído a partir da ingestão desse e de ou-
tros enteógenos. A própria Ayahuasca e a maneira como seu princípio ativo funciona
envolve uma complexa mistura entre duas plantas. Ela é feita a partir da Chacrona,
de nome científico Psychotria viridis, uma planta arbórea de caule escuro, juntamen-
te com o cipó amazônico Mariri, de nome científico Banisteriopsis caapi (Figura 2).
Narby (2004, p.13) pergunta “como povos de sociedades primitivas, sem conheci-
mento quer de química, quer de fisiologia, conseguiram encontrar uma solução para
a ativação de um alcaloide por via de um inibidor da monoamina oxidase8. Através
de pura experimentação?”.
Esta bebida ritual tem sido resgatada por seitas contemporâneas que utilizam a tra-
dição ancestral mixada ao cristianismo e outras religiosidades, criando movimentos
sincréticos no Brasil como o Santo Daime, a União do Vegetal e a Barquinha. Também
567
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tem sido adotada por outras congregações que se identificam simplesmente como
praticantes de xamanismo.
Essa divisão em estágios não significa que as pessoas passem sempre por eles, nem
que a passagem de um estado para outro tenha fronteiras rígidas; eles acontecem
de forma gradual. A cultura pode influenciar as expectativas e interesses do indiví-
duo e destacar um ou outro estágio.
Enquanto “Lupus Noctis” surgiu por experiência de ENOC, dirigida de antemão, para
a finalidade criativa, “Cura” foi um resultado não esperado de experiência similar. As
duas obras foram mostradas na exposição Zonas de Compensação 6.0, em maio de
2019 no Instituto de Artes da Unesp, em São Paulo.
568
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Cura”
O desenvolvimento do objeto interativo “Cura” (Figura 3) ocorreu de maneira espon-
tânea a partir de reminiscências da experiência individual de Rosangella Leote com
a Ayahuasca.
De fato, a obra alude, muito mais do que representa, a experiência vivida no primeiro
dos dois rituais de que participou. Ela explica:
Muitos foram os tipos de “mirações” que apareceram. Elas são impossíveis de reproduzir em pa-
lavras. Palavras são armadilhas que criamos. Elas jamais poderão traduzir, à altura, qualquer ex-
periência vivida. Servem apenas para aproximação ao fenômeno. Também não se pode fazê-lo
visualmente, pois a situação é multidimensional. Muitas das “mirações” eram bastante similares
àquelas das artes visionárias. Mas, o momento marcante que se relaciona ao processo criativo da
obra “Cura” foi a intuição durante o ENOC de que era possível fazer a cura de um câncer que um
amigo possuía. Àquelas alturas já se sabia que a gravidade da doença o levaria à morte11.
No momento da consciência expandida, pareceu-me que a cura era possível. Então visualizei – de
propósito – a imagem do tumor e quis fazer uma limpeza, através da mente, destruindo-o. Neste
momento, idealizei cristais que surgiam enquanto a doença se dissolvia, desmanchando-se em
líquido viscoso e preto. As imagens eram vívidas e lindas, pois havia o brilho e os cristais. Mesmo
o tumor era vibrante. A decepção surgiu quando, por mais que eu quisesse controlar, a doença
ganhava força, “engolindo” os cristais. Então, compreendi a impotência em que me encontrava na
situação. Este foi o momento preciso que fundamentou a obra, pois ali mesmo percebi que isto
tinha que ser levado “para fora” da minha mente.
10 Pesquisa da USP de Ribeirão Preto (Jaime Hallak) e da UFRN (Dráulio Barros de Araújo). O outro
lado da ayahuasca, Revista FAPESP nº 275, pp 64-65, janeiro de 2019. Disponível em https://revista-
pesquisa.fapesp.br/2019/01/10/o-outro-lado-da-ayahuasca/. Acessado em 04 de fevereiro de 2019.
11 Infelizmente ele faleceu cerca de 3 meses depois.
569
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A obra se compõe de uma parte bruta, com aspecto de pedra e modelada em resina,
representando a doença, outra parte translúcida, feita com hastes de plástico mon-
tadas como um cristal, representando a cura e uma terceira, de vidro e ferro fluído
vermelho que era movido pela ação do interator com o uso de imãs, representando
o fluxo contínuo entre a doença e a cura. O grupo de elementos estão em uma caixa
que é girada pelo interator (Figura 4), antes te começar cada interação, fazendo com
que todas as interações resultem em uma cura, pois o líquido sempre terá que ser
retirado para que o “cristal” (Figura 5) apareça12.
12 Uma parte da obra não foi completada para a exposição, impedindo que o giro da caixa não
pudesse ser utilizado.
570
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
571
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Importa destacar que este trabalho não tem correlação imediata da forma com as
obras anteriores da artista, todavia, seu funcionamento é totalmente coerente com
a poética por ela desenvolvida.
Isto faz ver que o comprometimento com o ritual não afetou a natureza da proposi-
ção artística e apenas serviu de um estopim para o processo de construção da obra,
pois o processo criativo já estava latente na consciência autobiográfica, que é discu-
tida mais adiante neste texto.
“Lupus Noctis”
A semente criativa para a geração da performance “Lupus Noctis” (Figura 6) surgiu
de uma experiência de ENOC com o enteógeno Psilocybe cubensis realizada por Ed-
gar Franco (Ciberpajé) em dezembro de 2017. Conforme suas palavras
“experimentou um profundo estado de conexão com toda a fauna e flora do bioma Cerrado,
sentindo uma espécie de enraizamento essencial” que lhe permitiu, segundo relato feito em
palestra, “um diálogo intenso com plantas e animais, sentindo-me como parte deles e experi-
mentando algumas de suas sensações, como o prazer do voo das aves, o pulsar da seiva de um
Buriti centenário. Nesse diálogo - inexprimível em palavras -, além do êxtase da reconexão atávica
transcendente com o Cerrado, experimentei uma sensação de angústia pela destruição completa
iminente desse bioma fundamental para a biosfera. Essa experiência foi permeada por visões de
grande impacto e outras sensações sinestésicas, com destaque para uma ampliação dos órgãos
dos sentidos que chegava ao paroxismo e à hiperestesia”.
Esta experiência gerou múltiplos desdobramentos artísticos para Edgar, com destaque
para o roteiro do álbum em quadrinhos Ecos Humanos, que gerou depois a performance
“Lupus Noctis” do “Posthuman Tantra”13, grupo performático liderado pelo artista. A per-
formance foi realizada pelo Ciberpajé (Edgar Franco) e pela I Sacerdotisa (Rose Franco).
Ao escrever o roteiro para Ecos Humanos, o artista aliou múltiplos elementos à estru-
tura narrativa baseada na experiência com o enteógeno. A narrativa completamente
muda, criada apenas pela sequência de imagens, para metaforicamente representar
a inutilidade da linguagem escrita na tentativa de explicar a experiência de ENOC.
O álbum de quadrinhos “Ecos Humanos”, de 72 páginas, teve arte de Eder Santos e
roteiro do Ciberpajé, e foi lançado em 2018 pela Editora Reverso.
13 Em seu contexto ritualístico o “Posthuman Tantra” coloca-se não apenas como um grupo perfor-
mático artístico, mas como uma força mágica de transmutação, assumindo-se tecnoxamânico, unin-
do de maneira singular aspectos da cultura ancestral nativa das tribos brasileiras, sobretudo suas
percepções transcendentes através da incorporação de totens míticos animais e vegetais nos rituais
de cura e energização - as chamadas “pajelanças”- às novas perspectivas pós-humanas abertas pela
criação e incorporação de mundos digitais, cosmogonias computacionais possibilitadas pelo amplo
universo das imagens numéricas e da hipermídia.
572
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Lupus Noctis” foi nomeada assim devido à presença subliminar do totem Lobo, que
é incorporado nas performances pelo Ciberpajé e nesse caso temos a imagem da ca-
beça do lobo-guará – ícone do Cerrado – sendo uma das imagens animadas (Figura
7) que abrem a performance, passando por transmutações que lembram efeitos óti-
cos da experiência visual de ENOC com o cogumelo.
573
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 7 – Lobo-guará e crânio. Duas das imagens criadas por Edgar Franco para o álbum “Ecos
Humanos” que faziam parte da performance. Fonte: o autor.
574
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 8 – Momento próximo do final da performance onde o Ciberpajé aparece ao centro, diante
da projeção, acionando o teremim em seu peito com a lanterna. Foto: Rosangella Leote, 2019.
Consciência ampliada
Para os iniciados nas curas pela natureza, a Ayahuasca conduz a um estado de cons-
ciência ampliada, expandida. Neste estado, as percepções são acuradas, pois todos
os sentidos se encontram mais abertos, potencializando a experiência com o mundo
interior e ao redor.
575
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Aqui, entra como justificativa o conceito de consciência que aplicamos. Nos parece
adequado o modelo que é oferecido por Antônio Damásio (1999, 2000, 2004, 2011 e
2018), desde que se pode concluir, a partir dele, que a consciência não está alocada, de
forma estanque, em uma camada da mente. Pelo contrário, ela é composta de fluxos
que se alternam sem uma lógica apreensível, e isso acontece continuamente. Damásio
fornece a ideia de que há dois tipos de consciência: a “consciência central” e a “consci-
ência autobiográfica” (ele também a chama de ampliada). Resumindo o pensamento
de Damásio, Luiz Augusto Rosa (2018: 97) destaca que “a consciência central não de-
pende de linguagem (...) [e] é bem esperado que não houvesse linguagem sem cons-
ciência central. Já a consciência autobiográfica depende extensamente da linguagem
(...) [e] é provável que (...) seja uma característica exclusivamente humana”.
Porém, ele alerta que qualquer estado alterado destitui a consciência, como se
vê a seguir.
As imagens da mente – sons imagens visuais, sentimentos etc – são formadas de modo apropria-
do, exibidas com clareza e examináveis. Não o seriam se você estivesse sob a ação de moléculas
“psicoativas”, como álcool e drogas psicodélicas. No teatro da sua mente (...) a cortina está aberta
os atores no palco falando e movendo-se, as luzes acesas, os efeitos sonoros ligados e - eis a parte
crucial da montagem – há uma plateia: você. (...)
O fato inegável, porém, é que tudo isso acontece como se existisse o um teatro ou uma enorme
tela de cinema, e como se existisse um eu ou com você na plateia. É perfeitamente aceitável cha-
mar isso de ilusão, desde que reconheçamos que existem firmes processos biológicos por trás
disso (...) não podemos meramente desconsiderá-la, como se ilusões não tivessem importância.
(Damásio, 2018: 168-169).
Observamos que nesta fala ele não coloca o limite de distância em que este “eu pla-
teia” se encontra. Acontece que se a experiência enteogênica se dá com a percepção
de que ela [a experiência] está acontecendo. Se há memórias que armazenamos dela,
que podem gerar autoconhecimento e inclusive formas de arte, poderíamos dizer
que a vivência não foi consciente?
576
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O que dizer do fato de que as experiências místicas podem trazer à tona memórias
resguardadas na consciência ampliada? Se uma nova memória é produzida - sobre
a experiência vivenciada - poderíamos dizer que o estado “místico” não era conscien-
te? Este ponto é crucial para defendermos a ideia de que há, sim, um nível importan-
te de consciência – que se torna central - nestas situações, embora isto seja tratado
com preconceitos por muitos cientistas. Parece não ser o caso de Damásio, já que
ele aborda com cuidado tais aspectos e, como ele não discute o assunto de estados
não ordinários de consciência, não se pode inferir que ele descarte o valor do tema.
Oliver Sacks (2007: 159) comenta sobre uma experiência que vivenciou em 1965 e
que pode ser comparada as experiências de criação aqui apresentadas. Ele diz:
Na época, assim como certo o número de estudantes de medicina e residentes, eu vinha to-
mando grandes doses de anfetaminas. Por duas semanas, me vi de posse de várias habilidades
extraordinárias, que normalmente eu não possuía (...). Eu não só podia identificar todas as pes-
soas, minhas conhecidas, pelo cheiro, mas também manter imagens visuais muito precisas que
estavam em minha mente e desenhá-las no papel, como se usasse uma câmara clara. Minhas
capacidades de memória e transcrição musical intensificaram-se acentuadamente, e eu conse-
guia reproduzir melodias complexas no piano depois de ouvi-las uma única vez. Mas, meu de-
leite com esses recém encontrados poderes e com o mundo de sensações muito intensificadas,
arrefeceu quando constatei que o pensamento abstrato estava extremamente comprometido.
Décadas depois, ao ler sobre os pacientes de Bruce Miller e os experimentos de Allan Snyder,
desconfiei que as anfetaminas pudessem ter causado uma desinibição transitória do lobo tem-
poral e uma liberação de habilidades de savant.
14 Poderia ser argumentado que os psicoativos, na verdade, provocam a ilusão de aguçamento dos
sentidos. Mas, esta é uma discussão que poderá ser tratada em outro momento.
577
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Compartilhamos a certeza de que a arte tem inúmeros caminhos para ser realizada e
estabelecer limites entre níveis de consciência para validar as poéticas é uma atitude
limitadora. Recusamos este tipo de atitude.
O processo criativo tem suas próprias etapas. Estas, embora reconhecidas na litera-
tura, não têm uma clareza sobre como uma ideia incubada se torna disponível para a
consciência e faça com que o processo criativo se complete. As artes, de qualquer es-
pecialidade, muito foram provocadas por sentimentos de alegria, dor e êxtase. Qual
diferença faria se o propulsor fosse um conjunto destes sentimentos modificados
pela situação ritualística ou por outros modelos de utilização de psicoativos?
Iván Izquierdo (2015)15 diz que há mais relação entre obsessão e criatividade do que
entre criatividade e Q.I. e que um alto Q.I. indica boa memória, mas o inverso não é
válido. Ora nem a inteligência é relevante para se criar. Entretanto a memória – como
armazenamento de experiências, portanto sentimentos - é fundamental para aten-
der a criação.
Isto nos faz retornar a Damásio: se seguirmos suas explicações sobre consciência
expandida – que é composta também por memórias – nos parece que um estado
alterado de consciência poderia ser a ampliação daquilo que ele chama Self auto-
biográfico que nada mais é do que a estrutura individual da consciência autobio-
gráfica. Ou seja, para nós, uma experiência em estado não ordinário de consciência
é uma possibilidade de acessar facetas deste self que não está sempre disponí-
vel ao domínio da consciência central. Ronaldo Bispo (2007: 298) explica o self de
acordo com Damásio:
(...) o sentido do self surge na exibição consistente e reiterada de algumas de nossas me-
mórias pessoais, os objetos de nosso passado pessoal, aqueles que podem facilmente dar
substância a nossa identidade, momento a momento. A consciência é, assim, tanto em seu
modo central como ampliado, um sentimento de algo a ser conhecido, um fenômeno mental
sustentado por circuitos e sistemas neurofisiológicos que garantem ao indivíduo um sentido
do self complexo e duradouro.
15 Palestra Memória e Criatividade do Prof. Iván Izquierdo em vídeo. Trecho dito aos 49 minutos
da gravação. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=OnJNbN4AvP8. Acessado em
01/07/2019.
578
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nos parece certo propor que a Arte se faz com todo este repertório de consciência.
Agradecimentos
Agradecemos à FAPESP pelo auxílio à Rosangella Leote para a viagem e participação
no evento bem como pelos apoios que, parcialmente, resultaram nesta pesquisa. Res-
salto que sem o contínuo estímulo e discussão com os integrantes e colaboradores
do GIIP (Grupo Internacional e Interinstitucional de Pesquisa em Convergências entre
Arte Ciência e Tecnologia) e do PPG em Artes do Instituto de Artes da Unesp. Agradeço
também à Cláudio Yutaka, pelos comentários que enriqueceram este texto.
Referências:
Araújo, T. (2018). A revolução que pode dar certo. Revista TRIP, edição 274. São Pau-
lo: Trip Editora e Propaganda. Disponível em https://revistatrip.uol.com.br/trip/lsd-
-mdma-e-ayahuasca-podem-ajudar-a-curar-dependencias-quimicas. Acessado em
02/02/2019.
Boden, M. (org) (1999). Dimensões da criatividade. Trad. Pedro Theobald. Porto Ale-
gre: Ed. Artes Médicas.
579
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Damásio, A. (1999). The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making
of Consciousness. London: Heinemann.
Damásio, A. (2011). E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras.
Damásio, A. (2018). A estranha ordem das coisas. São Paulo: Companhia das Letras.
Filoni, M. (2012). A nossa mente é como uma sinfonia’. Entrevista com Antônio Damá-
sio. Tradução Sbardelotto, M. Publicação original: jornal La Repubblica, 18-04-2012.
Versão traduzida disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/508701-a-nos-
sa-mente-e-como-uma-sinfonia-entrevista-com-antonio-damasioE. Acessado em
03 de abril de 2019.
Kolbert, E. (2015). A Sexta Extinção – Uma História Não Natural, Rio de Janeiro:
Intrínseca.
Marby, Jeremy. (2004). A Serpente Cósmica, o ADN e a Origem do Saber, Lisboa: Via Optima.
580
Arte e Biologia: Distopias
e Utopias #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
McKena, T. (1993). Alucinações Reais: Uma viagem cósmica inspirada pelo uso das
plantas de poder, Rio de Janeiro: Nova Era.
Mikosz, J. E. (2014). Arte Visionária – Representações visuais nos Estados Não Ordiná-
rios de Consciência (ENOC), Curitiba: Editora Prismas.
Naranjo, Claudio. (2015). Ayahuasca: a enredeira do rio celestial, Simões Filho BA: Kalango.
Sacks, O. (1998). The Man Who Mistook His Wife for a Hat: and other Clinical Tales.
New York: Touchstone.
Zaccaro, N. (2018). Cérebro é potência. Revista TRIP, edição 274. São Paulo: Trip Editora
e Propaganda. Disponível em https://revistatrip.uol.com.br/trip/surf-porno-e-religiao-
-sao-capazes-de-provocar-no-cerebro-os-mesmos-efeitos-que-alucinogenos. Acessa-
do em 02/02/2019.
581
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Matéria e Memória
Matter and Memory
582
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O bordado da Madeira é um dos principais elementos do patrimônio histórico
e cultural da Ilha da Madeira, em Portugal. Verifica-se, contudo, que o número
de madeirenses que continuam a se empenhar a esta arte tem se tornado cada
vez menor. Além disso, soma-se o fato de que as bordadeiras da Madeira ainda
ativas são, em sua maioria, já idosas. Nesta perspectiva, existe a preocupação de
que esse ofício esteja caminhando para a sua extinção. Partindo da identificação
deste problema, este estudo tem o objetivo de apontar possíveis maneiras de
contribuir para a preservação do bordado da Madeira, considerando, para isso,
algumas peculiaridades do atual contexto social de hiperconectividade. A im-
portância das tecnologias digitais e, em especial, da Internet, para a preservação
de memórias e para a disseminação de conhecimentos, na contemporaneidade,
é tomada como um fator de destaque. Neste sentido, buscou-se explorar a hipó-
tese de que essas tecnologias teriam o potencial de contribuir para a continui-
dade de ofícios tradicionais, como o bordado da Madeira.
Palavras-chave: bordado da Madeira, memória, tecnologias digitais, Internet, hi-
perconectividade.
583
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
Madeira embroidery is one of the main elements of the historical and cultural
heritage of Madeira Island, in Portugal. However, the number of Madeirans who
continue to engage in this art has become smaller and smaller. In addition, the
fact that the still active embroiderers of Madeira are mostly elderly. From this per-
spective, there is concern that this craft is heading towards its extinction. From
the identification of this problem, this study aims to point out possible ways to
contribute to the preservation of Madeira embroidery, considering, for this, some
peculiarities of the current social context of hyperconnectivity. The importance of
digital technologies and, in particular, the Internet, for the preservation of mem-
ories and for the dissemination of knowledge in contemporary times, is taken as
a prominent factor. In this sense, we sought to explore the hypothesis that these
technologies would have the potential to contribute to the continuity of tradition-
al crafts such as Madeira embroidery.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Madeira embroidery, memory, digital technol-
ogies, Internet, hyperconnectivity.
Introdução
O bordado é um dos mais expressivos elementos do patrimônio cultural da Ilha da
Madeira, em Portugal. Além de configurar-se como uma tradição local, trata-se de
uma arte internacionalmente apreciada e reconhecida pela riqueza de detalhes in-
vestida em seus produtos, que lhes confere beleza e qualidade singular.
Trata-se de um ofício cujo domínio demanda tempo e cuja prática, por requerer
muitas horas de trabalho e constante repetição de movimentos, além de exímias
habilidades, pode ser considerada altamente desgastante. Por isso, embora os
produtos finais possam apresentar preços elevados aos olhos de quem compra,
considerando as incontáveis horas dedicadas ao desenvolvimento de cada peça e,
também, que a cadeia produtiva do bordado da Madeira conta com outros agen-
tes, além das bordadeiras, os valores a elas repassados acabam sendo considera-
velmente baixos.
584
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dois anos depois, nada parece indicar que o quantitativo de três mil bordadeiras
apontado pelo IVBAM em 2017 tenha aumentado. Pelo contrário, embora não haja
evidência empírica desta suposição, o número de artesãs do bordado da Madeira
parece ter diminuído ainda mais. Além disso, soma-se o fato de que a maior parte
das bordadeiras que ainda persistem neste ofício já são idosas. Constata-se, portan-
to, que o bordado da Madeira vive, atualmente, o momento mais crítico da sua his-
tória. Neste sentido, existe o medo de que essa arte, tão rica e representativa dos 600
anos da Ilha da Madeira, esteja caminhando, a passos largos, à sua extinção.
Em seguida, parte-se para uma análise das relações de convergência entre práticas
artesanais e tecnologias digitais no atual contexto de hiperconectividade. Para isto,
são trazidos alguns apontamentos sobre a conjuntura da sociedade em rede, descri-
ta por Manuel Castells (2015; 2016), e apresenta-se algumas das implicações positi-
vas que este paradigma social tem suscitado em termos de valorização do artesanal,
sobretudo em meio às gerações mais jovens.
585
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em sua atual configuração, essa arte caracteriza-se como uma mistura adaptada de
alguns bordados tradicionais, que abrange, além de seus pontos originais, pontos
herdados de bordados portugueses mais antigos, bem como pontos do bordado
inglês e do bordado francês. Dentre os pontos mais amplamente empregados no
bordado da Madeira, destacam-se os granitos, os ilhós, os caseados, os bastidos, os
pontos de crivo, o richelieu, o ponto sombra, o ponto chão e as cavacas3.
As peças desenvolvidas são diversas, compreendem desde artigos para cama, mesa
e banho, até peças de vestuário, sobretudo destinadas a mulheres e crianças. Desta-
cam-se, contudo, as toalhas e os acessórios de mesa, bem como os jogos de cama,
todos amplamente apreciados pelo mercado nacional e internacional.
Em grande parte, este destaque conferido às peças para cama e mesa, comuns em
enxovais de casamento, se deve ao destino social atribuído, por séculos, à classe
feminina: de ser mãe, esposa e encarregada dos serviços do lar. As madeirenses não
eram exceção. Quando meninas, cresciam aprendendo as prendas do lar e ajudando
suas mães e familiares a cuidar das crianças mais novas, até o momento em que
estivessem aptas a constituir seus próprios lares e famílias.
3 Para informações sobre as características de cada um destes pontos, consultar VIEIRA, 2006 e/ou
o https://www.bordal.pt/pontos.
586
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que neste momento, após anos de “treinamento” junto às suas mães e familiares,
deixava a casa de seus pais para constituir e cuidar de suas novas famílias e casas.
O bordado da Madeira, por sua vez, era considerado um labor “feminino” e, até mea-
dos do século XIX, eminentemente destinado à produção caseira. Entre as mulheres
mais abastadas, bordava-se por lazer, e a prática do bordado servia para a promoção
de encontros entre as senhoras deste núcleo social. Por outro lado, entre as mulheres
de menor poder aquisitivo, o bordado era um meio de atribuir aos seus vestuários
simples um aspecto diferenciado, de presentear entes queridos e, principalmente,
de conferir toques especiais à decoração do lar (GARRIDO, 2015; VIEIRA, 2006).
Foi somente a partir da segunda metade do século XIX que os produtos do bordado
da Madeira passaram a ser amplamente comercializados, conquistando o mercado
britânico e, em seguida, extendendo-se a outros países europeus, alguns países ára-
bes e aos Estados Unidos (VIEIRA, 2006). Estes produtos tornaram-se, então, artigos
de luxo, e passaram a ser altamente demandados.
Qualquer que seja o parâmetro adotado, contudo, o problema de se atribuir uma pers-
pectiva industrial a uma produção artesanal que exige, além de exímias habilidades
técnicas, muitas horas de dedicação exclusiva, permanece o mesmo: se contrastado
às horas de trabalho por elas dedicadas à produção de cada peça, o valor pago às
4 Conforme aponta Georgina Garrido (2015), com a demanda comercial do bordado da Madeira,
surgiram novas profissões atreladas à sua atividade, além das bordadeiras. Dentre estas profissões,
destacam-se os desenhadores, os picotadores, os estampadores, dos agentes e os comerciantes.
587
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
bordadeiras é, e sempre foi, baixíssimo, ainda que o preço do produto final pareça alto
aos olhos de quem compra.
Em um primeiro momento, é possível que isto não as tenha incomodado, pois, con-
forme mencionou-se anteriormente, o destino social atribuído às mulheres, à época,
resumia-se a ser mãe, esposa e encarregada dos serviços do lar – isto é, a exercer
trabalhos domésticos não remunerados. É plausível, portanto, que receber alguma
quantia, por menor que fosse, em troca de um serviço que, embora trabalhoso, po-
deria ser conciliado aos afazeres domésticos, fosse considerado vantajoso.
Além disso, durante a primeira metade do século XX, marcada por duas guerras
mundiais, as rotas comerciais da Ilha da Madeira foram imensamente prejudicadas,
fazendo com que a importação de matérias-primas para a confecção dos bordados
se tornasse difícil, assim como a exportação dos produtos prontos aos seus merca-
dos de destino (VIEIRA, 2006). Neste período, a demanda pelos bordados da Madeira
também diminuiu significantemente, em virtude da crise econômica que se instau-
rou em todo o mundo (ibidem).
Ainda que não haja dados mais recentes que comprovem que o número de borda-
deiras em atividade tenha diminuído, ainda mais, de 2017 para o ano atual (2019),
nada parece indicar que a brusca queda apontada pelos últimos dados disponíveis
tenha sido revertida. Outro dado alarmante é o fato de que a maior parte das atuais
bordadeiras madeirenses já são idosas. Neste sentido, constata-se o perigo de que a
continuidade deste ofício esteja limitada ao tempo de vida que resta às suas artesãs.
588
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É importante, entretanto, ressaltar que, se comparado aos 600 anos de história por
trás desta arte7, o caráter de atividade econômica é algo relativamente novo para
o bordado da Madeira. Vale enfatizar, ainda, que embora a mercantilização desta
atividade tenha sido, precisamente, o que fez com que ela adquirisse notoriedade
mundial e, em um primeiro momento, também tenha sido o principal fator de atra-
ção do alto contingente de bordadeiras registrado na segunda metade do século
XIX, pouco tempo depois, as consequências da incorporação capitalista tornaram-se
os principais motivos do desinteresse pela continuidade dessa prática artesanal.
5 Segundo Anthony Giddens (2010), o conceito de tradição, tal como conhecido atualmente, é uma
criação recente, que data dos últimos 200 anos. Como costumes inventados e transmitidos de geração
em geração, o autor explica que as tradições sempre existiram, porém, até a modernidade, não havia
a necessidade do termo, precisamente porque as tradições e os costumes estavam em toda parte.
6 Embora as mulheres tenham sido, ao longo da história, e sejam, ainda hoje, maioria entre os pra-
ticantes do bordado da Madeira, ressalta-se que esta arte não é uma exclusividade feminina. De
acordo com Vieira (2006), a popularidade conquistada pelo bordado, sobretudo a partir do século
XIX, fez com que a sua prática se tornasse comum também entre os homens madeirenses, extenden-
do-se às famílias como um todo.
7 Conforme apontou-se no tópico anterior, embora tenha surgido concominantemente ao povoa-
mento da Ilha da Madeira, no século XV, o bordado da Madeira tornou-se uma atividade comercial
somente a partir da segunda metade do século XIX.
589
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Não existe, entretanto, jornada determinada para o trabalho do lar. Nele, tampou-
co há diferenciação entre casa e trabalho, ou seja, entre o ambiente no qual o in-
divíduo desempenha a sua atividade laboral e o seu ambiente de descanso. Por
isso, quando integradas às rotinas das donas de casa, as práticas artesanais, como
o bordado, o tricô e o crochê, concedem intervalos aos afazeres domésticos. Ao
desempenhá-las, a praticante, estando com suas duas mãos ocupadas, desliga-se,
necessariamente, de outras atividades manuais – e, muitas vezes, a concentração
dedicada à atividade resulta em uma breve abstração do real. Assim, as artes ma-
nuais podem ter efeito terapêutico, sendo interpretadas como meios de fuga mo-
mentânea das preocupações da vida.
Estes ofícios, contudo, deixam de ser interpretados de forma positiva quando são
incorporados a uma perspectiva eminentemente capitalista. Isto ocorre não só pela
desvalorização que o produto artesanal sofre ao se tornar mercadoria, mas também
porque o processo artístico tem seu aspecto terapêutico, de fuga das obrigações
590
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Além disso, devido às limitações criativas que a produção sob demanda costuma
impor ao artesão, aliada à pressão dos prazos estabelecidos para a entrega dos
produtos encomendados, a apropriação mercadológica do artesanal tende a in-
fluenciar negativamente o que Jack Bratich e Heidi Brush (2011, p. 234) chamam
de communal craft circle, que seria a habilidade de produzir comunidades a partir
da produção e da distribuição de artefatos oriundos de práticas artesanais. Estas
comunidades proporcionam espaços significativos não só para a troca de conhe-
cimentos técnicos, mas também para o desenvolvimento de processos criativos e,
sobretudo, para a interação social.
8 Segundo Castells (2015, p. 70), a sociedade em rede consiste em uma estrutura social construída
em torno de “redes ativadas por tecnologias de comunicação e de informação processadas digital-
mente e baseadas na microeletrônica”.
9 Ainda que as tecnologias de comunicação e informação que sustentam a atual configuração da
sociedade em rede tenham potencial de alcance global – “pois têm a capacidade de se reconfigurar
de acordo com as instruções de seus programadores, ultrapassando fronteiras territoriais e institu-
cionais por meio de redes telecomunicadas de computadores” (CASTELLS, 2015, p. 70-71) –, isso não
significa dizer que todas as pessoas estejam incluídas nestas redes. Atualmente, inclusive, ainda que
a sociedade em rede seja a estrutura social hegemonicamente vigente, é importante destacar que
os excluídos ainda são maioria.
591
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para alguns indivíduos, essas novas possibilidades vêm sendo interpretadas como
oportunidades de recuperação do communal craft circle (BRATICH & BRUSH, 2011),
ou seja, da habilidade de produzir comunidades a partir da produção e da distribui-
ção de artefatos artesanalmente produzidos.
Destaca-se, ainda, que, embora sejam, em geral, constituídas por meio da Internet e
das redes sociais, essas comunidades não se restrigem ao ambiente virtual (BRATICH
& BRUSH, 2011; MINAHAN, 2006). É comum, inclusive, que a Internet seja utilizada
para a organização e promoção de eventos presenciais, que costumam ocorrer em
locais públicos, como bares e cafés.
Além disso, com a ampliação dos espaços de debate e das possibilidades de acesso a
informações, suscitada pelo desenvolvimento da Internet, diversos assuntos de im-
portância social, antes bastante restritos à esfera acadêmica, passaram a ser pauta-
dos com mais frequência nas conversas cotidianas. Com isto, observa-se que muitos
indivíduos têm se posicionado contrariamente a traços que configuram a cultura es-
tabelecida pelo capitalismo industrial – como o fast fashion, o consumo exacerbado
e a naturalização da exploração inescrupulosa do trabalho humano e dos recursos
naturais em prol do abastecimento do mercado.
10 Para designar esta apropriação expressamente política do fazer artesanal, uma ampla variedade
de termos tem sido utilizada. Dentre os mais recorrentes, destacam-se craftivism, indie craft, yarn
bombing e punk DIY (HACKNEY, 2013). Para mais informações sobre estes movimentos, ver HACKNEY,
2013; GARBER, 2013; BRATICH & BRUSH, 2011; VON BUSCH, 2010; entre outros autores.
592
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Outro ponto interessante é que, neste contexto, as questões ambientais são temas
bastante recorrentes. Isto se dá não só pelo fato de que os efeitos da intervenção
593
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Destaca-se, ainda, que embora o acesso a muitos desses conteúdos seja inteiramen-
te gratuito, a popularização do interesse pelas práticas artesanais tem, também, feito
crescer a oferta de cursos e padrões pagos, criando uma nova possibilidade de ex-
ploração mercadológica deste nicho. As plataformas disponíveis para a comerciali-
13 Como exemplo, pode-se citar as preocupações relacionadas às condições de trabalho que de-
terminada empresa proporciona aos seus trabalhadores e à gestão dos resíduos gerados por seus
processos produtivos.
594
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
zação e a disponibilização deste tipo de produto são diversas14, assim como são as
plataformas empregadas para a comercialização de produtos prontos15.
14 Para padrões, destaca-se o site Ravelry, que além de permitir compra e venda de produtos pa-
gos, possibilita a disponibilização gratuita de determinados produtos, caso esta seja a opção do
seu criador, e permite que os seus usuários se comuniquem entre si. Para cursos online, utiliza-se
plataformas como Hotmart e Eduk.
15 Como o site Etsy, mais especificamente direcionado a produtos artesanais e a materiais para a pro-
dução deste tipo de produto. Destaca-se, contudo, que a comercialização desses artefatos também
ocorre em plataformas de vendas online mais abrangentes, como o Ebay.
16 Associada a outras tecnologias digitais, pois a característica hipermidiática desta plataforma
somente pode ser explorada com o auxílio de outras tecnologias.
595
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
para garantir a sua continuidade. Para que esta arte não seja extinta, é necessário
que os conhecimentos das suas bordadeiras sejam transmitidos e, para que esta
transmissão ocorra, é preciso conquistar o interesse de possíveis herdeiros.
Neste sentido, acredita-se que a Internet, aliada a outras tecnologias digitais, tem o
potencial de contribuir substancialmente não só para a preservação memorial do
bordado da Madeira, como já vem fazendo, mas também para que os seus 600 anos
de história não sejam, em breve, estacionados e, até mesmo, para fortalecer o seu
espaço em meio ao mercado consumidor.
É preciso, contudo, que esta arte se faça mais presente online, direcionando esfor-
ços, em um primeiro momento, à conquista do interesse das gerações mais jovens
e, em seguida, à transmissão de conhecimentos e técnicas, de modo a incentivar a
sua continuidade. Além disso, tornar-se parte da atual handmade hype (VON BUSCH,
2010), pode fazer, inclusive, com que o bordado da Madeira passe a ser visto, pelos
próprios jovens madeirenses, como mais do que uma atividade econômica mal re-
munerada – talvez, até mesmo, como uma oportunidade comercial.
Referências
AGÊNCIA LUSA (2017). Há apenas três mil bordadeiras na Madeira. Disponível
em: https://www.dnoticias.pt/madeira/ha-apenas-tres-mil-bordadeiras-na-madei-
ra-CE2071235#. Acesso em: 04 set. 2019.
BRATICH, J. Z.; BRUSH, H. M. (2011). Fabricating activism: craft work, popular cultu-
re, gender. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/305758566_
Fabricating_Activism_Craft-Work_Popular_Culture_Gender. Acesso em: 04 set.
2019.
____ (2016). A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª edição.
596
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
CRAWFORD, A (1997). Ideas and Objects: The Arts and Crafts Movement in Britain.
Disponível em: https://www.jstor.org/stable/1511584?read-now=1&refreqid=excel-
sior%3Aedd03c77b6cb090bb95ea037f2b28214&seq=2#page_scan_tab_contents.
Acesso em: 04 set. 2019.
HACKNEY, F. (2013). Quiet activism and the new amateur: the power of home and
hobby crafts. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/272145905_
Quiet_Activism_and_the_New_Amateur_The_Power_of_Home_and_Hobby_Crafts.
Acesso em: 04 set. 2019.
KRUGH, M. (2014). Joy in labour: the politicization of craft from the Arts and Crafts
movement to Etsy. Disponível em: https://www.utpjournals.press/doi/full/10.3138/
CRAS.2014.S06. Acesso em: 04 set. 2019.
TORREY, C.; CHURCHILL, E. F.; MCDONALD, D. W. (2009). Learning how: the search for
craft knowledge on the Internet. Disponível em: https://www.researchgate.net/pu-
blication/221515952_Learning_how_The_search_for_craft_knowledge_on_the_in-
ternet. Acesso em: 04 set. 2019.
VON BUSCH, O. (2010). Exploring net political craft: from collective to con-
nective. Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/content/intellect/
crre/2010/00000001/00000001/art00007;jsessionid=74g25jhoeu5te.x-ic-live-01.
Acesso em: 04 set. 2019.
597
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A percepção do espaço e tempo na sociedade contemporânea se transforma à medi-
da que novas tecnologias são inseridas no cotidiano das pessoas, revolucionando as
formas de comunicação e interação. Devido ao uso de smartphones e computadores,
o usuário interage com o espaço estabelecendo uma rede de conexões infinitas, con-
figurando uma arquitetura que promove maior interatividade. Portanto, a concepção
de espaço é relativizada, acarretando numa alteração dos parâmetros de quantifica-
ção do tempo. A percepção temporal, marcada pela efemeridade e velocidade dos
acontecimentos, não se caracteriza apenas pela mensuração quantitativa do tempo
mas adquire um caráter qualitativo. O tempo é percebido com intensidade variada,
tornando a memória o fio condutor dos eventos. Este artigo tem o objetivo de en-
tender os elementos que implicam nessa lógica de organização espacial e temporal
e reconhecer, na contemporaneidade, exemplos na arquitetura e no espaço urbano.
Palavras-chave: espaço urbano, relações contemporâneas, temporalidade,
memória, interatividade
Abstract/resumen/resumé
The perception of space and time in cotemporary society changes with the insertion
of technology on the the dayly activities,, transforming the ways we comunicate and
interact. Due to the increasing use of smartphones and computers, the user engag-
es with space creating an infint network, resulting in a more interactive architecture.
Therefore the concept of space is seen through a different perspective, entailing in a
1 Ana Luiza Buztao de Carvalho, graduanda da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, do curso de Arquitetura e Urbanismo, em
Bauru-SP, Brasil.
2 Sidney Tamai, Professor Doutor pela Universidade de São Paulo, Coautor, atualmente Professor do
curso de Artes e Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
na Faculdade de Arquititetura, Artes e Comunicação de Bauru-SP, Brasil .
598
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para entender esses processos dos quais resultam os tipo de relações contemporâ-
neas com o ambiente, outro fator deve ser destacado: o tempo. Devido a maneira de
contabilizar a passagem do tempo, segundos, minutos, horas, o entendimento des-
sa grandeza está relacionado à uma contagem quantitativa. Porém, o tempo pode
ser compreendido como experiência descolada de significado quantitativo, pois as
vivências diárias são gravadas com diferentes intensidade de sentimentos, muitas
vezes independente do fato de terem sido duradouras ou momentâneas. Dessa
forma pode ser estabelecida a passagem do tempo, algo vivido com intensidade,
qualificado pelo indivíduo. Outra maneira de percepção temporal presente é o fato
da descartabilidade e obsolescência intrínseca que vivenciamos hoje em dia com os
bens materiais e culturais, decorrentes do sistema capitalista de consumo. Portanto,
nos deparamos com formas variadas de entendimento e categorização do tempo e
como interagir com elas.
599
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Desde o final do século XX, as tarefas do cotidiano passaram a ser alteradas pelo uso de
novos tecnologias de informação e comunicação, quando os computadores foram se
desenvolvendo, até chegarem a celula individual personalizada, o celular smartphone
(Nardelli, 2007). A partir disso, a tecnologia se torna cada vez mais digital, possibilitan-
do de forma inédita, que o acesso aos serviços ocorram de forma remota, sincrônica
ou assincrônica, dispensando o contato direto com a fonte (IBIDEM).
“O real engole tudo e nos põe no centro das redes interconectadas acessíveis, literalmente, na
palma da mão. Vivemos um mundo pós-virtual e isso não significa apostar numa volta ao mundo
analógico. Ao contrário. Significa assumir que as redes se tornaram tão presentes no cotidiano e
que o processo de digitalização da cultura é tão abrangente, que se tornou anacrônico pensar na
dicotomia real/virtual.” (Beiguelman, 2016)
600
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
601
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tempo e memória
A produção eficiente, estabelecida de redes de circulação e consumo já nos foi dada por
David Harvey (Tamai, 2018), quando ocorre a racionalização do espaço. Assim, memori-
zamos o tempo como vivências isoladas, ocasionando uma volatilidade dos estilos, com
ele moda, ideologias, entre outros, fazendo com que boa parte da vida seja descartável.
602
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Na arquitetura, em meio a sua imobilidade surpreendente, encontramos alguns efeitos análogos
ao do ritmo. A simetria da forma, a repetição indefinida de certo estilo arquitetônico, faz com
que a nossa percepção oscile entre o mesmo e o mesmo novamente, nos livrando das mudan-
ças costumeiras incessantes que na vida ordinária, nos traz de volta para a consciência da nossa
personalidade: até a mais simples sugestão de uma ideia será suficiente para essa ideia encher a
nossa mente.” (Henri Bergson, 1995)
Assim, é possível estabelecer relações com o espaço através do tipo de experiência ali
vivida, de afeto ou desafeto, intensa ou pouco percebida, de acordo com a lembrança
que determinado acontecimento ocasiona. Os dois aspectos apresentados até aqui,
interação com o ambiente devido ao acesso a smartphones e a percepção individual
do tempo de forma qualitativa, terão de estabelecer uma relação com as dimensões
603
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As pessoas estão no limiar desses dois universos: a cidade construída, secular; e a ci-
dade aumentada, momentânea de transformação constante. Uma sofre com as im-
posições, limites e falhas da outra, onde o usuário/morador experiencia essa tensão.
Nesse ambiente de estranhos somos convidados a atuar. A cidade nos oferece for-
mas de criar relações e não-relações. Em nosso dia a dia vivenciamos os espaços
em diferentes escalas e com eles criamos diferentes relações. Construímos espaços
afetivos com a cidade, os quais atribuímos sentimentos, bons ou ruins. Por outro
lado, também experienciamos espaços anônimos, aqueles que mal construímos me-
mória. Essa relação estabelecida com o espaço é decorrente da velocidade com que
o espaço se transforma. A volatilidade e efemeridade das relações gera em nós uma
contrapartida afetiva que tende a ser momentânea, casual, que logo se dissipa.
604
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As emoções que derivam da forma e do espaço surgem a partir de diferentes confrontos entre o
homem e a matéria. Um impacto arquitetônico emocional está ligado a um ato não um objeto
ou um elemento visual figurativo. Consequentemente, a fenomenologia da arquitetura se funda-
menta em verbos não substantivos. (Pallasmaa, 1994)
Bachelard (1958), diz: “Uma imagem é uma irrealidade que não tem características
além das conferidas por nós.” Ou seja, ainda há, no espaço contemporâneo, a neces-
sidade de haver janelas, mas será o usuário que encontrará uma forma de expressá-la
em outra metáfora, dentro das características que impostas ou demandas. O ambiente
existente serve de base para as novas metáforas, criando uma colagem temporal de
uso múltiplo para a necessidade momentânea, obedecendo a lógica espacial e tem-
poral anteriormente apresentadas. Essa colagem, por ter como princípio o aspecto
descartável, não precisa assumir todas as responsabilidades de uma obra duradoura.
605
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Possibilidades
Projetado na cidade de Nova York pelo artista mexicano Rafael Lozano-Hemmer para
a celebração anual “Summer Streets” em 2013, a intervenção interativa “Voice Tun-
nel” teve a intenção de transformar o túnel da Park Avenue. A instalação é composta
por 300 pontos de luz que tem sua intensidade alterada de acordo com o volume
das vozes dos pedestres que passam pelo túnel. Os sensores gravam as intensidades
partindo do zero (silêncio). A gravação é repetida até que haja uma nova variação,
sendo subistituída e assim sucessivamente, gerando um desenho luminoso único.
Figura 5 e 6 – Voice Tunnel, variação nas intensidades e frequências luminosas no túnel da Park
Avenue, Nova York, 2013. Disponível em: lozano-hemmer.com/voice_tunnel.php
606
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações finais
As formas de comunicação e relações interpessoais se transformaram ao longo das
últimas décadas dada a inserção dos aparelhos digitais, computadores, e smartpho-
nes no cotidiano. As fronteiras físicas são vencidas e uma nova dimensão de realida-
de é instalada, se tornando tão real que já não pode ser definida como virtual e sim
como realidade aumentada. Dessa forma, a vivência humana passa a ser norteada
por essa lógica de fluxos informacionais, em alta velocidade, numa sucessão contí-
nua e efêmera de acontecimentos, estilos, modas.
A efemeridade dessa organização exige que haja uma compreensão mais qualitativa
do tempo, diferindo das formas anteriores de medição quantitativa desse aspecto.
O tempo pode ser experienciado de acordo com a percepção individual, onde a me-
mória é que estabelece uma linearidade na fluidez dos acontecimentos. sendo o
principal mediador da sucessão contínua das vivências.
607
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para dialogar com esse formato contemporâneo, a cidade, espaço urbano concreto,
precisa conseguir se adequar às mudanças fragmentadas do modo de vida, pois é o
principal palco onde essas experiências tomam forma. A partir de metáforas criadas
pelos usuários dos espaços, as imagens são relacionadas e requalificadas de modo
que os serviços, eventos e demais demandas se adequem a esse formato. Através
de conexões em rede, multidisciplinares, dentro da realidade aumentada, o espaço
urbano contemporâneo deve dialogar com a cidade concreta, criando um ambiente
híbrido de relações humanas interpessoais, sendo o ponto central onde o convite a
ação e intervenção.
Referências
Bacherlard, G. (1989). A Poética do Espaço (5ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Bergson, H. (1950). Time and free will. (1ª ed.) Londres: George Allen & Unwin Ltd.
Mitchell, W. (1996). City of Bits: space, place and the infoban. (1ª ed.). Cambridge: The
Mit Press.
Moherdaiu, L.; Beiguelman, G (2018). Telas Urbanas: Uma contribuição para a arqui-
tetura reconfigurar os espaços de fluxos. Tese Pós-doutorado, Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
608
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Virilio, P. (1991). The lost dimenstion. (1ª ed.). Nova Iorque: Semiotext.
609
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Nesse artigo analiso duas obras que conjugam o uso de algoritmos com materia-
lidades físicas e criam paisagens maquínicas “imaginárias”, cuja base física é resul-
tado do processamento de dados feitos por softwares e modelos para criação de
imagens. A primeira obra analisada é Orogenesis, criação de Joan Fontcuberta,
em que o fotógrafo cria as imagens a partir de um software de representação de
terrenos reais em imagens tridimensionais, dando ao programa pinturas de artis-
tas como Mark Rothko, Paul Cezánne, entre outros. A segunda obra é Postcards
from Google Earth, de Clement Valla, em que o artista discute como o sistema de
mapeamento de imagens utilizado pelo Google Earth produz imagens em 3D de
locais da terra e “deforma” alguns lugares. Proponho pensar tais elementos como
parte de aparatos maquínicos capazes de produzir “memórias” próprias. Recorro à
arquelogia da mídia e ao conceito de microtempore(a)lidades, de Wolfgang Ernst,
e às noções de ruína e rastro, em Walter Benjamim e Jeanne Marie Gagnebin.
Palavras-chave: paisagem maquínica, performance algorítmica, materialidades
da memória
Abstract/resumen/resumé
In this article, I analyze two artworks that mix the use of algorithms and physical
materialities to create imaginary machinic landscapes, whose physical foundation
is a consequence of data processing made by softwares and image creation models.
The first artwork analyzed is Orogenesis, by Joan Fontcuberta. The artist creates im-
ages using a software to represent real terrains as tridimensional images, providing
paintings made by Mark Rothko, Paul Cezánne, amongst others. The second artwork
is Postcards from Google Earth, by Clement Valla. The artist discusses the process of
image mapping used by Google Earth to produce 3D images from specific places on
Earth, and how this process deforms these places. I am interested in investigating how
these machinic apparatuses produce their “own” memories. To do so, I discuss media
1 Carlos Falci, professor associado da UFMG. Pesquisa as relações entre arte, memória e tecnologia.
Membro do Programa de Pós-Graduação em Artes, atua na linha de pesquisa em Poéticas Tecno-
lógicas. Atualmente desenvolve trabalho sobre políticas de memória em ambientes programáveis.
610
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
archaeology and the concepts of microtempore(a)lities, from Wolfgang Ernst, and no-
tions of ruins and traces, from Walter Benjamim and Jeanne Marie Gagnebin.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: machinic landscape, algorithmic performance,
memory materialities
Este artigo propõe uma discussão sobre as materialidades da memória em ambien-
tes programáveis. No caso deste texto específico, me debruço sobre duas obras –
Orogenesis, de Joan Fontcuberta; e Postcards from Google Earth, de Clement Valla
– para discutir como as paisagens maquínicas criadas pelos dois artistas nos permi-
tem ver uma memória em performance. Defendo que tais paisagens são tornadas
possíveis justamente porque são resultado de uma performance algorítmica que
torna visíveis memórias de objetos algorítmicos; memórias que por isso mesmo são
dinâmicas, são temporárias, apresentam-se em estado de vir a ser permanente. Para
realizar a análise recorro aos conceitos de arqueologia da mídia e microtempor(e)
alidades conforme desenvolvido por Wolfgang Ernst; bem como às noções de rastro
e ruína em Walter Benjamim, Jeanne-Marie Gagnebin e Fernanda Bruno; e ao con-
ceito de paisagem, conforme discutido por Jean-Marc Besse. As discussões de Ernst
sobre arqueologia da mídia e microtempor(e)alidades fornecem uma base impor-
tante para pensar de que maneira os aparatos maquínicos são capazes de perceber
traços e rastros cujas qualidades não são, em princípio, simbolicamente importantes
para nossa perceção. Dito de outro modo, os aparatos trabalham com conjuntos de
informações em nível micro, como determinados grupos de metadados, ou mesmo
elementos técnicos cujo mapeamento é fundamental para que os softwares saibam
reconhecer as informações que estão recebendo e devem processar. Essas informa-
ções podem ser vistas como rastros, como traços, considerando as discussões de
Jeanne-Marie Gagnebin, Walter Benjamim e Fernanda Bruno, sobre esses conceitos.
Tomamos aqui tais termos porque dizem respeito a materialidades da memória num
estado ainda incipiente, em que evocam tanto algo que já aconteceu quanto algo
cuja presença é inaugural, uma vez que rastros e traços não são elementos acabados.
611
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O caráter instável e aberto dos rastros se faz presente na reflexão de Fernanda Bruno
(2012) sobre esses elementos em formato digital. A autora defende que toda e qual-
quer ação nas redes provoca rastros potencialmente recuperáveis e tais traços são em
número e variedade bastante significativos. Numa tentativa de delimitar o que seriam
os rastros digitais, a pesquisadora indica o que denomina de postulados sobre os ras-
tros digitais. Sem elencar tal lista, quero, no entanto, tomar os caracteres gerais enume-
rados por Fernanda Bruno, que nos parecem bastante apropriados para dialogarmos
com a nossa pergunta. Os rastros são aqui também prenhes de ambiguidade, pois são
quase-objetos (Serres, 1991) e estão entre as ideias de presença e ausência; duração
e transitoriedade; identidade e anonimato, entre outras, não podendo ser capturados
em nenhuma das duas pontas de qualquer um dos pares. Não são, igualmente, um
ponto de equilíbrio entre opostos. Pelo contrário, estão numa situação de quase exis-
tência, o que lhes dá um caráter polissêmico, fragmentário e ambíguo. Os rastros são,
em todos os casos, mais ou menos: recuperáveis, voluntários ou conscientes, atrelados
à identidade de quem os produz, duráveis ou persistentes. São elementos cuja potên-
cia de descrição de uma ação não esgota o que a ação pode significar e, por isso, nos
parecem muito apropriados para traçarmos os modos como algoritmos e metadados
se relacionam com processos de autorização executados por algoritmos e softwares,
como é o caso das obras em análise nesse artigo.
Metadados podem ser considerados tanto uma descrição sobre um conjunto de dados
quanto o seu modo de funcionamento num determinado contexto, se analisarmos a
612
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
forma como foram criados. (Manovich, 2002; Matthews, Aston, 2012). Num sentido mais
geral, os metadados são o que permitem que o computador recupere informações,
porque propiciam ao computador manipular os dados, além de realizar diversas outras
tarefas, como mover os dados, comprimi-los, etc (Manovich, 2002). O computador cria
uma relação de reconhecimento, mas também de apropriação dos dados através dos
metadados. A apropriação é como a institucionalização que o estabelecimento de um
arquivo gera em relação a documentos específicos. No entanto, os metadados não são
arquivos em si; podem, no máximo, serem conectados com rastros de uma ação. Quan-
do há uma apropriação de um conjunto de metadados numa organização eventual (a
partir da ação de grupos de algoritmos, por exemplo, para produzir uma visualização de
informações numa interface), inicia-se a criação de uma marca temporal, semelhante a
um rastro, a um vestígio de uma ação no tempo. Aqui entra a questão da memória como
função de uma performance algorítmica. Tanto em Orogênesis quanto em Postcards
from Google Earth, entendo que os artistas colocam em questão justamente os pro-
cedimentos de autorização que fazem surgir as imagens que produzem. Esses proce-
dimentos de autorização são o que eu denomino aqui de performance algorítmica. Os
algoritmos, ao servirem de base para que os programas reconheçam os metadados e os
leiam de maneiras específicas, se relacionam então com um tipo de sensibilidade cuja
qualidade é da ordem do cálculo, de uma outra forma narrativa. Os procedimentos de
autorização que vão fazer surgir as imagens nas obras analisadas seriam de uma ordem
que se aproxima daquilo que Wolfgang Ernst chama de arquivos tecno-culturais, na sua
abordagem sobre uma arqueologia da mídia.
Arqueologia da mídia
Wolfgang Ernst propõe a arqueologia da mídia como “uma abordagem epistemológi-
ca alternativa à supremacia das abordagens narrativas históricas sobre os media”. (Er-
nst, 2013, pp. 55) Os princípios do programa de arqueologia da mídia tem como base
a tentativa de compreender os momentos em que as mídias, e não apenas os huma-
nos, se tornariam os arquivistas do conhecimento. Ou seja, junto com uma memória
semanticamente ancorada no discurso histórico tradicional, começa a funcionar uma
semântica dos objetos técnicos. O teórico alemão defende que a arqueologia da mídia
deve praticar uma forma de engenharia reversa sobre os objetos técnicos, buscando
os verdadeiros arquivos dos media, os códigos-fonte. Estes implicariam muito menos
as origens históricas dos media e muito mais as suas regras de funcionamento. Para
tanto, é necessária uma abordagem mais voltada para os aspectos lógicos e de cálculo
envolvidos nas características técnicas dos aparatos midiáticos.
613
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
2 Media archaeology is primarily interested in the nondiscursive infrastructure and (hidden) programs
of media. Thus it turns from the historiographical to the technoarchival (archaeographical) mode, des-
cribing the nondiscursive practices specified in the elements of the technocultural archive.
614
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3 Arquivos dinâmicos
615
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Microtempor(e)alidades
De que maneira os tempos rítmicos dos aparatos técnicos afetam não só a nossa
percepção temporal, mas a própria forma de capturar e registrar aquilo que está
diante dos aparatos digitais? No caso destes aparatos, as estruturas algorítmicas são
agentes de captura importantes; e uma vez que são também estruturas temporais
de processamento da informação, o que elas fazem é produzir um registro cujo tem-
po tem uma lógica específica relacionada ao modo como o algoritmo processa a in-
formação. O tempo está sujeito ao modo como esta lógica algorítmica compreende
a forma como o sinal será processado. São dois tipos de micro-temporalidades em
jogo, afetando tecnicamente o que chamamos de arquivo e sua “narrativa” de me-
mória. Ernst faz uma diferença entre a transmissão em tempo real, e a transmissão
do sinal digital, que já carregaria em si uma microtemporalidade relativa à compu-
tação intermediária, necessária para que o sinal seja compreendido e exibido num
formato entendível por uma pessoa. Embora a transmissão do digital aconteça num
“tempo real”, há sempre um pequeno que faz com que estejamos sempre diante
de um passado produzido pela maneira como o algoritmo lê as informações que
chegam até ele. Essa seria a micro-temporalidade do digital. O que vemos na tela,
como resultado da transmissão, são arquivos dinâmicos, que muito se assemelham
à ideia do rastro, como aquilo que está presente, mas também ausente, como aqui-
lo que está destinado a desvanecer com o tempo e, nesse caso, com o tempo do
processamento dos aparatos maquínicos. Estamos diante da geração de um tempo
próprio ao algoritmo como um tempo de memória. Não mais o registro de uma tem-
poralidade do evento, mas a criação de um evento com temporalidade específica, e
que também pode se relacionar com aquilo que foi capturado pelo sinal digital. O
arquivo define o que será arquivado, na lógica derrideana (DERRIDA, 2001); produz,
assim, sua própria memória, uma temporalidade específica do algoritmo.
616
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As obras
Em “Orogenesis”4, Joan Fontcuberta cria suas paisagens digitais fornecendo a um
software, como base de criação, pinturas feitas por artistas como Mark Rothko, Paul
Cézanne, William Turner5; ou imagens de partes do corpo. O programa Terragen foi
617
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As paisagens que vemos aí são interpretações científicas do que poderia ser reco-
nhecido como uma paisagem por aparatos maquínicos. Como o software é prepara-
do para trabalhar a partir de parâmetros específicos que não dizem respeito à qua-
lidade humanamente simbólica das imagens, o que ele cria, sua orogênese, é uma
memória do seu próprio funcionamento enquanto programa que lê metadados,
organiza-os e produz com eles um arquivo, um registro da sua própria performance
enquanto máquina.
Ao realizar tal procedimento, Fontcuberta aponta para o fato de que qualquer pai-
sagem pictórica está muito além de ser uma mera representação de alguma paisa-
gem já existente, podendo ser vista muito mais como, de fato, a invenção da própria
paisagem, do seu conceito e de formas de apresentação desse conceito. O enqua-
dramento de uma imagem pela pintura nos mostra a presença de uma memória
cuja base está tanto no rastro deixado pelo pigmento de tinta, quanto pela forma
do artista expressar a visualidade que deseja criar. No caso do software em questão,
fundamental lembrar que sua criação se dá para propósitos científicos e militares.
Como o que o programa faz é também imaginar uma paisagem, o que se apresenta
na tela não é um resultado que representa algo já existente, mas sim a memória do
que o software é capaz de simular, a partir de parâmetros que recebe. Assim, é como
se Fontcuberta enfatizasse o fato de que os modelos cartográficos, os softwares de
geoprocessamento são, obviamente, invenções artificiais e, portanto, ações políticas
do que se poderia considerar uma paisagem. Nesse ponto, as paisagens do artista
nos apontam para uma memória em que a poética e a política dos aparatos maquí-
nicos encontram-se profundamente imbricadas no gesto de criação. A performance
do programa, longe de ser um ato, inócuo, se mostra como um instrumento de po-
der sobre o que se denomina paisagem.
A segunda obra é Postcards from Google Earth6, de Clement Valla, em que a discus-
são está centrada na maneira como o sistema de mapeamento de imagens utilizado
pelo Google Earth produz imagens em 3D de locais da terra e “deforma” alguns lu-
gares, criando paisagens “irreais” e “impossíveis”. Segundo o próprio autor da série,
o trabalho teve início quando ele estava navegando por imagens produzidas pelo
Google Earth e reparou que algumas imagens pareciam extremamente estranhas
618
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
619
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Entendo que sob essa perspectiva, os algoritmos podem ser entendidos como ele-
mentos-chave para a compreensão de que um computador executa ações como for-
mas de escritura específicas, as quais permitem a uma máquina reconhecer e deco-
dificar um conjunto de elementos simbólicos. Da mesma forma, eles são capazes de
produzir visibilidades não necessariamente perceptíveis pelos sentidos humanos,
mas que se relacionam com essas sensibilidades, indicando que os aparatos maquí-
nicos criam relações, e produzem sentido, cujo valor simbólico não é necessariamen-
te medido por escalas humanas já reconhecidas. Dessa maneira, na relação entre os
algoritmos e os aparatos maquínicos, aparece uma memória cuja materialidade é da
ordem da performance, em função do modo como o registro se constrói. A memória,
nesse texto, é um estado de iminência: do encontro, da ruptura, daquilo que uma
vez que apareça pode fugir em instantes e que precisa, então, de alguma forma de
permanência. E que formas de permanência são, efetivamente, destinadas a per-
manecerem por si só? Será que as microtemporalidades seriam a forma material do
estado de iminência, sua permanência que ainda não lemos?
620
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
621
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
BESSE, J.M. (2014). O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: EDUERJ.
BRUNO, F. (2012). Rastros digitais sob a perspectiva da teoria ator-rede. Revista FAMECOS,
v. 19 (3), pp. 681-704.
DERRIDA, J. (2001). Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Re-
lume Dumará, 2001.
ERNST, W.(2013). Digital memory and the archive. Minneapolis: University of Min-
nesota Press.
GAGNEBIN, J.M (2012). Apagar os rastros, recolher os restos. Em: SEDLMAYER, S &
GINZBURG, J.(org.). Rastro, aura e história. (pp. 27-38) Belo Horizonte: Ed. UFMG.
622
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente texto expõe a interrelação entre as produções artísticas (contemporâ-
neas) com os espaços urbanos. Com isso, se baseia nas obras construídas com ma-
teriais comuns e ordinários para ampliar a percepção da precariedade e da bestiali-
dade como potência artística e que pode ainda ressignificar as noções de limite, de
espaço e de memória coletiva na atualidade. Assim, relaciona as práticas artísticas
banais, bestas, com a expressão máxima do humor na ‘Patafísica para evidenciar o
potencial transformador da arte, que se faz presente na ideia de utopia construtiva
de Gropius tanto para a arte quanto para a vida em seus espaços urbanos.
Palavras-chave: Arte Contemporânea, Espaço Urbano, Materiais, Precariedade, Limite.
Abstract
The present article exposes the interrelationship between contemporary art and
urban spaces. Based on works of art done with ordinary and foolish materials to
broaden the perception of precariousness and silliness as an artistic power that can
review notions like limit, space and collective memory. For so, it relates banal and sil-
ly artistic practices with the maximum expression of humor in ‘Pataphysics’ to high-
light the potency that art has to transform itself and common life, which is present in
Gropius’ idea of constructive utopia for both art and life in its urban spaces.
Keywords: Contemporary Art, Urban Space, Materials, Precariousness, Limit.
A arte é uma atividade tipicamente urbana, não apenas inerente, mas constitutiva da ci-
dade. Já dizia o historiador da arte italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992) no seu A His-
tória da Arte (1998). Para o autor, as obras de arte determinam um espaço urbano e são
produzidas pela necessidade, para quem vive e opera no espaço, de representar para
si de, uma forma naturalista ou fantasiada, a própria situação espacial em que opera.
1 Cecilia Mori Cruz, Professora Adjunto do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília-
-UnB e artista plástica. É pesquisadora graduada pelo Instituto de Artes da UnB, mestra e doutora em
Arte Contemporânea, pelo PPGAV-UnB, com tese “Cabine da Mentira: bobeiras em trânsito para a arte
contemporânea” vencedora do Prêmio UnB de Teses na área de Artes. Atua na área de práticas artísticas,
história e teoria da arte e coordena pesquisa sobre mentira, ficção e ilusão na Arte Contemporânea.
623
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Assim, os produtos artísticos são os que qualificam uma cidade enquanto tal. O his-
toriador da arte segue relacionando os espaços de convivência coletiva com a noção
de cidade e amplia nossa percepção sobre os espaços urbanos. Para ele, são também
o espaço urbano os ambientes das casas, os retábulos do altar da igreja, a decoração
da sala de jantar, o vestuário. Da mesma forma, são espaço urbano suas influências
para além das muralhas da cidade, como a
zona rural de onde chegam as provisões ao mercado da praça e onde o camponês tem suas vilas
e as suas propriedades, os bosques onde vai caçar. (…) O espaço figurativo, como demonstrou
muito bem Francastel, não é feito apenas daquilo que se vê, mas de infinitas coisas que se sabem
e se lembram, de notícias. Até mesmo quando um pintor pinta uma paisagem natural, pinta na
realidade um espaço complementar do próprio espaço urbano. (Argan, 1998, p. 43-44)
Assim, Cézanne seria um dos principais pintores que, na visão de Cachin, auxiliou na for-
mação de imagens que povoam a memória coletiva de cada francês. Dentre outras pai-
sagens, a montanha Santa Vitória se tornou um dos símbolos da França, como a Estátua
da Liberdade é um dos mais importantes símbolos dos Estados Unidos, os moinhos, da
Holanda, o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro e, com muita frequência, de todo o Brasil. A
reflexão proposta por Cachin contribui para a discussão sobre (des)limite como área de
contato e zona de atravessamento entre arte e sociedade, indivíduo e coletivo.
Complementar aos exemplos que Françoise Cachin nos fornece, Maurice Halbwachs
(1877-1945) defende uma forte relação entre um indivíduo ou um grupo e seu ambiente
externo seja ele físico e concreto ou simbólicos e abstratos. Para o sociólogo francês, os
grupos estão ligados a um lugar e é o fato de estarem próximos no espaço que cria entre
seus membros relações sociais. Assim, se os habitantes de uma cidade ou de um país
formam uma sociedade é porque estão reunidos numa mesma região do espaço.
Halbwachs relaciona o espaço de vivência dos seres humanos com a própria constitui-
ção enquanto indivíduo e/ou grupo declarando que as imagens do mundo exterior são
inseparáveis do sujeito. Com isso entendemos o espaço como mais do que uma porção
624
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de terra, como uma condição clara da existência dos grupos humanos. Essa relação não
é uma simples harmonia ou uma correspondência física entre as aparências dos lugares
e das pessoas. Ao contrário, em seu texto Memória Coletiva (1950) afirma que:
Nosso entorno material leva ao mesmo tempo nossa marca e a dos outros. Nossa casa, nossos mó-
veis e a maneira segundo a qual estão dispostos, o arranjo dos cômodos onde vivemos, lembram-
-nos nossa família e os amigos que víamos geralmente nesse quadro. (Halbwachs, 2006, p. 137)
E complementa afirmando que “quando um grupo está inserido numa parte do espa-
ço, ele a transforma à sua imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se adapta às
coisas materiais que a ele resistem.” (Idem, p. 19) Dessa forma entendemos que o lugar
marca o grupo e/ou indivíduo ao mesmo tempo que é marcado por ele. Nesse sentido,
até mesmo o forasteiro, ao permanecer em um lugar, é transformado em seu habitan-
te e passa a pertencer a ele. A possibilidade de se estabelecer, ou seja, de configurar
seu espaço interior transforma o estrangeiro em morador. No entanto, o forasteiro, ao
transitar, permite constantes modificações dos espaços interno e a seu redor.
625
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No caso das comunidades nômades, por mais que elas troquem freqüentemente
de região, ao se estabelecer em um novo espaço, este passa a ser delimitado e res-
significado pelo grupo enquanto o espaço ressignifica este mesmo grupo. Assim, a
noção de casa (entendida como o espaço delimitado de habitação dos seres huma-
nos, segundo o dicionário Houaiss de Língua Portuguesa) surge aproximadamente
junto com a linguagem, para as autoras. As casas poderiam ser pensadas como uma
célula social, ou seja, uma pequena representação de um grande grupo social. Nelas
teríamos indivíduos que se relacionam. Como resultado desse relacionamento, eles
constroem laços afetivos, mas também têm conflitos éticos, morais e políticos.
Mas a casa, mesmo quando abriga grandes famílias, é a morada do eu. Ao mesmo
tempo em que ela é o espaço da coletividade, é o espaço da individualidade. Ela é
público-privada. Mesmo na casa de pessoas que moram só, ela não é apenas o espa-
ço da intimidade, esse poderia ser o quarto. A casa tem espaços desenhados para o
grupo e para o indivíduo, tem sala de estar e banheiro. Com isso a casa, por ter esses
dois tipos de espaço, promove a experimentação dos limites entre o espaço público
e o privado. É um e outro, é um ou outro. É o trânsito dos forasteiros.
Pensar a casa como espaço entre público e privado não se faz apenas na relação
que seus habitantes têm com o espaço, mas também na relação que o indivíduo
tem com a cidade ou com a sociedade. A casa não é tão pessoal quanto o corpo do
ser, como também não é tão exterior ao ser. E ela é tão pessoal quanto o ser, como é
também exterior ao ser. A exterioridade e interioridade da casa podem ser pensadas
tanto em relação ao corpo do ser que a habita, quanto em relação ao espaço social
em que ela se encontra. Em uma cidade, a casa é o núcleo do particular e para o su-
jeito que vive em grupo, ela é o primeiro ponto de encontro com os outros.
Assim, se a casa possui espaços que são coletivos e outros que são individuais. Possui
também espaços que são, ao mesmo tempo, coletivos e individuais. A partir desse
ponto de vista, a própria casa se configura como uma combinação do coletivo com
o indivíduo. Essa percepção de uma ambigüidade dos espaços constitutivos da casa
faz dela um tema a ser pensado para além de seus aspectos mais subjetivos, como
a interpretação e os sentimentos adquiridos com o tempo de vivência no local. Essa
seria uma investigação do lar. Olhar para a casa implica juntar o espaço físico a seu
lar. O mensurável ao imensurável.
626
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Casa foi feita a partir de uma de várias casas iguais do mesmo bairro, grove road, e ao
mesmo tempo em que mostrava a unidade da comunidade pelo formato externo da
obra que era igual às demais casas da rua já em demolição, ressaltava os aspectos que
diziam respeito ao pequeno grupo que habitava aquele espaço. A obra expõe o inte-
rior de uma casa sem sua fachada protetora. A artista construiu uma espécie de molde
negativo (como se faz um molde de escultura de gesso) a fim de inverter o interior e o
exterior de uma habitação. Assim, as marcas deixadas nas paredes e nos pisos pelos an-
tigos habitantes no decorrer do tempo de habitação (que antes se limitavam ao espaço
interno, íntimo daquele grupo), agora são expostas e visíveis do lado de fora da casa.
O que antes era o começo do espaço interno da casa por delimitar o espaço físi-
co entre as paredes, agora virou a fachada externa, a parcela pública da intimidade
daquelas pessoas. E isto causou desconforto à comunidade local, que exigia uma
urgente reforma urbanística na área enquanto a Casa permanecia lá, imóvel e imu-
tável, como um tipo de assombração das marcas do passado de uma comunidade
excluída econômica e socialmente do centro da megalópolis Londres. A Casa de
Whiteread nos ensina que a relação ambivalente entre o interior e o exterior, bem
como entre o passado e o presente, enriquece mais a construção poética que qual-
quer permanência em um dos polos. Pois assim, não há tensão, não há potência de
movimento ou de transformação. No lugar de paredes fixas, divisórias japonesas. No
lugar paredes de concreto, os Penetráveis de Hélio Oiticica.
627
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
como os únicos capazes de publicar e expor uma obra de arte. A partir do momento
em que Schwitters exerce a prática museal no seu espaço privado, em sua casa, ele
acrescenta a ambiguidade ao espaço tornando-o a extensão de uma sala expositiva
além de sua casa. Como um “espaço interior de formas plásticas”, segundo o artista
(Schwitters, 1990, p. 181), ele também o faz ao utilizar materiais do espaço da vida
em comum (usando o termo do filósofo e crítico de arte brasileiro Alberto Tassinari)
na construção. Dessa forma, a casa, mesmo que vire também uma sala expositiva,
não deixa de ser casa, já que seus habitantes não abrem mão (radicalmente) da fun-
cionalidade de seu espaço diante da arte.
A mudança da valorização de obras com limites físicos bem definidos, como o in-
terior de uma pintura – espaço contido pela moldura – ou de uma escultura, para a
valorização de obras sem limites enunciados pelos artistas e/ou com seus limites ex-
ternos que se inserem no espaço da galeria ou da vida cotidiana é o que nos permite
pensar a mentira na arte como virtude e como, consequentemente, verdade poéti-
ca. Daí a importância em considerarmos as divisórias móveis japonesas, a velocidade
futurista e a fluidez do bobo da corte como táticas de movimento e transformação.
628
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Essa noção de limite e sua importância para se definir o ser, o conceito, o espaço,
o fenômeno, é amplamente pesquisada pela Antropologia e pela Psicanálise. Cada
disciplina com seu viés mas ambas problematizam os trânsitos entre as esferas, as
porosidades dessas fronteiras como questão de suma importância assim como a
permanência das fronteiras ainda que porosas.
a característica do estado de consciência é justamente ser breve e passageiro. Assim, uma ideia
que agora é consciente’ no próximo momento já não o é mais, podendo, em seguida, sob certas
condições – que aliás podem facilmente ser reestabelecidas –, tornar-se novamente consciente.
(Freud, 1923 [2007], p.28)
Com isso, essa ideia, que não permanece o tempo todo consciente pode ser identifi-
cada como uma ideia em estado latente. Ao estar nesse estado, a ideia é capaz de, a
qualquer momento, novamente se tornar consciente.
Assim, vemos que não apenas o objetivo de Freud é mostrar que as categorias da
psicanálise podem ser reposicionadas o tempo todo como reconhecemos que o
próprio percurso usado pelo psicanalista se mostra ambivalente, labiríntico e até
mesmo anacrônico. Questões abordadas são contraditas – às vezes no mesmo texto
às vezes anos mais tarde – e os argumentos se ligam ao se perderem nesse modelo
de construção. Essa instabilidade conceitual nos interessa por aceitar a ideia de con-
taminação, de algo que se modifica após o contato com outra coisa.
629
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com isso, a noção de cortina da fumaça é pensada como tática de infiltração e trans-
formação dos conceitos para construções teóricas e poéticas. A fumaça, diferente-
mente dos líquidos de Zygmunt Bauman (1925-) é ainda menos palpável, visível
ou mensurável. É menos visível mas perturba a visão. É menos perceptível mas sua
presença indica continuidade, pois ao esfumaçarmos algo, esse algo se enche de
fumaça e entra no estado de desaparecimento.
Em suma: a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. As
preocupações mais intensas e obstinadas que assombram esse tipo de vida são os temores de
ser pego tirando uma soneca, não conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, ficar pra trás,
deixar passar as datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora indesejáveis, perder o
momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar um caminho sem volta. A vida
líquida é uma sucessão de reinícios, e precisamente por isso é que os finais rápidos e indolores,
sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e as dores
de cabeça mais inquietantes. (Bauman, Id. p.8)
630
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Entre a pintura e a escultura, Paiva junta papéis laminados de chocolate Alpino e luzes
LED para dar volume negativo e positivo à superfície da parede. Ao exporem o irredu-
tível, Tuttle e Paiva dão conta do Universo como ditam os patafísicos. Com a síntese e
a redução ao precário, os artistas atingem o absurdo.
Assim, para Bauman, a sociedade, líquida, que se presentifica a todo momento significa
a morte das principais utopias e da ideia geral de “boa sociedade” [grifo do autor], o que
exclui os processos artísticos, sempre ilusórios, fantasiosos e até utópicos dessa visão
de sociedade. Na arte, principalmente contemporânea, a construção de utopias come-
ça no ateliê. Os pensamentos utópicos se confrontam com o público na experiência
estética. E os discursos sobre eles são construídos em cima da noção da sublimação
psicanalítica e do pensamento histórico como eternamente presente e anacrônico.
O artista britânico Andy Goldsworthy (1956-) usa o espaço urbano, em sua noção
ampliada como nos sugeriu Argan como sua área de atuação. É pensando no espaço
exterior (o espaço museal, a cidade, a natureza) como (parte d)a obra que o artista va-
loriza o constante trânsito do forasteiro e, consequentemente, permite novas relações
da arte com o espaço urbano. Os vários portões abertos entre a obra e o espaço em
que estão inseridas, desde o período de pós-Guerra, são parte estruturante dos traba-
631
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Assim, quando o artista diz que quer que sua arte seja sensível e alerta às transfor-
mações de materiais como da estação e do clima, ele acaba por evidenciar a insta-
bilidade e a precariedade da sua arte. Dessa forma, o fracasso da obra previamente
anunciado faz do processo a própria obra. Segundo o artista, em correspondência
(datada de 1983) com o autor de Earthworks and Beyond John Beardsley, “às vezes
um trabalho está no seu melhor quando está mais ameaçado pelo tempo/clima.
Uma rocha equilibrada ganha enorme tensão e força do vento que pode causar o
seu colapso.” [tradução nossa] (Beardsley, 2006, p. 223)
Entre fracassos e instabilidade, a prática artística se faz. Entre muitos enganos, novos
caminhos de experimentação são construídos e, às vezes, resultam em obras de arte.
Nas palavras de Goldsworthy, “Eu faço um ou dois trabalhos por dia. Em um mês de
trabalho, dois ou três trabalhos são bem sucedidos. Os ‘erros’ são muito importantes.
Cada trabalho novo é o resultado do conhecimento acumulado de trabalhos pas-
sados.” (Idem) Com sua atitude de se fazer valer do processo ao ponto de torná-lo o
próprio trabalho, Andy Goldsworthy nos remete aos métodos errantes da ‘Patafísica.
As reflexões da ‘Patafísica atuam por seus sofismas que, segundo o patafísico René
Daumal (1908-1944) em Pataphysics and the Revelations of Laughter (1929), colocam
em cena silogismos em modos não conclusivos mas que se tornam conclusivos as-
sim que certos termos são modificados de forma que a mente o apreende como ób-
vio; essa mudança leva imediatamente a uma segunda transformação das mesmas
definições, o que novamente rende modos de silogismo usados não conclusivos e
assim indefinidamente. (Daumal, 2012, p. 8) Da mesma forma, as obras de Goldswor-
thy parecem impedir que o fim chegue. Contemplam o eterno devir.
632
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para Gropius, a medida certa de utopia deve ser almejada para que ela nos permita
sonhar e, mais importante, concretizá-lo tornando-o real. Segundo o arquiteto, em
entrevista sobre As Origens da Bauhaus, disponível na UbuWeb:
Eu acho que se você lança uma idéia como essa [de criar uma Bauhaus], ela não pode ser utópica
demais porque a realidade da última geração mostrou-nos que, quando penso no início da minha
vida, houveram idéias utópicas e ninguém pensou que poderiam se tornar realidade, mas elas se
tornaram realidade hoje. Então você não pode se agarrar longe demais de você e de suas ideias. E
isso, eu acho, lhe assegura também um melhor entendimento posteriormente na vida. Mas você
deve estar ciente de que, quando você carrega essa muleta, você tem que sacrificar algo, que
será atraído, que seria melhor ter um bom estômago para superar os pontos negativos e detectar
alguns... se encontram na Bauhaus.
Se uma ideia não pode ser utópica demais ao ponto de, com ela, nos desconectar-
mos completamente do aqui-agora, ela tem que aceitar anacronismos que sejam
pertinentes a sua realização. O pensamento utópico, então, tem que ser aquele que
se distancia da alienação, que prescinde uma total cisão com o tempo e o espaço do
presente. Para crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa, as afinidades entre a utopia e o
plano são inegáveis. Ao lembrar a reflexão de Bertrand Russell sobre a modernidade,
época na qual as utopias passam do sonho à realidade, de hipótese a instrumento
de trabalho, Pedrosa aproxima a própria criação (artística) ao pensamento utópico.
Referências bibliográficas
Argan, Giulio Carlo. (1999). História da Arte como História da Cidade. São Paulo:
Martins Fontes.
Bauman, Zygmund. (2007). Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.
633
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Beardsley, John. (2006). Earthworks and Beyond: contemporary art in the lands-
cape. 4ª edição. Londres/ Nova Iorque: Abbeville Press Publishers.
Cruz, Cecilia Mori. (2015). Cabine da Mentira: bobeiras em trânsito para a arte
contemporânea. Tese (Doutorado em Arte Contemporânea) - PPGAV-Instituto de
Artes, Universidade de Brasília.
Cruz, Cecilia Mori. (2007). Beleza Profana: uma integração da abjeção na arte. 111f.
Dissertação (Mestrado em Arte) - PPGAV-Instituto de Artes, Universidade de Brasília.
Cachin, Françoise. (1986). Le paysage du peintre. In NORA, Pierre (Org.), Les Lieux
de mémoire, tomo II (La Nation), Paris: Gallimard.
Freud, Sigmund. (2007). O Ego e o Id. In: Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente, vo-
lume 3: 1923-1940. Rio de Janeiro: Imago. [Col.Obras Psicológicas de Sigmund Freud]
Sousa, Edson Luiz André de. (2012). Por Uma Cultura da Utopia. In: E-topia: Revis-
ta Eletrônica de Estudos sobre a Utopia, nº 12. <http://ler.letras.up.pt/site/default.
aspx?qry=id05id164&sum=sim> disponível em 11/10/2014
Tassinari, Alberto. (2001). O Espaço Moderno. São Paulo: Cosac & Naify Edições.
Tavares, Gonçalo M. (2010). Breves Notas. Florianópolis: Editora UFSC, Editora da Casa.
634
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A partir da (r)evolução tecnológica e das criações transdisciplinares, os conheci-
mentos de diferentes áreas científicas complementam a prática artística, e suscitam
questionamentos a serem articulados, como a longevidade das obras computacio-
nais. Cada projeto está associado ao artista que o instaura, inserindo suas experiên-
cias no trabalho artístico, através de pesquisas, referências ou técnicas utilizadas no
processo de criação. Estas obras também levam consigo traços da sociedade em
que foram instauradas, seus problemas e questionamentos. Assim, a preservação
destes projetos artísticos é fundamental para manter a memória social de uma épo-
ca e sua organização. Entremeados no processo de preservação surgem indagações
quanto ao compromisso das instituições museais e dos artistas frente à preservação
das obras contemporâneas computacionais, sua longevidade e manutenção para
experienciação no futuro. E, como a documentação expandida pode resguardar o
posicionamento do artista frente à obsolescência de sua obra ou parte dela.
Palavras-chave: Arte contemporânea, arte e tecnologia, memória social, arqui-
vamento, preservação.
1 Mestre em Artes Visuais, área de concentração Arte Contemporânea, na linha de Arte e Tecnologia,
pelo PPGART/UFSM (2017/2018), onde foi bolsista CAPES. Membro do grupo de pesquisa Arte e Tec-
nologia/CNPq e do Laboratório de Pesquisa em Arte Contemporânea, Tecnologia e Mídias Digitais/
LABART/UFSM (Brasil). Desenvolve pesquisa em História, Teoria e Crítica da Arte Contemporânea,
com ênfase na atualização e preservação de obras de arte computacionais. Bacharel em Desenho
Industrial - Prog. Visual - UFSM (2001).
2 Pesquisadora da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Brasil. Pós-Doutorado/ UFRJ e Dou-
torado/ UFRGS, em Artes Visuais, com estágio na Paris VIII, França. Atua no Programa de Pós-gradu-
ação em Artes Visuais/PPGART, em História, Teoria e Crítica, com ênfase transdisciplinar em arte-ci-
ência-tecnologia. Coordena grupo Arte e Tecnologia/CNPq e LABART. Membro do Comitê Brasileiro
de História da Arte/CBHA, e da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas/ANPAP.
www.ufsm.br/Labart
635
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
From technological (r) evolution and transdisciplinary creations, the knowledge
of different scientific areas complement the artistic practice and raise questions to
be articulated, such as the longevity of computational works. Each project is asso-
ciated with the artist who establishes it, inserting their experiences in the artwork
through research, references or techniques used in the creation process. These
works also carry with them traces of the society in which they were established,
their problems and questions. Thus, the preservation of these artistic projects is
fundamental to maintaining the social memory of an era and its organization.
Intermingled in the preservation process, questions arise as to the commitment of
the museum institutions and the artists to the preservation of contemporary com-
putational works, their longevity, and maintenance for future experience. And, as
expanded documentation can safeguard the artist’s position against the obsoles-
cence of his work or part of it.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Contemporary art, Art and technology, social
memory, archiving, preservation.
Introdução
A atualidade está sendo caracterizada, entre outros aspectos, pela acelerada trans-
formação tecnológica. Dispositivos informáticos como celulares, tablets, computa-
dores e diversos aparatos eletrônicos povoam a sociedade, popularizando sua utili-
zação em todo momento do cotidiano. A interação e a interatividade estabelecidas
entre homem e máquina se tornam intrínsecas ao indivíduo, modificando as expe-
riências do corpo social como um todo, e transformando sua percepção diante das
ações, muitas vezes facilitadas por estes dispositivos.
No campo das artes visuais, igualmente ao que ocorreu em épocas anteriores, o ar-
tista acompanha e instiga o percurso traçado na sociedade, transformando-se a si
mesmo e, consequentemente, sua obra. Na contemporaneidade, as múltiplas lin-
guagens nascem das pesquisas e experimentações feitas nos locais de trabalho dos
artistas, seja em ateliê, estúdio, laboratório, universidade, ou outro espaço por eles
escolhido. Assim, também o computador se associa na criação artística. Esta união
da arte com a tecnologia acontece de maneira não hierárquica, como um rizoma3,
e pode se dar em diferentes pontos da instauração da obra, como na sua criação,
produção, visualização, disponibilização ou manutenção4, variando de acordo com
a intenção do artista.
636
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com a disseminação dos aparatos e dispositivos tecnológicos, o que Grau et al8. de-
nomina “(r)evolução tecnológica”, observa-se o fazer artístico e o conceito da obra
coexistem em um mesmo processo de instauração. A utilização de diferentes mate-
riais e substratos de mídia variável, propicia que se estabeleçam processos compu-
tacionais através de hardwares e softwares. Mas, como consequência direta, tem-se o
637
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A relação entre arte e tecnologia tornou-se cada vez mais estreita, o que estimulou a participação
de outras áreas do conhecimento e da inovação científica como a genética, a robótica, a biologia e
a inteligência artificial como parte de propostas artísticas, entre as quais se destacam a videoarte e a
net art. A influência recíproca entre a arte, a tecnologia, a ciência e a sociedade é exemplo da perme-
abilidade entre as diferentes áreas do conhecimento que caracterizam a cultura contemporânea11.
9 Miguel Ferreira (2006) define a preservação digital como a competência que garante a acessibi-
lidade da informação digital, ou computacional, garantindo suficiente qualidade e autenticidade
para possível interpretação futura através de plataforma diferente da original.
10 Consta no Dicionário Brasileiro de Terminologias Arquivísticas (2005, p. 117) a definição de mé-
todo de arquivamento: “seqüência de operações que determina a disposição dos documentos de um
arquivo ou coleção, uns em relação aos outros, e a identificação de cada unidade”, onde arquivo é
considerado, na mesma publicação, como: “conjunto de documentos produzidos e acumulados por
uma entidade coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades,
independentemente da natureza do suporte; instituição ou serviço que tem por finalidade a custó-
dia, o processamento técnico, a conservação e o acesso a documentos; instalações onde funcionam
arquivos […]”. Disponível em: http://www.arquivonacional.gov.br/images/pdf/Dicion_Term_Arquiv.
pdf. Acesso em: 06 mar. 2019.
11 VELLOSILLO in BEIGUELMAN, 2014, n. p., Locais do Kindle 2556-2559.
12 Seguindo o conceito expresso pelo CONARQ, considera-se que a autenticidade é a “qualidade de
um documento ser exatamente aquele que foi produzido, não tendo sofrido alteração, corrompi-
mento e adulteração. A autenticidade é composta de identidade e integridade.
Identidade é o conjunto dos atributos de um documento arquivístico que o caracterizam como úni-
co e o diferenciam de outros documentos arquivísticos (ex.: data, autor, destinatário, assunto, núme-
ro identificador, número de protocolo).
• Integridade é a capacidade de um documento arquivístico transmitir exatamente a mensagem
que levou à sua produção (sem sofrer alterações de forma e conteúdo) de maneira a atingir seus
objetivos.
• Identidade e integridade são constatadas à luz do contexto (jurídico-administrativo, de proveniên-
cia, de procedimentos, documental e tecnológico) no qual o documento arquivístico foi produzido
e usado ao longo do tempo.” (CONARQ, 2012, p. 02). Disponível em: <http://conarq.gov.br/images/
publicacoes_textos/conarq_presuncao_autenticidade_completa.pdf>. Acesso em: 08 mai. 2019.
638
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
13 Relativo à obsolescência, é necessário ressaltar que a ISO 14.721, no Modelo OAIS (Open Archival
Information System), através do CIA determina o período de 5 anos como temporalidade de acesso
aos arquivos computacionais, a não ser que esteja inserido na preservação sistêmica, contemplando
normas, modelos e padrões através do Modelo OAIS - SAAI (Brasil).
14 LANDERDAHL, 2019, p. 22.
15 LANDERDAHL, 2019, p. 69-92.
16 LANDERDAHL, 2019, p. 27.
639
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A memória social formal é aquela que privilegia a forma do objeto, mantendo-o por
meio de processos de armazenamento18 e preservação de tecnologia19, analógico
ou computacional. A memória social informal, ao contrário, preserva as funções do
objeto, optando pela sua atualização ou recriação como alternativa de mantê-lo
acessível, utilizando métodos como a migração20, a emulação21 e a reinterpretação22.
640
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
sendo perdidas pelas ações do tempo, ou seja, que ficarem obsoletas, poderão ser re-
visitadas através de materiais documentais de diferentes tipos, sejam vídeos, fotogra-
fias, ensaios, artigos, esboços, e outras tantas evidências que porventura registraram
um determinado projeto artístico que já não pode mais ser exposto. Há também as
obras que passaram — e/ou estão passando — por processos de manutenção, a fim
de mantê-las operacionais e passíveis de novas experiências.
Os espaços museais que expõem obras de arte contemporânea devem ser conscien-
tes da estética instaurada a partir da experiência destes trabalhos artísticos em cons-
tante processo, e propiciar um ambiente que contemple a interação do público com
a obra. Mas, avançando esta observação para além do ecossistema expositivo, as
instituições museais “devem ser capazes de manter suas atribuições de apropriação,
641
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
exposição e preservação das obras”26 que fazem parte do seu acervo, expandindo
seu campo de atuação sem abandonar prerrogativas já sedimentadas. Para tanto
será necessária a integração de outros campos científicos que possam contribuir
com seus saberes para a manutenção destes dispositivos variáveis e complexos.
O museu de arte não poderá, sob pena de desaparecer ou de se tornar outra coisa, destituir-se de
suas atribuições clássicas de apropriação, exposição e preservação. Sua especificidade funcional
esteve e está em acervos constituídos de materialidade diversas e seu estudo, paralelamente, ao
que fazem a história, a crítica e a teoria em suas áreas. Sua tendência colecionista é para a especia-
lização. Paralelamente deverá crescer como centro e documentação. 27
642
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tigação tem-se o Variable Media Questionnaire (VMQ)30, que facilita o diálogo com o
artista e é utilizado por diversos museus31.
As análises e estudos de caso devem ser feitos de maneira detalhada, o que demanda
tempo, além de serem dispendiosos por ser necessário, algumas vezes, a contratação
de profissionais externos para poder verificar as obras computacionais examinadas.
Neste processo, o próprio artista tem a possibilidade de estabelecer caminhos que irão
amparar futuras escolhas para a manutenção do seu trabalho, além de, indiretamen-
te, auxiliar na aquisição de obras dependentes da tecnologia informática por parte
de instituições museais e/ou colecionadores. Para tanto, percebe-se a importância da
inclusão de toda e qualquer observação relacionada à obra e sua instauração, como
instruções de montagem, croquis, possibilidades de modificação de peças físicas por
outras mais atuais, e qual rumo tomar no caso de não funcionamento da obra por
obsolescência tecnológica. Para este conjunto referencial adota-se a denominação de
documentação expandida32 e propõe-se que seja incorporada no contrato de aquisição
da obra e utilizada como declaração legal sempre que necessário.
No caso de uma obra computacional necessitar atualização, é desejável que seja feito
em conformidade com os preceitos da Arquivologia a fim de garantir sua longevidade.
Todo documento que não segue o Modelo OAIS - SAAI, perde sua autenticidade por
não estar inserido em uma cadeia de custódia confiável33. Especificamente no campo
das artes visuais, as obras computacionais atualizadas fora deste contexto de normas,
643
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
modelos e padrões não são mais autênticas34, e sim autenticadas35, mas nem por isso
perdem a relevância de sua preservação. A utilização destas diretrizes possibilita a “in-
terconexão de arquivos em bancos de dados existentes em todo o mundo, seja em
plataformas online ou em acervos de espaços museais”36. A autenticação da obra, após
sua atualização, é concedida por uma autoridade competente, gerando documenta-
ção que deve ser anexada à documentação expandida e/ou contrato, quando houver.
Considerações Finais
Os diversos agentes do sistema das artes podem estar integrados na preservação e
no arquivamento das obras de arte computacionais. Em específico, de acordo com
o que foi exposto neste artigo, as instituições museais devem acompanhar as trans-
formações do contexto da arte contemporânea através de linguagens constituídas
por “dispositivos complexos, instáveis, maleáveis, sempre em transformação”, como
afirma Anne Cauquelin37.
Os museus e espaços expositivos podem, sempre que adquirirem alguma obra de-
pendente de tecnologia computacional, ampliar o escopo de seus contratos, adicio-
nando a documentação expandida e a declaração do artista com algumas possíveis
diretrizes para o futuro do trabalho. Quais foram as referências visuais, técnicas, ou
outras, utilizadas para a instauração da obra? Existem fotografias e vídeos que regis-
trem o processo? Onde, quando e como a obra já foi exposta? Quais as possíveis va-
riações de montagem? Existe uma listagem completa de materiais físicos, hardwares
e softwares necessários para o funcionamento satisfatório do projeto? Entre outras
tantas indagações que vão surgir de acordo com as características individuais das
obras e artistas.
644
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
645
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
FREIRE, C. (org.). Walter Zanini: escrituras críticas. São Paulo: Annablume: Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2013.
GRAU, O.; HALLER, S.; RÜHSE, V.; HOTH, J.; SCHILLER, D.; SEISER, M. Documenting
Media Art: Towards a social WEB 2.0-Archive for MediaArtHistories and integrative
Bridging Thesaurus. In: Newest Art History. Wohin geht die jüngste Kunstgechichte?
Verband österreichischer Kunsthistorikerinnem und Kunsthistoriker, 2017. Disponí-
vel em: <https://goo.gl/fCHy3s>. Acesso em: 23 out. 2017.
PAUL, C. Digital art. London: Thames & Hudson, 2003. Edição do Kindle.
646
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
RINEHART, R. & IPPOLITO, J. Re-collection: Art, New Media, and Social Memory. Leo-
nardo Book Series. Edição do Kindle, 2014.
SAYÃO, L. F. et. al. (org.) Preservação digital no contexto das bibliotecas digitais:
uma breve introdução. Editora EDUFBA, 2005, p. 113-143.
647
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Graça P. Corrêa1
Direção e Encenação de Teatro como laboratório de prática
emocional
Theatre Directing as a laboratory of emotional practice
Resumo
Baseando-se na investigação recente sobre a teoria da emoção e dos afectos—
nomeadamente nos conceitos desenvolvidos por William James, António Da-
másio, Silvan S. Tomkins, e Brian Massumi, entre outros—o artigo investiga a
forma como a direção/encenação de teatro pode operar enquanto laboratório
de prática emocional. Neste sentido, são abordados dois processos distintos de
encenação e os métodos correspondentes de performance emocional, sugerin-
do que o teatro é uma atividade colectiva e forma de arte que contribui para o
florescimento da vida.
Palabras chave: emoção, ‘feeling’, afecto, ética, Antonio Damasio.
Abstract
Drawing on recent research in emotion and affect theory—namely on notions
developed by William James, Antonio Damasio, Silvan S. Tomkins, and Brian
Massumi, among others—this article investigates how theatre directing may
advance a laboratory of emotional practice. It thus examines two distinct the-
atre directorial processes, with corresponding methods of performing emotions
onstage, arguing that theatre is an activity and art form that contributes to-
wards the flourishing of life.
Keywords: emotion, feeling, affect, ethics, Antonio Damasio.
Introduction
Some of the most influential developments of contemporary thought have ensued
from an interdisciplinary collaboration of several fields of knowledge with cognitive
1 Graça P. Corrêa is researcher in Science and Art at FCUL-Faculty of Sciences of the University of
Lisbon, member of CFCUL-Center for Philosophy of Sciences, where she directs interdisciplinary re-
search projects on Emotion Theory, Synesthesia, Ecophilosophy, Neuroaesthetics and Ethics. Along-
side her academic career, she works as theatre director, stage designer, playwright, dramaturg and
translator in professional companies. Centro de Filosofia das Ciências, Faculdade de Ciências, Univer-
sidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal.
648
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
neuroscience. In the field of theatre and performance studies alone, Elizabeth Hart,
Bruce McConachie, John Lutterbie and Rhonda Blair (among other authors) have pu-
blished several books and articles within this novel approach. Nonetheless, whereas
there is relative agreement about what constitutes cognition, the same cannot be
said about emotion, resulting in differing notions and explanations for the terms
emotion, feeling and affect. As McConachie states, “the term ‘emotion’ has several
definitions, depending on whose science you read” (2008, p.13). Further, although
emotion and cognition have been viewed as largely separate throughout history by
both science and philosophy, in the past two decades a growing body of research
increasingly points towards the interdependence between the two (PESSOA, 2009).2
Among the arts, theatre is a highly collective creative activity and art form that works
with different expressions and texts, namely written, bodily, vocal, musical, aural and
visual. Moreover, theatre issues from and produces emotional thinking, an interfa-
ce between emotion and cognition allowing thoughts to trigger emotions that are
played out in the mind and body; and, in reverse, allowing body sensations to pro-
duce emotions and feelings that influence thoughts. Accordingly, this article asses-
ses different methods of developing emotions onstage by probing two examples
of rehearsal and production processes: Miss Julie, directed by Katie Mitchell in 2013,
and Sangue de Lorca, directed by myself in 2019, with the aim of understanding how
theatre directing may constitute a laboratory of emotional practice.
2 Acknowledged interactions between emotion and cognition include i) perception and attention;
ii) learning and memory; and iii) behavioral inhibition and working memory.
649
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Emotion and feeling have played a central part in the work of neuroscientist Anto-
nio Damasio, starting with Descartes’ Error (1994), in which he addressed the role of
both in decision-making, followed by The Feeling of What Happens (1999), where he
outlined the role of emotion and feeling in the construction of the self, and later on
by Looking for Spinoza (2003), which focused on how feelings are revelations of the
state of life within an entire organism. Generally consonant with the James-Lange
theory, Damasio proposes a distinction between emotion—which he describes as a
“collection of responses” corresponding to external and measurable reactions, many
of which are publicly observable —from feeling, which he reserves for the subjective
mental experience of these emotional responses (DAMASIO, 1999, p.42). Most im-
portant, however, in his most recent book, A Strange Order of Things (2018), Damasio
claims that emotions and feelings not only conduct our decision-making, but also
motivate all creations of human culture, by cooperating with homeostasis3. Conse-
quently, “What we call civilization is the education of our affects, of our emotional
machinery, during our childhood and youth, at home, in school or in our cultural
environments” (2018, p.162). Although this machinery is most certainly individuali-
zed, the greatest part of our emotions is social in nature. Our emotional machinery is
governed and affected by a combination of biology, environment and culture.
Homeostasis typically refers “to any process that living things use to actively maintain
fairly stable conditions necessary for survival” (RODOLFO, 2000). This conventional
notion of homeostasis confines itself to the balanced regulation of life’s operations,
conjuring up ideas of equilibrium and balance or the maintenance of a status-quo.
Hence, Damasio (together with biologist John S. Torday), rejects this quasi-static as-
sessment to propose an evolutionary view of homeostasis that not only guarante-
es survival and life regulation, but also tends towards the flourishing of life. Within
Damasio’s new understanding, feelings are the mental expressions of homeostasis:
The alignment of pleasant and unpleasant feelings with, respectively, positive and negative ran-
ges of homeostasis is a verified fact. (...) Mind and brain influence the body proper just as much
as the body proper can influence the brain and the mind. They are merely two aspects of the very
same being (2018, p.117).
Damasio bemoans the neglect of feelings in the natural history of cultures, because
feelings are the subjective experiences of homeostasis —that is, of the state of life.
A neglect of feelings in our culture thus corresponds to a disregard in relation to life
itself (2018, p.25).
3 Physiologist Walter Cannon coined the term homeostasis in 1926 as a tendency toward stability
among interdependent elements. It derives from the Greek homio “like, similar, equal” and stasis
“standing still”; and refers to any process that living things utilize to actively maintain fairly stable
conditions necessary for survival.
650
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Adding to the above-mentioned emotion theories but often challenging them, af-
fect theory—as found in the works of philosophers Gilles Deleuze, Félix Guattari and
Brian Massumi—offers an environmental dimension to feelings. Within a schizoa-
nalytic understanding of subjectivity as a becoming-in-and-with-the-world, propo-
sed by Deleuze and Guattari, affects are prepersonal intensities within human and
non-human bodies, in-between bodies, between bodies and world, that produce
capacities of bodies within assemblages, in a continuous flux (DELEUZE and GUAT-
TARI, 1987). According to Brian Massumi emotions are social, feelings are personal
and biographical, but affects are prepersonal. Whereas an emotion is the display of a
feeling that can be either genuine or contrived (sometimes an expression of our in-
ternal state, but other times engineered in order to fulfill social expectations), affect
is a nonconscious and nonlinguistic experience of intensity. Affects are moments of
unstructured potential, they correspond to the passage from one experiential state
of the body to another and imply an augmentation or a diminution in that body’s
capacity to act:
When you affect something, you are at the same time opening yourself up to being affected
in turn, and in a slightly different way than you might have been the moment before. You have
made a transition, however slight. You have stepped over a threshold. Affect is this passing of a
threshold, seen from the point of view of the change in capacity (...) every transition is accompa-
nied by a feeling of the change in capacity (MASSUMI, 2003, p.212-213).
Thus the body never coincides with itself, but instead always carries an increasing or
decreasing potential or “virtual” capacity for what will happen.
Affect theory is an approach across the humanities that focuses on the role of pre-
linguistic or nonlinguistic forces, and which can therefore be creatively explored in
theatre and performance research. In effect, one of the background figures of affect
theory, psychologist Silvan S. Tomkins, began his academic training as a playwright,
thus gaining many conceptual insights from his experience working in the theatre.
According to Tomkins, nine primary innate, or biologically based affects, combine to
produce complex emotions: namely six negative affects (anger-rage, fear-terror, dis-
tress-anguish, disgust, “dissmell”4 and shame-humiliation), one neutral affect (surprise-
-startle) and two positive affects (interest-excitement and enjoyment-joy)5 (TOMKINS,
2008). Tomkins also held that we feel and function best when we maximize positive
affect, minimize negative affect, and express all affect—which I suggest may explain
why we feel and function so well in most instances of working creatively in the theatre.
651
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Theatre director Katie Mitchell considers that she practices “fourth-wall realism,” and
that she is mainly concerned about producing and conveying human behavior.6
Mitchell bases her directorial work on some research into neuroscience, of the rela-
tionship between the biology of the brain and acting techniques. Her methods for
acting emotions in the theatre mostly ensue from studying Russian theatre director
Konstantin Stanislavski’s later work on physical actions, developed in the 1890s, which
in turn was greatly influenced by the James-Lange theory of emotions, claiming that
humans first react physically and only afterward become conscious of the meaning of
that physical reaction. In Mitchell’s own words,
For theatre practitioners, whose business is the accurate embodiment and transmission of hu-
man emotions, [this] is potentially huge. Here is a way of looking at emotions that separates off
the physical response from consciousness and the mental processes that follow this moment of
consciousness. It points to a way of working on emotions through recreating their physical shape
or circumstances (MITCHELL, 2009, p.231).
Because it is no longer essential for the actors to feel the emotions (as in Stanisla-
vski’s earlier method of “affective memory”), but rather to replicate them precisely
with their bodies so as to make the viewers feel them, Mitchell’s relationship to the
audience radically changed. She realized that spectators can only read what is ha-
ppening inside someone through what they actually see on the outside (MITCHELL,
2009, p.232).
6 Katie Mitchell was associate director of the Royal Shakespeare Company and of London’s National
Theater. Her theatre and opera productions have been presented in Dublin, Copenhagen, Milan,
New York, among other cities; and at major international theatre festivals (Avignon, Salzburg, Aix-
-en-Provence, Almada, etc.).
652
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Inspired by the work of contemporary Russian theatre directors Lev Dodin (Maly
Theatre, St. Petersburg) and Anatoly Vasilyev (director of the Moscow Theatre School
of Dramatic Arts), as well as by private training classes she took in the UK with actor-
-directors Tatiana Olear and Elen Bowman, Mitchell developed a series of emotional
exercises for the actors where they can either replicate particular emotions
from the inside, by recalling the emotion (by remembering a time in their own lives when they
experienced the same thing), or from the outside, by an almost clinical reconstruction of what the
body does when a particular emotion hits it (MITCHELL, 2009, p.232).
Mitchell’s reference point for both talking about and working on acting is not psy-
chology but rather the physiology of emotions. In this, she draws not only on the
James-Lange theory, but also on the writings of Antonio Damasio, who defines emo-
tion as a change in the body (MITCHELL, 2009, p.156).
Whenever she prepares a new production, Mitchell starts off by selecting the script’s
dominant emotion and by asking her actors to re-enact an event in their lives where
they experienced that emotion, for the rest of the group to watch. After studying
how an emotion affects the body, and concentrating their observations on people’s
physicality, actors will then connect this physical information with particular mo-
ments in the play. By drawing attention to one emotion, the director sets the tone for
the precision with which all the remaining emotions expressed in the play are to be
investigated and reenacted in the production (MITCHELL, 2009, p.154-156).
Mitchell’s theatre work distinguishes among three types of emotions: primary emo-
tions such as happiness, sadness, fear, anger, surprise and disgust; social emotions
or secondary emotions that are bodily changes “caused by the imagination,” such
as embarrassment or jealousy; and background emotions, “which are feelings ope-
rating at a low level, like when you say you’re feeling ‘a bit down’ or ‘under the wea-
ther’.”7 In the words of David Lan, Mitchell wants to lead the spectators “to the ghas-
tly depths of human behavior” and force them to understand it:
Her actors convey a sense of minutely observed, psychologically accurate naturalism. (...) If they
are anxious or frightened, they stumble anxiously or fearfully over their words, to the detriment,
sometimes, of audibility. That fear or anxiety, too, is strongly embodied: physical language does
much of the work (HIGGINS, 2016).
Mitchell, however, also seeks to reveal “what it’s like to be inside someone’s consciou-
sness” such as “the challenge of representing someone’s dreams, of one dream that
653
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
one person has, and constructing it in such a way that the audience will really feel
they are watching a dream” (MITCHELL, 2005, p.5).
We’re doing the play from the point of view of the least important character and, you know, it’s very
moving to watch the main action through the eyes of a person who is actually going to be really,
profoundly affected by the action, but who the two protagonists don’t really care about. It’s like us
in life, really. These grand dramas play out, but there’s a lot of collateral damage (MITCHELL, 2010).
8 Mitchell’s version of the play opened at the Schaubühne Theater in Berlin, in 2013. See trailer at
https://www.youtube.com/watch?v=vVCJ5jt7vM4. Accessed 23 August 2019.
9 For reviews of the opening production, see Kate Kellaway, “Fräulein Julie – review”, The Guardian 5
May 2013. https://www.theguardian.com/stage/2013/may/05/fraulein-miss-julie-strindberg. Acces-
sed 23 August 2019.
654
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
When, in August 2018, I started composing Sangue de Lorca (Blood of Lorca),10 I wan-
ted to accomplish a work about love and revolution, about affectionate care and the
power of changing the world: that was my main emotional drive from the start. With
a cast of actors comprising seven women and three men, the performance resulted
in a presentation of Lorca’s celebrated trilogy of plays—The House of Bernarda Alba
(1936), Yerma (1934), and Blood Wedding (1933)—, thus demanding deep drama-
turgical choices in order to cut significant parts from the original scripts. Likewise, I
was interested in portraying the personal, social, and political circumstances of the
last days in the life of Federico Garcia Lorca, namely why he decided to stay in Spain
even though he already had a visa to run away from political persecution to Mexico;
his stance regarding the democratically elected Republican government, general
Franco’s right-wing military coup to overthrow it, and the Spanish civil war that en-
sued; his homosexual orientation and intense concern for the sexual and emotional
oppression of women. Consequently, the performance was structured into three
major sections corresponding to the plays, added by an introduction, two interlu-
des, and a conclusion of monologues delivered by the “specter” of Federico Garcia
Lorca on the subject of love, life and death, based on excerpts of his letters, poems
and public speeches.
10 Opened at Espaço Hangar Inimpetus in Lisbon, January 3-17, 2019; and presented at the Theatre
Festival Festival T in Albufeira, 29 March 2019.
655
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
In examining Lorca’s trilogy of plays, I was struck by the fact that their chief emotions
were fear and joy, two bodily-mental responses that fiercely oppose each other. In
Bernarda Alba, a mother confines her five daughters within the walls of the family
house, forbidding them any contacts with the outside world. Instead of being a
site of care or a beneficial environment where relationships among living beings
are reciprocal and affective, home becomes a prison, a hostile place of abuse where
an unnatural mother/authoritarian ruler controls her daughters’ biological instincts
and thus constrains their lives. Likewise in Yerma, home becomes a prison where a
sexually aroused woman is kept to serve her stern, sterile, perhaps even impotent,
husband. In Blood Wedding, a woman is about to marry a man she does not love,
her destiny being to bear his children and dwell inside yet another prisonlike fa-
mily house. Within Damasio’s understanding that feelings and homeostasis relate to
each other closely and consistently, to such an extent that a deficient homeostasis
is expressed largely by negative feelings, while positive feelings open organisms to
advantageous prospects, the female protagonists of the three plays (Adela, Yerma
and The Bride) are unable to thrive emotionally. They constantly live in a fear that
prevents them from feeling joy; they are forced to repress their love drives; they su-
ffer from anxiety due to repressed intimacy and lack of fulfillment: eventually, all of
them culminate in suicide-like deaths.
Lorca’s plays demand a highly physical acting because of their emotional power and
intensity in matters of bodily feeling. Indeed, several critics have noted how Lorca’s
works have an extraordinary directness of emotional address, and how in most of
them “love and passion are given a dramatic intensity that creates the thrilling effect
of an equivalence between feelings and the processes of the external, natural world”
(PERRIAM, 2007, p.150). Exploring this correspondence between feelings and natu-
ral landscapes, in Sangue de Lorca I stimulated the imagination11 of each individual
actor, through exercises and closed readings, so that they would create emotional-
-mental scripts based on their inner and outer sensory landscapes. We would strive
to express, for example, to imagine-feel how it is like to be incarcerated inside an
Andalusian house in the peak of the summer, wearing heavy black clothes during
the day, and being unable to sleep at night because of the heat. How is such a claus-
trophobic feeling of an oppressive atmosphere similar to being unable to live and
express oneself freely in the context of an authoritarian regime? As I have argued
elsewhere (CORRÊA, 2011; 2016), the concept of landscape can be productively de-
ployed in the analysis of playtexts, referring not only to the play’s theoretical pers-
pective and aesthetic experience (landscape as a concept implies a point of view, as
well as a sensory involvement), but also in directorial practice, through the explora-
tion of concrete spatial-bodily and mental-emotional “scapes” with the actors.
656
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Writing on cognition and emotion, Carl Plantinga argues that much of what lea-
ds a person to have an emotion occurs at the level of the “cognitive unconscious,”
comprising “unconscious perception, unconscious affect, and unconscious conation
(pleasure and desire)” (2009, p.49-50). Plantinga claims that emotions are not always
automatically felt bodily states but rather can be “intentional states expressive of a
relationship between a person and the environment; they therefore have objects,
that is, they are directed at something or someone, whether real or imagined” (2009,
p.79). This conforms to the mental phenomenon that Damasio calls “as-if-body-loop,”
whereby the brain sculpts emotional body maps internally; in short, “the body-sen-
sing areas constitute a sort of theater where not only the ‘actual’ body states can
be ‘performed,’ but varied assortments of ‘false’ body states can be enacted as well”
(DAMASIO, 2003, p.118). In this sense, in my directorial work in the theatre I often
work with actors so as to make inner images, thoughts and landscapes trigger bodily
emotions, as well as transforming what start out to be purely physical bodily postu-
res and movements into feelings.
657
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusion
Etymologically derived from the latin movere, and thus implying an action that tri-
ggers change, emotions are not only about activity and movement, but also about
bonding and attachment. Although the term emotion started being used in France
in the sixteenth century, denoting an instinctive and intuitive feeling distinct from a
rational discursive process of thinking that produces concepts towards knowledge,
recently many neuroscientists have found that emotional engagement is necessary
to sustain the simplest cognitive tasks. Furthermore, emotions play a key role in pro-
viding various types of natural internal values upon which many complex behavioral
choices in humans are based, and therefore are essential towards ethical thinking.
In Damasio’s words, “Ethical behavior is coextensive with emotion; it enables us to
optimize our survival, our well-being. Because emotion is linked to ethical behavior,
failed emotional behavior is the cause of failed ethical decisions and of potentially
disastrous social consequences” (DAMASIO, 2002). In effect, as recent political world
events have shown, “Attempting to understand human behavior as the outcome of
rational cognition alone is not only incorrect—it leads to fundamental misunders-
tandings of the human condition” (MASSEY, 2002, p.2).
In his recent book, Donovan O. Schaefer explains that “As a method, affect theory
asks what bodies do – what they want, where they go, what they think, how they
decide – and especially how bodies are impelled by forces other than language and
reason” (2019, p.1). Formerly, Schaefer had already observed how
effective actors will meticulously use every aspect of their bodies—their voice, hands, face, postu-
re, stride, gaze, gait, and muscles—to build an affective symphony. Directors, too, use a nonverbal
repertoire including timing, staging, and perspective to weave a thick knot of affects around their
script (SCHAEFER, 2016).
References
COLEMAN, Ashley e SNAREY, J. James-Lange Theory of Emotions. In: GOLDSTEIN S.
and NAGLIEI, J. (Eds.). Encyclopedia of Child Behavior and Development Vol 2.
New York: Springer-Verlag, 2011, p.844-846.
658
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
CARROLL, Noël. Film, Emotion, and Genre. In CARROLL, Noël and CHOI, Jinhee (Eds.).
Philosophy of Film and Motion Pictures: An Anthology. Malden: Blackwell, 2006,
p.217-233.
___. Landscapes of Dictatorship in Film: Three Aesthetic and Emotional Modes. In:
ARAUJO, MORETTIN and BAPTISTA (Eds.). Ditaduras Revisitadas. Faro: CIAC-UAlg,
2016, p.498-521.
DAMASIO, Antonio. The Strange Order of Things: Life, Feelings and the Making
of Cultures. New York: Random House, 2018.
___. Looking for Spinoza: Joy, Sorrow, and the Feeling Brain, London: William
Heinemann, 2003.
___. Conference proceedings: Neuroethics, Mapping the field. New York: Dana,
2002.
___. The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making of Cons-
ciousness. New York: Harcourt Brace, 1999.
DELEUZE, Gilles and GUATTARI, Félix. A Thousand Plateaus: Capitalism and Schi-
zophrenia. Translated by Brian Massumi. Minneapolis: University of Minnesota
Press, 1987.
HIGGINS, Charlotte. “Katie Mitchell: British theatre’s queen in exile.” The Guardian 14
Jan. 2016. https://www.theguardian.com/stage/2016/jan/14/british-theatre-queen-
-exile-katie-mitchell. Accessed 9 September 2019.
MASSUMI, Brian. Navigating movements. In ZOURNAKI, Mary (Ed.). Hope: New phi-
losophies for change. New York: Routledge, 2003, p. 210-242.
MITCHELL, Katie. The Director’s Craft: A Handbook for the Theatre. London & NY:
Routledge, 2009.
659
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
___. “The Director: Interview with Katie Mitchell.” In THIRLWELL, Emma (Ed.). A Dre-
am Play Background Pack. London: National Theatre, 2005, p.5. https://www.natio-
naltheatre.org.uk/sites/default/files/a_dream_play.pdf. Accessed 9 September 2019.
MASSEY, Doug. A Brief History of Human Society: The Origin and Role of Emotion in
the Social Life. American Sociological Review, 67.1 (2002): p.1–29.
PLANTINGA, Carl. Moving Viewers: American Film and the Spectator’s Experien-
ce. Berkeley: University of California Press, 2009.
___. “It’s not what you think: Affect Theory and Power take to the Stage.” Duke Upress
News, 15 Feb. 2016. https://dukeupress.wordpress.com/2016/02/15/its-not-what-
-you-think-affect-theory-and-power-take-to-the-stage. Accessed August 23, 2019.
SHOUSE, Eric. “Feeling, Emotion, Affect.” M/C Journal June 2016, http://www.jour-
nal.media-culture.org.au/0512/03-shouse.php. Accessed 9 September 2019
Acknowledgements
CFCUL FCT UID/FIL/00678/2019
This research was supported by the Foundation for Science and Technology, Portugal.
Centro de Filosofia das Ciências, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa,
1749-016 Lisboa, Portugal.
660
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
As bolseiras viajantes, recrutadas para o programa idealizado por Albert Kahn
Voyages Autour du Monde ficaram conhecidas por “Albertinas”. No total de 72 bol-
seiros-viajantes-fotógrafos, 27 foram mulheres, cuja formação fora realizada em
escolas públicas, onde algumas retornariam, vindo depois a ocupar cargos des-
tacados. A consideração societária e profissional foi-lhes reconhecida, ainda que
alguns nomes ficassem apagados na voracidade das imagens. O Grand Archive
de la Planète é o inventário de milhares de fotografias autochrome, produzidas
ao longo de quase 30 anos nos vários continentes. Nos relatórios e fotografias dos
bolseiros mostravam-se cerca de 50 países, destacando perspetivas antropológi-
cas, etnográficas, estéticas a convergir para um acesso expandido às imagens das
coisas do mundo. O grande propósito era contribuir para a mudança de paradig-
mas de ensino, alertando para a diversidade de um mundo em aberto que Kahn
acreditava estar a soçobrar e cuja memória real carecia preservar.
Palavras-Chave: Bolseiras-mulheres; viajantes; fotografia autochrome; utopia;
inventário imago mundi.
Abstract
The traveling fellows recruited for the program designed by Albert Kahn Voyages Aut-
our du Monde became known as “Albertinas”. Of the 72 travel-photographers, 27 were
women, whose training had been held in public schools, where some would return,
and later even held senior positions. Their societal and professional consideration was
661
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
acknowledged, even though some names were erased in the voracity of the images.
The Grand Archive de la Planète is an inventory of thousands of autochrome pho-
tographs gathered during almost 30 years all around the world. In their reports and
photographs of these travelers there were information about 50 countries, highlight-
ing anthropological, ethnographic, aesthetic perspectives converging on expand-
ed access to images of things in the world. The grand purpose was to contribute to
changing teaching paradigms by alerting to the diversity of an open world that Kahn
believed he was collapsing and whose real memory needed to be preserved.
Key-words: Women scholarships; travelers; autochrome photography; Utopia; ima-
go mundi inventory.
Figura 12
Eu percorro o meu próprio atalho de modo tão resoluto que sei já ter vivido há muito tempo
nestas paragens, ou mais concretamente, nunca se tratou de uma questão de morada.3
D’une part, il cherche à conserver la mémoire du monde en train de disparaître sous l’impact
de la modernité.(…) D’autre part, à travers la documentation ainsi réunie, Albert Kahn cherche
à composer le «Grand livre de l’Homme», à saisir le caractère unique de l’homme au-delà des
différences culturelles.4
662
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Albert Kahn considerava que viajar era manter os olhos abertos, o que facilitava que
a elevação do espírito. Permitiria às pessoas avançar, não cristalizarem, de modo a
superar as incompatibilidades e os ir-reconhecimentos restritivos entre as nações,
conjeturando a dimensão do universal, suas leis e a sua infinitude. O mundo estaria
[esteve] ao alcance dos seus colaboradores, de todos aqueles que acataram e pros-
seguiram em prol de sua utopia. Hoje, aparentemente, as imagens estão aí, perante
cada um de nós, dentro do perímetro do ecrã de um computador. Não se enceta
uma Volta ao Mundo efetiva, nem se vai no encalço de um inventário do planeta
legitimado na idealização e espírito visionário de um banqueiro altruísta.
Kahn previu as etapas necessárias para efetivar a sua convicção: contrariar a crise em
que a humanidade iria soçobrar. Contrapondo uma ativação que dependia do ensejo
e capacidade de transpor a cativação das imagens, indo mais além, buscando obje-
tivos lúcidos para sua remissão, ou seja, transcender o desconhecimento. A resposta
estava no acesso direto, pela presença viajada até e nos lugares esquecidos ou ignotos.
Atravessar as zonas de seguração da centralidade europeia e, também, mergulhar nos
meandros desconsiderados pela ilusão/utopia do progresso. Tudo estaria contido na
compulsão antiga de associar a viagem à ideia de mudança, de superação que seria
disseminada por aqueles em quem Kahn reconhecia capacidade na busca de uma ou-
tra espécie de graal. Eis a crença perseguida pelo filantropo e seus mediadores, simul-
taneamente operadores científicos, estéticos, humanistas e tecnológicos.
Hoje em dia, qualquer pessoa pode aceder sem grande dificuldade, por uma sim-
ples pesquisa online ao visionamento dos 9 episódios da série BBC (episódios com a
duração de 50 minutos) intitulada O Mundo maravilhoso de Albert Kahn (2008).Bas-
ta seguir os documentários para se perceber a complexidade do ambicioso projeto
Grand Archive de la Planète, contido em apenas cerca de 450 minutos, enquanto
resultado da colaboração de vários realizadores:
5 In https://www.artfilms.com.au/item/the-wonderful-world-of-albert-khan?ItemID=5373 : “Episo-
des in the series (50 mins. each, also available individually).” (Consulta em setembro 2019)
663
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A mesma Série, também designada por Edwardians in Colour: the Wonderful World
of Albert Kahn6 foi visionada pela primeira vez na BBC em 2007/2008. Em 2011 foi
lançada a caixa da Coleção em formato DVD. Os episódios resultam de uma escolha
de fragmentos de filmagens e fotografias, de certa finalidade mediática, que sinte-
tiza e possibilita avançar para um mais aprofundado conhecimento deste desígnio
inédito, algo parecido com uma narrativa mitológica.
Algumas das imagens que integram este mega (e percursor) Grand Archive de la
Planète [cerca de 72000 autocromias e 4000 estereoscópicos] e cinematográfico [cerca
de uma centena de horas de filmagens], estão disponíveis no Website: Les collections
du musée départemental Albert-Kahn in http://collections.albert-kahn.hauts-de-seine.
fr/, organizadas a partir de 4 grande temas: paisagens, panoramas de cidades, grupos e
comércios. Na página inicial do Website consta a listagem de fotógrafos, cujas imagens
foram carregadas, divididas pelos subtemas, obtendo-se informação discriminada, in-
cluindo menção à localização/origem dos conteúdos iconográficos retratados. Um
planisfério diagramado sinaliza a densidade, convergência e dispersão dos fotógrafos,
pontuando as missões realizadas ao longo de quase 30 anos. Assinalam-se os pontos
geográficos - mais ou menos privilegiados - como se constata:
Figura 27
6 “In many ways this incredible documentary has a title which doesn’t reflect its subject matter - this
five part series (soon to expand even more, or so I hear) covers world history from the turn of the last
century up through the end of World War One, and the focus is on the first color photographs spon-
sored by the French financier and pacifist Albert Kahn, whose home is now a museum outside of
Paris. (…) This is an outstanding documentary which needs to be seen by people around the globe,
not just in England. I’m glad a friend sent it to me on PAL discs from the UK, but it needs a wider au-
dience. I hope it’s put together, when completed with the new episodes next year, into a large boxed
DVD package, in both PAL and NTSC formats, for people around the world to enjoy and learn from.
This documentary would be a wonderful way to teach early 20th century history to young people.”
In https://www.imdb.com/title/tt0897327/ (consulta em Agosto 2019)
7 In http://collections.albert-kahn.hauts-de-seine.fr/?page=accueil
664
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Au fil des ans, des jeunes gens britanniques, américains, russes, japonais et même allemands bé-
néficient de la générosité du mécène. Si les bourses allemandes cessent en 1914 et les russes en
1917, les autres durent assez longtemps pour créer une vraie communauté d’intellectuels ouverts
aux cultures du monde dans un esprit pacifiste.8
Em 1898, o impulso é dado por Albert Kahn quando predefiniu e instituiu o siste-
ma de bolsas de viagens “À Volta do Mundo”, destinado aos jovens diplomados que
cumprissem os requisitos estipulados. Quem foi selecionado, poderia conhecer, na
primeira pessoa e ao longo de 12 a 18 meses, a realidade de países estrangeiros,
alargando de maneira ímpar os seus horizontes e projetando-se para os vindouros.
O processo de recrutamento dos bolseiros incluía significativas exigências e era apli-
cado com um rigor surpreendente. Kahn queria gerar/consolidar um escol (parafra-
seando Fernando Pessoa), consolidar uma elite que agisse a nível do ensino, confi-
gurando-o em moldes mais amplos e reflexivos. Quis instituir um compromisso de
índole educacional, na sequência de circunstâncias e situações detetadas ao longo
de anos e no decurso das suas viagens. Em 1898, o programa concebido e minucio-
samente preparado é “inaugurado”.
As bolsas abrangiam jovens de ambos os sexos que durante cerca de um ano e meio
percorriam diferentes países, descobrindo a realidade múltipla do mundo. Mas o es-
copo de Kahn visava mais além: as bolsas eram o meio através do qual os bolseiros e
as bolseiras desenvolviam um espirito de tolerância universal que iria conduzir a sua
ação futura como professores, promulgando uma nova consciências nas gerações.
Pelo contato direto, os jovens bolseiros aprofundariam e ampliaram saberes, logran-
do competências a reverter em boas práticas profissionais. Uma tal metodologia,
de afiliação “investigação-ação”, converteu Albert Kahn num excelente “gestor” de
8 Gilles Baud-Berthier, “Albert Kahn et le Projet des Archives de la Planète 1908-1931”, 2010/3 N°
99 | pages 105 à 107 In https://www.cairn.inforevue-materiaux-pour-l-histoire-de-notretemps-
-2010-3-page-105.htm (consulta em Agosto 2019)
665
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mediante a persistência e duração para efetuar contatos diretos, para o bom desen-
volvimento do trabalho no terreno, identificavam-se estudos de caso, usando uma
metodologia de carácter comparatista. Os jovens deviam obter – mediante o con-
fronto presencial - ideias exatas, o mais precisas possível, quanto à conjuntura vivida
em França, situando o país no mundo; ficariam informados da pluralidade de nacio-
nalidades diferenciadas e, nalguns aspetos, a descoberta de afinidades elaborativas.
9 Cf. Yaelle Arasa, Les Voyageuses d’Albert Kahn, Paris, L’Harmattan, 2014, p.71
666
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
intelectuais de diferentes áreas, que se pautavam pelo cumprimento dos requisitos esti-
pulados no “Edital”. Em certos casos, os candidatos não selecionados numa primeira ten-
tativa, voltavam a fazê-lo no ano seguinte, alcançando então a tão desejada aprovação.
Até 1903 as bolsas eram atribuídas apenas a diplomados em áreas literárias ou cien-
tíficas de ensino secundário, com grau obtido há menos de 10 anos. Em 1904, alar-
gam-se a formados em direito; em 1907, a professores de ensino superior e em 1910,
a pessoas com estudos avançados que se destinassem a práticas de ensino.
A partir de 1905, Albert Kahn criou uma linha de bolsas de viagens reservadas ape-
nas a mulheres. A 7 de junho desse ano, Louis Liard, vice-reitor da Academia de Paris,
anunciava a existência de bolsas exclusivas para jovens mulheres agregadas ao ensi-
no. As normas para as bolsas femininas distinguiam-se por fatores como:
Mulheres Homens
10 Yaelle Arasa, Les Voyageuses d’Albert Kahn, Paris, L’Harmattan, 2014, p.70
667
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os contornos para atribuição e as restrições para fruição das bolsas, refletem os pre-
conceitos, as convicções e os padrões comportamento vigentes nestes círculos de
predomínio masculino, dominante no século XIX e que apenas começava a ser con-
trariado. Contudo, era óbvio e significativo o reconhecimento do papel determinan-
te da mulher na sociedade francesa da época. O intuito de Albert Kahn, subjacente
a este programa de bolsas no feminino, traduzia-se na possibilidade de lhes alterar
o status formativo, educacional; de configurar o que entendia dever ser a mulher
para o futuro, ao proporcionar o acesso e as condições - até aí inexistentes; ciente da
importância do seu papel no lar e, por inerência a ação junto da família, o impacto
da sua atuação extramuros.
11 Whitney Walton, “Des enseignantes en voyage: les rapports des boursières Albert Kahn sur la France
et les États-Unis, 1898-1930”, Nicolas Bourguignat, Le Voyage au feminine – perspectives historiques et
littéraires (XVIII- XXeme Siècles), Strasbourg, Presses Universitaires de Strasbourg, 2008, pp.131-149
668
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No regresso, quer umas, quer outros, além dos relatos breves enviados durante as
viagens, esperava-se a elaboração de um Relatório com um mínimo de 50 páginas,
bem documentado e fundamentado, demonstrativos dos conteúdos extraídos da
viagem, a ser exposto perante o Reitor da Academia de Paris. Os relatórios, susce-
tíveis de serem publicados, deviam exprimir-se num discurso académico – susten-
tado, argumentativo e especificado. Implicava ainda, por parte da/do bolseira/o a
realização de duas a três conferências em Paris ou em local a designar. Não surpre-
ende portanto que muitas bolseiras tenham, posteriormente, desenvolvido carreira
no ensino secundário, como jornalistas ou formadoras em países estrangeiros, p.ex.
nos Estados Unidos.
Outros destinos, objeto de estudos recentes, centram-se nas viagens das bolseiras
no Oceano Índico, do que é exemplo o ensaio de Yaelle Arasa.13 Afinal, era o mundo
que se queria entrasse mais inteiro, fatual e realístico, nas salas de aula. Donde, a
12 Yaelle Arasa in Les Voyageuses d’Albert Kahn, Paris, L’Harmattan, 2014, menciona 28 bolseiras, nou-
tras fontes há referências a 27 e mesmo a apenas 24 bolseiras. As diferenças advêm da atribuição de
bolsas especiais, diretamente atribuídas por Albert Kahn.
13 Yaelle Arasa, “De Téhèran à Java – Les Voyajeuses d’ Albert Kahn dans l’Océan Indien 1910-1930”,
Évélyne Combeau-Mari, Les Voyajeuses dans l’Océan Indien – XIXe et première moitié du siècle XX, Ren-
nes, Presses Universitaires de Rennes, 2019, pp. 209- 227
669
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
extensão dos locais ter sido estendida ao longo dos quase 30 anos de missões dos
bolseiros. Provavelmente, o fato de mais de ¾ das mulheres-bolseiras ter mais de
30 anos permitia que mais rapidamente seguissem as determinações e normas de
conduta subjacentes ao programa. Por outro lado, tinham consciência clara do que
onde pretendiam e onde se dirigirem. Entre 1910 e 1930, oito das vinte e sete admi-
tidas tomam o caminho do Oceano Índico, mas concretamente sete francesas e uma
inglesa, professora em Oxford. Como cita Yaelle Arasa: “Elas seguem os preceitos
do seu Mecenas: “Esqueçam tudo o que aprenderam, mantende os olhos abertos”,
apoiando-se nos inúmeros encontros oficiais ou fruto de acaso, para preencher a sua
missão de estudo das mulheres e do ensino feminino.”14
Entre estas viajantes a tão longínquas paragens, citem-se: Jeanne François (1866) ti-
nha quarenta e seis anos quando se prepara para partir; Marguerite Glotz, a sua com-
panheira de missão, tinha apenas vinte e quatro anos. A mais nova viajante era Si-
mone Téry (1897). A idade não constituía barreira, convivendo pessoas de diferentes
gerações, havendo que ponderar as implicações de vida familiar: a maioria era sol-
teira, uma delas já era viúva, apenas uma era casa, mas nenhuma tinha filhos. Assina-
le-se que cerca de metade destas mulheres morreram bastante novas.15 Em algumas
ocasiões, os pares de viajantes previamente definidos não se mostram compatíveis
a acabam por se associar a outra pessoa que também esteja nos mesmos trajetos ou
associáveis: Rachel Allard, Eugènie Poulin, que passam a associar-se respetivamente
a Marguerite Glotz e Jeanne François, no ano seguinte, também integraria o grupo.
As deslocações até ao local visado eram demoradas, morosas, mesmo tendo os itine-
rários bem delineados e as logísticas previstas, situações inesperadas ocorrem. As suas
expedições tornavam-se emblemáticas e chegaram a inspirar literatura de ficção escri-
ta na época ou evocada na literatura que as próprias viriam a redigir: Simone Téry que
chegou à Indochina, tinha atravessado o Índico depois de uma estadia em Ceilão e
Singapura, narrou a sua odisseia no romance Passagère, 1930, editado na Plon de Paris.
As jornadas para outros continentes, que não aqueles inicialmente marcados, facil-
mente obtinham boa recetividade por parte de Albert Kahn, quem desde cedo via-
jara pelos 4 cantos do Mundo. Em 1908, este filantropo utopista, iniciou uma nova
viagem, que o levaria ao Japão e à China via Estados Unidos. Acompanhou-se do seu
engenheiro e mecânico, Alfred Dutertre, que efetuou durante o périplo, mais de 4000
registos a preto/branco, entre clichés estereoscópicos e filmagens que testemunha-
riam (para quem duvidasse) a veracidade e aparência da aventura empreendida. Pou-
14 Yaelle Arasa, “De Téhèran à Java – Les Voyajeuses d’ Albert Kahn dans l’Océan Indien 1910-1930”, p.209
15 Cf. Notas de rodapé 11, 12, 13, 14 e 15 Yaelle Arasa, “De Téhèran à Java – Les Voyajeuses d’ Albert
Kahn dans l’Océan Indien 1910-1930”, p.211.
670
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A partir de 1912, Albert Kahn adicionou ao grupo o geógrafo Jean Brunhes, que
se revelou um protagonista fulcral para a qualificação do projeto, numa fase em
16 In http://albert-kahn.hauts-de-seine.net/comprendre/l-equipe-des-archives-de-la-planete (con-
sulta em Agosto 2019)
671
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 317
Com a passagem dos anos e o conhecimento das jornadas das bolseiras, a opinião
pública interessou-se mais e mais, assim como a comunidade académica e cultural.
Se, inicialmente, as mulheres viajantes eram observadas com renitência, cuidado e
mesmo relutância, senão pelo menos com dúvida e incredulidade pelo menos, tam-
bém as bolseiras ocidentais solitárias eram alvo da maior curiosidade e suspeita. Elas
tinham consciência que deviam apresentar-se no seu melhor, demonstrando as suas
altas qualificações, para que as valorizassem e não lhes fossem colocados demasia-
dos obstáculos nos seus intentos:
17 In https://centenaire.org/fr/tresors-darchives/le-travail-des-femmes-dans-les-archives-de-la-pla-
nete-albert-kahn
18 Louise Bourquin citada por Yaelle Arasa, “De Téhèran à Java – Les Voyajeuses d’ Albert Kahn dans
l’Océan Indien 1910-1930”, p.216
672
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em 1912, Albert Kahn pediu ao geógrafo Jean Brunhes para organizar os seus Ar-
chives de la Planète, no enquadramento e perspetiva advindos da, então, nova disci-
plina de Geografia Humana. O projeto, que o banqueiro francês colocou como eixo
de vida, fora iniciada cerca de 4 anos antes, propulsionado para a missão que se
impôs cumprir, mediante estratégias inovadoras, atendendo à época. A fotografia
era a grande aliada da Geografia Humana. Impunha-se como veículo privilegiado
para asseverar a memória e enquanto testemunho histórico. A responsabilidade de
olhar e extrair o mundo na condição de conteúdos, era tarefa paulatina. No arquivo
foram incorporadas as produções de viajantes-bolseiros. Albert Kahn empreendeu
a missão de seu “Grande Inventário do planeta”, compilando imagens fotográficas e
cinematográficas autochrome dos lugares no mundo eleitos como prioritários.
Elas não eram turistas, nem eram viajantes de negócios ou de lazer. Eram mulheres diplomadas e
artistas que viajavam para dar impulso à sua carreira e que simultaneamente faziam a experiência
de maior aquisição de identidades e questionamento de si mesmas, como apenas durante as
viagens se oferece acontecer.19
No final desta utopia que convocava tantas disciplinas e perceções educadas, vis-
lumbrava-se a gula das imagens de um mundo que Kahn sabia nunca mais seria
igual. As recolhas de dados, por parte das bolseiras, as recolhas de imagens trans-
postas em fotografias denotavam e destacavam incidências antropológicas, etno-
gráficas, estéticas e históricas.
19 Louise Bourquin citada por Yaelle Arasa, “De Téhèran à Java – Les Voyajeuses d’ Albert Kahn dans
l’Océan Indien 1910-1930”, p.216
673
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
20 In http://journals.openedition.org/lisa/docannexe/image/5943/img-1.png
674
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
675
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
margens de Lough Ree, tendo regressado a Dublin, passando por Glendalough/ Wi-
cklow (nove placas) e vale de Boyne, entre Drogheda e Slane (dezassete placas).24
Eternizaram uma Irlanda que estava prestes a desaparecer. Essa consciência predo-
minava na sua perceção e foi transmitida nos cadernos de anotações feitas in loco.
A jovem mulher com o grande xaile vermelho é uma presença forte nos retratos de
Galway. Não era o retrato de uma Irlanda que existisse em 1913, antes desvelar o que
fora té recentemente. Até que ponto a encenação é conseguida e oblitera a intenção
primordial ou quanto podem conviver dentro da imagem, sob auspícios estéticos?
A desenvoltura de postura, o cuidado, a compostura do lenço ou a colocação das
mãos, o rosto em posição frontal ou semi-ocultado plasmam idealizações estéticas
que, todavia, envolvem ideias e testemunhos, como se entende a partir interpreta-
ção das anotações que acompanham as placas: “Existe pois uma dificuldade quanto
ao programa da missão, entre uma escolha do quotidiano que, do ponto de vista de
J. Brunhes como de A. Kahn, valia a pena ser fotografado, justamente porque não
era excecional, e a restrição em se apegar ao que iria desaparecer e se tornara raro.” 26
24 Cf. Karine Bigand, “Marguerite Mespoulet et Madeleine Mignon en Irlande pour les Archives de la
Planète: influences hors champ”, Revue LISA/LISA e-journal , s/pág.
25 M. Mespoulet citada por Karine Bigand, “Marguerite Mespoulet et Madeleine Mignon en Irlande
pour les Archives de la Planète: influences hors champ”, Revue LISA/LISA e-journal , s/pág.
26 M. Mespoulet citada por Karine Bigand, “Marguerite Mespoulet et Madeleine Mignon en Irlande
pour les Archives de la Planète: influences hors champ”, s/pág
676
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mespoulet continuou ligada às ilhas, tendo-se dedicada depois a uma carreira uni-
versitária nos Estados Unidos.
Bibliografia:
AA. (1995) “Albert Kahn : Réalités d’une utopie, 1860-1940”. Paris: Musée Albert Kahn
BRILLI, A. (1995) Quando viaggiare era un’arte. il romanzo del Grand Tour. Bolog-
na : Il Molino
677
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
LAPIERRE, A. & MOUCHARD, C. (2015) Elles ont conquis le monde – Les grandes
aventurières 1850-1950. Paris : Artaud
678
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Gilles Deleuze2 reflete sobre a memória e conclui que a “matéria” é um agregado
de “imagens”, algo colocado entre a coisa (objeto) e a sua representação. Ele cha-
ma de “imagem cristal”, a imagem que combina a memória de um evento passa-
do com a do tempo presente, e ela (a “imagem cristal”) é às vezes caracterizada
por ligações espaciais e temporais entre as imagens (as imagens da memória e
o tempo presente).
Uma imagem holográfica e especificamente uma imagem holográfica digital
não é uma representação fixa da realidade, mas pode ser definida pela sua total
flexibilidade. Hoje em dia - com a cibernética, a robótica e a neurociência alte-
rando a forma como percebemos e vivenciamos o espaço - o corpo ressurgiu
como um importante meio criativo.
Partindo de uma crença no corpo humano como ferramenta emocional, como
mensageiro de memórias, temos vindo a criar “um novo espaço para a imagem”,
cuja estrutura é influenciada pelas imagens holográficas e pelo público como
performer. Neste artigo irei desenvolver esta ideia analisando uma série de ima-
gens holográficas digitais que produzimos anteriormente.
Palavras Chave: Performatividade holográfica, imagem holográfica digital, ima-
terialidade, memória
Abstract
Gilles Deleuze reflects on memory and concludes that “matter” is an aggregate of
“images”, something placed between the thing (object) and its representation. He
1 ID+, Instituto de Investigação em Design. Media e Cultura, Universidade de Aveiro, Campus Univer-
sitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal. Foi investigadora Pós-doc. da FCT, na DMU, Leicester
(UK) e na UP (PT). Artista multimédia que investiga as relações da Arte, Ciência e Tecnologia. Tendo a
luz como assunto principal, produziu e apresentou ambientes multimédia e instalações holográficas,
e tem vindo a explorar o potencial de performance no espaço criado entre a imagem holográfica e
o observador. Tem publicado e participado em várias Conferências nacionais e internacionais, como
autora e como revisora.
mifcmazevedo@gmail.com
www.isabelazevedo.com
2 Deleuze, G. (2006). A Imagem-Tempo, Cinema 2. Lisboa, Portugal: Assírio & Alvim.
679
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
calls it the “crystal image,” the image that combines the memory of a past event
with that of the present time, and it (the “crystal image”) is sometimes character-
ized by spatial and temporal links between the images (the memory images and
the present time).
A holographic image and specifically a digital holographic image is not a fixed rep-
resentation of reality, but can be defined by its total flexibility. Nowadays - with cy-
bernetics, robotics, and neuroscience changing the way we perceive and experience
space - the body has resurfaced as an important creative medium.
Starting from a belief in the human body as an emotional tool, as a messenger of
memories, we have been creating “a new space for the image”, whose structure is
influenced by holographic images and the audience as performer. In this article I
will develop this idea by analyzing a series of digital holographic images that we
have produced.
Keywords:Holographic performativity, digital holographic image, immateriality, memory
Introdução
A holografia regista e mostra a tridimensionalidade do espaço “real” mas sobre um su-
porte bidimensional, e a imagem holográfica pode flutuar no espaço à frente do plano
do holograma, no espaço atrás desse plano e em ambos simultaneamente. Também
podem co-existir várias imagens observáveis a partir de diferentes pontos de vista.
Também para ver uma imagem holográfica, não é necessário utilizar nenhum meca-
nismo que imponha uma velocidade na qual as imagens passem diante dos nossos
olhos, o que acontece, por exemplo, com os Pepper’s Ghost3, que são ilusões de palco,
muitas vezes confundidos com “hologramas”.
Nos últimos anos tenho vindo a desenvolver uma série de hologramas de arte digi-
tal, explorando o movimento dentro e fora do espaço holográfico, fazendo com que
o espaço físico do observador, faça também parte do espaço holográfico.
3 É uma técnica de ilusão usada no teatro, e ficou com essa designação, porque foi John Henry
Pepper, quem apresentou esse efeito, em 1862. Mas foi Giambattista della Porta no Séc. XVI quem
fez a primeira descrição.
680
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A holografia faz parte dos meios de produção de imagem que registam a luz, tais como
a fotografia, o vídeo ou a película cinematográfica. No processo fotográfico a fonte de
luz pode ser natural ou artificial, no entanto no processo correspondente, na hologra-
fia analógica, a luz tem de ser coerente e por isso existe a necessidade de se utilizar a
luz laser. Esta condição é fundamental na etapa de criação do holograma analógico.
No caso da holografia digital não é necessário o uso do laser durante a fase de cria-
ção, porque as imagens são primeiramente trabalhadas a partir de uma variedade
de gravação de vídeos, programas CAD 3D, estúdio 3D Max, Cinema 4D, Maya, bem
como imagens de 3D scanners, sendo depois impressas holograficamente, com a
utilização de lasers. Existem também sistemas de captura de imagens para a produ-
ção de hologramas de seres vivos e paisagens, como o HoloCam Portable Light, que
produz uma sequência de fotografias digitais / vídeo no formato designado HPO
(paralaxe horizontal apenas) para as impressoras holográficas Syn4Ds.
Uma das questões que é importante referir, é a diferença entre holograma e imagem
holográfica4. O holograma é a placa de vidro ou acetato gravada e posteriormente
revelada (quer dizer, depois de processamento químico tal como na fotografia ana-
lógica). A imagem holográfica, em 3D ou 4D - aparece somente quando o holograma
é iluminado corretamente e o observador está localizado nos parâmetros da zona da
sua visualização.
4 Azevedo, M. I. (2005). A Luz como Material Plástico. Tese de Doutoramento. Universidade de Aveiro, Aveiro
681
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Muitos destes hologramas digitais têm uma série de camadas, cada camada é uma
gravação diferente de uma performance. As gravações das performances, no estúdio,
foram então editadas através dos programas, Motion e do Final Cut Pro X, permitindo
colocar várias cenas dentro de uma imagem. Esses vídeos foram depois enviados para
a Geola7, em Vilnius, na Lituânia, para serem impressos holograficamente. Ao usar as
5 Saxby, G. and Zacharovas, S. (2016). Practical Holography. USA: CRC Press, Fourth Edition.
6 Bjelkhagen, H.I. and Brotherton-Ratcliffe, D. (2013). Ultra-Realistic Imaging, Advanced Techniques in
Analogue and Digital Colour Holography. USA: CRC Press.
7 www.geola.lt
682
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“On the surface” (Fig.3) o observador é apresentado a uma série de figuras, cujas
mãos se movem como se estivessem a tentar empurrar o espaço digital em direção
ao observador/participante. O movimento das mãos começa simetricamente, assim
que o/a participante se move em frente da placa holográfica, o movimento das mãos
torna-se assimétrico. Esta peça é baseada no trabalho de Helena Almeida (1934–
2018), relativamente ao questionamento da superfície da tela e à utilização da cor
azul. Desde os primeiros trabalhos de Helena Almeida que transpareceu o desejo de
fuga da tela tentando romper os limites da pintura e sair do suporte, transgredindo
de forma literal os limites do espaço da obra de arte e misturando vários meios de
intervenção artística, tais como fotografia e performance, em que o seu próprio cor-
po era um elemento fundamental8 9.
683
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
10 https://vimeo.com/22608426
11 Cruz, A.; Smith, E. A.T.; Jones, A. (2000). Cindy Sherman: Retrospective. UK: Thames & Hudson.
12 www.pina-film.de/en/pina-bausch.html
13 http://www.pinabausch.de
684
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Five blue and white girls” (Fig.6) apresenta Elizabeth em cinco figuras, com os braços
em movimento, condensados numa só imagem. Ela aparece em diferentes tamanhos,
diferentes focos e em diferentes posições, mas pretendemos que todas as figuras se-
jam compostas dentro do movimento integral registado no holograma, aludindo às
diferentes versões de uma pessoa no atual quotidiano. A mesma pessoa em diferentes
situações ao mesmo tempo em lugares diferentes, por exemplo: na Internet, em pon-
tos de redes sociais, no telemóvel, em conversa com outras pessoas em tempo real.
Cada situação mostra diferentes aspetos da nossa personalidade, somando um todo
de quem somos, dependendo da posição que o participante escolher para observar a
imagem holográfica. O movimento nesta peça foi baseado em movimentos seleciona-
dos a partir de Orfeu e Euridice14, de outra produção de Pina Baush.
Figura 6 – “Five blue and white girls”, Holograma de Reflexão Digital, 45x60cm
14 www.youtube.com/watch?v=lDJFMvU2ZqY
685
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O que é considerado culturalmente em arte como experiência ao vivo “Live Art” mu-
dou ao longo do tempo em relação às mudanças tecnológicas15.
A “Performance” é considerada” Live Art”. Pode não ser realizada da mesma forma
novamente e como qualquer obra de arte efémera existe na memória dos seus par-
ticipantes. Outra forma de existir, oferecendo novas possibilidades críticas, é em ob-
jetos materiais, nos media visuais e em textos escritos.
Conclusão
Uma imagem holográfica é a memória de um momento que ficou registado a par-
tir da matéria, neste caso performances e cenários. Essa memória está gravada na
placa holográfica, pronta a ser revelada ao observador mediante iluminação apro-
priada. Conforme as memórias de cada observador/participante é moldada uma
série de ações transformando o enunciado inicial e tornando-se na performance
específica de cada participante.
E ao contrario dos diferentes médiuns que foram usados anteriormente para dar
a ilusão das três dimensões, tais como, pintura, fotografia ou cinema, as imagens
holográficas podem ser visualizadas como se estivessem presentes fisicamente,
numa dupla condição de corpo e imagem, material e imaterial, e simultaneamente
presentes e ausentes, dependendo dos movimentos dos participantes.
686
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo e apresentação reflete sobre a produção de um projeto artístico ex-
perimental num espaço de interface Arte e Ciência. O projeto reflete sobre a
carreira científica de Abel Salazar, que nos legou uma vasta e variada obra onde
se cruzam os campos da ciência (medicina e histologia) das artes plásticas (pin-
tura, escultura, desenho e gravura) da escrita (ensaio critico e filosófico) e da
pedagogia (ensino universitário). Ensaios organizados de Experiência Adquiri-
da cruza as experiências plásticas e tecnológicas da exploração histológica do
médico com a complexidade das tensões da biotecnologia e da ética na con-
temporaneidade, assim como se torna uma narrativa do projeto ético-episte-
mológico da construção de uma objetividade mecânica visualmente ancorada.
Conceitos de célula, devir, fluxo, símbolos, protocolos, metáforas, transparên-
cia entre outros mediam tanto a obra de Abel Salazar, como tem ancorado a
experiência da artista. A obra poderá apresentar-se em vários momentos com
1 Maria Manuela Lopes (PhD) artista plástica cuja prática é transdisciplinar, investigando relações de
memória e identidade informadas pelas ciências biológicas e investigação médica; a sua obra apa-
rece em formato variado dentro das artes plásticas resultando em instalações multimédia, desenho
e performances - ocasionalmente incluindo materiais biológicos. O seu trabalho tem sido mostrado
nacional e internacionalmente. Tem comissariado várias exposições Internacionais de Artes Plásti-
cas, é autora de artigos e capítulos de livros em diversas publicações. Maria Manuela Lopes é tam-
bém cofundadora e Diretora Adjunta dos programas de residência artística portugueses: Ectopia
– Laboratório de experimentação Artística (inicialmente no Instituto Gulbenkian de Ciência, agora
com interações com diversas instituições) e Cultivamos Cultura, programa de residência artísticas e
investigação em artes visuais em São Luís, Odemira. É investigadora no i3S Instituto de Investigação
e Inovação em Saúde onde é responsável pela interface arte/ciência e codirige o projeto HYBRID.
Maria Manuela Lopes (PhD) visual artist whose practice is transdisciplinary, investigating rela-
tionships of memory and identity informed by the biological sciences and medical research; Her
work appears in a varied format within the fine arts resulting in multimedia installations, drawing
and performances - occasionally including biological materials. Her work has been shown natio-
nally and internationally. She has curated several international exhibitions of fine arts, has authored
articles and book chapters in various publications. She is also co-founder and Deputy Director of
Portuguese residency programs: Ectopia - Artistic Experimentation Laboratory (initially at the Gul-
benkian Institute of Science, now with interactions with various institutions) and Cultivamos Cultura,
residency program and research in the visual arts. in São Luís, Odemira. She is a researcher at the i3S
Institute for Health Research and Innovation where she is responsible for the art / science interface
and co-directs the HYBRID project.
687
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
This paper/presentation reflects on the production of an experimental artistic proj-
ect in an interface space Art/Science. The project reflects on the scientific career of
Abel Salazar, who left us a vast and varied work that intersects the fields of science
(medicine and histology) of the fine arts (painting, sculpture, drawing and engrav-
ing) of writing (critical and philosophical essay). ) and pedagogy (university edu-
cation). Organized essays on Acquired Experience intersect the plastic and techno-
logical experiences of the doctor’s histological exploration with the complexity of
contemporary biotechnology and ethics tensions, as well as becoming a narrative
of the ethical-epistemological project of building a visually anchored mechanical
objectivity. Concepts of cell, becoming, flow, symbols, protocols, metaphors, trans-
parency, among others mediate both Abel Salazar’s work, and have anchored the
artist’s experience. The work may be presented at various times in various forms and
formulations including audiovisual presentations or more focused on the design
process or even biological material corresponding to a borrowed notion from the
author of the concept, in this case the work as an organized essay of acquired expe-
rience. It fits in with the # 18.ART purpose of co-balancing the worlds of art, health,
science and technology and forcing production and artistic discourse to maintain a
mediation between matter and subject - memory, reality and utopia.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Art, Research, Medicine, Matter, Memory.
Introdução
Este artigo surge da reflexão do processo resposta a um convite para integrar o pro-
jeto retratos tanoférricos (https://retratostanoferricos.wordpress.com/) com uma
participação artística de homenagem à obra científica de Abel Salazar. O projeto
é uma obra experimental, no âmbito das artes plásticas, num espaço de interface -
Arte e Ciência - como homenagem ao trabalho interdisciplinar e complexo de Abel
Salazar. É também multidisciplinar, que cruza as experiências plásticas e tecnológi-
cas da exploração histológica do médico com a complexidade das tensões da bio-
tecnologia e da ética na contemporaneidade.
688
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Objetivos e Inovação
Celebrar o trabalho científico e descobertas de Abel Salazar é uma honra que vem
interligada com a responsabilidade de elevar os limites do conhecimento e da ex-
periência, a fim de contribuir para a inovação, pois Abel L. Salazar (1889-1946), mé-
dico, professor, cientista, pensador e artista plástico, foi uma figura multifacetada
do panorama cultural português do seu tempo. Expulso da academia por motivos
políticos, a sua carreira científica foi relativamente curta. Como investigador, o seu
trabalho centrou-se em representações visuais de tecidos biológicos, por via do re-
curso a métodos de coloração das amostras biológicas que estudou, bem como da
prática e da reflexão em torno do processo de desenho microscópico no registo dos
dados observados. A implementação e sucessivos apuramentos de abordagens me-
todológicas para o estudo da estrutura e organização de células e tecidos baseou-se
no designado método tano-férrico. Esse trabalho, permitiu a Abel Salazar perceber
características importantes da chamada zona do Golgi, nas células e condições estu-
dadas. Observando no limite de resolução que a microscopia ótica lhe possibilitava,
notou que nessa região se podia distinguir uma zona fortemente tanofílica e, em-
bora a sua interpretação desses dados não tenha prevalecido, os mesmos eviden-
ciaram parte da sua estrutura-função tal como passou, entretanto, a ser concebida.
689
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Este fascínio pela construção ideológica de liberdade era bem entendida pelo médi-
co histologista e investigador que homenageamos, uma vez que vivendo na época
da ditadura em Portugal e expulso da academia se viu forçado a improvisar formas
de aceder ao mundos que imaginava, construindo uma espécie de laboratório alter-
nativo em sua casa o que lhe permitiu trabalhar os universos das artes e das ciências
simultaneamente. Nas suas explorações científicas, a par de uma astúcia para con-
seguir os materiais necessários à sua investigação, Salazar utilizava variadas técnicas
de desenho e coloração num processo bastante artesanal que também me é fami-
liar. Desvendar a narrativa intrínseca à sua investigação do descobrir do seu arquivo
e ao re atuar as suas práticas, de coloração e de desenho, fez me questionar sobre a
questão da narrativa no ato de desenhar e no que lhe sobrevive.
690
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Uma narrativa define-se pela relação sequencial entre as partes que levam a uma
compreensão do todo. Neste caso, o todo seria a materialização plástica do proje-
to (na sua primeira versão como desenho instalação). Desta forma uma narrativa
encerra uma história com um princípio e um fim, ou poderá descrever um fragmen-
to indefinido de espaço tempo. De qualquer forma não consigo separar a ideia de
narrativa e experiência, e a sua tentativa também não parece ser operacional para o
raciocínio neste caso. Vejo a narrativa como uma forma de veicular a experiência a
outros exteriores a ela por meios distintos e neste caso visuais e estéticos. Os dese-
nhos de Abel Salazar são de representação ou descrição o que inclui narrativa, mas
os desenhos contam mais do que isso pois encapsulam na sua natureza a relação
entre o processo de serem desenhados num espaço tempo e o seu resultado como
vestígio presente no arquivo (Lopes, 2016)
691
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É nesse sentido que a proposta deste primeiro ensaio se detém num exercício explo-
ratório de desenho para conhecer, reconhecer e imaginar. Depois de várias experi-
ências modestas de re-atuação das suas metodologias de investigação e treino do
olhar e da mão - no reconhecimento das estruturas, no desenho ação, no desenho
ao microscópio, nos processos de histologia e de coloração - a instalação aproveita
o espaço de fronteira entre o interior e o exterior da Casa Museu Abel Salazar, para,
num gesto simbólico, convidar a olhar além fronteiras e desafiar o observador a par-
ticipar nas descobertas do novo.
A experiência, essa, só pode ser construída pelo observador que, a diferentes horas
do dia, percecionará o interior e o exterior da casa sob alterações permanentes de
luz e cor permeadas de registos transferidos, direta ou simpaticamente, por desenho
da obra de Abel Salazar.
As estratégias do arquivo tem feito parte intrínseca das metodologias do trabalho ex-
ploratório da autora que desenvolve, tanto a re-atuação como estratégias de visua-
lização para criticar os processos pelos quais as instituições constroem e ordenam a
memória e o conhecimento (Lopes, 2013). A visita e re-atuação do arquivo do médico
histologista mostrou a necessidade de comparar escalas, separar ou experimentar so-
breposições, temperaturas, espessuras, transparências e reproduções, olhar e re-olhar,
desenhar, esperar e transferir desejos e vontades trocadas por acessos e permissões,
uma negociação permanente e relacional da autora com o arquivo e com o processo
do fazer agora é transferida para a mobilidade e procura pelo observador.
Consciente de que as memórias são moldadas pelo contexto sociopolítico em que são
produzidas e, também, pela cultura tecnológica e material acessível para produzi-las,
692
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Reflexão
A exploração de vários materiais e conhecimento produzido de Abel Salazar permi-
te-me discernir seu trabalho de forma ampla, estendendo o raio de seu contexto a
um campo cultural mais abrangente. Segundo Damásio (2017) visualizar experiên-
cias e traços arquivados sob uma luz contemporânea amplia seu significado, pois
eu observei-as num contexto alterado, de novas perspetivas e sob uma nova luz
tecnológica, confrontada com questões contemporâneas. Minha posição sobre o
trabalho de Abel Salazar é que sua capacidade de explorar e produzir conhecimento
em vários campos (da medicina à arte cruzando fronteiras da filosofia) carregava
significados ricos em cada domínio, proporcionando grande significado para cada
ação, uma vez que puxava o fio da experiência de outros campos ou áreas toca-
das ou experimentadas. Recentemente, ao programar e comissariar uma exposição
sob o tema de palimpsesto enquanto explorava o arquivo de Salazar, lembrei-me da
expressão ou metáfora do palimpsesto como memória de trabalho e a riqueza do
arquivo com as camadas complexas de um palimpsesto ou memória no trabalho.
A associação da memória ao palimpsesto vem talvez de um dos mais antigos con-
ceitos teóricos de memória, como proposto por autores como Fusi, Nadal ou Savi.
Um palimpsesto convencional é um manuscrito que foi parcialmente raspado ou
limpo antes de ser escrito novamente. Essa prática era comum nos tempos em que o
suporte para a escrita (por exemplo, papel) era um recurso raro e precioso, de modo
que a economia ditava a reutilização (de papiro e couro animal). Como o apagamen-
to nunca é completo (de fato, técnicas modernas, como raios X, permitem recuperar
detalhes invisíveis ao olho normal), permanece uma quantidade de informações so-
bre as inscrições anteriores. Portanto, inscrições anteriores (ou seja, itens armazena-
dos mais antigos) podem ser recuperadas simultaneamente com o conteúdo mais
recente. Um exemplo de um famoso palimpsesto é o Palimpsesto de Arquimedes,
que continha obras desconhecidas de Arquimedes de Siracusa a partir do século X.
Este palimpsesto foi sobrescrito por monges no século XIII que o usavam para tex-
tos religiosos cristãos. Após o processamento digital, o conteúdo original de Arqui-
medes foi recuperado e descobertos trabalhos teóricos desconhecidos, incluindo
“O método dos teoremas mecânicos”, o primeiro uso explícito de infinitesimais na
computação de uma integral. Esses tratados foram substituídos pelo texto religioso
cristão do século XIII. Após o processamento digital de vários tipos de digitalizações
entre 1998 e 2008, o conteúdo original foi recuperado com sucesso.
693
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações Finais
Ensaio Organizado de Experiência Adquirida 1, instalado na Casa Museu Abel Sala-
zar, passa por uma expansão contextual através do diálogo com as obras do acervo
permanente e da desconstrução do processo científico do método tanoférrico pro-
posto por Maria Strech Almeida na mesma sala.
Neste projeto, que conta com mais de uma centena de desenhos em acetatos, os
mesmos podem potencialmente revelar a evolução da ideia que vincula cada de-
senho individual envolvidos, à medida que a série avança numa espécie de “ima-
gem do pensamento” (Deleuze, 1994). No entanto, um único desenho depende da
interpretação do espectador quanto ao seu desenvolvimento individual. Apropria-
ção e representação, negociação de marca e de presença ausência são uma me-
todologia familiar na minha prática. Comparando as estratégias de Salazar sobre
o uso do meio para tornar as intervenções científicas uma renderização concetual
e visual possível, concluo que adotamos abordagens paralelas, mas algo díspares.
Para os olhos do médico, o médium recebeu pouca reflexão, pois foi explorado
como um meio de atingir um fim sem a necessidade de avaliar as especificidades
do significado material. O problema central da verdade e da objetividade científi-
ca, aos meus olhos artísticos, significa rigor e devoção na busca de todos os meios
para entender o trabalho, os processos e o homem por trás dele, tentando home-
nageá-lo por minha prática.
694
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Bibliografia
Almeida, M. S et al (2019). Retratos Tanoférricos. In https://retratostanoferricos.wor-
dpress.com/
Elkin, L. (2016). Flaneuse: Women Walk the City in Paris, New York, Tokyo, Venice and
London. Chatto & Windus.
Fusi, S., Drew, P. J., and Abbott, L. F. (2005). Cascade models of synaptically stored
memories. Neuron, 45(4):599–611.
Lopes, M. M. (2014) Art Making with Memory Matter: Mneno-Media, Creativity and
Impairment from Human to Hyper-Human. CAC Computar Art and Design for all,
EBA UFRJ, Rio deJaneiro, pp. 85 – 96. 2005.
Lopes, M. M. (2015). Inside/Out: Looking Back into the Future, In Projective Processes
and Neuroscience in Art and Design. Zuanon, Rachel (ed), Advances in Media, Enter-
tainment, and the Arts (AMEA) Book Series, IGI Global, pp. 15 – 39. 2015.
Nadal, J., Toulouse, G., Changeux, J., and Dehaene, S. (1986). Networks of formal neu-
rons and memory palimpsests. Europhysics Letters, 1(10):535–542.
Savin, C., Dayan, P., and Lengyel, M. (2011). Two is better than one: distinct roles for
familiarity and recollection in retrieving palimpsest memories. In Advances in neural
information processing systems (NIPS), pages 1–9.
695
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Neste artigo serão desenvolvidas questões acerca do trabalho Brilho no Asfalto
realizado pela autora entre os anos de 2018 e 2019 que consiste na série de fo-
tografias de uma performance realizada na Avenida Presidente Vargas no Centro
do Rio de Janeiro no trecho onde aconteciam os desfiles do carnaval de escola
de samba na década de 1960. Neste trabalho que compôs a exposição Percursos
que ocorreu na Pequena Galeria do Centro Cultural Light no Rio de Janeiro entre
os meses de fevereiro e março (carnaval) de 2019, a performer passa pela ave-
nida deixando um rastro de purpurina, em uma materialidade imaginativa que
evoca o rastro de outros corpos que por ali passaram em diferentes camadas de
tempo. As fotos são como imagens de instantes que dialogam com o instante
da performance. As questões que permeiam Brilho no Asfalto dizem respeito à
potência do brilho enquanto metáfora para uma poética do instante.
Palavras-chave: Corpo, Memória, Performance, Carnaval.
Abstract
In this article we will develop questions about the work Shine on Asphalt per-
formed by the author between 2018 and 2019, which consists of a series of photo-
graphs of a performance performed on Avenida Presidente Vargas in downtown
Rio de Janeiro in the stretch where the carnival parades took place. samba school
in the 1960s. In this work that composed the exhibition Courses that took place at
the Little Gallery of the Light Cultural Center in Rio de Janeiro between February
and March (Carnival) of 2019, the performer passes by the avenue leaving a trail
of glitter, in an imaginative materiality that evokes the trail of other bodies that
passed through in different layers of time. The photos are like images of moments
that dialogue with the moment of performance. The questions that permeate
Brightness on Asphalt concern the power of brightness as a metaphor for a poetic
of the moment.
Keywords: Body, Memory, Performance, Carnival.
696
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Lugar do corpo
O corpo é matéria constituída de memória e movimento, é memória em movimento.
A cada acontecimento que afeta o corpo, suas percepções e sensações são atualizadas
e ativadas criando, reforçando memórias-imagem (BERGSON, 2006) e, por vezes, aces-
sando memórias coletivas (HALBWACHS, 2003) que permaneciam até então dormentes,
sem nos darmos conta de sua existência. Esse corpo habita a cidade, se imbui dela, dos
locais por onde passa, das alterações desse espaço-cidade, assim como ele próprio (o
corpo) se faz agente nessa dinâmica de afetos entre seu espaço e o espaço externo que
poética e imaginativamente pode ser um prolongamento de si. A cidade que o corpo
falado aqui habita é a cidade do Rio de Janeiro que ao longo de sua existência sofreu
inúmeras transformações. Sua topografia irregular é formada de morros, vales, rios, mar.
Sua topologia já foi alterada, não só por transformações naturais, mas pelas mais diver-
sas ações de cunho urbanístico. A remoção de morros, o aterro de grandes áreas, a cons-
trução de estradas, o surgimento de favelas ou comunidades em áreas não planejadas,
o caos e a constante tentativa de planejamento. No mapa comum vemos tudo plano, ao
vivermos e nos deslocarmos pelos diferentes pontos dessa cidade é que percebemos as
dimensões de sua irregularidade. Nesse trânsito caótico de transformações e recriações,
as pessoas, seus corpos e anseios são imbuídos das impressões do que é viver nessa
cidade, se adaptar, mas também transmutar junto ao movimento e ritmo que compõem
os espaços. Os caminhos tortuosos percorridos são, também, caminhos do corpo.
Junto ao ritmo dessa cidade pulsa ano a ano uma festa que mobiliza e agencia os
mais diversos atores que reunidos se colocam em passagem pela avenida no desfile
de escolas de samba do Rio de Janeiro. Nesse grande “ritual urbano contemporâ-
neo”2 uma escola de samba é uma estrutura física (barracão, quadra), imaginada
(com todos os estereótipos e questões que a acompanham), mas principalmente
tem corpo. Uma escola de samba é o encontro de muitos corpos.
Para além dos aspectos do visual, que diz respeito às alegorias e fantasias e do musi-
cal, entre enredo e samba como inerentes ao desfile carnavalesco, considero o samba
como um emaranhado entre os aspectos citados anteriormente, e a dança enquanto
presença encarnada pela passista de escola de samba. Iniciadas as preparações entre
quadra, rua e barracão sempre um ano antes do carnaval acontecer, se tem o ponto de
partida para que ele, samba, se transforme em desfile num movimento que se espraia
pela cidade. A passista que faz o carnaval é corpo que transita pela cidade, é estudante
e artista, é ela (se vendo nas outras passistas da sua ala) e é eu. É ela/eu .
2 Ver os livros CAVALCANTI, M. L. V. O rito e o tempo: ensaios sobre o carnaval. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1999. e CAVALCANTI, M. L. V. Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro:
FUNARTE, UFRJ, 1994.
697
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
festa, também é fruto dessas transformações urbanas que ocorreram ao longo das
décadas desde seu surgimento na primeira metade do século XX. Um exemplo é o
tamanho dos carros alegóricos cada vez maiores que foi possibilitado com a constru-
ção do sambódromo, assim como a intensificação da cobertura midiática que se deu
a seguir. O carnaval, assim como a própria cidade do Rio de Janeiro, abarcou mudan-
ças estruturais e visuais que reorganizaram seu desenvolvimento. No passado, antes
da construção da Avenida Marquês de Sapucaí, os desfiles do hoje conhecido Grupo
Especial ocorreram em avenidas de tráfego regular, como a Presidente Vargas e a Rio
Branco , ambas no Centro do Rio de Janeiro.
Não estamos de corpo presente no carnaval na década de 1960, mas o que propo-
nho é que o espaço da Avenida Presidente Vargas ainda abarca em si a energia e o
rastro dos brincantes que por ali passaram. O que esse espaço em diferentes tempos
nos conta é o lastro, o rastro que fica com a passagem dos corpos. É uma camada
invisível, sensível, que compreende escuta entre o que passou e o que está por vir
tendo como liga o que se desenvolve pelo e no corpo entre memória e atualização.
Corpos dos que por ali passaram, dos que por ali passam e dos que ainda estão por
vir, camadas de tempo entre ficção e realidade.
698
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Essas diferentes camadas de tempo que convivem nas memórias desta avenida afe-
taram poeticamente minha pesquisa e criação artística resultando na performance
que gerou uma série de fotografias chamada Brilho no Asfalto. Este trabalho compôs
a exposição coletiva Percursos na Pequena Galeria do Centro Cultural Light entre os
meses de fevereiro e março de 2019, a convite do curador Thiago Fernandes. Entre
reinvenções do espaço e tempo sobrepostos em camadas, a exposição que ocorreu
no período do carnaval estava situada na rua ao lado da Avenida Presidente Vargas
principal via de acesso ao bairro, onde o público da exposição provavelmente pas-
sou para chegar até a Pequena Galeria onde esteve presente em meio aos rastros de
um corpo que por ali passou em performance.
Em Brilho no Asfalto carrego junto ao meu corpo uma vestimenta construída com
uma estrutura de rede, inspirada no modo como os vendedores ambulantes da ci-
dade carregam suas mercadorias no interior do trem. A estrutura que desenvolvi era
composta de aproximadamente 80 saquinhos de plástico que abrigavam 2 quilos
de purpurina prata distribuída entre eles, e que quando rasgados, desprendiam a
purpurina. Iniciei o rasgar dos sacos pelas minhas costas onde os olhos não alcan-
çam para, depois, passar aos sacos da frente do corpo. A purpurina que escorre e
desliza pelo meu corpo chega ao chão e ali não faz moradia. Algumas aderem ao
suor e se mostram como pinceladas de uma tinta prata. Milhares de pequenos grãos
brilhantes avançam, bailam ao vento como os milhares de brincantes que brilharam
outrora em passagem naquele asfalto. Pequenas nuvens cintilantes no ar. Derramo a
purpurina ao longo da Avenida em estado de passagem, indicando de forma breve
o caminho onde os outros corpos passaram carnavalizados.
699
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fotos: Brilho no Asfalto Performance, objeto vestimenta, fotografias impressas em papel 100%
algodão tinta pigmentada no tamanho 20x30cm Mery Horta 2018/2019 / Avenida Presidente
Vargas / Colaboradores: Ramon Castellano e Paula Nogueira / Fonte: arquivo pessoal
Invenção e memória
O corpo que tem poros abertos ao que está em torno de si, reverbera por meio da
performance suas memórias e reinvenções. A performance compreende uma atua-
lização do corpo, uma presentificação do tempo, uma relação entre coisas (corpos-
-objetos-espaço), uma retroalimentação dos afetos através da dança, do movimen-
to. Minha proposta e ato de passar pela Avenida Presidente Vargas em performance
é um modo de evocar a energia carnavalesca que por ali passou, alimentando meu
corpo com essa energia e retornando a energia transmutada para a avenida. Tornar
essa memória visível, materializada poeticamente, deixando um rastro de brilho de
purpurina no asfalto. Rastro que não se fixa, assim como o tempo do carnaval, vive
em fluxo constante e é pontuado no desfile que passa pela Avenida como um tempo
vivo. Segundo a antropóloga Maria Laura Viveiros:
Renascendo a cada ano de suas próprias cinzas, o desfile celebra a finitude do corpo,
o aqui e o agora, o tempo que passa em seu inexorável fluxo, junto com o desfile
de uma escola. Ele alimenta, com pura energia carnavalesca, a perspectiva de sua
própria morte reinstaurada a cada ano e projetada no horizonte desconhecido da
história (CAVALCANTI, 1999, p. 86).
700
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fotos: Brilho no Asfalto Performance, objeto vestimenta, fotografias impressas em papel 100%
algodão tinta pigmentada nos tamanhos 15x21cm, 60x40cm Mery Horta 2018/2019 / Avenida
Presidente Vargas /Colaboradores: Ramon Castellano e Paula Nogueira / Fonte: arquivo pessoal
701
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que banha meu corpo durante a performance ativa esse emaranhado de memórias.
Grande parte escorre pelo corpo e toca o chão da Avenida que por um instante é
passarela de sonho entre asfalto, carros e ônibus. E após a passagem do corpo em
performance, o rastro da purpurina segue seu fluxo e voa com o passar dos carros
não alegóricos. A purpurina vai infimamente grudada no grande pneu do ônibus
sentido Zona Oeste, e quem sabe chegue ao destino de Padre Miguel, chegue lá
como brilho da performance que vem da memória e do corpo do carnaval. A foto-
grafia da performance materializa essa dimensão de afeto que esteve presente na
breve passagem do corpo pela Avenida e, assim, atualiza outra camada de memória.
Para a realização de Brilho no Asfalto tive como referência criativa a intervenção urbana
Até onde o mar vinha. Até onde o Rio ía realizada pelo artista Guga Ferraz e materializada
também em fotografia. Neste trabalho o artista utiliza sal grosso para demarcar o limite
onde a água do mar ia antes de acontecerem os aterros na cidade do Rio Janeiro, levan-
do a reflexão aos limites e transformações da cidade. O assunto que abordo também
passa pelas transformações da cidade, diz respeito à memória do corpo do carnaval que
ecoa nesse espaço, através da relação de potência e transformação entre eles.
Foto: Até onde o mar vinha, até onde o Rio ia Guga Ferraz 2014 / Fotógrafo: desconhecido /
Fonte: Lab IT Disponível em: <http://intervencoestemporarias.com.br/intervencao/ate-onde-o-
mar-vinha-ate-onde-o-rio-ia/>. Acesso em 11 dez. 2018.
Tempo vivo
Esse corpo d’ela/eu comporta muitos outros corpos em si através de suas memórias
sendo constituído também de memória coletiva, num jogo de compartilhamento,
atualização e reinvenção. Segundo o autor Maurice Halbwachs:
Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda
que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que
702
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós (...) sempre levamos
conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem (HALBWA-
CHS, 2003, p. 30).
Não estamos sós, pois somos parte de uma memória social, temos agregado em
nosso pensamento e ato o que muitas vezes teve origem em outros corpos. Essas
diversas vivências e memórias que estão no corpo se entrecruzam e viram um ema-
ranhado onde muitas vezes não se pode distinguir o início, o meio e o fim, ou o que
é real e imaginado. Assim, segundo o literário Bartolomeu Campos de Queirós, “a
memória protege tanto o vivido como o sonhado” (QUEIROS, 2009, p. 44), e é nessa
qualidade da memória que a criação artística atua, no vão, na brecha entre realidade
e sonho. Riscar o chão da poesia com purpurina, tornar possível ver, mesmo que
por um instante, o rastro dos corpos labirínticos que no mesmo espaço, em épocas
distintas, beberam da fonte do carnaval e de sua energia efêmera.
Foto: Brilho no Asfalto Performance, objeto vestimenta, fotografia impressa em papel 100%
algodão tinta pigmentada no tamanho 60x40cm Mery Horta 2018/2019 / Avenida Presidente
Vargas / Colaboradores: Ramon Castellano e Paula Nogueira / Fonte: arquivo pessoal
703
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O carnaval, mesmo sendo uma festa cíclica, pontua o início das atividades do ano
corrente, pois há o hábito de pensar que o ano se inicia após o carnaval, uma quebra
da ordem na passagem do tempo que reinicia o ano. Como o autor Danilo Alves
Bezerra nos mostra ao falar sobre o carnaval no século XX: “A história passou a com-
preender as festas, e o carnaval em específico, como práticas capazes de explicar
o mundo na sua exceção, na fissura do cotidiano, na inversão e quebra da ordem,
enfim, como parte da história humana” (BEZERRA, 2017, p. 24). Essa fissura do co-
tidiano que o autor fala é a potência de quebra da realidade, inversão de práticas
que o carnaval instaura na vida das pessoas, onde ficção e realidade assumem po-
sições indistintamente complementares e nos reorganizam brevemente enquanto
brincantes. Por um curto período de tempo se torna comum ver brilho nos olhos,
na purpurina que está decorando o rosto, ou caída no chão, é comum ver o brilho
nas pessoas, no asfalto. Brilho no asfalto, uma brincadeira com o espaço e o tempo.
Riscar o duro chão da poesia...
Referências
BACHELARD, Gaston. A intuição do instante. Campinas, SP: Verus Editora, 2010.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espíri-
to São Paulo: Martins Fontes, 2006.
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O rito e o tempo: ensaios sobre o car-
naval. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
FERRAZ, Guga. Até o mar vinha, até onde o Rio ia. Disponível em: <http://interven-
coestemporarias.com.br/intervencao/ate-onde-o-mar-vinha-ate-onde-o-rio-ia/>.
Acesso em 11 dez. 2018.
QUEIROS, Bartolomeu Campos. Tempo de voo. São Paulo: Comboio de Corda, 2009.
704
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente texto é um amálgama de estilhaços da tese de doutorado “ARS LONGA,
VITA BREVIS: uma proposta simbiótica entre arte e vida”, apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Artes (PPG-ARTES) da Universidade de Brasília (2018), com
características de artist statement, escrito de artista e tese. O texto, índice da pes-
quisa/vivência realizada na forma de uma proposta simbiótica entre arte e vida,
compila os principais questionamentos enfrentados no desenvolvimento da tese
supracitada bem como no desenvolvimento de sua proposta poética centrada na
autobiografia, memória e nas práticas artísticas iniciadas na Arte Conceitual dos
anos 1960/1970 e desdobradas nas práticas artísticas da Arte Neo-Conceitual/Pós-
-Conceitual. A arte como vida e a vida como arte, arte e vida em simbiose como
uma possibilidade de interpretação do mundo e do estar vivo.
Palavras-chave: arte e vida, arte conceitual, arte neo-conceitual/pós-conceitual,
autobiografia, memória.
Abstract
This text is an amalgam of splinters from the doctoral dissertation “ARS LONGA, VITA
BREVIS: a symbiotic proposal between art and life”, presented to the Graduate Pro-
gram in Arts (PPG-ARTES) of the University of Brasília (2018), with characteristics of
artist statement, artist writing and thesis. The text, an index of the research/experi-
ence performed in the form of a symbiotic proposal between art and life, compiles
1 Artista visual e professor. Doutor em Artes (2018) pelo Programa de Pós-Graduação em Artes (PP-
G-ARTES) da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Arte (2013) pela mesma instituição. Licencia-
do Plenamente em Educação Artística – Habilitação em Artes Plásticas (2008) pela Universidade de
Caxias do Sul (UCS) Seus principais temas de interesse ssão: Arte Conceitual - anos 1960/1970; Arte
Contemporânea; Arte Neo-Conceitual/Pós-Conceitual; Autobiografia; Identidade; Memória. Conta-
to: paulovegajr@gmail.com
2 Artista visual e professora. Doutora em Arts et Science de L’art pela Université Paris 1 (Panthéon-
-Sorbonne) (2008). Mestre em Art Plastiques et Appliquées pela mesma instituição (2004) e Mestre
em Arte pela Universidade de Brasília (1999). É Professora Adjunto 3 da Universidade de Brasília
(UnB). Atua na área de Arquitetura e Artes, com ênfase em poéticas contemporâneas. Contato: ni-
valdaassucao@gmail.com
705
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
the main questions faced in the development of the aforementioned doctoral dis-
sertation as well as in the development of its poetic proposal centered on autobiog-
raphy, memory and artistic practices initiated in the Conceptual of the 1960s/1970s
and unfolded in the artistic practices of Neo-Conceptual/Post-Conceptual Art. Art
as life and life as art, art and life in symbiosis as a possibility of interpretation of the
world and of being alive.
Keywords: art and life, conceptual art, neo-conceptual art/post-conceptual art, au-
tobiography, memory.
Pequeno prefácio
Esse texto3 é, como o próprio título diz, um recorte, um recorte focado na simbiose
entre arte e vida a partir de minha tese de doutorado, “ARS LONGA, VITA BREVIS: uma
proposta simbiótica entre arte e vida”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Artes (PPG-ARTES) da Universidade de Brasília (2018). A tese foi guiada por citações
de Allan Kaprow, E. E. Cummings, Laurie Anderson, Maria Skłodowska-Curie, Naomi
Kawase, Wisława Szymborska e Witold Gombrowicz, sendo, respectivamente, elas:
1. The line between art and life should be kept as fluid, and perhaps indistinct, as possible.
The line between the Happening and daily life should be kept as fluid, and perhaps
indistinct, as possible.
i fear
3 Agradecemos aqui, a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) pela viabilização
deste trabalho e da artist talk no Encontro Internacional “#18.ART: DA ADMIRÁVEL ORDEM DAS COISAS:
arte, emoção e tecnologia”, bem como pela possibilidade de participação na exposição EmMeio#11.0.
706
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
(here is the root of the root and the bud of the bud
6. Poniedziałek – ja.
Wtorek – ja.
Środa – ja.
Czwartek – ja.
707
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
niszczę ją.
Amálgama de estilhaços
Cronologicamente, esta pesquisa/vivência começou com uma ideia abandonada, uma
continuação direta do que desenvolvi no mestrado4, uma proposta de ação na epider-
me da cidade, com intervenções urbanas e projeções, a partir do meu, então, nome
fictício “Paulo Ivan Ceglinski Cardoso Rodrigues Vega”. Logo após o abandono, deixei-
-me guiar pelo fluxo dos acontecimentos e realizei alguns trabalhos, tanto duradouros
quanto efêmeros, como desenhos, desenhos/instalações in-situ e performances.
708
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Logo, vieram duas playlists no YouTube5 e um filme feito a partir de uma found foo-
tage familiar6, entre outros. Mas, antes de tudo isso, antes de construir para depois
abandonar minhas fórmulas e estratégias recorrentes, sempre houve o interesse em
uma parte histórica familiar quase que completamente desconhecida e a urgência
em mergulhar nela, os Ceglinski, em conhecer e reconhecer, na história dos outros, a
minha história e fazer de mais de mim por aprender sobre o outro.
Se tudo que é sólido desmancha no ar, foi necessário, em minha produção artísti-
ca, solidificar para, de novo, desmanchar no ar. Ao olhá-la em retrospecto, para as
ideias abandonadas, não desenvolvidas matericamente, mas presentes e, portanto,
existentes mentalmente, essa operação de desmaterialização, de desfazimento no
ar, atingiu seu ponto mais alto com a performance Laquê (2016). Um mergulho em
uma nuvem aromática composta pelo odor memorialístico da única Ceglinski, de
registro, que conheci.
Dentro da concepção da minha proposta simbiótica entre arte e vida, as redes sociais
desempenharam um papel de grande importância. Instagram com o recurso Insta-
gram Stories e Facebook com o recurso Facebook Stories. Da rejeição destes recursos
à incorporação deles em meu cotidiano, mais reflexões sobre a simbiose entre arte e
vida, passei a considerar minhas postagens como manifestações da minha proposta.
Disponibilizo fragmentos banais da minha vida e o que a circunda e permeia, álbuns e
músicas que estou ouvindo; deslocamentos e locais frequentados; refeições; questiono,
por exemplo, se devo ou não cortar os cabelos. O ponto crucial para ter passado a con-
siderar minhas postagens via Stories como manifestações da minha proposta foi, exata-
mente, o caráter paradoxal delas. Em um mar de compartilhamentos, por um lado, elas
são insignificantes e beiram o ponto de dissolução da identidade; por outro lado, elas
reivindicam a legitimação da experiência compartilhada e afirmam a identidade. Essas
postagens, em concordância e/ou dissonância no espaço e no tempo habitado pelos
demais usuários, passam a integrar uma trama mundial de experiências humanas enca-
5 France, été 2015 (deuxième moitié de Juin et première moitié de Août): https://www.youtube.
com/playlist?list=PLOTUyyExm0Zj41ryRZgVVkkxTHfC29CF7
6 28, 29 e 30... Ah! E, também, 27 do oito de 1988.: https://youtu.be/aXCAvcxmDiw
709
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
710
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
cício uma outra vida. Não no sentido de ficcionalização, mas no sentido de abertura,
alteridade e experimentação. Ao longo do período de oito meses virei outro, mas sem
deixar de ser o mesmo. O contato com inúmeras pessoas exerceu grande influência
na minha proposição de simbiose entre arte e vida. Passei a vislumbrar, dentro deste
exercício de outra vida, esse fluxo de idas e vindas de interações e relacionamentos
interpessoais como uma espécie de arte do encontro. Essa perspectiva me permitiu
ver mais detalhadamente como essas conexões aconteciam, como diferentes pessoas
se ligavam a diferentes traços da minha personalidade e como afetávamos uns aos ou-
tros. É sobre a importância do sentir o quanto se é importante para as vidas daqueles
que encontramos e conhecemos e daqueles que nunca nem demos devida proporção
e vice-versa. É o ato de deixar algo de nós e receber algo do outro a cada vez que se
encontra uma outra pessoa. É, repito, a contemplação da intrincada – quer em sua
beleza, riqueza ou vicissitudes – experiência e subjetividade humanas.
Assim, interesso-me tanto pelas experiências banais e cotidianas como pelas experi-
ências extraordinárias e fantásticas. Por estar aberto a todo e qualquer cruzamento
que venha a me acometer, minha proposta torna-se um trabalho não só sobre mim,
mas sobre qualquer ser humano que compartilhe do fato de estar e viver/ser e estar
em um determinado espaço e tempo, já que a nossa existência é fruto de experiên-
cias do espaço/tempo, do estar e viver e do ser e estar. Assim, a simbiose arte e vida
não é um privilégio meu, mas uma possibilidade para quem quer que tenha essa in-
terpretação do mundo e de estar vivo. Assim, não mais produzo matericamente para
ser artista, mas penso e vivo. Entretanto, nada me impede que amanhã, eu mude de
ideia e decida pintar.
Então, se a linha entre arte e vida deve ser mantida mais fluida, e talvez indistinta,
quanto possível e se eu carrego o seu coração no meu coração através do tempo,
uma sequência de gravações de passado-presente-futuro, da raiz da raiz ao céu do
céu da árvore chamada vida, nada, em todo o espectro de aventuras milagrosas
dessa árvore, deve ser temido: da adversidade à felicidade, eu ser eu e tu ser tu, da
segunda à quinta-feira, apenas compreendido. E, para compreender é preciso ex-
perimentar, pensar, vivenciar, viver... Para depois, morrer, que nada mais é do que a
última instância da desmaterialização, desmanchar a nossa solidez no ar.
Referências
Anderson, L. (1982). Big Science [CD]. Nova Iorque: Nonesuch Records.
Anderson, L. (1982). From the air [CD]. In Big Science [Faixa 1., 4min., 29 seg.]. Nova
Iorque: Nonesuch Records.
711
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kaprow, A. (2003). Essays on the blurring of art and life expanded edition.
Oakland: University of California Press.
Lippard, L. (1997). Six years: dematerialization of the art object from 1966-72.
Oakland: University of California Press.
Maia, C., & Mourão, P. (2011). O cinema de Naomi Kawase. Rio de Janeiro: CCBB RJ
712
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Trata-se de um estudo sobre as tecno-imagens e as relações entre corpo, vídeo,
a vigilância e a intimidade na arte contemporânea. O objeto é investigar como
se constroem as diferentes corporalidades a partir da apropriação de fotogra-
fias, filmes, vídeos, raios-x, scanners e imagens numéricas. Para fundamentação
teórica optou-se pelo pensamento de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Vilém
Flusser; Hans Belting e Rosalind Krauss. O vídeo em sinergia com o corpo tem
muito a revelar, face à sociedade digital e imagética controlada pelas tecno-ima-
gens. Em 1980, Mona Hatoum realizou uma experiência-video que causou estra-
nhamento e aversão nos participantes. Na obra Don’t Smile You Are On Camera,
diferentes imagens de raios-x e órgãos genitais eram sobrepostos às imagens
dos corpos do público, que provocou uma experiência íntima e pessoal, entre o
ser vigiado e exposto, em público.
Palavras-chave: tecno-imagens, arte do vídeo; videocorpo; Mona Hatoun
Abstract/resumen/resumé
It is a study of techno-images and the relationships between body, video, surveil-
lance and intimacy in contemporary art. The object is to investigate how the dif-
ferent corporealities are built from the appropriation of photographs, films, videos,
x-rays, scanners and numerical images. For theoretical foundation was chosen the
thought of Michel Foucault, Gilles Deleuze and Vilém Flusser; Hans Belting and Ro-
salind Krauss. That video in synergy with the body has much to reveal, given the
digital and imaginary society controlled by techno-images. In 1980, Mona Hatoum
conducted a video experiment that caused awkwardness and dislike in the partici-
pants. In Don’t Smile You Are On Camera, different x-ray images and genitals were
713
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
superimposed on the images of the public’s bodies, which provoked an intimate and
personal experience between being watched and exposed in public.
Keywords: techno-images, video art; video body; Mona Hatoun
Neste campo, interessa-nos a visão do filósofo francês Michel Foucault sobre o poder
implicado na disciplina cujo instrumento do exame provoca domesticação e objeti-
ficação da subjetividade. Os exames médicos surgem como estratégia política para
controle e domínio de indivíduos e instituições. Foucault afirma:
714
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É o poder de individualização que tem o exame como instrumento fundamental. O exame é vigi-
lância permanente, classificatória, que permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, locali-
zá-los e, por conseguinte, utilizá-los ao máximo. Através do exame, a individualidade torna-se um
elemento pertinente para o exercício do poder (Foucault, 2013, p.182).
De igual forma, a vivência daqueles que conviveram com o surgimento das tecno-
logias de visibilidade do interior do corpo no início do século XX, revelam que o
conhecimento do interior do corpo se traduz numa ferramenta de conhecimento de
si mesmo. Relatos de pacientes dão conta que estes ao verem imagens de raios-x de
seu corpo declararam sentir-se mais instruídos sobre si mesmo. Até hoje, um século
depois, a imagem ou visão do interior do corpo continua ligada ao conhecimento de
si. Mas a possibilidade de ver o interior do seu próprio corpo ou a consciência de si
mesmo é acompanhada da perda da privacidade. As imagens do interior do corpo
são cada vez mais populares, sobretudo com os novos aparelhos de registro e visu-
alização do corpo. E mesmo aqueles que não tenham seus corpos registrados por
exames ou diagnósticos por imagens podem ter acesso via programas de televisão,
filmes e revistas.
Dá para entender por que era assim. Quando o físico alemão Wilhelm Conrad Rönt-
gen descobriu os raios-x, em novembro de 1895, os costumes da era vitoriana repri-
miram a sexualidade e o corpo nu era uma vergonha, as pessoas tomavam banho
de mar e iam à praia vestindo roupas e pacientes femininas ficavam atrás de cortinas
nos consultórios médicos.
715
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Neste sentido, interessa ressaltar que os raios X não representam uma ruptura radi-
cal com relação a outros meios de visualização do corpo como as dissecações das
quais eram feitos desenhos anatômicos, pelo contrário a tradição anatômica cuja
ênfase sempre foi à visão e a legibilidade do interior do corpo se apropriaram de
mais um dispositivo eficaz de registro do corpo agora na era moderna.
Ortega afirma: “[...] nos mais diversos contextos culturais e científicos, os raios X pro-
movem uma mudança radical na imagem que os indivíduos tinham de si mesmos e
de seus corpos, um novo ideal de transparência que dissolve a opacidade e a densi-
dade do corpo [...]” (Ortega, 2008, p.134).
716
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Neste contexto, Márcio Alves da Fonseca (2011) comenta o funcionamento dos me-
canismos de exames e das relações com o poder e a disciplina no pensamento de
Michel Foucault e revela três procedimentos que permitem ao exame desempenhar
seu papel disciplinar:
Pelo primeiro deles, o exame realiza uma inversão de visibilidade no exercício do poder. [...] as
relações de poder devem permanecer ocultas [...] obrigam a uma visibilidade cada vez maior e
mais detalhada aqueles que submetem à sua atuação. [...] Em segundo, o exame também produz
um arquivo, cuja fonte não é outra que não os indivíduos sobre os quais atua. Com isso, ele faz a
individualidade entrar no campo documentário. Toda extração conseguida pelo exame é registra-
da e documentada. [...] A vigilância detalhada e permanente consegue extrair um grande número
de informações sobre o vigiado: seus hábitos, suas reações. [...] pelo exame, o individuo passa a ser
uma peça de um dispositivo estratégico [...] a individualidade é um objeto de descrição e docu-
mentação [...] pode ser controlada e dominada a partir de um processo constante de objetivação
e sujeição (Fonseca, 2011, p.61-62).
Para Foucault (2013) existe um jogo disciplinar de poder que se estende socialmente por
meio dos dispositivos, aqui entendidos como as novas tecnologias de visualização ou
registros do corpo que geram enunciados científicos e discursos biomédicos que con-
trolam e normatizam o corpo dos indivíduos. O filósofo francês define dispositivo como:
[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações ar-
quitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, propo-
sições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma: o dito e o não dito são elementos do dispositivo. O
dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (Foucault, 2013, p.364).
717
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Gilles Deleuze (Mil Platôs) estendeu a analítica do poder de Foucault à atual socieda-
de informatizada, depois que seus estudos detectaram um colapso generalizado nas
instituições de confinamento e o surgimento de novas estruturas de dominação. Em
suma, pretendemos associar as instâncias do atual e virtual e o “corpo sem órgãos”
de Deleuze com o corpo virtual e os conceitos de arte da imersão de Oliver Grau; o
maquinismo de Deleuze e Guatarri (Mil Platôs) com as maquinas e a estética pura de
Vilém Flusser; e a constituição do sujeito e os “corpos dóceis” de Michael Foucault
à produção das imagens biomédicas visando tecer novas articulações entre Arte,
Ciência e Tecnologia.
No complexo e instigante texto Como criar para si um corpo sem órgãos, em Mil Pla-
tôs – capitalismo e esquizofrenia (1996), volume 3, Gilles Deleuze defende que o cor-
po sem órgãos é desejo, mutação, tessituras, motor de experimentação, continuum
ininterrupto, constante devir. “O CsO (corpo sem órgãos) é o campo da imanência do
desejo, o plano de consistência própria do desejo (ali onde o desejo se defini como
processo de produção sem referência a qualquer instância exterior, falta que viria
torna-lo oco, prazer que viria preenchê-lo)” (Deleuze, 1996, s/p).
As novas tecnologias da visão introduziram certa abstração na nossa experiência visual, visto que
não mais somos capazes de controlar a relação existente entre uma imagem e seu modelo. Por
isso depositamos mais confiança nas máquinas visuais do que em nossos próprios olhos, chegan-
do a uma fé literal e cega nas tecnologias (Belting, 2006, p.50).
Deleuze afirma que se trata de construir para si mesmo uma pequena máquina pri-
vada para ramificar-se em outras máquinas coletivas compostas a partir de linhas
718
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de fuga possíveis para vivenciá-las e ali na conjunção dos fluxos, fugir às programa-
ções (Flusser, 2008), a disciplina, ao poder. O corpo sem órgãos permitiria ao homem
novos movimentos de desterritorialização, novas derivações que romperiam com a
programação dos dispositivos gerando dentro destes próprios mecanismos de con-
trole e poder, a conexão com novos desejos, fluxos e experimentações.
Mona Hatoum
Mona Hatoum nasceu em 1952, no Líbano, mas vive e trabalha em Londres. A artista,
de familia palestina que se refugiou em Beirute em 1948, quando fugiam dos confli-
tos na Palestina, se formou em 1972, na Universidade de Beirute e depois em 1975,
foi viver na Inglaterra por ocasião da guerra civil do Líbano, que a impediu de voltar
para o Líbano.
Nos anos 80, a artista estuda na Slade School of Art, também em Londres, onde co-
nhece e convive com Stuart Brisley, que exerceu forte influencia na obra da artista.
Suas obras ganham caráter conceitual e revelam sua preocupação com o funciona-
mento das estruturas de poder e é nesta época também que surgem as performan-
ces carregadas de conteúdo político. Hatoum ganhou importantes premios como o
Prêmio Joan Miró (2011) Prémio Trobades Albert Camus (2018).
Figura 1. Mona Hatoum. Don`t Smile You`re on Camera! 1980. Registro de performance. Video (p&b,
som) 11`15. Fonte: https://www.timeout.com/london/art/mona-hatoum-the-more-people-can-
relate-to-the-stuff-the-happier-i-am
719
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
[...] em minhas primeiras performances, eu invadia o espaço do publico e mostrava uma forma
exagerada de vigilância. Apontava uma câmera de video diretamente para o observador indivi-
dual, que submetia a exame e cujo rosoto ou corpo eu projetava num monitor acima de um palco.
Com isso criava uma sitaçao surreal, na medida em que mesclava essa imagem com raios X e com
imagens de partes do corpo nuas, fingindo que minha câmera podia ver através das camadas de
roupas, chegando até os ossos (Hatoum, 2015, p.16-17).
Em uma sala no Battersea Arts Centre, em Londres, a artista gravou e exibiu ao vivo, o
tórax, os pés e partes do corpo da plateia que, sentada, assistia ao video de frente à
câmera e um monitor de TV.
Figura 2. Mona Hatoum. Don`t Smile You`re on Camera! 1980. Registro de performance. Video (p&b,
som) 11`15. Fonte: https://pulitzerarts.org/program/screening-of-films-by-mona-hatoum/mona-
hatoum-dont-smile-youre-on-camera-1980/
720
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
impõe perante o público e depois desvela sua intimidade, seu interior. No começo
do registro da performance, a artista aparece tendo em punho a câmera, sua parcei-
ra em ato, mas a câmera, ela mesmo, se torna um objeto performático, autonomo,
na medida em que é apontada para as pessoas sentadas em frente a um monitor de
TV. Quando o monitor começa a exibir os rostos e os corpos daqueles que foram an-
teriormente filmados e a sobrepor imagens de corpos nus e de raios-x e exames mé-
dicos de outros, o objeto performático, a câmera, passa a ser o objeto de poder que
provoca estranhamento e repulsa e revela a intimidade, por meio da ação de vigiar.
Neste video registro da performance de Mona Hatoum, a imagem atua nos inters-
tícios entre a câmera, a qual deveria mostrar a realidade registrada e o controle da
vigilância que capta o outro e o torna visivel sem que este tenha como interferir
no resultado da imagem. Nos entre meios, entre a performance da artista que atua
como mediadora e as imagens médicas que são sobrepostas aos corpos das pessoas
que assistem a performance, está a câmera que no final atua como videocorpo. O
corpo é vídeo e o vídeo é o corpo.
Ver se a si mesmo era o esperado, mas não o interior do seu corpo ou a sua nudez. A
câmera metaforicamente despe as pessoas, tira-lhes as roupas e mostra seu interior,
e isso é muito impactante. Ver se a si mesmo dessa forma é provocador.
Hatoum afirma que quando foi fazer pós graduaçao na Slade School of Fine Art, no
University College de Londres, começou a se interessar por mecanismos de poder e
tomou consciência das questões de gênero e de classe, se envolveu com grupos fe-
ministas. Esta aproximação levou a artista a perceber diferentes situaçoes de poder
e controle. A artista conta que ficou impressionada com o numero de câmeras de
vigilância nas ruas e na vida cotidiana de Londres e que isso a levou a produzir esta
e outras series de performances em vídeo.
Considerações Finais
Em suma, do controle à consciência sensível do corpo. Diante deste cenário, defende-
mos o papel do artista como um agente que questiona, denuncia e está sempre pronto
a interrogar o campo das imagens e a criar novas derivas, rizomas, dentro dos sistemas.
Ademais, a ação de deslocamento das imagens do âmbito médico para o artístico, so-
bretudo a partir da invenção da fotografia até a arte eletrônica do vídeo e das videoins-
talações como analisamos nesta pesquisa, subverte a função das imagens do corpo,
antes produzidas com objetivos e sentidos bastante distintos no campo da ciência.
721
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Uma vez deslocadas da área médica para o campo das Artes Visuais, as imagens do
interior do corpo participam do hibridismo estético decorrente das diferentes opera-
ções poéticas: deslocamento, apropriação, recodificação e ressignificação no imenso e
volumoso cenário de produção de imagens do corpo, ontem e hoje. O corpo vigiado
em constante mutação se reinventa continuamente, rompendo padrões e modelos de
programação das imagens técnicas oriundas dos aparelhos e dispositivos.
Cumpre destacar que foi a partir das relações entre o conceito de dispositivo de
Foucault e sua associação com redes e rizomas de Deleuze que surgiu um dos ob-
jetivos desta pesquisa: buscar compreender a origem das imagens biomédicas e o
seu papel social e político para relacioná-las aos registros do corpo e suas diferentes
corporalidades na arte contemporânea, cuja experiência estética as transforma em
provocações sinestésicas e sensíveis que podem levar o homem a libertar-se ou tor-
nar-se consciente da programação dos aparelhos e suas técno-imagens.
Referencias
Belting, H. (2006). Imagem, mídia e corpo: uma nova abordagem à iconologia. Tra-
dução Juliano Cappi. In: Revista de Comunicação, Cultura e Teoria da Mídia. São
Paulo. No. 08. Julho .p.32-60.
Fonseca, M. A. da. (2011). Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo: EDUC.
722
Matéria e Memória #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kraus, R. (1978) Video: the aesthetics of narcissism. In: BATTOCK, Gregory. New Ar-
tists Video. New York: E.P. Dutton. p. 43-64.
723
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
724
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo busca relacionar os estudos preliminares desenvolvidos em pesquisa
de pós-doutoramento ao tema geral do #18.ART, especialmente com a temá-
tica ‘Saúde, Imortalidade e Algoritmos’. A ideia é, através de um ensaio crítico,
apresentar as aproximações entre a ontologia da técnica e a busca pela imorta-
lidade, olhando sob a perspectiva da escalada da abstração elaborada por Vilém
Flusser. A partir de uma articulação entre conclusões particulares de textos que
abordam a questão do universo de imagens como alicerce importante do nosso
projeto de registro e estada permanentes na existência concreta, identifica-se a
capacidade ontológica de jogo entre homem e mundo, intrínseca nas jogadas
em dimensionalidade zero, apontada nos mais tardios textos de Flusser. Com
suas teorias apoiadas no conceito de jogo, Flusser quer nos advertir do profun-
do aspecto de construção artificial de uma realidade pré-programada presente
em todas as estruturas culturais.
Palavras-chave: Imagem técnica, jogos de linguagem, escalada da abstração,
Vilém Flusser
Abstract/resumen/resumé
This article seeks to relate the preliminary studies developed in postdoctoral research
to the general theme of # 18.ART, especially with the theme ‘Health, Immortality and
Algorithms’. The idea is, through a critical essay, to present the approximations be-
tween the ontology of technique and the search for immortality, looking from the
725
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A escalada da imortalidade
Conta-nos o livro do Gênesis 28, 12-13:
Teve um sonho: eis que uma escada se erguia sobre a terra e o seu topo atingia o céu, e os anjos
de Deus subiam e desciam por ela!
Eis que Iahweh estava de pé diante dele e disse:
– Eu sou Iahweh...
É essa escada o símbolo da busca árdua da verdade pelo homem. Essa é a escada da
abstração. Essa é a escada da filosofia. A escalada rumo à sabedoria. Tal escada, ou
escalada, é jogada primordial de Flusser para a compreensão do nosso campo de
jogo, isto é, dos nossos processos de comunicação.
Em suas especulações, que ora beiravam a antropologia histórica, ora a filosofia, ora
um método próprio de refletir sobre os escombros de um passado nebuloso, Flus-
ser abordou um esquema teórico que possibilitou a visualização e imaginação de
passos que ele mesmo chamou de “passos para trás”; tal imaginação nos permite
hoje descrever de forma cronológica aproximada os saltos dados pelo homem, da
posição que vivíamos em três dimensões à posição em que vivemos hoje: zero di-
mensão; ou nulodimensão.
Ao longo da pesquisa para a redação do presente trabalho, nos deparamos com al-
guns poucos textos que comentam este esquema teórico-imaginativo de Flusser.
Alguns consideram este esquema teórico, produto de ficções filosóficas; outros,
fruto de uma antropologia histórica baseada em sistemas míticos auto-evidentes.
Contudo, nenhum de destaca tanto quanto o apresentado por Norval Baitello junior,
em seu mais recente livro, intitulado O pensamento sentado. Sobre glúteos, cadeiras e
imagens, publicado pela editora Unisinos, no ano de 2012. Curto, porém de densida-
de esmagadora, o texto (ou piruletas e saltos mortais), à página 63, relata a experiên-
cia que o filósofo alemão Dietmar Kamper teve ao assistir, em Berlim, a uma palestra
proferida por Flusser já em seus últimos anos de vida. Vejamos:
726
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Performático como era, o mestre brasileiro (assim se anunciava Flusser, como brasileiro, mesmo
depois de quase duas décadas novamente na Europa) se posiciona na frente do palco e começa
a lecionar sobre o espaço e a comunicação. Nessa posição, ele fala sobre o homem que usa três
dimensões do espaço para se expressar por meio do gesto, da voz e da presença física. Até o
momento em que inventa a imagem e começa a desenhar sobre superfícies. Flusser dá nesse
momento um passo atrás e explica que uma das três dimensões do espaço é abstraída, quer di-
zer, subtraída. Com a imagem, o homem passa a se expressar no universo bidimensional, das
superfícies. As imagens vão se simplificando e, ao longo do tempo, se transformam em desenhos
estilizados, apenas contornos e traços, linhas, que depois dão origem aos ideogramas ou às le-
tras da escrita alfabética. Perde-se aqui mais uma dimensão do espaço, resta apenas a expressão
unidimensional e linear da escrita (já que o traçado da escrita é uma linha – que pode se mover
em todas as direções, mas continua sendo traçado e linha). Flusser dá mais um passo atrás no seu
palco e esclarece o interessante universo da linha e da linearidade que dá origem ao pensamen-
to lógico. Foi, portanto, a escrita que possibilitou a emergência do pensamento linear, lógico e
histórico. Tal pensamento permitiu o desenvolvimento da ciência que inventou aparelhos que já
nem precisam mais da linha, mas que operam com números, ou seja, com pontos. Ora, o ponto é
a dimensão espacial zero. Portanto, diz Flusser, dando seu ultimo passo para trás e encostando da
lousa ao fundo do palco, “descemos ao fundo da escada da abstração, alcançamos a nulodimen-
são e nela desenvolvemos todos os aparatos que reúnem pontos e simulam letras, imagens ou
volumes”. Esse é o caminho da escalada da abstração que nos leva ao nada. E conclui que, como
não podemos ir além nessa direção, temos de voltar às dimensões do espaço, ir reconstruindo
paulatinamente as dimensões perdidas.
Reconstrução de dimensões: tarefa para uma filosofia da fotografia. Tarefa para uma
filosofia da imagem no poder. “We do not yet have a philosophy of an image in power”3
. Pois, agora, diante do poço do nada sob nossos pés, o que nos resta é reconstruir
paulatinamente uma escada que nos leve para cima, para o outro lado; para o outro
polo. Polo também do nada.
É essa escada (ou escalada) – porém ao contrário, não que desce, mas que sobe: a
filosofia – o símbolo da busca da verdade pelo homem. Os diferentes aspectos do
simbolismo da escada estão todos ligados ao problema das relações entre o céu e
a terra. Uma espécie de objeto simbólico construído por nós, homens logo após a
tomada de consciência sobre a queda; como tentativa de retorno através de uma
escalada ascendente. Escalada ascendente e gradual, já que é constituída, em sua
estrutura, por degraus. Bem como nos mostra Flusser, ainda no início de sua jornada,
no gráfico por nós analisado anteriormente. Nele há o eixo de projeção posicionado
verticalmente e uma série de sete eixos horizontais que cortam o eixo vertical como
se fossem degraus; ou camadas a serem superadas na caminhada ascendente rumo
ao topo do campo de jogo.
Uns estão na terra, preparando-se para subir os seus degraus. Outros, já ascende-
ram alguns, enquanto outros, mais distantes, aproximam-se do topo. Lá, no alto,
727
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
perdendo-se quase entre nuvens, são poucos os olhos que, de baixo, podem vê-la.
Só aqueles que ascenderam alguns degraus são capazes de consegui-lo.
Na base desta nova escalada ascendente proposta por Flusser, começa o caminho
dos que partem da experiência sensível. É dali que partem os empiristas, mas alguns
permanecem, como os materialistas, sensualistas. Nem todos são capazes de ascen-
der os degraus. Querem alcanças o topo. Mais longe, muito mais longe do que eles
está Platão, olhando para a terra.
A palavra hebraica sullam, que o latim traduz por scala, aparece frequentemente no
Antigo Testamento. Embora a escada de Jacó seja o exemplo mais conhecido, há
outros exemplos igualmente significativos: os três andares da Arca de Noé (Gênesis:
6, 16), os degraus do trono de Salomão (1, Reis: 10, 19), os degraus do templo de
Ezequiel (Ezequiel: 40, 26, 31). O Salmo: 84, 6, menciona as peregrinações no coração,
e os quinze salmos graduais são denominados Cânticos das subidas.
728
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Não parece restar dúvidas de que a comunicologia de Flusser situa-se dentro de uma
teoria maior, mais abrangente, que o preocupou desde o início de suas investiga-
ções. Uma teoria do conhecimento, ou uma epistemologia, com fundamentação na
comunicação humana, esteve sempre no cerne das problematizações flusserianas.
Desde a primeira até a última fase de seu pensamento, Flusser se preocupou em per-
guntar e elaborar estratégias, jogadas, afim de desvendar o mistério da Verdade do
conhecimento; ou ao menos se este mistério é desvendável e se há métodos atuais
para tanto. Ou, em algumas oportunidades se este tema é digno de ser considerado
misterioso, ou seja: se esta coisa chamada Verdade, de fato, existe.
Bem, tal dúvida coloca em cheque o que escrevemos até então, desde o início des-
te capítulo. Isto, pois, após leitura e releitura, conseguimos imaginar outra possibi-
lidade, também dentro da dinâmica da escalada: a imagem do vórtex, ou vórtice.
Escolhemos assumir o risco da exposição destas breves inferências em detrimento
da insatisfação diante da imagem da rede de pesca, elaborada no inicio do presente
capítulo. Antes de tentarmos formular tal imagem, nos permita, caro leitor, concei-
tuar brevemente o termo em jogo.
Propomos, portanto, que o leitor imagine uma espiral, ou um vórtice. – Opte pelo termo
de acordo com sua preferência de gênero. Não questionamos o rigor terminológico
729
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
para este caso específico. Ambas cumprem a meta da nossa investigação. – Imagem
imaginada, agora podemos nos perguntar: por que o vórtice? Entendemos o vórtice
como a imagem que realiza a síntese entre linha e círculo. Ou seja: o vórtice como a
dinâmica da síntese entre a dinâmica do jogo em campo de jogo linear e a dinâmica
em campo de jogo circular. Temos, a partir destas nossas elucubrações ainda nebulosas,
na imagem do vórtice, a dinâmica do jogo em universo de imagens sintéticas. Já que o
vórtice representa a síntese entre jogadas em linha e jogadas em círculo.
Explicaremos:
Ultrapassar pelas laterais, levaria tempo, problema grave para a época, já que
alguns pilares estavam a ponto de ruir, outros já haviam desmoronado, como
consequência do aparecimento de jogadas proto-científicas, neoaristotélicas
simplificadoras. Cavar e passar por baixo necessitaria conhecimentos geológicos
e tecnologias ainda desconhecidos. Passagem possível: choque. Linha se cho-
cou, portanto, contra círculo. Produto: vórtice, ou espiral. Imagine, caro leitor, o
brinquedo de criança bambolê. Imagine, em seguida uma espécie de membrana
invisível tangível sobre toda a superfície interna dos limites circulares do bam-
bolê. Agora imagine um segmento de reta, uma linha, ou uma flecha – como nos
referíamos na introdução desta tese – sendo lançada contra e de frente para o
bambolê. Teríamos o choque da flecha contra a superfície (membrana) do bam-
bolê. Tal choque resultaria em dissecção da estrutura circular do bambolê em
camadas. De modo que se dividiria e, posteriormente se desenrolaria como uma
serpentina (serpente) carnavalesca. Teríamos a forma circular descrita, de acordo
com a passagem da flecha do tempo, em estrutura linear.
O vórtice, portanto, pode ser entendido como a forma do campo de jogo no qual
imagens sintética operam síntese formal entre circulo e linha. Todas as jogadas em
campo de jogo espiral operam linha e círculo, ao mesmo tempo. Vórtice também
permite escalada; também pode ser composto por fio ou fios. A questão dos nós se
apresenta como problema insolúvel até o presente momento.
730
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É neste momento, exatamente nesta fase de seu pensamento, que Flusser passa a
abordar o tema das imagens, e mais especificamente, o problema das imagens téc-
nicas ou imagens sintéticas, vinculado aos temas da morte, da memória e da possi-
bilidade do conhecer. Para ele, este tipo específico de imagem pode ser observado
como uma atualização do método através do qual pode-se alcançar a Verdade e a
imortalidade. Método competente o suficiente para saltar sobre o limite circular do
campo de jogo. Para Flusser, a filosofia, como conhecida tradicionalmente, perdera
força perante campo de jogo superficial.
Imagens sintéticas, diferentemente das imagens tradicionais não podem ser obser-
vadas e analisadas biombos. Mas como escadas. São possibilidades para a escalada
rumo à concreção. Escalada de sentido oposto ao da abstração: nova escalada. Esca-
lada rumo à imortalidade: eternidade.
Essa posição fica clara quando, em um diálogo4 com amigos judeus, ocorrido em
Budapeste, à 7 de abril de 1990, Flusser diz:
Quanto mais velho fico, mais judeu me torno. E esse meu judaísmo está de algum modo conectado
com a ideia de morte. Eu não sei se minha leitura do judaísmo é boa, pois sou um judeu comple-
tamente assimilado e não participei de nenhum aprendizado judeu; mas minha ideia é que a dife-
rença básica entre judaísmo e cristianismo não é o fato de que para os cristãos o messias já chegou
e para os judeus ele ainda está por vir. Para mim, essa é uma questão muito pouco interessante.
O ponto fundamental é que para os cristãos existe algo no homem: um espírito, uma alma, como
quer que se chame; que sobreviverá à morte. E para os judeus, a coisa é muito mais imaterial. A
ideia é que sobreviveremos na memória dos outros.5
Bem, se minha leitura é correta, e pode bem não ser, pois o cristianismo naturalmente alimentou-
-se do judaísmo e há muitos judeus que ainda acreditam na alma e na sua imortalidade, mas não
creio que isso seja propriamente judaico.
731
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A alteridade do jogo se torna objeto e se faz significar pela sua principal característica:
a alteridade é o outro; o outro objeta. Aquele que objeta, é objeto. Sua função é ob-
jetar contra um sujeito que projeta lances (jogadas) em direção do outro, do objeto.
Talvez aqui, mais do que em qualquer outro momento do presente trabalho, a frase
“Liberdade é jogar contra o aparelho”6 ganha sentido. Nesse jogo, sujeito se transfigura
(transmuta) em projeto7. Projeta todas as suas possíveis articulações de jogadas no
outro, pois sabe que tais lances só têm sentido para além do tempo – para além do
Diabo, portanto – se forem projetados no outro. Sabe que suas jogadas, se projetadas
no outro, ganham um caráter fundamental para a comunicação humana e para o jogo:
o caráter de responsabilidade. Do latim responsa, as jogadas passam a ter resposta.
Passam a configurar um campo de jogo estruturalmente dialógico. No qual jogadas
batem, rebatem, vão e voltam; tornam e retornam. Nunca iguais. Sempre adicionadas
pelo projeto do outro, que também joga. O movimento8, nesse tipo de jogo é pen-
dular e representa uma mecânica da adição e não mais da subtração. A forma espiral
sobre a qual discutíamos algumas páginas atrás parece constituir o cenário concreto
para que a dinâmica proposta ocorra. Pois a própria dinâmica dos fluxos de uma espi-
ral (ou vórtice) cogita este caráter responsável, já que dentro dela, as coisas todas vão
e voltam, batem e rebatem. Campo de jogo espiral permite jogadas contra os limites.
Jogar contra os limites do campo de jogo é possibilidade pré-inscrita no programa do
aparelho. Aparelho significa, para recordar, estrutura dura, limitadora; situada ao redor
e nos limites mais superficiais do campo de jogo. Dele, imagens são expulsas – como
versos – tendo por meta a síntese. Imagens sintéticas são produtos de jogadas contra
aparelho. Imagens sintéticas simulam um cenário de êxito das jogadas contra. Vão se
projetando sobre os limites, simulando diabolicamente a conquista do aparelho e a
transcendência do campo de jogo. Imagens sintéticas são anti-políticas. Imagens sin-
téticas falsificam a experiência de liberdade.
Longe de querermos fazer deste texto uma tese de Teologia, continuemos com as
palavras de Flusser:
6 Flusser, 2002
7 Ver: Bozzi, Paola. Vilém Flusser. Dall soggeto as progetto: libertà e cultura dei media. Milão: UTET Uni-
versità, 2007.
8 Os primeiros passos de Flusser rumo ao tema abordado neste pondo da nossa tese podem ser
conferidos através da leitura dos originais datilografados, por exemplo em: Conceitos fundamentais
do pensamento ocidental; Texto-imagem; Texto/imagem enquanto dinâmica do Ocidente.
732
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Acho que a ideia judaica fundamentalmente é que minha imortalidade depende da outra pessoa;
que é ela a responsável por minha imortalidade e eu pela sua. É por isso que os judeus dizem de uma
pessoa morta: ‘que sua memória seja uma benção’, o que pode significar: eu sou responsável por
ele. (...) bem, se isso é um fato, se é a verdade do judaísmo, então, naturalmente, a revolução da in-
formação, com as memórias artificiais e as conexões bi-vocais de terminais, seriam a utopia judaica.
Tal argumentação ocorreu depois de Flusser ter sido provocado por um dos entre-
vistadores, quando suas principais hipóteses, teses e teorias foram expostas como
tendo por ponto de partida a Bíblia; ou narrativas e personagens bíblicos. Contudo,
não só com a Bíblia de um modo geral e abrangente, mas de modo mais específico,
com o tema da proibição das imagens, declarada por Moisés no Genesis; pela maioria
dos profetas judeus, como nos mostram os livros do pentateuco; os livros dos Reis,
os Salmos, o livro das Crônicas; bem como por alguns livros do Novo Testamento, por
exemplo, as Cartas de Paulo de Tarso, o Apóstolo. Tal argumentação sucede também
o questionamento à Flusser a respeito do papel e do lugar das imagens na constru-
ção da imortalidade, ou seja: na construção de um campo de jogo situado fora do
tempo. Sem duvidamente, neste momento, para defender uma tese política sobre
a comunicação humana, Flusser apoia-se em Platão, rediscutindo e atualizando os
texto d’A República, sobretudo àqueles trechos nos quais estão em jogo o tema da
política dos prazeres, o tema das escalas do ser e do conhecer à escala do prazer, o
tema da necessidade e escolha no mito de Er.
Imagens sintéticas9 são produtos de jogadas em campo de jogo que tem, em seu
centro, programa (estruturalmente linear) que para dentro de si suga todo o univer-
so da língua, e que tem, ao seu redor – como cerca limitadora – sistema aparelhístico
(estruturalmente circular) que para fora de si expulsa todo o universo da língua. Ou
seja: imagens técnicas são produtos de campo de jogo espiral. Proponho, ao leitor,
para a imaginação simulada de tal sistema, a observação do funcionamento de um
liquidificador de copo cônico. Imagens sintéticas são produtos de campo de jogo
sintético. Campo de jogo que resultou do choque dialógico entre campo de jogo
linear e campo de jogo circular.
Imagens sintéticas, como produtos de campo de jogo espiral, são superfícies esbura-
cadas. Como redes de pesca, de futebol, ou de tênis. A dúvida sobre a imagem da rede
ainda paira sobre o nosso texto. Redes de pesca, ou espirais, para melhor imaginarmos.
Tais buracos são dimensionalmente ínfimos, porém o bastante para possibilitar a esca-
lada em espiral ascendente. Nossa escalada ascendente busca transcendência. Super-
fícies esburacadas oferecem tais buracos para que possamos enfiar pés e mãos nessa
nova escalada rumo à Verdade do conhecimento e à imortalidade no campo de jogo.
9 Verificar, por exemplo, os originais datilografados: O vivo e o artificial; Nascimento de imagem nova;
Imagem com computador; Sintetizar imagens.
733
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O interessante nesse ponto é que Flusser atribui às imagens sintéticas uma função
que deveria ser da filosofia. Parece, deste modo, construir uma confusão argumen-
tativa. Uma argumentação filosófica inacabada, de certo modo. Sobretudo se levar-
mos em consideração a extrema atenção de Flusser no sentido de evitar tautologias
e paradoxos em suas teses, específicas e gerais.
Talvez Flusser sempre tenha observado, analisado e investigado as chamadas por ele
mesmo “imagens sintéticas” como um tipo específico de universo existente, capaz de
dar o salto que a filosofia, com toda sua história de elaboração de estratégias e jogadas,
nunca conseguiu. Como um tipo de universo existente tal qual aquele formulado por
Platão quando seus diálogos não conseguiam mais ter o alcance necessário para chegar
até a luz do conhecimento e da imortalidade: os mitos. Talvez, para Flusser, as imagens
sintéticas formam um tipo novo de universo; um universo plano, definido em superfície.
Superficial o bastante para saltar sobre os limites do campo de jogo. Tarefa altamen-
te árdua para jogadas estruturalmente mais profundas. Imagens técnicas são jogadas.
Imagens técnicas são jogadas – lançadas, expulsas – por aparelhos. Se jogadas por apa-
relhos, vivem em camada superficial, portanto. Elas são as jogadas dos aparelhos, pois
aparelhos, assim como nós, também querem jogar. São elas, as imagens sintéticas, pro-
dutos de operações programáticas que ocorrem automaticamente dentro de progra-
mas contidos em aparelhos. Como já dissemos: em campo de jogo diabólico estruturas
existem em camadas, uma dentro da outra, em sentido ascendente e hierárquico: do
núcleo para a superfície. E toda a queda se dá de dentro para fora. No sentido do núcleo
para as extremidades. Imagens técnicas estão para aparelhos, assim como aparelhos
estão para nós, como nós estamos para o Diabo; como o Diabo está para Aquele que o
criou10. Estrutura absurda e novamente surge a imagem mística do Ouroboros.
Imagens sintéticas são jogadas e para dentro delas nos jogamos. São jogadas no va-
zio como redes de pesca são jogadas ao mar. A diferença talvez esteja no objeto – na
10 Temos aqui a própria estrutura do sistema de pensamento de Vilém Flusser, que foi do tema do
Genesis, da queda e do Diabo em A história do Diabo, ainda no início de seus escritos, ao tema das
imagens sintéticas, já como última fase de seu pensamento, no fim de sua vida. Sua filosofia tam-
bém se desenvolveu em camadas de problematização. Como uma espécie de escalada, de fato. Do
núcleo original à respeito da nossa existência, à camada mais superficial e atual. Sempre projetando
ideias para as camadas emergentes. Pois sabia, Flusser, que novas camadas sempre estariam por sur-
gir. Aqui elaboramos uma espécie de justificativa para a nossa afirmação de que, em Flusser, o jogo
não é mero objeto de articulação teórico-conceitual, mas categoria filosófica. O jogo como método
de busca pelo conhecimento. O jogo como filosofia.
734
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
meta – destas duas diferentes jogadas. Redes de pesca têm por meta peixes. Redes
de imagens técnicas têm por meta, nós mesmos. Pescadores jogam suas redes para
que afundem e enrosquem em peixinhos distraídos. Nós, homens, jogamos nossas
redes para flutuem e depois nos jogamos sobre elas, para que elas nos distraiam,
para que elas nos divirtam; afim de termos algum solo para pisar; algum fundamen-
to para existir. Alguma escada para escalar.
Em sua tese política, Flusser nos diz que diferentes de biombos, imagens técnicas
são projetos. “(...) projetos para Deus”11. Imagens técnicas não se colocam entre ho-
mem e natureza. Mas sobre. Imagens técnicas formam estrutura em rede que não
é jogada para baixo, como são as redes de pesca. Imagens técnicas formam rede e
tal rede é jogada para frente e para cima. Numa extremidade chumbadas (como as
de pesca) são amarradas para que se ancore e simule proximidade. Noutra extremi-
dade, espécies de balões de gás são amarrados para que flutue e alcance os céus.
Oferecendo a possibilidade de escalada. Este tipo diferente e novo de estrutura não
está posicionado entre, como observou Platão. Este tipo novo de estrutura está em
cima da gente. Cercando e cobrindo o campo de jogo. Oferecendo religião.
(...) há uma proibição da imagem pela seguinte razão: a ideia do judaísmo é que Deus é comple-
tamente diferente. Totalmente diferente! Toto coelo abstractie. O que significa que não se pode
concebê-lo ou imaginá-lo. Ele é completamente impensável e inimaginável e, portanto, a teologia
não é possível. Não se pode falar sobre Deus, pode-se apenas falar com ele12. Bem, se isso é um
fato, existe apenas uma imagem: a face da outra pessoa. Pois Deus fez o homem à sua imagem. E o
único modo como posso imaginar Deus é o olhar para outra pessoa. Isso quer dizer que somente
através do amor pelo meu semelhante eu posso amar Deus. Assim, a única imagem permitida é
a imagem do rosto do outro.
Chegamos ao ponto:
Mas a imagem sintética – a imagem computadorizada – é a outra pessoa! Pois através da imagem
computadorizada, eu posso falar com a outra pessoa: ele me envia sua imagem; eu trabalho nela
e devolvo a ele. Portanto, esta é a imagem judaica. Não se trata de um ídolo, isso não é paganismo.
É um modo de amar meu próximo e, pelo amor a meu semelhante, amar a Deus. (...) a imagem
sintética computadorizada é perfeitamente judaica.
735
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Flusser indica que imagens sintéticas configuram uma nova estrutura que permite o
jogo sobre os limites do campo de jogo temporal e limitado, para um novo campo
de jogo, atemporal e ilimitado. Uma jogada que nos lança para o território (se assim
podemos chamar tal lugar) da atemporalidade lúdica, no qual toda jogada tem sen-
tido: o outro. Ou seja: Deus.
Como se essa nova estrutura – na forma de escada – fosse capaz de nos ligar nova-
mente ao Toto coelo abstractie, ao totalmente abstrato. Imagens sintéticas como
verdadeiras soluções para o problema da queda. Isto é: a grande e definitiva solução.
A existência de imagens sintéticas significa, sob este panorama teórico, o universo
da linguagem humana encontrando significação para as narrativas lineares encon-
tradas na Bíblia, do Genesis à anastasis de Cristo. Propondo, desta maneira, que a jo-
gada circular – universo das imagens técnicas – se sobrepôs à jogada linear – univer-
so da escrita linear. Ou: a circularidade é o caminho. Ou: do círculo faz-se o caminho
para o conhecimento da Verdade.
Eis a jogada que implicará em campo de jogo decisivo. Implicará decisão. Fim da
cisão. Implicará em fim da diversão em universo programado. Tal jogada terá por
consequência o fim do tempo. O fim do pensamento. O fim da história do Diabo. O
alcance da imortalidade.
736
Saúde, Imortalidade e Algoritmos
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
BAITELLO JUNIOR, Norval. O pensamento sentado. Sobre glúteos, cadeiras e ima-
gens. Editora Unisinos: Rio Grande do Sul, 2012.
BOZZI, Paola. Vilém Flusser: dal soggetto al progetto: libertá e cultura dei media.
Torino: D Agostine Scuola SpA, 2007.
737
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
738
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A apropriação e o plágio têm sido temáticas muito debatidas no último século.
Desde o aparecimento dos ready-mades de Duchamp, na primeira metade do
século XX, que se tornou impossível ignorar a questão da utilização por parte
de determinados artistas, de obras ou conceitos desenvolvidos por outros. O
fenómeno já existia anteriormente, mas com Marcel Duchamp passou a ser
debatido criticamente no seio da arte e genericamente pelo público. O que
faz de um artista o autor da sua obra de arte? Que relação existe entre auto-
ria e significado que faz com que a obra de arte deva ser interpretada à luz
dos significados do artista? Este artigo procura, através da objetividade dos
conceitos, pesquisar, debater e explorar a interligação entre a apropriação, o
plágio e a originalidade artística.
Palavras-chave: arte, autoria, apropriação, originalidade, plágio.
Abstract
Appropriation and plagiarism have been themes much debated in the last centu-
ry. Since the emergence of Duchamp’s ready-mades in the first half of the twentieth
century, it has become impossible to ignore the issue of the use, by certain artists, of
works or concepts developed by others. The phenomenon already existed previous-
ly, but with Marcel Duchamp it began to be debated critically in the bosom of the
739
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
art and generally by the public. What makes an artist the author of his work of art?
What relation exists between authorship and interpretation of meaning, that makes
the work of art to be interpreted in the light of the artist’s meanings? This article
seeks, through the objectivity of the concepts, to research, debate and explore the
interconnection between appropriation, plagiarism and artistic originality.
Introdução
O que é que faz de um artista autor da sua obra de arte? Que relação especial existe
nessa autoria que faz com que a obra de arte deva ser interpretada em termos dos
significados do artista? Ou em termos dos significados que o artista podia ter tido?
Foi no século XX que a noção de autor começou a ser sistematizada e um dos seus
primeiros pensadores, Roland Barthes, escreve sobre o fim desse mesmo autor, su-
gerindo que “é preciso inverter o mito: o nascimento do leitor deve pagar-se com a
morte do Autor” (Barthes, 1968: 64). Michel Foucault concorda, argumentando que
o conceito de autor é autoritário e pouco mais faz que restringir o livre pensamento
de quem lê e, portanto, sugere que “deixemos o escritor, deixemos o autor e vamos
estudar, em si mesma, a obra. A palavra “obra” e a unidade que ela designa são prova-
velmente tão problemáticas quanto a individualidade do autor.” (Foucault, 1992: 90)
Para melhor responder a esta pergunta, o artigo será orientado por quatro abordagens
mais explícitas, questões que servem para operacionalizar a preocupação central:
2. Em que medida a apropriação se constitui como território fértil para a criação artística?
4. De que modo as novas criações oferecem novas perspetivas acerca dos traba-
lhos anteriores?
740
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
intenção de que o estudo aqui apresentado seja conclusivo, pelo contrário, consi-
dera-se a possibilidade que a pesquisa e argumentação possam esclarecer algumas
das questões problemáticas que este tema envolve.
Plágio
Para Gordon Stein (1993) o conceito de plágio consiste em utilizar trabalho, alcança-
do pelo esforço intelectual de outro, como tendo sido o próprio. Dito por outras pa-
lavras, é o roubo da Propriedade Intelectual de outra pessoa. Assim, pode deduzir-se
que a Propriedade Intelectual, direitos de autor, pirataria na internet e plágio estão
ligados aos direitos de autor como uma área da lei sob a Propriedade Intelectual. A
pirataria na internet é o ato de roubar média protegida por direitos de autor e plágio
é a utilização de material como sendo seu.
No entanto, para definir plágio visual é necessário aprofundar ainda mais estes con-
ceitos. Existem maneiras de plagiar no universo visual que coincidem com o plágio
baseado em texto, mas também existem maneiras mais originais e complexas.
Sven Meyer zu Eissen e Benno Stein (2006) dividem o plágio baseado em texto em
dois grupos: cópia exata e cópia modificada. A cópia exata ocorre quando o texto é
copiado literalmente e representado como o próprio trabalho do plagiador e a cópia
modificada aparece quando o plagiador tenta encobrir o crime reescrevendo o do-
cumento pelas suas próprias palavras. Se for aplicado este modelo ao plágio visual,
ele pode ser redefinido da seguinte forma:
Tanto a cópia exata como a cópia modificada podem ser divididas em subgrupos:
• Cópia exata
a. Cópia igual - Representa a arte visual igual à de outro artista, seja ela um dado ou
um objeto físico, com a intenção de ser apresentada como uma criação dos seus
próprios esforços intelectuais.
b. Auto-plágio - Representa o próprio trabalho original que inclui adornos com a inten-
ção de enganar e exibir a peça como se fosse a primeira vez, quando na verdade ela
741
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
foi exibida antes ou foi falsificada a data da criação. Qualquer deturpação do próprio
trabalho com a intenção de enganar está incluída nesta declaração.
• Cópia modificada
a. Cópia exata ajustada - Representa a obra visual exata, seja ela de dados ou um
objeto físico, com a adição de ajustes que modificam a obra de arte original, com a
intenção de a mostrar como uma criação do seu próprio esforço intelectual. Como
por exemplo, aplicar a conversão para preto e branco a uma fotografia colorida de
outra pessoa e fingir que a autoria é sua.
742
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
743
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1. Andy
Figura 1. Warhol. Campbell’s Soup Cans, 1962 (imagem: The Museum of Modern Art)
Andy Warhol
Não há dúvida também que a inspiração e as referências a outros artistas fazem par-
te do processo criativo. As ideias surgem de várias fontes, assumem novas formas e
transformam-se em coisas novas. As diferenças entre o que constitui plágio e o que
constitui apropriação legítima podem assumir muitas e variadas formas tais como
homenagem, pastiche, paródia, paródia satírica, entre outras. Dentro destas práticas
artísticas, não raras vezes, acontecem casos em que é difícil e complexo determinar
se a intenção do artista foi esconder ou omitir a referência de origem, tornando-se
assim num caso de fraude, ou se a sua intenção está associada a um comportamen-
to ideológico da corrente pós-modernista, que procura sobretudo criar uma nova
abordagem a questões relativas à referência de origem, passando assim a poder ser
considerado pastiche.
744
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 2. Walker
Figura Evans
2. Walker Figura
Evans. [Allie Mae Burroughs, 3. Sherrie
Hale County, Levine
Alabama], 1936
(imagem: The Metropolitan Museum of Art)
[Allie Mae Burroughs,
Figura 3.Hale After Evans:
Sherrie Levine. After Walker Walker Evans: 4, 1981
4, 1981
(imagem: The Metropolitan Museum of Art)
County, Alabama], 1936
(imagem: The Metropolitan
(imagem: The Metropolitan Museum of Art)
Museum of Art)
Embora seja possível identificar e classificar o plágio nas artes visuais através de abor-
dagens teóricas, torna-se muito mais difícil e complexo determinar quais as intenções
de uma obra no seu sentido prático. Em situações concretas, as generalizações teóricas
podem tornar-se problemáticas e a determinação de cada situação só pode ser avalia-
da caso a caso. No entanto, é obviamente importante compreender do ponto de vista
teórico de que forma a cultura e a História da Arte têm influenciado a prática apropria-
cionista e os comportamentos de plágio no campo das artes visuais.
O plágio na contemporaneidade
À medida que a nossa época contemporânea avança, parece evidente que os concei-
tos de individualidade e de Propriedade Intelectual continuam a ser desafiados e a
ser postos à prova. Pode muito bem dizer-se que conceito atual de plágio é baseado
numa visão capitalista de posse e propriedade. Este conceito parte do pressuposto
que tudo o que tem valor económico pode ser adquirido, comprado e vendido. As
ideias, o conhecimento e a arte são coisas criadas por indivíduos e, portanto, assume-
745
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
-se que têm direito de propriedade. Esta é sem dúvida uma visão que está profunda-
mente enraizada na cultura ocidental. Mas existe uma linha muito ténue nessa noção
de que as ideias podem ser balizadas num autor ou num proprietário. Como nos diz
Jonathan Lethem (2008), se a sociedade contemporânea se regesse por essa norma
capitalista, então de cada vez que a música Happy Birthday fosse cantada num espaço
público, quem a cantasse teria de pagar uma taxa à Sociedade Americana de Compo-
sitores, Autores e Editores e, felizmente, isso não acontece.
A ideia de bens públicos comuns, sugerida por Jonathan Lethem (2008), oferece uma
visão alternativa para o conhecimento, para as ideias e para a arte. Os bens comuns
são tudo aquilo que pode pertencer a todos e a ninguém em simultâneo. Podem ser
tomados como exemplos físicos o ar, a água, as ruas, as avenidas, os parques, entre
outros. Outro bem comum público é a linguagem, usada por todos os membros de
uma comunidade linguística, gerida por regras que derivam de um consentimento
comum, modificada por todos os que a utilizam, não para a tornar incompreensível,
mas pelo contrário, para aproximar à realidade contemporânea. Em suma, a lingua-
gem é propriedade de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém.
Como nos diz Alan McCord (2008), é possível perceber que a prática do plágio é um
fenómeno ancestral, que se manifesta nas mais variadas áreas e situações da socie-
dade contemporânea, mas que adquiriu contornos específicos no meio artístico. Na
área artística o fenómeno tem-se intensificado com o aparecimento e crescimento
da sociedade da informação, devido ao constante desenvolvimento das novas tec-
nologias de informação, bem como a evolução dos equipamentos e softwares que
facilitam o acesso de conteúdos.
746
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
i) Das três classes de direitos subjetivos, reconhecidos pelo Direito Romano, nenhum
engloba a Propriedade Intelectual na sua totalidade, que, segundo a Organização
Mundial da Propriedade Intelectual, se refere a criações da mente: invenções, obras
literárias, obras artísticas, símbolos, nomes, imagens e desenhos usados para fins co-
merciais (OMPI, 2019). Segundo Peter Ramsden (2011), as três classes são distingui-
das como direitos reais, direitos pessoais e direitos de personalidade. O Direito Real
está relacionado com objetos tangíveis ou corpóreos. Por se tratar de uma criação da
mente, a Propriedade Intelectual não pode ser considerada um objeto real. Quanto
aos direitos de personalidade, que são o direito à integridade física e à dignidade,
estes não podem ser tirados de uma pessoa, ao contrário da Propriedade Intelectual,
que pode existir separada do seu criador.
ii) Em termos gerais, define-se Direito de autor como “aquele direito que se aplica a
um autor qualificado de uma obra original reconhecida pela Lei (ou pessoa que ad-
quiriu direitos de ou através dela) e que lhe permite impedir a cópia não autorizada
dessa obra.” (Smith, 1995: 50).
747
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que outro artista use a obra de arte de uma pessoa é designado de empréstimo
permissível se o mutuário fornecer uma divulgação completa do trabalho que será
usado. O trabalho que daí resultar será considerado um novo trabalho original por
direito próprio e gozará de proteção de direitos de autor, desde que esteja em for-
mato material. Os direitos de autor não se aplicam a ideias e um trabalho deve estar
em formato físico e, mesmo assim, apenas os recursos do trabalho são protegidos,
não o conceito.
Para Michael Edenborough (1995) os direitos de autor podem ser violados direta ou
indiretamente. A infração direta, ou primária, é a cópia não autorizada de uma obra
de arte e a infração indireta, ou secundária, resulta quando determinados atos são
executados em simultâneo com uma infração primária, como por exemplo a distri-
buição de cópias ilegais de obras de arte sem autorização.
Embora os três últimos tipos de pirataria existam desde que Hermadorus vendeu os
discursos de Platão, é evidente que a pirataria na Internet é um fenómeno relativa-
mente recente e as agências de aplicação da lei não acompanharam a evolução da
tecnologia e o número de piratas e hackers tem aumentado cada vez mais.
Segundo Peter Yu (2004), os Estados Unidos da América perderam mais de dez bi-
liões de dólares em 2002 devido à pirataria de direitos de autor. As tentativas do
governo americano de proteger os media com direitos de autor na Internet falha-
ram por questões de privacidade, como ficou comprovado no dia 18 de janeiro de
2012, quando importantes entidades da web, como a Wikipedia e outros, realizaram
um apagão contra o Stop Online Piracy Act (SOPA) e o Protect Intellectual Property
Act (PIPA). SOPA e PIPA foram tentativas do governo dos Estados Unidos da América
de combater a pirataria, permitindo que os operadores dos Domain Name System
748
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Apropriação
Por se tratar de um tópico bastante debatido da academia e dos direitos de autor,
é importante compreender a análise teórica da apropriação artística. Este assun-
to influenciou as ideias de críticos e profissionais de arte na sua abordagem à
arte e curadoria assim que esta expressão ganhou notoriedade, sobretudo, nos
Estados Unidos da América pós-moderna. A apropriação, ao procurar ser uma
“autoexpressão”, contraria a noção tradicional de arte de que “as Histórias da Arte
e Arquitetura são compostas principalmente de monumentos para autoridade”
(Owens, 1992: 91), afastando-se assim dos antigos propósitos da arte como pro-
paganda ou domínio do poder político através dos museus. A mudança para que
a apropriação seja vista como uma autoexpressão ajuda a um maior e mais aberto
debate académico, pois muda a forma como vemos os momentos na história e
avaliamos a relação entre o tema e o artista.
749
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 4. Man
Figura RayRay. Marcel Duchamp dressed as Rrose
4. Man Figura 5. Yasumasa
Selavy, Morimura
1924 (imagem: Another Mag)
Figura
Marcel 5. Yasumasa
Duchamp dressedMorimura. Doublonnage
as Rrose Selavy, 1924 (Marcel), 1988 (imagem:
Doublonnage (Marcel),Museo
1988 Reina Sofia)
(imagem: Another Mag) (imagem: Museo Reina Sofia)
O crítico David Grosz (2006) identifica o modernismo como sendo o responsável por
uma mudança no que é considerado História da Arte. Segundo ele, “o modernismo
reescreveu as regras de arte e se não formos cuidadosos, o ilusionismo realista (a téc-
nica de utilização de imagens que muitas vezes enganam o espectador) pode ser visto
como antiquado.” (Grosz, 2006: 1). Dito por outras palavras, o modernismo é o joga-
dor que reestruturou as leis da arte, mas por vezes as obras modernistas aparecem
como tradicionais depois do aparecimento do pós-modernismo e da apropriação. En-
contram-se, frequentemente, trabalhos apropriados que mostram uma imagem, mas
escondem a mão do artista original. Trabalhos apropriados alteram a representação
de uma imagem através da representação dela própria. Craig Owen clarifica a relação
entre apropriação e representação ao dizer que “a apropriação de uma pintura é uma
visão de representação como substituição: a imagem é tratada como uma substituição
para algo que de outra forma não apareceria.” (Owens, 1992: 96). Ou seja, o propósito
da apropriação é o de criar um novo produto, sendo o original uma mera mistura de
outros elementos numa escala maior. O resultado é muito mais emocionante quando
surge uma nova obra completamente independente da inicial.
750
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Afirmar que a representação é transparente para os seus objectos não é defini-la como mimética
ou ilusionista - os mapas, por exemplo, não simulam a experiência visual. Pelo contrário, significa
que cada elemento da obra de arte é significativo, isto é, se refere a algo que existe independen-
temente de sua representação. Assim, a “transparência” designa uma perfeita equivalência entre
a realidade e sua representação; significante e significado espelham-se um ao outro... Estamos
tão acostumados a essa formulação do problema da representação - através de obras de arte que
chamam a atenção para suas próprias propriedades materiais, e através de uma história da arte
que nos ensina a vê-las como combinações mais ou menos harmoniosas ou dissonantes de linha
e cores - que podemos ter dificuldade em apreciar o que Foucault e Marin identificam como a
condição absolutamente fundamental da representação, pelo menos como ela foi concebida no
século XVII, e essa é a transparência (que não é a mesma coisa que ilusionismo). (Owens, 1992: 98).
A recriação permite-nos repensar o original de uma forma que não existia até então.
Segundo Owens, “a transparência designa uma perfeita equivalência entre a realida-
de e a sua representação; significante versus significado espelham-se um ao outro,
um é apenas a reduplicação do outro.” (Owens, 1992: 98).
Os artistas apropriam-se quando adotam imagens, conceitos e formas de fazer arte que outros
artistas utilizaram anteriormente, de modo a adaptar esses meios artísticos aos seus próprios
interesses. Eles também se apropriam quando usam objetos, imagens ou práticas culturais po-
pulares (ou estrangeiras) e reeditam-nas dentro do contexto dos seus próprios trabalhos, quer
para enriquecer quer para corroer definições convencionais do que uma obra de arte pode ser.
(Verwoert, 2006: 14).
751
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Embora a apropriação tenha algum protagonismo na prática criativa, foi o discurso for-
mal de apropriação de Marcel Duchamp que estabeleceu um novo compromisso com a
repetição. A apropriação do objeto de arte através de meios simples, como a assinatura
de um objeto do quotidiano, como é exemplo The Fountain com a assinatura R. Mutt
1917, faz mais do que apenas colocar objetos dentro de contextos diferentes, essa apro-
priação multiplica o singular para um plural que produz uma repetição sem fim.
Figura 6. Francis Bacon. Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion, c. 1944
Figura 6. Francis Bacon Figura 7. Connie
(imagem: Imboden
Tate Gallery)
Three Studies for FiguresFigura
at the 7. Connie
Untitled #5978,Untitled
Imboden. 1994 #5978, 1994
Base of a Crucifixion, c. 1944 (imagem: Connie Imboden)
(imagem: Connie Imboden)
(imagem: Tate Gallery)
Considerações finais
A apropriação é uma prática absolutamente legítima, no que diz respeito ao mundo
da arte. No entanto, esta evidência artística tem incomodado juízes, advogados e
juristas, desafiando os critérios principais dos direitos de autor, como são os da ori-
ginalidade e da autoria.
752
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Este artigo teve como questão de investigação a pergunta: existirá plágio criativo no
campo das artes visuais?
A apropriação abriu caminho a que artistas mais irreverentes tivessem uma ainda
maior flexibilidade para a autoexpressão. O porquê de um artista sentir o desejo de
se apropriar de obras de arte já existentes pode ser entendido com um olhar históri-
co sobre os nossos antepassados, desde os romanos aos pintores renascentistas, que
criavam obras replicadas de outras com um desejo íntimo de aprender e responder
às perguntas mais profundas do mundo, através da arte e do pensamento.
A intenção da apropriação é desafiar a ideia romântica de que toda a arte deve ser
criada inteiramente por um artista, sem referência a outros. Esta formulação artística
procura abalar os dogmas da criação artística, abrindo novas possibilidades para o ar-
tista explorar as suas habilidades de alterar, sobrepor ou justapor elementos díspares
de uma outra obra, de forma a que estes elementos passem a ter novos significados.
753
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Embora as noções de autoria artística tenham sido vistas muitas vezes como desafiado-
ras ou até prejudiciais para o campo das artes, de facto os artistas que trabalham a apro-
priação levantam novas questões, sejam estas intencionais ou não. Com a apropriação,
os artistas são capazes de questionar e reinventar conceitos como a originalidade e a
inovação. A originalidade é uma pressão extrínseca dirigida ao artista pela sociedade, e
não uma restrição que é interna ao próprio conceito de arte. Ao posicionar-se relativa-
mente a esta questão, mais do que negar a autoria, o artista pode realmente afirmar o
seu estatuto enquanto ser criativo.
Lista de figuras
Figura 1. Andy Warhol, Campbell’s Soup Cans, 1962, acrílico com tinta esmalte metáli-
co sobre tela, (32 painéis, cada tela de 50.8 x 40.6 cm, instalação geral com 7.62 cm en-
tre cada painel) total de 246.38 x 414.02 cm, Manhattan, The Museum of Modern Art.
Figura 2. Walker Evans, [Allie Mae Burroughs, Hale County, Alabama], 1936, fotogra-
fia, 20.32 x 25.40 cm, New York, The Metropolitan Museum of Art.
Figura 3. Sherrie Levine, After Walker Evans: 4, 1981, fotografia, 12.8 x 9.8 cm, New
754
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 4. Man Ray, Marcel Duchamp dressed as Rrose Selavy, I924, impressão de pra-
ta de gelatina, 20.3 x 15.2 cm, ----x----, ----x----.
Figura 5. Yasumasa Morimura, Doublonnage (Marcel), 1988, fotografia, 150 x 120 cm,
Madrid, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.
Figura 6. Francis Bacon, Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion, c.1944,
óleo sobre tela, 116.2 x 96 x 8 cm, Londres, Tate Gallery.
Figura 7. Connie Imboden, Untitled #5978, 1994, fotografia, ----x----, ----x----, ----x----.
Referências
Barthes, R. (1968). O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes.
Caygill, H. (2000). Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda.
Eissen, S. M., & Stein, B. (2006). Intrinsic plagiarism detection. Berlin: Springer.
Green, S. P. (2002). Plagiarism, norms, and the limits of theft law: some observations
on the use of criminal sanctions in enforcing intellectual property rights. Hastings
Law Journal.
Grosz, D. (2006). Getting real, looking back. The New York Sun, 1-2.
755
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Osler, W. (1913). Evolution of Modern Medicine. New Haven: Yale University Press.
Oxford University Press. (10 de Agosto de 2019). Internet piracy. Obtido de http://
www.oxfordreference.com/view/10.1093/oi/authority.20110803100008149
Ramsden, P. (2011). A guide to intellectual property law. Cape Town: Juta Law.
Snapper, J. W. (1999). On the web, plagiarism matters more than copyright piracy.
127-136.
Verwoert, J. (2006). Apropos appropriation: Why stealing images feels different to-
day. Tate Publishing, 14-21.
Woodmansee, M., & Jaszi, P. (1994). The Construction of Authorship: Textual Appro-
priation in Law and Literature. Durham: Duke University Press.
Yu, P. K. (2004). The escalating copyright wars. Hofstra Law Review, 907-951.
756
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Alessio Chierico1
ARTificial Intelligence from Generative Art to
Post-Media practice
Abstract
Generative Art (GA) is an established artistic approach which has been extensively
debated in the past. However, the emergent development of Artificial Intelligence
(AI) and its use in artistic contexts, demands a novel contextualization of the the-
ories and principles that defined GA. The aim of this research is to rehabilitate the
principles of GA and apply them to the artistic practices that utilize AI for creative
purpose. This investigation has been developed by applying an existing theoretical
framework for understanding GA (Dorin et. al. 2012) to some recent projects that use
of AI. In addition, the practices that follow this artistic approach, offer relevant hints
for the basic definition of Post-Media (Chierico 2016) and the discussion concerning
the role of media in art production, thus, the agency and the authorship of media in
artistic practice. AI in art responds to most of the GA theories and it brings them to
their extreme point. However, some theories need to be restructured and adapted to
the specific functioning and outcomes of AI in art.
Keywords: Generative Art, Artificial Intelligence, Post-Media practice, Media Art
Introduction
Generative Art (GA) is the definition of a specific method applied to artistic practice,
which is not circumscribed in any historical period, but assumes a particular rele-
vance during the 21st century (Galanter 2016 p. 1). This term has been extensively
used in the area that concerned Computer Art and all the artistic approaches that
see a conscious relation between art and technologies, often identified as Media
Art. However, it seems that the definition and principles of GA have been out of the
academic discussion during the last 10-15 years. Arguably, this might be the result
of a preconception that aligns GA to modernist imprinting or simply the lack of par-
ticular artistic and technical innovations that determined a conceptual stagnation
(McCormack et. al. 2013 p.12), thus, preventing the necessity to rediscuss the exist-
ing theories. This latest occurrence is currently undermined by the latest advance-
ments in Artificial Intelligence (AI), especially its use for artistic purpose. In gener-
1 Alessio Chierico is an artist, researcher and lecturer with a background in contemporary art, design
theory and media studies. Chierico is lecturer at the Accademia di Belle Arti di Macerata (IT) and
Accademia Costume e Moda in Rome (IT). He is also PhD candidate at Interface Culture department
of Kunstuniversität Linz (AT).
757
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Generative art refers to any art practice in which the artist cedes control to a system with functio-
nal autonomy that contributes to, or results in, a completed work of art. Systems may include na-
tural language instructions, biological or chemical processes, computer programs, machines, self‐
organizing materials, mathematical operations, and other procedural inventions.” (Galanter 2008)
GA presents a strong bond with Computer Art. This might be easily observed by
the name of the first computer art exhibition: “Generative Computergraphik”. This
exhibition, held in 1965, presented the works of the pioneer Georg Nees, who used
this same title for his PhD thesis (Nees 1969), which became one of the major ref-
erences for the theories in GA (Boden and Edmonds 2009). Despite the undeniable
relation between Computer Art and GA, it is important to clarify that GA does not
depend on the use of computers and it is not in the exclusive domain of the Media
Art or all the subsets in the area in which art and technology are interwoven. Pre-
senting an arguable assumption, Galanter (2016) opposed the dependence of GA to
computers. Accordingly, the procedural automation of their technical precursors, for
instance, the Jacquard’s loom, demonstrates that GA anticipated and paved the way
to computer science.
Bypassing the specific concern that relates GA with computer science, it must be
added that the notion of GA does not imply any privileged mean of production, in
accordance to Post-Media theories in the art (Chierico 2016). Indeed, there is a com-
mon agreement concerning the fact that GA cannot be circumscribed to specific
conceptual intentions, medium or contents of the artistic research, but it is a method
of artistic production (McCormack et. al. 2013 p.2, Galanter 2016, Dorin et. al. 2012,
Boden and Edmonds 2009).
758
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Accordingly, Entities “are the subjects upon which a generative artwork’s processes
act. [...] Entities are constituents that are (conceptually) unitary and indivisible, and
whose functional relationships are not typically expressed in terms of internal mech-
anisms” (Dorin et. al. 2012 p. 244). Processes are defined as “mechanisms of change
that occur within a generative system; they necessarily involve entities that perform
operations on, or interact with, each other” (Dorin et. al. 2012 p. 245). With the term
Environmental Interaction this theoretical framework assumes that: “all generative
systems operate within a wider environment from which they may draw informa-
tion or input upon which to act” (Dorin et. al. 2012 p. 246). The definition Sensory
Outcomes describes “artefacts (visual, sonic, musical, literary, sculptural, etc.), includ-
ing static or time-based forms” (Dorin et. al. 2012 p. 247). These outcomes display
the status of the generation process (definitive or in progress) and are the sensible
form through which the artwork can be experienced. The analysis of each of the fol-
lowing works, will be also enriched by “remarks on media agency” and “remarks on
media authorship”: A series of observations, made by the author, which correspond
respectively to: how the media used, to create the specific artwork, present a certain
degree of agency and how the notion of authorship is challenged by the autonomy
of the specific system.
759
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The automation of the process performed by Norman gives the impression that the
authorship of the contents is entirely assigned to the AI. This might be true if the
artwork is considered to be the sentences produced by the system. Differently, it is
here assumed that the artwork is the ideation and creation of the system itself. Thus,
the creation of the logic and the sets of rules that determined the performativity of
the work, in line with the definition offered by Post-Media practice (Chierico 2016).
Fig.1 - MIT Media Lab. Norman. 2018. Screenshoot from the website http://norman-ai.mit.edu/.
Loclair, Christian. Narciss. 2018
Narciss (Fig. 2) is a work created by Christian Loclair (2018) consisting in an instal-
lation composed by an uncovered computer equipped by a moving camera and a
mirror that stands in front of the computer. This system hosts an AI that constantly
performs image recognition: it describes with text, what the camera sees during its
random movements. Because of the mirror, the camera is always pointing to various
parts of the computer, thus, the AI describes the hardware that contains itself, simu-
lating an act of self-reflection.
760
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
This work consists of a series of physical elements (pedestal, mirror, computer, cam-
era, monitor) mainly controlled by software. Here instances of agency can be found
in the important function of AI in determining the textual outcome, but also in the
physical appearance of the installation, that influences the interpretation of AI. Cer-
tainly, this last aspect has been calibrated by the artists for the purpose of the work.
In other terms, the media used for this work are functional to the conceptual intent
of the artists and their agency enriched the coherence of the project.
Similarly to the work observed previously, the main outcome of the work, consisting
of text, emerges autonomously from the performance of AI. However, the setting
created by the authors (installation) awards them with the largest part of authorship.
The function covered by AI, in this case is fundamental, but partial. This work can be
interpreted as a sort of collaboration between authors and AI.
761
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
This work strongly relies on a tangible generative system (moving structure) assisted
by AI. All the components used in this system have a relevant part in the creative
result. However, it must be noted that the creation of the generative system accom-
modates the artistic methodology based on predefined rules. Moreover, it must be
noted that the generative system is reflected in the outcomes of this work, but it is
not present in the formalization of the project.
The authorship of the project outcomes strongly depends on the generative system,
presenting almost complete independence from human intervention. However, it is
important to clarify that this project can be considered both as generative tool for
artworks or an artwork per se. This aspect is central to numerous generative project.
The position expressed here consider the project as artwork independently from its
outcomes. For this reason, the authorship is here supposed to be clearly assigned to
the developers of the generative system.
The authorship of the outcomes of this work is highly balanced on the performance
of GANs. Nonetheless, the elaborations of GANs for the specific purpose of this proj-
ect, in addition to the chosen name and the presentation of the work, demonstrates
762
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
the clear authorship of the creator. However it is very important to notice that the
main algorithm that regulates this work was not made by the author, but it comes
as a result of researches developed in the NVIDIA laboratories. (Karras et. al. 2018)
Similarly to the previous work, the agency of the generative system of this project
is determinant for the final outcome. The AI system constitutes a framework where
the generative process develops. It is interesting to notice that CNN, differently then
763
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
GANs, relies more strongly on the existing images dataset, in order to form an evolv-
ing image, without photo-realistic discrimination. (see chapter 4)
While the outcome itself (video) is entirely determined by AI, the authorship of this
work is mainly given by the artist choice of the specific and provocative subject used
for the image processing. The choices and the settings prepared by the artist allows
the project to unfold generatively.
Fig. 4 - Jake Elwes. Machine Learning Porn, 2016. Courtesy of the artist.
764
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Table 1
765
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Firstly, Deep Learning techniques assume a certain degree of complexity and au-
tonomy of the system, that cannot be predicted and the entire process cannot be
understood in step-by-step detail. Certainly, this peculiarity accommodates the
principles of GA. CNN consists in a system that analyses and discriminates a large
amount of media (often photographs) e by creating an average model of the type
of contents, contained in its dataset, it attempts to evolve the existing model, cre-
ating abstract shapes that resemble the original subjects. GANs identify a system
composed by at least two neural networks (here called agents) that negotiate the
credibility of the generated content (commonly a picture). One agent (generator)
develops an approximation of the image that is intended to create (a face in the case
of the work “This Person Does Not Exist”). The other agent (discriminator) evaluates
the quality of the represented object, by comparing it to a vast dataset of that same
kind of objects. Subsequently, this agent returns its evaluation to the generating
agent for stimulate it to create a more reliable image, thus, sending it back to the
initial step. This process repeats itself until the discriminating agent is satisfied. This
system of self-improvement determines the photorealistic quality of the final pic-
tures (Horev 2018).
Considering the qualities of these techniques, it must be noted that the major dif-
ference from a generic GA work and a work based on the latest implementations of
AI, is the incomparable independence and agency of AI systems. Interestingly, this
independence and agency, demonstrate a process of decision making of a non-hu-
man agent, certainly driven by human design. In other terms, the decision making
performed by AI has higher and invisible complexity of the information processing,
in comparison to GA projects not based on AI.
Conclusion
To summarize, this text exposed four main aspects that reflect on the specificity of
AI-based works. First of all, it has been seen that, in general terms, the agency of me-
dia in the AI-based artworks presents a determinant and essential influence in both
the formalization and the conceptualization presented by the works. Arguably, this
agency appears to be more consistent then general GA projects. Secondly, the au-
thorship in AI-based works remains obviously a privilege of the artists, who are the
actual designers of their artistic practice. However, the autonomy and complexity of
the operations performed by AI systems used by the artists, give exclusive indepen-
dence to the system in determining the contents. Moreover, it must be noted that,
commonly to any software-based artwork, the creators of the algorithms (or a por-
tion of them) detain a certain degree of authorship. The third aspect seen in this text
concerns the vocation of AI-based works to reflect on GA theoretical implant. Using
the GA understanding framework (Dorin et. al. 2012) the analysis of recent AI-based
works, confirmed the (already accepted) idea that these works respond properly to
the GA theories. In addition, it must be noted that GA principles, related to the fea-
766
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tures of independence and authorship, are brought to the extreme point in AI-based
works. Indeed, they might require further investigations and they might lead to nov-
el definitions, considering future technical developments in AI. Finally, the other
main aspect discussed in text concern the contextualization of GA principle in the
notion of Post-Media practice (Chierico 2016). It has been found that the GA reflects
accurately the concepts expressed by the theorization of Post-Media practice. GA is
often seen as artistic experience of Media Art, which demonstrates that Post-Media
practice is a coherent expression that relates contemporary art to Media Art.
References
Boden, M. A., & Edmonds, E. A. (2009). What is generative art? Digital Creativity, 20(1–
2), 21–46.
Dorin, A., McCabe, J., McCormack, J., Monro, G., & Whitelaw, M. (2012). A framework
for understanding generative art. Digital Creativity, 23(3–4), 239–259.
Elwes, J. (2016). Machine Learning Porn [Artificial Intelligence, video]. Retrieved from
https://www.jakeelwes.com/project-MLPorn.html
Galanter, P. (2008). What is Complexism? Generative Art and the Cultures of Science
and the Humanities. Proceedings of the International Conference on Generative Art.
Presented at the Generative Art, Milan.
Galanter, P. (2016). Generative art theory. In C. Paul (Ed.), A companion to digital art
(pp. 146–180). Chichester, West Sussex ; Malden, MA: John Wiley & Sons Inc.
Horev, R. (2018, December 26). Style-based GANs – Generating and Tuning Realistic
Artificial Faces. Retrieved June 3, 2019, from Lyrn.AI
Karras, T., Laine, S., & Aila, T. (2018). A Style-Based Generator Architecture for Genera-
tive Adversarial Networks. ArXiv:1812.04948 [Cs, Stat].
McCorduck, P. (1990). Aaron’s Code: Meta-Art, Artificial Intelligence and the Work of
Harold Cohen (First Edition edition). New York: W H Freeman & Co.
McCormack, J., Bown, O., Dorin, A., McCabe, J., Monro, G., & Whitelaw, M. (2013). Ten
Questions Concerning Generative Computer Art. Leonardo, 47(2), 135–141.
767
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MIT Media Lab. (2018). Norman [Artificial Intelligence]. Retrieved from http://nor-
man-ai.mit.edu
768
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Chie Sakakibara1
Ainu Renaissance: Reclaiming History, Heritage, and
Environment in Indigenous Japan
Abstract
This project showcases the community-partnered exploration of indigenous Ainu
heritage in northern Japan, and links with a variety of topics on everyday life, ma-
teriality, and the collection of changes represented by such movements as envi-
ronmental justice, cultural revitalization, and ethically and culturally appropriate
ways of working with heritage resources. Hokkaido (the northernmost main island
of Japan) is Ainu’s primary homeland today after the rigorous and systematic as-
similation policy imposed upon them by the Japanese government throughout the
19th and 20th centuries. My collaborative study juxtaposes the colonial past and
contemporary renaissance of the Ainu expressive culture, which will culminate in a
special exhibition on Ainu to be held at the Allen Memorial Art Museum at Oberlin
College in the United States and Ainu museums in Japan in 2022.
Keywords: historical photos, collaborative exhibition, indigenous people, Ainu, Japan
This paper portrays an emerging project enabled by a vibrant international and in-
tergenerational collaboration that has been taking place between a rural indigenous
community in northern Japan and a small liberal arts college in northeast Ohio in
the United States of America. On a personal note, I was born and raised in Japan,
and I now serve as an Assistant Professor of Environmental Studies and East Asian
Studies at Oberlin College located in Oberlin, Ohio, a midwest town of the United
States. Oberlin College has a renouned on-campus art museum called the Allen Me-
morial Art Museum (AMAM), one of the nation’s best collegiate art museums. The
AMAM is known for the collections of Asian art, the most notable being the 1,500 Ja-
panese woodblock prints (ukiyo-e) from Edo period collected and donated by Mary
A. Ainsworth, an Oberlin alumna, in 1950. The museum also contains many other
collections of Asian art, including ancient Chinese bronzes and medieval Japanese
paintings in addition to its superb Western art collections including a Monet, Renoir,
Picasso, and Klimt just to name but a few.
In October 2019, the AMAM received a gift of historical photographs of Japan taken
by the German-American photographer Arnold Genthe (1869-1942) from Chris-
1 Chie Sakakibara is Assistant Professor of Environmental Studies and East Asian Studies at Oberlin
College, USA.
769
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
The Ainu are an indigenous people of northern Japan and formerly Sakhalin and
the Kamchatka Peninsula. Hokkaido—the northernmost main island of Japan—is
their primary homeland today after the rigorous and systematic assimilation policy
imposed upon them by the Japanese government throughout the 19th and 20th
centuries. A central finding of environmental justice research is that communities
of underrepresented heritage are disproportionately burdened by environmental
770
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
pollution and destruction and more vulnerable to disaster impacts. However, myriad
responses and efforts in such communities exemplify how collaboration can incre-
ase resilience to oppression, natural and unnatural disasters, and resource scarcity.
The Biratori Ainu have been known for their environmental activism since the 1970s.
For example, the Biratori residents stood up to protect their homeland and access to
salmon from the Hokkaido Regional Development Bureau’s order to construct the
Nibutani Dam on the Saru River in the 1970s through 1990s. Today, the community
members express the importance of exploring cultural and historical resources to
reclaim their past and reconstruct the environmental and cultural landscape that
had been integral to their social well-being and solidarity.
In November 2018, with a research grant from the Foundation for Research and
Promotion of Ainu Culture (FRPAC) for my project, I visited Hokkaido to bring the
photographs home and introduce the AMAM collection to the community mem-
bers. Despite my fear of potentially being accused for not returning the photos to
the community sooner, many residents were thrilled to see the historical photos of
their own community, and kindly helped me identify landmarks, architecture, cultu-
ral traits, environmental surroundings, and most importantly, the Ainu people who
were photographed. Everyone embraced me warmly, and I felt welcomed and fulfil-
led. By the end of the sohrt trip, I realized the project had grown much bigger than
my original anticipation.
It was a wonderful experience to witness how the people whom I spoke with were
especially eager about future collaboration between Oberlin and the Ainu community
to collectively explore environmental justice and heritage as well as tracing the trans-
formation of the Biratori landscape since the early 20th century. Our collaborators are
in Biratori and beyond, including the Ainu studies community such as the Center for
Ainu and Indigenous Studies at Hokkaido University, Chiri Yukie Memorial Museum,
Nibutani Ainu Culture Museum, and Shiraoi Ainu Museum just to name but a few. The
Biratori community’s response to the historical photographs is extremely enthusiastic.
771
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Let’s turn the AMAM exhibition into a traveling exhibition. That way, we’ll get to
celebrate the photos in Biratori and all over Hokkaido. It’s the real home-coming for
the photos!” said Maki Sekine, 52, an Ainu artist and strong advocate of Ainu expres-
sive culture. Her remark certainly became our motivation. With this goal in mind, the
community-partnered Ainu photograph project aims to demonstrate an innovati-
ve model for reconceptualizing both archival practice and the place of archives of
cultural resources for social science conducted with indigenous communities. The
ethically and culturally just “giving back” process has to be based on reciprocity and
mutual interest between multiple parties: indigenous groups, tribal or community
members, scholars, and archives and/or museums that house institutional collec-
tions. As a premise, the transaction is expected to be complicated because the con-
cepts such as “intellectual property,” “property rights,” “copyright,” and “ownership”
have colonial origins that have facilitated the exploitation of indigenous cultural
legacy, something that is inseparable from tribal and human well-being. We see a
collaboration as a two-way effort with the community rather than simply handing
over the photographs and re-establishing the “ownership” in a legal and academic
way. Specifically, toward the traveling exhibition and beyond, we are working toge-
ther to: 1) better situate the photos and other materials associated with Genthe in
the community by recovering detailed contextual information about the materials;
2) develop community-wide consensus on the proper disposition and future uses
of photographs and related rights; 3) restore community access to the photos; 4) to
encourage, support, and enable contemporary and innovative uses of the photos by
local Ainu artists, educators, cultural activists, and by the community more generally
to support indigenous socio-cultural-environmental activism. Through collabora-
tion and fusion of diverse perspectives, this project shows indigenous communities
and individuals in discovering or recovering community resources from institutional
collections can work together in a less adversarial and more dialogic and equitable
way. With this approach, this project facilitates the true “giving back” to the commu-
nity about how such collections should be best managed, used, preserved, promo-
ted, and understood in the light of indigenous resilience in collaboration.
Our collaboration has just begun. One step at a time, we are scafolding a solid foun-
dation for the proposed exhibition through the collaboration with the descendants
(of those who were captured in the photos), community leaders, and students and
teachers in Biratori and Sapporo in Hokkaido. Our exhibition will be informed by
the steering commity involving local collaborators, scholars, and artists. In so doing,
our collaborators will help us establish the richness of the photographs, their im-
portance to the community, and the potential value of extending this research into
other Ainu communities to better learn environmental history, cultural heritage,
and environmentalism of the Ainu people and their homeland. The ethnographic
information will be incorporated into the exhibition to highlight the continuity and
resilience of the Ainu culture today.
772
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Our exhibition will juxtapose the colonial past and contemporary renaissance of
the Ainu expressive culture. Ainu heritage has been deeply intertwined with their
respect, appreciation, and embracement of the natural and spiritual environments,
and the vitality of Ainu art today is evidence of an extraordinary story of survival.
A century ago, most non-Ainu had become convinced that Ainu arts and cultures
would soon disappear. Yet today these arts are thriving and receiving renewed at-
tention within international indigenous communities and from non-Ainu students,
art lovers, and domestic and international museums. In this context, the visual arts
have long played a critical role as carriers of culture within Ainu communities and are
today among the most eloquent and forceful articulations of contemporary identi-
ties and struggle for sovereignty. To illustrate such vibrancy of the contemporary
Ainu heritage, we will combine photographs taken in Biratori, an Ainu community
of Hokkaido, by Arnold Genthe in 1908, with several loans of art from Ainu artists.
In 1999, the National Museum of Natural History at the Smithsonian organized the first
exhibition on the Ainu focusing on the ancient origin of the people, their evolving re-
lations with the Japanese, and the 20th-century Ainu cultural rebirth. The AMAM is the
ideal institution for our exhibition as it further explores the resilient future of Ainu. It is
our goal to facilitate our community’s understanding of the history of exclusion, mar-
ginalization, and cultural revival. AMAM’s renowned Asian art collection, long-stan-
ding history of collaboration with the East Asian Studies Program and Oberlin Shansi
(one of the oldest international educational and cultural exchange organizations in
the United States focusing on East Asia), and legacy of Oberlin College activism for
social and environmental justice collectively reinforce our agenda of implementing
collaborative methodology in the making of this exhibition. It is our hope to eventu-
ally develop this project into an intergenerational, intercultural, interdisciplinary, and
international endeavor to focus on the multifaceted link between the Ainu and envi-
ronment by inviting active participation of the local community youth and elders as
well as Oberlin students, museum staff, and faculty. We sincerely look forward to what
we can contribute to the future of indigenous well-being and resilience at the time of
global climatic and envionmental change.
773
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo apresenta uma análise sobre a emergência do campo da arte
digital, informado pelos impactos das tecnologias e influenciado pelos mo-
vimentos sociais e econômicos; e as suas práticas de produção, recepção e
divulgação. Tais processos vêm ocorrendo preferencialmente em laboratórios
ou em espaços transdisciplinares com outros modos de compartilhamento,
plataformas digitais e redes. Ao considerar esse contexto e seus atuais desdo-
bramentos, observa-se a emergência de um lócus de criação. A partir das tec-
nologias de rede e do uso de equipamentos móveis, surgem novas compo-
sições, denominações e atuações e que privilegiam a mediação cultural e os
múltiplos modos de recepção. Inicialmente, foram coletados dados sobre vin-
te organizações locais para a realização de uma pesquisa exploratória. Neste
artigo, destacam-se alguns aspectos sobre a constituição dos laboratórios ex-
perimentais. Nos dias de hoje, muitas dessas propostas já não correspondem
ao espaço determinado; elas aproveitam as redes sociais, as tecnologias mó-
veis e os modos de trabalho colaborativo para acontecer entre laboratórios,
comunidades e centros culturais.
Palavras-chave: Arte e tecnologia, , redes de criação, laboratórios experimentais.
1 Denise Bandeira, docente do curso de Artes Visuais e do Mestrado Profissional em Artes - Campus
Curitiba II FAP- Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR; artista e pesquisadora, também integra
o Núcleo de Arte e Tecnologia – NATFAP. A participação da professora no evento #18ART 2019, conta
com apoio da UNESPAR.
2 Ana Flávia Lesnovski, docente do curso de Artes Visuais e do Mestrado em Cinema e Artes do
Vídeo - Campus Curitiba II FAP- Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR; artista e pesquisadora,
também integra o Núcleo de Arte e Tecnologia – NATFAP.
3 Luiz Antonio Zahdi Salgado, docente do curso de Artes Visuais - Campus Curitiba II FAP- Univer-
sidade Estadual do Paraná – UNESPAR; artista e pesquisador, é coordenador do Núcleo de Arte e
Tecnologia – NATFAP.
774
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
This study intends to analyze the field outgrowth of digital art, depicted by techno-
logical impacts and by the economic trends and social movements; as well as its
forms of production, reception, and diffusion. They, in fact, have taken place mainly
inside laboratories and in transdisciplinary facilities along with other sharing modes,
some digital platforms, and networks. Having considered such context and its de-
ployments, to study the utmost creation of some of those specific places. It’s was
possibly to visualize the emergency of a creative locus that arises from networked
technologies and mobile equipment, new settings, nominations, and actions, along
with this cultural mediation and the various feedback trends. This should increase
different creation processes and researches concerning digital culture and technical
esthetics. Currently, many proposals do not closely match a specific space; yet, they
use social net, mobile technology
Keywords: Art and technology, creative network, experimental labs.
4 Uma das organizações precursores dessas modalidades foi o Media Lab criado em 1989, pelo pro-
fessor Nicholas Negroponte, junto ao Institut Massachusetts of Technology - MIT.
5 Laboratórios que se diversificaram quanto às estruturas, mas, com foco na área de arte, ciência e
tecnologias: em Roterdã (Holanda), destaca-se a criação do V2_lab, em 1981, para atuar em pesqui-
sa, preservação e divulgação, como uma interface entre arte, tecnologia e sociedade, oferece sua
plataforma para artistas, cientistas, teóricos e desenvolvedores (disponível em: https://v2.nl> Acesso
em maio de 2019) e ARS Electronic FutureLab criado em 1996, como um tink thank artístico e cien-
tífico, funciona como um estúdio laboratório (disponível em:< https://ars.electronica.art/futurelab/
en/ > Acesso em maio de 2019).
775
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6 A investigação sobre os novos modelos de instituições de arte e tecnologia nos Estados Unidos,
Canadá e em alguns países europeus, foi solicitada pela Rockefeller Foundation e sua primeira versão
foi publicada para discussão e debate pelo Leonard Journal em 2003.
7 A matriz foi uma proposição de Rich Gold para promover a combinação entre as áreas: arte, ciên-
cia, design e engenharia. O material fundamentou em 1994, o programa de residência artística no
laboratório Xerox-Paolo Alto Research Center (EUA).
8 Esse modelo reúne equipamentos para prototipagem, robótica e eletrônica, oferece serviços para
designers, artistas e estudantes. Distribuídos por diversos países, essas organizações formam uma
rede de apoio ao empreendedorismo e inovação, colaboração, cooperação e compartilhamento de
serviços e de trocas.
776
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
9 Festival Mídia Tática Brasil (MTB) aconteceu em 2003 e foi considerado um evento precursor na
discussão dos usos críticos das tecnologias, muitos dos seus idealizadores circularam em fóruns in-
ternacionais, com diferentes desdobramentos e repercussões, no terceiro setor e para as políticas
públicas de cultura (FONSECA, 2008).
10 Os laboratórios hackers compunham um contingente de mais de 500 unidades em todo o mun-
do em 2014. Disponível em: < http://hackerspaces.org>. Acesso em maio de 2019.
777
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
para qualificar tanto resultados de inovação quanto a longevidade, já que uma cha-
ve para o funcionamento dessas organizações seriam os projetos transdisciplinares.
Além do compromisso em divulgar e cultivar o reconhecimento público para o valor
cultural da pesquisa na intersecção entre arte, ciência e tecnologia, o mesmo pesqui-
sador defendeu também a adoção de métricas rigorosas, seguida pela avaliação da
documentação dos processos e dos produtos, cujos resultados poderiam garantir a
continuidade dos laboratórios (Shanken, 2010).
Contudo, já vigorava uma ideia de laboratório, com o uso das redes sociais e das tec-
nologias móveis, muito menos como um espaço físico e mais a partir desse acúmu-
lo de experiências, das trocas, do trabalho colaborativo ou de um modo relacional.
Durante 2018 e 2019, numa pesquisa exploratória11, foram realizados vinte encon-
tros e entrevistas com profissionais responsáveis por diferentes tipos de laboratórios
localizados na cidade de Curitiba (PR). O estudo exploratório tratou de identificar a
existência de laboratórios experimentais em instituições de ensino públicas e priva-
das, instituições de arte e em organizações culturais, nas áreas de conhecimento em
arte, design, jogos digitais, audiovisual e animação digital. Além deste recorte, foram
considerados os FabLab implantados para atender as redes de ensino municipal e
estadual e, também, a unidade criada pelo Sistema Fiep (Federação das Indústrias
do Paraná), cuja proposta pretende reunir pesquisadores, estudantes e empreende-
dores em projetos que implicam na fabricação digital.
11 A pesquisa exploratória conta com o bolsista Guilerme Ritter, pelo Programa de Iniciação Cientí-
fica 2018-2019 oferecida pela CAPES/UNESPAR.
778
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Uma primeira reflexão, ainda que não tenham sido compilados todos os dados sobre
esses núcleos, identificou o uso ou não de fontes de financiamento, apoio por editais
públicos, recursos próprios ou subsídios para instalações, infraestrutura tecnológica,
manutenção, agenda de cursos entre outras ações para subsistência. Os laborató-
rios vinculados às instituições de ensino de arte, universidades públicas e privadas,
reúnem docentes, discentes e comunidade, com interesses que variam de experi-
ências com multimídias, inteligência artificial, música eletroacústica, estudos sobre
o fenômeno da cor, performances ao vivo ou mediadas por equipamentos e com as
mais variadas interfaces. Como parte da cena local, o Núcleo de Arte e Tecnologia
da Faculdade de Artes do Paraná (NATFAP) foi criado em 2010, com o propósito de
contribuir com processos de criação, desenvolver pesquisas em arte e tecnologia,
em interseção com a cultura digital e fomentar uma reflexão sobre as tecnoestéticas.
Nesse contexto, muitos desses projetos aconteceram, tanto em parceria e nos espaços
das organizações e instituições de arte, quanto nos próprios espaços dos laboratórios
experimentais de Iluminação cênica, sonoro e de música eletroacústica (LiSonME), de
estudo e criação em arte eletrônica (Ste(A)MLab), laboratório experiemntal de arte di-
gital (LEAD), de VideoDança e de estudos de cor (Salgado et al, 2018).
Desde 2011, pesquisas e uma seleção de trabalhos de arte digital do NATFAP têm
sido apresentadas em edições anuais do Evento Conexão. Esses fóruns já aconte-
cem regularmente em instituições da cidade de Curitiba (PR), tais como Sesc-Paço
da Liberdade, Museu Oscar Niemeyer - MON e Centro Cultural do Portão do Museu
Metropolitano de Arte - MUMA. Observa-se que o uso das tecnologias móveis e
das redes sociais facilitou ações desterritorializadas na produção dos laboratórios
experimentais, com o deslocamento, ocupação e mediação dos processos cola-
borativoscom organizações de arte. Sobre recursos, por exemplo, os laboratórios
LiSonME e LEAD, receberam para a sua fundação, além de apoio por edital, bol-
sas de pesquisa disponibilizadas pela Fundação Araucária12 (Salgado et al, 2018).
e, muitos trabalhos, discussões, projetos e orientações acontecem por interações
online, com compartilhamento em plataformas, repositórios, e-mails e trocas por
redes sociais ou acadêmicas.
779
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Do espaço físico do laboratório ao laboratório como uma rede entre humanos e não-
-humanos (artistas e aparatos técnicos) há a oportunidade de um tipo de atuação
que se aproxima dos públicos de formas diversas. No caso do Ste(A)mLab, desde
sua origem em 2014, o percurso entre a formação de um espaço, metafórico ou físi-
co, organizado de forma a não ocupar um único lugar e sua atuação como coletivo
serviram para evidenciar seus propósitos. Nesse período, o laboratório não contava
com sala própria e tinha dificuldade em arregimentar participantes em torno de um
conceito de trabalho ainda difuso. A partir de 2016, com o uso de sala compartilhada
com outros laboratórios, na mesma instituição, foi possível criar uma rede social e
profissional, ainda que sem a utilização de equipamentos permanentes. Paradoxal-
mente, a formação do coletivo superou a ausência de um espaço físico. Na sequên-
cia, o laboratório iniciou diversas ações com comunidades externas, como oficinas
de arte e eletrônica, em escolas de ensino fundamental e em espaços culturais. Em
2019, a parceria firmada entre o setor educativo do Museu Oscar Niemeyer e o labo-
ratório, permitiu que essas atividades acontecessem nas dependências do museu,
em um espaço situado fisicamente entre as oficinas e a exposição13 “O mundo não
para enquanto você não se move” composta por obras do acervo do museu.
Por fim, este laboratório passou a ocupar uma posição estratégica. Todas as sema-
nas, dali desenvolviam-se atividades e experimentos em arte e eletrônica, o que re-
fletiu no seu posicionamento sobre arte e educação, a partir de um contato direto
entre artistas, público e aparatos técnicos (fig. 1).
13 A exposição foi uma iniciativa da equipe do educativo do Museu Oscar Niemeyer com curadoria
de obras do acervo, convite aos artistas para a realização de oficinas e, também, para a parceria com
o Ste(A)mLab, com duração entre fevereiro e junho de 2019.
780
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
781
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esse estudo identificou três laboratórios que trabalham no modelo FabLab instala-
dos respectivamente: em uma unidade de serviços comunitários da cidade de Curi-
tiba (PR); em um dos setores da Secretaria de Educação do Estado do Paraná que
se dedica ao atendimento de professores da rede pública e, por fim, o último que
funciona em uma unidade do Sistema Fiep e, também, oferece apoio aos pesquisa-
dores, estudantes, empresas e comunidade, no desenvolvimento de projetos com
fabricação digital e convencional, possibilitando o uso de equipamentos de prototi-
pagem para projetos de inovação na indústria.
782
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Coessens, K. (2014, ago). A arte da pesquisa em artes - traçando práxis e reflexão.
ARJ - Art Research Journal, [S.l.], v. 1, n. 2, p. 1-20. ISSN 2357-9978. Disponível em:
<https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/5423>. Acesso em: 27
set. 2016.
Eychenne, F., & Neves, H. (2013). Fab Lab: A Vanguarda da Nova Revolução Industrial.
São Paulo: Editorial Fab Lab Brasil.
Fleming, T. Tom Fleming Creative Consulting (TFCC) (2017). The digital art and cul-
ture accelerator: an evaluation. London: Arts Council England (ACE) / Nesta.
_____. (2018) Em busca do Brasil profundo. In: BRUNET, Karla (org.). Apropriações
tecnológicas: emergência de textos, ideias e imagens do submidialogia #3 (pp. 92-
110) Salvador : EDUFBA.
Laaksonen, A. (2014) ifacca d’art report no 47. Arts Panorama: International Over-
view of Issues for Public Arts Administration. D’Art Topics in Arts Policy, No. 47, Inter-
national Federation of Arts Councils and Culture Agencies. Sydney: IFFACCA.
Latour, B. (2012) Reagregando o Social. Bauru, SP: EDUSC/ Salvador, BA: EDUFBA.
Naimark, M. (2004) Truth, beauty, freedom and money: technology-based art and
the dynamics of sustainability. Disponível em: < http://www.artslab.net/ > Acesso
em: dez. 2010.
Salgado, L. A. Z., Borges, A. H., Lesnovski, F. M., Bandeira, D. A.,Lima, G. H. T., Onuki, G.
M., & Luciani, N. M. (2018, jul./dez). NATAFAP. In: FAP Revista científica V. 19, n.2. (pp.
12-39).
Shanken, E. (2009a). Art and electronic media. London: Phaidon Press, 2009.
783
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
_____. (2010) The history and future of the lab: collaborative research at the intersec-
tions of art, science and technology. In: PLOHMAN, Angela; BUTCHER, Clare (Orgs.). A
Blueprint for a Lab of the Future. (pp. 18-29). Eindhoven: Baltan Laboratories.
784
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A partir da exposição Mark Rothko’s Harvard Murals, propõe-se repensar os mo-
dos de restaurar e a construção das narrativas no contexto expositivo por meio
da apropriação de dispositivos digitais. Refletindo sobre as questões de curado-
ria, narrativas históricas e restauro, neste artigo aponta-se para novos modos de
expor e pensar o restauro em tempo real analisado os projetos de restauração
de obras do Rothko (Harvard Museum) por meio da projeção mapeada, permi-
tindo o ajuste de cores sem a intervenção química/física, bem como Aura, um
projeto imersivo realizado em Montreal com o intuito de reviver o interior da
igreja utilizando projeção mapeada. Tais ações ajudam a pensar a multiplicação
de ações de restauro que se consolidam na imagem digital, priorizando a sobre-
posição das camadas digitais e física, ao invés da intervenção permanente sobre
a matéria. Nesse sentido, esta possibilidade impactam sobre o modo como o
restauro se estrutura no futuro do patrimônio, assim como, amplia as possibili-
dade expositivos e curatoriais no contexto museológico.
Key Words: Museologia, Patrimônio, Restauração digital, Vídeo Projeção
Abstract
From the exhibition of Harvard Murals by Mark Rothko, it is proposed to rethink the
forms of restoration and construction of narratives in the context of the exhibition
through the appropriation of digital devices. Reflecting on curation, historical nar-
ratives, and restoration issues, this article points to new ways of exposing and think-
ing about real-time restoration by analyzing Rothko (Harvard Museum) restoration
projects through mapped projection, allowing color adjustment without chemical /
physical intervention, just like Aura, an immersive project undertaken in Montreal to
revive the interior of the church using mapped projection. Such actions help to think
about the multiplication of restoration actions consolidated in the digital image,
prioritizing the overlap of the digital and physical layers, and not the permanent
785
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
intervention on the subject. In this sense, this possibility affects the way restoration
is structured in the future of heritage, as well as expanding the exhibition and cura-
torial possibilities in the museological context.
Keyword: Museology, Heritage, Digital Restoration, Video Projection
A relação entre arte e tecnologia tornou-se cada vez mais estreita, o que estimulou a participação
de outras áreas do conhecimento e da inovação científica como a genética, a robótica, a biologia e
a inteligência artificial como parte de propostas artísticas, entre as quais se destacam a videoarte
e net art. A influência recíproca entre a arte, a tecnologia, a ciência e a sociedade é exemplo da
permeabilidade entre as diferentes reas do conhecimento que caracterizam a cultura contempo-
rânea. (VELLOSILLO, 2014:137).
786
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
À medida que o espaço expositivo populariza sua programação, permite diálogos so-
bre o local da produção: artista, público, obra e instituição têm seus limites reestrutura-
dos, e os interesses que prevalecem vão além da gestão do museu. Esta ideia se confir-
ma segundo Rudolf Frieling (2014), que reflete sobre a mudança do local da produção,
pois as obras são feitas em parceria e para os espaços expositivos, que atuam como
(co)produtores nas condições e contextos dos trabalhos expostos. Ou seja, o museu
assume o papel de produtor ao redistribuir funções e poderes. Assim como Belting,
sustenta-se a ideia de um espaço modificado pelas relações homem-máquina atuais,
pertencentes a uma nova ordem do sensível determinada pela interatividade. Tal dinâ-
mica em rede tensiona a percepção do espaço, pois viabiliza ações em espaço-tempos
individuais/coletivos (cada usuário com seu dispositivo, ou vários usuários com um
dispositivo em comum, cujas reações são diferentes). Deste modo, observa-se que o
debate sobre a neutralidade é pertinente, pois um espaço interativo supõe maior neu-
787
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tralidade, afinal, está aberto à ações variadas do visitante. Porém o termo neutralidade
pode ser aplicado inversamente, no papel de neutralizar o livre arbítrio do visitante
sobre o espaço, dimensionando e controlando suas ações. A contrariedade do “neutro”
garante a este novo espaço expositivo um ponto convergente-divergente, cuja exis-
tência determina um lapso na noção de espaço e de museu.
O cubo branco como a resposta à pretendida neutralidade do espaço para a completa fruição da
arte, mostra-se, exatamente como o seu oposto, um espaço fundado na determinação óptico-
-geométrica, que pressupõe e normatiza a atitude contemplativa do público. Como nó físico do
sistema de circulação e exposição de arte, suga especificidades, lima suas arestas e as “adapta” ao
seu espaço, inclusive as obras que tomam como temática o questionamento institucional, político
e espacial do museu. Como máquina de sucção, o museu absorve as obras para si, mas não em
si. As transformações por que passa a ação artística desde os anos 1960 têm, como consequência
nos espaços de museus, apenas as “adequações” necessárias para a constante inclusão, mas não a
contaminação conceitual para a reproposição de sua arquitetura.(SPERLING, 2012).
Assim, Sperling (2012) argumenta sobre a matriz da concepção espacial dos museus,
cuja essência deve caminhar para um aporte não geométrico, mas topológico, a res-
peito das características espaciais que independem da variação formal. Ele pontua
que o museu se torna local das relações espaciais estruturais, de fronteiras e limites,
conexões, proximidades, (des) continuidades, que levam à questão da percepção do
espaço e não, somente, da visualidade.
6 GONÇALVES, 2004:53.
788
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
pertinente a outros períodos da história da arte, mas que, nessa pesquisa, é pensada
a partir da produção em arte e tecnologia). O espaço se torna um condutor de fluxos
através da interatividade e da mobilidade, pois, devido ao nível de envolvimento
oferecido pela interface computacional, surgem relações específicas entre espaço,
interator e dispositivo. Cada usuário tem uma determinada vivência, em potencial, a
qual desencadeia espaços, tempos e realidades diferentes.
Este é o caso do projeto AURA, realizado em Montreal, e que representa uma reati-
vação de espaços memoriais utilizando projeção mapeada e softwares 3D. A insta-
lação imersiva utiliza luzes para explorar a arquitetura da Basílica de Notre-Dame
em uma celebração à sua beleza arquitetônica e história. A experiência começa com
um “caminho de luzes”, revelando os detalhes da estrutura da basílica, e progressi-
vamente leva o visitante a uma viagem sonora e visual, em um espetáculo multimí-
dia inovador composto por três atos: “First, we invite you to explore the Basilica while
discovering a series of multimedia installations that highlight the artwork beneath the
building’s rood screens. Take this time to slow down and connect with the space. (Run
time: approximately 20 minutes)”7
789
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
8 Em colaboração com Narayan Khandekar, cientista sênior de conservação, Straus Center for Con-
servation and Technical Studies, Harvard Art Museums; Carol Mancusi-Ungaro, diretora do Centro de
Estudos Técnicos de Arte Moderna da Harvard Art Museums e diretora associada de conservação e
pesquisa do Whitney Museum of American Art; Christina Rosenberger, coordenadora de pesquisa,
Centro de Estudos Técnicos de Arte Moderna, Harvard Art Museums; e Jens Stenger, cientista da con-
servação, Instituto para a Preservação do Patrimônio Cultural, Universidade de Yale (anteriormente
do Centro Straus de Estudos Técnicos e de Conservação, Museus de Arte de Harvard).
9 Disponível em: https://www.harvardartmuseums.org/visit/exhibitions/4768/mark-rothkos-harvard-murals
790
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
791
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Apresentando 38 obras de 1961 a 62, incluindo os murais e muitos dos estudos re-
lacionados ao artista sobre papel e tela, a exposição também explora o processo
criativo de Rothko. Um sexto mural pintado para a comissão - trazido a Cambrid-
ge por Rothko, mas não instalado - será apresentado publicamente pela primeira
vez. Muitos dos trabalhos em papel contêm esboços relevantes no verso, que serão
exibidos durante a segunda metade da exposição, que começa em março de 2015.
Os estudos sobre tela fornecem uma perspectiva do processo de Rothko, enquanto
ele trabalhava de pequena a grande escala. A maioria das obras exibidas são dos
Museus de Arte de Harvard, com empréstimos de Kate Rothko Prizel, Christopher
Rothko, Dr. Corinne Flick, Galeria Nacional de Arte e Menil Collection.
Considerações
As novas vertentes da museologia emergem, pois a linearidade temporal e memorial
se dissolvem frente a experiência anacrônica das interfaces digitais. Assim o entendi-
mento de memória, o papel da arquitetura e expografia se transformam, assumindo
outras funções, outros olhares e questionando seus próprios limites. Enquanto este
contexto reelabora os modos de ver patrimônio, arte e acervo, ele trás a reflexão
quanto ao desafio de lidar com o objeto de valor histórico versus sua apropriação
digital, caso do AURA. Já a exposição de Rothko trás uma reflexão profunda sobre
as sutilezas da tecnologia digital quando implementada em contextos específicos
e com minuciosas determinações técnicas, trazendo um grande valor em sua apli-
cação. Graças ao estudo proposto por Harvard, foi possível levar a experiência do
restauro a um outro nível, inédito, onde a intangibilidade (a luz) é capaz de recons-
truir uma peça de arte sem o processo químico/físico. O objeto permanece intacto
como é, a visão computacional permite a simulação do que ali existia. Mais além:
neste caso a projeção é um ajuste em tempo real, onde a peça e sua originalidade
existem somente no presente momento de observação da obra e sua restauração
simultânea, transformando a exposição em um espaço de inovação museológica e
de uma viagem temporal. Deste modo, as tecnologias digitais transformam os mo-
dos de ver e perceber o tempo e a tangibilidade do espaço. Por fim, quais os limites
desta gamificação histórica? E qual o papel do museu, hoje, cujos objetos e lugares
que permanecem existem, porém, sob novos olhares?
Referências
BELTING, Hans. O Fim da História da Arte. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
792
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
BUYYA, R., Vecchiola, C., Selvi, S. T. Mastering Cloud Computing: Foundations and
Applications Programming. New York: Morgan Kaufmann, 2013.
CASTILLO, Sonia Salcedo Del. Cenário da Arquitetura da Arte. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2008.
CURY, Marília Xavier. Exposição, concepção, montagem e avaliação. São Paulo: An-
nablume, 2005.
FERGUSON, B. The Exhibition Rhetorics, Material Speech and Utter Sense. In: GRE-
ENBERG, R. et al (org) Thinking about Exhibition. London/New York, Routledge, 1996.
793
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Em meio a crescente integração das plataformas virtuais e a produção artística,
em escala global, não poderia o Instagram se consolidar também um espaço ex-
pográfico latente, ainda que, simultaneamente, suspenso? Dessa confabulação
inversa do fazer curatorial e da suspensão do lugar das possibilidades de alcance
e acessibilidade do espaço expográfico, nasceu a IN Galeria de Arte. Uma dinâmi-
ca expográfica vertical, autônoma, expansiva e em rede que se apresenta como
lugar de pensamento estético, incitando atravessamentos entre lugar e não-lugar
da arte, dialogando e deslocando aspectos comumente vinculados ao espaço fí-
sico palpável. Desterritorializando “certezas” e utilizando a plataforma Instagram
para além da sua concepção usual no campo da arte, a IN propõe uma nova ma-
neira de circulação e experiência: o feed não permanece intacto, assim como o
cubo branco da galeria se modifica para se adaptar a novas exposições.
Palavras-chave: Percepção, Experiência visual, Espaço, Instagram, Não-lugar.
Abstract
Amid the increasing integration of virtual platforms and artistic production on a
global scale, could not Instagram also consolidate a latent, though simultaneous-
ly suspended, expographic space? From this inverse confabulation of curatorial
practice and the suspension of the place, and accessibility possibilities of the expo-
graphic space, the IN Galeria de Arte was born. A vertical, autonomous, expansive
and networked expographic dynamics that presents it3self as a place of aesthetic
thought, inciting intersections between place and non-place of art, dialoguing and
displacing aspects commonly linked to palpable physical space. By de-territorializ-
ing “certainties” and using the Instagram platform beyond its usual conception in
the art field, IN proposes a new way of circulation and experience: the feed does not
1 Giovanna Silva Pereira, jornalista pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB e graduanda no
curso de Teoria, Crítica e História da Arte na Universidade de Brasília (UnB).
2 Laíse Frasão Barros, arquiteta e urbanista pela Universidade de Brasília (UnB), graduanda no curso
de Teoria, Crítica e História da Arte na mesma instituição. Mestranda no Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (PPG-FAU) da Universidade de Brasília (UnB).
794
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
remain intact, just as the gallery’s white cube changes to adapt to new exhibitions.
Keywords: Perception, Visual Experience, Space, Instagram, Non-Place.
Temos de 1800 até o início do século XX “um período que, em franco contras-
te com aqueles que o precede, será de intenso, vertiginoso aceleramento do
tempo subjetivo, exigindo muito dos contemporaneous e sacrificando de modo
irremessível todos aqueles que a isso não puderem se adaptar” (EULÁLIO, 1984;
p.15). A vigência de novas estruturas para a resignificação de construções “clás-
sicas” (enquanto algo já estabelecido, lugar posto), representaria, portanto, o
processo de estabelecimento de uma nova forma de pensar que, indo além do
que seria um “anticlassico”, se aproxima de uma sobreposição de maneiras cujo
o núcleo perpassa pela ideia de centralidades múltiplas, uma pluralidade nada
canônica: o não-lugar.
“Para alguns, esse intinerário seguido pela arte evidenciaria sua sentença de morte. De fato, o
tema da morte da arte surge na filosofia, mais precisamente na estética hegeliana, migrando,
posteriormente, para a própria arte quando as vanguardas artísticas do início do século XX
795
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
começam a romper com os valores estéticos herdados da tradição. Essa ruptura se produziu
por meio de vários fatores que deram origem a uma série de movimentos artísticos no início do
século XX e que formaram a base da arte contemporânea, na qual se insere a produção artístca
que lida com mídias digitais” (ARANTES, 2005, p. 32).
Dessa maneira, a arte deixa de ser um território consolidado e estável para ocu-
par um não-lugar cada vez mais sensorial e movediço. A própria palavra estética,
disciplina filosófica que engloba o estudo do belo, da arte e a experiência, o
sensível, deriva do grego aisthesis que, segundo Priscila Arantes, significa “aquilo
que é sensível e deriva dos sentidos”. Afinal, percebemos mais do que o se impri-
me diante dos nossos olhos e suas terminações periféricas; captamos sensações,
direcionamentos e tensionamentos. Nesse sentido, a grande contribuição da Te-
oria da Gestalt no início do século XX, por exemplo, foi estruturar o mecanismo
da percepção considerando a dimensão cognitiva/ sensorial.
796
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No entanto, “o desenvolvimento de uma estética tecnológica, ou, mais precisamente, de uma crítica
voltada para as manifestações artísticas que lidam com os dispositivos tecnológicos midiáticos, não
é recente. Sabe-se que já no início do século XIX o nascimento da fotografia foi acompanhado por
um grande número de discursos. Embora comportasse declarações muitas vezes contraditórias, o
conjunto de todas essas discussões compartilhava de uma ideia comum: quer se fosse contra, quer
a favor, a fotografia era considerada a imitação mais perfeita da realidade” (ARANTES, 2005, p. 157).
“All perceiving is also thinking, all reasoning is also intuition, all observation is also
invention.”
797
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tórica quanto a imagem. E aqueles que nunca tiveram a experiência visual, aqui
posta como real, ainda conseguem ter uma experiência visual, proporcionada
por estímulos outros e complementares da percepção humana.
“Observamos que considerações teóricas, precedentes, tendiam a afirmações que separavam real
e virtual, como se o virtual não fizesse parte do real, como se pudéssemos separar o real como a
dimensão física e o virtual como a dimensão digital. Entretanto tais colocações cada vez mais não
encontram amparo, uma vez que, por um lado, as hibridizações do físico e do digital são constantes
e crescentes no cotidiano de todos, tanto em nível espaço-temporal como do próprio corpo que
torna-se mais tecnológico e conectado à redes distribuídas. Por outro lado, o real, em uma perspec-
798
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“As obras de arte em mídias digitais permitem, neste mundo da velocidade e do tempo real, da
instantaneidade e da “falta de tempo”, parar o tempo para um segundo de reflexão, realizando
uma espécie de metacomunicação, de reflexão e olhar sobre o mundo que nos rodeia [...] as fun-
ções da arte na era digital parecem ser refletir sobre os processos comunicativos e informacionais
que permeiam a sociecidade contemporânea, resistir ao apagamento da memória; resistir à falta
de sensibilidade e a à perda de privacidade; transformar em poética as questões que afligem o
homem e a sociedade contemporânea” (ARANTES, 2005, p. 177).
A IN Galeria surge com uma proposta expografica que passeia pelo apara-
to comunicativo, afim de proporcionar uma experiencia estética virtual, en-
tendendo que o dialogo aqui se faz com uma produção artística midiática
contemporânea, na qual a conexão entre o físico e o virtual é aparente. Uma
reunião de produções que se aproveitem desse não-lugar para que seja pos-
sível evidenciar o desejo de conectar indivíduos através de distâncias e de
misturar o virtual ao físico criando, então, esse ambiente expografico da ga-
leria. Um debate já não tão novo, mas que se mostra cada vez mais potente
com o decorrer das atualizações desse universo da qual a IN se manifesta e
se permite acontecer.
799
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
800
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
E é em meio ao contexto dessas novas concepções, que vão desde o acesso virtual
a acervos museográficos (WikiGLAM e Google Arts & Culture) a uma bienal comple-
tamente virtual e interativa (Outra Bienal 33 – que ocorreu virtualmente em paralelo
a Bienal de São Paulo 33, em 2018) e outra em que a curadoria foi exclusivamente
pautada no digital (Bienal Arte Digital, em Belo Horizonte, em 2018); que localiza-
mos o Instagram.
O Instagram se configura cada vez mais como um “lugar fora das ideias” que dester-
ritorializa “certezas” rumo ao desconhecido. Desde seu lançamento, em 2010, o Ins-
tagram tornou-se um dos aplicativos mais utilizados em escala mundial, sobretudo,
por integrantes do sistema da arte. Prova disso, é que constantemente a hastag #art
é uma das mais populares. Ademais, o reconhecimento da utilidade dessa platafor-
ma para o campo da arte é notável a partir dos mais diversos exemplos, seguem
dois: em 2015, a exposição Latin America in Construction: Architecture 1955-1980
realizada pelo Museu de Arte de Nova Iorque – MoMa que contou com parceria ofi-
cial do Instagram. Imagens dos edifícios que participam da mostra postadas com a
hastag #ArquiMoMa apareceram em um painel eletrônico na galeria; Já na edição
de 2016 do Festival Internacional de Cinema de Toronto-Tiff possibilitou a criação de
curtas no Instagram.
801
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusões
Incertezas de caminhos que seguem rumo as novas experiencias visuais são as conclusões.
Por seu discurso, por sua forma, por sua potencia em discussão, por toda uma com-
fabulacao do fazer curatorial inverso e virtual. O curador que age politicamente jun-
to aos artistas, na investida de uma exposição que proponha sempre algo a mais,
que não se limite aos modos antes canônicos do fazer expografico, e que se oponha
a mesmice do mercado. Desse anseio, nasce a IN Galeria de Arte.
802
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Arantes, P. (2005). @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Editora
Senac São Paulo.
Arnheim, R. (1954). Art and Visual Perception: A psychology of the Creative Eye.
Berkeley University Of California.
Cardoso, S. (2002). O Olhar Viajante. In: Novaes, Adauto (Org.) O Olhar. São Paulo:
Companhia das Letras.
Dubois, P. (1998). O ato fotográfico e outros ensaios. 2. ed. Campinas, SP: Papirus.
Eulálio, A. (1984). O século XIX. In: MARINO, João (org.). Tradição e ruptura: síntese
de arte e cultura brasileiras. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. p.117-121.
Foucault, M. (1988). Isto não é um cachimbo. Tradução: Jorge Coli. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Jeudy, H.-P. (2002). O Corpo como objeto de arte. Le Corps Comme Objet d’art. São
Paulo: Estação Liberdade.
803
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumen
Al recorrer los distintos periodos históricos por los que ha transcurrido la His-
toria del Arte, se observa claramente la perspectiva no neutral desde la cual ha
sido construida esta historia. En su relato historiográfico se ha evidenciado la au-
sencia de la visión de la mujer, ya que su discurso ha sido predominantemente
masculino. El objetivo de esta comunicación será el de presentar y poner el valor
el trabajo de investigación que desde finales de la década de los 60 y durante los
años 70 del siglo XX se ha realizado con el fin de reconstruir tanto la genealogía
de las primeras mujeres artistas olvidadas, que serán la base sobre la que se
fundamentará en las décadas posteriores el arte feminista español, como el de
proponer nuevos paradigmas de interpretación.
Palabras clave: historiografía feminista, prácticas artísticas feministas, estereoti-
pos de género.
Abstract
When touring the different historical periods through which Art History has passed,
the non-neutral perspective from which this history has been constructed is clearly
observed. In his historiographic account the absence of the woman’s vision has been
evidenced, since his speech has been predominantly masculine. The objective of this
communication will be to present and put the value of the research work that has
been carried out since the end of the 60s and during the 70s of the 20th century in
order to reconstruct the genealogy of the first women artists forgotten, which will
be the basis on which spanish feminist art will be based in later decades, such as
proposing new interpretation paradigms.
Keywords: feminist historiography, feminist artistic practices, gender stereotypes.
1 Licenciada en Bellas Artes por la Universidad de Castilla-La Mancha (2008). Alcanzó la suficiencia
investigadora con la obtención del Diploma de Estudios Avanzados (D.E.A.) (2012) en la especialidad
de Estética y Teoría de las Artes y Máster de investigación en nuevas prácticas artísticas y visuales
(2013), ambos en la UCLM. Es Profesora Asociada del Departamento de Didáctica de la Expresión
Musical, Plástica y Corporal de la Universidad de Castilla-La Mancha desde el año 2013.
804
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esta tardanza en los inicios del Movimiento Feminista español es debida a que la
propia estructura política y social española dio la espalda durante muchos años a
las interesantes propuestas que desde los países anglosajones se lanzaban en el
campo de la Teoría Feminista. Estas propuestas eran transformadas plásticamente
por artistas que dieron forma a unas ideas que en España cuajaron demasiado
tarde a causa de que, según indican las artistas Helena Cabello y Ana Carceller, “al
contexto español la información llegaba bastante desvirtuada y se estaba produ-
ciendo una confusión tendenciosa entre arte realizado por mujeres y feminismo”
(Ruido, 1969, 4).
Por lo tanto, el principal problema con que nos encontramos a la hora de estu-
diar las Teorías Feministas en el Estado español con respecto a su práctica artís-
tica, es la ausencia de una historiografía y la reducida bibliografía que aborde
la relación entre Arte y Feminismo, dado que es actualmente cuando se están
empezando a rescatar y a organizar una bibliografía dispersa y que parte de
tendencias muy diversas, ya que las autoras interesadas en el Feminismo, llegan
a las fuentes dependiendo de sus propias incursiones discursivas y no de un
corpus ya elaborado dado la ausencia de estos estudios en España (Martínez-
-Collado, 2012, 72-89).
Esta ausencia historiográfica es debida a que, como dictan algunos autores y au-
toras, no fue hasta los años ochenta o noventa cuando estas teorías harían mella
en las creaciones artísticas de nuestro país debido a la propia estructura política
y social de España, contribuyendo a que estas corrientes artísticas feministas
venidas de Europa, Estados Unidos o Inglaterra no tuvieran arraigo y desarrollo
en España hasta tiempo después.
805
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Pero antes de esas mujeres artistas feministas de los años ochenta y noventa,
ya hubo otras que denunciaron, a través de sus trabajos su desacuerdo con el
patriarcado y también es necesario su estudio, ya que también tuvieron que lu-
char contra las dificultades que suponía para una mujer ocupar un puesto que
durante toda la historia del arte había estado ocupado por hombres.
si ser mujer y ser artista siempre había sido una especie de antinomia, en esos momentos en Es-
paña se hacía especialmente difícil, aun cuando la producción de las artistas se mantenía dentro
de lo que se consideraba apropiado en el discurso oficial, evitando cualquier veleidad vanguardis-
ta y, desde luego, cualquier reivindicación feminista.
Con estas premisas podríamos intentar trazar una somera topografía en la que
encontraríamos a las artistas de los setenta que trabajaban en el feminismo no
tanto como una reivindicación teórica o artística consciente, sino por la necesi-
dad personal de conseguir el reconocimiento de una serie de derechos funda-
mentales entre los que se incluiría la libertad sexual y corporal, la independen-
cia, etc., es decir, autoras que a través de su arte se sumaban al activismo que en
los sesenta tuvo lugar en nuestro país o, simplemente como en el caso de Esther
Ferrer, autoras que libremente quisieron expresarse de un modo que, a ojos de
hoy, podríamos denominar (y de hecho lo hacemos) feminista.
Ejemplo de ello sería el de la artista catalana Esther Boix, que mostrando ese
malestar descontento político del momento desde otra vertiente y a través de
un tipo de arte distinto al mostrado hasta ahora, la gráfica. Así, en su obra Dona
que frega (1965), mostró, en la parte superior, a una mujer fregando el suelo con
sus manos y, en la parte inferior, a un grupo de mujeres encarceladas llorando,
comparando ambas escenas y haciéndonos cuestionar, al igual que lo hizo Betty
806
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Friedan años atrás, si las mujeres estábamos presas de las labores domésticas y
del hogar. Recordemos que, la dictadura franquista, no permitió a las mujeres
poder avanzar y ya en 1960, Dolores Ibárruri, más conocida como La Pasionaria,
reclamó que la libertad no podía dejar fuera a las mujeres.
el significado de la palabra «estereotipo» se refiere a una plancha metálica de caracteres fijos que
sirve para imprimir documentos en serie. Es, por lo tanto, un término que procede de la tipografía
y que es utilizado después, con connotaciones psicosociales, para explicar una serie de opiniones,
actitudes, sentimientos o reacciones de los miembros de una determinada comunidad o grupo
respecto a otros, y que, por ende, tienen un carácter homogéneo y rígido.
807
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
La historia anteriormente descrita podría ser una historia ficticia, pero realmente es
la historia personal de muchas mujeres con nombres y apellidos, o incluso de cual-
quiera de nuestras madres o abuelas, ya que este ha sido durante décadas el modo
de vida de muchas mujeres.
Las artistas de los años sesenta y setenta comenzaron a darse cuenta de esta realidad
social, reclamando, ante situaciones como la anteriormente descrita, la igualdad de
derechos y una equiparación de su presencia en los espacios de la vida pública, po-
niendo en evidencia, a través de sus obras, esas situaciones de desesperación por las
que estaban pasando las mujeres, y apareciendo desde entonces en el panorama ar-
tístico nuevas temáticas críticas, extraídas de historias como la anterior, como el amor
romántico, el matrimonio, la reclusión al ámbito doméstico, la maternidad, los estere-
otipos, la representación de la sexualidad y la menstruación, y la violencia de género.
La artista Ana Peters, tras la II Guerra Mundial, decidió vivir en Valencia donde se for-
mó como artista para realizar obras como Victoria o Trébol, ambas creadas en 1966,
en las que, influenciada por el estilo del Pop Art, presente en aquellos momentos
en Gran Bretaña, Inglaterra y Francia, pero no en nuestro país debido a la censura,
realizó una crítica a los estereotipos del momento en los que la mujer, asimilada en
un único prototipo de belleza (rubia, moderna, a la moda, con gafas, etc.) tenía que
estar a la moda por y para gustar al varón.
808
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ana, casada con el crítico antifranquista Tomás Llorens, considerado como una de las
personas más importantes del arte contemporáneo, no tendrá la misma suerte que
su esposo ya que, tras exponer en la Galería Edurne de Madrid en 1966 sufrirá una
crítica demoledora que hará que se retire de la pintura para dedicarse a ser madre.
809
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Recordemos que, tan solo ocho años después, será cuando la artista estadounidense
Judy Chicago saque a la luz su famosa obra The Dinner Party, en la que se podrán
observar formas que simulan vaginas en los platos de su colosal mesa, algo inusual
para la época.
810
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Recordemos que el movimiento feminista español gestado durante los años del tar-
dofranquismo, adquirió su mayor desarrollo durante los años setenta, al inicio de la
Transición, debido a que el contexto político y social en el que nos encontrábamos,
era una gran oportunidad para reivindicar los derechos de las mujeres que durante
cuarenta años impuso el franquismo al colectivo femenino.
Desde 1970 comenzaron desarrollarse estudios que perseguían crear espacios para
el debate del feminismo en España (Grau, 2000, 739), pero el movimiento como tal
era aún muy débil. El movimiento de mujeres progresistas se encontraba en auge
cuando en el año 1975 fue declarado Año Internacional de la Mujer por la ONU, pero
hay constancia, como se puede leer en el siguiente párrafo, de que hasta 1976 no
apareció este Movimiento de mujeres en España:
En la tarde del día 12 se presentó a los medios informativos de Madrid el Movimiento Democrá-
tico de Mujeres-Movimiento de Liberación de la Mujer, en el curso de una rueda de prensa. Pro-
pugnan, en conjunto, una serie de reivindicaciones encaminadas a lograr para la mujer el estab-
lecimiento de una situación social que permita el desarrollo integral de ésta (El País, 1976, párr. 1).
(…) Las premisas fundamentales del movimiento se cifran en la incorporación de la mujer al tra-
bajo productivo, como paso previo a su liberación; eliminación, en el contexto de la enseñanza
obligatoria y gratuita, de todo aquello que limite las posibilidades de acceso a la cultura y que
suponga una educación diferencial, y abolición de todas las leyes que suponen una vejación para
la mujer y la relegan a un puesto secundario en la sociedad (El País, 1976, párr. 7).
Para transformar la actual situación de la familia, propone el matrimonio civil, dejando libremente
a la pareja la posibilidad del eclesiástico; una ley sobre el divorcio, que haría necesaria la elimi-
nación de la dependencia económica de la mujer; anticonceptivos gratuitos y asumidos por la
Seguridad Social y despenalización del aborto (El País, 1976, párr. 8).
Es importante destacar también a Isabel Villar, considerada como una pintora naif
por la crítica del momento y estando prácticamente invisibilizada por la Historia del
Arte como todas las demás. Su obra tiene ciertas similitudes con las del pintor de
vanguardia parisina Henry Rousseau. Pues bien, mientras uno es considerado como
uno de los padres del arte contemporáneo, la pintura de Isabel, en un estilo muy
similar, se le ha considerado como naif e ingenua.
811
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rousseau, Henry (1891). Tiger in a Tropical Storm (Surprised) [óleo sobre lienzo].
Londres: National Gallery de Londres.
En 1973 se produce una especie de liberación de la mujer. Con una obra totalmente
distinta a la de Isabel Villar, podemos nombrar a la artista catalana Eulalia Grau (1946-
-) con su obra Novia y lavavajillas (1973) o Aspiradora (1973), donde un maniquí con
cuerpo de mujer, vestida de novia, es absorbido por una aspiradora, realizando una
crítica a los estereotipos del momento al considerarse que las mujeres, a pesar de su
reclusión a las tareas del hogar, tenían que lucir siempre bellas para la mirada mas-
culina, con el único fin de agradar al hombre.
812
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Pero las obras de Eulalia Grau, en cuanto a temática, no son casos aislados de
aquellos años setenta, ni tampoco lejanos. En 2013, hace tan solo seis años, la escri-
tora italiana Constanza Miriano sacaba a la luz su libro Cásate y sé sumisa: experiencia
radical para mujeres sin miedo, no curiosamente publicado por el Arzobispado de
Granada y siendo un éxito de ventas. Así, después de que Eulalia Grau criticara cier-
tas situaciones por las que tenían que pasar las mujeres de la época, cuarenta años
después de sus obras, con la publicación de este libro, se puede observar cómo se
813
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ante situaciones como estas, la artista Paz Muro, se da cuenta de que, si es difícil la
supervivencia social en un mundo dominado por hombres, más difícil es aun ex-
poner o dedicarse al arte cuando no hay una genealogía explícita que facilita a las
mujeres su incorporación a este difícil mundo del arte. Con esta premisa, Paz crea
la obra William Shakespeare, Corín Tellado (1974) en la que, a través de un aparato
de medición se cuestiona el porqué de si Shakespeare es considerado el padre de
la literatura inglesa, la obra de Corín Tellado, una de las mujeres más importantes
en cuanto a escritos amorosos, es considerada de menor valor que la escrita por
Shakespeare, por ser un hombre frente a una mujer.
814
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Muro, Paz (1975). Influencia cultural y nada más que cultural, de la mujer en
las artes arquitectónicas, visuales y otras [Madera lacada y fotografías en blanco y negro].
Madrid: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.
Ese mismo año, 1975, la artista vasca Marisa González viaja a Estados Unidos y ob-
serva cómo a diferencia de nuestro país, las mujeres estadounidenses dejan de ser
“ángeles del hogar” y salen a la calle para manifestarse libremente. Esta situación le
marca tanto que crea la serie La Descarga, en la que por primera vez se muestra la
violencia contra la mujer en la Transición.
2 La Sección Femenina era una organización de divulgación ideológica (era una parte de la derecha
que acogió la ideología fascista) y de control de las mujeres, con el fin de garantizar el cumplimiento
de la misión que el régimen les tenía reservado. Defendían un feminismo basado en la abnegación
y obediencia de la mujer al hombre. La Guerra Civil y la posterior dictadura franquista terminaron
con los movimientos feministas, que entran en una etapa de opacidad comenzando a despertarse
en torno a los años sesenta y setenta.
815
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Un año después, en 1976, la artista Fina Miralles da a conocer su obra Standard. Ella, sen-
tada en una silla de ruedas, con sus brazos y piernas sujetos a la silla, observa una serie de
imágenes estereotipadas proyectadas en una pared, como son por ejemplo el matrimonio.
Así la artista, se revela contra situaciones que son consideradas como imposiciones pa-
triarcales pero que, sin embargo, como su título indica, son tomadas como cotidianas
816
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ese mismo año, 1976, tan solo un año después de la muerte de Franco, se celebra-
rían, del 27 al 30 de mayo, las Primeres Jornades Catalanes de la Dona en la Univer-
sidad de Barcelona y la escritora y política española Lidia Falcón crearía el colectivo
feminista de Barcelona y fundó, junto a la periodista y escritora feminista Carmen
Alcalde, la Revista Vindicaciones feministas, en la que se difundía la defensa de las
mujeres con respecto a temas políticos, de cultura o legales. También es por enton-
ces cuando Nuria Pompeya realizará gráficas y cartelas a favor del día internacional
de las mujeres.
Asimismo, en 1976, la fotógrafa catalana Pilar Aymerich va a plasmar todas las ma-
nifestaciones catalanas a favor de las mujeres y la igualdad, contra la violación, de
los derechos reproductivos, del derecho al uso de anticonceptivos, al divorcio, etc.
Es famosa su fotografía en la que se observa a una mujer sujetando una cartela en la
que dice “Yo también soy adúltera” ya que, recordemos que el matrimonio civil que
podía llevarse a cabo durante la República fue suprimido durante la dictadura fran-
quista y se instauró el matrimonio católico como único en todo el territorio español.
Recuperado de http://www.pilaraymerich.com/galeria.html
817
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esta liberación de la mujer es tan significativa que, la artista Fina Miralles empieza a
caminar “por primera vez” en solitario, intentando, metafóricamente, dejar atrás los
lastres del patriarcado en su obra Huellas.
Pero lejos de caminar en solitario como había deseado un año antes Fina Miralles,
la artista Eulàlia Grau, nos muestra, en 1977, Discriminació de la dona, una obra en la
que realiza una crítica a la situación que en la actualidad se sigue manteniendo y es,
que un porcentaje muy alto de hombres, en comparación con mujeres, son los direc-
tivos de grandes empresas. Además, incluso en la actualidad, realizando un mismo
trabajo, el salario de las mujeres es más bajo que el de los hombres.
818
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
819
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ferrer, Esther (1977). Íntimo y personal [tipografía y gelatinobromuro de plata sobre papel].
Madrid: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.
De esta forma, realiza una crítica a que realmente no somos nosotras mismas las que
nombramos ni medimos nuestros propios cuerpos, sino la sociedad patriarcal es la
que ha impuesto, de forma dictatorial, las odiosas medidas globalizadas de “90-60-
90” y su denominación también ha sido una convención cultural que, como muestra
la artista en su performance, puede subvertirse.
Performances como las de las artistas Shigeko Kubota, Faith Wilding o Gina Pane serán los
antecedentes y referentes internacionales de las futuras performances de Esther Ferrer.
820
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
La artista Eugènia Balcells, en 1978, realiza, a través de su obra FIN, una crítica al amor
romántico, con la premisa de que “otra persona”, un hombre, nos tiene que cuidar
y proteger para que nuestra historia termine como las de los cuentos de hadas, las
telenovelas y las películas románticas, con final feliz.
821
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esta idea, proveniente de las cortes de amor medievales en las que se concebía la
idea de una vinculación amorosa única, tenía como fin la creación de la familia tradi-
cional, patriarcal, y la no extinción de esta y de la estirpe, ya que, según la escritora
feminista Coral Herrera (2016, 111):
un producto mítico que posee, por un lado, una base sociobiológica que se sustenta en las rela-
ciones afectivas y eróticas entre humanos, y por otro lado, una dimensión cultural que tiene unas
implicaciones políticas y económicas, dado que o que se supone un sentimiento individual, en reali-
dad influye, conforma y modela las estructuras organizativas colectivas humanas (Herrera, 2016, 76).
Esta idea sigue estando vigente hoy en día y sigue teniendo consecuencias fatales
para la sociedad, ya que es, ha sido y será una estrategia de dominación masculina.
Y sigue estando vigente en un medio de comunicación social como es la literatura
y el cine infantil y juvenil –como muy bien critica la escritora Teresa Colomer en sus
libros–, haciendo estos de agentes socializadores para la sociedad actual.
De este modo, si desde que somos niños nos muestran en nuestras películas o series
favoritas que las mujeres tenemos que ser princesas con cuerpos de Barbies “el pelo,
la cintura y los muslos reproducen un ideal imposible difícil de alcanzar, y desprenden
822
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Se podría decir que esta historia para adultos es similar a un cuento de hadas para
chicas en el que Anastasia, una chica joven, inocente, virgen y dependienta en una
ferretería es galanteada por Cristian Grey, “el hombre perfecto”, un joven guapo, in-
teligente, triunfador en su trabajo y rico. La chica, con una vida tranquila y él con una
vida exitosa y con gustos sexuales un tanto peculiares, le promete una nueva vida
repleta de nuevos sucesos que ella nunca se hubiera imaginado. Así, como afirma
Edna Juliana Rojas (2014) esta historia “es la fábula perfecta de la chica con una vida
aburrida en la que, cual milagro, logra que el hombre de todos nuestros sueños—
una estrella del jet set al que ella domaría— se fije en ella”.
Pero, ¿cómo es posible que esta saga haya tenido tanto éxito, donde se trata a una
mujer como sumisa y es maltratada por el hombre del que está enamorada? Afir-
maba Coral Herrera (2016, 231) que:
el hecho de que los hombres necesiten criadas que cumplan también sus deberes afectivos y se-
xuales, y el hecho de que hayan logrado la subordinación y la dependencia económica femenina,
hace necesario analizar la dependencia emocional de las mujeres y el plus de cariño y cuidados
que reciben los hombres simplemente por ser hombres. En todas las culturas patriarcales, los
varones son más valorados, a los niños se les quiere más que a las niñas, reciben los mejores ali-
mentos, y no son asesinados o abandonados por el género al que se les adscribe al nacer, como
ocurre con las niñas de la India, China y multitud de sociedades patriarcales. Los varones son, en
este sentido, dignos de respeto y admiración solo por el género al que pertenecen, como si cons-
tituyesen una clase social privilegiada.
(…) la mujer representada por los medios viene a ser aquello que significa para el hombre, el
mito femenino en universal abstracto; se les ha asignado a todas las mujeres un determinado
significante (aspecto exterior) y un significado (valores) ajenos a su condición de individuo único,
heterogéneo autónomo y con intereses no vinculados a su sexo.
823
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Todas estas ideas llegadas a nuestra mente a través de mensajes subliminales nos
llevan a una idea equivocada de lo que debe de ser y no es una relación de pareja
afectiva, estableciéndose entre los adolescentes una serie de estereotipos de género
y principios erróneos que incluso pueden llevar a la temida violencia de género sin
que el propio agresor ni la víctima sean conscientes de ello.
Por lo tanto, en esa década de los setenta se fraguaron nuevos grupos feministas
(de diversas ideologías) que bajo reformas democratizadoras consiguieron grandes
avances legislativos para la mujer. Así, se promulgaron una serie de leyes favorables
a la mujer, y que el principio de la no discriminación legal por razón de sexo se reco-
giera en la Constitución de 1978. Durante esta misma década también se lograrán
algunos avances de orden jurídico y se consiguió derogar, en 1978, el artículo 416
del Código Civil que condenaba el adulterio femenino; asimismo se dieron los pri-
meros pasos para la regulación del uso de los anticonceptivos y se aprobó la ley del
divorcio en 1981. Sin embargo, no será hasta finales de la década del 80 cuando los
movimientos feministas cobrarán mayor protagonismo, también a nivel reflexivo, y
se empezará a gestar un tipo de arte de corte reivindicativo también.
Con todo lo anteriormente expuesto, como indica la artista María Ruido, podríamos
considerar a las artistas Esther Ferrer y Eugenia Balcells como los dos eslabones per-
didos de la genealogía de las artistas españolas que han trabajado sobre y con el
cuerpo, siendo éstas los referentes fundamentales de ámbito nacional de las artistas
feministas de años posteriores. Pero también, al igual que las performances de Es-
ther Ferrer y las películas y los vídeos experimentales de Eugenia Balcells, tenemos
presentes las performances e instalaciones de Paz Muro, los fotomontajes de Eulália
Grau, los trabajos corporales de Olga Pijoan, las instalaciones y trabajos de Fina Mi-
ralles y Angels Ribé, y las performances e instalaciones de Dorethee Selez.
Bibliografía
Acaso, M. (2007). Esto no son las Torres Gemelas. Cómo aprender a leer la televi-
sión y otras imágenes. Madrid: Catarata.
Alario Triguero, M. T. (2008). Arte y feminismo. San Sebastián: Editorial Nerea, 2008.
Bernárdez, A., García, I. & González, S. Violencia de género en el cine español. Ma-
drid: Editorial Complutense, 2008.
824
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Miriano, C. (2013). Cásate y sé sumisa: experiencia radical para mujeres sin miedo.
[Traducido al español de Sposati e sii sottomessa]. Granada: Nuevo Inicio.
Pardo, P. (2010). Políticas audiovisuales y género: todo por hacer”. En Arranz, F. (co-
ord.). Cine y género en España. Una investigación empírica (pp. 383-448). Madrid:
Cátedra y Universitat de Valencia.
Ruido, M. (s/f). ARCHIVO 1969/la irrupción de los 90: el(los) feminismo(s) como factor
en la crítica de la representación y en las prácticas políticas contemporáneas del esta-
do español. Entrevista a Helena Cabello y Ana Carceller en marceloexposito.net, 1-8.
Recuperado de https://marceloexposito.net/pdf/1969_cabellocarceller.pdf
825
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumen
Este texto parte de la observación de cómo frecuentemente la imagen en mo-
vimiento en el arte contemporáneo, muestra una ineludible convivencia entre
innovación y tradición. Conceptos que aunque puedan resultar contradictorios,
están presentes en las obras contemporáneas, especialmente desde la última
década del siglo XX y las primeras décadas del siglo XXI. Se plantea una reflexión
acerca de las similitudes conceptuales existentes entre ideas expresadas en la
historia del arte mediante el uso de los dispositivos de la mirada, con propuestas
artísticas que hoy utilizan como recurso expresivo el cuestionamiento sobre la
imagen y la realidad.
Ilustraremos estas ideas analizando obras que manejando medios técnicos ac-
tuales, como realidad aumentada, sensores de movimiento o cámaras robotiza-
das, ofrecen otra mirada sobre el origen de la producción tecnológica de imáge-
nes, la interacción entre ficción y realidad, visión e ilusión.
Palavras-chave: imagen, representación, teamLab, Rafael Lozano-Hemmer, Ola-
fur Eliasson
Abstract/resumen/resumé
This text starts from the observation of how frequently the image in movement in
contemporary art shows an inescapable coexistence between innovation and tradi-
tion. Concepts that although they may be contradictory, are present in contemporary
works, especially since the last decade of the twentieth century and the first decades of
the twenty-first century. A reflection is raised about the conceptual similarities between
ideas expressed in the history of art through the use of gaze devices, with artistic propos-
als that today use as an expressive resource the questioning about image and reality.
1 Licenciada en Bellas Artes por la Universidad Complutense de Madrid y Doctora en Bellas Artes por
la Universidad de Granada. Cursó estudios en School of Visual Art y en Parsons School of Design en
la ciudadde New York. Trabajó como creativa en TVE realizando cabeceras y promociones especiales
de cadena en programas vinculados con el cine. En la actualidad es Profesora Titular de la Univer-
sidad de Granada en cuya Facultad de Bellas Artes imparte la asignatura Proyectos Audiovisuales.
826
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
We will illustrate these ideas by analyzing works that handling current technical
means, such as augmented reality, motion sensors or robotic cameras, offer anoth-
er look at the origin of the technological production of images, the interaction be-
tween fiction and reality, vision and illusion.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: image, representation, teamLab, Rafael Loza-
no-Hemmer, Olafur Eliasson
Introducción
La necesidad del ser humano de evadirse de la no siempre agradable realidad, mo-
tivó la creación de infinidad de “artefactos para mirar” que abrirían la percepción al
ámbito insospechado de las imágenes en movimiento. Aunque las primeras referen-
cias conocidas de la cámara oscura -herramienta guía de la ciencia óptica y origen
de los instrumentos que revolucionarían la percepción humana-, correspondan a los
científicos árabes Al Kindi (S. IX) y Al-Hazen (S.XI)2, desde el siglo XVII –con los avan-
ces de la óptica y la definitiva aceptación de la perspectiva como forma de represen-
tación-, hasta el siglo XXI, tecnologías basadas en el uso sincrónico de sonidos con
la proyección de imágenes mediadas –entre éstas y su proyección se interpone un
mecanismo-, herederas de la cámara oscura, las máquinas catóptricas (que juegan
con la reflexión de los espejos) y especialmente las linternas mágicas, han explorado,
representado y construido nuevos mundos –físicos y metafísicos, reales e imagina-
dos–, de una significativa trascendencia cultural.
827
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
En Combray, todos los días, desde que empezaba a caer la tarde y mucho antes de que llegara el
momento de meterme en la cama y estarme allí sin dormir, separado de mi madre y de mi abuela, mi
alcoba se convertía en el punto céntrico, fijo y doloroso de mis preocupaciones. A mi familia se le ha-
bía ocurrido, para distraerme aquellas noches que me veían con aspecto más tristón, regalarme una
linterna mágica; y mientras llegaba la hora de cenar, la instalábamos en la lámpara de mi cuarto; y la
linterna, al modo de los primitivos arquitectos y maestros vidrieros de la época gótica, substituida
la opacidad de las paredes por irisaciones impalpables, por sobrenaturales apariciones multicolores,
donde se dibujaban las leyendas como en un vitral fugaz y tembloroso. Proust, (1981, p. 19)
Desde la primera mitad del siglo XIX se desarrollaron numerosos juguetes ópticos4
que supusieron un avance hacia la aparición del cine, pues se regían por el mis-
mo principio, una sucesión de imágenes consecutivas narrando una historia. Con
el nombre de philosophical toys (juguetes filosóficos) - inteligente designación que
une juego y pensamiento-, infinidad de artefactos ópticos propiciaron el desarrollo
de los estudios sobre el movimiento, fluctuando entre la curiosidad, el entreteni-
miento y la especulación fisiológica sobre el funcionamiento de la vista. Entre estas
maquinarias, estaba el cromatropo, imágenes abstractas cuya característica consis-
tía en la sucesión vertiginosas de formas y colores, que tanto influyó en el cine de las
vanguardias históricas de principios del siglo XX. Anemic Cinema (1926), el ensayo
dadaísta de Marcel Duchamp o la película enmarcada en el cine abstracto Sympho-
nie Diagonale (1921) de Viking Eggeling, son ejemplos de ello.
3 La única copia de este documento se conserva en la Biblioteca de Munich. Johannes de Fontana, Belli-
corum instrumentorum liber cum figuris - BSB Cod.icon. 242, de la Bayerische Staatsbibliothek de Múnich
4 kinesígrafo, zootropo, praxinoscopio, fenaquistiscopio, electrotaquiscopio o traumatropo entre
otros. Para más información ver Proyecto IDIS (Investigación en Diseño de Imagen y Sonido). https://
proyectoidis.org/
828
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Es esta paradoja la que ha sido rescatada por diversos artistas contemporáneos: de Saer a Sebald,
de Godard a Duchamp, de Bill Viola a Cindy Sherman, resulta interesante constatar que buena par-
te del arte moderno, tan marcado por el signo del cine, no se interesa por la ilusión de movimiento
sino por su manipulación y su deconstrucción. (Oubiña, 2015, p.5)
Aunque las linternas mágicas todavía eran una herramienta de entretenimento sin
intencionalidad artística, es evidente que aquellas imágenes pioneras han influído
en la actividad de muchos creadores. Desde los primeros cineastas -los hermanos
Lumière, Ferdinand Zecca, Georges Melies o Segundo de Chomón-, hasta grandes
realizadores contemporáneos como Fellini, Truffaut, Demy o Bergman (2001) -cuyas
memorias se titulan precisamente Linterna Mágica-. Las proyecciones de las linternas
jugaban con la percepción, generando -igual que sucede hoy-, una atmósfera que
envolvía a los espectadores y humanizaba mediante la ilusión su experiencia, sobre-
pasando la separación sujeto-objeto, la distancia entre el yo y el mundo.
829
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Así, estas imágenes mediadas por la técnica, que en ocasiones se proyectaban sobre
agua o cortinas de humo, supusieron también un cuestionando a la objetividad del
espacio de representación. La luz, la perspectiva y el sonido eran los artífices de este
mágico ensueño.
Para poder asimilar los avances y digerir lo nuevo sin perder lo antiguo, cada época de-
bería construir la realidad en un movimiento de ida y vuelta entre el presente y el pasado:
La fantasmagoría surge cuando, bajo las restricciones de sus propias limitaciones, los más nove-
dosos productos de la modernidad se acercan a lo arcaico. Cada paso hacia delante es, al mismo
tiempo, un paso hacia el pasado remoto. A medida que la sociedad burguesa avanza, descubre
que necesita su propio camuflaje de ilusión simplemente para poder subsistir. (Adorno, citado por
Andreas Huyssen, 1996, p.40)
5 En el siglo XX se empezó a discutir sobre esta prevalencia de la visión sobre otros sentidos y
830
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1637 René Descartes (1981, p. 59) argumentara en la Dióptrica que “toda la conducta
de nuestra vida depende de nuestros sentidos” o desde la antropología cultural haya
estudios donde son precisamente los sentidos la base de la experiencia del mundo
(Le Breton, 2007, p. 13), paradójicamente dudamos de ellos. Buscamos prótesis que
interponiéndose entre el proceso de creación y el de representación, dirijan, cana-
licen y ordenen nuestra mirada. Para reflejar esta ambivalencia, en El Malestar de la
Cultura, Sigmund Freud (1930, p. 32) se refiere al hombre como a un Prothesengott,
un “dios con prótesis”. Confiamos en los sentidos y al mismo tiempo recelamos de
ellos, uniendo en un solo movimiento entusiasmo y descrédito.
Este triángulo formado por imagen, medio, y percepción, planteado en 1625 por
Pietro Accolti en Lo inganno degli occhi, prospettiva pratica (El engaño de los ojos, una
perspectiva práctica) Accolti (1625), e inteligentemente plasmado por René Magritte
con su obra Ceci n’est pas une pipe6, 1928, Esto no es una Pipa, perteneciente a la serie
La Traición de las Imágenes, provoca en la actualidad la misma inquietud y genera
análogas preguntas sobre imagen, forma y realidad, pues evidencia el malestar que
provoca el artista al cuestionar la semejanza entre el objeto y su representación. En
este sentido, una de las estrategias utilizadas en la creación artística contemporánea
es, justamente, la relación y convivencia que se establece entre percepción y repre-
sentación, entre el espectador, el medio y la obra. La percepción directa de las cosas
y la percepción directa de la imagen de las cosas.
actualmente parece haber consenso sobre el hecho de que la vista es tan subjetiva como cualquier
otro sentido. Esta es la tesis de Martin Jay en su ensayo Ojos abatidos (Jay 2007), donde evalúa el
lugar ocupado por la visión en la cultura occidental. Según Jay, a lo largo del siglo XX, especialmente
en Francia, tiene lugar un profundo cuestionamiento de la vista como sentido privilegiado del co-
nocimiento. Siguiendo la argumentación de Jay, esta tradición ocular céntrica, es progresivamente
puesta en duda desde finales del siglo XVIII con el pensamiento romántico. Pero es en el siglo XX y
especialmente en Francia donde esta primacía de lo visual es cuestionada con más fuerza. La crítica
a la vigilancia del panóptico de Foucault, la defensa realizada por Nancy o Derrida de sentidos como
el tacto o el oído o el ataque de Debord a la sociedad del espectáculo, constatan que los ojos ya no
nos sirven para entender la complejidad de lo que nos rodea.
6 A partir de las dos versiones de esta obra de Magritte, Michel Foucault analiza en Esto no es una
pipa: ensayo sobre Magritte, las contradicciones entre las imágenes y las palabras. Foucault, M. (2004).
Esto no es una pipa: ensayo sobre Magritte [7a ed.]. Barcelona: Anagrama.
7 Light and Space es el nombre del movimiento de arte surgido en la costa oeste de Estados Unidos
831
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Comencemos con las instalaciones envolventes del colectivo japonés teamLab que
desde el 18 de marzo hasta el 1 de septiembre de 2019, acogió el Espacio Fundación
Telefónica de Madrid. La interpretación de la naturaleza, la filosofía zen o la pintura
tradicional japonesa, son algunos de los referentes de este colectivo de creación fun-
dado en 2001 por profesionales de distintas disciplinas. En esta ocasión, tres piezas
inmersivas unidas por el ritmo común de una hipnótica composición sonora de Hi-
deaki Takahashi, forman la muestra.
Nos sumergirnos en un mar enfurecido. Somos parte de una ola gigante. Somos la
inmensidad del océano. Recorremos Black Waves. Lost, Immersed and Reborn, 2019
(Olas Negras. Perdido, Inmerso, Renacido), la poderosa instalación que nos remite a
la tradición pictórica japonesa, a La gran ola de Kanagawa, pintada por Hokusai en
1830. La instalación está formada por proyecciones que se reflejan en paredes, espe-
jos y suelos, donde el agua –y su representación visual– son protagonistas. En ambos
casos (tanto en Flutter of Butterflies como en Black Waves), estaremos formando par-
en las décadas de 1960 y 1970. Su pensamento se vertebra en torno a como las formas geométricas
y el uso de la luz podrían afectar el entorno y la percepción del espectador.
8 Siguiendo la teoría determinista del caos, el efecto mariposa plantea que un pequeño cambio en
una variable puede producir efectos imprevisibles en otras variables.
832
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
te de una obra que se completa con la acción del espectador. Al transitar el espacio
interactuamos con las piezas y provocamos cambios en ellas, de la misma forma que
nuestra presencia produce cambios en la naturaleza.
Figura 2. teamLab, Black Waves. Lost, Immersed and Reborn, 2019 (Olas Negras: Perdido, Inmerso y
Renacido, 2019). Instalación digital, bucle contínuo. © teamLab, cortesía Pace Gallery
La última sala nos aproxima al pensamiento zen y las raíces de la cultura japonesa.
Enso – Cold Light, 2018 (Círculo – Luz Fría), reinterpreta la práctica zen de dibujar un
círculo con un solo trazo de pincel. En este caso, temLab presenta un Enso dibujado
como caligrafía espacial, donde se perciben diferenciadas las fases del proceso orien-
tal de inspiración, ideación y realización. Una primera fase de concentración vincula-
da a las ideas; otra relacionada con la emoción y la intensidad de los sentimientos; y
por último, la materialización de la energía que tiene que ver con la técnica y la acci-
ón. El colectvo teamLab ofrece una nueva interpretación de la caligrafía tradicional,
al reconstruirla en el espacio tridimensional, expresando la profundidad, la velocidad
y la potencia del trazo del pincel. Ese tiempo eterno de giro, el tiempo circular que
determina nuestra posición, unas veces en la cumbre y otras en punto más bajo, nos
interroga sobre el instante haciéndonos sentir el presente como el lugar de lo real.
833
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 3. teamLab, Enso – Cold Light, 2018 (Enso - Luz Fría, 2018).
Instalación digital, bucle contínuo. © teamLab, cortesía Pace Gallery
Esta intensa alegoría de unión con el todo en una sola imagen y en un solo trazo, es
también la que utiliza el cineasta Jean Luc Godard en Deux ou trois choses que je sais
d’elle, 1966 (Dos o tres cosas que yo se de ella). Un hombre pone azúcar a su café expre-
so, lo remueve con una cucharilla y, en un primerísimo plano de la taza, el líquido ne-
gro que gira en espirales adquiere una dimensión cósmica. Godard es capaz de reflejar
el universo en movimiento y sus convulsiones en una taza de café. En esta secuencia,
a través del discurso audiovisual, cruzamos las fronteras de lo visible en la pantalla
para reflexionar sobre nosotros mismos y cómo nos relacionamos con el mundo. La
inteligencia del montaje cinematográfico de Godard, construye las sensaciones que
componen nuestra percepción: planos de un mundo abstracto y concreto, innovador
e imperecedero, narrativo, fantástico, esencial y cotidiano al mismo tiempo.
834
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 4. Jean Luc Godard. Deux ou trois choses que je sais d’elle, 1966 (Dos o tres cosas que yo se de
ella). Fotogramas extraídos de la película. Fuente: propia
Para Georges Bataille (2009, pp.163-164) la memoria era la unión del pasado y del
presente, aquel espacio donde se inscribe nuestro verdadero yo, momento del tiem-
po fuera del tiempo. La captura de un fragmento en estado puro, un instante; la
esencia de un momento que adopta la forma de un recuerdo. O como argumenta
Salvador Pániker (1992, p. 91) la meditación entendida como una abolición del tiem-
po. La escena de la taza de café en Deux ou trois choses que je sais d’elle y las piezas
de teamLab son, precisamente, una larga meditación sobre el instante, una refle-
xión sobre la memoria, una disolución del tiempo donde se mezclan las imágenes
proyectadas y las vivencias.
835
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ejemplo de esta implicación de cada uno de los espectadores con las piezas de Rafael
Lozano-Hemmer, fue la exposición Abstracción biométrica, donde el cuerpo humano,
esa compleja carcasa que nos alberga, era el protagonista. La muestra, presentada
en el Borusan Contemporary de Estambul en 2013 y en el Espacio Fundación Tele-
fónica de Madrid en 2014, conjugaba las tecnologías electrónicas con la sofisticada
tecnología orgánica que es el cuerpo. La biometría, la medición de las variables vita-
les, fue el hilo conductor de esta exposición. Se trataba de nueve instalaciones que
abarcaban un periodo de tiempo desde 1992 hasta 2014 y cuya temática era la idea
de que la captura, el archivo y la transformación de los signos vitales del público, son
parte integral de la obra de arte. En efecto, las nueve piezas que se exhibieron, se
basaban en la recogida de datos del cuerpo de los asistentes y su transformación en
representaciones artísticas. La instalación Almacén de corazonadas, estaba compues-
ta por cien focos incandescentes y una interfaz que detectaba los pulsos cardiacos
de los participantes, haciendo que las luces centellearan con la vibración exacta del
corazón de cada asistente. Utilizando un sensor, el visitante podía imprimir su ritmo
personal a uno de los focos. Esta vibración se unía al resto de las huellas vitales eli-
minando uno de los latidos de los anteriores participantes. Almacén de corazonadas
recogía así la individualidad biológica y emotiva que cada persona va dejando en su
interacción con la pieza.
Del lenguaje del corazón al lenguaje de la palabra: en Matriz de voz, 800 canales de
sonido asociados a luces led, suenan y parpadean al mismo tiempo, conformando
un estimulante murmullo de palabras. Cada visitante puede grabar su mensaje y es-
cuchar cómo éste se funde en una amalgama de voces. En las exposiciones de Rafael
Lozano-Hemmer, no hay un contenido cerrado y predeterminado, serán los visitan-
tes al dejar sus huellas, su voz y su respiración en cada instalación, los generadores
de contenido. Lozano-Hemmer dibuja, capa sobre capa, veladura sobre veladura,
una memoria colectiva que se disuelve y recicla así misma, pero que también deja
un rastro en la memoria individual de cada participante.
836
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Las formas de control, la memoria o la presencia, los temas que intresan a Lozano-
-Hemmer, aparecen en sus piezas gracias a la participación del público y la utiliza-
ción de recursos tecnológicos9. Pero aunque el arte utilice los medios del presente,
la tecnología sea el lenguaje de nuestro tiempo y esta tecnología en ocasiones se
utilice para generar arte, obviamente no toda la tecnología es arte. Lozano-Hemmer,
desde su innegable condición de artista, propone una utilización de la tecnología
que permita desrrollar un pensamiento crítico y un diálogo poético, dejando que el
arte trascienda del hecho tecnológico y sea juzgado por sus propios méritos.
Otro creador que propugna una dimensión sensorial en su trabajo es Olafur Eliasson
(Copenhague, 1967), cuya obra abre puertas a la incertidumbre y nunca nos deja
indiferentes. Como en el caso del colectivo teamLab o de Rafael Lozano-Hemmer,
se trata de un artista vinculado a la espectacularidad de los grandes espacios y la
búsqueda cómplice del público.
9 En este sentido una instalación emblemática a la que no puedo dejar de hacer referencia es Frequency
and Volume, expuesta en Ciudad de Mexico (2003), Taichung (2004), Montréal (2005), Tokyo (2005), Ve-
necia (2007), Londres (2008), Tokyo (2009), Copenhagen (2009), Singapore (2011), Paris (2011), Barcelona
(2011), San Francisco (2012), Umeå (2014). Frecuency and Volumen permite a los participantes sintonizar
y escuchar diferentes frecuencias de radio utilizando sus propios cuerpos. Un sistema de seguimiento
computarizado detecta las sombras de los participantes, que se proyectan en una pared del espacio ex-
positivo. Las sombras escanean las ondas de radio con su presencia y posición, mientras que su tamaño
controla el volumen de la señal. La pieza puede sintonizarse en cualquier frecuencia entre 150 kHz y 1.5
GHz, incluyendo control de tráfico aéreo, FM, AM, onda corta, celular, CB, satélite, sistemas de telecomuni-
caciones inalámbricas y radio navegación. Se pueden sintonizar hasta 48 frecuencias simultáneamente y
el entorno de sonido resultante forma una composición controlada por los movimientos de las personas.
Esta pieza visualiza el espectro radioeléctrico y convierte el cuerpo humano en una antena. El proyec-
to, inspirado en los experimentos de radio poesía de los artistas estridentistas mexicanos en la década
de 1920, plantea la pregunta ¿Quién tiene acceso al espacio público que es el espectro radioeléctrico?
Lozano-Hemmer cuestiona la asignación de frecuencias a intereses corporativos en detrimento de los
usos comunitariaos, experimentales o artísticos del espectro. Lozano-Hemmer, R. Frequency and Volume.
Relational Architecture 9. http://www.lozano-hemmer.com/frequency_and_volume.php’
837
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Eliasson invita al espectador a interactuar con la obra, a ser productor más que
consumidor de una realidad. Aborda cuestiones como la relación de la obra con el
espacio y a su vez de éste con el espectador, en un juego de luz, movimiento, pro-
fundidad y perspectiva. En su impulso por hacer al visitante partícipe de sus piezas,
provoca un involuntario compromiso que relaciona público y obra intensamente,
pues es precisamente el espectador el que dotará a los proyectos de su pluralidad
de significados. Eliasson lleva años trabajando en torno a la percepción física de la
realidad, planteando instalaciones que cambian con el lugar en el que se exponen,
la mirada del espectador o las condiciones climatológicas y exploran las vías de la
percepción humana. Sus obras –que incluyen dispositivos ópticos, instalaciones de
luz ó brújulas– impulsan a comprometerse de forma crítica con la subjetividad del
reflejo y sus posibles distorsiones. Sus proyectos son un estímulo para el cerebro y
un reto para los sentidos.
838
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Olafur Eliasson con sus mágicas puestas en escena, hace visible lo que habitualmen-
te pasa desapercibido dentro del orden social, haciendo partícipe al espectador en
la creación de los significados de la obra, al mismo tiempo que pone de relieve el
carácter amplio del contenido de la misma.
En una sociedad como la nuestra, donde como decía Guy Debord, la vida “se presen-
ta como una inmensa acumulación de espectáculos” (Debord, 1992: 3), las obras de
Eliasson reclaman un ojo atento, una reflexión que plantea todas las preguntas, pero
deja abierto el camino de las respuestas.
Conclusiones
Ultimamos el acercamiento a la obra de teamLab, Rafael Lozano-Hemmer y Olafur
Eliasson, creadores que con sus poéticas apuestas son capaces de establecer un vín-
culo sensorial entre espectador, obra, imagen, espacio y representación, confirmando
que no estamos ante un anhelo nostálgico del pasado, sino ante una reflexión profun-
da sobre el origen y la producción de las imágenes. Estos autores, capaces de aunar
arte, tecnología, misterio, emoción y belleza, proponen -y consiguen-, una transfor-
mación en nuestra manera de percibir la realidad. Cuando el observador interactúa
con la obra participando de ella, se establece un vínculo entre artista, espectador y
pieza. Experimentar el instante es entonces, para el espectador, el resultado de reme-
morar el pasado -la concepción del artista y de sus propias experiencias- y de anticipar
10 En Las Meninas (1956) Velázquez se representa pintando a los reyes, cuya imagen se refleja en un
espejo en el fondo de la escena. Como espectadores, tenemos la sensación que Velázquez nos está
mirando. Nos sentimos observados porque nuestra visión de la escena es la misma que la que tienen
los reyes que están siendo retratados. Con este gesto Velázquez integra el espacio del espectador,
nuestra mirada, con el espacio representado, la mirada de los reyes.
Ángel del Campo Francés publicó en el año 1978 un tratado sobre este cuadro. Bajo el título de La
Magia de las Meninas (Madrid 1978). Según este académico de la Real Academia de Bellas Artes de
San Fernando, la solución al problema planteado por el cuadro obedece al empleo de seis espejos,
lo que explica la extraña posición en el espacio interior de la pintura, tanto de Velázquez como de la
Infanta, las meninas y los Reyes reflejados en el espejo, que, al contrario de lo que siempre se había
dicho, no eran los personajes dibujados sobre el lienzo que tiene ante sí Velázquez.
839
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referencias
Accolti, P. (1625). Lo inganno degl’occhi, prospettiva pratica. Firenze: Pietro Cec-
concelli.
Alhazén. (1572) Opticae Thesaurus: Alhazeni Ara¬bis Libri Septem nunc primum
editi, Eiusdem Liber de Crepusculis et Nubium Asensionibus. Item Vite¬llonis
Thuringopoloni Libri X. Eusebius Episcopius ed eredi di Nicolus Episcopius. Ba-
silea: Risner, F.
Descartes, R., & Quintás Alonso, G. (1981). Discurso del método, Dióptrica, Meteoros
y Geometría. Madrid: Ediciones Alfaguara.
Freud, S., Rodríguez González, M., & López Ballesteros y de Torres, L. (1999). El malestar
en la cultura. Madrid: Biblioteca Nueva. p. 32.
840
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Foucault, M. (2004). Esto no es una pipa: ensayo sobre Magritte [7a ed.]. Barcelo-
na: Anagrama.
Jay, M., & López Martín, F. (2007). Ojos abatidos: la denigración de la visión en el
pensamiento francés del siglo XX . Tres Cantos (Madrid): Akal.
Godard, J.L. (1966) Deux ou trois choses que je sais d’elle [película]. Francia: Les Films
du Carrosse / Argos Films / Anouchka Films / Parc Film.
Huyssen, A. (1996) After the Great Divide. Modernism, Mass Culture, Postmoder-
nism. Indianápolis: Indiana University Press.
Kircher, A. (1646). Ars Magna Lucis Et Umbrae. Roma: Sumptibus Hermani Scheus.
Le Breton, D. (2007). El sabor del mundo. Una antropología de los sentidos. Bue-
nos Aires: Nueva Visión.
Pániker, S. (1992). Filosofía y mística. Una lectura de los griegos. Barcelona: Anagrama.
Proust, M. (1981). En busca del tiempo perdido. Por el camino de Swann. Madrid:
Alianza Editorial.
841
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
O presente artigo tem como objetivo refletir sobre as fronteiras estabelecidas entre
a dança contemporânea e a arte-performance, tentando desconstruir essa barreira
e demonstrar quanto suas categorizações se assemelham umas às outras. Para tal,
foi selecionado um leque de obras que versam sobre a hibridização de linguagens
artísticas, nomeadamente: Signals (1970) do bailarino e coreógrafo Merce Cunnin-
gham, Floor of the Forest (1970) da coreógrafa Trisha Brown, Einstein on the Beach
(1976) do diretor e artista visual Robert Wilson, e Café Müller (1978) da coreógrafa
Pina Bausch. Tanto a dança quanto a arte-performance são artes efêmeras, de acor-
do com o sistema clássico, e são chamadas de artes do tempo comparadas as artes
do espaço: pintura, escultura e arquitetura. No mesmo sentido, este trabalho debru-
ça-se sobre o elemento efêmero presente em ambas as linguagens, e questiona a
desvalorização que estas possuem frente às artes do espaço, visto que a característi-
ca efêmera traz consigo uma carga de fragilidade enquanto obra de arte.
Palavras-chave: Artes do Espaço, Artes do tempo, Dança Contemporânea, Arte-
-Performance, Efêmero.
Abstract
This article aims to reflect on the boundaries established between contemporary
dance and performance art, trying to deconstruct this limit and demonstrate how
much its categorizations resemble one another. For that, a range of works on the
hybridization of artistic languages were selected: Signals (1970) by the dancer and
choreographer Merce Cunningham, Floor of the Forest (1970) by the choreogra-
pher Trisha Brown, Einstein on the Beach (1976) by the director and visual artist
Robert Wilson, and Café Müller (1978) by choreographer Pina Bausch. Both dance
1 Mariana Assunção Quintes dos Santos, mestranda do curso Criação Artística Contemporânea da
Universidade de Aveiro, bacharel em Dança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (BR) e ba-
charel em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (BR). Possui artigo publicado
através do III Encontro Brasileiro de Pesquisa em Cultura (2015) e do ENECULT (2016). Entre 2014
e 2016 foi avaliadora de projetos do Prêmio de Ações Locais da Secretaria Estadual de Cultura da
cidade do Rio de Janeiro.
2 José Pedro Barbosa Gonçalves de Bessa, M.A., Ph.D., Departamento de Comunicação e Arte, Uni-
versidade de Aveiro (PT), ID+ Research Institute for Design, Media and Culture.
842
5
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
and performance art are ephemeral arts, according to the classical system, and
are called the arts of time compared to the arts of space: painting, sculpture and
architecture. In the same direction, this work focuses on the ephemeral element
present in both languages, and questions the devaluation, the arts of time have
been suffering towards the space arts, since the ephemeral feature carries with it a
load of fragility as a work of art.
Keywords: Space Arts, Time Arts, Contemporary Dance, Performance Art, Ephemeral.
Introdução
A minha formação-base é em Dança. No entanto, optei por um mestrado de Criação
Artística Contemporânea que, caracterizando-se embora pela transdisciplinaridade,
tem como objetivos “desenvolver, aplicar e aumentar o conhecimento e reflexão para
as artes visuais”. A escolha por esse curso se deu pela sua forte componente prática
e, ao mesmo tempo, não focado em dança com o intuito de abrir meus horizontes
e desenvolver meu conhecimento acerca da arte contemporânea em geral. Nesse
percurso deparei-me, porém, com inúmeras dificuldades. Procurei desenvolver um
trabalho que conjugasse dança com outras vertentes artísticas, tais como instalação
e arte-performance3, mas este nem sempre foi bem-sucedido, nomeadamente de-
vido a problemas técnicos. Senti então necessidade de efetuar uma reflexão sobre
meu entorno, sobre meus projetos correntes e futuros, bem como sobre a fronteira
entre duas áreas ou linguagens artísticas: dança e arte-performance. Conhecer me-
lhor aquilo que as separa e aquilo que têm em comum. Afinal, da mesma forma que
só conhecendo a nós mesmos conseguiremos superar-nos, também só conhecendo
os limites e diferenças entre disciplinas poderemos transcendê-los, alcançando uma
verdadeira transdisciplinaridade.
Dança e artes performativas são artes do efêmero. Artes do tempo, como eram cha-
madas por oposição às artes do espaço - pintura, escultura e arquitetura - nos sistemas
clássicos (Huisman,1984, p. 113). Por serem linguagens efêmeras, acabam por nem
sempre ter a mesma valorização que as tradicionais artes do espaço, como a pintura e
as artes plásticas, possuem. Acresce o fato de a dança possuir também menor espaço
de reflexão crítica ou, pelo menos, este se encontrar menos mediatizado.
3 tradução do inglês performance art, em uso desde 1971 segundo o Online Etymology Dictionary
https://www.etymonline.com/word/performance#etymonline_v_30332
843
6
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Sou bailarina há mais de vinte anos e percebo, às vezes, que a dança é desvalorizada
enquanto prática artística. Talvez pelo fato de que a ação de dançar seja comum e
uma forma de manifestação cultural popular em qualquer sociedade, mas acredito
que isso aconteça mais pelo nosso processo de criação ser tão diferenciado do de
outras artes. Na dança recorremos principalmente ao corpo e ao movimento para
investigar e criar, e não possuímos um guião claro e escrito do que acontecerá em
cena - ao contrário do que sucede no teatro (onde a peça ou texto dramático de um
Shakespeare possui um valor literário intrínseco, suficiente para que este seja reco-
nhecido como o maior autor da língua inglesa de todos os tempos), ou no cinema
ou na música (partitura). Tão pouco, nossa performance em palco resulta numa obra
concreta, num objeto físico de que o público possa disfrutar, mas também levar para
casa ou revisitar quantas vezes queira no espaço de um museu.
Proponho assim uma nova reflexão acerca do efêmero em arte, a fim de contribuir
para o reconhecimento da dança enquanto prática artística. Como metodologia, re-
correu-se à revisão bibliográfica para contextualização e definição de termos a se-
rem utilizados e discutidos. Foi ainda realizado um estudo de artistas reconhecidos
no meio, para melhor exemplificação e análise.
844
7
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A performance pode, portanto, “ser definida como uma arte na qual o artista é o pro-
tagonista de sua obra, a obra em si” (Ciotti, 2011, p. 29). Entretanto, segundo Goldberg,
devido à sua natureza, a performance dificulta uma definição fácil ou exacta que transcenda a
simples afirmação de que se trata de uma arte feita ao vivo pelos artistas. Qualquer definição
mais rígida negaria de imediato a própria possibilidade da performance. (Goldberg, 2012, p. 10)
Na mesma linha de pensamento, também Fabião (2011, p.191) alega que qualquer
tentativa de definir arte-performance, é um “falso problema”, pois acredita que seja
indefinível. E aponta como características gerais:
Autonomous movement of the body opened new potentials of human experience and rela-
tionships (...) They provided the possibility of a new aesthetic experience, because of their intrinsic
relationship between movement and freedom, which was presupposed in almost every attempt
at movement reform. (Kunst, 2011, p.49)
Rudolf von Laban (1879 –1958), considerado o pai do expressionismo e uma das
principais figuras da dança moderna, nem mesmo parte já do estudo da dança, mas
daquilo a que chamava “arte do movimento”. Ele começa por estudar os movimen-
tos das pessoas e acaba por estabelecer oito ações básicas do movimento4 e assim
4 Laban (1978) definiu oito ações básicas do movimento: socar, chicotear, pontuar, sacudir, pressio-
845
8
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
reformula a base do entendimento do que era conhecido como dança, com passos e
técnicas pré-estabelecidas, principalmente no ballet clássico. Uma de suas maiores
contribuições foi ter criado a Kinetographie Laban, ou notação Laban, uma espécie
de partitura para a dança que hoje continua sendo um dos principais sistemas de
notação de movimento utilizados. Talvez tenha sido a primeira vez que a dança ga-
nhou um objeto físico para chamar de seu.
Mas também na área da dança, Jussara Setenta (2011, p.192) acredita que esta fun-
ciona como “uma espécie de fala do corpo”. E assim como acontece com o ato de
falar propriamente dito, também o corpo busca formas diferentes de falar. Setenta
define essa modalidade de fala como um “fazer-dizer”, construído no e pelo corpo.
Desse modo, podemos, prolongando a analogia, considerar a coreografia como sen-
do a “fala” da dança, enquanto as diferentes maneiras de se falar seriam os passos.
Pensar ambas, dança e performance, como um fazer que é dizer e, onde, dança, performance e
política coexistam aciona outros modos de agir artisticamente, capazes de discutir, com o seu
fazer, qual o ‘lugar’ destas ações artísticas na sociedade atual. (...) No campo da dança, um enco-
lhimento crítico reflexivo o destaca do campo da performance. Por conta disso, existem ênfases
em discussão para o fazer-dizer da dança. Entretanto, as questões e considerações em movimento
transbordam o campo da dança e borram-se nas observações em performance.” (ibid., p. 191-192).
nar, torcer, deslizar e flutuar. Denominou-as como qualidades do movimento e estipulou para cada
uma delas um conjunto de modalidades do movimento (peso, tempo e espaço). Assim, a ação socar
se caracteriza por ser com peso forte, tempo rápido e espaço direto, já a ação flutuar é com peso
leve, tempo lento e espaço indireto, essas duas ações compõem ações com características opostas e
as outras seis ações são diferentes combinações das modalidades a partir de socar e flutuar: pontuar
(leve, rápido e direto), torcer (forte, lento e indireto), pressionar (forte, lento e direto), sacudir (leve,
rápido e indireto), chicotear (forte, rápido e indireto) e deslizar (leve, lento e direto).
846
9
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Robert Wilson, encenador norte-americano, trouxe para a cena artística a obra Eins-
tein on the Beach (1976), considerada uma das mais importantes produções do sécu-
lo XX na área da música e artes do palco. Com texto e música de Phillip Glass, essa
peça é composta por dança, teatro e música, podendo ser considerada uma ópera,
mas que foge dos padrões tradicionais, como por exemplo, não possuir uma narrati-
va. De acordo com Robert Wilson, o espectador não precisa entender nada, pode se
perder. Com duração aproximada de cinco horas sem intervalos, o público poderia
se sentir livre para sair e voltar quando quisesse. “Einstein on the Beach was revo-
lutionary when first performed and is now considered one of the most remarkable
performance works of our time.” (Wilson, para. 3)
847
10
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
La musica non è da essere chiamata altro, che sorella della pittura…ma la pittura eceelle e sig-
noreggia la musica, perch’ essa non more imediate dopo la sua creatione, come fa la sventurata
musica, anzi resta in essere e ti si dimostra in vita quel, che in fatto è una sola superfitie... 5
Leonardo da Vinci, Trattato della pittura, 29.
Porém, como dito anteriormente, não é somente através do corpo que a arte-per-
formance e a dança se assemelham. Ambas são artes [manifestações] efêmeras, pois
não apresentam um objeto físico, concreto como produto final da prática artística,
como acontece nas artes plásticas, por exemplo. A frase de Leonardo da Vinci, citada
em epígrafe, é ilustrativa de uma tendência que vem pelo menos desde o Renasci-
mento em valorizar as “artes do desenho”, i.e. pintura, escultura e arquitetura6, ou
artes do espaço, em relação às artes do tempo: teatro, música e dança.
5 Tradução livre: “A Música não pode ser melhor definida do que como irmã da Pintura (…) mas a
Pintura supera e ultrapassa a Música, uma vez que não morre imediatamente após a sua criação,
como acontece com a sua desafortunada irmã; pelo contrário, ela permanece em existência e assim
se nos mostra como algo vivo , embora de facto esteja confinada a uma superfície.”
6 A expressão é de Giorgio Vasari, autor das Vidas dos mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquite-
tos (Florença, 1550; 2.ª ed. alargada 1568), unanimemente consideradas como o modelo fundador
da história de arte.
848
11
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A primeira serve-se de ‘figuras e cores no espaço’, a segunda, de ‘sons articulados no tempo’. O âmbito
próprio do poeta é a ‘sucessão temporal’, enquanto o do pintor é o espaço… A pintura pode apenas
sugerir as acções através da atitude dois corpos, devendo por isso tratar de escolher o momento mais
significativo, enquanto a poesia pode representar os corpos, mas só através das acções: as descrições
resultam débeis e pouco eficazes em poesia, porque o poeta ‘pode mostrar os elementos da beleza
apenas um após outro’.
While the problem of space and its representation in [fine] art has occupied the attention of
art historians to an almost exaggerated degree, the corresponding problem of time and the
representation of movement has been strangely neglected. (Gombrich, 1964, p. 293).
7 Hegel, por exemplo, tendia a excluir a poesia das artes temporais, criando-lhe um espaço próprio,
distinto quer das artes do espaço quer da música; outros autores propunham introduzir no sistema
uma categoria de artes espácio-temporais que incluísse teatro, dança e eventualmente arquitetura
(Carchia e D’Angelo, 2003, p.40).
849
12
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
De acordo com a teoria clássica, um pintor antes de pintar, observa o espaço e esco-
lhe um determinado momento para passar o que acabou de presenciar para a tela.
Mas não pode ser qualquer momento, a escolha certa é crucial para o trabalho. O
pintor deve pintar um momento em que quem olhe para a tela consiga imaginar o
que se passou antes e o que se passou depois, e, assim, perpetuar a ação pela sua
pintura e “claramente não deve ser um momento feio” (ibid., p. 295). Para representar
o movimento, ou a sucessão no tempo, a única solução será combinar dois momen-
tos como “acontecendo num mesmo e único instante” (ibid., p. 294), i.e. representá-
-los numa única imagem.
Thus the artist was driven in the interest of truth to concentrate more and more on the task of
giving, in Constable’s words, ‘One brief moment caught from fleeting time a lasting and sober
existence’. These words were written in 1832. A few years later photography was invented. (Gom-
brich, 1964, p.295).
…we never see what the instantaneous photograph reveals, for we gather up sucessions of
movements, and never see static configurations as such. And as with reality, so with its repre-
sentation. The reading of a pictures again happens in time, in fact it needs a very long time.
(Gombrich, 1964, p.301)
Por que razão algumas imagens ou composições são entendidas como ‘estáticas’
e outras como instáveis ou ‘dinâmicas’? Por que razão, pergunta Gombrich (1964,
p.305), entre duas reproduções fotográficas do Discóbolo, de Miron (cópia romana
8 “A vida é breve, mas a arte é perene”; atribuído ao médico grego Hipócrates (Séneca, De
Brevitate Vitae, I).
850
13
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
O tempo está, pois, presente até mesmo na forma como vemos uma escultura ou
um quadro. Contudo, devido à sugestão de permanência, de eternidade que as artes
do espaço oferecem elas sempre encontraram acolhimento junto dos mecenas da
corte, da nobreza e da rica burguesia.
“Oh, maravilhosa ciência que consegue preservar a beleza transitória dos mortais
e dotá-la de uma permanência maior do que a das obras da Natureza – pois estas
últimas estão sujeitas à mudança contínua do tempo”, escreveu Leonardo da Vin-
ci referindo-se à pintura (Richter, 1980, p.197). Poderá parecer contraditório que o
mesmo Leonardo que, em Milão, organizou bailes de máscaras e efémeros festivais
de corte10 argumente depois acerca da superioridade da pintura. Mas a consciência
dessa fraqueza congénita a todas as artes efémeras, desse “morrer imediatamente
após ter nascido” (Richter, 1980, p.197) é algo que se desenvolve muito lentamente
durante a Renascença.
Dado que a dança não produz artefatos que sobrevivam aos séculos (pinturas, de-
senhos, monumentos arquitetônicos), nem deixa para trás documentos escritos
9 Por exemplo na Ilíada (VI, 359) de Homero; cf. também Dante (Inferno, XV, 85).
10 Segundo Giorgio Vasari, Vidas dos mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquitetos (Florença, 1568).
851
14
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Tal como a tradicional pintura a óleo, também as origens do balé /dança clássica re-
montam às cortes do Renascimento italiano dos sécs. XV e XVI. Mestres de dança ensi-
navam os passos a uma clientela de sofisticados aristocratas e burgueses endinheira-
dos que a praticavam como forma de entretimento social e símbolo de estatuto. Estes
mestres ou professores de dança não eram considerados artistas no mesmo sentido
que os pintores e arquitetos que as cortes italianas já então disputavam entre si. O
seu estatuto social seria mais parecido com o dos mestres de esgrima ou dos músicos
profissionais (instrumentistas). Levada para França por Catarina de Médicis, essa dança
aristocrática, extremamente formalizada atingirá aí o seu desenvolvimento máximo.
Na segunda metade do séc.XVII, com a fundação da Académie Royale de Danse por
Luís XIV, surge então a primeira companhia de balé, na Ópera de Paris (Bourcier, 2006),
iniciando-se um lento processo de reconhecimento artístico.
Hoje somos capazes de compreender que “as artes plásticas comportam um tempo
igualmente tão essencial como as artes ditas do tempo… e as artes rítmicas são tão
espaciais como as artes ditas do espaço.” (Huisman, 1984, p. 113). No entanto, ainda
sentimos, por assim dizer, toda essa herança histórica de valorização das artes do es-
paço. Por ser bailarina, uma artista do corpo, percebo, muitas vezes, um descrédito
para com a dança por parte de outros artistas, e acredito ser pela efemeridade que ela
apresenta. Uma dança não tem como ser comprada e ser levada para casa, ela é feita
para ser apreciada, tem um início, um meio e um fim, assim como a arte-performance.
Foi somente a partir da documentação das artes do tempo, com a evolução dos
equipamentos audiovisuais, que as obras puderam fazer registos de suas apresen-
tações, demonstrando uma certa tangibilidade ao ideal do ars longa, vita brevis, da
arte perene. Entretanto, o registo de uma obra efêmera não subtrai toda a efemeri-
dade que ela apresenta, pois a filmagem por mais que mostre a obra do início ao fim
não capta a experiência sensorial de ver ao vivo (Rein, 2011; Miller, 1986).
Nas gravações de uma peça de teatro (Miller, 1986), bem como de uma ópera ou de
um bailado, o vídeo é feito e montado pelos olhos do cinegrafista e é o posiciona-
mento da câmera que definirá o que o espectador irá ver. Dessa forma, só será viável
assistir de um determinado ângulo (que, mesmo quando se altera, sempre perma-
nece fixo), sem possibilidade de perceber o ambiente amplamente e captar a reação
do público durante a performance dos artistas. Por mais que o registo de uma arte
do tempo seja feito, não há como alegar que esta deixa de ser efêmera, pois toda a
complexidade e experiência sensitiva que envolve a obra não estará na filmagem.
852
15
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Conclusão
Como já apontado anteriormente, o enaltecimento das artes do desenho/artes visu-
ais vem desde o Renascimento com grandes gênios artísticos conhecidos mundial-
mente. Entretanto, se pararmos para pensar, a dança enquanto arte só foi reconheci-
da na segunda metade do século XVII com o desenvolvimento do que conhecemos
hoje como balé clássico, numa altura em que as tradicionais pintura, escultura e ar-
quitetura já eram consagradas.
Nesse sentido, foi visto que tanto a dança contemporânea como a arte-performance
são categorizadas como linguagens artísticas sem técnicas definidas, que trabalham
com a transdisciplinaridade, que são obras livres e que abordam frequentemente o
conceito de corpo enquanto protagonista da obra. A partir dos exemplos de Merce
Cunningham, Pina Bausch, Robert Wilson, Trisha Brown, percebe-se que a fronteira
do que é dança contemporânea, arte-performance ou outra linguagem é obscura e
impossível de definir.
Sendo assim, percebe-se que mesmo com toda a trajetória de progresso e busca
pela valorização das artes do corpo, muito ainda precisa ser feito e estudado para
que todas as manifestações artísticas se igualem umas às outras. E, talvez, um dos
primeiros passos para isso acontecer seja o estudo acerca dessas questões e a inicia-
tiva de trazer a arte, a arte-performance e a dança contemporânea para dentro da
Academia, fornecendo-lhes um estatuto que ainda estão longe de possuir.
Referências
Aristóteles. (1992), Poética (trad. Eudoro de Sousa) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa
da Moeda, 3.ª ed.
853
16
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Castiglione, B. (1987 [1528]), The Book of the Courtier (trad. Georges Bull), Har-
mondsworth: Penguin Books.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001 (ver-
são Intranet), disponível em: http://houaiss.web.ua.pt/cgi-bin/houaissnetb.dll/frame
Holanda, F. (1983 [1548]), Da Pintura Antiga, Lisboa: Imprensa Nacional -Casa da Moeda.
Kunst, B. (2011), “Dance and Work: The Aesthetic and Political Potential of Dance”, in
Klein, G., Noeth, S., The Performance of Worldmaking in Dance and Choreogra-
phy, Bielefeld: Transcript Verlag, pp. 47-59.
854
17
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Rein, A. (2011), “Flee(t)ing Dances! Initiatives for the Preservation and Communica-
tion of Intangible World Heritage in Museums” in Klein, G., Noeth, S., The Perfor-
mance of Worldmaking in Dance and Choreography, Bielefeld: Transcript Verlag.
Richter, I. A. (ed.) (1980), The Notebooks of Leonardo da Vinci, Oxford: Oxford Uni-
versity Press
Robert Wilson & Philip Glass’s Einstein on the Beach. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=DOnNJgTZlYo
855
18
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Monique Aguiar1
Resumo
Partindo das considerações de Paglia (2014) e Santaella (2005) a respeito o pro-
gressivo esfumaçamento das fronteiras entre arte e indústria cultural ao longo
das últimas décadas, e das provocações de Machado (2002) sobre os limites do
que podemos ou não considerar media arts, o presente artigo se propõe a dis-
cutir o fenômeno da “televisão de arte” e as possibilidades de criação artística no
interior dos grandes conglomerados de mídia. Para isso, retomaremos ainda as
teorias frankfurtianas, observando seu papel da conformação desta dicotomia,
e refletiremos sobre a necessidade de repensar os limites da arte diante do pos-
sível início de uma nova era (DANTO, 2006; BELTING, 2006).
Palavras-chave: media arts, indústria cultural, séries televisivas
Abstract
Based on the considerations of Paglia (2014) and Santaella (2005) about the pro-
gressive blurring of the boundaries between art and culture industry over the last
decades, and Machado’s (2002) provocations about the limits of what we can and
cannot consider media arts, this article aims to discuss the phenomenon of “art tele-
vision” and the possibilities of artistic creation within major media conglomerates.
To this end, we will also resume the Frankfurtian theories, observing its role in shap-
ing this dichotomy, and reflect on the need to rethink the limits of art in the face of
the possible beginning of a new era (DANTO, 2006; BELTING, 2006).
Keywords: media arts, culture industry, television series
1 Doutoranda em regime de cotutela em Artes Visuais - História e Teoria da Arte pelo PPGAV/UFBA
e em Arts & Médias pela Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3. Pesquisa as relações entre arte e
mídia, pós-arte, teoria da arte, narrativas seriadas televisivas, recepção e crítica de arte. O presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Contato: monique.jrn@gmail.com / monique.
carneiro-aguiar@sorbonne-nouvelle.fr
856
19
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
O surgimento das mídias massivas entre o final do século XIX e início do século XX foi
um fator decisivo na conformação da produção cultural das sociedades modernas.
Os novos aparelhos semióticos, como as câmeras fotográficas e de vídeo e posterior-
mente as tecnologias digitais, ampliaram as linguagens artísticas disponíveis, altera-
ram o alcance e a relação entre obra e público e fizeram emergir novos modelos eco-
nômicos e relações produtivas, provocando uma transformação sem precedentes
no modo como produzimos imagens e narrativas. Assim, o uso de novas mídias na
produção artística é um tema que têm obtido um crescente destaque nas discussões
recentes das histórias e teorias da arte.
Ao conjunto de produções artísticas que se utiliza destas (já não tão) novas mídias
demos o nome de media art. Entre suas vertentes mais conhecidas estão a videoarte
e a arte digital, mas em geral usa-se este como um termo guarda-chuva para tratar
de toda produção artística que utiliza as tecnologias surgidas a partir da moderni-
dade, ou de ao menos quase toda ela. A uma parte das novas obras, as produções
criativas massivas, como o cinema ou as ficções televisivas, geralmente desenvolvi-
das no seio de grandes corporações e conglomerados de mídia, foi dado um outro
nome: Indústria Cultural. Tomadas como mercadorias culturais, subvertidas por seu
propósito comercial, estas obras foram segregadas do mundo da arte, encontrando
abrigo nos estudos da comunicação.
857
20
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Uma das primeiras interpretações levantadas a respeito destas novas produções fic-
cionais propunha que, devido ao seu caráter inovador, elas teriam um nível de qua-
lidade superior ao das demais produções. Pouco após o lançamento de Hill Street
Blues (1981), ainda em 1984, o British Film Institute já publicava o livro MTM: Quality
television, dando a estas produções o controverso rótulo de “televisão de qualidade”.
No entanto, como destaca o próprio R.J. Thompson (1977), não demorou até que
surgissem críticas a respeito desta proposta interpretativa, que passou a ser aponta-
da como demasiadamente subjetiva e imprecisa: “Apesar de ter sido utilizado origi-
nalmente apenas para descrever shows extraordinariamente bons, a “qualidade” em
“televisão de qualidade” passou a se referir mais a um estilo genérico do que a um
julgamento estético”3 (1997, p13):
3 Tradução nossa, no original: “Though it may have originally been used just to describe unusually
good shows, the “quality” in “quality TV” has come to refer more to a generic style than to an aesthetic
judgment”.
858
21
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Televisão de Qualidade é melhor definida por aquilo que não é. Ela não é a televisão regular. O pior
insulto que você poderia dar a Barney Rosenzweig, o produtor executivo de Cagney & Lacey, era dizer
a ele que seu trabalho era “muito televisão”. Twin Peaks foi elogiada universalmente por críticos por ser
“diferente de tudo que nós já vimos na televisão”. Em um meio por muito tempo considerado sem arte,
a única televisão artística é aquela que é diferente de todo resto. Televisão de qualidade rompe com as
regras. Ela pode fazer isso transformando um gênero tradicional, como Hill Street Blues, St. Elsewhere e
Moonlighting fizeram com o show policial, o show médico e o show detetivesco, respectivamente. Ou
ela pode desafiar parâmetros genéricos padronizados e definir um novo território narrativo até então
inexplorado pela televisão, como fizeram Thirty-something e Twin Peaks4 (R.J. THOMPSON, 1997, p.13)
Mais recentemente, uma outra discussão, tomando a análise dos arcos narrativos
como principal (mas não único) critério de análise, têm se apresentado. O pesqui-
sador americano Jason Mittel propôs agrupar algumas séries ficcionais sob o termo
complex television (MITTEL, 2015). Para ele, estas produções se distinguiriam prin-
cipalmente por suas narrativas altamente elaboradas - não apenas em termos de
mistério, mas também de mecanismos narrativos - assim como por um investimento
formal e estilístico. Twin Peaks (1991) e The Sopranos (1999) seriam exemplos destas
narrativas complexas. (MITTEL, 2015; MCCABE, 2007).
4 Tradução nossa, no original: “Quality TV is best defined by what it is not. It is not “regular”TV. The worst
insult you could give to Barney Rosenzweig, the executive producer of Cagney & Lacey, was to tell him
that this work was “too TV”. Twin Peaks was universally praised by critics for being “unlike anything we’d
ever seen on television”. In a medium long considered artless, the only artful TV is that which isn’t like
all the rest of it. Quality TV breaks rules. It may do this by taking a traditional genre and transforming
it, as Hill Street Blues, St. Elsewhere, and Moonlighting did to the cop show, the doctor show, and the
detective show, respectively. Or it may defy standard generic parameters and define new narrative
territory heretofore unexplored by television, as did thirty-something and Twin Peaks.
5 Seguindo a descrição proposta por Kristin Thompson (2002), entendemos aqui cinema de arte como
obras cinematográficas que estariam entre o cinema mainstream e o totalmente experimental.
859
22
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Com sua controversa provocação o teórico pretende, não que tomemos estas obras
por semelhantes nem que necessariamente vejamos The Loft como arte, mas sim
abrir caminho para uma discussão bastante interessante: se a diferença entre a arte
contemporânea e a produção midiática já não pode ser encontrada nos aspectos
formais, na dignidade do tema ou do objeto representado ou mesmo mérito do ar-
tista, quais critérios estamos utilizando para dizer que cada uma destas obras é ou
não arte? Para o francês, se por um lado os diversos rompimentos ocorridos na pro-
dução artística ao longo do século XX podem ter levado a uma aproximação formal
entre os dois universos produtivos, o meio em que estas obras são produzidas pode
ter se tornado um fator preponderante para a sua separação. Deste modo, algumas
obras da indústria cultural, como as produções televisivas, independentemente de
seus aspectos formais, teriam, por vezes, algum possível aspecto artístico de ante-
mão descartado justamente por estarem imersas em um meio massivo comercial.
Refletir sobre a superação destas fronteiras, contudo, significa também refletir sobre
a superação de determinados mitos em relação à produção cultural massiva. Isto
posto, uma chave importante para compreendermos melhor o nosso problema está
justamente no conceito de Indústria Cultural.
860
23
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Embora as críticas apontadas por estes e pelos demais teóricos da Escola de Frank-
furt, constituam ainda boa parte da base do pensamento sobre a produção das
mídias massivas - e que consideremos parte delas válidas e importantes para com-
preender determinados aspectos deste fenômeno - há ao menos duas ou três con-
siderações que podem ser feitas sobre estas proposições.
A segunda é que os fatores utilizados por eles para contrapor arte e indústria - ino-
vação x estandardização, crítica x conformismo, autonomia x comerciabilidade - fun-
cionam com relativo êxito se observamos os valores românticos abraçados pela arte
moderna, mas apresentariam problemas se a comparação passasse a ser com a pro-
dução artística de séculos anteriores. Como bem lembra Antonio Candido (1988), o
romantismo vai surgir junto com as grandes revoluções sociais e políticas do século
XVIII, como um desdobramento nas artes das grandes rupturas ocorridas no terreno
histórico. É neste momento que a produção artística se descola da obediência a
regras unificadoras, passando a tornar a si própria como finalidade e a buscar em
si mesma os seus princípios norteadores. Para o pensador brasileiro, o romantismo
não apenas serviu de base para o modernismo, como se perpetua até a contempo-
raneidade através da permanência de seus valores. Guardando aqui, obviamente, as
devidas proporções, um olhar voltado à produção artística anterior ao século XIX,
nos revela uma arte aderente a escolas e movimentos - tendências de estilo da épo-
ca -, submissa ao desejos e a aprovação da igreja e dos patronos e com um papel im-
portante na manutenção do status quo. Isso, sem nos alongarmos para as inúmeras
discussões a respeito das relações entre a arte contemporânea e o mercado de arte.
861
24
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
O novo não é o caráter mercantil da obra de arte, mas o fato de que, hoje, ele se declara deliberada-
mente como tal, e é o fato de que a arte renega a sua própria autonomia, incluindo-se orgulhosa-
mente entre os bens de consumo, que lhe confere o encanto da novidade. A arte como um domínio
separado só foi possível, em todos os tempos, como arte burguesa. Até mesmo sua liberdade, enten-
dida como negação da finalidade social, tal como esta se impõe , permanece essencialmente ligada
ao pressuposto da economia de mercado. As puras obras de arte, que negam o caráter mercantil da
sociedade pelo simples fato de seguirem a sua própria lei, sempre foram ao mesmo tempo mercado-
rias: até o século dezoito, a proteção dos patronos preservava os artistas do mercado, mas, em com-
pensação, eles ficavam nesta mesma medida submetidos a seus patronos e aos objetivos destes. A
falta de finalidade da grande obra de arte moderna vive no anonimato do mercado. As demandas do
mercado passam por tantas mediações que o artista escapa a exigências determinadas, mas em certa
medida apenas, é verdade, pois ao longo de toda a história burguesa esteve sempre associado à sua
autonomia, enquanto autonomia meramente tolerada, um aspecto de inverdade que acabou por se
desenvolver no sentido de uma liquidação social da arte. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 147)
Por fim, ver estes produtos apenas como uma espécie de armadilha sensível, capaz
de sequestrar o esquematismo de sua audiência, seria considerar o espectador uma
862
25
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Eles estão, na verdade, ultrapassando os limites das máquinas semióticas e reinventando radical-
mente os seus programas e as suas finalidades. O que faz, portanto, um verdadeiro criador, em
vez de simplesmente submeter-se às determinações da máquina ou do programa que ele utiliza,
é manejá-los no sentido contrário ao de sua produtividade programada (MACHADO, 2002, p.23)
Entretanto, sabemos que arte é um processo em permanente mutação. Arte era uma coisa para os
arquitetos egípcios, outra para os calígrafos chineses, outra para os pintores bizantinos, outra para
os músicos barrocos e outra para os cineastas russos do período revolucionário. Nesse sentido,
não é preciso muito esforço para perceber que o mundo das mídias, com sua ruidosa irrupção no
863
26
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
século XX, tem afetado substancialmente o conceito e a prática da arte, transformando a criação
artística no interior da sociedade midiática numa discussão bastante complexa. Basta considerar
o fato de que, em meios despontados no século XX, como o cinema por exemplo, os produtos da
criação artística e da produção midiática não são mais tão fáceis de serem distinguidos com cla-
reza. Ainda hoje, em certos meios intelectuais, há uma controvérsia sobre se o cinema seria uma
arte ou um meio de comunicação de massa. Ora, ele é as duas coisas ao mesmo tempo, se não for
ainda outras mais (MACHADO, 2002, pp. 27-28)
Machado aponta então para a possibilidade de haver também um outro tipo de arte
post-media, essa ainda pouco discutida, uma arte nas mídias, produzida no interior
dos grandes conglomerados de mídia. Para Arlindo, apesar das restrições impostas
por este sistema produtivo os artistas nele inseridos conseguem encontrar brechas,
por onde propõem e criam alternativas. Assim, apesar de utilizarem a linguagem e
os instrumentos desenvolvidos por e para a indústria de entretenimento de massas,
e de serem financiados por ela, esses criadores conseguiriam produzir obras que
tensionam suas imposições:
864
27
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
O devir da arte
Antes de encerrar sua reflexão sobre as aproximações e distinções entre arte e mídia
Machado (2002), retomando Benjamin, nos lembra que, a tomada destas obras en-
quanto artísticas traz consigo uma questão ainda mais complexa, que é o tensiona-
mento da própria noção de arte:
Talvez possamos com proveito aplicar à arte produzida na era das mídias o mesmo raciocínio que
Walter Benjamin (1969: 72) aplicou à fotografia e ao cinema: o problema não é saber se ainda po-
demos considerar “artísticos” objetos e eventos tais como um programa de televisão, uma história
em quadrinhos, ou um show de uma banda de rock. O que importa é perceber que a existência
mesma desses produtos, a sua proliferação e a sua implantação na vida social colocam em crise
os conceitos tradicionais e anteriores sobre o fenômeno artístico, exigindo formulações mais ade-
quadas à nova sensibilidade que agora emerge (…) Com as formas tradicionais de arte entrando
em fase de esgotamento, a confluência da arte com a mídia representa um campo de possibilida-
des e de energia criativa que poderá resultar proximamente num salto no conceito e na prática
tanto da arte quanto da mídia, se houver, é claro, inteligências e sensibilidades suficientes para
extrair frutos dessa nova situação. (MACHADO, 2002, pp. 29-30)
Em sua Teoria Estética (2013) o próprio Adorno faz uma ressalva a respeito da im-
possibilidade de pensarmos em uma identidade perene para a arte. Para o autor
uma determinada ideia sobre o que é arte é formulada a cada época, de modo que,
um objeto que não foi tido como arte em um determinado período pode vir a sê-lo
no seguinte. Dialogando com Nietzsche, Adorno propõe uma estética materialista
dialética, na qual pode verdadeiramente ser arte mesmo o que foi sujeito de devir:
A tentativa de subsumir ontologicamente a gênese histórica da arte num motivo supremo ex-
traviar-se-ia necessariamente em algo tão discordante que à teoria apenas restaria o ponto de
vista, sem dúvida importante, segundo o qual as artes não podem classificar-se em nenhuma
identidade ininterrupta da arte. (…) A definição do que é a arte é sempre dada precisamente
pelo que ela foi outrora, mas apenas é legitimada por aquilo em que se tornou, aberta ao que
pretende ser e àquilo em que poderá talvez tornar-se. Enquanto é preciso manter a sua diferença
em relação à simples empiria, ela modifica-se em si qualitativamente. Muitas obras, por exemplo,
representações culturais, metamorfoseiam-se em arte ao longo da história, quando o não tinham
sido; e muitas obras de arte deixaram de o ser. (ADORNO, 2013, p.374)
865
28
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Não que aquelas imagens deixassem de ser arte em um sentido amplo, mas serem arte não fazia
parte de sua produção, uma vez que o conceito de arte ainda não havia surgido de fato na consci-
ência geral, e essas imagens - ícones, realmente - desempenhavam na vida das pessoas um papel
bem diferente daquele que as obras de arte vieram a ter quando o conceito finalmente emergiu
e alguma coisa como considerações estéticas começaram a governar nossas relações com elas.
(DANTO, 2006, p.4)
Para Danto (2006), esta era da arte que se inicia no renascimento - caracterizada
pela elaboração e partilha de um determinado entendimento e uso do termo arte
- perduraria até meados de 1964. Após esta época, a arte contemporânea teria rom-
pido com uma série de paradigmas em relação a produção e ao entendimento da
arte, dando origem a uma etapa nova, multifacetada e ainda pouco compreendida.
Assim, estaríamos, possivelmente, diante do fim de uma determinada era da arte.
O sentido das artes eletrônicas adquire rumos completamente diferentes se contarmos a sua his-
tória a partir de Paik e Vostell, que vêm do circuito sofisticado e erudito dos museus e galerias de
arte, ou a partir de Kovacs e Averty, que despon-tam da experiência da cultura popular “eletrifi-
cada” e ampliada pelas tecnologias eletrônicas. É a mesma tensão que existe entre Eisenstein e
Chaplin no cinema, ou entre Stockhausen e Theremin na música eletrônica. Tradicionalmente,
a história da arte contemporânea é contada a partir apenas da primeira perspectiva, ignorando
quase completamente a segunda, mas uma artemídia conseqüente tem de ser capaz de encon-
trar o ponto de fusão das duas principais perspectivas. (MACHADO, 2002, pp. 30-31)
Como o fim de uma era não é, de modo algum, o fim da arte, apenas sua transmu-
tação e, o consequente início de outra era, atualizar os critérios e os métodos com
os quais temos elaborado nossos julgamentos a respeito das produções contem-
porâneas se mostra uma necessidade premente. Se ampliamos nosso olhar para
além dos espaços expositivos tradicionais e incluirmos nos termos de nossa ava-
liação não apenas uma arte com as mídias, mas também uma arte nas mídias, mais
866
29
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Referências
ADORNO, Theodor W. Teoria Estética (2013). In: O belo autônomo: textos clássicos
de estética (pp. 371-390). Belo Horizonte: Autêntica.
CANDIDO, Antonio (1988). Panorama da Literatura Brasileira no Século XX. In: Sim-
pósio Brasil Século XXI – Cultura, Produção, Representação simbólica da So-
ciedade. São Paulo, Unicamp. Recuperado em 28 de agosto, 2019, de https://www.
rtv.unicamp.br/?video_listing=brasil-seculo-xxi-cultura-producao-representacao-
-simbolica-da-sociedade-palestra-de-antonio-candido-07-11-1988-arquivo-rtv-uni-
camp
BELTING, Hans (2006). O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São
Paulo: Cosac Naify.
BELTING, Hans (1994). Likeness and Presence: A History of the Image before the
Era of Art. Chicago: University of Chicago Press.
DUARTE, Rodrigo (2013). O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Ho-
rizonte: Autêntica.
JAUSS, Hans Robert (1979). Estética da recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luiz Cos-
ta. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
JOST, François (2016). Mídia ou Arte? Uma questão de ponto de vista. Parágrafo:
Revista Científica de Comunicação Social da FIAM-FAAM, v. 4 (1), 62-70.
JOST, François (2002). La télévision entre «grand art» et «pop art». In: DELAVAUD
G.(éd.), Télévision: la part de l’art, Paris, L’Harmattan.
MACHADO, Arlindo (2002). Arte e mídia: aproximações e distinções. Galáxia, v. 2 (4), 19-32.
867
30
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
MCCABE, Janet & AKASS, Kim (2007). Quality TV: Contemporary American televi-
sion and beyond. New York, NY: IB Tauris.
THOMPSON, Kristin (2003). Storytelling in film and television. Harvard University Press.
THOMPSON, Robert J (1997). Television’s second golden age: from Hill Street
Blues to ER. Syracuse: Syracuse University Press.
868
31
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
Este artigo propõe uma análise dos dois primeiros cantos do épico O Guesa,
com foco nos seus protocolos linguísticos e na relação que os mesmos assu-
mem na articulação das tessituras temporais do poema. O Guesa, épico compos-
to por doze cantos, foi escrito entre os anos 50 e 80 do século XIX por Joaquim
de Sousa Andrade, o Sousândrade. Work in progress, nele assistimos ao périplo
transamericano do personagem Guesa, entremeado por suas rememorações e
relembranças. Para efetuar a leitura dos dois primeiros cantos da epopeia, nos
aproximamos das imagens psíquicas de Achille Mbembe. Segundo o filósofo ca-
maronês, os entrelaçamentos destas imagens psíquicas que compõem as cons-
truções narrativas nos fazem adentrar no campo do simbólico, no jogo de seus
símbolos e de sua circulação. Para Mbembe, esta construção não envolve ape-
nas um trabalho psíquico, mas opera uma crítica do tempo e dos artefatos que
pretendem ser os substitutos últimos da própria substância do tempo. Sendo
assim, mais do que analisar o poema pela contemporaneidade que o mesmo
mantém com o seu tempo, o nosso foco recairá na multiplicidade de linhas de
temporalidade presente na epopeia. A questão a ser testada aqui é ver se o poe-
ma O Guesa opera, por meio de seus versos, uma crítica do tempo.
Palavras-chave: História, O Guesa, Crítica do tempo.
Abstract
This article proposes an analysis of the first two corners of the epic O Guesa, focus-
ing on its linguistic protocols and the relation they assume in the articulation of
the temporal textures of the poem. O Guesa, epic composed of twelve songs, was
written between the 50s and 80s of the nineteenth century by Joaquim de Sousa
Andrade, the Sousândrade. Work in progress, in him we see the trans-American jour-
ney of the character Guesa, interspersed by his remembrances. To read the first two
corners of the epic, we approach the psychic images of Achille Mbembe. According
to the Cameroonian philosopher, the entanglements of these psychic images that
make up the narrative constructions take us into the field of the symbolic, the play of
869
32
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
its symbols and its circulation. For Mbembe, this construction does not involve only
a psychic work, but operates a critique of time and artifacts which claim to be the
ultimate substitutes for the very substance of time. Thus, rather than analyzing the
poem for the contemporaneity that it maintains with its time, our focus will fall on
the multiplicity of lines of temporality present in the epic. The question to be tested
here is to see if the poem O Guesa de Sousândrade operates, through its verses, a
critique of time.
Key words: History, O Guesa, Criticism of time.
O Guesa, épico composto por doze cantos, foi escrito entre os anos 50 e 80 do século
XIX por Joaquim de Sousa Andrade, o Sousândrade. Work in progress, nele assistimos
ao périplo transamericano do personagem Guesa, entremeado por suas rememo-
rações e relembranças. Epopeia construída em torno da memória vivencial, de tom
confessional, nessa viagem do retorno, da redenção da América e do Brasil, somos
alimentados com referências históricas e geográficas as quais, mescladas às refle-
xões e reminiscências do personagem/poeta, assumem uma função de vidência, de
cintilações do real. A América/Brasil é revestida assim por um mistério fundamental,
consequência da associação de coisas veladas e manifestas, num estado que tem de
modo simultâneo algo de recapitulação e emergência (MBEMBE, 2018).
O Guesa, figura mítica dos antigos muíscas da Colômbia, era um menino destinado à
peregrinação e ao sacrifício em honra ao deus sol, Bochica. Para isso, deveria atraves-
sar um caminho planejado pelo deus, o “suna”, até os quinze anos de idade, quando,
preso a uma coluna, em praça circular, deveria ser imolado pelos sacerdotes, “xe-
ques”, para ter o sangue armazenado em vasos sagrados e o coração oferecido ao
deus Bochica.2 Mesclado à persona do poeta maranhense e ao seu próprio itinerário
de viagem e de vida, o índio peregrino encarna no poema a figura do exilado, aquele
que, introduzido numa temporalidade do entre-lugar, abre a possibilidade do exer-
cício de um descentramento crítico e de um redimensionamento da história.
Neste trabalho, proponho uma análise dos dois primeiros Cantos do épico, com foco
nos seus protocolos linguísticos e na relação que os mesmos assumem na articu-
lação das tessituras temporais do poema. Para efetuar tal leitura, me aproximo das
imagens psíquicas de Achille Mbembe. Segundo o filósofo camaronês, os entrelaça-
mentos destas imagens psíquicas que compõem as construções narrativas nos fa-
zem adentrar no campo do simbólico, no jogo de seus símbolos e de sua circulação.
2 2 As principais fontes utilizadas por Sousândrade a respeito do mito do Guesa foram os estudos de
Alexander von Humboldt reunidos em seu livro Vues de Cordillères (1810-13) e a seção “Colombie” da
enciclopédia L’Univers (1837), escrita por César Famin, ambos utilizados como epígrafe pelo poeta
maranhense antes do início da narrativa do poema.
870
33
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Para Mbembe, esta construção não envolve apenas um trabalho psíquico, mas opera
uma crítica do tempo e dos artefatos que pretendem ser os substitutos últimos da
própria substância do tempo.
Sendo assim, mais do que analisar o poema pela contemporaneidade que o mesmo
mantém com o seu tempo, o meu foco recairá na multiplicidade de linhas de tempo-
ralidade presente na epopeia “cuja capacidade de definir direcionamentos inéditos”
(RANCIÈRE, 2011, p. 49) constitui-se na condição principal do devir humano. A ques-
tão a ser testada aqui é ver se o poema O Guesa de Sousândrade opera, por meio de
seus versos, uma crítica do tempo.
1858
Visão celeste! angelica incarnada
Co’a nitente humidez d’hombros de leite, Onde encontra amor brando,
almo deleite, E da infância do tempo a hora foi náda!
871
34
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
872
35
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Seguem acima alguns trechos selecionados do início do Canto II da epopeia. Nos en-
contramos no rio Amazonas, em Tabatinga, no limiar da primeira descida ao inferno
do épico. A consciência temporal e histórica permanece, haja vista a evocação, logo
nas primeiras estrofes, dos termos “infância”, “origem” e “outro tempo”, seguidos pe-
los vocábulos “túmulos”, “tapera”, para citar alguns exemplos, e por versos que deno-
tam a passagem do tempo passado para o tempo presente. Cabe à voz subjetiva do
personagem fazer tal transição. Por meio deste movimento, somos situados diante
do caráter genocida do contexto de emergência de conquista da América.
A construção narrativa destes trechos não destoa muito dos versos do Canto I cita-
dos no início de nosso texto, fazendo-se presente o intercalar constante entre os re-
latos em primeira e terceira pessoa. Bem assim, a transição do plano do maravilhoso/
nostálgico para o histórico também se faz pela identificação do poeta/narrador com
o personagem Guesa, e, nesse ponto, gostaria de destacar o aparecimento, na voz
de ambos, do apelo à visão humana, introduzindo no poema um efeito de presença.
Num deles, inclusive, somos instados a ver, “vinde ver”, a transformação operada pela
ação dos colonizadores à beira do Amazonas.
3 3 O termo autópsia significa ver com os próprios olhos. Foi um recurso muito valorizado pelos
gregos, os quais concediam primazia ao sentido da visão como instrumento de conhecimento. Em
que pese sua utilização e valorização ser referida à Heródoto, para François Hartog, na Odisseia já é
possível notar o seu uso como, por exemplo, no episódio em que Ulisses está entre o feácios e escuta
do aedo Demódoco a narrativa de suas próprias ações. Para Hartog, ao verter lágrimas depois de ou-
vir a história de seus atos, Ulisses liga o aedo às musas e lhes concede autoridade, pois, se Demódoco
não era testemunha dos fatos narrados, Ulisses o era (2003).
873
36
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
tas e poetas entraram nessa disputa, apostando nessas fronteiras movediças entre
a história e a literatura e rivalizando com a circunscrição que os historiadores iam
estabelecendo para a prática historiográfica.
É o caso do romancista José de Alencar cujas obras O Guarani e Iracema, para citar al-
guns exemplos, recorriam a diversos recursos argumentativos, nomeadamente, no-
tas de rodapé, pressupostos históricos e pós-escritos, para dar às suas fábulas uma
base factual. Mas o romancista não parava por aí. Para Alencar, se não era possível
compor a intriga sem o socorro das fontes, a trama não consistia em simples dispo-
sição dos fatos, cabendo ao escritor de ficção, através do uso da imaginação, formar
imagens capazes de atrair a alma do leitor4. Para Francisco Régis Lopes Ramos:
Ao lado de outros romancistas, mas também ao seu modo, José de Alencar põe o romance para
funcionar na medida em que participa de acordos e conflitos na delimitação de fronteiras do co-
nhecimento, fazendo parte da convocação de características que seriam próprias da ficção. Uma
dessas características é exatamente fazer da sua criação literária um conhecimento legítimo sobre
o passado, seguindo recursos que foram se constituindo como uma espécie de tradição ou de
um incômodo recorrente do romance moderno na sua recusa da retórica antiga e na sua posição
crítica em busca de autoridade para narrar a existência de coletividades ou individualidades, ora
colocando-se ao lado da escrita da história, ora dizendo-se mais e melhor do que ela (2014, p. 17).
Para Luiz Costa Lima, sob essa controvérsia, subjaz uma luta interna entre razão e
imaginação. Por osmose recíproca, pretensão poetológica e aspiração histórica, al-
mejavam, através deste combate, a criação de verdadeiras unidades fundadoras de
sentido (1989). Sendo assim, de modo geral, enquanto o romance submetia-se à
realidade histórica, a história rendia-se à prescrição poética de criar ordenações in-
trínsecas e inteligíveis de todos os acontecimentos.
Temístocles Cezar vai afirmar que em meio à fundação e sedimentação da ideia mo-
derna de história no Brasil do século XIX havia uma rede de noções difusas que pre-
cisavam ser regradas ou negadas, tais como: presentismo, memória, biografia e poe-
sia. Ao analisar o debate gerado dentro do IHGB acerca da pertinência da publicação
do texto de Gonçalves Magalhães, Memória histórica e documentada da Revolução
da província do Maranhão, o autor vai afirmar que ocorreram, dentro da comissão
4 Importante frisar que, em que pese a entrada do romancista cearense nessa que-
rela, para José de Alencar o texto literário era pensado preponderantemente como
espaço de coerência interna. Em que pese a recorrência ao primado da imaginação
e também ao paradigma historicista, o autor orienta-se também por uma vertente
de orientação clássica, a tradição retórica (Martins, 2005). Sobre uma discussão a
respeito desta questão, sobretudo a partir dos modos de ver e fazer ver nas obras de
José de Alencar, cf. Cardoso (2016).
874
37
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
formada para análise do texto, flutuações entre visões mais objetivas a respeito da
produção historiográfica, as quais mostravam maior preocupação com caráter re-
cente dos fatos ali narrados bem como com sua forma de exposição, e visões mais
abertas em relação à proximidade dos eventos e à utilização de figuras poéticas para
exposição dos fatos históricos, desde que voltadas à esfera da produção de sentido
e domesticação do passado em prol da manutenção do domínio imperial.
Para Cezar, ao analisar as atas da comissão que aprovou a publicação da obra, é pos-
sível notar que
Segundo Cezar, a situação se apresenta deste modo, pois não havia uniformidade
discursiva dentro do instituto histórico a respeito da prática historiográfica moder-
na. Em que pese a tendência do período de valorizar uma história só passado, a uti-
lização dos expedientes poéticos, memoriais, biográficos e presentistas foram uma
constante, sendo, inclusive, solicitada pelo imperador D. Pedro II em cerimônia co-
memorativa do instituto em 1849.
Sem duvida, Srs., que a vossa publicação trimensal tem prestado valiosos serviços, mostrando
ao velho mundo o apreço, que também no novo merecem as applicações da intelligencia; mas
para que esse alvo se attinja perfeitamente, é de mister que não só reunas os trabalhos das gera-
ções passadas, ao que vos tendes dedicado quasi que unicamente, como tambem, pelos vossos
proprios, troneis aquella a que pertenço digna realmente dos elogios da posteridade: não dividi
pois as forças, o amor da sciencia é exclusivo, e, concorrendo todos unidos para tão nobre, util, e
já difficil empreza, erijamos assim um padrão de gloria à civilisação da nossa patria (Apud CEZAR,
2004, pp. 46-47).
875
38
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A produção biográfica no âmbito do instituto histórico, por exemplo, não passou in-
cólume a esses dilemas epistemológicos enfrentados pela prática historiográfica do
século XIX, tais como, os riscos de parcialidade, a menor acuidade na inquirição de
acontecimentos imediatos e sua possível conversão em memória. Conforme notou
Maria Glória de Oliveira:
Esta relação das práticas tradicionais, algumas herdadas do mundo antigo, como é
o caso do recurso da historia magistra vitae, com a moderna crítica histórica, é fruto
do estatuto incipiente das fronteiras disciplinares no século XIX, como já frisado. Em
última instância, a imbricação de ambas acabava por servir a um intuito maior que
era a tessitura das identidades coletivas, vetorizadas todas em direção a uma nova
figura central no palco da modernidade: o estado nacional moderno.
Desse modo, cabia aos estudos históricos legitimar as novas nações, incertas que
eram em sua composição étnica, dissipando “os medos que gerava a incerteza das
origens e as ansiedades que inspiravam o espectro do hibridismo mestiço” (WHITE,
2010, p. 167). Os historiadores/genealogistas da nação confirmavam assim os an-
seios do grupo étnico dominante. Acionado através da utilização de princípios or-
ganizadores, tal como a historia magistra vitae, a escola da vida, fatos memoráveis,
coletivos ou individuais, deveriam servir de farol às ações voltadas para o presente e
para o futuro. Sem vacilação, é claro, afinal, “a astúcia da razão significa que o sujeito,
desde a origem e até o fim, sabe o que quer” (LACAN, 1998, p. 817).
876
39
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
da época. Interessante notar os argumentos do autor para dissipar qualquer temor re-
lativo aos fatos narrados. Nas observações preliminares, segundo Magalhães, em que
pese as parcialidades, as paixões e os interesses envolvidos no evento, aos olhos do fi-
lósofo, isso não deveria causar medo. Conhecendo-lhe as causas, livre de preconceito,
caberia ao historiador-filósofo tirar “d’esta mesma fermentação das cousas, o espirito
da ordem, que esclarecerá o futuro” (p. 12). Vemos assim Gonçalves de Magalhães rei-
vindicar para seu relato a afirmação de possibilidade de identificação de princípios de
causalidade que regem e tornam inteligíveis as ações humanas, tornando sua empre-
sa algo útil e proveitoso. “É a busca humana pelo conhecimento verdadeiro, que se ob-
tém mediante a análise e o exame acurado que fornece a possibilidade de perenidade
de sua composição” (MAGALHÃES, 2007, p. 16). Perenidade em contraposição a toda
espécie de coações conjunturais, tais como as práticas políticas e jornalísticas, ambas
citadas por Magalhães em suas observações, com suas instabilidades e desequilíbrios
capazes de colocar em risco a homogeneidade então desejada. É justamente a esse
foco de impermanência e de incompletudes que assistiremos ao descermos no pri-
meiro círculo infernal de nosso épico.
(MUXURANA historica:)
- Os primeiros fizeram
As escravas de nós;
Nossas filhas roubavam,
Logravam
E vendiam após.
877
40
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
- Currupiras os cansem
No caminho ao calor,
Parinthins orelhudos,
Trombudos,
Dos desertos horror!
(KONIAN-BEBE rugindo:)
Missionario barbado,
Que vens lá da missão,
Tu não vais à taberna,
Que interna
Tens-n’a em teu coração!
878
41
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
(Alviçareiras no areial:)
- Aos céus sobem estrellas, Tupan-Caramurú!
É lindóia, Moema,
Coema,
É a Paraguassú;
-Sobem céus as estrellas,
Do festim rosicler!
Idalinas, Verbenas
De Athenas
Corações de mulher;
- Moreninhas, Consuelos,
Olho-azul Marabás,
Pallidez, Juvenilias,
Marilias
Sem Gonzaga Thomaz!
879
42
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Composto por várias camadas, neste “canicular delírio” a apreensão só se torna pos-
sível por meio de fragmentos, a partir de múltiplos planos.
Mas acima de tudo se evoca e se convoca o real, aferrando-o ao longo de uma linha fugidia e elíp-
tica, ziguezagueante, interpretante, ora curva, ora aguda - a adivinhação. O encontro com o real
só pode ser fragmentário, dilacerado, efêmero, feito de discordâncias, sempre provisório e sempre
a ser retomado (MBEMBE, 2018, p. 231).
Aliás, este real está em trânsito com o imaginário, ele é espetáculo, dramaturgia e
teatro. Um serve para elaborar o outro, um pode ser revertido no outro e vice-versa.
A sua imagem é um fato cujo conteúdo excede a forma. O seu verdadeiro núcleo do
real é um excedente instalado num outro lugar, num devir. Essas sobrecargas, estas
possibilidades de elipses e disjunções são os fatores
que possibilitam os estados órficos, que tanto podem ser atingidos seja pela via da dança e da
música, da possessão ou do êxtase. A verdade se encontra nessa reserva e nesse excedente; nessa
saturação e nessa elipse - coisas às quais só se acede com o emprego de uma função de vidência
que não coincide com a função visual enquanto tal (MBEMBE, 2018, p. 231).
A crítica contra o indianismo arcádico e romântico brasileiro, com seus heróis e he-
roínas a pairar nas alturas, rebaixa os cânones estéticos imperantes no indianismo
literário do reinado de D. Pedro II. Contrapondo-se a esse modelo, tem-se o Guesa/
880
43
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Sousândrade que se despe do “manto etéreo” e canta para os leitores este “triste
recitado do que às bordas se vê do Solimões”. Por meio de seu périplo moral, o nosso
personagem assimila ao seu destino o índio amazônico sacrificado pelo conquista-
dor branco, introduzindo em sua narrativa um presente nada auspicioso. Seu olhar
etnográfico desestabiliza o telos entre o projeto civilizacional colonial português e
o Segundo Reinado, fazendo com que a nação deixe de ser algo dado para ser um
problema a ser resolvido. Um interdito é posto frente ao epos mestiço recomenda-
do por Von Martius em sua dissertação Como se deve escrever a História do Brasil. À
grande fusão da história filosófica proposta pelo naturalista bávaro, contrapõe-se O
Guesa, com suas antíteses vertiginosas jamais resolvidas em síntese.
Referências
CAMPOS, Augusto e Haroldo. de.. re visão de sousândrade. São Paulo, Perspec-
tiva, 2002.
LIMA, Luiz Costa. O controle do imaginário: razão e imaginação nos tempos mo-
dernos. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989.
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo, n-1 edições, 2018.
881
44
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
OLIVEIRA, Maria. da. Escrever vidas, narrar a história. A biografia como problema
historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro, Tese de Doutoramento, Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.
WHITE, Hayden. Ficción histórica, historia ficcional y realidad histórica. In: V. TOZZI
(org.), Ficción histórica, historia ficcional y realidad histórica. Buenos Aires, Pro-
meteo Libros, 2010.
882
45
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
Este ensaio abre um debate sobre como o aspecto pervasivo da arte digital
pode ampliar o entendimento contemporâneo a respeito da obra de arte, con-
siderando a transitoriedade e adaptabilidade da criação ou discurso artístico a
diferentes meios, suportes e formatos. Dirigimo-nos sobretudo às poéticas tec-
nológicas, especificamente às expressões artísticas produzidas, armazenadas,
apresentadas e difundidas em formato digital, por meio de sua circulação em
rede via internet. Em seguida, apresentamos alguns antecedentes da arte con-
temporânea que dialogam ou coincidem com o desenvolvimento da arte digital
a partir da década de 1960 e discutimos como a efemeridade e a impermanência
ou constante transformação desse tipo de obra se apresentam como fortes tra-
ços da arte produzida na contemporaneidade. Concluímos argumentando que,
ao atravessar diferentes meios, suportes e formatos, é possível que a criação ou
discurso artístico continue operando suas possibilidades poéticas, somando no-
vos ângulos e perspectivas ao seu espectro de experiências, inclusive a partir do
material documental produzido ao longo do processo artístico.
Palavras-chave: Arte digital, impermanência, pervasividade, memória, poéticas
tecnológicas.
Abstract/resumen/resumé
This essay opens a debate on how the pervasive aspect of digital art can broaden
the contemporary understanding of the artwork, considering the transience and
883
46
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Foi ainda na década de 1960 que o campo da arte passou por transformações signi-
ficativas que pavimentaram muitos dos caminhos que as poéticas contemporâneas
percorrem ainda hoje. É possível considerar as poéticas tecnológicas também como
expressão desse contexto, que passou a admitir materiais não convencionais ao fa-
zer artístico, ressignificando inclusive objetos do cotidiano e favorecendo o entendi-
mento da prática artística como fruto de um pensamento conceitual. Autores como
884
47
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Cauquelin (2005), Archer (2001), Rush (2013), Belting (2016), Gombrich (2013) e Ma-
chado (2007) apontam Marcel Duchamp como precursor desse entendimento ainda
nas primeiras décadas do século XX. Cauquelin (2005) afirma que já naquele tempo
Duchamp adotava perspectivas próximas ao modelo de comportamento que pas-
sou a corresponder a expectativa contemporânea. Entre elas está a concepção de
arte como esfera do cotidiano, diluída entre outras atividades de nosso dia a dia;
o abandono dos movimentos de vanguarda e do romantismo acerca da figura do
artista; e o questionamento a respeito da autoria, a partir da participação do público
no fazer artístico.
Fatores como esses contribuíram para que as práticas artísticas se tornassem mais
abertas ao intercâmbio entre linguagens e resultassem em obras menos associadas a
peças materiais e mais relacionadas a processos comunicacionais dinâmicos, operan-
do em diferentes suportes e tornando-se cada vez mais voláteis, ou seja, passíveis à va-
riação (Hölling, 2018). Foi essa conjuntura que viu florescer fenômenos como a perfor-
mance, o happening, a body art e a instalação, expandindo o campo da arte para além
do artefato comercial e assumindo o efêmero e o híbrido como parte do processo.
Este ensaio tem o intuito de apresentar a arte digital como fenômeno catalizador
dessas transformações e refletir sobre as possibilidades de memória de uma arte
nômade, entendendo que, na era da conexão em rede e do streaming, o fluxo, a ins-
tantaneidade e a impermanência tornam-se ainda mais relevantes para entender a
natureza de algumas manifestações artísticas contemporâneas sob outras perspec-
tivas. Mas é importante acrescentar que essas condições não afetam e não se sobre-
põem a todas as vertentes da arte contemporânea, assim como os modelos vigentes
de conservação da materialidade continuam válidos para muitas obras contemporâ-
neas, mas não para todas. É nessa direção que seguiremos. Nos interessa aqui pensar
em outros sentidos e maneiras de enxergar a arte.
885
48
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Por sua vez, o campo da Arte e Tecnologia opera de modo interdisciplinar, atraves-
sando práticas recorrentes da arte contemporânea e valendo-se do desenvolvi-
mento científico e tecnológico. Entretanto, esse entendimento pode ser ainda mais
abrangente, alcançando outros períodos históricos, se considerarmos que, no passa-
do, a arte também foi beneficiada por avanços científicos e tecnológicos. O aperfei-
çoamento químico de tintas para pintura e o uso direto da matemática em estudos
de perspectiva podem indicar que essa relação entre arte, ciência e tecnologia é de
longa data.
Dessa maneira, é importante frisar que nosso recorte de Arte e Tecnologia aqui se dá
a partir de tecnologias emergentes no contexto já apresentado da arte contemporâ-
nea, em ascensão principalmente desde a década de 1960. Também é nessa época
que, segundo Castells (2002), o mundo se transformava e logo faria a passagem da
era industrial à era da informação. O desenvolvimento acelerado da computação e
de novas mídias é parte crucial desse processo. A difusão da computação pessoal,
o desenvolvimento de interfaces gráficas, o mercado de equipamentos portáteis de
captação e reprodução audiovisual e a popularização da internet comercial são al-
guns dos fatores que impulsionaram a produção artística nas últimas décadas do
século XX. Portanto, não seria equivocado pensar a informática e as novas mídias
como símbolos desse novo cenário de produção de sentidos.
886
49
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Esse contexto favoreceu a criação de obras de arte dinâmicas, ou seja, que se des-
dobram em determinado tempo e estabelecem estados voláteis ou oscilantes, pro-
pensas à mudança e à variação. Exemplo disso está na arte cinética do brasileiro
887
50
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Abraham Palatnik, cujas esculturas de arame, formas coloridas e fios se movem regu-
larmente, acionadas por motores e eletroímãs. Na série “Bichos”, da também brasilei-
ra Lygia Clark, placas metálicas unidas por dobradiças formam esculturas articuláveis
que podem ser manipuladas pelo público. A partir da interação, os bichos da artista
podem gerar configurações diversas e já não haveria, em tese, uma posição inicial
original. Ambos os casos são frutos da década de 1960, assim como os happenings
do movimento internacional Fluxus, baseados na efemeridade de ações eventuais e
de duração muitas vezes imprecisa.
888
51
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Para Bambozzi (2010), “o locativo é localizável, rastreável, tende a ser intrusivo, serve
a operações vigilantes e tem vocações disciplinadoras. Mas os desvios são possíveis
889
52
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
(...)” (Bambozzi, 2010, p. 69) e sua exploração poética tem testado aproximações inte-
ressantes entre as tecnologias e o espaço urbano. O autor cita como exemplo o pro-
jeto “Invisíveis”, de Bruno Viana, que partiu dos conceitos de portabilidade e realidade
aumentada para propor aos visitantes do Parque Municipal de Belo Horizonte uma
expedição em busca de personagens ligados a determinadas áreas do parque. Esse
projeto revela o quanto o entendimento do material artístico como objeto-obra perde
expressividade diante da relevância de trabalhos concebidos para ambientes de redes,
integrados a contextos cotidianos e que são validados quando em processo. Rede que
se estrutura também pela interação das mídias locativas com outros aparelhos de te-
lecomunicação, como a rede elétrica, a internet ou painéis eletrônicos.
Beiguelman (2010) vai dizer ainda que a arte que é produzida com dispositivos mó-
veis tende a ter caráter coletivo e anônimo, diferente da arte produzida para os mes-
mos dispositivos, que seria uma arte vivenciada individualmente. No primeiro caso,
a autoria do projeto também é pulverizada na rede, seja por causa da participação
do público ou pela profusão de informações que concorrem pela atenção desse pú-
blico. A autora ainda acrescenta que trabalhos artísticos nessas configurações neces-
sitam de outro modelo de valoração e que essa valoração passa principalmente pela
relação processual, eventual, contextual ou discursiva da obra e que, nesse contexto,
a criação artística implica repensar convenções, formatos de comunicação e trans-
missão e condições de acesso ou legibilidade às obras.
Sendo assim, como pensar a memória dessas expressões artísticas tão fortemente
associadas à mudança contínua e à capacidade de atravessar diferentes meios? Ao
operar em rede, a obra não está necessariamente ligada ao seu caráter material e,
portanto, a busca pela sua conservação como objetos se mostra insuficiente. Obras
dessa natureza estão mais relacionadas a sua rede de conexões, que formam um uni-
verso discursivo singular e complementar, mas que pode se apresentar de maneira
fragmentada, devido à sua pervasividade, ou seja, sua tendência ao espalhamento.
Sobre isso, Annet Dekker (2018) cita o projeto Mouchette.org, criado em 1996 como um
site interativo que pertence à personagem ficcional com o pseudônimo de mouchette.
O trabalho continua vivo ainda hoje a partir da ação participativa do público, que cria no-
vas histórias alimentando uma rede que só cresce desde então. Essas relações criam sig-
nificados que tendem apenas à ampliação e à constância dos projetos em nossa memó-
ria coletiva. “Essa rede de assistência é uma construção social e a vida social do projeto é
importante para os pesquisadores, arquivistas ou conservadores” (Dekker, 2018, p. 98).
890
53
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Considerações em trânsito
Talvez o termo storytelling não seja definitivo ou o mais adequado, mas no momento
expressa ou exemplifica o ponto de vista defendido por esse brevíssimo ensaio, ao
considerar a produção de narrativas como alternativa memorial de expressões artís-
ticas muito próprias de nosso tempo. Mas a produção de narrativas não significa ne-
cessariamente permanecer na linearidade. Entendemos que o histórico de transfor-
mações podem nos fazer enxergar quais são os elementos constitutivos de algumas
obras de arte contemporânea. Diferentes camadas sobrepostas de transformações,
variações, suportes materiais que poderiam se tornar mais visíveis a partir de um his-
tórico de suas mutações. Sobretudo esse entendimento solicita de nós uma maneira
diferente de enxergar aquilo que ainda chamados de obra de arte.
Referências
Abraham Palatnik. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
pessoa9891/abraham-palatnik>. Acesso em: 08 de Set. 2019. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
891
54
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Archer, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes,
2001. 263 p. (Coleção a)
Belting, H. O fim da história da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2016. 9 v. 448 p.
Cauquelin, A. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005. 169
p. (Coleção Todas as artes).
Gobira, P. A arte volátil. In: Gobira, P. (Org.). A memória do digital: e outras ques-
tões das artes e museologia. Belo Horizonte: EdUEMG, 2019. 256 p.
Lieser, W. Arte digital: novos caminhos da arte. Ed. H. F. Ullmann, 2010, 276 p.
Lygia Clark. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Pau-
lo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pes-
soa1694/lygia-clark>. Acesso em: 08 de Set. 2019. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
892
55
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Paul, C. Digital Art. New York: Thames & Hudson, 2008. 256 p.
Rush, M. Novas mídias na arte contemporânea. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes
WMF, 2013. 232 p. (Mundo da Arte).
893
56
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Renata Perim1
Resumo
A atividade curatorial e o design de exposição buscam mediar o contato do es-
pectador com a obra de arte e com isso possibilitam uma percepção ampliada do
tema da exposição. Um caminho para analisar esse processo de mediação – ten-
do como base autores como Rosalind Krauss (1990) e Hal Foster (2015) – foca no
modo como a curadoria e o design podem afastar o espectador do conhecimento
da trajetória do artista e sua obra, pois, de acordo com os autores, seriam formas
que priorizam a experiência em detrimento de um didatismo ligado à História
da Arte. Propomos analisar mostras de arte nas quais os projetos de curadoria e
design de exposição se entrelaçam e mediam o encontro do expectador com a
arte propondo o conhecimento do significado da obra e da poética do artista, em
outras palavras, ampliam os modos de ver do espectador no espaço expositivo.
Palavras-chave: Exposição, Curadoria, Design de Exposição, Espectador.
Abstract
The curatorial activity and exhibition design seek to mediate the spectator’s experi-
ence with works of artists and thus enable a broader perception of the theme of the
exhibition. One way to analyze this mediation process - based on authors such as Ro-
salind Krauss (1990) and Hal Foster (2015) – focuses on how the curatorship and the
design can move the viewer away from knowledge of the artist’s trajectory and his
work, therefore, according to the authors, would be ways that prioritize experience
over a didacticism linked to Art History. We propose to analyze art shows in which
curatorship and exhibition design projects intertwine and mediate the spectator’s
encounter with art by proposing knowledge of the meaning of the artist’s work and
poetics, in other words, broadening the viewer’s view in the exhibition space.
Mots clefs: Exhibition, Curatorship, Exhibition Design, Spectator.
1 Doutora em Design pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (ESDI/UERJ). Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Professora nos cursos de Design Gráfico e Publicidade e Propaganda no Instituto de Tecnologia In-
fnet-RJ.
894
57
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Introdução
Os modos de apresentação de obras de arte sempre foram mediados por elementos
que buscavam, de diferentes maneiras, explorar a atenção do espectador. Em me-
ados do século XIX e no início do século XX, artistas já começavam a entender que
esses modos de apresentação poderiam influenciar a compreensão de seus traba-
lhos. O artista francês Gustave Courbet, por exemplo, foi o primeiro a organizar uma
exposição sozinho, em 1855. Embora não tenha se diferenciado dos salões oficiais
na maneira de expor os quadros Coubert considerou fundamental criar um novo
espaço para apresentar seu trabalho. O impulso do artista em se recusar a participar
da Exposição Universal de Paris se deu pelo fato de não concordar em ter suas obras
localizadas em meio a objetos de origens variadas, o que poderia prejudicar a frui-
ção do público (ALTSHULER, 1994).
895
58
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Nas décadas de 1960 e 1970 cresce a relação da curadoria com a arte e serão
criadas as bases teóricas para se pensar exposições e as coleções museológi-
cas, nesse contexto, a curadoria começa responder a transformações não só da
arte, mas da economia e das sociedades contemporâneas fazendo valer o ter-
mo indicado pelo crítico Luiz Camillo Osorio (2015), como “virada curatorial”.
Esse termo relaciona-se ao fato de que o papel do curador, ao se concentrar na
atividade de apresentação de obras ao público, requer novas funções como se-
lecionar colaboradores especializados, determinar um quadro de trabalho con-
ceitual, consultar arquitetos, organizar a publicação de catálogos, entre outras.
É possível pensar na atividade do curador, pelos menos nas grandes exposições,
entrelaçadas a outras tais como a publicidade, design e marketing. Como forma
de pensar a interlocução entre a curadoria e o design de exposições apresenta-
mos a primeira mostra que nos servirá como exercício de reflexão em torno da
experiência do espectador.
896
59
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
897
60
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Salles (IMS) do Rio de Janeiro como parte da exposição Corpo a Corpo: a disputa das
imagens, da fotografia à transmissão ao vivo (2017). A exposição busca refletir sobre os
cruzamentos entre realidade e simulacro, rigor e improviso a partir de sete trabalhos
de artistas e coletivos. Segundo destaca Thyago Nogueira, curador da mostra,
[...] os trabalhos mostram como o corpo pode ser usado como elemento de representação social
e atuação política, seja através de sua presença física e simbólica nos espaços públicos, seja como
lugar de expressão da identidade que aproxima ou separa indivíduos, seja como veículo condutor
de uma câmera, com a qual ele às vezes se confunde (NOGUEIRA, 2017a, p. 3).
A instalação de Sofia Borges foi um trabalho feito em parceria com o curador. As fo-
tografias da artista são resultado de uma viagem a Brasília, realizada em 2017, para
registrar a atividade do Congresso Nacional. No espaço da mostra veem-se painéis
de duas faces: de um lado, a reprodução fotográfica de pinturas a óleo com recorte
nas bocas daqueles que foram presidentes da casa; e do outro, gestos retirados de
fotos que registram cenas de sessões legislativas.
Figura 2 – Vista da instalação A máscara, o Gesto, o Papel (2017) de Sofia Borges no IMS-RJ
898
61
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Seguindo com Krauss (1990), esse tipo de experiência, principalmente em fins dos
anos 19802, leva a uma atividade museológica ampliada e aderida ao status quo do
capitalismo pós-industrial. Segundo a autora, o museu que apresenta esse tipo de
mostra: “abandonaria a história em nome de um tipo de intensidade de experiência,
uma carga estética que não é tanto temporal (histórica) como é agora radicalmente
espacial”3 (KRAUSS, 1990, p. 7). Ou seja, pelo uso intensificado de recursos e efeitos
2 A crítica de Rosalind Krauss que aqui nos baseamos se dirige principalmente, mas não exclusiva-
mente, às instalações de artistas do minimalismo, a autora em seu texto original cita o artista Dan
Flavin, entre outros, para falar de sua experiência no espaço expositivo.
3 No original: “[…] would forego history in the name of a kind of intensity of experience, an aesthetic
charge that is not so much temporal (historical) as it is now radically spatial […].”
899
62
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Importa notar que, em geral, exposições de arte são criadas por profissionais de vá-
rias áreas, as quais, muitas vezes, não estão voltadas para o público específico de
museus, como é o caso das equipes de comunicação ou de desenvolvimento de
tecnologias. Cabe à instituição, ou curador, a estratégia de interligar determinadas
áreas na concepção de uma exposição. Giselle Beiguelman, curadora e pesquisadora
de arte digital, destaca que há uma grande diferença no direcionamento de ações
que buscam estimular a percepção da obra de arte por meio de tecnologias digitais
– uso de celular no museu para fazer selfies, por exemplo – que são conduzidas pela
curadoria ou pela equipe de marketing. De acordo com a curadora, dependendo de
quem o faz, há sempre o risco de esvaziar completamente a experiência, “suprimin-
do o contato com a obra pelo mero registro de um autorretrato e o uso da hashtag
de divulgação” (BEIGUELMAN, 2018, s.p),4 transformando a visita à exposição em
imagens, difundidas e compartilhadas, que podem substituir a vivência direta com
as obras e os espaços expositivos.
900
63
Histórias e Teorias da Arte
#18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Referências
ALTUSHULER, Bruce. The avant-garde in exhibition: new art in the 20th century.
New York: Abrams, 1994.
BEIGUELMAN, Giselle. Exposições viram cenários para “selfies”. Jornal da USP. Leila
Kiyomura. Rádio USP, 2018. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/cada-
-vez-mais-exposicoes-viram-meros-cenarios-para-selfies/>. Acesso em: 14 mai. 2019.
FOSTER, Hal. After the White Cube. London Review of Books [online], v. 37, n. 6, p.
25-26, 2015b. Disponível em: <https://www.lrb.co.uk/v37/n06/hal-foster/after-the-
-white-cube>. Acesso em: 23 mar. 2019.
KRAUSS, Rosalind. The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum. October, v. 54,
p. 3-17, Autumn, 1990.
NOGUEIRA, Thyago. Estamos rodeados de moscas. In: Corpo a Corpo: a disputa das
imagens, da fotografia à transmissão ao vivo. São Paulo: IMS, 2017a.
______. A máscara, o gesto, o papel: Sofia Borges. Vídeo produzido por Laura Liu-
zzi, Núcleo de Vídeo do IMS. Canal do imoreirasalles, 2017b. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=7Bw8-g-OrkY&t=143s>. Acesso em: 20 abr. 2019.
VON HANTELMANN, Dorothea. The Experiential Turn. In: On Performativity. Ed. Eli-
zabeth Carpenter. Vol. 1. Minneapolis: Walker Art Center, 2014. (Living Collections
Catalogue)
901
64
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
902
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
O corpo marcado, narrativas, motivações e significados emocionais, enquanto
fenômeno social recorrente, ressignificado na pós-modernidade. É propósito da
pesquisa identificar o trajeto do corpo marcado, através das tatuagens tribais;
compreender e interpretar a função do imaginário na mediação temporal do in-
consciente coletivo; estabelecer conexões entre narrativas, motivações e significa-
dos emocionais. A pesquisa é descritiva, compreensiva, na consideração das nar-
rativas, memórias e significados emocionais do corpo marcado. Uma retrospectiva
das práticas de marcar o corpo, enquanto fenômeno social recorrente, através da
memória iconográfica. Resultados esperados da pesquisa em andamento, trazer à
tona subjetividades e qualidades simbólicas das narrativas, motivações, significa-
dos emocionais do corpo marcado na dimensão da vida social e percepção do de-
sign emocional na elucidação dos impactos na autoimagem reflexiva, processos
de aceitação, rejeição e equilíbrio psicossocial na vida Pós-Moderna.
Palavras-chave: Corpo Marcado, Imaginário, Memória, Emoção, Tatuagem Tribal
Abstract/resumen/resumé
The marked body, narratives, motivations and emotional meanings, as a recurrent
social phenomenon, resignified in Postmodernity. It is the purpose of the research to
identify the marked body path through tribal tattoos; understand and interpret the
function of the imaginary in the temporal mediation of the collective unconscious;
establish connections between narratives, motivations and emotional meanings.
The research is descriptive, comprehensive, considering the narratives, memories and
emotional meanings of the marked body. A retrospective of body marking practices
1 Mestrado em Ciências Sociais - UFBA. Oficial de Projetos UNESCO. Profa. Universidade, do Estado
da Bahia-UNEB. Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – PPGAVUFBA. anahilde-
mariaalmeida@gmail.com
2 Doutorado em Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo – USP. Pós-doutorado em De-
sign PUC-Rio. Profa. UNEB. Profa. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais UFBA PPGAV. suzi-
marino@gmail.com
903
66
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A pesquisa de campo investiga nesta retrospectiva para elucidar o jogo da vida, an-
corada na pesquisa arqueológica das marcas e similitudes foucaultiana, no entendi-
mento do cotidiano que abre espaço para o deixar ser e fazer nas múltiplas identifi-
cações, o viver na contemporaneidade da ótica maffesoliana e no design emocional
que explica o impacto destas emoções na autoimagem reflexiva, entender enfim a
perspectiva desta dimensão social vivenciada na pós-modernidade.
A palavra tatuagem, de origem indígena, vem do som de bater a agulha na pele, som
das marteladas que perfuram a pele, numa cacofonia. Sendo animistas atribuem
alma a tudo, animais, árvores, rochas, rios. Acreditam que suas próprias almas são
independentes, partem quando querem. Assim, a função da tatuagem é manter a
alma em seu corpo e atrair bons espíritos para trazer sorte (vídeo Mentawai 2012).
904
67
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
905
68
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
“Ora, que outra marca existe de que duas coisas estão encadeadas uma à outra se-
não que elas se atraem reciprocamente, como o sol e a flor do girassol? senão que
entre elas há atração e simpatia? As semelhanças exigem uma assinalação [...] ne-
nhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada o conjun-
to de marcas que fecha o circulo das similitudes” (FOUCAULT 2000, p. 38-39).
Foucault (1996) estuda a ordem das coisas na natureza, o jogo do mundo é um jogo
dos signos, das semelhanças, fecha-se sobre si mesma, segundo a figura redobrada
do cosmos. Por toda a parte há somente um mesmo jogo, o do signo e do similar, é
por isso que a natureza e o verbo podem se entrecruzar ao infinito, formando, para
quem sabe ler, como que um grande texto único.
906
69
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
907
70
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Os Índios usam tatuagem com motivações diversas, código social, forma de comu-
nicação internamente na aldeia, entre aldeias, para estabelecer relação com a na-
tureza, espíritos e antepassados. Ou, ainda, memória e celebração de eventos im-
portantes funerais, guerras, rituais religiosos, casamentos, nascimentos, caça, pesca,
proteção contra maus espíritos, agradecimento das graças divinas recebidas. A tatu-
agem indígena configura linguagem emocional com sofisticado código social.
“Eles estão usando ferramentas de metal por um longo tempo. Elas já são prati-
camente parte de sua cultura. Elas permitiram que eles limpassem grandes ex-
tensões de floresta para expandir a produção de alimentos [...] Uma vez que seu
território é invadido por madeireiros, garimpeiros, os grupos isolados estão aca-
bados [...] Eles poderiam desaparecer da face da Terra, e nem sequer saberíamos”
(MEIRELLES, 2016).
Não há registro de grupo indígena fora dessa mesma tradição, defesa da terra, co-
nexão com natureza, pintura e tatuagem no corpo, aplicadas com tintas extraídas
da natureza, exemplo da tinta cor azul do jenipapo, preta, cinza do pó do carvão,
cor branca do calcário e cor vermelha do urucum, de maior destaque simbólico em
conflitos e rituais, comum nos grupos indígenas.
908
71
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Figura 2 – Urucum, vegetal que os índios extraem tinta vermelha para marcar/tatuar o corpo.
Fonte: Foto autor (2019).
A pena vermelha, pintada ou tatuada, indica vitória plena sobre o inimigo, são amu-
letos de proteção na transição dual entre mundos espiritual e terreno, para a tribo
Apache, índios norte-americanos. Usam penas como principal símbolo de honra, co-
ragem, orgulho e hierarquia social. O tamanho e cor da pena indicam status no grupo.
909
72
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A cor vermelha marca a expressão da mulher indígena de papua Nova Guiné, destacada
na projeto fotográfico de Alexander Khimushin, The World In Faces, que viaja o mundo
em busca formas ancestrais de vida, com memória e tradição ameaçadas. Nas previsões
oficiais, 50% a 95% dessas línguas do mundo desaparecerão até o final deste século.
Para a tribo Maori, Nova Zelândia, tatuagem não é uma questão estética, significa
mérito, cujo valor é indicado pela parte do corpo tatuada, rosto e mãos são os luga-
res de maior nobreza e respeito dentro da tribo.
910
73
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
O Xamã Mentawai nas selvas indonésia, usa tatuagem para manter contato com os
espíritos de seus ancestrais. Os homens Mentawai são cada vez mais tatuados em
todo corpo, são linhas no corpo, braços, nádegas, pernas como teias de aranha (ver
figura 6 e 7). A tatuagem está intrinsecamente entrelaçada em suas crenças espiritu-
ais. As linhas representam folhas, videiras, flores.
911
74
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Essa situação do massacre e extermínio indígena para domínio das terras é tão anti-
ga quanto a humanidade, em quase todos países, sem conseguir ser assumida como
prioridade seja por governos ou por movimentos sociais, a não ser muito recente-
mente por pesquisadores ou movimentos de pouca notoriedade e mesmo assim nas
últimas décadas, depois de longo e devastador extermínio da população dos índios.
Uma reação internacional e recente a esta situação, envolvendo diferentes países foi
movida pelas Nações Unidas através da UNESCO – ONU (2019) com a disponibiliza-
ção de 92 produções audiovisuais do Festival de Cinema Indígena Online, com abor-
dagem da diversidade linguística e cultural indígena da América Latina e Caribe, o
objetivo é contribuir para a preservação da diversidade indígena, no enfrentamento
das ações contínuas de ameaças de sua sobrevivência.
Os filmes foram feitos por diretores de diversos países, entre eles Argentina, Bolívia,
Brasil, Colômbia, Chile, El Salvador, México e Peru. Os principais assuntos abordados
foram meio ambiente, educação, consumo sustentável, preservação do patrimônio
cultural e natural, e o empoderamento das mulheres indígenas. Somente no Brasil,
atualmente existem mais de 150 línguas e dialetos indígenas. A triste notícia é que
as línguas nativas de tribos indígenas estão entre as mais ameaçadas de extinção
no mundo, dado que nos relembra a importância de manter este legado. Diversas
destas línguas estão presentes no acervo, disponível no youtube com legendas em
inglês e espanhol. Preservar este patrimônio é preciso e mais do que isso, é urgente
(Hypeness, por Gabriela Glette, 2019).
912
75
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Considerações finais
O pressuposto básico da pesquisa é tatuagem como expressão emocional. Aquilo
que toca na pele aciona contextos emocionais, seja na relação do prazer, dor, identi-
ficação, status ou ainda aceitação, rejeição. Este universo se acondiciona em narrati-
vas, significados e emoções.
913
76
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Referências
DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Cultrix, EDUSP, 1988.
https://vivimetaliun.wordpress.com/2015/09/22/os-10-maiores-povos-indigenas-
-do-brasil/acesso 26.06.19.
https://vivimetaliun.wordpress.com/2018/10/25/ultimo-sobrevivente-de-sua-tribo-
-indio-aparece-isolado-em-video-feito-pelafunai/acesso26.06.19.
https://www.tattooja.com.br/tatuagens-de-indiosacesso 26.06.19.
https://www.google.com/search?q=indios+brasileiros+tatuados&tbm=isch&-
source=iu&ictx=1&fir=xknHoll_K3Fy5M%253A%252ChujZ2jH4QuItKM%252C_&-
914
77
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
https://www.google.com/search?q=indio+apache&tbm=isch&tbs=rimg:Ce9XN-OH-
ZhgtIjhN2isIkPuywH6vUAUIl_1mct3xsYI-vrJKyESFueziYMqsK8Za6KXn7H4ygUSwU-
V1voeBH6-pm-9ioSCU3aKwiQ-7LAESxBrQ-r4cfNKhIJfq9QBQiX-ZwRi0pffFVsM4M-
qEgm3fGxgj6-skhFJnsxRlOUw8CoSCbIRIW57OJgyESdS03PVUzvxKhIJqwrxlropefs-
RiEwXHRURZ2EqEgkfjKBRLBRXWxFAmdgLpTsJlioSCeh4Efr6mb72EXm6bbek_1Wj-
g&tbo=u&sa=X&ved=2ahUKEwiO3om4w4rjAhVCHrkGHbRvCUYQ9C96BAgBEBs&-
biw=1440&bih=762&dpr=1#imgrc=ed084eRhFSe1eM: acesso 28.06.19.
https://www.google.com/search?q=mentawai+indio+tatuado&tbm=isch&sour-
ce=iu&ictx=1&fir=UXinZ7cWTXMNeM%253A%252C92k_MIq04emiBM%252C_&ve-
t=1&usg=AI4_-kQfeumIzDajvbEE8ZnRGjSNLABsLQ&sa=X&ved=2ahUKEwihrLTLyor-
jAhXfGbkGHepaCS4Q9QEwA3oECAYQCg#imgrc=2vF2TCM_K66lLM:&vet=1 acesso
28.06.19.
https://vivimetaliun.wordpress.com/2018/03/30/mais-de-100-tribos-isoladas-ain-
da-existem-no-mundo-todo/ acesso em 11.08.19.
https://www.hypeness.com.br/2019/07/unesco-disponibiliza-gratuitamente-92-fil-
mes-sobre-a-cultura-indigena/?utm_source=facebook&utm_medium=hypeness_
fb&fbclid=IwAR1prs-ZAMqlgAiVqeaMTLqfLl1cba9Kv70sMAMUC5EWwWPOAaB_
nbHJSp4 acesso em 15.08.19.
https://www.hypeness.com.br/2019/06/ele-viajou-o-mundo-nos-ultimos-10-anos-
-fotografando-povos-nativos-de-diversas-localidades/ acesso em 20.08.19.
915
78
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
Essa pesquisa busca investigar as possibilidades pictóricas da palavra, por meio
da análise de obras da artista plástica brasileira Marilá Dardot, seguida da ela-
boração autoral de imagens que também trabalham com o potencial da visu-
alidade de construções gramaticais. Por meio principalmente do referencial bi-
bliográfico de Walter Benjamin, foi aplicada uma metodologia de análise que
também apresenta elementos para estratégias processuais, integrando caracte-
rísticas como a justaposição e a descontinuidade. Com essa pesquisa, busca-se
abrir caminhos para investigar se os preceitos estudados pelo filósofo podem
articular contribuições ao projeto pictórico da palavra, fertilizando a compreen-
são dos processos criativos da contemporaneidade.
Palavras-chave: filosofia da arte, processo criativo, experimentações
Abstract
This research seeks to investigate pictorial possibilities of words through the analysis
of works by brazilian plastic artist Marilá Dardot, followed by the authorial elabo-
ration of images that also work with the potential of the visuality of grammatical
constructions. Mainly through Walter Benjamin’s bibliographic reference, an anal-
ysis methodology was applied that also presents elements for procedural strate-
gies, integrating characteristics such as juxtaposition and discontinuity. With this
research, we seek to open ways to investigate if the precepts studied by the philoso-
pher can articulate contributions to the pictorial project of the word, fertilizing the
understanding of contemporary creative processes.
Keywords: philosophy of art, creative process, experimentation
916
79
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Apresentação
Projetar os atributos visuais do texto considerando o espaço como agente estrutural
é um gesto criativo prolífico, que encontra eco tanto no campo das artes quanto do
design. Essa pesquisa tem como objetivo compreender o desafio de não abdicar das
virtualidades da palavra ao mesmo tempo em que se utiliza os recursos da comuni-
cação não-verbal para buscar uma estrutura que possa vir a traduzir uma linguística
particular. Os projetos que estabelecem um diálogo do material gramatical com re-
cursos de visualidade resultam em composições que tanto podem complementar
como serem complementadas pela lógica semântica.
A investigação conduzida por essa pesquisa busca restaurar parte dos preceitos
estudados pelo autor, para em seguida estabelecer um diálogo com determina-
das obras da artista plástica brasileira Marilá Dardot, que se desenvolvem a partir
da utilização de fragmentos de composições gramaticais. A parte final da pesquisa
apresenta o desenvolvimento de imagens que também trabalham com a palavra
como elemento pictórico. A reflexão empreendida por esse artigo trabalha no sen-
tido de compreender que as ferramentas de análise propostas pelo filósofo contém
diretrizes que podem impulsionar o processo criativo. Para Benjamin, é necessário
que o gesto intelectual de descrever as idéias não esteja atrelado a um desejo de
apropriar-se delas em excesso. Assim, incorpora a justaposição e a descontinuidade
como fundamentais à análise de obras de arte, por exemplo. A linguagem que se
desprende do referente, nesse caso, está relacionada à comunicação de conceitos,
de certa forma, espirituais. Assim, ao ampliarmos a compreensão do termo lingua-
gem, é imperativo estabelecer uma postura que busca investigar de que essência
espiritual ela seria a manifestação imediata. O paradoxo e ao mesmo tempo a com-
plementaridade entre essas duas essências é o ponto de partida para essa pesquisa.
A relação entre as essências espiritual e linguística traz a ideia de que toda linguagem,
em última instância, tem por fim comunicar-se a si mesma. O gesto humano de dar
nome às coisas, por exemplo, nos informa profundamente sobre o que seria a essência
espiritual do homem. Benjamin acredita que toda configuração linguística traz em seu
âmago o conflito do inespresso. É nesse reino do inexprimível que é possível se vislum-
brar a essência espiritual. A arte, dessa forma, se desenvolve por sobre o que seria esse
espírito das coisas, e não sobre a suposta supremacia da linguagem. Considerando que
o significado é impenetrável, resta à atividade artística propor então modos de significar.
Partindo dessa análise inicial, foi possível perceber que os ensinamentos de Benjamin
sugerem procedimentos para a análise que conduzem a uma atitude de imersão, por
917
80
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
meio da contemplação artística. Por outro lado, esse método pode ser utilizado tam-
bém como parte da compreensão e possível formulação de estratégias de produção
da imagem, que impulsiona a relação, por exemplo, do artista com o seu projeto da
palavra. Para tanto, foi compartilhado na fase final da pesquisa tanto o resultado da
confecção de imagens - que mesclam além do texto, fotografia e manipulação digital
- como seu respectivo processo de criação. Assim, é possível perceber algo que Benja-
min também atesta: uma zona de contágio entre as atividades do artista e do filósofo.
Se o artista parte do trabalho com a matéria do sensível para produzir imagens que
refletem o mundo das idéias, o filósofo apresenta o mundo, nas ideias, como imagens
(2009:158). Na elaboração das peças do ensaio imagético Lucidez, o objetivo foi se apro-
ximar do processo de produção sem buscar uma unidade objetiva, estabelecendo uma
relação autoral que descreve o mundo das ideias, sem no entanto apropriar-se delas.
918
81
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
(...) não cria nada de novo, belo ou sublime; apenas recolhe os dejetos da civilização. Com eles,
porém, faz algo extraordinário: em sua arte, em sua poesia, forja uma verdadeira potência crí-
tica da cultura.5
Em diálogo com Benjamin, Rivera (2013:187), diz que não é possível comunicar a
essência do sujeito, mas transmiti-la, como em uma missão. Esse seria um papel tor-
nado possível pela arte. A partir da premissa que considera o lugar da falta como
inerente ao sujeito, o trabalho do artista pode ser visto como aquele que recolhe os
restos desse desejo, revestindo-o com uma espécie de manto sensível que transfor-
ma sensação em arte. Marilá Dardot mais uma vez desconstrói com delicadeza este
espaço fantasioso, em que se foge das suscetibilidades da vida como se elas repre-
sentassem a própria morte. Em “Pensamento do Fora”, placas singelamente dispos-
tas em um ambiente externo, que por sua cor e tipografia, indicariam que é proibido
pisar na grama ou a qual espécie determinada planta pertence, tratam de outros
assuntos. Dardot constrói aqui uma impossibilidade de silenciar o diálogo com o
Imperfeito, mesmo enquanto se desfruta de uma bucólica caminhada ao ar livre. A
todo momento, a vida parece sussurrar que “apesar de toda liberdade, continuamos
perdidos”, mas surpreendentemente, outras placas parecem mais otimistas: “seja rá-
pido, mesmo parado”. Em uma sucessão de textos-enigma, a artista nos direciona
para um caminho inesperado em um antes previsível enlace lúdico com a natureza.
Conduzidos pelo propósito-poético, o passeio adquire então nova magia, por meio
da experiência da linguagem.
Uma questão importante nessa análise é avaliar a potência da obra em carregar sua
própria crítica, ao invés de demandar o olhar de quem a experimenta. Rivera aponta
para o pensamento crítico que, ao invés de diagnosticar, passa adiante “a crise que é o
4 Benjamin, 1984:20
5 Rivera, 2013:181
919
82
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Em “Straight Line”, Dardot utiliza uma citação de Friedrich Nietzsche (1844-1900), all
that is straight lies, para compor uma obra com linhas de pesca presas por pregos
em uma parede. Essa frase traz em sua configuração semântica um propósito poé-
tico análogo àquele do ensaio Lucidez, na medida em que atesta a completa fraude
de tudo aquilo que se afirma sólido. As obras que estão dispostas na parte final da
pesquisa também se relacionam com a afirmação do próprio caráter transitório das
coisas como uma constante. Jogando com o que seria um suposto desejo das linhas
fluidas – que tem como território de ação o ar e a água – em permanecerem retas,
Dardot zomba delicadamente deste esforço, apresentando-nos como quase cômi-
co. Bachelard entende que “a imagem é sempre mais singular que a causa que lhe
consignamos”. Na parte prática dessa pesquisa, também foi mantido um estado de
alerta com o risco de se procurar uma causa para as imagens. Esse é o movimento
capaz de nos proteger da imitação e trazer a possibilidade da novidade, pois a arte
trava sua eterna luta com o caos, sem no entanto nos jogar por completo nele.
6 Rivera, 2013:197
7 Reprodução da imagem autorizada pela artista
920
83
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
921
84
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Parte dessa cartografia repercute junto a algumas das ideias de Walter Benjamin, para
quem existe uma diferença importante entre as dimensões simbólicas e utilitárias da
linguagem. As frases em questão no ensaio trazem em sua configuração semântica
uma rede de afetos que tende a ser extrapolada quando da articulação com outros
aspectos, não verbais. Para o filósofo, há que se ter cuidado com a dimensão utilitária
da linguagem, na medida em que ela apresenta potencial para criar conexões super-
ficiais com o referente. No entanto, o contrário acontece quando é possível resgatar à
vida o elemento simbólico da palavra, ao se empreender um gesto criativo que desliga
a primeira camada de significações semânticas. Para ele, “trata-se de despertar a for-
ça criadora que reside na dimensão nomeativa da linguagem – este despertar sendo
uma origem que instaura uma nova temporalidade”10. Partindo dessa concepção, o
modo de existir das ideias seria então análogo ao modo de ser das obras de arte – sua
existência é justificada por meio do potencial de serem contempladas.
A tarefa filosófica de restauração da “percepção original das palavras” não é retorno à origem, mas
evocação, na temporalidade própria das idéias, do paraíso perdido, como possibilidade de recu-
peração, pela nomeação, da primitiva força, capaz de criar imagens, da linguagem.11
Parte da essência do trabalho de Marilá Dardot e do ensaio Lucidez podem ser perce-
bidas através dessa premissa de Benjamin. Essa temporalidade específica das ideias
está além daquilo que o instrumental linguístico tem capacidade para circunscrever.
O artista da palavra, de certa forma, empreende uma ação tanto em processo quanto
em projeto que salva o conteúdo gramatical de abstrações puramente conceituais. O
mergulho artístico que resulta nessa materialidade particular da palavra busca trans-
cender o risco da empiria, concretizando uma materialização da forma que tem poten-
cial para resgatar as origens desses afetos, anterior a qualquer nomeação linguística.
10 Muricy, 2009:161
11 Muricy, 2009:163
922
85
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
(...) um objeto qualquer, um objeto decaído. Indigno. Objeto desdenhado, caído, perdido, que
o artista não cria, propriamente, mas recolhe, como o chiffonier12 de Benjamin. Objeto capaz de
lembrar ao sujeito sua finitude e de retirá-lo da pretensão de se afirmar como dono dos objetos,
senhor do espaço e da representação, legítimo criador – ou supremo crítico.13
12 a tradução do francês para o português desse termo seria algo como “fofoqueiro”
13 Rivera, 2013:184
14 Rivera, 2013:187
15 Deleuze & Guattari, 1997:228
923
86
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
O processo criativo das imagens do ensaio Lucidez procurou dar conta, entre outros
afetos, da concepção contemporânea de tempo, que desvaloriza tudo que é imóvel
para aderir-se a um eterno compromisso com o novo. Procurando estabelecer um di-
álogo com essa premissa – que atribui valor superior àquilo que ainda está por vir – as
tiras do papel estão pouco acrobáticas, mas cheias de luz. Pequenas diante do espaço
verde, nem por isso esmorecem. Como um enigma irônico, ainda são capazes de se
iluminar de vida. O trabalho com as tiras de palavras imersas em uma luminosidade
verde busca compreender como viva também a própria memória. A partir do entendi-
mento que a memória pode se constituir também como um ser de sensação, confor-
me estudado por Deleuze, não é necessário que o sujeito a acesse para que ela exista.
Rivera16 lança luz sobre a questão da memória como um gesto, por meio do qual o
sujeito comparece a esse lugar em que o tempo se embaralha. Para além da concep-
ção de mero arquivo, a memória é percebida como viva, um relâmpago de força sobre
o qual o sujeito não exerce controle. Ao se considerar a memória como mera recorda-
ção, seria mais fácil supor o domínio exercido pelo sujeito sobre as lembranças. Mas é
necessário aceitar esse limite humano que apequena a linguagem quando reluta em
incorporar sua dimensão mágica. Também para Freud, a memória não se resume a
imagem, percepção e palavra. Ao contrário, é composta por traços, que muitas vezes
não estão inscritos pelo sujeito. Essa visão, somada a de Benjamin, aproxima-se mais
16 Rivera, 2013:59
924
87
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
da reflexão, gesto que vai muito além da recuperação do conteúdo dos acontecimen-
tos propriamente ditos. Tem-se então a experiência vivida, lugar muito mais amplo e
fértil, especialmente ao utilizarmos estas idéias para dialogar com o campo da arte.
Esta concepção de Rivera – da memória como gesto – vem ao encontro da construção
desse ensaio, em que se busca não o resgate de uma memória rígida, mas sim o nave-
gar nesse devir de uma constante metamorfose.
925
88
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Conclusão
Após a elaboração dessa pesquisa, foi possível perceber que traduzir o que seria
uma suposta linguagem das coisas para a linguagem humana não se trata apenas
da intenção de aplicar som ao que é mudo. Na verdade, o desafio é mais amplo,
pois se trata de uma tradução particular. O artista traduz, na verdade, aquilo que
não tem nome em nome, processo que inevitavelmente utiliza o conhecimento
humano sobre as coisas do mundo. Com relação à linguagem existente, para Benja-
min (2011:68), a palavra fornece apenas o solo no qual seus elementos concretos se
enraízam. Na arte, há uma tradução da linguagem das coisas para uma linguagem
infinitamente superior. É a ideia que importa, cuja essência é radicalmente diferente
926
89
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Referências
BACHELARD, Gaston (2009). A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes
927
90
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
O objetivo do trabalho é aproximar as Artes Visuais e a Engenharia Eletrônica
através do olhar sobre a construção dos desenhos e trilhas das Placas de Circuito
Impresso (PCI), e sua relação com a Gravura em Metal. Os desenhos das trilhas
impulsionam a imaginação e o pensamento, tanto nos desenhos do circuito
como na elaboração de formas que podem ser associadas aos caminhos dese-
nhados. Apesar de sua natureza diversa, encontramos pontos de conexão entre
a imaginação presente nestas duas áreas de conhecimento.
Palavras-chave: Imaginário, desenho, gravação, circuito impresso, multidisciplinar.
1 Angela Raffin Pohlmann é artista plástica e professora Associada da UFPel; ministra disciplinas na
graduação e no Programa de Pós-graduação no Centro de Artes desta instituição. Pesquisadora PQ
do CNPq. Bacharel em Artes Plásticas; Mestre em Artes Visuais; Doutora em Educação pela UFRGS,
com Bolsa Sanduiche na Universidade de Barcelona, Espanha; Pós-doutora no PPG em Ciências Far-
macêuticas da UFRGS, com pesquisa em nanotecnologia para fabricação de materiais alternativos
não-tóxicos para a gravura.
2 Reginaldo da Nóbrega Tavares é professor da Universidade Federal de Pelotas. É formado em Enge-
nharia Elétrica pela PUC-RS, mestre em Ciência da Computação pela UFRGS e Doutor em Educação
pela UFPel.
3 Diego Henrique Barboza é graduando do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade
Federal de Pelotas.
4 Geison de Lima Martins é graduando do curso de Ciência da Computação - Universidade Fe-
deral de Pelotas e cursando Técnico em Desenvolvimento de Sistemas no Instituto Federal Sul-rio-
-grandense Câmpus Pelotas-Visconde da Graça. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão em
projetos multidisciplinares. Trabalha com a criação de dispositivos artísticos interativos em projetos
multidisciplinares com artistas e engenheiros.
928
91
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Abstract
The objective of this work is to bring Visual Arts and Electronic Engineering closer
together by looking at the construction of printed circuit board (PCI) drawings and
tracks, and their relationship with Metal Engraving. Track designs boost imagina-
tion and thought, both in circuit designs and in shaping shapes that can be asso-
ciated with the drawn paths. Despite its diverse nature, we find connecting points
between the imagination present in these two areas of knowledge.
Keywords: Imaginary, drawing, recording, printed circuit, multidisciplinary.
Introdução
Este trabalho tem como objetivo abordar algumas aproximações possíveis entre as
áreas das Artes Visuais e da Engenharia Eletrônica, a partir do ponto de vista de nos-
sos projetos multidisciplinares, que envolvem um grupo composto por estudantes e
professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
929
92
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A ideia de estudar estes diferentes desenhos e, com eles, as diferentes soluções que
poderiam ser encontradas para o mesmo problema surgiu com as variações que
apareceram nos desenhos de circuito impresso para chaveamento de LED (Imagem
1). Estes desenhos fizeram parte de um processo didático de aprendizagem de dife-
rentes métodos de gravação de PCIs, e foram desenhados por quatro pessoas dife-
rentes, pertencentes ao grupo.
Como poderíamos relacionar estas imagens de PCI com as questões que surgem e
com o que nos questionamos quando estamos no campo da Arte? Por exemplo, so-
bre a íntima ligação que existe entre quem desenha e o traçado que surge no papel?
Estas questões já faziam parte de nossas indagacões, ao pensarmos sobre o modo
como a ação de “fazer ‘aparecer’ imagens, na especificidade da experiência plástica
de operar traços, manchas, superfícies e volumes, reverberam no corpo e nos pro-
cessos de aprender a instaurar sentidos que significam a convivência?” (Pohlmann;
Richter, 2016, p.27). Aqui, na intersecção das artes visuais com a engenharia eletrô-
nica, seguimos com as mesmas perguntas, pois o que vemos surgir nas bancadas do
Ateliê 103 se parece com o trabalho que desenvolvemos no campo da arte, mesmo
quando estamos construindo Placas de Circuito Impresso.
930
93
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Trabalhamos com a ideia de “constelar”, pois é disso que se trata. Como diriam, cons-
telar é desenhar com pontos no infinito. É olhar as estrelas, ligar os pontinhos e for-
mar uma figura. Conectar os componentes da placa, interligando os pontos, e desco-
brindo o melhor caminho para traçar as trilhas entre eles é um modo de “constelar”.
Cada um estuda o problema a seu modo, e, a cada vez, encontra uma resposta que
pode até mesmo ser diferente das soluções encontradas anteriormente, mas, sem
dúvida, serão diferentes das soluções desenhadas pelos colegas no grupo. A cada
novo desenho, uma nova ideia, e uma nova maneira de interligar os pontinhos.
Nos ensaios, nas tentativas e erros, nos esboços, nos projetos e rascunhos vemos as
tensões que reverberam o ato de criar e figurar imagens. O processo de criação é
similar num campo e noutro. E, mesmo sem a intencionalidade estética (que é mais
plausível ao campo da arte), encontramos nestes desenhos de circuitos uma série de
expressões individuais e modos de fazer muito íntimo a cada um. Se assim não fosse,
provavelmente teríamos uma única solução, e um único traçado para resolver aque-
le problema específico. Isso talvez seja da ordem de um programa de computador;
no entanto, aqui, o que encontramos são os desvios, as variações, as diferenças, as
oscilações que acompanham o ato de criar, de se indagar, e de figurar.
Desenhar Constelações
Ao desenhar as trilhas das placas de circuito impresso, o principal objetivo é “ligar os
pontinhos”. No sentido de estabelecer as ligações entre as diferentes partes que com-
põem o circuito. Conforme o número de componentes eletrônicos e a posição que cada
um ocupa no plano da placa (PCI), teremos uma infinidade de soluções possíveis. Trata-
-se de encontrar o melhor caminho, a melhor trilha, a melhor ligação entre eles. Neste
ato de “ligar os pontinhos”, damos início às projeções que acompanham o pensamento.
Para Flávio Gonçalves (2013, p. 102), “no plano conceitual, as constelações são um
exemplo de aliança entre o pensamento e a projeção”. Para Gonçalves, elas existem
em função desta possibilidade de designar uma forma que, ao apontar com o dedo,
transforma a imaginação em ato de significar. E ele segue: “as constelações são pro-
jeções mentais que permanecem tão imateriais na sua constituição quanto o nosso
pensamento” (Gonçalves, 2013, p.102).
931
94
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
ser feita, e a paixão de descobrir um modo de fazê-la. Dar sentido ao que está sendo
produzido é parte intrínseca ao processo de criação, seja de uma gravura ou de uma
PCI. Não há como prescindir da mão e do corpo, do gesto, do olho, da imaginação e
das projeções possíveis de serem realizadas à medida em que o lápis percorre o pa-
pel. Os projetos darão origem às trilhas que, em momento posterior, serão gravadas
em percloreto de ferro. Tal como as linhas da “água-forte”, utilizaremos o poder do
líquido a corroer o metal (Imagem 2).
932
95
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
ser ajustadas, de modo a que todos possamos nos compreender. Tal como uma Torre
de Babel, as diferentes línguas percorrem as diferentes conexões também entre os
participantes do grupo. Nem sempre a comunicação se estabelece de modo unívo-
co; ao contrário, na maioria das vezes, é necessário parar, explicar, retornar ao ponto
anterior, dizer de modo diferente o que se estava tentando dizer para que as infor-
mações possam ser assimiladas e compreendidas.
Nestes estudos, a geometria dos desenhos das trilhas é um meio de expandir o pen-
samento, tanto para o desenho do próprio circuito como para elaborar as formas
que podem ser associadas aos caminhos desenhados. Pontos, linhas, tensões, curvas
e formas geram hipóteses de ressonâncias recíprocas, que fazem parte tanto da ele-
trônica como da arte.
Ao desenhar, os dedos e a mão seguram um objeto capaz de riscar uma linha sobre
determinada superfície. Estávamos acostumados a empunhar um lápis ou uma ca-
neta, e rabiscar ou escrever sobre o papel ou o caderno. Atualmente, é cada vez mais
difícil nos acostumarmos com a escrita à mão ou nos readaptarmos ao uso do lápis
ou da caneta para riscar ou desenhar. O despreparo da mão é sentido pela falta de
prática que faz doer a musculatura desacostumada à tensão e à pressão necessárias
por longas horas para concluir a tarefa de desenho ou escrita. O computador, os apa-
relhos eletrônicos e utlimamente os celulares substituíram nossos modos ancestrais
de registro de palavras e imagens.
933
96
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Valores rítmicos, repetição de linhas paralelas, curvas sinuosas que nos fazem ter a
sensação de estarmos numa montanha-russa (Imagem 3), ou, por outro lado, uma
economia de traços ou, de outro, um labirinto. Em cada imagem, um mundo. Em cada
experiência, uma novidade. Em cada superfîcie, uma longa planície a ser percorrida.
“Que grande território de sonho é uma planície de cobre”, como diria Bachelard
(1991, p. 74) sobre o “Tratado do buril” de Albert Flocon. Tal como uma cartógrafo,
vamos andando sem trazer na bagagem “mapas ou valores pré-estabelecidos”, mas
percorremos essa planície de cobre como “alguém aberto a percorrer e descrever
novos trajetos e caminhos que se apresentam como possíveis, munido de um olhar
de estrangeiro” (Prado Filho; Teti, 2013, p. 56).
Passo a passo
A metodologia do trabalho consistiu em projetarmos uma imagem sobre as placas
de cobre e fenolite e, a partir das linhas que constituem as trilhas, estruturarmos as
ligações dos componentes de acordo com as necessidades do circuito eletrônico.
934
97
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
As técnicas de transferência do desenho das trilhas pode variar e, inclusive, foram as-
sociados aos métodos tradicionais de gravura em metal e com métodos alternativos
de gravura não-tóxica. Uma parte das pesquisas do grupo está dedicada às conside-
rações sobre sustentabilidade energética e sustentabilidade na gravura, pensando
em métodos e materiais alternativos não-tóxicos para realização das gravuras em
metal. Então, faz parte dos nossos procedimentos implementarmos métodos alter-
nativos tanto para a gravação de placas que servirão como matrizes de metal, como
também para as placas que servirão como suporte de circuitos impressos (PCI).
Considerações finais
As linhas gravadas no metal são sulcos em baixo-relevo que refletem ou dissipam a
luz. Possuem ainda a capacidade de refletir o que está a seu redor, deixando aparen-
te por reflexo o que há de luz ou de sombra no ambiente em que estão sendo vistas.
Como uma matriz de uma gravura em metal, estas placas de PCI possuem imagens
latentes, que poderão ou não servir como ponte de ligação entre o que foi pensado,
o que foi executado e o que poderá ser produzido a partir de suas conexões. Elas nos
enchem de emoção, e suscitam viariações em sua apreensão pelo que são capazes
de presentificar. Estes impulsos nos gestos percebidos também podem direcionar o
próximo passo a seguir.
Os desenhos nos fazem redescobrir o mundo sensível. E, nos desenhos destas pla-
cas de circuito impresso (PCI), isso não acontece diferente. Elas também podem nos
mostrar a abertura, o encantamento, o inusitado e a variabilidade das informações
de cada uma delas. Simples, diretas, rebuscadas ou sinuosas, estas linhas gravadas
nos dizem um pouco sobre quem as criou. Sobre o pensamento de quem as criou.
Ou sobre sua imaginação em suas projeções.
Agradecemos ao CNPq pelo apoio às pesquisa que deram origem a este texto.
Referências
Bachelard, G. (1991). O Direito de Sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand.
Gonçalves, F. (2013). Através. Revista-Valise, Porto Alegre, v.3, n.5, ano 3, junho de
2013, pp. 97-108. [Dossiê: O Desenho e seus percursos: desenho e transformação].
Pohlmann, A.; Richter, S. (2016). O poder ficcional das linguagens plásticas: afinidades
entre os processos de criação na arte e na pedagogia. In: Senna, N.; Silva, Ursula. (Orgs.)
Visualidade e cotidiano no ensino da arte. Goiânia: Gráfica da UFG, pp. 27-37.
Prado Filho, K.; Teti, M. M. (2013). A Cartografia Como Método para as Ciências Huma-
nas e Sociais. In: Barbarói, Santa Cruz do Sul, n.38, p.<45-59>, jan./jun.
935
98
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Resumo
Desde o início do século XX a primazia do vocabulário estético para analisar os
processos artísticos vem sendo deslocada para o discurso poético. Segundo Bo-
ris Groys, esse deslocamento ocorre porque cada vez mais nossas questões em
relação às imagens concernem à sua produção em vez de sua contemplação.
Situado nas fronteiras do design e das artes visuais, este artigo investiga as con-
sequências da consolidação dessa mudança de perspectiva quando ela coincide
com a emergência e o rápido desenvolvimento das mídias visuais combinadas
às plataformas de distribuição global pela internet, alterando, assim, a relação
estatística tradicional entre produtores e consumidores de imagens.
Palavras-chave: poética, estética, design, arte
Abstract
Since the early twentieth century, the primacy of aesthetic vocabulary for analyz-
ing artistic processes has been shifted to poetic discourse. According to Boris Groys,
this shift occurs because more and more our questions about images concern their
production rather than their contemplation. Situated at the frontiers of design and
the visual arts, this paper investigates the consequences of consolidating this shift in
perspective when it coincides with the emergence and rapid development of visual
media combined with global distribution platforms over the Internet, thus altering
the statistical relationship between producers and consumers of images.
Keywords: poetics, aesthetics, design, art
1 Formada em Design pela Escola de Belas Artes da UFRJ, pós-graduada pela École Supérieure des
Arts Modernes - Paris, mestre pela Escola de Comunicação da UFRJ e doutora em Artes Visuais pelo
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ.
936
99
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Dito isso, voltaremos nossa atenção para os sentidos da palavra poética, tal como
concebido na tradição vanguardista, e também para as suas derivações na con-
temporaneidade.
937
100
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Se atualmente aceitamos com tanta facilidade que noções como criação, trabalho,
acúmulo de riqueza e oferta e demanda apresentem-se muito naturalmente no
campo da arte é devido ao pensamento visionário de Valéry. Para quem essas no-
ções de nomes coincidentes, oriundas de contextos aparentemente tão distintos,
problematizam de forma similar as questões do homem com seu entorno, portanto
assim como existe uma analogia econômica, por motivos semelhantes estabelece-
mos também uma analogia política. Por mais interna e solitária que seja a criação
de uma obra, sentimos a presença das reações externas que vão provocar e serem
provocadas ao longo de sua elaboração. A criação de um projeto de arte pode levar
meses, até anos de reflexão. Um trabalho interno que compreende uma complexi-
dade enorme de escolhas e articulações delicadas, povoados de acasos e cálculos.
Valéry diz: “um olhar bastará para apreciar um monumento considerável, para sentir
o choque” (p. 186). Sobre esse mesmo monumento capaz de provocar ações desme-
didas, Deleuze (1993) dirá que ele é o composto de perceptos e afectos, o bloco de
sensações das linguagens artísticas que “transmite para o futuro as sensações persis-
tentes que encarnam o acontecimento: o sofrimento sempre renovado dos homens,
seu protesto recriado, sua luta retomada” (p. 229).
Chegamos à fronteira onde o discurso poético tangencia mas não se confunde com
o discurso estético. A atitude estética é aquela do espectador, se referindo à arte
sob o ponto do consumidor e exigindo deste sua participação por meio da expe-
riência estética. A partir de Kant, essa experiência, oriunda do sentimento do belo
ou do sublime, compreende a experiência estética advinda de um profundo acordo
das faculdades ou, ao contrário, na dor do desacordo dessas faculdades. Ambos os
sentimentos são capazes de provocar um prazer estético equivalente. Porém, essa
experiência é fruto de um espectador educado para tal, se comportando como uma
autoridade externa ao conteúdo da obra. Assim, sob o ponto de vista estético, a úni-
ca preocupação do artista seria a de como oferecer conteúdos de forma atraente e
sedutora para o refinamento e o olhar educado de seus consumidores.
938
101
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Boris Groys (2015), em seu texto Poétique contre Esthétique, (p. 09) observa que a
predominância do discurso estético se deve principalmente a uma questão quan-
titativa. Desde os séculos XVIII e XIX, quando a reflexão estética surgiu e se desen-
volveu, o número de espectadores era expressivamente maior que o de artistas. A
arte adquiriu a função formadora do gosto e da sensibilidade estética atendendo à
demanda dos consumidores.
Porém, o autor alerta, que desde o início do século XX essa divisão simplista entre os
sujeitos da atitude estética e artistas produtores de objetos de contemplação vem
se desmoronando. Muitas são as especulações para esse acontecimento, entre elas a
emergência de uma sociedade atravessada pela expansão tecnológica que no con-
temporâneo é rastreada em tempo real e sobre a qual a vigilância e o controle das
redes atingiu índices inimagináveis dentro da escala humana. Atualmente a questão
das imagens se refere muito mais à sua produção do que à sua contemplação. O
acesso fácil aos aparelhos de foto e vídeo proporcionado pelas técnicas digitais se
combinou às redes sociais e a plataformas globais de distribuição, alterando visivel-
mente a relação estatística tradicional entre produtores e consumidores de imagens.
Os artistas em potencial e os produtores tornaram-se muito mais numerosos que os
espectadores. Hoje qualquer pessoa, por meio de um celular, lida com questões da
imagem de forma muito semelhante a um profissional ou a um artista.
Não é por acaso que os processos de criação, as conversas íntimas, as dúvidas dos
artistas expressas em suas obras tornaram-se tão ou mais importantes que o resul-
tado final destas. Uma vez que o número de produtores de arte supera o número de
consumidores, a questão da distinção entre um objeto banal e uma obra de arte foi
superada pela questão de saber distinguir um artista de um não-artista. Por isso, o
discurso do artista e o discurso poético vêm ganhando cada vez mais importância.
Hoje é comum que o ato de contemplar seja precedido pela leitura de textos sobre
as obras elaborados pelos próprios artistas ou em nome deles.
Vale aqui realçar o pensamento de outros autores sobre a noção de poética para afir-
mar (e relembrar) que o fazer implicado no sentido da palavra poética estabelecia
uma relação misteriosa entre desejo (processo de criação) e acontecimento (obra re-
alizada). Na produção do objeto artístico, a ação, mesmo sob a influência do inefável,
encontra no resultado a determinação final de algo indizível. A ideia encontra a sua
forma, o seu equilíbrio precário, de vir ao mundo.
O sentido da palavra poética para Umberto Eco (1991), emana do discurso criador, de
como o artista compreende o fazer de sua própria obra de um modo tal que o objeto
939
102
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
artístico contenha os indícios de sua intenção. Assim, a obra pronta se apresenta como
uma chamada livre para adentrarmos em um universo desconhecido mas que, de uma
forma ou de outra, pertence ao artista que o criou.
O artista Tunga (2001), ao falar da apresentação de sua obra, “Assalto”, nos presenteia
com uma forte definição de poética em sintonia com o que foi dito antes: a obra no
mundo “carrega em si a indicação de que a partir da radicalidade de uma experiência
é que se constrói uma poética. Mas existe um certo rigor neste fazer, esse fazer é uma
construção, não é uma coisa espontânea” (p. 120).
Deleuze (1993) diz que o artista cria blocos de afectos e perceptos “mas que a única
lei da criação é que o composto deva ficar em pé sozinho” e que este seria o ato
fundamental do artista, criar um composto de sensações que se sustente, que se
conserve. “A obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela existe em si” ( p. 213),
mas a sensação não se efetua no material sem que a técnica seja atravessada pelo
pensamento. A relação entre o plano de composição técnica e o plano de composi-
ção estética não cessa de variar, configurando a construção poética, esse fazer que é
fruto de uma ação do pensamento e que torna toda a matéria expressiva.
940
103
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
as suas circunstâncias dentro da prática do artista que a criou, para depois emitir o
seu julgamento sobre o estatuto artístico, ou não, daquele objeto.
É importante realçar que, para Groys, esse é um aspecto estratégico da arte desde a
tradição vanguardista que foi radicalizado em nosso tempo. Esse caráter impopular,
minimalista e enfraquecido do gesto artístico é um forma de sobreviver à temporali-
dade contraída das imagens fortes “escapando do status quo que funciona como um
meio permanente de troca dessas imagens fortes” (p. 101).
941
104
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Ao mesmo tempo, vemos surgir cada vez mais obras de artistas, sobretudo aqueles
que atuam no campo das tecnologias digitais, apresentando imagens impressio-
nantes que, além da perfeição técnica e estética impecáveis, são dotadas de uma
carga poética à altura da fala maravilhada de Valéry e dos blocos de sensação em
Deleuze. Imagens que, ao valorizarem uma correspondência fértil entre matéria
e pensamento entre forma e sentido, nos possibilitam expandir essa discussão
rumo às confluências entre arte e design. Assim, podemos imaginar que nas fron-
teiras dessas duas disciplinas surge uma perspectiva de ação alternativa frente aos
processo de enfraquecimento das imagens da arte, propiciando o acontecimento
de ações poéticas mais vigorosas.
942
105
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Conferir à disfuncionalidade uma noção de valor permite que o design aspire mais
do que apenas intervir na realidade para afirmá-la, torná-la mais atraente e mais fácil
de usar. Somente questionando e expondo as ineficiências e os fracassos da reali-
dade que nos cerca e, fazendo isso esteticamente como afirma Groys (2017) , não
diferenciando entre sucesso e fracasso, o design poderá escapar das acusações de
ser uma ferramenta onipresente de enfraquecimento e manipulação da sociedade
em prol da manutenção do status quo, promovendo “o estado de exaustão total que
tornaria qualquer ação histórica revolucionária impossível” (p. 218).
Ofertar aos objetos e imagens do design a perspectiva de exercer ou não a sua função
de uso, desestabiliza as noções pré-estabelecidas, cristalizadas, de comunicação, infor-
mação e usabilidade, possibilitando um novo exercício imprevisto, impensável. Agam-
ben (2018) nos diz que esse é o procedimento da poesia com a linguagem, “é o pon-
to em que a língua tendo desativado suas funções utilitárias, repousa em si mesmo,
contempla a sua potência de dizer” (p. 80). Por isso, esse é também o ponto em que o
design pode constituir uma poética. O que a poesia realiza pela potência de dizer, o
design deve realizar pela potência de projetar e significar com suas imagens e objetos.
O design contemporâneo, entendido como um design que atua nas fronteiras, aco-
lhendo e expandindo saberes de outras disciplinas, se aproxima das indagações da
943
106
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
arte de nossa época sem o apagamento e a desatenção à forma que fazem com que
o criador corra o risco de perder de vista o concreto das experiências. As imagens da
arte resistem e sobrevivem às imagens fortes da ideologia do progresso tirando par-
tido de sua fraqueza, misturando-se à baixa visibilidade da vida cotidiana. O design
apresenta a alternativa do embate de forças, da restituição dos monumentos e da
imagem como potência de acontecimento que ao não se confundir com o cotidiano,
afirma a vocação do pensamento criador para o extra-ordinário. A ação do designer-
-artista reconstitui o plano de composição estética como força de sensação para que
o infinito do olhar possa transcender o finito do visto.
Referências Bibliográficas
Agamben, G. (2018) O fogo e o relato: ensaios sobre criação, escrita, arte e livros. São
Paulo: Ed. Boitempo.
Cardoso, R. (2012). Design para um mundo complexo. São Paulo: Ed. Cosac Naify.
Groys, B. (2017). Artigo O Ativismo Artístco na Revista Poiésis, v. 18, n. 29. Niterói: UFF,
pp. 205-219.
944
107
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo apresenta aspectos relacionados ao desenho do corpo humano como
referência para uma intervenção educativa, que faz parte do processo de pesqui-
sa denominado “Alfabetização visual no modelo educacional flexível ‘Aceleração
da Aprendizagem’”, cujo objetivo era a compreensão das dimensões acadêmicos
e emocionais de em estudantes de modelo em um ambiente de alfabetização,
o quadrinhos. Em um estudo com abordagem qualitativa, o desenho foi utiliza-
do com o objetivo de estabelecer as condições emocionais iniciais de um grupo
de estudantes entre 11 e 16 anos de idade para elaborar uma proposta de inter-
venção com a mediação de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), como
parte de um estudo de caso instrumental em suas fases pré-ativa (planejamento e
design), interativa (implementação) e pós-ativa (avaliação), cujo interesse foi foca-
do em contribuir para a melhoria das condições de vida dos alunos e ao enriqueci-
mento das alternativas educacionais orientadas pelos professores.
Palavras-chave: Desenho do corpo humano, emoções, Aceleração da Aprendizagem,
Tecnologias da Informação e Comunicação.
Abstract/resumen/resumé
Este artículo presenta aspectos relacionados con el dibujo del cuerpo humano como
referente para realizar una intervención educativa, el cual forma parte del proceso
de investigación denominado “Alfabetización visual en el modelo educativo flexible
‘Aceleración del Aprendizaje’” cuyo propósito fue la comprensión de las dimensiones
académica y emocional en estudiantes del modelo en un escenario de alfabetización,
la historieta. En un estudio con enfoque cualitativo, el dibujo se empleó con el objetivo
de establecer las condiciones emocionales iniciales de un grupo de estudiantes entre
945
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
los 11 y 16 años para el diseño diseñó de una propuesta de intervención con la media-
ción de las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC), como parte de un
estudio instrumental de casos en sus fases preactiva (planeación y diseño), interactiva
(implementación) y postactiva (evaluación), cuyo interés se centró en aportar al me-
joramiento de las condiciones de vida de los estudiantes y al enriquecimiento de las
alternativas formativas orientadas por los profesores.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Dibujo del cuerpo humano, emociones, Acele-
ración del Aprendizaje, Tecnologías de la Información y la Comunicación.
Introducción
En este artículo se muestran aspectos relacionados con el dibujo del cuerpo huma-
no como parte de la investigación “Alfabetización visual en el modelo educativo
flexible ‘Aceleración del Aprendizaje’”, el cual se tomó como punto de partida para
el diseño de una propuesta de intervención mediada por las TIC. Con el dibujo cada
estudiante materializó representaciones que favorecieron no sólo su comunicación
interpersonal y su creatividad, sino que también le ayudaron a exteriorizar sus emo-
ciones según su edad y género, su desarrollo físico, cognitivo, cultural, social, afec-
tivo y emocional, así como por la personalidad, el entorno y las circunstancias indi-
viduales. Dentro del aula, el dibujo hizo posible la libre expresión de sentimientos,
y en muchos casos de manera inconsciente permitió la exteriorización de lo más
personal, afectivo y emocional como evidencia del mundo interior de cada indivi-
duo, contribuyendo así a la identificación de rasgos emocionales y cognitivos reflejo
de problemáticas o necesidades que requieren ser atendidas desde los procesos de
formación, y así fortalecer emocionalmente a los estudiantes para disminuir el riesgo
de deserción y aumentar su motivación y desempeño educativo (Díaz, 2014).
946
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
dibujo de la figura humana como reflejo del mundo interior de los estudiantes, cuyo
análisis lleva al planteamiento de propuestas relacionadas con los hallazgos emocio-
nales obtenidos.
En esta tarea de comprensión y producción, muchos textos que circulan por la escuela
plantean la convergencia entre la palabra y la imagen, situación que enfrenta a la es-
cuela al plantemiento de procesos de alfabetización diferentes como la visual y, a los
estudiantes al desarrollo de habilidades para hallar, interpretar, evaluar, usar y crear
lo verbal y lo visual (ALA, 2011), desde sus contextos emocionales, culturales, éticos,
estéticos, intelectuales y técnicos. Así, una vez caracterizado el estado emocional y el
contexto de los estudiantes, es posible pasar a una fase de invervención que genere
experiencias escolares tendientes a mejorar su estado emocional, sus condiciones de
vida y su desempeño académico. A continuación, se describe cada fase investigativa:
(1) preactiva (el dibujo de la figura humana; la alfabetización visual); (2) interactiva (los
hallazgos y su interpretación); (3) postactiva (la propuesta; algunas conclusiones).
947
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
La alfabetización visual
En los textos empleados en el modelo de ‘Aceleración del Aprendizaje’ converge la
palabra y la imagen, lo que requiere de una pedagogía enfocada hacia sistemas sim-
bólicos que permita la comprensión de lo verbal y lo no verbal (Schmidt, 2006), lo
que toma relevancia a la hora de conocer, interactuar con otros y de expresar ideas,
deseos y sentimientos. Ante esta convergencia, los estudiantes han de alfabetizarse
visualmente para ser capaces de crear, usar, apreciar e interpretar imágenes en el
desarrollo de actividades vinculadas con el aprendizaje, la comunicación y la toma
de decisiones (NCREL - METIRI Group, 2003).
948
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Estudiante 3 Interpretación
Estudiante de 13 años. La representación
que hace de la figura humana indica que
es independiente emocionalmente y ego-
céntrico; la simetría del dibujo indica que
tiende a ser rígido con su entorno, poco
flexible, actúa a la defensiva; la posición de
la figura expresa que tiende a ser perfec-
cionista, extrema atención a la opinión ex-
terna y a la sensibilidad; la expresión facial
expresa que tiende al negativismo, resis-
tencia al cambio, con tendencia a retraer-
se y actuación de la fantasía, poco interés
por la actividad física; el tamaño y direc-
ción de la boca manifiesta ser agresivo ver-
balmente, tendencia a irritarse fácilmente y
Figura 1. Dibujo estudiante 3
a ser dominante con sus amigos.
949
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Estudiante 4 Interpretación
Estudiante de 13 años. El trazo de la cara in-
dica que la niña tiende a ser perfeccionista;
la dirección de la pupila expresa que se pre-
ocupa por su apariencia es vanidosa; la po-
sición del dibujo se a interpreta que tiende
a la extroversión; el tamaño de los ojos y la
dirección representa hipersensibilidad a la
opinión social del grupo de amigos o com-
pañeros de colegio; la posición, tamaño y
dirección de los brazos expresa que tiene
temores internos, sobredimensiona las si-
tuaciones actuando con inmadurez en al-
gunas oportunidades; el tamaño y posición
de las piernas y pies indica que actúa a la
defensiva y no confía fácilmente en la gen-
Figura 2. Dibujo estudiante 4
te, según la situación se siente inferior ante
otros, dificultad para tomar decisiones.
Estudiante 5 Interpretación
950
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Estudiante 6 Interpretación
Estudiante 9 Interpretación
Estudiante de 12 años. Hizo tres intentos
de dibujo, todos de diferente tamaño lo
que demuestra que es solitario, triste, in-
trovertido, tímido, inseguro; al dibujar los
ojos vacíos indica sentimiento de culpa
e inmadurez, lo que no corresponde con
la edad; tiende a ser egocéntrico, depen-
diente, con vaga percepción del mundo
y curiosidad por explorar; la posición de
los brazos se interpreta la necesidad de
ser reconocido y valorado; la boca expresa
alegría y deseos de compartir, sin embar-
go, la inseguridad le impide participar e
interactuar con otros; la posición de las
Figura 5. Dibujo estudiante 9 piernas indica que ha tenido que afrontar
diferentes situaciones difíciles.
951
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Estudiante 10 Interpretación
Estudiante de 12 años. El tamaño de la re-
presentación indica que es insegura, retra-
ída y con tendencia a la tristeza, inhibida por
preocupaciones en el ambiente que le im-
piden funcionar adecuadamente en casa
o en la escuela, un posible ocultamiento; le
gusta pasar desapercibida, es sumisa, los de-
talles y el color que le adiciona a su trabajo
indican el cuidado personal, la creatividad,
el compromiso, perseverancia, ternura; la
posición de los brazos indica la confrontaci-
ón entre los momentos de tristeza y soledad
en casa y los que comparte con las amigas;
también se observa dificultad para interac-
tuar en contextos o personas nuevas; el tra-
zo de la boca es ambiguo lo que indica que
no es tomada en cuenta, participa poco en
Figura 6. Dibujo estudiante 10 los eventos escolares y en casa se aísla; el ta-
maño de las piernas indica baja autoestima.
La propuesta
A partir de los hallazgos, se propone un ambiente para la alfabetización visual en
los que se abordan aspectos relacionados con la autoestima, y en particular con el
autoconcepto, con el propósito de que estudiantes y profesores de ‘Aceleración del
Aprendizaje’ entren en contacto con la problemática detectada a través de la lectura
de imágenes y palabras, desde la perspectiva de una pedagogía de la imagen que
lleve a ver, mirar y observar, a diversificar contenidos educativos y a entrar en la co-
tidianidad escolar, en la que se conjuga lo académico y lo emocional. La imagen y la
palabra enriquecidas por los entornos en los que se relacionan, por las perspectivas
de quienes las crean, perciben, producen o consumen, por la puesta en escena de
saberes y posturas que van más allá de lo visual (Dussel, 2006).
952
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
953
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
954
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Algunas conclusiones
La alfabetización visual como una pedagogía de la imagen, permite que el estudian-
te tome distancia frente a lo que ve, mira y observa, llevándolo no solo a percibir
formas, sino también a pensar sobre lo que ocurre en su cotidianidad y en la escuela.
Como caso particular, la historieta como escenario para la lectura de la palabra y la
imagen, propone situaciones presentes en los hallazgos obtenidos que, junto con
las dinámicas en la escuela y en la familia pueden incidir en el rendimiento escolar.
La alfabetización visual en historietas, plantea la necesidad de formar a los docentes
en la planeación de actividades alfabetizadoras en las que se representen situacio-
nes reales que lleven a los estudiantes al análisis de las imágenes y a la identificación
de aspectos emocionales. En este proceso formativo que involucra imágenes, los
955
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
profesores y los estudiantes han de ser sensibles a lo que se les presenta; han de ser
creadores y receptores, productores y consumidores; han de comprender las emo-
ciones representadas; han de apropiarse de los saberes y lenguajes verbales y no
verbales convocados al momento de ver, mirar y observar.
Referências
ALA (2011). ACRL Visual Literacy Competency Standards for Higher Education.
American Library Association. Recuperado de http://www.ala.org/acrl/standards/
visualliteracy
Andrade S., J. A., Bustos R., J. S.., & Guzmán J., P. del P. (2015). Análisis de la figura
humana en niños y niñas desplazados en Colombia. El Ágora USB, 15(1), 255-268.
Recuperado de http://revistas.usbbog.edu.co/index.php/Agora/article/view/13
Barraza M., E. (2006). La historieta y su uso como material didáctico para la enseñanza
de la historia en el aula. Perspectiva Educacional, (47), 73-97. Recuperado de http://
www.redalyc.org/html/3333/333328828005/
Beltrán M., J., & Marín Q., M. (2017). La historieta como material didáctico en la for-
mación de actitudes relacionadas con la Ciencia desde el abordaje de asuntos socio-
científicos. Enseñanza de las ciencias, (Extra), 4715-4720. Recuperado de https://ddd.
uab.cat/record/183632
956
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Carpe, I., & Garcia Rams, M. S. (2015). Animando la ilustración e ilustrando el mundo
en movimiento a través de visual literacy. ILUSTRAFIC 2015. 2º Congreso Internacio-
nal de Arte, Ilustración y Cultura, 240-249. Editorial Universitat Politècnica de Valèn-
cia. Recuperado de https://riunet.upv.es/bitstream/handle/10251/97987/462-5006-
1-PB.pdf?sequence=1
Carreras, M. A., Uriel, F., & Liporace, M. F. (2013). Actualizaciones en el análisis de íte-
mes madurativos del dibujo de la figura humana en niños escolarizados de Buenos
Aires. Interdisciplinaria, 30(1), 101-118. Recuperado de https://www.redalyc.org/
pdf/180/18027808006.pdf
Cartuche J., J. D. (2016). El dibujo infantil para identificar la personalidad de las niñas
y niños de 4 a 5 años de edad de la escuela de educación general básica Dra. Matilde
Hidalgo de Procel N° 1 de la ciudad de Loja. Periodo 2014-2015 (tesis de pregrado).
Universidad Nacional de Loja, Loja, Ecuador. Recuperado de https://dspace.unl.edu.
ec/handle/123456789/11357
Cerrejón A., F. & Montero F., M. (2000). Alfabetización visual, cómics e incorporación
social. En: Camacho Herrera, A. J., Castillo Manzano, A. J., & Monge Moreno, I. Pers-
pectiva y realidad de la incorporación social sobre drogodependencias en Andalu-
cía. Sevilla: Consejería de Asuntos Sociales, pp.135-141.
Díaz D., M. I. (2014). Plan de estudios modelos flexibles: procesos básicos. Medellín:
Institución Educativa Francisco Miranda. Recuperado de https://master2000.net/
recursos/menu/92/2386/mper_arch_16781_plan%20de%20estudios%20FM%20
27%20febrero.pdf
957
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fernández G., J. de D., & Ramírez C., M. A. (2002). Programa de habilidades sociales
para mejorar la convivencia. Revista Electrónica Interuniversitaria de Formación del
Profesorado, 5(5). Recuperado de http://ww.w.aufop.com/aufop/uploaded_files/ar-
ticulos/1242552046.pdf
Fernández H., C., & López J., A. R. (2015). El cómic como medio, el superhéroe
como alegoría: las narrativas del superhéroe como recurso didáctico. Revista RIE-
-UANL, 2(2), 2448-6825. Recuperado de https://www.researchgate.net/profile/
Christian_Fernandez3/publication/314237024_EL_COMIC_COMO_MEDIO_EL_SU-
PERHEROE_COMO_ALEGORIA_LAS_NARRATIVAS_DEL_SUPERHEROE_COMO_RE-
CURSO_DIDACTICO/links/58bc8b61aca27261e528d801/EL-COMIC-COMO-MEDIO-
-EL-SUPERHEROE-COMO-ALEGORIA-LAS-NARRATIVAS-DEL-SUPERHEROE-COMO-
-RECURSO-DIDACTICO.pdf
Gutiérrez S., L., Fontenla F., E., Cons F., M., Rodríguez F., J. E., & Pazos C., J. M. (2017).
Mejora de la autoestima e inteligencia emocional a través de la psicomotricidad y de
talleres de habilidades sociales. Sportis, 3(1), 187-205. Recuperado de http://ruc.udc.
es/dspace/handle/2183/22759
Lezcano M., D. A., Melgarejo, O. J., Ureta Q., V. S., Arrom C., C. H., & Romero N., M. M.
(2015). Test del dibujo de la figura humana en pacientes en edad pediátrica víctimas
de violencia psicológica. Estudio de casos. Memorias del Instituto de Investigaciones
en Ciencias de la Salud, 13(3). Recuperado de http://revistascientificas.una.py/index.
php/RIIC/article/view/638
958
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MEN (2010). Revolución Educativa: Plan Sectorial 2010 - 2014. Colombia: Ministerio
de Educación Nacional. Recuperado de https://www.mineducacion.gov.co/1621/ar-
ticles-293647_archivo_pdf_plansectorial.pdf
MINTIC (2016). Diseño y medición: Indicador Terminales por cada 100 habitantes En
el marco del Plan Nacional de desarrollo 2014 - 2018. Ministerio de Tecnologías de
la Información y las Comunicaciones. Recuperado de https://colombiatic.mintic.gov.
co/679/articles-74011_recurso_1.pdf
NCREL - METIRI Group. (2003). enGauge®21st Century Skills: Literacy in the Digital
Age. Recuperado de http://pict.sdsu.edu/engauge21st.pdf
Nixon, A. L., Tompkins, H., & Lackie, P. (2008). Curricular Uses of Visual Materials: A
Mixed-Method Institutional Study. Carleton College, Dean of the College Office.
Onieva L., J. L. (2015). El cómic online como recurso didáctico en el aula. Webs y apli-
caciones para móviles. Filología y Didáctica de la Lengua, (15), 105-127. Recuperado
de http://academica-e.unavarra.es/handle/2454/20374
Puleo R., E. M. (2012). La evolución del dibujo infantil. Una mirada desde el contexto
sociocultural merideño. Educere, 16(53), 157-170. Recuperado de https://www.re-
dalyc.org/pdf/356/35623538016.pdf
959
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Romero C., S., & Gómez M., G. E. (2013). El desarrollo del lenguaje evaluativo en nar-
raciones de niños mexicanos de 3 a 12 años. Actualidades en Psicología, 27(115),
15-30. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0258-64442013000200004
Sánchez B., J. A. (2010). Modelo Educativo Aceleración del aprendizaje: Guía docente.
Colombia: Ministerio de Educación Nacional. Recuperado de http://redes.colombia-
aprende.edu.co/ntg/men/archivos/Referentes_Calidad/Modelos_Flexibles/Acelera-
cion_del_Aprendizaje/Guia_del_docente/Guia%20Docente.pdf
Sanz M., Z. (2019). El dibujo como herramienta de trabajo para reducir el acoso esco-
lar (tesis de pregrado). Universidad de Valladolid, Valladolid, España. Recuperado de
http://uvadoc.uva.es/handle/10324/36997
Segovia A., B. (2010). Desarrollo de la narrativa visual de los escolares con el cómic.
Revista Iberoamericana de Educación, (51). Recuperado de http://helvia.uco.es/han-
dle/10396/3979
Segovia A., B., & Racionero S., F. (2015). Educar para la cultura visual ¿un reto o una
necesidad? Una propuesta metodológica. Revista de Investigación en la Escuela,
(85), 87-100. Recuperado de https://idus.us.es/xmlui/handle/11441/59753
960
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A magia da ilusão
The magic of illusion
Resumo
As intervenções ilusórias visuais são um meio expressivo que vem sendo uti-
lizado em diferentes situações ao longo da história da arte. Entre os diversos
procedimentos de intervenções ilusórias visuais, como formas de expressão ar-
tística, encontram-se aqueles que criam ilusões chamadas de Anamorfoses. Essa
forma de arte sugere ao espectador uma imagem flexível que, dependendo do
ponto de vista, sofre uma metamorfose que pode gerar um novo significado.
Esse artigo visa estimular as associações entre as imagens mentais, a memória
e as construções com efeitos ilusórios de modo a instigar a capacidade de abs-
tração e a concepção de ideias criativas para intervenções em áreas ligadas ao
design, à arte e à arquitetura. Como pesquisa de campo foram elaborados três
experimentos anamórficos: uma escultura, uma projeção e uma plotagem. Essas
criações são uma possibilidade para brincar com paradoxos e o ilógico, além de
incitar ideias e sensações, representando a mágica da ilusão.
Palavras-chave: Percepção Visual; ilusão; anamorfose e criatividade.
Abstract
Visual illusory interventions are means of expressions that has been used in differ-
ent situations throughout the history of art. Among the various procedures of visual
illusory interventions, as forms of artistic expression, are those that create illusions
called Anamorphoses. This form of art suggests to the viewer a flexible image that,
961
124
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Reflexões iniciais
As questões que envolvem as ilusões perceptivas despertam interesse em diversas
áreas do conhecimento humano. Em decorrência disso, diferentes pesquisas asso-
ciadas aos sentidos, com ênfase na construção visual, foram desenvolvidas. Ao longo
das últimas décadas, esse interesse tem se intensificado, principalmente por causa
das descobertas sobre suas características cognitivas. Mas, o que é a ilusão percep-
tual? Como construímos um percepto ilusório? Quais mecanismos fisiológicos e psi-
cológicos produzem a nossa percepção ilusória?
A percepção encontra-se, portanto como o evento final de uma série de efeitos co-
nectados ao meio ambiente, cuja construção imagética não é a representação fiel do
mundo, mas um correlato do que a mente cria. Uma linguagem biológica de trans-
dução daquilo que chamamos de “realidade”. E quando essas sensações estão num
contexto, que provocam suposições, podem-se criar condições perceptivas de ilusão.
962
125
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Neste momento é interessante fazer uma distinção entre ver e perceber. Ver é um
processo passivo de obter informação sensorial visual, enquanto que perceber pos-
sui um componente de reconhecimento e compreensão. Segundo Alva Noë (2004),
a percepção não pode ser algo meramente passivo, que simplesmente acontece em
nós (em nosso corpo), ela é determinada pelo o que fazemos (ou pelo que sabemos
como fazer); isto é, determinada pelo o que estamos prontos para fazer. Muitas vezes
podemos ver e não perceber.
“Se tudo que percebemos nos chega mediante a estimulação de nossos órgãos sensoriais, e se,
apesar disso, certas coisas não têm contrapartida na estimulação, é necessário assumir que estas
últimas são, de algum modo, sintetizadas. Como essa síntese ocorre, é o problema da percepção.”
963
126
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
preta em função de experiências anteriores com as quais seja possível fazer associa-
ções. Para fazer essas correlações ou construções mentais precisamos da memória.
A correspondência entre o resultado perceptivo e aquilo que o provoca não é, portanto, ponto a
ponto. Há uma diferença, há um descompasso, ou melhor, algo se perde e algo se acrescenta. Isso
que se acrescenta, especialmente, e que ocorre na passagem dos órgãos sensoriais para o cérebro
por enquanto ainda não é observável ou mensurável. Ai se localiza, exatamente, a questão da
percepção. (p. 6 e7)
964
127
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Os experimentos
Para embasar a discussão esta pesquisa construiu três experimentos anamórficos:
uma escultura, uma projeção e uma plotagem, com a intenção de levar o observador
a um mergulho nas zonas mais sensíveis ao experimentar o as discrepâncias percep-
tivas e, ao mesmo tempo, estimular diferentes aplicabilidades nas criações ligadas à
arte e ao design.
Escultura Anamórfica
Essa obra faz parte da exposição Galeria Curto Circuito, uma iniciativa do Parque Tec-
nológico da UFRJ e da Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ). Em seu 2º ciclo, inaugurado
em junho de 2018, a mostra permanente e gratuita, contempla obras espalhadas
numa área de 350 mil m². A escultura executada trata-se de um processo de trans-
formação da imagem, baseado em estudos de geometria e perspectiva, de modo a
colocar o observador sob um determinado ponto de vista, o único, a partir do qual a
instalação se apresenta em uma forma legível, porém ilusória.
A ideia foi construir um trabalho prático que criasse inferências, definida pelas ex-
pectativas e suposições das percepções dos observadores. Mais que uma simples
brincadeira ilusória, pensou-se em despertar um pensamento crítico reflexivo. Assim
foi pensado num conjunto, aparentemente caótico de peças flutuando como pás-
saros livres voando, que subitamente se alinham para formar uma imagem gráfica
organizada de uma gaiola, no entanto, ilusória – da privação da liberdade.
965
128
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Os “pássaros” (de ferro) voltam a ter a força do material, rígido, aparentemente in-
quebrável. Para sustentar a escultura exposta em área externa foi pensada em um
suporte resistente, principalmente, a ação do vento, com dimensões: Largura 0,90 m
x Comprimento 2,0 m X Altura 2,5 m (Figura 1A). Foram cortados manualmente 100
pássaros de ferro, pesando 48 gramas e medindo 18 x 18 cm (Figura 1B). Eles foram
pendurados na estrutura com fio de nylon de 70 mm.
(A) (B)
966
129
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
A obra com suas formas, a princípio arbitrárias, revela segundas intenções, as quais se
manifestam por meio do movimento dos transeuntes no espaço dado na diversidade
de pontos de vista, fazendo da Anamorfose mais que uma simples imagem projetada.
Projeção Anamórfica
Como proposta artística para uma intervenção na circulação interna (corredores de
embarque/desembarque) do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Figura 4A), na ci-
dade do Rio de Janeiro foi proposto uma instalação anamórfica feita por projeção.
A intenção era proporcionar ao passageiro que circula nessas áreas de grandes dis-
tâncias uma experiência lúdica que humanizasse o percurso e fizesse referência ao
estilo de vida carioca. Para tanto, foi escolhido o traçado das ondas, as sinuosas e
sensuais curvas, do calçadão de Copacabana. Elas são o logotipo do bairro, da cida-
de do Rio de Janeiro e, em muitos casos, do próprio Brasil (Figura 4B).
O processo de construção foi feito por meio de um retroprojetor, onde foram dese-
nhadas as curvas do calçadão de Copacabana, as quais foram pintadas, posterior-
mente, de tinta acrílica preta nas paredes e no teto. Para capturar as curvas, as quais
simbolizam o calçadão de Copacabana, flutuando livremente na área de circulação
do aeroporto, o observador deve encontrar o ponto de vista correto, em meio ao
corredor de embarque/desembarque do aeroporto (Figura 4C). Sendo este, o ponto
a partir do qual foi projetado o desenho. No entanto, com um simples deslocamen-
to, a imagem do “calçadão” parece dividida em diferentes planos, formas alongadas,
e se dissiparem no espaço em mudança com o movimento dos transeuntes.
967
130
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Figura 4A: corredor de desembarque; 4B: Fotografia aérea da praia de Copacabana; 4C: Projeção
anamórfica. Fonte 4A e 4C: dos autores; 4B: https://www.fotografiasaereas.com.br/imagem-aerea/
coqueiros-no-calcadao-de-copacabana/
(A) (B)
968
131
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Plotagem Anamórfica
Para a construção desse experimento foi escolhido a pintura surrealista do artista
Salvador Dalí intitulada “Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma
Romã um Segundo Antes de Acordar” (Figura 6A). Inicialmente foram escolhidos
quais elementos seriam construídos por meio da anamorfose, sendo eles: os tigres,
as romãs e o peixe. Também optou-se pela retirada de alguns elementos, tais como
a mulher e a espingarda (Figura 6B). O preenchimento dos
vazios foi feito com uma
pintura a óleo, posteriormente digitalizada para ser usada no programa de compu-
tação gráfica Photoshop (Figura 6C).
Figura 6A: Sonho Causado pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de
Acordar (Dali, 1944); 6B: retirada dos elementos; 6C: preenchimento dos vazios. Fonte 6A: http://
imgkid.com/salvador-dali-dream-caused-by-the-flight-of-a-bee.shtml 6B e 6C: dos autores
969
132
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
(A) (B)
Essa figura foi plotada em adesivo resistente e fixada no saguão térreo do edifício da
Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro.
Quando vista de um ângulo qualquer, a figura assim desenhada proporciona uma visão
duvidosa e enigmática (Figura 8A). Por outro lado, ao mirar-se a cena a partir da posição
de uma máquina fotográfica com uma lente grande angular de 24 mm instalada no lo-
cal específico, a composição aparentemente disforme passa a ter forma tridimensional
aos olhos do observador; é justamente este o efeito de uma ilusão (Figura 8B).
Figura 8A: Composição da figura anamórfica; 8B: Projeção da anamorfose, vista por um ângulo
específico. Fonte: dos autores
970
133
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Considerações Finais
Esse artigo visou contribuir para estimular a concepção de ideias novas para inter-
venções artísticas em áreas do design e da arte. Servindo como fonte de transmu-
tação perceptiva, base para uma transformação criativa que possa aumentar a po-
tência de agir dos artistas/designs e dos afetos dos observadores. Tornando, desse
modo, imprescindível o enriquecimento das experiências sensoriais (visuais), pois o
domínio do conhecimento, sobretudo perceptivo, que é abstrato, ocorre proporcio-
nalmente ao enriquecimento do concreto-sensorial do ser humano.
971
134
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART
Fluxo de Dados: • 2019 • ISSN:
Visualização 2238-0272
e Sonificação
Referências
BALDO, Marcus Vinícius; HADDAD, Hamilton. Ilusões: o olho mágico da percepção.
Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, v.25, p.6-11, dez. 2003.
GIBSON, James J. The Perception of the Visual World. Boston: Houghton Mifflin, 1950.
HELMHOLTZ, Hermann von. Treatise on Physiological Optics. New York: Dover, 1910.
972
135
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este trabalho parte de Peirce, Nöth, Santaella e Guiraud para analisar, do ponto de
vista da semiótica peirceana, os símbolos planetários como um código. Também
considera semioticamente sua parcial derivação mântica (do grego mantikos: pro-
fético, oracular) conhecida como astrologia, elemento rico da cultura que alimen-
ta as obras de artistas variados ao longo da história. Para tornar a investigação
mais específica, são analisados alguns dos chamados — de forma não semiótica
— signos astrológicos ocidentais. A partir de definições essenciais, como semióti-
ca, signo e código, fica mais claro avaliar como os glifos planetários e astrológicos
configuram um código. Depois de uma avaliação das semioses de símbolos pla-
netários e signos astrológicos em função das dez classes principais de signos, de
acordo com Peirce (Nöth & Santaella, 2017), segue uma análise mais detalhada de
elementos icônicos, simbólicos e indexicais que compõem dois glifos que exem-
plificam os referidos códigos: Marte e Áries. Também veremos como esses elemen-
tos se combinam e de que forma seu interpretante é formado.
Palavras-chave: Semiótica, Código, Astronomia, Astrologia, Signo.
Abstract
This work starts from Peirce, Nöth, Santaella and Guiraud to analyze, from the point of
view of Peircean semiotics, planetary symbols as a code. It also semiotically considers
its partial mantic derivation (from the Greek mantikos: prophetic, oracular) known as
astrology, a rich element of culture that feeds the works of various artists throughout
history. To make the investigation more specific, some of the so-called — non-semiot-
ically — Western astrological signs are analyzed. From essential definitions such as se-
miotics, sign, and code, it becomes clearer to evaluate how planetary and astrological
glyphs shape a code. Following an assessment of the semioses of planetary symbols
and astrological signs against the ten major classes of signs, according to Peirce (Nöth
& Santaella, 2017), a more detailed analysis of iconic, symbolic and indexical elements
973
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
that make up two glyphs will follow to exemplify these codes: Mars and Aries. We will
also see how these elements combine and how their interpretant is formed.
Keywords: Semiotics, Code, Astronomy, Astrology, Sign.
Introdução
Este trabalho parte em especial de Peirce, Nöth, Santaella e Guiraud para analisar,
desde a semiótica, os símbolos planetários como um código. Também considera se-
mioticamente sua parcial derivação mântica (do grego mantikos: profético, oracular)
conhecida como astrologia. Para tornar a investigação mais específica, ainda serão
analisados alguns dos chamados — de forma não semiótica — signos astrológicos
ocidentais.
A partir das definições de semiótica, signo e código (assim como de semiose e in-
terpretante, posteriormente), ficará mais claro avaliar se e de que modo os glifos
planetários e astrológicos configuram um código. Depois de uma primeira avaliação
mais superficial das semioses de alguns símbolos planetários e signos astrológicos
em função das dez classes principais de signos, de acordo com Peirce (Nöth & San-
taella, 2017, pp. 60–63), teremos uma análise mais detalhada de elementos icônicos,
simbólicos e indexicais que compõem dois glifos que exemplificam os referidos có-
digos: Marte e Áries. Também veremos como esses elementos se combinam e de que
forma seu interpretante é formado.
Desde o século XVIII, semiótica e semiologia (ou semeiologia) eram termos alternativos para a
mesma ciência dos signos em varias línguas europeias. Dos dois termos, o termo semiologia pre-
dominava na semiótica dos países de língua romana, especialmente na França. Hoje, a palavra
semiótica entrou em uso mais comum. Mas já em 1972 a Associação Internacional de Estudos
Semióticos havia adotado o termo semiótica, ao invés das suas alternativas terminológicas, para
designar a ciência dos signos. (2017, pp. 7–8)
974
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Um signo é algo que se refere a algo diferente de si mesmo. Essa outra coisa é chamada de refe-
rente do signo ou, na terminologia da semiótica de Charles S. Peirce, o objeto do signo. O signo
refere-se a, representa ou indica o seu objeto. Objetos de signos não são necessariamente “coisas”,
quer dizer, objetos materiais. (Nöth & Santaella, 2017, p. 11)
Com base nas definições anteriores e de acordo com a classificação de Nöth e Santa-
ella (ibid.) dos signos conforme o canal perceptivo, os símbolos planetários, bem como
os chamados signos astrológicos — tipicamente observados em papel ou em uma
tela de computador ou telefone celular, como neste artigo — configuram signos visu-
ais ou óticos humanos. Visuais ou óticos pois são experimentados, primariamente, por
meio de nossos olhos, quando os vemos inscritos em documentos (sejam papéis ou
a tela de um telefone celular). E são signos porque se referem a objetos — que, neste
caso, existem fisicamente: os símbolos planetários se referem a objetos que são os pla-
netas do sistema solar; e os signos astrológicos se referem às constelações de estrelas
que também existem fisicamente no sistema solar (Figura 1).
975
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A observação quanto à natureza visual ou ótica dos signos vale, a partir de Nöth e
Santaella, tanto para os glifos de Mercúrio (☿) e Touro (♉) quanto para as palavras,
caso desta mesma frase. Afinal: “A palavra é um signo verbal, enquanto imagens são
signos visuais, mas o termo signo visual não descreve de uma maneira suficiente-
mente clara o universo das imagens, porque as palavras em forma escrita também
são representadas visualmente” (2017, p. 11).
O aspecto visual ou ótico também vale para observarmos suas representações, por
exemplo, em UTF-8 (Unicode Transformation Format) hexadecimal, uma codificação
binária de comprimento variado (ver Tabela 1). A menção ao código UTF-8 aqui tem
por objetivo tão somente ilustrar o potencial de complexidade representativa, in-
clusive metassígnica, de símbolos planetários e signos astrológicos, já que “signos
sem conteúdo próprio não significam nada, senão elementos do plano da expressão
de outro signo”, caso dos códigos secundários de Nöth e Santaella (2017, p. 163), do
qual UTF-8 é exemplo. No entanto, a avaliação específica do código UTF-8 não será
o foco deste trabalho.
Para a definição mais importante que nos falta, a de código, recorremos novamente a
Nöth e Santaella. Os autores nos avisam que “o conceito de código, já na sua história,
tem sido usado em dois sentidos diferentes, o que tem resultado numa ambiguidade
976
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mas o foco de análise deste trabalho são os símbolos planetários e signos astroló-
gicos ocidentais como códigos. A partir da conceituação de Nöth e Santaella, tais
glifos são códigos primários não verbais, pois configuram um sistema de linguagens
e um “sistema semiótico autônomo que não precisa de tradução” (2017, p. 151).
(...) textos dos códigos primários são sem dúvida sistemas semióticos ou simbólicos (...) O plano de
expressão dos textos gerados por códigos primários consiste de um texto verbal ou não verbal e
um plano de conteúdo, que abrange os conceitos e normas nele formuladas. (2017, p. 162)
O próprio Hjelmslev, que tem uma perspectiva bem diferenciada em relação a outros
teóricos da semiótica quanto à natureza do signo, elabora uma compreensão mais ge-
nerosa e aberta a respeito do que pode ser considerado sistema de símbolo e código:
Cabe aos especialistas dos diversos domínios decidir se os sistemas de símbolos matemáticos ou
lógicos, ou certas artes como a música, podem ou não ser definidos desse ponto de vista como
semióticas. [...] Propomos chamar de sistemas de símbolos essas estruturas que são interpretáveis,
uma vez que é possível atribuir-lhes um sentido de conteúdo, mas que não são biplanares uma vez
que, segundo o princípio de simplicidade, uma forma de conteúdo não pode nelas ser introduzida
por catálise. (Hjelmslev, 1975, p. 118)
977
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Neste modelo, o código não é mais um recurso técnico para transformar ondas acústicas em im-
pulsos eletrônicos, mas uma designação metafórica para a competência linguística e cultural dos
emissores e receptores da mensagem, que se comunicam não mais na base de um código unívo-
co, mas em dois códigos, o do emissor e o do receptor da mensagem. O código, neste sentido, é o
repertório dos signos de dois participantes numa situação comunicativa. (2017, p. 156)
As mânticas e a semiótica
Ao analisarmos o que Guiraud e Nöth têm a falar especificamente sobre as discipli-
nas de adivinhação e sua relação com a semiótica, sistemas de signos e o conceito de
código, encontramos registros que contribuem para este trabalho.
Sobre as mânticas, Guiraud afirmou que são “artes de adivinhação e meios de comu-
nicar com os deuses, o além e o destino. São sistemas de signos. Entre nós, as mais
conhecidas são a adivinhação pelos astros (astrologia), pelas cartas (cartomancia)”
(1973, p. 82). Pouco nos importa aqui a dimensão real ou imaginária do suposto as-
pecto divinatório da astrologia; apenas sua relação com o código de símbolos plane-
tários e a dimensão semiótica dos seus chamados signos — como Leão e Capricórnio.
O autor continua com mais exemplos e aproxima mais um pouco as mânticas do con-
ceito de código: “O signo pode estar isolado: um gato negro, a aranha da manhã ou da
noite etc., mas a mensagem pode ser também formulada a partir de uma combinação
de signos complexos organizados segundo um código” (Guiraud, 1973, p. 83).
978
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na cultura da Idade Média até a Renascença, havia modelos semióticos não só para a interpreta-
ção daqueles signos humanos, animais ou naturais, que a semiótica moderna ainda estuda, mas
também modelos ainda mais ambiciosos, criados para servir de chave semiótica para a interpre-
tação de todo o mundo natural. Os mais importantes desses modelos panssemióticos do mundo
são o modelo dos quatro sentidos exegéticos na Idade Média e o modelo das assinaturas das
coisas, na Renascença (Nöth, 1995, p. 37).
O autor também aborda as mânticas, embora não use esta expressão, inclusive a
astrologia. Nöth as associa à doutrina das assinaturas e as denomina “um sistema
elaborado de códigos para a interpretação de signos naturais”:
Nöth completa afirmando que “os segredos semióticos das assinaturas da terra, do
fogo, da água e dos astros foram descobertos pelos códigos da geomancia, da piro-
mancia, hidromancia e da astrologia” (2017, p. 39). Também destaca a relação de ico-
nicidade, conforme a doutrina das assinaturas, que os signos do mundo natural man-
têm entre si, “porque existem semelhanças, analogias, afinidades ou correspondências
escondidas que os ligam numa relação panssemiótica” (2017, p. 39). Algumas dessas
relações de iconicidade se estendem aos símbolos planetários e aos signos astrológi-
cos, como poderemos observar mesmo em algumas de suas semioses mais simples,
nas Tabelas 2 e 3, adiante.
979
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
(...) o interpretante final é coletivo, ou seja, ele representa o desenrolar de interpretações no lon-
go caminho de produção de interpretantes de signo. Embora se chame final, ou normal, nunca
estamos em condições de dizer que algum interpretante tenha esgotado todo o potencial inter-
pretativo de um signo (2017, p. 48).
O glifo do planeta Marte (♂), por exemplo, está dentro da definição peirceana de
símbolo: é um signo usado e compreendido “por hábito natural ou convencional”
(Peirce, 2015, p. 76) e, por extensão, aos demais glifos planetários, do sol e da lua
— embora, idealmente, todos seriam analisados, caso a caso. O mesmo pode ser
dito do glifo astrológico de cada um dos doze signos do zodíaco, como Escorpião
(♏): todos são símbolos, sob o ponto de vista peirceano. No entanto, apenas colocar
a etiqueta de “símbolo” sobre os glifos planetários e astrológicos configuraria uma
análise semiótica e peirceana muito limitada.
980
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Categorias Tricotomias
Primeiridade Do Signo em si Do Signo em relação Do Interpretante
(representamen) ao seu Objeto do Signo
Secundidade Qualissigno Ícone Rema
Terceiridade Sinsigno Índice Dicente
Tabela 2 — As nove subclasses sígnicas derivadas das categorias e tricotomias de Peirce.
Editado a partir de Nöth & Santaella, 2017, p. 61.
Conforme a Tabela 2, de forma sucinta, temos, na primeira tricotomia (Nöth & Santaella,
2017, p. 51), o qualissigno, que é mera qualidade sem corpo; sinsigno, de existência con-
creta; e o legissigno, que é a relação do signo consigo na terceiridade e nos interessa
mais aqui, por seu conceito explicar boa parte dos glifos planetários e astrológicos:
Um Legissigno é uma lei que é um Signo. Normalmente, esta lei é estabelecida pelos homens.
Todo signo convencional é um legissigno (porém, a recíproca não é verdadeira). Não é um objeto
singular, porém um tipo geral que, tem-se concordado, será significante (Peirce, 2015, p. 52).
Para continuar a segunda tricotomia, temos o índice, signo que “tem uma conexão
física ou existencial com seu objeto no espaço e no tempo” (Nöth & Santaella, 2017,
p. 54). Esta subclasse poderia confundir um avaliador a considerar indiciais os casos
específicos de alguns glifos planetários, como o sol (☉) e a lua (☽). Mas não há uma
981
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
relação existencial direta entre escrever o glifo do sol ou da lua com os astros físicos,
diferentemente de uma fotografia (2017, p. 55), que resulta de um clique que capta,
naquele momento a presença necessariamente concreta de uma pessoa. Por fim,
ainda na segunda tricotomia, existe o símbolo, que está associado à terceiridade: “a
relação entre representamen e objeto é arbitrária e depende de convenções sociais”
(2017, p. 55). Tem a ver com hábito, regras e leis. Esta arbitrariedade e convenciona-
lismo também podem ser observados nos glifos planetários e astrológicos, o que
ficará mais evidente no próximo item.
Como visto, tanto os glifos planetários quanto os astrológicos podem ser conside-
rados, como visto anteriormente e a partir de Peirce, símbolos e também legissig-
nos, que juntos formam sistemas de signos e códigos criados por seres humanos.
982
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nas Tabelas 3 e 4, podemos observar que alguns glifos são legissignos icônicos que,
conforme visto na definição de Nöth e Santaella configuram “ícone (ou diagrama)
estabelecido por uma lei ou uma regra ou convenção” que tem por exemplo dos
autores um sinal de trânsito (2017, p. 65). De fato, tanto os códigos de glifos plane-
tários quanto astrológicos não são leis, mas consistem em regras e convenções. E o
princípio interpretativo é semelhante ao código de placas de trânsito. A classificação
de legissigno icônico é adequada, portanto, para os glifos planetários e astrológicos
analisados isoladamente. Para Peirce:
Um Legissigno Icônico (e.g., um diagrama, à parte sua individualidade fática) é todo tipo ou lei
geral, na medida em que exige que cada um de seus casos corporifique uma qualidade definida
que o torna adequado para trazer à mente a ideia de um objeto semelhante (2015, p. 55).
(...) um signo ligado a seu objeto através de uma associação de ideias gerais e que atua como um
Símbolo Remático, exceto pelo fato de que seu pretendido interpretante representa o Símbolo Di-
cente como sendo, com respeito ao que significa, realmente afetado por seu Objeto, de tal modo
que a existência ou lei que ele traz à mente deve ser realmente ligada com o Objeto indicado. (...)
Tal como o Símbolo Remático, é necessariamente um Legissigno. Tal como o Sinsigno Dicente, é
composto, dado que necessariamente se envolve com um Símbolo Remático (e com isso é, para
seu Interpretante, um Legissigno Icônico) para exprimir sua informação e um Legissigno Indicial
Remático para indicar a matéria dessas informação (2015, p. 57).
983
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Legissigno icônico. Há
O círculo com um ponto
semelhança com o objeto
no centro sugere um
representado e referência à
aspecto de centralidade.
sua posição em um sistema
Neste caso, do sol no sis-
arbitrário humano (o sistema
tema solar e seu formato
solar). O glifo se assemelha,
aproximado, como visível
em particular, ao sol como
da Terra.
observado do planeta Terra.
984
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
985
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Símbolo dicente. Há um
caráter notavelmente discri-
cionário nesta imagem, que
se torna uma proposição
complexa quando analisada
Virgem. A imagem faz em conjunto com a palavra
referência à deusa grega “Virgem”. O elemento mais à
da pureza, inocência e direita do glifo, por exemplo,
justiça, Astraea. parece uma perna cruzada
que, tipicamente, indicaria
VIRGEM pureza e castidade; a asso-
ciação é adequada, pois este
signo astrológico remete à
deusa grega da pureza.
986
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ainda que difíceis na vida cotidiana, as semioses ilimitadas são sempre possíveis
(Nöth & Santaella, p. 47), particularmente em um contexto como este, que se pro-
põe a estudar interpretantes sucessivos — ou, ainda, analisar com mais afinco os
primeiros interpretantes. Por isso, vamos avaliar no próximo item um par de glifos
— planetário e astrológico — em maior profundidade e mergulhar, assim, em seus
interpretantes; a partir daí, compreenderemos melhor a natureza desses sistemas de
signos e códigos.
987
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 2 - Estátua do deus Marte com lança e escudo. Imagem do site do British Museum (https://
www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_
gallery.aspx?partid=1&assetid=1613072062&objectid=3032533).
Esta investigação será feita em dupla por uma razão intrínseca à mântica astrológica
que torna o planeta Marte, no contexto dado, inseparável de Áries. Marte, comumen-
te chamado de planeta vermelho, evoca uma série de associações e interpretações
que buscam referências da mitologia greco-romana, em que Ares (ou Marte, para os
romanos) era o deus da guerra e simbolizada bravura, impetuosidade e habilidade
em batalha; frequentemente, o deus Marte empunhava espadas ou lanças (que tam-
bém são seus símbolos), o que reforça seu aspecto masculino e, especificamente,
viril e fálico. Exatamente por ser vermelho, o planeta foi nomeado Marte pelos roma-
nos (e antes disso, Ares pelos gregos). Por que a cor importa?
Sua cor vermelha (como observável da Terra) tem relação com a presença de óxido
de ferro em sua superfície. O vermelho é também a cor do sangue, frequentemente
associado a guerra, violência, paixão e sexo (por exemplo, porque nosso rosto fica
ruborizado quando sentimos desejo por alguém e/ou estamos excitados; e como re-
ferência ao ciclo menstrual feminino, que evidencia a fertilidade e potencial de pro-
les via sexo). A cor rubra chama a atenção rapidamente — não por acaso, o vermelho
é usado em códigos primários como o de trânsito com o sentido de “pare”; também
como “perigo” em códigos de segurança do trabalho. A astrologia apresenta o plane-
ta, dentro da mântica, da seguinte forma: “Marte é considerado o planeta da energia
988
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como já vimos, glifos planetários como o de Marte (♂︎) são símbolos, a partir de Peir-
ce. Mas dentro de sua tipologia das dez classes principais de signos, a análise fica
mais complexa — e completa. Marte pode ser primariamente entendido como um
símbolo dicente precisamente pelo fato de não ter a intenção de conter uma relação
de semelhança com o objeto que representa — o planeta Marte. A opinião mais co-
mum sobre o glifo do planeta, trazida por Lindemann, é que “Marte é representado
pelo escudo com a lança, o símbolo do guerreiro, visto que a lança é o símbolo do
masculino” (2006, p. 187). A essa altura, os paralelos entre o deus Marte e a cor ver-
melha já estão claros. Mas, e sua relação com Áries e seu glifo?
Áries é o primeiro signo do zodíaco ocidental. Isto significa, segundo a mântica as-
trológica, que aqueles nascidos sob os efeitos da constelação teriam muita iniciativa,
entre outras características arquetipicamente masculinas como a impulsividade e a
agressividade. Mas há uma ligação mais estreita entre Marte e Áries que se estende
aos interpretantes de seus glifos:
Áries vai representar justamente esse princípio da autoafirmação. Áries é regido por Marte, o deus
da guerra [...] Áries entende que é melhor um pequeno conflito agora do que um grande conflito
depois, então quer resolver logo [...] representa todo esse elemento de iniciativa (Lindemann,
2006, pp. 29–30).
989
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fica evidente que aquele nascido sob Áries, de acordo com a astrologia, teria uma
personalidade comparável aos atributos do deus Marte, o qual deu nome ao planeta
vermelho, regente do signo: afirmativo, agressivo; mas, por vezes, irresponsável e
violento — perfil análogo a um guerreiro.
Sobre o glifo de Áries: em uma análise mais simples, é um símbolo. Mas também
pode ser classificado como um legissigno icônico, dentre as dez classes principais de
Peirce. O motivo é simples, a partir das definições já conhecidas. O signo (agora, em
sentido também semiótico) de Áries traz à mente um objeto semelhante: os poten-
cialmente letais chifres do carneiro que representa. No entanto, além desta relação
de similaridade entre signo e objeto, o glifo também faz referência a um código hu-
mano: o dos signos astrológicos.
Não por acaso, a cabeça é a parte principal do corpo regida por Áries (Ribeiro, 1996,
p. 23) e aqueles nascidos sob o signo, segundo a mântica, precisam ter cuidado es-
pecial com dores de cabeça e machucados em geral que envolvam a cabeça e o cé-
rebro. Ou seja, há semioses ainda mais elaboradas a respeito do glifo ariano remeter
a chifres e, assim, à cabeça. Em um sentido mais informal: pessoas de Áries, confor-
me as características consideradas, “dariam muitas cabeçadas” pela vida. Tentariam
pela força e errariam além da média por sua “cabeça dura” — de novo, atributos de
pessoas tipicamente cheias de iniciativa, ou, no limite, agressivas e violentas. Como
o deus-guerreiro Marte.
Considerações finais
O objetivo aqui foi reavivar a conexão entre estudos semióticos e as mânticas, as-
sunto que tem sua relevância histórica, cultural e científica. Isto foi feito por meio
de uma breve análise de glifos planetários e astrológicos ocidentais como signos e
990
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
códigos, especialmente sob uma ótica peirceana. O estudo semiótico das mânticas
vai muito além do suposto aspecto divinatório daquelas — inclui, além de mito-
logias diversas, alquimia, astronomia e teologia. Todas essas são possibilidades de
investigações futuras.
Referências
Astrological Symbols. s. d. Em Wikipedia. Acessado em Agosto 7, 2019, a partir de
https://en.wikipedia.org/wiki/Astrological_symbols.
Nöth, W., & Santaella, L. (2017). Introdução à semiótica. São Paulo: Paulus.
991
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo apresenta reflexões, através de alguns exemplos, sobre a evolução
das formas de representação de profundidade nos quadros bidimensionais e o
desenvolvimento de técnicas de animação na busca pelo realismo no cinema de
animação clássica. A animação clássica passou por transformações no que se re-
fere ao realismo, desde “Fantasmagorie”, considerado o marco inicial da animação
de cartoon, até “Branca de Neve e os Sete Anões”, obra dos estúdios Disney, na era
de ouro da animação. Nesse sentido, considerando as técnicas de animação, são
apresentados dois importantes momentos dessa história, primeiramente relacio-
nado a representação bidimensional e narrativa nonsense, e, em segundo lugar,
quando os desenhos animados recorrem à perspectiva linear, profundidade de
campo, luz e sombra, som diegético e personagens verossímeis.
Palavras-chave: Animação clássica, realismo, profundidade, design, cartoon.
Abstract
This paper presents reflections, through some examples, on the evolution of the forms
of depth representation in two-dimensional frames and the development of anima-
tion techniques in the quest for realism in classical animation cinema. Classic anima-
tion underwent realism transformations, from “Fantasmagorie”, considered the start-
ing point of cartoon animation, to Disney’s “Snow White and the Seven Dwarfs”, in the
golden age of animation. In this sense, considering the techniques of animation, two
992
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
important moments of this story are presented, first related to nonsense narrative and
two-dimensional representation, and secondly, when cartoons use linear perspective,
depth of field, light and shadow, diegetic sound and plausible characters.
Keywords: Classical animation, realism, depth, design, cartoon.
Introdução
Segundo Cavalier (2011), no final do século 19, Emile Cohl pertenceu aos “Os Inco-
erentes”, pequeno grupo de artistas, precursores dos surrealistas, adeptos à brinca-
deiras conceituais e ao nonsense. Em 1908, Cohl começou a trabalhar com filmes
de animação e criou “Fantasmagorie” (1908)3, em que ele introduziu suas ideias
anárquicas e indicou as diversas possibilidades dessa forma de arte. “O filme dura
aproximadamente 2 minutos e contém aproximadamente 700 desenhos, cada um
fotografado duas vezes (doubles)” (p. 50). Os desenhos foram feitos com linhas pre-
tas sobre papel branco e fotografados em filme negativo. Para Barrier (1999), nesta
animação de metamorfoses “uma baleia se tornava um moedor de carne, no qual
um gato desaparecia; o gato emergia como bolas brancas, que se transformavam
em uma cabra e assim por diante. Quando os personagens se moviam a animação
era feita através de cutouts4” (p. 11).
Nesse momento, os desenhos animados não são realistas como os filmes live-ac-
tion5. Ao assistir um desenho animado, o espectador sabe que está vendo imagens
de desenhos ao invés de fotografias de figuras reais. Em compensação o desenho
animado oferece possibilidades muito mais amplas de criação de fantasias. A ani-
mação realista, cujos personagens sugerem uma realidade tridimensional, difere de
“Fantasmagorie” porque precisa de algum fundamento de verdade, tudo pode ser
feito, desde que se respeite a necessidade de consistência dentro do filme. Um de-
senho animado pode ser realista quando procura a simulação do real ou até mesmo
quando se utiliza de breves piadas ou histórias engraçadas (gags), desde que tenha
algum vestígio de realidade.
993
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
início dos anos 1950” (p. 4), os produtores mais criativos demonstraram que mesmo
personagens de cartoon, com características mais estilizadas, podiam parecer reais.
Winsor McCay, talentoso cartunista de jornais de Nova York, foi o primeiro animador
americano de sucesso. Para Solomon a animação do seu personagem de quadrinhos
de jornal “Little Nemo” não possuía cenário de fundo, a perspectiva é sugerida com
o aumento e diminuição da escala do personagem. Conforme Barrier, seu terceiro
filme, “Gertie, o dinossauro” (1914), exigiu mais desenhos para o cenário de fundo,
com um método extremamente trabalhoso, difícil de ser executado mesmo para o
cartunista mais talentoso. Enquanto McCay trabalhava nos desenhos detalhados da
figura do dinossauro, John Fitzsimmons, seu assistente, copiava os desenhos de fun-
do a partir de um original.
Barrier explica que John Randolph Bray resolveu o maior problema dos primeiros
animadores: combinar personagens que se moviam com o fundo normalmente
imóvel. A solução de Bray foi imprimir várias cópias do plano de fundo de cada cena,
com a técnica de gravura em metal6, desenhar os personagens nas folhas impressas
e apagar as partes do fundo por baixo dos personagens. Esse método era diferente
do de McCay pela mecanização da reprodução dos planos de fundo.
6 Nas gravuras em metal (abertas a buril), as linhas ou os tons são gravados na superfície de uma chapa de
metal. A chapa é entintada e o excesso de tinta é removido, deixando os sulcos cheios de tinta. Um papel
macio umedecido é estendido sobre a chapa e passa-se papel e chapa pelos rolos de uma prensa. A pressão
dos rolos força o papel nos sulcos e deles recebe a tinta, deixando no papel uma impressão de entalhe de
toda a chapa. Os dois tipos principais deste processo são a gravura e a água-forte. (SMITH, 2008, p. 238)
994
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Barrier acrescenta que Raoul Barré foi o primeiro cartunista a perceber que não im-
portava se o desenho diante da câmera era um único desenho. O que importava era
que a câmera poderia “ver” como uma única imagem o que na verdade era compos-
to de vários pedaços de papel, pressionados juntos sob um pedaço de vidro.
Para Barrier, Raoul Barré é reconhecido como o inventor do que se tornou o méto-
do universalmente adotado para manter os desenhos de animação com registro, a
posição precisa de um desenho em relação ao desenho anterior. Envolvia instalar
dois ou mais pinos na parte superior ou inferior da prancheta do animador e usar
papel de desenho com furos para serem encaixados nestes pinos. Logo os animado-
res começaram a desenhar em pranchas equipadas não apenas com pinos, mas com
painéis de vidro iluminados por baixo, para que o animador pudesse ver através dos
desenhos anteriores enquanto criava um novo.
Outra inovação apontada por Barrier foi a de William C. Nolan, animador do es-
túdio de Barré, que teve a ideia de fazer desenhos de fundo mais amplos e de-
pois movê-los um pouco, em uma direção ou outra, por debaixo da câmera, cada
vez que um quadro de filme fosse exposto. “Esse movimento propiciou a ilusão
de que a câmera estava se movendo em uma trilha paralela aos personagens em
movimento” (p. 15). Os animadores perceberam que podiam combinar camadas
de celuloide dos elementos de primeiro plano com a inovação de Nolan, desse
modo arbustos em primeiro plano passavam pela tela mais rapidamente do que
os elementos do fundo, como se estivessem mais perto da câmera, aumentando a
ilusão de profundidade.
Barrier descreve o método que Max Fleischer criara para produzir animações mais re-
alistas: “através do traçado em desenho quadro a quadro, a partir de um filme live-ac-
tion, projetado de baixo para cima em uma superfície de vidro” (p. 22). Fleischer testou
995
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
esse método, denominado rotoscopia7, filmando Dave, seu irmão mais novo, em um
traje de palhaço em padrões distintos de preto e branco para facilitar o rastreamento
do desenho. Esse palhaço, chamado Koko, tornou-se um personagem frequente nos
desenhos animados dos Fleischers. Uma crítica sobre rotoscopia, na provável primeira
exibição da animação de Koko, o descreveu como “uma pequena figura maravilhosa
que se move com a graça sinuosa de uma dançarina oriental” (p. 23).
Para Barrier, O Gato Félix fez com que Otto Messmer modificasse os elementos dos
seus desenhos animados do início dos anos vinte. O uso de animação em papel tor-
nava a cena monótona com pouca variação de enquadramentos com apenas planos
abertos e poucos close-ups. O Gato Félix era quadrado e anguloso com um corpo
negro, diferentemente dos outros personagens de desenhos animados daquele
tempo. O preto e branco chapado, com ausência de meios-tons, por causa da ani-
mação em papel, fazia os desenhos do Gato Félix parecerem pesados. Foi Bill Nolan
quem modificou a aparência de Félix, animando-o com formas mais arrendodadas
e harmônicas. A construção circular e simplicidade no design do Gato Félix revisado
facilitava sua animação.
Segundo Barrier, Messmer era cartunista, enquanto McCay era um ilustrador, mas
ambos animavam de maneira parecida, delegando o mínimo possível. Em alguns
casos McCay animava com ciclos e repetições, para ganhar tempo, mas em geral
utilizava processos mais meticulosos para obter resultados mais realistas. “Seu di-
nossauro, Gertie, era uma combinação de grande escala com surpreendente de-
licadeza, parecia ser um animal treinado, malicioso e imprevisível” (p. 17). Devido
aos prazos, Messmer delegava com mais frequência, dando a Al Eugster a tarefa de
finalizar os desenhos em tinta. Os desenhos das animações eram repetidos em dois
ou três quadros sucessivos. Messmer usava ciclos e repetições com mais frequência
do que McCay, estes recursos economizam tempo em animação, mas prejudicam o
realismo dos personagens. As animações menos realistas de Messmer funcionam
melhor com narrativas nonsenses. As animações do Gato Félix enfatizavam a falta
de realismo e “Otto Messmer nunca deixou que seu público esquecesse de que Félix
era tão artificial quanto seu ambiente” (p. 45).
996
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1 – Frames de Oswald the Lucky Rabbit - Trolley Troubles. Fonte: <https://www.youtube.com/
watch?v=3LCFvz6-LCU>. Acesso em: 31 ago. 2019.
Mesmo com perfeita sincronização, Walt Disney queria que o som parecesse ser
emitido pelo próprio personagem. A insistência de Disney em sincronizar o som e
imagem, com a maior precisão possível, resultou em uma animação real, ao invés de
parecer um desenho animado silencioso com uma trilha sonora acrescentada.
Barrier continua explicando que “Steamboat Willie” ainda possui efeitos sonoros ru-
dimentares, “do assobio do Mickey no início (fornecido por um piccolo) aos gritos do
papagaio” (p. 57). A abundância dos efeitos causou problemas, mas foi através deles,
não pela música, que a Disney conseguiu resultados mais realistas do que em dese-
nhos animados silenciosos. Disney percebeu o potencial do som para envolver seu
público com a narrativa. O som fazia a animação parecer mais real (som diegético9).
8 Eixo Z refere-se ao eixo que vai da frente do quadro ao fundo ou do fundo à frente. O Eixo Z é que
transmite ao público a sensação de espaço em 3D ou de profundidade de campo.(SJILL, 2017, p.20)
9 O som que é inerente a uma cena geralmente é chamado de som diegético. Esses efeitos sonoros
podem ser realistas ou manipulados para impressionar. Os efeitos sonoros extrernos, aqueles que
não seriam ouvidos logicamente na cena, também podem ser acrescentados por conta de seu valor
dramático. Esses efeitos sonoros que não fazem parte do universo da história são chamados não
diegéticos. (SJILL, 2017, p. 120)
997
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sobre a busca do realismo, Barrier explica que no início dos anos 30, muitos anima-
dores faziam animação de “mangueira de borracha” (rubber hose), que gerava um
movimento fluído e suave mas sacrificava o senso de estrutura do corpo do perso-
nagem, Figura 2. Essa distorção arbitrária, não combinava com a necessidade emer-
gente de Disney em contar histórias que envolvessem a audiência e acabou sendo
descartada. Os animadores da Disney logo perceberam que pequenos detalhes
faziam diferença para melhorar a qualidade da animação, por exemplo: esticar ou
comprimir um desenho, tornando-o diferente do seu anterior, mas com regularida-
de de escala, poderia enfatizar a ilusão de movimento.
998
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
filmes mudos (o primeiro modelo de sonoro só apareceu após 1930), os testes a lápis
não tinham velocidade de som constante, porque a Moviola era controlada por um
pedal. “Disney checava o resultado final da animação: Seria exagerado o suficiente?
Seria simples, claro e divertido? A cena foi apresentada de maneira eficiente?” (p. 71).
Para Barrier, “Just Dogs” (1932), da série “Silly Symphony”, foi o primeiro desenho ani-
mado da Disney a se beneficiar dos avanços em animação gerada pelo uso de testes
de lápis a partir de desenhos esboçados de maneira gestual. Em “Just Dogs”, cachor-
ros de várias raças são desenhados mais precisamente do que seus antecessores e se
movem de forma mais verdadeira.
Barrier escreve que Fred Moore, animador de “Os Três Porquinhos” (Three Little Pigs,
1932), também da “Silly Symphony”, baseava seu estilo de desenho em formas suaves
e arredondadas de maneira harmoniosa que faziam os personagens parecerem ser
de carne e osso. Essas formas combinavam com os porquinhos, que ele desenhava
num estilo mais realista e animava fazendo-os parecer sólidos, com uma plasticidade
que era novidade na animação da Disney. Para Cavalier os “Três Porquinhos” repre-
sentam uma evolução na animação de personagens porque mesmo apresentando
design quase idênticos eles possuem personalidades distintas. Barrier comenta que
os porquinhos não se limitavam a acompanhar a música, como faziam os persona-
gens de desenhos animados anteriores, em vez disso, eles pareciam comprimir e
estender seus corpos ritmicamente. Moore observou uma regra simples: embora a
forma do corpo de cada porco mudasse à medida que se esticasse e se encolhesse
no tempo da música, o volume de cada corpo permanecia o mesmo.
999
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
lançado em agosto de 1934. Esse desenho foi mais elaborado do que outros do pa-
drão dos Fleischer, em todos os aspectos: desenho, animação, planos de fundo e or-
namentos na tela. Mas “Poor Cinderella”, uma releitura da história da Cinderela, com
Betty Boop no papel principal, não buscava realismo dos personagens.
Disney incentivava seus animadores a usarem rotoscopia, mas não queria que os
traçados fossem usados diretamente na animação. Ao invés disso, os animadores
usariam os traçados como guias para seus próprios desenhos de Branca de Neve,
alterando proporções e revisando não apenas a aparência da menina, mas também
suas ações. “A elaboração do design da personagem Branca de Neve foi difícil ao
ponto de Marc Davis ter que fazer um modelo de plasticina da cabeça de Branca
de Neve para poder entendê-la em três dimensões.” (p. 200) A simples utilização da
rotoscopia não poderia fazer o que a boa animação sempre fazia: distinguir o que é
importante para a ação. Os desenhos de um animador poderiam evocar o centro de
gravidade no movimento de uma figura, dando a ela peso e massa, diferentemente
do rastreamento da rotoscopia que não fazia mais do que representar imagens do
corpo. Mas a rotoscopia era uma maneira de ampliar o interesse analítico pelos mo-
vimentos com sutilezas que um animador nunca poderia ter percebido.
1000
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para Cavalier, nessa animação, a câmera multiplano foi introduzida para dar ilusão de
profundidade à animação. Para que isso fosse possível, possuía superfícies de vidro nas
quais diferentes áreas de fundo poderiam ser colocadas na frente e atrás dos quadros de
animação, de modo que quando a câmera fosse deslocada lateralmente, aproximada ou
afastada, as camadas se moveriam em perspectiva dando uma ilusão de profundidade.
Frank Thomas e Ollie Johnston no livro “The Illusion of Life” (1995) definem o termo
Staging, um dos doze princípios de animação definidos pelos estúdios Disney que
abrange muitas áreas e remonta ao teatro. Seu significado, no entanto, é muito pre-
ciso: é a clareza na apresentação da idéia de uma cena, na definição de uma perso-
nalidade, no reconhecimento de uma expressão, no envolvimento do público com
uma situação emocional.
Segundo Kaufman (2012), o que vemos nesta cena: os perigos que cercam Branca de
Neve, estão em sua imaginação e não no mundo “real”, assim como acontece com o
personagem Francis no filme do expressionismo alemão “O Gabinete do Dr. Caligari”
(Das Cabinet des Dr. Caligari, 1920) que influenciou os artistas da Disney.
Considerações finais
Os cartunistas Emile Cohl e Winsor McCay foram pioneiros na criação de desenhos
animados. Enquanto Emile Cohl criou uma forma de animação com tônica surrealis-
ta, voltada para o nonsense, Winsor McCay estabeleceu uma vertente de animação
mais realista. A animação, assim como o cinema live-action sempre dependeram de
inovações tecnológicas e as novas tecnologias, além de agilizarem os processos de
produção de filmes de animação, favoreceram a produção de efeitos mais realistas de
imagens e sons. A preocupação com a construção de uma linguagem da animação,
principalmente pelos estúdios Disney, favoreceu a criação de personagens que pare-
cem ter vida. As experiências do aprimoramento desta linguagem se incrementaram
com os desenhos animados da série “Silly Symphonies” e culminaram com o longa me-
tragem “Branca de Neve e os Sete Anões”, obra essencial da Era de Ouro da Animação”.
Referências
Barrier, B. (1999). Hollywood Cartoons - American Animation in its Golden Age. Nova
Iorque, NY: Oxford University.
Cavalier, S. (2011). The World History of Animation. Oakland, CA: University of Cali-
fornia Press.
1001
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Kaufman, J. B. (2012). The Fairest One of All. São Francisco, CA: The Walt Disney Family
Foundation Press.
Furniss, M. (2016). A New History of Animation. Nova Iorque, NY: Thames & Hudson.
Smith, R. (2008). Manual Prático do Artista. São Paulo: Ambientes & Costumes Editora.
Sijll, J. V. (2017). Narrativa Cinematográfica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
Thomas, F.; Johnston, O. (1995). The Illusion of Life: Disney Animation. Nova Iorque,
NY: Hyperion.
1002
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
A temática escolhida para o presente artigo tem como intuito perceber o que
pode o devaneio de coabitar as margens dos territórios em um sentido de en-
contro e retorno - pontos desdobrados em ambas as obras aqui apresentadas -,
tão fundamental, para quem vive e trabalha fora de deu país de origem, e como
pode, desta forma, interceptar a criação dos espaços de fronteira entre obras e
lugares. Deste modo, o artigo propõe um diálogo entre os trabalhos Silueta Series
(1973 – 1980) de Ana Mendieta e Don’t Cross The Bridge Before You Get to The River
(2008) de Francis Alÿs, afim de elaborar uma reflexão a cerca da ideia de Entre-
-Espaço, um lugar limite conformado pelas incursões do corpo nos territórios de
fronteira, sejam eles geograficamente cartografados ou traçados pelo sensível. O
paralelo estabelecido entre os artistas deve-se à sua premissa de indivíduos es-
trangeiros, exilados ou afastados de seus lócus de origem, onde esta condição
de deslocamento atua na experiência também inestática das identidades que são
forjadas pelas vivências no território, nas quais a geografia não delimita, mas deixa
vestígios; da ênfase na prática como trabalho e sua contínua transgressão entre
fronteiras, que aqui se pretende demonstrar, fatores estes que atuam diretamen-
te na minha própria experiência como indivíduo/artista, promovendo trabalhos
que tem seguido esta relação. A partir das ações performadas pelo corpo motriz
na paisagem, permeadas por essa condição inicial de deslocamento, no exercício
contínuo proposto por Mendieta e Alÿs de friccionar dois espaços-tempos reais,
porém distantes, ambos artistas elaboram meios de acesso a Entre-Espaços in-
compossíveis a uma só vez, espaços de ausência e ubiquidade, abordando con-
comitantemente o caráter movediço das noções de identidade e pertencimento.
Palavras-chave: Entre-Espaços, Fronteira, Território, Identidade
1 Olivia Matni (Universidade de Aveiro) Master´s Degree student at Universidade de Aveiro - Postgra-
duate Program in “Contemporary Artistic Creation.
2 Paulo Bernardino Bastos (Universidade de Aveir ID+ Instituto de Investigação Design, Media e Cul-
tura) Director of the research group “Praxis & Poiesis: from practice to artistic theory” at ID+,
promotes research in areas related to arts, science, media and culture. Professor at the Postgraduate
Program in “Contemporary Artistic Creation”, develops his research looking at the images produced
by technological mediations.
3 Leonardo Ventapane (PPGAV Universidade Federal do Rio de Janeiro) Professor and researcher -
Visual Communicatio and Design (Bacharel) and Postgraduate Program in Visual Arts at UFRJ
1003
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
The thematic chosen for this article aims to understand the desire of cohabitating the
borders of the territories in a sense of encounter and return - points deployed in both
works presented here - so fundamental for those who live and work outside of their coun-
try of origin, and how in this way can intercept the devlopment of border spaces between
works of art and places. Thus, this article presents a dialogue between the works of Ana
Mendieta’s Silueta Series (1973 - 1980) and Francis Alÿs’s Don’t Cross The Bridge Before
You Get to the River (2008) in order to elaborate a reflection about the idea of in-between
spaces, a border place conformed by the incursions of the body into frontier territories,
whether they are geographically mapped or traced by the sensible. The parallel estab-
lished among these artists is due to their premise of being foreign individuals, exiled or
removed from their locus of origin, where this condition of displacement acts as well as
in the unstable experience of identities that are forged by experiences in the territory, in
which geography does not delimit, but leaves traces; the emphasis on practice as work
and their ongoing transgression between frontiers, in which are intended to be demon-
strated in this article, are factors that act directly on my own experience as an individual
/ artist by promoting works that have followed this line of approach. From the actions
performed by the driving body into the landscape permeated by this initial condition of
displacement, in the continuous exercise proposed by Mendieta and Alÿs of rubbing two
real but distant spacetimes, both artists elaborate means of access to Incompatible In-
terspaces, once, spaces of absence and ubiquity, concomitantly addressing the shifting
character of perspectives of identity and belonging.
Keywords: In-between-Spaces, Border, Territory, Identity.
INTRODUÇÃO
‘’Tornamo-nos conscientes de que o ‘’pertencimento’’ e a ‘’identidade’’ não tem a so-
lidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis
e revogáveis, e de que as decisões que o próprio individuo toma, os caminhos que
percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são
fatores cruciais tanto para o ‘’pertencimento’’ quanto para a ‘’identidade’’. Em outras pa-
lavras, a ideia de ‘’ter uma identidade’’ não vai ocorrer às pessoas enquanto o ‘’perten-
cimento’’ continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativa. Só começarão
a ter essa ideia na forma de uma tarefa a ser realizada, e realizada vezes e vezes sem
conta, e não de uma só tacada.’’ (Bauman, 2005, pp.17). A partir desta abordagem de
Zygmunt Bauman, relativamente a identidade e pertencimento, adotei dois trabalhos
específicos para o desenvolvimento deste ensaio, as obras da artista Ana Mendieta e
do artista Francis Alÿs aqui dialogadas apresentam questões análogas, embora reali-
zadas em contextos geo e políticos distintos. Os artistas partem das vivências do ser
na paisagem como trabalho, experiências em territórios movediços. Suas incursões
fronteiriças questionam os limites do território político e a solidez das identidades em
que nele habitam, falam de pertencimento, encontro, retorno nas diferentes formas
de habitar o espaço.
1004
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O CASO MENDIETA
Ana María Mendieta (1948-1985) foi uma artista de origem Cubana que produziu du-
rante sua breve não obstante prolífica carreira diversos trabalhos através de diferen-
tes manifestações contemporâneas como performance, Body Art, Earth Works, vídeo,
além de esculturas e fotografia4. Mendieta empregava seu próprio corpo como objeto
artístico e circulavam entre os principais temas abordados pela artista questões a cerca
da condição de gênero, do exilio e um dialogo do feminino com a natureza. Em mea-
dos de 1961, aos 12 anos de idade, Mendieta foi enviada aos Estados Unidos por inter-
médio da Operação Pedro Pan5 onde permaneceu exilada como parte do programa,
devido a este desligamento prematuro com sua terra de origem a artista defrontou
durante a vida as consequências deste desenraizamento e o sentimento de não per-
tencimento, temáticas que atuaram diretamente em sua prática artística.
No conjunto hibrido Silueta Series (1973 – 1980), que conta com cerca de 200 fotografias
realizadas no México e nos Estados Unidos a artista explora as relações entre natureza
e seu próprio corpo. As fotografias documentam esculturas efêmeras na forma da sua
silhueta diretamente inscrita na paisagem, afluindo a um ventre metafórico, um retorno
a sua pátria cubana. Ao performar o espaço do exílio, Mendieita traz a luz um território
limiar entre o locus embrionário e o locus presente, questionando os limites e fixidez
de sua própria identidade (Ortega, 2004). Nesse insistente exercício para friccionar esses
dois espaços-tempos reais, porém distantes, Mandieta cativa (ou se aprofunda, cada vez
mais em) entre-espaços incompossíveis, loci, a uma só vez, de ausência e ubiquidade.
Untitled from the Silueta series, 1973–77 Silver dye-bleach print Sheet for parts 1, 6, 9, 10: 15 7/8 × 19
7/8 in. (40.3 × 50.5 cm); sheet for parts 2, 3, 4, 5, 7, 8, 11, 12: 19 7/8 × 15 7/8 in. (50.5 × 40.3 cm)
Collection Museum of Contemporary Art Chicago, Gift from The Howard and Donna Stone
Collection, 2002.46.2Photo: Nathan Keay, © MCAChicago
4 Facial Cosmetic Variations (1972), Glass on Body (1972), Rape Scene (1973)
5 A Operação Pedro Pan foi um programa secreto dirigido pela Igreja Católica em colaboração com o
Central de Inteligência Americana que decorreu ente anos 1960 a 1962 que levou clandestinamente
e com consentimento dos familiares cerca de 14 mil menores cubanos para os Estados Unidos da
América no início do regime Castrista.
1005
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Eu tenho criado um diálogo entre a paisagem e o corpo feminino (baseado em minha
própria silhueta). Acredito que tenha sido resultado direto de ter sido arruinada da
minha pátria (Cuba) durante minha adolescência. Sou sobrecarregada do sentimento
de ser expulsa desde o ventre (da natureza) para a luta. Minha arte é a maneira que eu
reestabeleço os laços que me unem ao universo. É o retorno à fonte materna. Através
das esculturas do corpo, eu me torno um com a Terra. Eu me torno extensão da nature-
za e a natureza se torna uma extensão do meu corpo.” (MENDIETA, 1981, p.10)
Através do corpo Mendieta instaura seu acesso a esse espaço existencial, o corpo é
mediador de toda experiência (Merleau-Ponty, 2011), é a possibilidade de revelar a si
própria a partir do que é familiar no mundo. A especificidade do espaço e do sujeito
são as diretrizes das trajetórias escolhidas, Ana Mendieta autonomiza o discurso ao
trabalhar com seu próprio corpo, entretanto a experiência individual da artista ad-
quire outra dimensão quando transpassa o limite do ser para se tornar um discurso
de muitos, dos corpos exilados, estrangeiros e marginalizados de sua origem.
O CASO ALŸS
O corpo motriz e a não neutralidade do espaço são temáticas também versadas
pelo artista de origem belga Francis Alÿs (1959). Alÿs é um inventor de situações,
investiga interações entre corpo e paisagem ao penetrar contextos sociais, políticos
e geográficos para realizar ações. O corpo funciona como potencialidade original do
movimento que em suas dinâmicas experimenta o mundo e revela a vivência como
situação significativa da existência, uma existência motriz. Em ambas práticas artís-
ticas o sujeito da ação na paisagem possibilita o estágio de identidade do qual nos
tornamos espectadores (Ortega, 2004) e não somente, mas a procura por uma forma
de coabitar os limites dos territórios sonhados, em uma experiência simultaneamen-
te ‘’includente’’ e ‘’excludente’’ (Bauman, 2005).
1006
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Francis Alÿs parte do social para tocar o político em um movimento constante de envol-
vimento e distanciamento, em ‘Dont Cross the Bridge Before You Get to the River’ (2008)
o artista intenciona criar uma ponte imaginária entre dois continentes alinhando duas
fileiras de crianças que se encontrarão no horizonte marítimo do Estreito de Gibraltar. A
indissociabilidade entre as esferas artísticas, políticas e das interações humanas em sua
produção como a inserção de seus trabalhos no espaço público são visíveis nesta obra,
aqui as fronteiras se aproximam, implicam a exigência de um lugar comum e partilhado
onde é possível perceber a visibilidade das questões levantadas pelo artista que são tra-
zidas pela ação proposta através da sincronia de um movimento de encontro.
Still do vídeo ‘’Dont Cross the Bridge Before You Get to the River’,
sequencialmente, frame 00:10 frame 00:50 e frame 01:40 ALŸS, F., 2008
1007
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
adquirem visibilidade política enquanto sujeitos que vivenciam tal realidade, prove-
nientes de contextos tão diferente ocupam naquele momento o mesmo espaço com
uma mesma atitude, um mesmo jogo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao performar espaços de fronteiras, sensíveis, físicos ou políticos, Mendieta e Alÿs ob-
jetam a solidez de identidades deslocadas, exiladas ou cercadas a partir das incursões
realizadas em diferentes territórios, o homem em movimento agora também deixa
pelo espaço vestígios que o afastamento geográfico por sua vez já deixou em si, o
movimento do corpo é também um movimento interno, o entre-espaço que mar-
geia ambos os territórios deixados e os territórios das ações anuncia um possível
pertencimento de si, mesmo que fugazes. Ambos artistas apresentaram narrativas
próprias sem abstraírem o caráter político de suas ações, o discurso singular de cada
um permeia diversos complexos sociais atuais e falam a um grande coletivo, a uma
sociedade globalmente-economicamente interligada, mas territorialmente desmem-
brada, falam desta fluidez das identidades que são forjadas pelas vivências nos terri-
tórios estrangeiros ou exilados que almejam habitar espaços incompossíveis. Através
1008
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
Bachelard, G. (1993) A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes
Bauman, Z. (2005) Identidade. Entrevista com Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor
Langer, S. (1957) Problems of Art: Ten Philosophical Lectures. New York: Charles Scrib-
ner’s Sons, Holiday House
‘Untitled (Silueta Series, Mexico)’, Ana Mendieta, 1974 | Tate. (n.d.). Retrieved Decem-
ber 28, 2018, from https://www.tate.org.uk/art/artworks/mendieta-untitled-silueta-
-series-mexico-t13357
REFERÊNCIAS WEB
‘Untitled (Silueta Series, Mexico)’, Ana Mendieta, 1974 | Tate,”( n.d.) Acessado em 21
de Novembro de 2018, em https://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/film/
ana-mendieta-pain-cuba-body-i-am
Ana Mendieta, una artista cubana que sobrepasó los límites – Español. (n.d.). Aces-
sado em 04 de Dezembro de 2018, de https://www.nytimes.com/es/2018/09/21/
ana-mendieta-artista-obituario/
ACKNOWLEDGEMENT:
This work is financed by natonal funds through the FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., in the ambit of the project UID/DES/04057/2019.
1009
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Philip Cabau1
O dispositivo escondido detrás dos desenhos
A noção de Dispositivo na prática e exercício do desenho
Drawings’ hidden device
The notion of Device within the practice of drawing
Resumo
O desenho integra a história das práticas da representação nas artes, na ciência
e na tecnologia — continuando, sob as suas novas formas, a fazer hoje parte
dessas práticas. Essa presença transversal do desenho está associada não ape-
nas às representações associadas à investigação, mas sobretudo à capacidade
que este tem para potenciar uma atenção singular perante o objeto de estudo.
Neste sentido compreender a natureza do desenho e os seus modos de funcio-
nar, enquanto processo de pensamento visual, revela-se um empreendimento
pertinente, cuja utilidade ultrapassa as fronteiras do território artístico. A análi-
se do dispositivo capaz mobilizar o pensamento que integra as práticas — e a
aprendizagem — do desenho é parte integrante desse empreendimento.
Palavras-chave: Desenho, Dispositivo, Aprendizagem
Abstract
Drawing is part of the history of representations within the arts, science and tech-
nology – and it remains being so today, in its new usages. This cross-sectional pres-
ence of drawing is associated not only with the representations closely related with
research, but most of all with its ability to enhance a distinct form of attention to-
wards the object matter. The understanding of drawing, and its ways as a process for
visual thinking, proves to be a pertinent undertaking whose utility goes far beyond
art. The analysis of the devices capable of engaging the thinking processes within
the practices of drawing – and their means of acquisition – is part of this endeavour.
Key-words: Drawing, Device, Learning
1010
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ponto, permitirá obter uma visão global e controlada sobre o que ali decorre – bem
como o seu cumprimento, fidelização ou desvio perante as estratégias e conteúdos
previamente fixados. Praticar é, contudo, é um verbo com contornos excessivamen-
te difusos, pois a natureza e a qualidade de uma prática resultam, em grande medi-
da, da consistência dos procedimentos que a sustenta, do modo como os dispõe.
É assim que a concebemos, como lembra Yves Michaud, quando “(...) falamos da
prática de um desporto ou de um passatempo, fazer certas coisas, praticar certas ativi-
dades, seguindo mais ou menos corretamente certas regras características da atividade
em questão. A prática pode ter diferentes finalidades: fins de aprendizagem (...), fins de
cultura, de lazer, de prazer ou de subsistência.” É neste sentido que “O melhor ou pior
cumprimento das regras faz a qualidade da prática: esta será denominada, conforme os
casos, amadora, esclarecida, certificada.” 2 (Michaud 1999, 20).
Num contexto mais alargado, toda a aprendizagem passa, de diferentes modos, pelo
exercício. No caso do exercício do desenho, essa prática incide sempre sobre uma
determinada problemática; ele organiza-se, como veremos adiante, como um dis-
positivo cuja configuração só é percetível quando ativada nas mãos do praticante
(precisamente porque ele envolve a sua perceção experimental) — sendo isto sobre-
tudo evidente para os estratos mais avançados de uma aprendizagem do desenho.
Mas do que consta exatamente uma prática desenhada? Ela convoca territórios já
existentes, distintos e heterogéneos, estabelece ligações, evoca táticas e processos,
inventa critérios, cria novos sentidos capazes de produzir efetivamente um terreno
de experimentação do desenho. Ele organiza-se, enfim, como um dispositivo. Para
tratar aqui esta questão vou cingir-me ao espaço preenchido pelos processos de
experimentação que caracterizam a aprendizagem do desenho e onde, dada a in-
tencionalidade didática inerente ao contexto pedagógico, se torna particularmente
visível a questão e a importância do dispositivo.
2 A versão portuguesa das citações retiradas das obras originais referidas abaixo, na bibliografia, são
da responsabilidade do autor do texto.
1011
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3 Ou seja, um plano constituído por : “1) un sens juridique au sens strict « le dispositif c’est la partie d’un
jugement qui contient la décision par opposition aux motifs », c’est à-dire la partie de la sentence (ou de
la loi) qui décide et dispose. 2) une signification technologique la manière dont sont disposées les pièces
d’une machine ou d’un mécanisme, et, par extension, le mécanisme lui même ». 3) une signification mili-
taire : « l’ensemble des moyens disposés conformément à un plan.” (Agamben 2007, 19-20)
1012
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
4 “For, as I have observed, an academy was a center of humanist learning, ‘disegno’ a shorthand alluding
to intellectual, not manual, activity. And one of the first concerns of the academy, shortly after it was
created, was the matching of its name with a seal or device proclaiming its high intellectual purpose.”
(Goldstein 1998, 17)
1013
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
agem como flechas que não param de entrecruzar as coisas e as palavras, sem aban-
donar a batalha. A linha de forças produz-se ‘em toda a relação entre um ponto e um
outro’, e passa por todos os lugares de um dispositivo” (Deleuze 2003, 316-325). Dar a
ver o que (quase sempre) já lá está, iluminar o momento da experimentação que é,
ali, atravessado – é o que fazem as curvas de visibilidade do exercício de desenho. As
linhas de enunciação manifestam-se, no dispositivo de experimentação do desenho,
naquele espaço frequentemente estreito que, pela prática, ocorre entre o enuncia-
do disciplinar — à volta dos conteúdos e dos saberes do desenho — e o sentido
adivinhado pelo próprio processo da enunciação (os desvios e as transformações
mencionadas por Deleuze). Por seu lado, as linhas de força de um dispositivo de ex-
perimentação do desenho estão, de algum modo, associadas às duas anteriores: elas
atravessam todos os pontos e momentos da experimentação, efetuando correções.
Se as primeiras dão a ver os objetos do desenho e as segundas dão a ver a nossa
relação com eles, as terceiras são as inscrições que proporcionam a perceção desse
trajeto, fazendo dele uma consciência autoral.
No mesmo texto, Deleuze define ainda as duas grandes consequências (os grandes
fundamentos operativos) deste conceito filosófico de Foucault: “A primeira é o repú-
dio dos universais. O universal com efeito não explica nada, é ele que deve ser explica-
do. (...) A segunda consequência de uma filosofia dos dispositivos é uma mudança de
orientação, que se desvia do Eterno para apreender o novo” (Deleuze 2003, 316-325).
No espaço da prática do desenho, desconfiar dos Universais é o que nos permite
olhar de frente as categorias e os protocolos como um exterior absoluto, infértil e
inútil – e passar de um registo abstrato para uma prática concreta, a captura do novo.
Importa, todavia, precisar aqui o que se entende por novo, pois para a pedagogia do
desenho, esta é uma questão central – e que consiste na capacidade para identificar
(reconhecer) uma configuração capaz de capturar o presente. Segundo Deleuze, “A
novidade de um dispositivo relativamente aos precedentes, chamamo-la a sua atuali-
dade, a nossa atualidade. O novo, é o atual. O atual não é aquilo que nós somos, mas
antes aquilo em que nos tornamos, aquilo em que estamos em via de nos tornar, ou seja
o Outro, o nosso devir-outro. Em qualquer dispositivo, é preciso distinguir aquilo que nós
somos (aquilo que já não somos mais), e aquilo em que nos estamos a tornar: a parte
da história e a parte do atual. A história é o arquivo, o desenho daquilo que nós somos
e deixamos de ser, enquanto que o atual é o início daquilo em que nos tornamos. De tal
forma que história ou o arquivo é o que nos separa ainda de nós-mesmos, enquanto que
o atual é esse Outro com o qual nós já coincidimos” (Deleuze 2003, 316-325).
1014
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tentemos enfim explicitar o que se entende aqui por dispositivo. Numa entrevista de
1977, Foucault definia-o assim: “(…) por dispositivo, entendo uma espécie – digamos –
de formação que, num determinado momento, teve como função maior dar resposta a
uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante... Eu disse
que o dispositivo tinha uma natureza essencialmente estratégica, o que supõe que nele
acontece uma certa manipulação de relações de força, uma intervenção racional e con-
certada nessas relações de força, seja para as desenvolver numa certa direção, seja para as
bloquear, ou para as estabilizar, as utilizar. O dispositivo está assim sempre inscrito num
jogo de poder, mas também sempre ligado a um ou a vários limites do saber, que nele
nascem, mas, ao mesmo modo, o condicionam. É isto o dispositivo: estratégias de relações
de força que suportam tipos de saber e que são suportadas por eles.” (Foucault 1994, 299)
É evidente que também o dispositivo inerente ao fazer do desenho não pode, evi-
dentemente, ser entendido fora do paradigma que configura as condições des-
sa mesma prática — e das condições da contemporaneidade onde está inserido.
O problema é que não é possível descobrir a tal novidade (o atual de que fala
Deleuze) a partir de bitolas e parâmetros já definidos. Descobrir como abrir os
olhos e como inventar modos de os manter abertos é o movimento que produz
1015
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
o dispositivo. Este foi sempre o papel dos professores (dos melhores professores),
mesmo nos casos mais emblemáticos do modernismo, como foi o caso de Itten,
Klee ou Albers.5 Este último confirmou, na sua longa docência, a dificuldade deste
empreendimento: a colisão que se verificava entre a tendência dos alunos para
reproduzirem as imagens e os procedimentos do professor e o esforço associa-
do ao trabalho da autoria — e a singularidade que este pode revelar. As práticas
artísticas contemporâneas sabem bem o quanto o terreno é hoje móvel e difuso.
A prática do desenho e, consequentemente, o seu ensino só pode sobreviver se
souber reinventar-se e incorporar, nos seus dispositivos, novas linhas de fuga. Es-
tas podem, como sabemos, incorporar desvios que as conduzam, eventualmente,
para o exterior do próprio desenho pois no contexto contemporâneo das práticas
e do próprio ensino artístico, como diz Thierry de Duve: “Efetivamente, ‘vale tudo’.
A única atitude que não toleraríamos seria aquela de Bartleby.6“ Este pressuposto
não é, todavia, fácil de aceitar. O que é perfeitamente compreensível, como refere
Duve: “Eu entendo-os; ela retirava-lhes tudo o que resta de critérios a priori para guiar
e julgar o trabalho dos estudantes. Estes não saberiam mais a que se agarrar e os seus
professores ficariam tão desmunidos quanto eles.” Contudo, sabemos hoje que “(…)
mesmo quando prescrevemos um médium, um problema plástico, um tema ou um
assunto a tratar, os estudantes chegam à apresentação dos trabalhos com qualquer
coisa que tenta escapar por todos os meios a esses constrangimentos” (de Duve 2008,
108-110). N mesmo texto Thierry de Duve avança ainda com uma noção para a sus-
tentação da prática pedagógica nas artes: aquela de Simulação. Sobre esta noção,
num debate que ocorreu na École des Beaux-Arts de Grenoble, o autor esclarece:
“Eu não exorto a simulação como ideia ou ideal da arte, exorto, como ideia reguladora
da ‘aprendizagem’ da arte, uma certa simulação, um certo ‘analogismo’, precisamente
aquele que a fórmula de Jean-Pierre (ou de Kant, ou de Duchamp): A/B=A’/B’. Uma tal
ideia não é nem uma teoria, nem uma doutrina, nem um projeto, quase não chega a
ser um programa.” A simulação, configura aqui um procedimento operativo apoia-
do sobre a própria experiência do exemplo. Trata-se aqui, de novo, da noção de pa-
radigma — integrando obliquamente o conceito de dispositivo. Como referimos,
o exercício de desenho - e o seu enunciado, em contexto pedagógico, funciona
precisamente por analogia: do particular para o particular, movendo-se de sin-
gularidade em singularidade. E constitui-se como tal suspendendo e, ao mesmo
tempo, expondo a sua pertença ao conjunto (do qual é indissociável), de tal modo
que não é já possível separar nessa operação a exemplaridade da singularidade. A
5 “That Albers did not provide his pupils with recipes (...) is not, then, in dispute. His teaching was unques-
tionably conceived, as he often said, “to open eyes”; it ran counter to the whole philosophy and weight of
the monolithic academic system.” (Goldstein 1996, 282)
6 A expressão recorrente que caracteriza esta famosa personagem literária, um escriturário de nome
Bartleby do conto homónimo de Herman Melville, é: “I’d rather not!” – e que pode ser traduzida
como: “Preferiria não o fazer!”.
1016
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1017
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
incompleta, de uma ação posta à prova na sua realização.” (Silva 2004, 401) Este en-
contro entre essa “ideia-desenho” e “as ações, os traçados” – que comporta sempre
o movimento da sua construção como o da sua desconstrução (e da sua própria
destruição) – é a natureza mesma do dispositivo.
Bibliografía:
Agamben, Giorgio. 2007. Qu’est-ce qu’un dispositif ? Paris : Payot et Rivages.
Duve, Thierry de. 2008. Faire école (où la refaire). Dijon : Les Presses du Réel.
Foucault, Michel. 1994. Dits et écrits, volume III 1976-1979. Paris : Gallimard.
Goldstein, Carl. 1998. Teaching Art: Academies and Schools from Vasari to Al-
bers. Cambridge, Mass.: Cambridge University Press.
Michaud, Yves. 1999. Enseigner l’art ? Analyses et réflexions sur les écoles d’art.
Nîmes : Jacqueline Chambon.
Silva, Vítor da. 2004. Ética e Política do Desenho, Teoria e prática do desenho na
arte do século XVII. Porto: FAUP, Universidade do Porto.
1018
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo tem como desígnio demonstrar que a aliança entre o design e o ar-
tesanato, orientada para o projeto de cenários para teatro na região do Norte
de Portugal, pode ser a chave de leitura para a criação de uma rede territorial
portadora de identidade e sustentabilidade. Pretende-se demonstrar que é pos-
sível ultrapassar as barreiras impostas pelo tempo e pela sociedade, utilizando
a disciplina do Design como base estrutural na obtenção de soluções às mais
distintas realidades. É importante criar relações e conexões entre parceiros, dire-
tos ou indiretos, de maneira a potenciar economias locais e impulsiona-las para
o mercado competitivo que o mundo exige, sem que lhes seja retirada a sua
identidade cultural ou o seu processo produtivo único.
Palavras-chave: design, artesanato, rede territorial, teatro.
Abstract/resumen/resumé
This article is designated to demonstrate that the relationship between design
and crafts, orientated for the design of scenario for theater in the north region of
1 Ricardo Nuno Lima e Sá, natural de Viana do Castelo, licenciado em Design do Produto pelo Institu-
to Politécnico de Viana do Castelo, pós-graduado em Mestrado em Design Integrado pelo Instituto
Politécnico de Viana do Castelo.
2 Professor adjunto do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Investigador do CIAUD. Doutor em
design (U. Aveiro). Pós-doutoramento em design (FA-UL). Master in design (Domus Academy, Mila-
no). Arquiteto (U. Palermo). Interesse científico em sistemas de redes territoriais e design estratégico.
Colabora em revistas e eventos científicos. É membro de comissões científicas de conferências e em
revistas da especialidade. Orienta teses de mestrado e doutoramento É co-autor do livro ‘Sei progetti
in cerca d’autore’ Alinea E (2012).
3 Professora adjunta e coordenadora da licenciatura em Design do Produto do Politécnico de Viana
do Castelo. É doutora em design (U. Aveiro), licenciada em design (FA-UL) e investigadora do CIAUD
e do ID+. O seu interesse incide na teoria e crítica do design, semiótica e espaço. Colabora em re-
vistas e eventos científicos. É membro de comissões científicas de conferências e em revistas da
especialidade. Orientou mais de 25 teses de mestrado e orienta teses de doutoramento. É co-autora
do livro ‘Sei progetti in cerca d’autore’ Alinea E (2012).
1019
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Portugal, can be the key to create a territorial network carrier of identity and sus-
tentability. It is intented to demonstrate that can be possible to cross the boundries
of time and society, using the discipline of Design as a structural base to reach solu-
tions for all reality. It is important to create relations and conection between part-
nerhips, direct or indirect, in ways to potentiate local economies and raise them to
a competitive market demanded by the world, without taking their cultural identity
or their unique making process.
Keywords: design, crafts, territorial network, theater.
Introdução
A investigação propõe aliar o design e o artesanato, orientada para o projeto de ce-
nários e adereços para teatro, com vista na criação de uma rede territorial portadora
de identidade e sustentabilidade, na região do Norte de Portugal. Pretende-se que
a disciplina do Design do Produto, aliada à prática artesanal, contribua no processo
criativo no desenvolvimento de cenários e adereços para a o Teatro Noroeste – CDV,
localizado a Norte de Portugal. A prática artesanal transformar-se-á numa rede terri-
torial que pretende abranger um leque vasto de intervenientes que produzam com-
ponentes para um produto. Dessa forma, a rede territorial será promotora de inova-
ção, sustentabilidade, competição e parcerias entre os envolvidos na investigação.
Numa época em que os avanços tecnológicos são imprevisíveis e rápidos e num país
onde o setor artesanal está 25% situado no norte de Portugal, a intervenção em prá-
ticas que já poderão estar ultrapassadas pelas produções barata e em série torna-se
necessária. O artesanato tem uma componente cultural e empírica que dificilmente
se obtém com produtos industrializados. Qualidade de acabamentos, identidade
cultural, singularidade e personalização do produto são alguns exemplos da riqueza
dos produtos artesanais que não têm como competir com produtos em série de
baixo custo. É pertinente que a disciplina do Design atue nesta problemática como
mediador de todas as valências do artesanato, de forma a procurar soluções favorá-
veis que potenciem estas práticas. A aplicação no âmbito do teatro provem de ser
um local onde a aprovação por parte do espectador validará o resultado final e por
ser um espaço de observação sensorial.
Metodologia de investigação
A investigação terá como método de trabalho o método empírico e misto. Experiên-
cia é a palavra base do empirismo que é um “sistema filosófico que atribui a origem
das ideias ou conhecimento à experiência” (MACHADO J. P., 1981). Definindo a pa-
lavra experiência, segundo José Machado, como “ação ou efeito de experimentar;
observação, verificação, comprovação, confirmação de um facto” (MACHADO J. P.,
1981), conclui-se, previamente, que se obterá conhecimento tanto pela observação
de factos, como pela partilha de conhecimento e experimentação laboral com as
1020
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O trabalho de campo, como segundo momento, será efetuado junto das empresas
e entidades intervenientes na investigação (artesanato e companhia de teatro) de
modo a obter conhecimento pormenorizado das culturas empresariais e alguns as-
petos mais específicos de funcionamento e interação.
A fase experimental, como terceiro momento, será repartida em duas. Uma primeira
parte onde será feito um estudo prático de hipóteses válidas à solução da investiga-
ção, por meio de técnicas como sketch, modelação de pormenores, modelação 3D
e modelos à escala real. E uma segunda parte onde se irá presentar e validar, previa-
mente, as primeiras conclusões com as empresas e entidades.
A fase projetual, como quarto momento, será para materializar a fase anterior com
o recurso a materiais próximos do real. Testes relevantes como a resistência, ergono-
mia, transporte, dimensões, peso, entro outros serão executados nesta fase. Preten-
de-se que no final resulte um protótipo.
4 Inserida no FITEI, a peça “Colônia” foi assistida no Teatro Sá de Miranda, Viana do Castelo. Peça de
Renato Livera, Vinicius Arneiro e Gustavo Colombini.
5 Tradução livre do autor: “A central feature of design activity, then, is its reliance on generating fairly
quickly a satisfactory solution, rather than on any prolonged analysis of the problem.” (NIGEL, 2006, p. 7)
6 (LA PIETRA, 1997)
7 (BROWN, 2009)
8 (NIGEL, 2006)
9 (APARO, SOARES, & MOREIRA DA SILVA, 2018)
1021
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1022
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A companhia Teatro Noroeste – CDV (Centro Dramático de Viana), assim como vá-
rias companhias de teatro, artes e música10, irá representar uma peça de dramatur-
gia chamada de “O Bojador”, “Escrito em 1961, para as filhas, que frequentavam o
3ºano do liceu” (Andresen, 2000) com o intuito de instruir os mais novos a aprender
a marcos da história de Portugal. A obra pretende representar a passagem dos por-
tugueses pelo Cabo Bojador, intencionada pelo Infante D. Henrique e liderada por
Gil Eanes. Tem um total de nove personagens, por vezes quatro em simultâneo em
cena e nunca foi representada por teatros profissionais. Numa primeira versão da
peça, foi feita uma adaptação por Ana Perfeito – cenógrafa da companhia – de modo
a reduzir o número de atores em cena por questões de logística, dado que a peça,
para além de vir a ser representada no palco do Teatro Municipal Sá de Miranda,
também será representada em escolas do distrito de Viana do Castelo. Ou seja, con-
firmamos a pertinência da elaboração da peça e os primeiros constrangimentos de
ser uma peça ambulante. Deste modo, a adaptação, em vez de se situar temporal-
mente em 1434, remeterá para o ano de 1961 e será reduzida a dois atores. Os dois
personagens a interpretar serão Sophia e Miguel Sousa Tavares, filho de Sophia que
na altura tinha 11 anos, e a representação focará numa interação entre mãe e filho.
Para a criação de um cenário plausível à data e à adaptação, recorremos a uma foto
de Eduardo Gageiro11 de 1964 (figura 2), onde Sophia escreve, numa mesa junto à
janela, em sua casa na Travessa das Mónicas. Tal foto encontra-se no final do livro na
edição de 2000.
10 “Centenário de Sophia vai ser celebrado entre Portugal, Roma e o Rio de Janeiro” - https://www.
publico.pt/2018/11/06/culturaipsilon/noticia/centenario-sophia-vai-celebrado-portugal-roma-rio-
-janeiro-1850096 acedido a 15/06/2019
11 Foto de Eduardo Gageiro a Sophia de Mello Breyner Andresen em 1964 - http://www.eduardoga-
geiro.com/albums/retratos-com-historias/content/sophia/lightbox/ acedido a 15/06/2019
1023
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 2 Sophia em sua casa na Travessa das Mónicas. Foto do espólio de Eduardo Gageiro.
Na foto são identificadas três peças de mobiliário (duas cadeiras e uma mesa) e
imensos adereços. Com foco na cadeira onde Sophia se senta, serão analisados dois
casos de estudo. Os casos serão duas cadeiras cuja estética, características e fun-
cionalidade pretendem harmonizar-se numa só como resposta à sua interpretação
e síntese histórica e produtiva. A cadeira Coração, mais conhecida como rabo-de-
-bacalhau e a cadeira Thonet nº233 são os objetos em estudo que serão analisados
conforme o contexto histórico em que se inserem, partindo da base que influenciou
a sua construção e forma.
Cadeira rabo-de-bacalhau
Tendo a data de 1755 como referência contextual, Portugal sofre uma tragédia – um
terramoto – que destabilizou social e economicamente o país, causando a escassez de
produção de produtos. Note-se que Portugal, antes da tragédia, atravessava momentos
1024
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É neste século XVIII que aparece pela primeira vez a cadeira Coração, mais conhe-
cida como cadeira rabo-de-bacalhau, inspirada na cadeira Windsor de origem in-
glesa (figura 2).
Figura 3 Ash and Elm Hoopstick Back Windsor Chair with Crinoline Stretcher, circa 1830.12
12 Fonte: https://www.1stdibs.com/furniture/seating/windsor-chairs/ash-elm-hoopstick-back-wind-
sor-chair-crinoline-stretcher-circa-1830/id-f_14484072/ acedido a 09/09/2019
1025
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
antecedentes.”13 (PILE, 2005, p. 201). Esta cadeira acaba por ser levada para o Novo
Mundo durante a época colonial e integra o mobiliário dos colonos que, em 1776,
após a Declaração da Independência, acaba por ser adaptada e a ter uma versão
americana “que ganhou fama durante a década de 1790, pelo seu custo barato,
aspeto formal, pintada e vernacular que conquistou o topo do mercado, tendo as
suas vendas ultrapassado todas as outras cadeiras combinadas”14 (EVANS, 2006,
p. 9). Acentuando a importância deste mobiliário, após atingir o seu apogeu, é
classificada como uma cadeira versátil e adequada para variadas situações e espa-
ços, sem distinguir classes sociais que “do operário ao político, a Windsor sentava
todos”15 (EVANS, 2006, p. 13). Será pertinente referir que, para além da Windsor
americana e da rabo-de-bacalhau, em 1949, o finlandês Ilmari Tapiovaara, numa
tentativa de reerguer a economia finlandesa e limitado pelos materiais (madeira
em abundância, metal escasso pela utilização na guerra), cria uma cadeira inspira-
da na clássica Windsor com o nome de Fanette que “acabaria por incorporar a tra-
dição vernácula da Finlândia e Tapiovaara a reinterpretou para que se adequasse à
cultura do lugar de uma sociedade reerguida de um pós-guerra.” 16 (KORVENMAA,
1997, p. 98). Surgem, entre a década de 50 e 60, variações da cadeira “adaptadas às
necessidades da casa moderna: os modelos Pelimanni, Mademoiselle e Crinolette
fabricados pela Asko, onde as peças eram presas por geometria sem necessidade
de parafusos” 17 (KORVENMAA, 1997, p. 42) (figura 4).
13 Tradução livre do autor: “Queen Anne furniture is generally somewhat smaller, lighter, and more
comfortable than its predecessors” (PILE, 2005, p. 201)
14 Tradução livre do autor: “The American Windsor came into its own during the 1790’s as this inex-
pensive, painted chair archived a board market and sales surpass those of all other chairs combined,
vernacular and formal.” (EVANS, 2006, p. 9)
15 Tradução livre do autor: “From the day laborer to the statesman, the Windsor seated all.” (EVANS,
2006, p. 13)
16 Tradução livre do autor: “Este tipo de silla se había incorporado a la tradición vernácula de Finlan-
dia, y Tapiovaara la reinterpreto para que se adecuase a la cultura del hogar de la sociedad surgida
de la posguerra” (KORVENMAA, 1997, p. 98)
17 Tradução livre do autor: “Por un lado Tapiovaara realizó una serie de variaciones de la clássica silla
Windsor adaptadas a la necessidades de la vivenda moderna: los modelos Pelimanni, Mademiselle y
Crinolette fabricado por Asko, donde las piezas se trababan por geometría in necesidad de tornillos
passantes” (KORVENMAA, 1997, p. 42)
1026
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1027
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1028
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
25 Tradução livre do autor: “Sitting in a chair for hours gives certain level of fatigue in people.” (AL-
THINÖZ, ÖZDEMIR, & USTA, 2017, p. 529)
26 Tradução livre do autor: “The Thonet chairs have become the symbol of the coffee houses wich
were raied and spread in France in the 20th century” (ALTHINÖZ, ÖZDEMIR, & USTA, 2017, p. 536)
1029
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
27 Foto do autor.
28 Foto do autor.
1030
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusões
Neste artigo, o estudo acerca de duas cadeiras históricas do contexto ocidental é
o ponto de partida para a criação de soluções satisfatórias, uma das problemáticas
identificadas na presente investigação. Por um lado, reflecte-se acerca de uma ca-
deira com clara ascendência no mobiliário inglês e que se destacou no mobiliário
português – a cadeira rabo de bacalhau. Por outro lado, analisa-se uma cadeira pre-
curssora de um icon da produção industrial e portadora de características determi-
nantes para este projeto – a cadeira Thonet nº233.
Sendo que tudo tem um começo, um meio e um fim, para objetivar, potenciar e
o impulsionar as economias locais é necessário verificar a realidade produtiva que
existe no lugar, nomeademnte, no Norte de Portugal. Simultanemanete, urge deli-
near uma linha condutora que designe se a realidade escolhida é a mais apropriada.
Dependendo dos constrangimentos e das dificuldades que poderão aparecer no
percurso projetual, será necessário ter uma abertura flexível à alteração das hipóte-
ses primárias ao problema, mantendo o foco na preservação da identidade cultural
e nos processos produtivos iniciais.
Com este estudo pretende-se demontrar que o mobiliário continua a ser uma esco-
lha para potenciar a identidade cultural de um lugar, de um país, refletindo o tempo,
o espaço e as conjunturas. Trata-se de um produto vernacular com influência na es-
colha de materiais, técnicas e tecnologias a utilizar, pelo que o design responsabili-
za-se a garantir a sobrevivência destas culturas do fazer. O facto de todas as cadeiras
referenciadas no estudo utilizarem materiais autóctones, como a madeira, justifica,
perfeitamente, a utilização de práticas artesanais para a produção, principalmente
pela experiência de trabalho. A concepção de produtos/sistemas de produto com
a intervenção de duas ou mais empresas, criando uma rede empresarial, concede
aos produtos, não só um misto cultural, mas uma singularidade produtiva e uma
1031
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
ALTHINÖZ, M., ÖZDEMIR, N., & USTA, I. (15 de 12 de 2017). Jornal of Advanced Te-
chnology Sciences. Ergonomic Analysis of Seating Furniture Used in Food and
Beverage Facilities: THonet Nº233 Chair, pp. 528-540.
APARO, E., SOARES, L., & MOREIRA DA SILVA, F. (3 a 6 de outubro de 2018). Modernity,
Frontiers and Revolutions. Developing a trumpet configuration applying a me-
thodology from design-by-drawing and craft evolution, pp. 227-232.
CRUZ, D. I. (1969). Como montar uma peça de teatro - coleção educativa série C
nº16. Lisboa: Ministério da Educação Nacional.
1032
Imagem, Desenho e Conhecimento #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
PILE, J. (2005). A History of Interior Design. Reino Unido: Laurence King Publishing,
Ltd.
1033
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria
Praxis and Poiesis: from Practice to Theory
1034
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Alessandro Malpasso1
Ação artística-criativa: olhando as práxis holísticas
Artistic-creative action: looking at holistic praxis
Resumo
Considerando os distintos elementos visuais que podem contribuir a escolha do
método operacional e da ação performativa em relação as práxis holísticas ob-
servadas, o objetivo deste artigo é estimular a reflexionar sobre a peculiaridade
criativa do humano. O presente trabalho desenvolve-se utilizando a metodolo-
gia qualitativa, considerandoa a mais adequada ao objeto de estudo. Pelo ana-
lise se incluem alguns exemplos de experiencias vivenciadas em passado pelo
pesquisador, como, tambem outras ainda não exploradas, mais abordadas por
outros autores. Se enfatizam elementos primordiais, ou seja, a estética, a criati-
vidade, a ancestralidade, a memoria e os arquetipos das práxis holísticas, incor-
porados na gestualidade do humano que se olham como performance. Como
resultado, se interpretam as experiencias praticas (práxis) mediante a ação artís-
tica-criativa, utilizando a fotografia como medio expressivo e a tecnologia pela
elaboração poética da imagem.
Palavras-chave: Arte, Criatividade, Holismo, Performance, Práxis.
Abstract
Considering the different visual elements that may contribute to the choice of the
operational method and the performative action in relation to the holistic praxis
observed, the aim of this article is to stimulate reflection on the creative peculiarity
of the human. The present work is developed using the qualitative methodology,
considering the most appropriate to the object of study. The analysis includes some
examples of experiences lived in the past by the researcher, as well as others not yet
explored, more addressed by other authors. Primordial elements are emphasized,
that is, the aesthetics, creativity, ancestry, memory and archetypes of holistic praxis,
embodied in the gestuality of the human being that they see as performance. As a
1035
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
Os conhecimentos holísticos deste planeta, se consideram relevantes tendo em
conta que incorporam o envolvimento de uma complexidade vinculada com ele-
mentos estéticos, matrizes primordiais, memória e identidade, entre outras. Estes,
contribuem sinergicamente no desenvolvimento da cultura impulsando o humano
a ser criativo, ou seja, a escolher expressões artisticas como motivo principal de viver.
Assim que, o homem pode construir uma forma de olhar, a interpretação poética de
uma práxis2 como ação artística-criativa que define a complexidade e a unicidade
dos sentimentos do homem.
2 Deriva do grego πράξις, e é a atividade humana em sociedade e na natureza. Entendida como uma
experiência prática.
3 Ação artística que manifesta a través da teatralidade do corpo um fenômeno cultural. É baseada
as vezes em improvisação, tendo geralmente como objetivo, provocar uma reação do publico e um
espontâneo contato com o espetador.
1036
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
lados com culturas do Brasil, do Perú, de Cuba e do Mexico, entre outras. Eles incor-
poram uma heréncia cultural, é dizer, conhecimentos relacionados aos antepassados.
Estas, incluim uma visão holística vinculada a uma cosmogonia expressada tambem
pelo humano abrangendo uma rica criatividade transmitida com a oralidade, a ico-
nografia e a gestualidade, entre outras. A união desses componentes evidencia o
holismo incorporado em varias culturas deste planeta, trazendo tambem elementos
vinculados com o universo (agua, terra, ar, fogo), como tambem, a expressão de al-
guns animais e as formas de certas plantas e flores, que são observados e imitados
pelos humanos segundo a peculiar criatividade.
Geertz (2003) expressando a teoría sobre a cultura, afirma que a principal preocupação,
teria que estar focada na forma de viver do ator, e assim compreender e traducir um
fenômeno cultural com maior coerência e objetividade. Desta maneira, é possivel res-
peitar a essência ancestral da cultura, e assim difundir um conhecimento não alterado.
4 Provem do grego holos, totalidade. Ou seja, é uma corrente que analisa os acontecimentos, a par-
tir de diferentes interações que os determinan. O holismo, se entende como um todo e cada parte
dessa totalidade tem continuas interações.
1037
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1038
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Von Bertalanffy (1968) informa que existem vários termos em todos os campos do
conhecimento, que servem para explicar o conceito de todalidade, e são os seguin-
tes: “holismo, organismico, gestalt, etc.” (Von Bertalanffy, 1968, p. 45, tradução do
autor). Assim que, estas ideias servem para explicar a importância de pensar em um
sistema constituído por componentes interatuando.
O autor afirma que na física não existe nada extraordinário ou que tem uma ligação
com o sagrado. Mais, outros sistemas simbólicos vinculados com as áreas das “ciên-
cias humanas” são igualmente coerentes, como por exemplo: “Os da taxonomia, da
genética ou da história da arte embora eles estejam longe de ter o mesmo grau de
precisão” (Von Bertalanffy, 1968, p. 247, tradução do autor).
Ainda Von Bertalanffy (1968) manifesta que em outras culturas existem diferentes
tipos de conhecimentos, que podem representar varias perspectivas da realidade,
incluindo aspetos que vão além da visão científica do universo. Wilber (1998) afirma
que o humano, ocupa um lugar importante no universo, na vida e no espiritu. “Espi-
ritu ou a vacuidade é inqualificable, mais não é inherte nem inmutavel porque a sua
criatividade, em última estancia, é a que da origem a emergências de novas formas.
Vacuidade, criatividade, holone” (Wilber, 1998, p. 50-51, tradução do autor).
1039
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Damásio (2018) estabelece que existe uma conexão entre a vida humana faz 3,8
bilhões de anos atrás, com a que se desenvolve na contemporaneidade, depen-
dendo de uma serie de fenômenos e mecanismos culturais, que associados aos
sentimentos e fenômenos, fortalece os vínculos com a natureza. Ainda Damásio
(2018) considera que: “Sentimentos e mentes culturais criativas são frutos de um
longo processo no qual a seleção genética guiada pela homeostase teve papel de
destaque” (Damásio, 2018, p. 15).
1040
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1041
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Maslow (2008) faz uma distinção entre criatividade primaria, que é a fase de inspi-
ração e a critividade secundaria, que é: “[...] o processo de elaboração e desenvolvi-
mento da inspiração” (Maslow, 2008, p. 85, tradução do autor). Aplicamos o conceito
do autor sobre criatividade á metodologia proposta, que desenvolve-se em dois fa-
ses: a primeira (práxis de observação) e a segunda (práxis de interpretação).
Bachelard (2007) afirma que no tempo podem ocorrer inúmeros episódios que se
definem como instantes. Uma das potencialidades que tem a fotografia, é poder
fixar instantes mais significativos vinculados com acontecimentos holísticos em um
contexto cultural. Sucessivamente, se concretam imagens, que podem ser elabo-
radas ou não, a depender do processo criativo escolhido pelo pesquisador. Galeffi,
Sindei e Gonçalves (2014) afirmam que a criatividade é indispensável pelo humano.
1042
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
De tal forma, o autor tem a possibilidade de abrir a sua olhada interatuando tambem
com os sujeitos que desenvolvem as praticas holísticas, y se sinte inspirado criando
imagens que incorporam uma potencia e que traduzem sucessos e memorias do pas-
sado, na contemporaneidade. O processo criativo pode-se sintetizar em cuatro fases.
De Bono (1994) na introdução de uma das suas obras do 1969 intitulada The Mecha-
nism of Mind, afirma que: “As redes nervosas do cérebro humano, podiam funcionar
como um sistema de informação autoorganizado” (De Bono, 1994, p. 9, tradução
do autor). Ideias que nesse ano eram bastante extranhas, mais na atualidade são
funtamentales, tendo em conta que tambem existe uma disciplina académica que
estuda o comportamento dos sistemas autoorganizados. Ainda o autor, afirma que:
“Atualmente, poucos sabem que a criatividade é necessária do ponto de vista ma-
temático tendo em conta que a pecepção do homem funciona como um sistema
autoorganizado” (De Bono, 1994, p. 9, tradução do autor).
O mesmo De Bono (1994) relata que no universo da educação, ainda tem muito
pouco desenvolvimento no ensino do pensamento criativo, dando por obvio que a
criatividade se relacione com o mundo da arte e que depende do talento. Ideia que
o autor define como medieval. Por outro lado existem pessoas que são concientes
da necessidade de um pensamento criativo.
Por causa de uma escassa qualidade de ensino impartido por algumas pessoas, ain-
da existe uma confusão sobre o significado de criatividade e não ocupa o destacado
lugar que merece. Tambem tem quem pensa que a criatividade é questão de talen-
to, e outros desistem pelos recursos confusos propostos. De Bono (1994) propõe
técnicas sistematicas, que podem ser usadas por indivíduos ou grupos, baseadas
no “comportamento da percepção humana como um sistema autoorganizado e ge-
1043
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Segundo Esquivias (2004) a criatividade existiu de sempre e faz parte das habilida-
des do humano, e é relacionada com a natureza. O processo criativo, “é uma das po-
tencialidades mais elevadas e complexas dos humanos, éste implica habilidades do
pensamento que permitem integrar os processos cognitivos menos complicados,
até os conhecidos como superiores para o logro de uma ideia e de um pensamento
novo” (Esquivias, 2004, p. 3, tradução do autor).
1044
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Segundo o processo criativo definido pelo autor, durante a primeira fase se descu-
brem e observam os acontecimentos culturais vinculados com os conhecimentos
holísticos. A segunda, comença com a reflexão, interação, inspiração, terminando
com a ideia. Assim que o procedimento finaliza com a ação artística-criativa, utilizan-
do a fotografia como registro do performance holística observada, que vem depois
traduzida em imagem digital.
Por exemplo, entre performance e psicologia, historia, estudos sociais, ciências com-
putacionais, artes dramáticas, estudos das religiões, entre outras. De tal forma, po-
de-se efetivar uma coesão entre distintas áreas do conhecimento, pesquisadores e
cultores populares, que se interpreta mediante a criatividade do autor e a evolução
da mirada fotográfica que acontece durante o processo de observação.
Schechner (2013) ainda expressa que: ““to perform” executar também pode ser en-
tendido em relação a: Ser, Fazendo, Mostrando fazendo, Explicando “mostrando fa-
zer”” (Schechner, 2013, p. 28, tradução do autor). O autor manifesta a importancia
de distinguir essas categorias, outorgando uma explicação a continuação: ““Ser” é
a própria existência. “Fazer” é a atividade de todo o que existe, de quarks a seres
sencientes a cordas supergalácticas. “Mostrando fazendo” está realizando: apontan-
do para, sublinhando, e exibindo fazendo. “Explicar “mostrando fazer”” é estudos de
desempenho” (Schechner, 2013, p. 28, tradução do autor).
1045
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
De acordo com Brook (2012) as tradições estão “esquecidas” mais a memoria ances-
tral permanece na profundidade do humano. Por este motivo, é importante resgatar,
proteger e difundir a cultura holística, procurando trazer alguns elementos simbóli-
cos que a caracteriza. A continuação, na fig. 4 representa-se a ação artística-criativa,
começando pela primeira fase, destinada a observação do performance; a continua-
ção, o pesquisador se dedica a fotografar instantes do performance; na ultima fase o
investigador interpreta criativamente a fotografia, tendo como resultado a imagem.
1046
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Assim que, o performance desenvolve-se como ação relacionada com a vida social e
as circunstancias. Tambem, “As atividades da vida pública - às vezes calmas, às vezes
cheio de tumulto; às vezes visível, às vezes mascarado - são performances coletivas.
[...] Todas as atividades da vida humana podem ser estudadas como performance”
(Schechner, 2013, p. 29, tradução do autor). O performance aparentemente espontâ-
neo, as vezes resulta inconscientemente limitado por compromissos e/ou routinas
relacionadas a componentes vinculados com as heranças culturais.
1047
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
que define a imagem e traduz uma práxis de uma cultura holística, neste processo
de investigação/conhecimento/entendimento abordado pelo autor.
Conclusões
A partir das experiencias holísticas, elaborou-se uma reflexão vinculada com o ob-
jeto de estudo, construiu-se uma discussão entre temáticas que possam despertar
interés pela comunidade científica e tambem pelos cultores populares. Assim que,
o conceito de holismo e práxis revelarom-se estimulantes pelo autor, tendo uma
preocupação e uma urgencia sensível de sensivilizar a humanidade a compreender
a importância dos acontecimentos holísticos que desenvolvem-se neste planeta, as
veces infelizmente ignorados pela sociedade.
Olhando para o desempenho criativo respeito as práxis holisticas, é o meios pelos quais
o autor aproxima-se respeito a seus fins mais autenticos que é o respeito e o resgate
das sabidurias ancestrais, imaginando e percebendo um mundo mas equo, conciente
e solidal. Por causa de necessidades relacionadas com as caraterísticas peculiares do
pesquisador, mais realmente do humano em geral, se escolheu um caminho tenden-
cialmente novo e singular, para poder estudar, difundir e resgatar as praticas holísticas.
Referências
Bachelard, G. (2007). A intuição do instante. Campinas: Verus Editora.
Brook, P. (2012). El espacio vacío: arte y técnica del teatro. Barcelona: Ediciones
Peninsula.
1048
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Damásio, A. (2018). A estranha ordem das coisas: As origens biológicas dos sen-
timentos e da cultura. São Paulo: Editora Schwarcz S.A.
Galeffi, D. A.; Sidnei, Macedo, R.; Gonçalves, Barbosa, J. (2014). Criação e devir em
formação: Mais-vida na educação. Salvador: EDUFBA.
Smuts, J. C. (1927). Holism and Evolution. London: Macmillan and Co., Limited.
Von Bertalanffy, L. (1968). General System Theory. New York: George Braziller, lnc.
Wilber, K. (1998). Breve historia de todas las cosas. Barcelona: Editorial Kairós.
1049
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O curta “Eu não gosto” foi criado a partir de uma das sete cenas da obra “Contra o
Amor”, escrita pelo dramaturgo catalão Esteve Soler, e montada pelo Teatro do Ins-
tante em 2018, em Brasília. Transitando entre um mundo distópico e um cotidiano
familiar e estranho ao mesmo tempo, as cenas de Soler lançam um olhar implacável
sobre o humano e seus fracassos sociais e existenciais. A concepção que moveu a
montagem dialoga com a do autor em sua poética fragmentária. Durante o espetá-
culo o filme é projetado de modo fragmentado tanto pelo fato de incidir por trechos
ao longo da peça, como também porque é projetado em superfícies segmentadas
e/ou com diferentes profundidades, o que distorce as imagens. A visualidade e a
sonoridade da cena ao vivo por vezes parecem contaminar e ressignificar o filme,
e vice-versa. Os atores em cena são os mesmos da tela, e vestem o mesmo figurino
que usam no vídeo, o que gera impressão de multiplicação e de desdobramento
dos corpos no ambiente, criando camadas de sentidos e efeitos de presença.
Palavras-chave: poética, concepção, presença, sentidos.
Abstract
The short film “I don’t like” was created from one of the seven scenes of the work
“Against Love”, written by the Catalan Esteve Soler, and directed by the Teatro do
Instante in 2018, in Brasilia. Moving between a dystopian world and a familiar and
strange everyday life, Soler’s scenes cast a relentless look upon the human and his
social and existential failures. The conception that moved the montage dialogues
with the Soler’s fragmentary poetics. During the play, the film is projected in a frag-
mented way, as there are inputs at different times of the play, and projection on
1 Atriz, diretora e pesquisadora. Mestre em Artes pela Universidade de Brasília, Doutora em Artes
Cênicas pela Universidade Federal da Bahia e Pós-Doutora em Artes da Cena pela Universidade de
Campinas. Professora Associada do Departamento de Artes Cênicas e do Programa de Pós-Gradu-
ação em Artes Cênicas da Universidade de Brasília. Coordenadora, juntamente à Professora Rita de
Almeida Castro, do Grupo de Pesquisa Poéticas do Corpo e de sua linha de investigação laboratorial,
o Coletivo Teatro do Instante. Coordena ainda as linhas de pesquisa Dramaturgias de Ator e Matilha
– Matrizes Interdisciplinares em Teatro, Literatura, História e Arte.
1050
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
segmented screens and at different depths, causing distortion of images. The live
scene sometimes seems to contaminate and resignify the film, and vice versa. The
actors on the scene are the same as the screen, and they wear the same costumes
they use in the video, which creates an impression of multiplication and unfolding of
bodies in the environment, creating layers of senses and presence effects.
Keywords: poetics, conception, presence, senses.
2 Abraçamos aqui a terminologia adotada por Cassiano Quilici em diálogo com noções como ‘téc-
nicas de si’, em Foucault, como o ‘trabalho do ator sobre si mesmo’, de Stanislavski e retomado por
Grotowski, e dos conceitos de ‘cuidado’ oriundo da Antiguidade Ocidental e de ‘cultivo’, ligado ao
Budismo. (2015: pp 17 – 24)
1051
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3 Ator, diretor, iluminador e produtor. Mestre em Artes Cênicas pela UnB, sob orientação desta au-
tora, e idealizador do curso First Body, que vem sendo ofertado em diversas cidades na América,
Europa e África.
4 Sara de Castro, Guilherme Noronha e Rui M. Silva foram os parceiros internacionais desta cocriação.
Na ocasião os três eram ligados ao coletivo lusitano Teatro O Bando.
5 As obras “En Contra: experimento#1”, “Do Contra” e “Netos de Gungunhana”, foram resultados des-
sa colaboração. Este último está ligado a um projeto de colaboração lusófona que além do Teatro do
Instante e do Teatro O Bando, contou ainda com a parceria de artistas ligados à Fundação Fernando
Leite Couto, em Moçambique. O projeto gerou três espetáculos, três versões sobre uma mesma obra
de referência: “As Areias do Imperador”, de Mia Couto, criadas em três residências de cocriação, uma
em cada pais envolvido no projeto. Cada montagem foi dirigida por artistas do grupo anfitrião, sen-
do a primeira em Lisboa (2018), a segunda em Brasília (2019) e a terceira em Maputo (2019). Em Bra-
sília dirigi a versão “Netos de Gungunhana: um desvio”, ao lado de Diego Borges e com colaboração
de Giselle Rodriges, doutoranda em Artes pela UnB e também integrante do Teatro do Instante. Esse
projeto constitui-se como o principal campo de minha pesquisa de Pós-Doutorado.
1052
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em novembro de 2016, o Teatro do Instante fez mais uma residência artística com o
grupo português Teatro O Bando, dessa vez em torno das potencialidades de cinco
cenas de “Contra o Amor” e duas de “Contra a Democracia”. Assim, foi criada em co-
laboração entre os dois grupos a obra “Do Contra”, com direção geral do encenador
João Brites, apresentada apenas em Portugal. Nessa montagem, foi proposta uma
“costura” dramatúrgica que interligava as cenas independentes nos textos de Soler:
a sugestão de um ambiente pós-guerra ou pós-hecatombe a que um edifício e seus
habitantes resistiram. Em cada andar, caracterizado por um pequeno espaço cênico
realisticamente representado, uma das cenas se passava. Seis cenas eram interca-
ladas com trechos da sétima cena, que foi fragmentada ao longo da peça, e que se
passava no térreo do edifício, em interação com um personagem que, na encenação,
assumiu características de um suposto zelador. Uma das cenas que fazia parte desta
montagem era a cena “Eu não Gosto”, que no Brasil ganhou a versão cinematográfica
que integra a montagem do Teatro do Instante. Em Portugal, a cena foi ambientanda
em um banheiro, o que dialoga em parte com a ambientação da versão fílmica da
cena, como poderá ser observado em outras imagens ao longo do texto.
6 Sobre esta experiência conferir o artigo “En Contra - Experimentos: fricções entre dramaturgias e
espacialidades” de autoria minha, da Professora Rita de Almeida Castro e de Diego Borges, publica-
do na revista Conceição. Disponível em https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/ppgac/
article/view/437
1053
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Teatro do Instante com este autor, alguns em colaboração com o Teatro O Bando,
foram constituindo camadas, ecos que se notam ou operam como latência em cada
novo debruçar-se nosso sobre a obra de Soler. Lembro Virgínia Kastrup, que ao re-
tomar a etimologia da palavra latina inveniere, ligada a “encontrar relíquias ou restos
arqueológicos” complementa que:
A invenção implica uma duração, um trabalho com restos [...] Ela é uma prática de tateio, de ex-
perimentação, e é nessa experimentação que se dá o choque, mais ou menos inesperado, com
a matéria. Nos bastidores das formas visíveis ocorrem conexões com e entre os fragmentos, sem
que este trabalho vise recompor uma unidade original [...]. O resultado é necessariamente impre-
visível. A invenção implica o tempo. Ela não se faz contra a memória, mas com a memória, como
indica a raiz comum a “invenção” e “inventário”. Ela não é corte, mas composição e recomposição
incessante. (2007, p. 27)
Dirigida pela autora deste artigo em parceria com Diego Borges, a encenação brasilei-
ra do Teatro do Instante foi a primeira montagem da obra no país. Estreada em 2018, a
peça foi ambientada em uma espécie de casa noturna decadente onde personagens
de distintos universos, trajando roupas de gala envelhecidas, se encontram e vivem
situações que flertam com o fantástico, trazidas pelas cenas de Soler. Entremeando as
cenas são revistitados alguns clássicos do cancioneiro brega brasileiro que abordam o
ideário amoroso, em versão karaokê. Em nossa versão, optamos ainda por fragmentar
duas cenas em diferentes entradas ao longo do espetáculo. Em uma delas, um diretor
1054
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de casting pornô, solitário, e oscilante entre cínico e arrependido, relata sua vida ao
público, desde a glória como “caçador de talentos” à paixão inesperada por alguém
de fora universo da pornografia, e, por fim, até a derrocada por desilusão amorosa e
uma doença inesperada e irônica - referida pelo próprio personagem como “justiça
poética”: câncer nos testículos. O texto desta cena foi distribuído em cinco entradas,
de modo que este personagem volta à cena muitas vezes, em diferentes estados emo-
cionais, costurando outras cenas ao longo da peça. A outra cena que foi trabalhada de
modo fragmentado é justamente a cena “Eu não Gosto”, que gerou o filme incidental
sobre o qual falaremos mais detalhadamente a seguir.
O argentino Jorge Dubatti abraça três ângulos de análise da poética teatral: traba-
lho, estrutura e concepção (2016, 61). A noção de trabalho é relativa à atuação pro-
priamente dos artistas durante, antes e entre os acontecimentos teatrais. Quanto à
estrutura, segundo ângulo de análise, o autor a articula à noção de organicidade:
A ideia de organicidade implica ao mesmo tempo a de uma nova unidade material-formal ontolo-
gicamente específica e a de uma organização interna singular dos componentes, hierárquica, por
seleção e combinação, por meio de procedimentos relevantes, mas em grau diverso. A estrutura é
o resultado da nova forma que opera sobre as matérias informadas. (2016, 61)
No caso de nossa encenação podemos dizer que partimos de uma forma drama-
túrgica textual prévia, mas que de algum modo a reinventamos por meio de uma
nova estrutura. A segmentação de cenas do texto original, a recombinação de seus
trechos e a nova ordem de cenas (que difere da ordem proposta por Soler), gerou
uma unidade material-formal distinta tanto do texto quanto de nossa montagem
anterior, em Portugal. A organização interna que propomos foi ao mesmo tempo
decorrente e fomentadora de uma organicidade própria de nossa versão da obra,
uma lógica interna que dialoga com nosso olhar concepcional sobre ela. Em relação
à dimensão concepcional, terceiro eixo de análise da poética teatral sugerido por
ele, Dubatti diz:
Nossa concepção foi orientada pela ironia já presente no texto, mas contaminada por
referências culturais próprias e camadas poéticas, críticas e de sentido que nos propu-
semos a agregar. A adoção do cancioneiro brega brasileiro, em clássicos que cantam
o amor romântico, contrastam com a eleição do personagem ligado ao cinema pornô
como uma espécie de mestre de cerimônias do espetáculo, já que ele volta a cena tra-
zendo trechos do seu relato ao longo de toda a peça. Há uma tensão evidente entre as
1055
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
relações afetivas idealizadas - construídas muitas vezes sobre uma promessa retórica
de desejo exclusivista - e o sempre promissor mercado pornográfico.
Por fim, também do ponto de vista da concepção cênica trabalhamos com inserção
de diferentes linguagens: além da fílmica e da musical, ainda nos inspiramos - em
uma das cenas - no trabalho de animação de títeres – sugerido pelo próprio autor
para esta cena, mas em nosso caso realizado com os próprios atores, sendo “mani-
pulados” por outros atores, mas se rebelando e ganhando vida em um determinado
momento da encenação.
1056
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
afetos mais sutis e voláteis, simbolizados por águas calmas e translúcidas. Podemos
associar tais aspectos ao universo das relações entre casais. Além disso, a imersão
gradual por parte dos personagens visa afetar o espectador em uma dimensão sen-
sorial. Como diz Hans Ulrich Gumbrecht:
Se compreendermos o nosso desejo de presença como uma reação a um ambiente cotidiano que
se tornou tão predominantemente cartesiano ao longo dos últimos séculos, faz sentido esperar
que a experiência estética possa nos ajudar a recuperar a dimensão espacial e a dimensão corpó-
rea da nossa existência; faz sentido esperar que a experiência estética nos devolva pelo menos a
sensação de estarmos-no-mundo, no sentido de fazermos parte de um mundo físico de coisas.
(GUMBRECHT, 2010, p. 146)
Imagens 3 a 8: Frames de filmagem do filme “Eu Não Gosto”. Acima, os casais em seus próprios
ambientes, abaixo, os três casais na piscina, com a troca efetuada entre dois deles
Segundo Dubatti, a noção de poética (poiesis) se diferencia da Poética com ‘P’ maiús-
culo - que seria o estudo do acontecimento teatral (2016, 34). A poética com ‘p’ minús-
culo se liga ao “conjunto de componentes constitutivos do ente poético (...) integrados
no acontecimento em uma unidade material-formal ontologicamente específica, or-
1057
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
a poiesis determina sua diferença ontológica em relação aos outros entes da vida cotidiana a partir
de características específicas, como: realidade metafórica e oximórica, autonomia, negação radi-
cal do ente “real”, violência contra a natureza e artificiosidade, desterritorialização, des-subjetiva-
ção e ressubjetivação, suspensão do critério de verdade, semiose ilimitada, despragmatização e
repragmatização, instalação de seu campo axiológico e soberania. (2016, p. 35)
1058
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A ideia de uma elite decadente, seus casamentos muitas vezes de fachada e em cons-
tante e rápido desmoronamento foi buscada em elementos como: uso de figurinos
que destoam do ambiente em que os personagens estão e que transitam entre as-
pectos glamorosos, cafonas e anacrônicos, e ainda na gradual desmontagem dos per-
sonagens em seus penteados e maquiagens em decomposição e roupas a cada cena
mais desajustadas, já que cada casal, a cada aparição na tela, submerge um pouco
mais na água. Como diz Dubatti, “necessitamos da metáfora poética, ficcional ou não,
para, por contraste e diferença, enxergar a realidade de outra maneira e intuir ou re-
cordar o real” (2016, p. 40). Também trabalhamos no contraste entre locações belas e
poéticas e algumas imagens grotescas como os closes de uma minhoca sendo enfiada
em um anzol ou de um pêlo de nariz sendo arrancado com uma pinça.
1059
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ao longo das filmagens. Ao fim de cada dia de filmagem, foram feitas provocações
aos atores que estavam caracterizados para o set do dia para que performassem
livremente nos ambientes das locações.
1060
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
cena que eu quiser... eu tiro a roupa pra você...”7. Neste ele olha para a tela de projeção,
momento entra o primeiro trecho do filme, que traz a primeira cena de cada casal.
A aposta da montagem é de que a entrada de uma cena filmada após essa fala do
personagem ligado à indústria de cinema pornô gera no espectador a expectativa
de que o que se verá é um filme nessa linha. Entretanto o que se assiste são três
casais, cada qual a seu modo degenerado e entediado, em diálogos que sempre
iniciam com a expressão “eu não gosto”:
7 Trecho do roteiro da peça encenada pelo Teatro do Instante, adaptado a partir da obra de Soler (2013).
8 Trecho do roteiro do filme, a partir do texto de Soler (2013).
1061
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Durante a exibição destas três primeiras cenas filmados, cada ator, a medida em que
aparece na tela, se dirige ao palco se colocando à frente da projeção. O primeiro
casal dança, ao vivo, a música de fundo do filme. Os outros dois casais vão subindo
no palco a medida em que aparecem na tela. Os figurinos dos atores ao vivo são
praticamente os mesmos usados no vídeo, o que gera uma sensação de multiplica-
ção. O clima festivo dos personagens ao vivo, entretanto, colide com a temperatura
enfastiada das cenas do filme.
Passam-se, ao vivo na peça, duas cenas inteiras e a segunda inserção do filme também
ocorre após uma segunda fala do personagem ligado ao mundo pornô. Enquanto as
primeiras projeções são feitas no fundo do palco, em uma espécie de cortina drapeada
que enfatiza os efeitos aquáticos do vídeo, logo no início desta segunda inserção uma
tela de projeção localizada na frente do palco é baixada em 1/3 gerando uma superfí-
cie segmentada e com duas profundidades e superfícies para projeção.
Imagens 20 e 21: Apresentação do espetáculo “Contra o Amor”, com imagem do filme “Eu Não
Gosto”. Fotos de Diego Bresani (2018)
Outro efeito trabalhado nesta segunda inserção do filme é que em uma das cenas
um casal tem sua voz replicada ao vivo pelos mesmos atores do vídeo, em um mi-
crofone. Aqui trabalhamos deslocamentos temporais como delay ou antecipação de
falas. O casal no microfone inicia sua produção vocal ao fundo da plateia, cada um
de um lado do teatro, mas sempre se olhando, tendo a plateia entre eles. Ambos
vão se aproximando do palco, a medida em que falam em quase simultaneidade
com o filme, ficando cada vez mais visíveis ao público. Quando chegam a frente do
palco o trecho do filme acaba e o casal que ainda está ao microfone canta em dueto
a canção “Espumas ao Vento”, de Fagner, em uma performance melodramática. Esta
música é fundo para o início da próxima cena do espetáculo.
1062
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Imagens 22 e 23: Apresentação do espetáculo “Contra o Amor”. Fotos de Diego Bresani (2018)
Na sequência desta inserção ocorrem mais três cenas completas, dois vídeos de ka-
raoquê e duas entradas do personagem ligado ao pornô. Uma das cenas é atuada
pelo mesmo ator que faz o agente de casting pornô em conjunto com um outro ator,
em uma relação homoafetiva. Esta foi uma adaptação do grupo visando por um lado
contemplar outras relações além das heteronormativas na peça, e, por outro lado,
indicando que mesmo nestas relações aparentemente heterodoxas, muitas vezes
reproduz-se o padrão hegemônico das relações amorosas idealizadas.
Na sequência desta cena entra mais uma das inserções do caçador de talentos pornô,
em que ele conta que se apaixou por “Tony”, que não pertencia ao universo da porno-
grafia. Aqui também adaptamos o texto original, tanto pelo fato da paixão do perso-
nagem ser um homem e não uma mulher, o que para nós amenizou um pouco o tom
algo machista que sentíamos na cena, quanto pela conexão entre essas duas cenas,
originalmente independentes entre si. Nossa costura dramatúrgica vetoriza um en-
tendimento de que o personagem que aparece com seu namorado na cena anterior é
o mesmo que narra suas desventuras no meio pornô. Este sofre ao ser desmascarado
para seu amante:
Isso era o que eu pensava. Algumas semanas antes, Mario decidiu comercializar sem me dizer um
vídeo recompilado com a parte final dos meus castings e numa parte dava para me ver, pouco,
mas dava para ver. Imagino que alguém me viu e disse a ele ou ele mesmo me reconheceu e
1063
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
decidiu me deixar. Ele me deixou por isso? Eu não sei. Eu tenho medo de perguntar. Não era tão
monstruoso o que eu fazia, né? Ele mesmo reconheceu ter visto uma vez um filme pornô, não é?9
Neste momento a tela abaixa novamente, desta vez um pouco mais, a 2/3. Esta ter-
ceira inserção do filme traz uma cena coletiva na piscina, em que dois dos três casais
fazem uma ação que remete a um swing, seguida de outra cena em que apenas o
casal que não participou da troca na piscina aparece em seu ambiente inicial. Neste
momento final do filme, o marido demonstra ciúmes por alguém que se aproxima.
Na sequência, a esposa o troca por outra mulher após afoga-lo. Ao longo dessas
cenas finais do filme, vemos ao vivo - por trás da parte da tela abaixada, mas à frente
da parte de baixo da imagem projetada ao fundo - dois atores de um dos casais do
filme na ação de encher balões para a cena seguinte, ao vivo, em que o filho deles
comemora 18 anos.
Por mais que os estudos teatrais, pela via semiótica, tenham valorizado acima de
tudo o ausente gerado por meio de signos, a filosofia do teatro sustenta que tão
mais potente que a ausência é a presença humana no convívio. (...) A ausência é
infinita, mas no teatro a presença não é menos ilimitada: denominamos “presen-
ça” tudo aquilo que comparece à zona de acontecimentos como materialidade e
como fundamento dessa materialidade. Na presença teatral, graças aos corpos, ao
espaço e ao tempo, ingressam o ente metafísico por excelência, a vida, a existên-
cia e o real, como presença, que é condição de possibilidade de materialidade do
convívio. (DUBATTI, 2016, p. 157)
(...) o “sistema arte” é o único sistema social no qual a percepção (no sentido fenomenológico de
uma relação humana com o mundo, mediada pelos sentidos) é não só uma condição prévia da
9 Trecho do roteiro da peça encenada pelo Teatro do Instante, adaptado a partir da obra de Soler (2013).
1064
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
comunicação sistêmico-intrínseca, mas também, juntamente com o sentido, é parte do que essa
comunicação implica. (...) A relação entre efeitos de presença e efeitos de sentido também não
é uma relação de complementaridade, na qual uma função atribuída a cada uma das partes em
relação à outra daria à copresença das duas a estabilidade de um padrão estrutural. Ao contrá-
rio, podemos dizer que a tensão/oscilação entre efeitos de presença e efeitos de sentido dota o
objeto de experiência estética de um componente provocador de instabilidade e desassossego.
(2010, pp. 136, 137)
A aposta em uma composição cênica que joga com efeitos de presença, recusa a
univocidade dos sentidos e evita o mimetismo e a redundância ao texto, busca res-
ponder a uma (po)ética de abertura e diferença, a uma provocação de polissemia e
a uma perspectiva concepcional que favoreça uma fruição (cri)ativa e crítica. A pro-
posta de ‘trair’ uma significação presumida ou unívoca visa ‘extrair’ outros sentidos
latentes da obra. Permitir essa recepção mais ativa também pode operar no fruidor
como um fator de percepção em si, de identificação de como os afetos de presença
e sentido se movem e se (des)organizam em cada corpo.
REFERÊNCIAS
DUBATTI, Jorge. (2016). O Teatro dos Mortos. Introdução a uma filosofia do teatro.
São Paulo: edições SESC.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. (2010). Produção de Presença. O que o sentido não con-
segue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto e PUC-Rio.
1065
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O projeto #Sala109 investiga interdeterminações e interinfluências performa-
tivas entre arte, comunicação e educação no mundo contemporâneo a partir
da assunção irônica daquilo que historicamente a cultura nomeou aula – e por
contiguidade, seu índice, a sala de aula – como lugar de confluência, dos vários
fluxos próprios dos processos de conhecimento, portanto, assumindo-a como
locus ideal de observação, aplicação e crítica, mas também de reperformatiza-
ção do seu próprio objeto, a aula. O presente artigo analisa os resultados a meio
caminho da pesquisa que, desde 2017, busca, pela integração de vários níveis
da pesquisa acadêmica e da criação artística, averiguar a pertinência ou não da
sala de aula que, apesar das críticas recorrentes, permanece como dispositivo
pressuposto do processo civilizatório ocidental. Esta pesquisa é desenvolvida
junto ao Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação e Arte-LICCA e ao
Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura-ID+ (Portugal).
Palavras-chave: #Sala109, performance, aula
1 Antonio Wellington de Oliveira Junior é doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo-PUC-SP; professor Associado III do Instituto de Cultura e Arte-ICA
da Universidade Federal do Ceará-UFC; professor do Programa de Pós-Graduação em Artes-PPGAR-
TES-UFC; pesquisador ligado ao Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura-ID+ (Portu-
gal); Líder do Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação e Arte-LICCA/UFC; artista visual
e performer.
2 Eliezer Nogueira do Nascimento Junior é Doutorando do Programa de Pós-graduação em Design
da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ESDI/UERJ,
com bolsa DSC-Doutorado-FAPERJ; Integra o Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação
e Arte-LICCA/UFC.
3 João Vilnei de Oliveira Filho é doutor em Arte e Design pela Faculdade de Belas Artes da Univer-
sidade do Porto-FBAUP, com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia FCT/POPH/
FSE; professor assistente do Curso de Design Digital no Campus Quixadá da Universidade Federal do
Ceará-UFC e professor do PPGARTES-UFC. Integra o Laboratório de Investigação em Corpo, Comu-
nicação e Arte-LICCA/UFC e o Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade-i2ADS/FBAUP.
Artista visual e performer.
1066
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
#Sala109 project investigates performative interdeterminations and inter-influenc-
es between art, communication and education in contemporary world from an iron-
ic assumption of what culture has historically named class - and consequently, its
index, the classroom - as a confluence place of various knowledge processes flows,
therefore, assuming it as an ideal observation, application and criticism locus, but
also the reenactment of its own object place: the class. Thist article analyzes research
results of that, since 2017, seeks, through integration of several academic research
and artistic creation levels, to verify the pertinence or not of that, despite recurring
criticism, remains as a device of western civilizing process: the classrroom. This re-
search is developed with the LICCA/UFC Body, Communication and Art Research
Laboratory and the Design, Media and Culture-ID + Research Institute (Portugal).
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: #Sala109, performance, class
Como exercício radical e constante da relação hermeneuticamente circular entre
práxis e poiesis, o projeto #Sala109 investiga interdeterminações e interinfluências
performativas entre arte, comunicação e educação no mundo contemporâneo a
partir da assunção irônica daquilo que historicamente a cultura nomeou aula – e
por contiguidade, seu índice, a sala de aula – como lugar de confluência, e em de-
terminada medida, de coagulação, dos vários fluxos próprios do conhecimento em
seus processos (afetos, afecções, memória, transmissão, crítica, experimentação,
invenção, aprendizagem, técnica...), portanto, assumindo-a como locus ideal de
observação, aplicação e crítica, mas também de reperformatização do seu próprio
objeto, a aula. O acúmulo, a obliteração, o palimpsesto, os constrangimentos criati-
vos (recursos materiais e humanos, institucionalização do processo, tempo regido
pelo calendário acadêmico, o próprio constrangimento espacial: a sala) e, por fim,
uma certa “mordência” (= que engasta-se, gruda, adere, morde, posto que cáustico
e dilacerante) (Houaiss, A. & Villar, M. de S., 2001) resultante da performatividade
do espaço promovida pelo work-in-process (Cohen, 2004) foram as condições de-
terminantes na criação e desenvolvimento do environment antropocenicamennte
utópico-distópico no qual se tornou a #Sala109. O jogo, o viver junto, o diálogo, a
performance são, por assim dizer, os dispositivos inegligenciáveis para o sujeito que
por ela precisa transitar ou nela habitar.
Desde 2017, a pesquisa, iniciada em 2012, mas com antecedentes em 2006, busca,
pela integração de vários níveis da atividade acadêmica e da criação artística (ensino,
pesquisa, extensão; graduação, pós-graduação; metodologia científica, processos de
criação em arte; tradicional popular, contemporâneo; local, global; arte e vida) ave-
riguar a pertinência pedagógica (ou não!) da sala de aula hoje que, apesar das críti-
cas recorrentes [Foucault (1979, 1997), Althusser (1998), Deligny (2015), Paulo Freire
(1996)], permanece como dispositivo pressuposto do processo civilizatório ocidental.
1067
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
***
Final de 2012, Aveiro, Portugal. Mal começava a ser desenvolvida e “Da aula... ou
sobre desterritorializações estético-científicas nos híbridos contemporâneos de
comunicação, educação e arte” já apontava para a necessidade de ajustes radicais,
não tanto no cabedal teórico-metodológico de partida, mas, como consequência do
desenvolvimento coerente dele, nos produtos e resultados pretendidos para o pós-
-doutorado e nos modos de aplicação dos resultados da pesquisa posteriormente.
Desenvolver programa de disciplina, roteiros literário e técnico, como também dispositivo téc-
nico com finalidades didático-artístico-comunicacionais, para um curso performático no qual se
investiguem crítica, metalinguística e ensaisticamente, a partir da perspectiva transmetodológica
implicada na pesquisa de natureza fenomenológica como se dão, no espaço historicamente de-
finido como aula, as interfaces entre comunicação, educação e arte favorecendo a defesa da pro-
dução de conhecimento derivada da experiência prática (práxis) articulada com a percepção do
fazer (projetar/produzir) e da elaboração de metodologias (estratégias processuais) que emerjam
dessa experiência (Oliveira Junior, 2012).
E mais:
1. textos científicos (fichas, diários de campo, mapas, cartas, relatórios, artigos e ensaios acadêmi-
cos) 2. acervo audiovisual (roteiros, trilhas sonoras, fotos, vídeos, site, blogs); 3. dispositivo tecno-
lógico informático-comunicativo com fins didático-pedagógicos (hardware e software) 4. lingua-
gens/retóricas experimentais; 5. novas metodologias e recursos didático pedagógicos; 6. obra de
arte (performática) a ser exibida no Museu de Aveiro. (Idem)
Havia mais coisa, etc. etc. etc. Muito foi realizado; grande parte ainda está em de-
senvolvimento e/ou sistematização; “outras se perderam no caminho” (Bastos, R.;
Guedes, B., 1979), por conta de tempo e recursos materiais e humanos exíguos, em
muitos casos; por pura obsolescência, noutros (“dispositivo tecnológico informáti-
co-comunicativo”... o nome disso é smartphone!); porém, majoritariamente, por co-
erência ao método que, numa visada mais cartográfica (Passos, E.; Kastrup, V.; Es-
cóssia, L., 2009), entendia que o “processo é o norte. É a vontade de responder às
demandas que surgirão no desenvolvimento da pesquisa-criação que vai orientar
as escolhas de ferramentas metodológicas mais específicas” (Oliveira Junior, op. cit.).
Um jeito de fazer pesquisa que recusa de imediato a adoção de viés metodológico
1068
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
único, monolítico, seja ele de abrangência geral ou mais específica, mas lança mão
de procedimentos e instrumentos de investigação científica advindos de um quadro
de referência mais amplo e múltiplo, distanciado da ideia de método como “receita”
ou “algoritmo”, mas, entendendo-o como um “esquema global”, “um espírito dentro
do qual a decisão deve ser tomada”, “estratégia” (Granger, G. G., 1992).
Ali, naquela sala, coisa de vinte metros quadrados, pouco mais talvez, aqueles e
outros “constrangimentos” – dispositivos de biopoder (Foucault, 2008), antes de
mais nada! – são cotidianamente postos em xeque, tensionados ao limite de sua
lógica interna, implodidos, reperformados; driblados, quando não tem outro jeito
[o drible é um modo legítimo de resistência]. A #Sala109 é um tipo de mini-micro-
-pocket-resistência.
1069
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MMPMA: Isso não é uma black box, isso não é um white cube, isso não é uma
tela, isso não é uma pregação: isso é #Sala109: uma sala exposta
Por hora – há dois anos e meio, precisando o tempo –, é numa sala de aula, numa
classe, mas já foi num “brechó literário” [sebo, tipo!] minúsculo, o Rimbaud; na torri-
nha da Área 2 do Centro de Humanidades-CH2 da UFC – possível observatório as-
tronômico de Fonseca Lobo, o “Einstein cearense”, no final do século XIX, e, hoje,
habitada pelos Centro Acadêmico de Psicologia Fátima Sena e Diretório Acadêmico
Tristão de Athaíde, de Comunicação Social; ou simplesmente “invadindo” o Flusser
em fluxo e o II Encontro Internacional de Imagem Contemporânea, eventos internacio-
nais realizados pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação-PPGCOM-UFC
na Casa Amarela, equipamento de Fotografia e Cinema da UFC. E é por aí que outra
parte dessa história começa.
As relações entre arte e vida, espécie de aporia fundamental [uma obsessão, talvez?]
das estéticas contemporâneas, de Dewey (2010) a Bishop (2012), adensam-se a par-
tir da terceira edição, em 2014, quando todas as etapas do evento passaram a ser
desenvolvidas pelos alunos da disciplina de Teorias da Comunicação II do Curso de
Publicidade e Propaganda da UFC e ministrada por mim àquela época: criação das
obras e ações a serem mostradas, planejamento, curadoria, produção, montagem,
comunicação, registro. Tomando partido por uma pedagogia que procura valori-
zar o aluno e seus conhecimentos prévios, suas aptidões, suas necessidades e seus
4 Vídeo-instalação de Edmilson Forte Miranda Junior e João Vilnei de Oliveira Filho, 2012.
1070
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
desejos, mais construtivista (Freire, op. cit.) por assim dizer, e que, portanto, busca
empreender uma práxis mais dialógica, muito da experiência vivencial de cada um
dos participantes pode aparecer, melhor, ser performado e reperformado, tanto nos
trabalhos apresentados como nos processos que os geraram.
Desde o início do segundo semestre letivo de 2017, a MMPMA invadiu a #Sala109, cor-
roborando para os objetivos de integração já apontados ao longo deste texto. A bem
da verdade, os procedimentos, métodos e ferramentas experimentados nas sucessivas
montagens da mostra retornaram para o projeto “Da Aula...” e tornaram-se imprescindí-
veis para a necessária interdependência entre a produção do conhecimento, sua disse-
minação e sua aplicação na sociedade cujo um dos sintomas na cultura é a sala de aula.
***
Lousa, carteiras e cadeiras, um birô e quatro mesas sustentadas por cavaletes retrá-
teis, uma estante, um computador de mesa e dois ou três notebooks, três datashow,
aparelhagem de som... seis monitores de segurança (só dois funcionam, mais ou
menos), seis CD players, um punhado de mini-câmeras de vídeo e microfones, al-
guns refletores, uma Nikon D5100, uma Rollei, material eletro-eletrônico (fios e ca-
bos e adaptadores e plugs e...), A4, ao maço, seda, bíblico, carbono, carvão, grafite,
de cor, aquarelado, giz de cera, marcador permanente, pastel, Posca, pincel, brocha,
Acrilex para tecido, tecidos, molde-vazado, botões, colchetes, zippers, almofada de
alfinetes, linhas e agulhas, de tricô, de crochê, de costura, de coser sacas, prego,
martelo, rosca e parafuso, duas furadeiras, alicates, de bico e de corte, chaves de
fenda, Phillips, de rosca, de boca, batom, blush, prime e base, cílios postiços, pe-
rucas, bijus, gravata, chapéus, um par de asas de fada, um tapete persa falso, uma
árvore morta, o lixo, a Vista Alegre, uma pintora trans, o rosto de Cristo em acrílico
lenticular 3D, o kitsch, o Anjo Graciano, o popular, o penitente e os dois milheiros
1071
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
***
Ao entrar na #Sala109, assim como ao ler este texto, o visitante-leitor se defronta, antes
de tudo, com o acúmulo, o excesso de materiais, instrumentos [e travessões, pontos-e-
-virgulas; reticências, exclamações], dispositivos tecnológicos, adereços cênicos [e alite-
rações, elipses, redundâncias], textos e obras resultantes ou referentes ao trabalho de
pesquisadores, técnicos, professores e alunos de disciplinas diferentes, em nível de gra-
duação e pós-graduação durante dois anos e meio [hipérboles e mais de um gênero].
Ele não encontra um ambiente pronto, “montado”, o resultado já acabado do processo,
o texto com ponto final, mas integra as ações continuamente desenvolvidas ali, escre-
ve, reescreve, torna-se coautor. Esse é o sentido maior do environment: criar uma obra
viva que domina o espaço, como um ecossistema, com a qual o indivíduo possa inte-
ragir, imergir corporal e sensorialmente e, mais importante, interferir nela, modificá-la.
1072
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
remente à dimensão física do termo, à própria sala de aula, relativas a ela, portanto,
como espaço físico. Apesar da crítica contundente e da aplicação em larga escala das
tecnologias digitais de comunicação e informação nos processos educacionais con-
temporâneos, a sala de aula – essa invenção medieval de nome grego que teve sua
formatação atual na modernidade – permanece dispositivo pedagógico pressuposto.
***
***
1073
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Althusser, L. P. (1998). Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal.
Bastos, R.; Guedes, B. Sol de primavera. In: Guedes, B. (1979). Sol de primavera. Rio de
Janeiro: EMI-Odeon.
Granger, G. G. (1992). Método. In Enciclopédia Einaudi, Vol. 21. Lisboa: Imprensa Na-
cional-Casa da Moeda.
Passos, E.; Kastrup, V.; Escóssia, L. (2009). Pistas do método da cartografia. Porto
Alegre: Sulina.
1074
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumen
Esta reflexión es parte de una investigación generada desde mis tránsitos como
espectadora y crítica de artes escénicas. En este ensayo intento exponer algunas
tácticas para re-imaginar la escritura crítica reconociéndola como una práctica
corporal, en su génesis, más que un ejercicio que implica calificar, clasificar y de-
terminar el sentido de la obra. La intención es repensar al trabajo crítico desde el
deseo de sacar a la luz un carácter (el de la obra, el de la escritura y el de quien
ejerce la crítica), para así ir a la indagación de lo sentido y el (los) sentido(s) que
se despiertan en dichos movimientos.
Palabras clave: Crítica, afectos, cuerpos, escritura.
Abstract
This reflection is part of a research generated from my career as a spectator and as
critical for the performing arts. In this essay I try to expose some tactics to re-imag-
ine the excercise of critical writing, as a body practice - in its genesis - more than
an exercise that involves qualify, classify and determine the meaning of the work
of performing arts. The intention is to rethink the critical work recognizing it, in its
genesis, like a corporal practice; and not like an exercise that tries to qualify, classify
and determine the sense of the work of art. The intention is to rethink to the critical
work from the desire to extract to the light a character (that of the piece of art, that
of the writing and of the one who exercises the critical practice). In such a way, to go
to the inquiry of the sense and the sense (s) – as meanning- that emerges in that
movements.
Keywords: Critic, affections, body, writing.
1075
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Si el vídeo o la fotografia son lenguajes que se utilizan para registrar las prácticas
vivas, para que ellas se guarden como archivos y –por ende- como materiales sobre
los cuales volver para poder constituir un decir sobre las mismas, en el momento
en que esto se provoca entonces la obra viva pierde su principal característica: la
fuerza que se teje en el presente irrepetible en que se produce. Por ende, el modo en
que la escena se expresa como organismo vivo; es decir, la forma en que ella piensa
empieza a diluirse y, a su vez, es polinizada por el modo en que piensa el lenguaje
que intenta contenerla. La escritura sobre la escena, entonces, en principio, abre un
campo e batalla contra esa mposibilidad. Se sitúa en un casi, en un bordeo, en un
roce de una dimensión, pero nunca en su completud. Sin embargo, lo que reclama
a ser dicho funciona como impulso para configurar tácticas para recuperar el modo
en que se expresa ese ente vivo que es la escena.
1076
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
La idea de ‘recuperar el cuerpo del crítico’ (frase que uso como provocación para ha-
blar de esta suerte de anestesiamiento sensible que predomina en la crítica conven-
cional), está emparentada también con una insistencia en tomar distancia de unos
principios de escritura crítica que ponderan la dimensión logocéntrica de quien
escribe, así como la primacía de la objetividad en tal práctica. Insistir en esos dos
principios mencionados no es otra cosa que alejarse de los afectos que quedan en
el cuerpo, de la potencia subjetiva que se abre en el estado de encuentro con otro
cuerpo vivo. Distanciarse de dichos principios, por ende, es dar valor al saber del
cuerpo, a lo que despierta en el proceso de choque-resonancia y entender ello como
un espacio donde el pensamiento se produce y se ejerce.
Desmenuzar mi propio trabajo como crítica me lleva a situarme más allá del acto como
tal de la escritura. Voy a la antesala del ejercicio de escribir, a aquel instante donde se
produce el estado de co-presencia entre la obra -reconocida como organismo vivo- y
mi cuerpo. Quiero decir, entre la obra y el cuerpo de quien especta y que más adelante
será el que intente articular un discurso sobre lo visto, que es ‘crítico’ en tanto está abo-
cado a la emergencia del carácter. Toda escritura si bien tiene una potencia autónoma,
su surgimiento da cuenta de una red: nace comprometida con algo que le empuja su
emergencia y se dispara para llamar a una comunidad de lectores por venir. Activar
esta trama vuelve tangible el carácter de la obra vista, al tiempo que el carácter de
quien observa y también el carácter de la propia escritura, entendida como extensión
de quien ve, así como en tanto lenguaje-modo de expresión que se juega posibilida-
des nuevas de sí misma gracias a la puesta en movimiento de estas relaciones.
1077
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
frasis. Las primeras referencias sobre tal concepto datan del siglo II. Dicha palabra se de-
riva de los vocablos griegos ek (afuera) y phrasein (decir). Generar una écfrasis consiste,
entonces, trasladar a palabras aquello que ha sido registrado visualmente. Según varios
estudiosos este es, quizás, una de las formas primarias en donde se muestra el movi-
miento de la experiencia sensible, lo captado por el cuerpo, hacia el discurso verbal.
Musterberg (2009), por ejemplo, explica que el objetivo de esta forma literaria es
“hacer que el lector vea la cosa descrita como si estuviera físicamente presente” (pos.
163). Inmediatamente, al leer este modo de definir la écfrasis por tal autora, se puede
suscitar una pregunta concreta de carácter metodológico (con sus respectivas ten-
tativas de respuesta), que ya me posé previamente en una investigación de la que se
deriva este artículo: “¿Cómo provocar que el lector sienta que está ‘presente’ ante la
cosa descrita? Como contestación podría articularse lo siguiente:
-provocándole una reacción que apele a sus sensaciones físicas, que toque su cuer-
po” (Díaz, 2018; p. 6). Esto permite reconocer, asimismo, que quien tiene la posi-
bilidad de generar el ejercicio ecfrástico no solo debe desarrollar una descripción
sobre el objeto, sino que la descripción debe ser lo más próxima a los afectos que se
producen en su cuerpo a partir de esa relación. O sea, “ante la imposibilidad (que el
lector-espectador tiene) de poner el cuerpo en presencia (de la obra / frente a ella)
quien habla/escribe debe prestarle su cuerpo (sus sentidos, lo que este ha sentido)
para convocar a la expansión de esos afectos que han provocado en él el estar frente
a lo visto” (Ibid). De ese modo, intentar el replique de la experiencia de aquel pre-
sente, de aquella presencia que se posa ante quien ve. Y que se instituye, al mismo
tiempo, como una experiencia “otra”.
Una pista importante que me condujo a generar estas elucubraciones que ensayo en
el párrafo precedente están en las reflexiones que la artista Claudia Castelluci, del gru-
po teatral Società Rafaelo Sanzio (citadas en un libro que se publicó a propósito de
un proyecto curatorial sobre archivos afectivos en el que participo con una propuesta
de esta línea), recoge de Luciano de Samósota (siglo II). Él refirió sobre la écfrasis lo si-
guiente: “un hombre educado no puede tolerar ser un espectador mudo de la belleza y
buscará en cambio prolongar el placer durante el tiempo que sea posible respondien-
do con palabras a lo que él ve” (Palladini et al, 2013; p. 30). La frase de dicho pensador
de origen sirio constituye una especie de pronunciamiento tácito sobre la dimensión
afectiva abierta ante el acontecimiento y así a la necesidad de articulación textual a
tono también con esa afectividad. Eso me permito leer como clave para instalar al
cuerpo en el centro de las operaciones. Ello porque lejos de manifestar que lo que
hay que expandir es lo visto, insiste en el placer que esto le ha generado a alguien. Si
bien habla de términos como belleza y placer, a la luz del paso del tiempo me atrevo a
decir que es posible traducir lo bello como algo que escapa a lo ordinario y me arrojo
también a no circunscribirme al significado estricto de la idea de placer, sino a pensar
a toda sensación que provoque una honda impronta en quien la vive.
1078
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Otra de las frases que recoge Castelluci de dicho pensador antiguo, es que la écfrasis
permite transmitir “el carácter ‘delicioso’ de esta carencia (la ausencia del objeto visto
o referido)” (Ibid). Curiosamente, Samósata habla de carácter (me atrevo a pensar
que no es azaroso que contemporáneamente Nancy use el mismo término para refe-
rirse a la crítica) y el adjetivo que usa está asociado al gusto. Parecería implícito que
esas palabras que expanden lo visto se posan en la huella que deja lo visto sobre el
cuerpo (el cuerpo de quien ve y dice) y no solamente en la materialidad a la que se
hace referencia. Un ejercicio que opera en varias capas, que atraviesa a varias pre-
sencias, es el que está contenido en esos tránsito de la mirada a la escritura, plante-
ada por Samósata al referirse de la écfrais. Habría que pensar también que cuando
se habla de poner en palabras lo visto, pareciese estar implícita la idea de escritura
en tanto inscripción en un soporte, pero también es posible que la écfrasis implique
una dimensión oral de la escritura, con lo cual me atrevo a poner en discusión una
provocación más: la dimensión sonora de la palabra y cómo esto es escuchado por
alguien más. Más allá de esa precisión circunscrita a Samósata vale referir que toda
escritura al ser leída, produce que empiece a latir su potencial aural y es desde lo que
activa en el sentido del oído, también, que otros sentidos sobre ella se propician.
La idea de pensar con otras personas nace también del deseo de generar una suerte
de réplica de la red que se revela en la escritura –como dije en líneas previas- pero
también tiene la intención de salir de una lógica dominante en la labor de la escritura
crítica, que siempre ha sido entendida como una actividad en solitario, individual, y
generada por algunos iniciados en dicho oficio. En la insistencia de que en la antesala
de la escritura crítica está el cuerpo tocado por la experiencia del acontecimiento vivo,
entonces cualquiera que tiene un cuerpo abierto a ser tocado por la experiencia, está
1079
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
habilitado para conectarse y dar cuenta del carácter de lo visto. Al mismo tiempo esto
responde a un posicionamiento con respecto a salir de la idea de que la escritura críti-
ca es patrimonio de unos pocos intelectuales racionalistas y objetivistas.
Damásio (2019) justo al respecto refiere que “todas las palabras que usamos (...) es-
tán hechas de imágenes mentales” (p. 130). Y añade:
Pero la mente está hecha de algo más que de imágnes mentales directas de objetos y acontecimen-
tos y de su traducción al lenguaje. Tamnbién están presentes en la mente innumerables imágenes
referidas a cualquier objeto o acontecimento que ayuden a describir sus propriedades constitutivas
y sus relaciones. El conjunto de imágenes relacionadas con un objeto o acontecimento equivale a la
“idea” de aquel objeto o acontecimento, su “concepto”, su significado, su semántica (Ibid).
Luego de diseccionar las imágenes-archivos que se levantan con el ejercicio del mirar-es-
cribir-mirar la escritura-mirar lo mirado desde la escritura-mirarse desde la escritura, se
1080
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
propician también una serie de tácticas que van a apuntar a mecanismos de escrituras
que a su vez permiten seguir revelando lo que generan estas relaciones. Dichos meca-
nismos van desde el uso de restricciones como el límite de palabras o eliminación de
algunas (verbos, adjetivos, etc) para empujar al pensamiento a buscar como cuidar la
potencia de lo que quiere transmitir pese a la constricción de las condiciones, hasta el
uso del tiempo; es decir, usar tiempos acotados para escribir o dejar reposar una escritu-
ra y retorla al día siguiente con otra premisa, para ver qué imágenes se levantan de ella
al tomar distancia y retornar.
La pregunta que antes refería ¿qué vemos cuando vemos? se desplaza también al
acto de la escucha, con mecanismos similares y al del tacto. Se moviliza, asimismo,
hacia el cruce de esos sentidos y a partir de ello, a cavilar en lo que cada uno de esos
sentidos despierta como revelador de sí mismo y como elementos para des-cubrir
el sentido del todo.
A modo de conclusiones
Si bien esta investigación nació como un ejercicio de descolocar la crítica como una
práctica autoritaria que busca la consecución y determinación del sentido de la obra
de artístico-escénica, hacia una práctica que recupera la potencia de los sentidos
en la antesala de dicha escritura crítica, el mismo trabajo ha empujado a esta inves-
tigación un lugar más allá de sí misma. Actualmente, todas estas especulaciones y
ejercicios prácticos alrededor de la escritura crítica permiten repensarla en más allá
de su relación directa con las artes escénicas, que detonaron su reflexión, para pen-
sar en cómo poner en crisis el propio lugar de la escritura, considerando la serie de
operaciones sensibles y sobre lo sensible que ella instaura. La misma exploración ha
empujado a pensar la escritura como lugar de investigación y como como pretexto
para re-escribir nuestros vínculos no solo con el arte, sino con nuestros cuerpos y,
desde ahí, con las potencias de la vida que siempre nos abocan a un más allá de lo
dicho, de lo ordinario.
Lista de referencias
Damasio, A (2019). El extraño orden de las cosas. Primera edición en México. Ciudad
de México: Planeta de Libros.
Díaz, B (2018). La crítica de artes vivas como acontecimento. Tesis Doctoral. Universi-
dad Castilla-La Mancha, Cuenca-España. http://hdl.handle.net/10578/18332
1081
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
No artigo propomos uma reflexão acerca de mudanças operadas no âmbito da arte
e em práticas rotineiras dos artistas, sob a influência do desenvolvimento tecnoló-
gico e suas reverberações sobre a produção contemporânea (Couchot, 2003). Na
busca por desvelar algumas dessas complexas relações, que ganham visibilidade
através do pensamento artístico, analisamos a utilização das câmeras fotográficas
de celulares como dispositivos contemporâneos que permitem a elaboração de
sketchphotos. Semelhantes aos sketchbooks, nos quais artistas rabiscam suas ideias
ou impressões acerca de algo que desperte a sua atenção, para posterior análise e
interpretação, eles se adequam ao tempo vertiginoso do nosso cotidiano. Sendo
assim, o texto problematiza o impacto das tecnologias sobre a vida em sociedade,
destacando o papel de “tecnologias do imaginário” (Silva, 2006) na transformação
das atividades artísticas/expressivas e na produção de subjetividades.
Palavras-chave: Tecnologias do Imaginário, Celular, Sketchphoto, Arte Contem-
porânea, Produção de Subjetividade.
Abstract
In this paper, we have proposed a reflection on changes that occur in the field of Arts
and artists’ everyday practices, under the influence of technological development
1 Professora e artista visual, curso de Artes Visuais Licenciatura e PPG Mestrado em Artes Visuais,
Centro de Artes/UFPel. Pós-Doutorado em Criação Artística Contemporânea (UA, PT, 2019), Doutora
em Educação, Mestre em Educação Ambiental e graduada em Artes Visuais. É líder do PHOTOGRA-
PHEIN - Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação (UFPel/CNPq), pesquisadora da área da Foto-
grafia e das teorias do Imaginário, com ênfase nas narrativas (auto)biográficas poéticas/simbólicas.
Contato: attos@vetorial.net
2 Estudos de Arte, PH.D. (ua.pt); Escultura, M.A. (rca.uk). Investigador em artes visuais/plásticas (da
prática para a teoria). O seu trabalho interliga vários materiais/disciplinas. Através de metáforas co-
necta fronteiras físicas e emocionais, construindo espaços com significados múltiplos em diversas
comensurações (duas e três dimensões). Participa em vários eventos internacionais como conferen-
cista e como artista. Contato: pbernard@ua.pt
1082
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1083
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Semelhantes aos sketchbooks, nos quais artistas rabiscam suas ideias ou impres-
sões acerca de algo que desperte a sua atenção, para posterior análise e interpre-
tação, os sketchphotos se adequam ao tempo vertiginoso do nosso cotidiano e da
vida em sociedade.
1084
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tais imagens permitem ler nas entrelinhas das (re)apresentações do mundo, deta-
lhes que muitas vezes passam despercebidos, infraordinários3, como diria Perec. O
autor buscava reencontrar o bairro e a rua de sua infância, refletindo sobre as trans-
formações operadas ao longo do processo de reurbanização parisiense. Diferente
da sua proposta, a jornada em Aveiro foi de reconhecimento, introspecção e esta-
belecimento de relações acerca de um espaço urbano desconhecido, caracterizado
como lugar da experiência e da emoção, que pode ser reconstituído simbolicamen-
te através de imagens.
O celular surgiu no bojo das transformações operadas pelas novas tecnologias e suas
reverberações. A princípio ele era somente um aparelho portátil, facilitador da comu-
nicação via telefone. Entretanto, num curto espaço de tempo ele se transformou num
1085
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Admitindo o acima exposto, e reconhecendo que a arte está sempre inserida no espí-
rito de seu tempo histórico, é inevitável distinguir a utilização/interferência/mediação
desse equipamento no âmbito da arte contemporânea. As suas limitações e possi-
bilidades para a criação poética engendram o seu campo de utilização, que é deter-
minado pelas intenções dos artistas. São diferentes intencionalidades determinando
múltiplas utilizações para o celular, uma ferramenta tecnológica que democratizou
sobremaneira a fotografia, suas práticas e produtos, na contemporaneidade.
1086
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Atualmente são os cadernos do artista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) (Figura 1),
por exemplo, que nos permitem estudar e acompanhar o seu processo criativo, analisar
a sua escrita espelhada e seus exaustivos estudos sobre a anatomia humana, que resul-
taram em seu livro “Tratado de Anatomia”. Esses sketchbooks até hoje encantam e muitas
vezes são expostos junto com a obra finalizada. Há cinco séculos atrás, sem fotografia,
cinema, televisão ou internet, Da Vinci recorreu ao desenho para registrar incansavel-
mente suas pesquisas, com base na observação do real ou na imaginação criativa.
1087
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Cabe ainda destacar o trabalho do grupo português Urban Scketchers Portugal, que
transitam pelo país, promovendo desenhos in situ, instigando a contemplação, re-
flexão e processamento da complexidade do mundo através do desenho. Eles estão
conectados a uma ampla rede internacional de desenhadores, cujos participantes
publicam seus Diários Gráficos em um blog .
No estrangeiro, nunca se é um estranho para si, mas sempre o mais íntimo, o mais insistente, o
mais colado em sua sombra. Diante de nós mesmos, mais do que nunca obrigados a nos olhar,
mergulhados mais profundamente em nosso centro de gravidade, na medida em que nos falta o
outro para nos distrair de nossa presença forçada (Onfray, 2015, p. 79).
A importância disso reside no fato de que é a constituição do acervo imagético que via-
biliza as análises posteriores, ainda em processo, possibilitando a escrita de textos sobre
os rumos da investigação, como esse artigo, por exemplo, além de servirem de base para
a elaboração de colagens, pinturas e desenhos que compõem livros de artistas.
Além disso, algumas imagens per si já foram apresentadas como obras de arte, como
aconteceu em SÍ.NO.DO, uma montagem fotográfica de 35 imagens dispostas na ho-
rizontal, com 18 x 566 cm, apresentada na na exposição coletiva “espaçotraçotempo”
1088
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações Finais
O inventário imagético do espaço urbano da cidade de Aveiro, dentre outras cidades
portuguesas, hoje permitem análises das aventuras urbanas, registradas no com-
passo da dinâmica contemporânea, na qual o tempo contemplativo muitas vezes
se esvai, exigindo um tempo posterior de mergulho nas imagens e memórias para
processamento e organização das ideias e dos materiais. Trata-se, portanto, de neste
texto destacar a adequação das práticas artísticas ao tempo presente, no qual a tec-
nologia se afirma dia a dia como um componente fundamental, uma parceira vital
para o imaginário e suas especulações criativas.
1089
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências:
BACHELARD, Gaston (1993) A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes. ISBN:
85-336-0234-0
1090
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ONFRAY, Michel (2015) Teoria da viagem: poética da geografia. Porto Alegre, RS:
L&PM. ISBN: 978-85-254-1918-7
Acknowledgement:
This work is financed by national funds through the FCT, Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., in the ambit of the project ID/DES/04057/2019.
1091
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conceição Abreu1
Weaving in the Expanded Field — O Processo de Entretecimento
na Prática Artística
A Ação de Tecer como construção de Subjetividades e de
Espaços Relacionais.
Weaving in the Expanded Field - Process of Interweaving in Artistic Practice
The Action of Weaving as construction of Subjectivities and Relational Spaces
Resumo
Análise do processo da prática artística de Conceição Abreu, em aferição com
outras práticas artísticas contemporâneas, observadas sob o propósito da ação
de tecer. Processo que, como em Penélope, emerge da prática da repetição de
gestos, engendrando ritmos com valor de ritornelo gerador de (des)territoriali-
zações. Prática que se desenvolve a partir de estímulos táteis e cinestésicos, as-
sociados ao domínio háptico, e que, independentemente do campo disciplinar
(Fotografia, Pintura, Desenho, Escultura ou Vídeo), produz uma experiência de
tempo e entretecimentos do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Inscreve-
-se esse processo na enação (en acción), conceito que, nas ciências cognitivas,
explica a organização do vivo a partir das ações do sujeito com o mundo, cons-
truindo-se mutuamente. Classificam-se assim as obras que decorrem deste pro-
cesso como tecituras, constituindo subjetividades e espaços relacionais: resídu-
os materiais/visuais de uma experiência vivida e de conhecimento incorporado.
Palavras-chave: Entretecimento, Ritornelo, Enação, Subjetividades, Espaços Relacionais.
Abstract
Analysis of the process of the artistic practice of Conceição Abreu with others con-
temporary artistic practices, observed under the purpose of weaving action. Process
that, as in Penelope, emerges from the practice of gesture repetition, which acquires
a rhythm with ritornelo value, generator of (des)territorializations. Practice that de-
velops through tactile and kinesthetic stimuli, in a haptic domain, and, regardless
1 Conceição Abreu, (Sintra, 1961). Artista plástica e investigadora. Vive e trabalha em Lisboa. Dou-
torada em Artes Plásticas pela FBAUP (2018). Mestre em Arte Multimédia – Fotografia, pela FBAUL
(2012). Licenciada em 2010 (após Bacharelato terminado em 1989) em Dança pela Escola Superior
de Dança de Lisboa. Projeto Individual em Pintura (2000) da Escola Ar.Co. Estudos Completos de
Pintura (1998) da Escola Ar.Co. Expõe regularmente desde 1999, estando representada em diversas
coleções em Portugal e no estrangeiro.
1092
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Entretecimentos
Por entretecer percebe-se “a ação de entrelaçar(-se) ao tecer” que é uma maneira de
fazer, que se organiza em três movimentos distintos. Sendo um, o movimento de
entrelaçar — que é ação que cruza e interliga. Outro, o movimento de tecer — que
se liga a um tempo qualitativo, engendrado na ação de entrelaçar. E ainda, o movi-
mento de entrelaçar-se —que, sendo pronominal é reflexivo, dobrando-se sobre si
mesmo, mas também noutras direções. Na conjugação destes três movimentos a
ação de entretecer resulta meta-movimento que, transladado para as práticas artís-
ticas, as contextualiza em três campos ou domínios. O campo da ação — relativo aos
gestos operativos e à forma como é feita a sua organização, o que se percebe como
atividade. O campo da duração — que se liga ao tempo gerado na atividade em que
no ritmo criado organiza processos de territorialização. Percebido como processo. E,
o campo da relação — construída pelos movimentos emergentes daquele processo
e que é percebido como produção.
1093
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
2 Mitema, termo cunhado por Claude Lévi-Strauss, entende-se a unidade constitutiva do mito, que
o faz distinguir de outras formas de discurso (Lévi-Strauss, 1974: 233).
1094
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
uma construção inventiva de ganhar tempo para um possível regresso. Penélope re-
aliza a atividade de tecelagem segundo as regras estabelecidas, mas a partir de uma
“maneira de fazer” (de Certeau, 1990: 44), que extrapola o que está convencionado,
abrindo um caminho entre a passividade e a disciplina. Ação que, como diz Certeau
é reconhecida como “indicador da criatividade que pulula justamente onde desa-
parece o poder de se dar uma linguagem própria” (de Certeau, 1990: 44). Ação ou
esquema de ações que designa como tática (de Certeau, 1990: 37 - 48), definindo-a
em distintos tipos de comportamento com os quais os “usuários” mantêm o esta-
belecido, mas no qual constroem trajetórias que funcionam como trilhas imprevisí-
veis que se constroem a partir dos interesses e desejos (de Certeau, 1990: 45). Uma
“maneira de fazer” que no mito de Penélope dá origem a outro seu mitema, a métis3
(Dumith, 2012), que se cumpre quando a sua atividade, circunscrita às regras do seu
espaço/tempo cultural, se torna possibilidade de construção de uma subjetividade,
a partir da forma particular de como é realizada. Ainda neste mito, a atividade de te-
celagem é uma forma de mediação, uma vez que é através da sua prática organizada
no gesto de tecer-e-destecer, que Penélope cria um espaço/tempo de relações entre
a própria, o outro e o mundo, que dão espessura à sua existência. Mediação que dá
origem à tecitura, outro dos seus mitemas.
3 Métis é inscrita na mitologia grega como procedimentos expeditos, ou tramas, que se utilizam
para ultrapassar alguma dificuldade. Sendo que tramar associa-se nessas narrativas a um gesto de
inteligência astuciosa (Detienne; Vernant, 1974).
1095
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
4 No original restored behavior. In, SCHECHNER, Richard (1985), Between Theater and Anthropology.
“Restoration of Behavior”. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
5 Richard Schechner (Nova Jersey, 1934) é diretor teatral, ensaísta e professor universitário do Depar-
tamento de Estudos da Performance (Performance Studies) na Tisch School of the Arts da Universidade
de Nova Iorque. Manteve um trabalho experimental nos anos 60 nos Estados Unidos da América e
um intercâmbio cultural com o antropólogo Victor Turner. Publicou, em 1985, um dos seus princi-
pais textos - Entre o Teatro e a Antropologia (Between Theatre and Anthropology) (FUENTES, Marcela,
2011: 33). In, TAYLOR, Diana; FUENTES, Marcela (edits.), Estudios Avanzados de Performance. México:
FCE, Instituto Hemisferio de Performance y Política, Tisch School of the Arts, New York University, 2011.
1096
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Richard Long, A Line Made by Walking, 1967. Photograph and graphite on board,
image: 375 x 324 mm Tate Britain - Purchased 1976 © Richard Long
Em A Line Made by Walking, a ação de andar constitui-se como material que é utili-
zado no processo criativo. Organizado na repetição, o processo adquire um valor
“diagramático” (Deleuze, 2011) que faz surgir uma relação caos6-germe. A função
diagramática do processo remete para uma ideia de criação contínua e renovada,
através da qual se produz a obra como coisa que emerge de um conjunto de traços
manuais, linhas, manchas, movimentos repetidos que, por entre o caos e organi-
zados num ritmo, substituem a organização óptica abrindo “domínios sensíveis”
(Deleuze, Guattari, 1997). Na organização repetida do movimento de ir e vir, Long
organiza o seu diagrama e rompe com a figuração. Como explica Deleuze, a função
diagramática é não formal, uma vez que não se objetiva na produção de um objeto
pré-definido ou na forma de semelhança ou cliché (Deleuze, 2011: 79). Long intro-
duz a partir do diagrama, uma “possibilidade de facto” e uma “forma sensível” (De-
leuze, 2011: 172). Facto que mais que visual, é sobretudo do domínio da sensação
háptica de onde emerge a forma sensível. Da prática artística de Long, organizada
na ação repetida de andar, resulta a experiência vivida e a imagem fotográfica da
linha criada no processo. Linha que é resíduo ou vestígio material visual do movi-
mento de cruzar repetidas vezes o espaço em duas direções7.
6 Caos em relação ao que precede, mas “potencialidade de uma ordem em relação ao que virá de-
pois” (Deleuze, 2011[1981]: 21)
7 Movimento que faz lembrar, no processo de formação dos tecidos, o ir e vir da naveta ou lançadei-
ra que com ela leva o fio que se entretece por entre os fios da urdidura.
1097
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1098
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O háptico – do verbo grego aptô (tocar) – não designa uma relação extrínseca do
olho ao toque, mas uma “possibilidade do olhar”. Um tipo de visão distinta da óptica,
como explica Deleuze, dando como exemplo a arte egípcia que é concebida para ser
vista de perto, tateada pelo olhar (Deleuze, 2011: 204). Segundo Pallasmaa, enquanto
que o tato8, passivo ou exploratório, é a sensação que mais nos aproxima ao mundo,
a visão que é óptica, fixa e organiza o mundo em função de um ponto de vista9.
Pallasmaa adverte, contudo, que “todos os sentidos, incluindo a vista, são prolon-
gações do sentido do tato”, uma vez que, “os sentidos são especializações do tecido
cutâneo e todas as experiências sensoriais são modos tocar” (Pallasmaa, 2012: 11).
Se a visão “revela o que o tato já conhece” (Pallasmaa, 2012: 44), olhar implica tatear.
O Entretecimento — Quiasma
Na obra Cedro de Versailles (2000-2003), Giuseppe Penone realiza, no interior de um ce-
dro, a ação repetida de escavar. Repetição que não é uma mecânica, que toma conta
de todo o trabalho, mas organizada num processo diagramático gerando um ritmo. A
função diagramática não atua de modo significante – não há significante ou significado
–, mas age na estratificação, no dado, no estabelecido (Deleuze, Guattari, 2000). Prática
que se desenvolve no domínio háptico, na libertação da mão em relação ao olho que faz
aproximar o autor á árvore e a árvore ao autor. A ação de escavar de Penone, é, portanto,
um ato performativo, um comportamento consciente, não vazio de sentido, que medeia
uma relação bilateral de trocas. Atual e atuante Penone exerce um comportamento sim-
bólico e reflexivo que organiza um espaço/tempo potenciador de conexões. Espaço que
integra a complexidade, a instabilidade, e a intersubjetividade, e que proporciona uma
experiência fora dos dualismos da ontologia do sujeito e objeto.
8 “O tato é a modalidade sensorial que integra a nossa experiência do mundo com a experiência
de nós mesmos. Inclusive as perceções visuais se fundem e integram no continuum háptico do eu;
o meu corpo recorda-me quem sou e em que posição estou no mundo. O meu corpo é realmente
o umbigo do meu mundo, não no sentido do ponto de vista da perspetiva central, se não como o
verdadeiro lugar de referência, memória, imaginação e integração” (Pallasmaa, 2012[2005]: 10-11).
9 Sendo a visão óptica que legitima o modelo cartesiano de Dualismo Psicofísico, que se caracteri-
za pela separação entre res cogitans (coisa pensante, sujeito pensante) e res extensa (coisa extensa,
corpo), e que se identifica como uma divisão entre o observador e o mundo (Pallasmaa, 2012: 11).
1099
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Diz Merleau-Ponty que, “só se vê aquilo que se olha” (2013). Afirmação que expressa
a convicção que, existe um conhecimento sensível das coisas, que é originado no
movimento, ou seja, que é resultado emergente (no sentido de emergir) da ação. No
entrelaçamento dos dois sistemas, da sensação e da perceção, o movimento é cria-
dor de sentido, de um sentido de si, do sujeito sensorial que é atual (atenção/cons-
ciente) e atuante (estar-aí) no mundo. A noção de quiasma leva a um entendimento
do próprio corpo como o espaço de expressão e realização da perceção do ser hu-
mano, que se abre à construção da experiência vivida. O corpo que é visível e móvel,
encontra-se entre as coisas. Nas práticas artísticas que se analisam, o movimento
corporal ou gestual é usado como atividade consciente de construção dessa relação.
10 O solipsismo designa uma doutrina filosófica que reduz toda a realidade ao sujeito pensante, ou
seja, para além de nós só existem as nossas experiências.
1100
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Gosia Wlodarczak, Within (2008). Desenho performativo sobre vidro com marcador branco.
Dimensões variáveis. © Longin Sarneck
Within (2008), de Gosia Wlodarczak (1959) é disso exemplo. Trata-se de uma perfor-
mance que se estrutura na ação de desenhar. É realizada sobre um vidro de uma
janela, espaço que liga o espaço exterior (rua) e a galeria de arte onde, desde o
seu interior, a artista desenvolve a sua prática. O trabalho estrutura-se na ação
sucessiva de desenhar o contorno de objetos e pessoas que no seu movimento
quotidiano, passam junto à janela onde a artista exerce a sua prática. Prática que
se estrutura tanto em movimentos mentais/reflexivos, que ocorrem da atenção ou
focalização feita por Wlodarczak, como em movimentos físicos gestuais criados na
repetição da ação de desenhar.
11 Tradução livre de “I am fascinated by one’s awareness of the moment and the mind’s relationship
with the outside world conducted through the senses. I have been investigating my experience of
various manifestations of being present within the actual situation and converting them into the
materiality of the drawn line through the act of drawing” in, http://gosiawlodarczak.com/Pages/Sta-
tement.html
1101
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1102
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conceição Abreu, Entre Nós (2015). Performance coletiva. Participantes: Priscilla Davanzo Carlos
Costa, Conceição Abreu, Mariana Caello Campuzano, e Orlando Vieira Francisco. 5:1 (2015) –
Exposição coletiva no âmbito do Doutoramento em Artes e Design. Museu da Faculdade de Belas
Artes da Universidade do Porto.
1103
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
duração, um tempo percebido sem “a capa mais superficial de factos físicos que se
empregam como reguladores” (Bergson, 2016: 18), que se apresenta à consciência
imediata no momento da ação, onde se constrói a experiência. O ritornelo, mais do
que criar uma organização óptica, abre domínios sensíveis (Deleuze, 2011:174). No
processo, materializam ou dão-se a ver, as tecituras que se formam simultaneamen-
te no espaço autorreferencial que é introspectivo/reflexivo, e heterorreferrencial que
se projeta em direção ao outro, ao mundo.
Diz Francisco Varela, que “refletimos sobre o mundo que não é feito, mas encontra-
do e, no entanto, é também a nossa estrutura que nos permite refletir sobre esse
mundo” (Varela, Thompson, Rosch; 2001: 25). O que significa que as inter-relações
se constituem entre uma organização autorreferencial e na organização organismo/
ambiente onde a estrutura do organismo (corpo-mente) faz adaptações sem perder
a sua organização autopoiética15.
1104
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações finais
É nos limite destas questões que se formula o processo em que se estruturam as prá-
ticas analisadas. Associado a uma ideia de entretecimento, defende-se este processo
criativo como organizador de uma prática que se desenvolve a partir de estímulos tá-
teis e cinestésicos, associados ao domínio háptico, e que produz um espaço/tempo de
relações entre o sujeito consigo mesmo e com o mundo. Relações que se desdobram
entre o atual e o histórico e que se co-determinam. Entendimento que aproxima aque-
le processo criativo ao processo de enação (en acción) que explica a organização do
vivo a partir da condição atual e atuante do organismo com o mundo, construindo-se
mutuamente — não se distinguindo o sujeito-objeto, o mundo das coisas e o mundo
ser um processo recursivo, não significa que na autopoiesis exista uma total ausência de interação
como o ambiente (envolvência), mas que ela é medida pela autonomia do sistema, ou seja, pela
auto-referência, ou organização autopoiética.
16 Enactive View (Varela, Thompson, Rosch, 2001[1991]).
17 Em inglês, enaction ou a partir da expressão espanhola en acción.
1105
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Conceição (2012). Viagens. Da Fotografia como possibilidade de Lugar.
Mestrado em Arte Multimédia, Especialização em Fotografia. Dissertação
orientada pela Professora Doutora Fernanda Maio. Universidade de Lisboa:
Faculdade de Belas-artes.
BERGSON, Henri (2016[1977]. Bergson: Memoria y Vida. Textos escolhidos por Gilles
Deleuze. Tradução de Mauro Armiño. Madrid: Alianza Editorial, S.A.
1106
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1107
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
PALLASMAA, Juhani (2012[2005]. Los ojos de la piel: la arquitectura y los sentidos. Pró-
logo de Steven Holl. Tradução de Moisés Puentes. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL.
1108
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Análise do processo da prática artística de Conceição Abreu, em aferição com
outras práticas artísticas contemporâneas, observadas sob o propósito da ação
de tecer. Processo que, como em Penélope, emerge da prática da repetição de
gestos, engendrando ritmos com valor de ritornelo gerador de (des)territoriali-
zações. Prática que se desenvolve a partir de estímulos táteis e cinestésicos, as-
sociados ao domínio háptico, e que, independentemente do campo disciplinar
(Fotografia, Pintura, Desenho, Escultura ou Vídeo), produz uma experiência de
tempo e entretecimentos do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Inscreve-
-se esse processo na enação (en acción), conceito que, nas ciências cognitivas,
explica a organização do vivo a partir das ações do sujeito com o mundo, cons-
truindo-se mutuamente. Classificam-se assim as obras que decorrem deste pro-
cesso como tecituras, constituindo subjetividades e espaços relacionais: resídu-
os materiais/visuais de uma experiência vivida e de conhecimento incorporado.
Palavras-chave: Entretecimento, Ritornelo, Enação, Subjetividades, Espaços
Relacionais.
Abstract
Analysis of the process of the artistic practice of Conceição Abreu with others con-
temporary artistic practices, observed under the purpose of weaving action. Process
that, as in Penelope, emerges from the practice of gesture repetition, which acquires
a rhythm with ritornelo value, generator of (des)territorializations. Practice that de-
velops through tactile and kinesthetic stimuli, in a haptic domain, and, regardless
of the disciplinary domain (Photography, Painting, Drawing, Sculpture or Video),
1 Mestre em Design pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e fundador do estudio Risotrip
printshop co.
2 Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde leciona na Pós-Graduação em Design
Visual e na graduação em Comunicação Visual Design. Tem Doutorado na área de Artes Visuais, atu-
ando principalmente nos seguintes temas: design editorial, arte contemporânea. É lider do grupo
Imagem(i)materia.
1109
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
produces an experience of time and interweaving of the subject with himself and
the world. A process related to the notion of enaction (en acción), concept that ex-
plains, in the cognitive sciences, the organization of the living from the actions of the
subject with the world, building on each other mutually. The works from this process
are classified as tecituras. Constituting subjectivities and relational spaces, they are
material / visual residues of a lived experience and embodied knowledge.
Keywords: Interweaving, Ritornelo, Enaction, Subjectivities, Relational Spaces.
Para o ser humano, enquanto nômade, a errância é parte não opcional da existência.
Estar em constante movimento não é, a principio, uma escolha ou um estado tem-
porário, como seria para o migrante que vai de um ponto a outro. Para o nômade,
que entendo aqui englobar tanto caçadores e coletores do paleolítico quanto tribos
pastoras não assentadas, o movimento não segue um percurso retilíneo, com inicio e
fim definidos com maior importância, para o nômade tudo é meio. “A vida do nômade
é intermezzo. Até os elementos de seu hábitat estão concebidos em função do trajeto
que não para de mobilizá-los” (DELEUZE, 1997: 42) O nômade habita nesse movimento
do entre, ele se relaciona com o mundo através desse movimento, faz possível sua
existência através desse eterno percorrer, descobrir, interferir nos espaços.
Tal forma de se relacionar com o mundo carrega em si certas propriedades que lhe
são inerentes. Não faz sentido para o nômade, por exemplo, construir seu saber a
partir de um quadro formal, um acúmulo ordenado de saberes sobre as coisas. Como
afirma Francesco Careri “Na ausência de pontos de referência estáveis, o nômade
desenvolveu a capacidade de construir o seu próprio mapa em cada instante, a sua
geografia está em contínua mutação, deforma-se no tempo com base no deslocar-
-se do observador e no perpétuo transformar-se do território.” (CARERI, 2013: 42)
O nômade é o homem da experiência por excelência, não apoia seu saber apenas
em impressões do passado. Toda a sua vida interior, pensamentos, imaginações é
entremeada pela exterior, pelo momento; o saber do nômade é flexível e imperma-
1110
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Alheia aos ordenamentos e reduções, conduzida sempre pela criação e pelo possível,
é essa forma nômade de conhecer e perceber, que parece estar atrofiando em nosso
meio, nos Estados modernos, há muito tempo sedentários, onde o encontro com o
imprevisto parece cada vez mais raro e cujas relações com o espaço, diferentes das nô-
mades, se dão a partir de um conjunto de códigos, regras e pressupostos deliberados.
O que mais nos interessa em tais paradigmas é quando Deleuze (1980) destaca a
relação destes na própria função do pensar e nos mostra como existe em cada um
de nós a concorrente tendência de se encerrar no que já se sabe, no que é sólido,
e a imensa vontade de partir para o desconhecido, de perder o chão. A consciência
afiliada do “Estado” parte de um regulamento bem definido e anseia por uma função
bem definida, funcionando em proveito do estado, de quem obtém suporte. Tem
a tendência de categorizar a experiência para que esta possa se encaixar em certos
moldes; formata, replica e distribui o que se vivencia, ganhando ares de verdade, são
porém verdades estáticas e não extáticas.
1111
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1112
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sobre os sufis, Bey relata que: “o Islã eleva a viagem sobre todo o utilitarismo ‘mun-
dano’ e dá a ela uma dimensão epistemológica ou até mesmo gnóstica. ‘A jóia que
nunca deixa a mina nunca é polida’, diz o sufi Saadi” (BEY, 2014). A essência das pere-
grinações sufis, reside não somente no ato físico de percorrer o espaço, mas no prin-
cipio do percorrer como forma de desencadear um movimento que é tanto interno
quanto externo. O percorrer das ordens sufis é atrelado a experiência de um certo
estado de consciência aberto as possibilidades, as maravilhas e aos sinais.
Poderíamos assumir então que o sufi usa a viagem como meio para acessar essas
formas de consciência e percepção mais atentas ao que lhe cerca, alheias a cata-
logações de interno, externo, possível, sagrado, mundano, objetivo ou subjetivo. A
viagem como Zen para se conectar com a nossa compreensão nômade.
1113
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É esse ato difícil de superação, que parece encontrar espaço na viagem, ao passo
que esta nos convida a superar valores consolidados e permite a experiência de uma
espécie de atenção desatenta, que não é focada, preocupada ou reguladora, mas
atenta para o que existe além da nossa coleção de saberes, para a experiência e o
devir. Os encontros do andarilho, por mais efêmeros que sejam ganham em profun-
didade, transcendem o factual e o mensurável. O nômade (o peregrino, o andarilho)
cria, apartado de erudições ou objetivos. Cria, por que essa é a sua forma de se re-
lacionar com o que o cerca e com o que entende por seu, e faz surgir dessa relação
algo maior que ambos.
“Atualmente a utilidade está compreendida num sistema (...)muito material, muito niti-
damente fechado. O homem, ai de nós!, não é lá tão racional! Ele tem tanta dificuldade
em descobrir o útil como o verdadeiro. (...) Nenhuma utilidade pode legitimar o risco
imenso de partir sobre as ondas. Para enfrentar a navegação, é preciso que haja inte-
resses poderosos. Ora os verdadeiros interesses poderosos são os interesses quiméricos.
São os interesses que sonhamos, e não os que calculamos. São os interesses fabulosos.”
(BACHELARD, 1989: 76)
É no surrealismo que a errância encontra seu potencial mais agudo como forma
de transformar a percepção. Em um contexto de degradação do pós-guerra, os
surrealistas põem em cheque as separações entre racionalidade e subjetividade,
interno e externo, imaginação e realidade e buscam devolver à vida o fascínio do
maravilhoso, tirando o homem de um estado de alienação racionalista e permitin-
do que este se relacione com o entorno através da percepção do acaso e do en-
cantamento. As primeiras deambulações surrealistas se dão as margens da cidade,
entre bosques e campos, pareceria que “junto com a intenção de superar o real no
onírico há a vontade de um retorno a espaços vastos e desabitados, aos confins do
espaço real.” (CARERI, 2013: 80) Através desses espaços considerados vazios pela
lógica vigente, os surrealistas buscavam “fugir da prisão da identidade da razão,
do cotidiano.”(GAGNEBIN, 1997: 155) Eles logo perceberam que era preciso uma
mudança no estado de consciência e na percepção, para que fosse possível supe-
rar as convenções limitadoras de uma sociedade dominante, e viram no espaço
um aliado importante.
Era preciso que o espaço permitisse ao caminhante se perder, para que esse pu-
desse entrar em um certo estado de apreensão, como diz Careri “estado de apre-
ensão, nos dois significados, de sentir medo e de apreender(...)A deambulação é
1114
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Terei ainda por muito tempo o sentimento do maravilhoso cotidiano? Eu o vejo a se per-
der em cada homem que avança em sua própria vida, como por um caminho mais e me-
lhor pavimentado, que avança nos hábitos do mundo com uma comodidade crescente,
que se desfaz progressivamente do gosto e da percepção do insólito.” (ARAGON, 1996: 41)
Atualmente o ato de caminhar, em si, é a obra de muitos artistas. É esse o caso dos
trabalhos de Hamish Fulton e Richard Long, embora a materialidade que surge da
experiência de ambos seja distinta, assim como especificidades de seus fazeres, tan-
to Long quanto Fulton definem a experiência de caminhar propriamente dita como
o cerne de suas obras.
“Uma caminhada é como um objeto invisível em um mundo complexo (...) A vida é uma
cadeia de lutas contínuas desde a juventude até à velhice. Neste cenário de preocupação
e medo podemos construir uma experiência – realizar uma caminhada – que ocupa um
espaço das nossas vidas e, como um objeto, tem princípio e fim, mas que, ao contrário
de um objeto, não se pode ver.” (FULTON, 2008)
Para que possamos criar para além da razão, do óbvio, da ordem vigente, para além
da passividade, enfim, é preciso um certo estado de consciência, de percepção e
de apreensão. Tal estado não se dá de forma involuntária, é preciso vontade e mo-
vimento para que possamos superar o automatismo. Dentre as muitas formas pas-
siveis de fomentar tal revolução, errar, percorrer e se perder mostram um potencial
distante ainda de ter sido completamente explorado.
1115
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esse novo e amplo espectro do design gráfico nos possibilita pensar também numa
nova prática capaz de se conciliar com o errar, de considerar a experiência e o ato
de se perder mais como um valor que como parte a ser eliminada do processo. En-
quanto um design mais normativo pode se apoiar em funções de padrões testado e
estabelecidos para nortear a criação, em busca de controlar e prever as suas relações
com seus interlocutores, ele tende a desconsiderar ou eliminar boa parte do que
cria caso não seja concordante com tais chancelas, nominando estas discordâncias
como erros. Nesse aspecto, o designer gráfico se relaciona com sua práxis da mesma
forma que o homem se relaciona com o espaço dominado, subordinando a potência
do que cria a arbítrios e teoremas padronizantes , negando dessa forma boa parte
do que é oriundo da experiência e da experimentação em detrimento de uma con-
formidade com modelos já preestabelecidos, sejam pelo próprio circulo profissional,
sejam por demandas mercadológicas.
Mas, do mesmo modo que o nômade e o peregrino encontram outra forma de re-
lação e apreensão do espaço, podemos buscar também, enquanto criadores, uma
postura diferente em relação aos nossos processos, um design mais afinado com
a imaginação de uma fenomenologia poética como a de Gaston Bachelard (1988) .
Quando este diz que a imaginação é um “fator de imprudência que nos destaca de
pesadas estabilidades”, que os interesses que nos movem são “os que sonhamos e
não os que calculamos” (BACHELARD,1988:76), que a criação requer uma superação
1116
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de um saber prévio; ele desloca a criação em seu cerne de uma mera representação,
ou do serviço racionalista à informação, e propõe que a criação possua força em si
mesma, em seu potencial de ser algo novo, único.
É também pensar um processo que não apoia todo o seu fazer apenas no que já foi tes-
tado e convencionado, mas que vê na experiência e sensibilidade de um não saber ca-
minhos igualmente válidos para tratar a criação e a imaginação, como aponta Bache-
lard “O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue
à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido” (BACHELARD, 1989: 19).
Apesar dos percalços, é possível hoje encontrar terreno profícuo para a criação desse
design gráfico aflorante, que busca ser ponte entre espaços, emoções e pessoas, que
aceita a experiência e a intuição como fundamentais para seu desenvolvimento.
A própria ideia de intuição no design que se relaciona, para muitos, ao designer nor-
te americano David Carson, expoente do pós modernismo no design gráfico ame-
ricano, já existia como preceito fundamental na formação dos alunos nos primeiros
anos da Bauhaus.
Johanes Itten, que ministrou o Vorkurs de 1919 a 1923, propunha em suas classes
uma série de experimentações com diferentes texturas e materiais, a fim de propor-
cionar aos alunos experiências sensoriais capazes de desenvolver um entendimento
tanto do seu universo interior como das práticas gerais da criação. Ao lidar com a
própria intuição e subjetividade de novas maneiras , os estudantes eram levados a
interpretar a realidade mais do que apenas representá-la e, ainda, usarem sua per-
cepção como forma de se relacionar com o que os cercava. Segundo Gropius, funda-
dor da Bauhaus, o objetivo do curso era
Para Itten o saber formal da teoria e o saber intuitivo da experiência poderiam ser
ambos partes da relação do homem com o mundo. A experimentação e o ‘não-saber’
eram tão importantes quanto as doutrinas. Ele revela esse pensamento, por exemplo,
ao falar aos alunos sobre o uso das cores.
1117
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Se você, sem saber, é capaz de criar obras de arte em cores, então o não-conhecimento
é o seu caminho. (...) Doutrinas e teorias são melhores para os momentos mais fracos.
Em momentos de força, os problemas são resolvidos de forma intuitiva, por si mesmos.”
(ITTEN, 1970:11)
O saber intuitivo e o saber da experiência podem ser estimulados, mas são parte de
uma jornada pessoal e individual de cada um, seus resultados não podem ser ante-
vistos e não podem ser generalizados. Além disso, esses saberes fazem parte de um
processo que aceita o ato de errar, de se perder e por consequência o ato da desco-
berta, atrelados a uma vivência do sujeito e não a conceitos gerais. É o que Lorraine
Wild (1998) resgata da prática do artesão em seu texto ‘o macramê da resistência’. O
artesão, além do conhecimento teórico sobre o que faz, tem um conhecimento táci-
to advindo da experiência do seu fazer, conhecimento que adquire das descobertas
que surgem da sua prática, ou como diría Larosa “é sobretudo dar sentido ao que
somos e ao que nos acontece.”(2001) O artesão não tem a preocupação de esconder
suas marcas, não busca desassociar do seu trabalho aquilo que é de uma jornada
individual daquilo que é um saber coletivo, pelo contrário, entende que reside aí a
força do seu trabalho, da continua superação de um saber geral e desenvolvimento
de novas descobertas feitas através dos percalços da sua experiência individual.
Talvez, a ideia de design intuitivo, proposta por Carson, tenha encontrado dificulda-
de para prosperar, e seu trabalho tenha acabado por servir mais como uma referên-
cia de estilo a ser copiada, por não levar em conta que a intuição é mais sobre ex-
perienciar que somente experimentar. A intuição que guia a experimentação surge
da experiência e da vivência desatreladas da informação e da opinião, ela encontra
“oportunidades nas brechas do que se conhece, mais do que com tentar organizar
tudo em função de uma teoria unificadora”(Wild, 1998:106)
O designer hoje tem um longo caminho para além das metodologias, um caminho
de experiências tanto no seu fazer e na sua prática, quanto na relação com o mundo
que o circunda, com o espaço e os outros. Para este designer, que se redescobre em
sua criação, é preciso repensar o seu fazer para além dos pontos de referências ma-
peados e se permitir ficar a deriva.
1118
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Benjamin conta que o narrador porém “retira da experiência o que ele conta: sua
própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à expe-
riência dos seus ouvintes.”(BENJAMIN, 1994:201). Diferente da informação que tenta
se mostrar impessoal, a narrativa aceita que o que é contado parte de um narrador,-
das suas experiências e da sua relação com o mundo que o cerca. Hoje nos questio-
namos o quanto uma notícia pode realmente ser impessoal ou imparcial, a mesma
reflexão pode ser feita acerca da comunicação visual; no lugar de suprimir seu “nar-
rador” pode se mostrar mais enriquecedor assumi-lo como parte ativa do processo.
1119
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências Bibliográficas:
ARAGON, L. O camponês de Paris. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
CARERI, F. Walkscapes, o caminhar como prática estética. São Paulo: G. Gili, 2013.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs. São Paulo: Editora 34, 1997.
1120
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
FULTON, H. Catalogo Río Luna Río, Badajoz: Fundación Ortega Muñoz, 2008.
GAGNEBIN, J-M. “O Camponês de Paris: Uma topografia espiritual”, Sete Aulas sobre
Linguagem, Memória e História. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
1121
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
“Dois e três pinos” é um objeto-instalação construído com tomadas obsoletas no
Brasil desde 2009. Entretanto, o plano anunciado pelo governo antidemocrático
eleito em 2018 de retomar a produção desses dispositivos pode ser lida como uma
das metáforas do retrocesso político, social e cultural que soterra o País. Esta obra
procura dialogar com este contexto ao oferecer para o observador possibilidades
de interação que revertam as narrativas de ódio, violência e fake news que ferem a
concepção de Estado Democrático de Direito. Este processo fomenta novas cone-
xões, transformando os jogos de linguagem instaurados nesses discursos.
Palavras-chave: Processos artísticos, narrativa, dispositivo, arte e tecnologia, Brasil.
Abstract/resumen/resumé
“Two and three prongs” is an installation object built with sockets that are obso-
lete in Brazil since 2009. However the undemocratic government elected in 2018
declared that it plans to restart production of this device. This can be understood as
one of the metaphores of political, social and cultural regression that are rampant
in the Country. This work opens a dialogue with this context, by creating interactive
possibilities for the observer to reverse the narratives of hate, violence and fake news
that threaten the concept of a Democratic State. This process promotes new connec-
tions and word games, transforming the previous discourses.
Keywords: Artistic processes, narrative, device, art and technology, Brazil.
1 Denise Camargo, doutora em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP).É docente do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (IdA-UnB) e do
Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, na linha de pesquisa Poéticas Transversais. Seus temas
de pesquisa envolvem dispositivo fotográfico; poéticas e processos de criação; arte e tecnologia;
imagem e matrizes culturais afro-brasileiras; experiência e interação; narrativas.
2 Fernando Fogliano, pós-doutor em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), é doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Fotógrafo, artista visual, pesquisador em Arte & Tecnologia, pelo grupo Ciência Arte Tecnologia (cAt),
membro do SCI-Arts. Seus trabalhos de pesquisa envolvem a exploração das implicações estéticas,
cognitivas e tecnológicas da imagem, tendo em vista a reflexão nos campos da fotografia e do de-
sign da interação.
1122
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Após a troca da instalação elétrica de uma casa tomadas já obsoletas, cujo destino
seria o descarte para reciclagem, foram resgatadas pelos artistas e transformadas
em matéria para o objeto-instalação “Dois e três pinos”, como ficou nomeado, em
alusão à obra conceitual “Uma e três cadeiras” (1963), de Joseph Kosuth.
A construção abstrata e escultural do objeto instalacional tem como suporte uma cai-
xa que permite ao observador visualizar a estrutura interna da obra e interagir com ela.
Às tomadas de dois pinos, que tiveram sua produção descontinuada no País e estão
em desuso, desde 2009, dispostas no interior da caixa, está conectada uma placa ar-
duino que favorece os processos e as ações de interação nos fragmentos de discursos
retrógrados, de ódio, violência e fake news, em curso no Brasil de 2019.
O “neutro” existente nas tomadas de três pinos atualmente utilizadas no país, as tor-
na mais seguras. Por isso mesmo, as tomadas antigas de dois pinos, desprovidas des-
se espaço, são inadequadas aos atuais padrões de segurança. Ao declarar o retorno
à sua produção, o senhor que ocupa a presidência da República do Brasil, cria uma
metáfora para o conjunto de reterocessos que assola o País.
Na gramática, o termo “neutro” define nomes ou palavras às quais não se pode atri-
buir características de gênero. Configura uma espécie de limite (Blanchot, 1970),
mas que não se define (Barthes, 2003). Pode-se tratar, assim, de um entre-lugar, de
uma fronteira borrada, também equiparável ao vazio, ao silêncio, e, paradoxalmente,
a um lugar em que se dão os jogos de linguagem.
É com este contexto simbólico que este trabalho opera ao fazer uso de discursos,
dos jogos de linguagem (Wittgeinstein, 2009), do uso político da linguagem e das
metáforas (Lakoff, 2002) e das narrativas dela decorrentes, baseadas em notícias fal-
sas, recusa a dados oficiais, inclusive a fatos históricos, que têm gerado um retorno a
padrões antiquados, já superados, inclusive os discursos de ódio e violência, mas em
curso na sociedade brasileira desde as eleições de outubro de 2018, e que se con-
frontam com o que podemos, ou não, considerar como verdade (Changeux, 2013).
1123
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Barthes, R. (2003). O neutro: anotações de aulas e de seminários ministrados no
Collège de France,1976-1977. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Mar-
tins Fontes.
1124
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Esse artigo é uma análise descritiva do experimento realizado na interseção en-
tre dança, realidade aumentada e traduções de obras teatrais para dança digital
como parte da pesquisa intitulada Realidade Aumentada Espacial – Ateliê de
criação, a qual foi aprovada pela Pró-reitoria de Extensão na Universidade Fede-
ral da Bahia para ser realizada entre os anos 2018 – 2019 sob supervisão da Pro-
fa. Dra. Mirella Misi (UFBA, Brasil). Tem como objetivo apresentar os elementos
constituintes do experimento – construção de mapeamento, interfaces interati-
vas, programação de software, produção de imagens e/ou de áudio, captura de
espaço e corpos físicos, traduções de obras teatrais para linguagens cênicas em
dança, hipertexto como ferramenta de construção dramatúrgica – para propôr,
em ultima instância, novas abordagens para composição em dança que aqui
denominamos dança digital.
Palavras-chave: Dança Digital, Realidade Aumentada, Dramaturgia.
Abstract
This article is a descriptive analysis of the experiment conducted at the intersection
between dance, augmented reality and translations of theatrical works for digital
1 Ator formado pela SP-Escola de Teatro, com ênfase na linguagem de máscaras, em Clown e na
comicidade do ator. Lightdesigner, cenótecnico. Graduando de Licenciatura em Dança pela Univer-
sidade Federal da Bahia (Brasil).
2 Professora da Escola de Dança, Coordenadora de Ações Artístico Pedagógicas, Co-Lider do Elétrico
– Grupo de Pesquisa em Ciberdança – Universidade Federal da Bahia. Pós-doutorado PPGDAN, Dou-
torado PPGAC-UFBA (Brasil) / De Hague University of Applied Sciences (Países Baixos), Fundadora do
Slash Art Tech Lab, Amsterdam.
3 3 Profesora Permanente do Programa de Pós-Graduação am Dança, líder do Elétrico - Grupo de
Pesquisa em Ciberdança, Profesora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais,
Universidade Federal de Bahia (UFBA), Pós doutora en Artes Visuais, HBK Saar (Alemanha). Membro
efetivo do Slash Art Tech Lab, Amsterdam.
1125
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
dance as part of the research entitled Spatial Augmented Reality – Creation Studio,
which was approved by the pro-rectory of extension at the Federal University of Ba-
hia to be held between the years 2018 – 2019 under supervision of Prof. Dr. Mirella
Misi (UFBA, Brazil). It aims to present the constituent elements of the experiment –
mapping construction, interactive interfaces, software programming, image and/
or audio production, space capture and physical bodies, translations of theatrical
works to scenic languages in dance, hypertext as a tool of dramaturgical construc-
tion – to propose, in the last instance, new approaches to composition in dance
which we denominate digital dance.
Keywords: Digital Dance, Augmented Reality, Dramaturgy.
Este artigo relata a nossa experiência nos estudos de Iniciação Artística, realizados
através do Programa PIBIARTES, na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia,
Brasil, entre 2018 e 2019, no Projeto Ateliê de Criação, sob orientação de Mirella Misi.
Trata-se de uma pesquisa de criação coreográfica em ambientes de Realidade Aumen-
tada Espacial (RAE), tendo o uso de hipertexto como estratégia de composição dra-
matúrgica. O resultado desse trabalho, que iremos expor neste artigo, é o espetáculo
interativo em ambiente de RAE, PLAY – Deseja Jogar?, o qual é livremente inspirado em
Act without words – a mime for one player5 de Samuel Beckett.
4 Pimentel, Ludmilla e Misi, Mirella. ARTECH 2015 Creating Digital E-motions: Proceedings of the 7th
International Conference on Digital Arts. Artech International: 2015, Óbidos – Portugal, pp.239-244.
Prize Best Short Paper.
5 O texto foi publicado pela primeira vez em Paris, 1957. Foi traduzido pelo autor para o inglês, tra-
dução esta publicada pela Groove Pass, Nova York, 1958.
1126
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A peça interativa Play – Deseja Jogar? é uma adaptação de uma peça que se enqua-
dra no estilo do teatro do absurdo, Ato sem Palavras I, escrita em 1956, em Paris, para
o contexto da cultura digital no Brasil de 2018. Se situa no início do teatro moderno,
6 Misi, Mirella, Pimentel, Ludmila (2015). Bodymedium como interface conceitual entre as categorias
de Embodiment (Merleau-Ponty) e de Embodiment Relations (Don Idhe) aplicado à Dança Digital. Revis-
ta do V Encontro Internacional de Grupos de Pesquisa: Realidades Mistas e Convergências entre Arte,
Ciência e Tecnologia. Escola de Artes e Comunicações, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo.
7 Idhe, Don. Embodied technics. UK: Automatic Press / VIP, 2010.
1127
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
nas últimas décadas do século XX, o qual foi um marco de ruptura com o teatro clás-
sico. A partir dele, tornou-se impossível pensar em diálogos coloquiais entre atores
representando uma cena. O teatro moderno traz como característica principal a ne-
gação da comunicação e da troca dialógica, uma crise em relação ao drama.
Passadas várias décadas, hoje, na cultura digital, a dramaturgia não é mais exclusi-
vidade da milenar arte teatral, pelo contrário. O Teatro emancipou-se da Literatura e
exerce sua total autonomia. As criações dramatúrgicas ocupam o nosso cotidiano: as
novelas, os filmes, os seriados, os quadrinhos, os jogos digitais, vídeos do Youtube,
VTs publicitários, até mesmo os programas jornalísticos, de comportamento ou de
auditório, no rádio, na televisão e na internet, utilizam-se da escrita dramática.
A obra originalmente escrita em Paris em 1956 para ser interpretada pelo ator e dan-
çarino Deryk Mende buscava revelar os desejos frustrados de alcançar o mínimo de
conforto e alimento, representado por um homem que persegue incessantemente e
em vão a sombra de uma árvore e água.
A peça Play – Deseja Jogar? é uma adaptação desta peça do teatro moderno oci-
dental para uma peça interativa de dança digital contemporânea. Pode ser vista, de
acordo com a categorização de Pavis8, como uma variante de teatro intercultural.
Por tratar de questões referentes a violência de gênero nas redes sociais é, a um só
8 PAVIS, Patrice. Intercultural Theatre today (2010). Forum Modernes Theater (FmTh), ISSN: 0930-
5874 (Print), ISSN: (e-journal), Publisher: Gunter Narr Verlag. P. 8-10.
1128
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No período das eleições presidenciais de 2018, no Brasil, foi possível perceber que
com o auxílio da internet, a credibilidade das informações propagadas deslocou-se
dos veículos tradicionais como rádio, televisão e jornais impressos para as platafor-
mas digitais nas redes sociais, formatando as antigas relações de comunicação para
esses novos ambientes. O compartilhamento de materiais era composto por poucas
palavras, o que aumentou o alcance de sua propagação e que muitas vezes eram
hostis a determinados grupos minoritários.
9 HYPER-REALITY. Direção: Keiichi Matsuda. Produção: Fractal. Medellín. 2016. (6m15s). Disponível
em: < https://www.youtube.com/watch?v=YJg02ivYzSs >. Acesso em: 10 set. 2019.
1129
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dramaturgia hipertextual
A dança digital demanda um pensar coreográfico diferente do modo tradicional de
composição em dança e seus modos de fruição, ela é interativa em relação a suas práti-
cas, técnicas e poéticas, durante o processo de criação ou no seu produto final, seguin-
do os traços da performance. É uma modalidade contemporânea de arte eletrônica
interativa e como tal, incorpora ideias composicionais e instrumentos, tais como câ-
meras, vídeo-projetores, microfones, sensores, sintetizadores e/ou software, buscando
explorar novas formas de experimentação artística entre o real e o virtual.10
Tomamos como mote uma hierarquia simples de construção para traduzir artistica-
mente e livremente a obra de Beckett. Escolhemos trabalhar com três personas reais,
O Controlador, O Operador e O Realizador. O realizador – (intérprete da obra) aquele
que tudo executa sem questionar absolutamente nada; O controlador – (alguém se-
lecionado aleatoriamente na platéia) seria aquele que escolhe todas as opções ofer-
tadas durante o espetáculo, levando a responsabilidade pelo caminho dramatúrgico
percorrido, O operador – seria a pessoa a operar as partes técnicas do espetáculo,
sem interferir nas escolhas do controlador.
10 M MISI, Mirella; SISTEMAS DE REALIDADE AUMENTADA COMO AMBIENTES PARA A DANÇA CON-
TEMPORÂNEA; Dança, Salvador, v. 1, n. 4 p. 11-24, jan./jun. 2015.
1130
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A narrativa inicia-se como em um jogo de arcade, fazendo uma alusão aos jogos de
video game dos anos 80. A primeira cena apresenta um homem preso dentro de
uma tela, da qual ele não consegue sair. O homem fica imóvel por um breve momen-
to, enquanto as regras do jogo proposto projetam-se sobre ele. Uma pessoa é sele-
cionada aleatoriamente na platéia e o sistema lhe pergunta se há da parte da mesma
o desejo de jogar. Respondendo não, a pessoa escolhe outra pessoa da platéia. Res-
pondendo sim, a pessoa passa a escolher tudo no espetáculo: o figurino, as imagens
projetadas, os tutoriais virtuais, as coreografias que irão compôr a performance. Isto
revela nossa falta de privacidade e arbítrio quanto ao uso dos nossos dados pessoais
nas redes sociais da web. Gerenciados por software de controle existentes em to-
dos os aparelhos eletrônicos e plataformas da cultural digital, hoje nos encontramos
muitas vezes atravessados por sua teia invisível de entretenimento.
1131
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na sala de ensaio do projeto foi fixado um tecido de cor verde vibrante, criando
um Chroma Key improvisado, o que tornou possível, na fase de edição, retirar e
acrescentar diferentes fundos e efeitos. Para criar o sistema de controle e operação
do espetáculo foram criados em torno de 8.000 arquivos midiáticos, entre imagens
estáticas, vídeos e composições sonoras.
Fonte de inspiração foi também o trabalho do diretor teatral Felipe Hirsch em seu
espetáculo Avenida Dropsie. Esta obra, inspirada nas Histórias em quadrinhos (HQ)
1132
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de Will Eisner, utilizava projeções em tela transparente, criando uma película sobre
o cenário e os atores. Eram projetados os pensamentos dos personagens em deter-
minadas cenas, aludindo a um HQ, e criando uma tela com uma textura de cartoon
em diversos momentos.
Just Dance, mesclando dança e captura de realidade para jogos virtuais, nos provo-
cou questionamentos quanto a modos de criação de cenas com projeções de dança
digital junto ao intérprete presente na realidade atual.
Resultantes Programadas
A criação de Play – Deseja Jogar? se solidificou sobre um determinado contexto polí-
tico histórico que atravessa diretamente os sujeitos que estão envolvidos no projeto,
desde sua composição até sua finalização. Sendo o resultado cênico e acadêmico fru-
tos e resposta desse contexto político, o espetáculo vem como uma forma reativa que
foi vivido durante seu período de criação. O objetivo central era fazer uma tradução da
obra, mesclados com os sistemas de realidade aumentada. A princípio a dramaturgia
seria trazer uma realidade nordestina brasileira com suas histórias sobre a seca, a fome,
o sol escaldante e trabalho quase escravo que eram feitas em lavouras alguns anos
atrás no sertão nordestino. Essa realidade seria construída com luzes ofuscantes in-
terativas, vídeo dança sobre esses espaços mapeados criando um ambientes híbrido.
Sendo assim, optamos por tratar da questão da violência de gênero nas redes so-
ciais. Vivemos hoje, na cultura digital, em um mundo no qual o ser humano vive
dependente das relações virtuais. Controlado, de modo quase imperceptível, por
sistemas de controle de dados, por sistemas de likes, por perfis e Fake News(notícias
falsas), a maioria dos usuários acredita estar protegida e livre, não sendo afetada.
1133
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Essa forma com a qual o espetáculo foi construído, possibilita que a ressignificação
fique a cargo também do espectador, mantendo os caminhos abertos de acordo com
o entendimento de Amorim em seu artigo sobre a análise e traduções em obras
literárias para o audiovisual.11 O autor cita que os processos de tradução, adaptações
e apropriações ficam a cargo do artista ou grupo criador, porém utilizamos da tradu-
ção de seu conceito para afirmar que os caminhos também ficam abertos para que o
público possa realizar interferências na obra, no caso de performances e espetáculos
cênicos, que mantenham suas portas abertas.
Menezes ao escrever sobre tradução e/ou adaptação intersemiótica diz que “a tra-
dução é inerente à humanidade, a começar pela percepção circundante, através do que
dados da realidade são traduzidos em signos no intelecto”12 (sic), nesse sentido as tra-
duções em forma verbal que se deram durante as conversas pós-espetáculo, foram
temas que saltaram de acordo com o sujeito que estava sendo interlocutor.
1134
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul.
Coimbra. Edições Almedina SA. 2009
BECKETT, Samuel; Act without Words. Grove Press, New York, 1958.
PAVIS, Patrice. Intercultural Theatre today (2010). Forum Modernes Theater (FmTh),
ISSN: 0930-5874 (Print), ISSN: (e-journal), Publisher: Gunter Narr Verlag. P. 8-10.
13 SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. Coimbra.
Edições Almedina SA. 2009
1135
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MISI, Mirella e PIMENTEL, Ludmila. Sobre as ideologias da arte interativa. #16. ART: En-
contro Internacional de Arte e Tecnologia: Artis intelligentia:Imaginar o Real. Editora
i2ADS: Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade. 2017. pg 194 – 200.
PIMENTEL, Ludmilla e MISI, Mirella. ARTECH 2015 Creating Digital E-motions: Procee-
dings of the 7th International Conference on Digital Arts. Artech International: 2015,
Óbidos – Portugal, pp.239-244. Prize Best Short Paper.
1136
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Douglas de Paula1
Investigando o Alcance do Sublime nas Artes Digitais
Investigating the Reachment of Sublime in Digital Arts
Resumo
Admitindo esteticamente o belo como lugar em que a forma conseguiria en-
cerrar o conceito e o sublime como a categoria em que o conceito escaparia à
forma, conduzindo-a, muitas vezes, à abstração, não seria difícil imaginar o desa-
fio das artes digitais no sentido de “revelar” o sublime ao espectador. Esse subli-
me parece depender de explicitar o meio que veicularia essas artes. Estaria esse
meio claro para o espectador ou este tenderia a fazer a leitura dessas obras pelo
viés do belo? Quais os desafios de se tentar fazer o sublime alcançar o especta-
dor? São questões que o presente trabalho pretende abordar à luz do confronto
entre a categoria de sublime tecnológico e uma amálgama de impressões colhi-
das de expectadores acerca do contato com meu trabalho artístico digital em
algumas exposições e de experimentos mentais de fruição imaginada, fenome-
nologicamente orientados e de autoria própria, em torno de obras de referência
no campo da arte “informática”.
Palavras-chave: sublime, comunicação, arte digital.
Abstract
Aesthetically thinking the beautiful as the way the form would catch the concept
and the sublime as a category in which the concept would escape from form, of-
ten leading it to abstraction, it wouldn’t be hard to imagine the challenge of digital
arts trying to “reveal” the sublime to the spectator. This sublime seems to depend
on explaining the media in which these arts go. Would be this media clear to the
spectator, or he would tend to see these arts by the lens of beautiful? What would be
the challenges of trying to make the spectator perceive the sublime behind? That are
some questions which the present work intend to approach by confronting the cat-
egory of technological sublime and a set of impressions taken from spectators that
already have been in contact with my artistic work in some exhibitions and from
mental experiments of imagined fruition, phenomenologically oriented and of my
1 Douglas de Paula é Doutor em Arte pela Universidade de Brasília/UnB, professor do Curso de Artes
Visuais da Universidade Federal de Uberlândia/UFU e, atualmente, coordenador do Museu Univer-
sitário de Arte/MUnA, também da UFU. Sua pesquisa faz-se entre campos do conhecimento como
Arte, Estética, Comunicação, Design e Computação. Maiormente, compõem a linguagem de sua pro-
dução artística luz e imagens em movimento.
1137
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Na esteira de Costa, em sua categorização das artes eletrônicas, Frank Popper (1993,
pp. 124-137) localiza no sublime tecnológico do autor diversos trabalhos de arte. No
entanto o discurso dos autores para a defesa dessa localização parece demasiada-
mente racionalizada e pautada num conhecimento prévio próprio acerca dos traba-
lhos, senão, quando muito, na poiesis2 do artista e não na percepção ou aithesis do
público. Nesse sentido, como chamar de reflexões estéticas considerações alheias à
percepção? Para melhor entender o ponto, parece recomendável retomar categorias
presentes nas definições de belo e sublime.
Friedrich Schiller (1990, p. 81) fala do belo como apuração de “forma viva”, uma ope-
ração que extrapolaria o impulso sensível se apercebendo da vitalidade na mes-
ma medida em que o impulso formal abarcasse a forma e seria, na verdade, uma
amálgama na qual a apuração da forma, própria ao entendimento, seria conduzida
à sensibilidade no mesmo passo em que a apuração da vitalidade, própria à sensi-
bilidade, fosse levada ao entendimento3. No sublime kantiano, não haveria apura-
ção de forma sequer (Kant, 1993, pp. 90-91 como citado em Santaella, 1994, p. 55)
e, em Schiller (2011, pp. 21-22), o sublime corresponderia justamente à apuração
de uma ruptura irreconciliável entre a sensibilidade e o entendimento, embora, em
Immanuel Kant (como citado em Santaella, 1994, p. 55), ele seja derivativo dessa
2 Hans Robert Jauss (1979, p. 101) fala de poiesis, aisthesis e katharsis. A poiesis seria o trabalho pelo
qual o artista se familiarizaria com o mundo, o seu prazer de fazer. A aisthesis estaria no próprio ato
perceptivo que faz os reconhecimentos, operando tanto do lado do artista, o que ele observa ao
fazer a obra, quanto do lado do receptor de frente dela. A katharsis seria a transformação provocada
pela obra, também podendo operar tanto do lado do artista quanto do receptor.
3 Schiller explica que a beleza não se estende nem se encerra ao âmbito do que é vivo. Não seria da
vida biológica que estaria a falar, mas, provavelmente, de uma vida na percepção. Para o autor, um
bloco de mármore poderia ser forma viva, e um homem, não, embora este viva e tenha forma. Nesse
sentido, o conceito de forma viva, trazendo intencionalidade mesmo à matéria inerte, parece re-
montar ao conceito de significante fraturado, de Wolfgang Iser (1979, pp. 110-112), ou de estranho,
em Sigmund Freud (1976, pp. 275-276, 308-313); casos em que uma presença alhures pareceria fun-
dida à matéria na qual não se pudesse constatar senão a ausência mesma do que se presentificasse
na percepção. Assim, o estranho poderia ser entendido como viés do belo.
1138
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Comecemos, então, com Image of the Valley, do artista Jean-Claude Anglade, men-
cionado por Costa (1995, p. 38) e Popper (1993, p. 129). Em 1987, Anglade propôs
projetar um desenho na fonte de Quattre-Pavés, estrutura monumental com cerca
de 35 metros de altura, situada no meio de uma rotatória com quatro vias morrentes,
no município de Noisiel, França. O referido desenho formava-se pela participação
dos habitantes da vila de Marne-la-Vallée, a cerca de dois quilômetros e meio da
Quatre-Pavés; ambas a aproximadamente 30 km de Paris. A participação consistia
em enviar sinais gráficos por meio de terminais públicos de computador; na época,
os miniteis - normalmente usados para fins comerciais na França, para operações tais
como consultas bancárias. Os sinais gráficos enviados iam então se justapondo de
modo a perfazer o desenho que era projetado.
1139
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para a sequência, assumamos, para o instante, o lugar de alguém que tivesse par-
ticipado da formação do referido desenho em algum momento. Pela distância de
Marne-la-Vallée a Quatre-Pavés, uma visão da fonte a olho nú não seria possível. Sem
alguma visão da fonte, como se poderia entender a própria participação, ver-se, de
algum modo, no processo ou tentar “comunicar-se” ou realizar alguma modificação
que partisse do já estabelecido por outros até então? É preciso admitir que, sem al-
guma visão do desenho em formação, a experiência do participante não teria como
ser esteticamente produtiva sob que categoria fosse. Assim, alguém que houvesse
experimentado esteticamente a operação de uso do terminal teria de ter tido acesso
a alguma forma de “televisualização” da Quatre-Pavés no momento de sua interfe-
rência via terminal, pois, para uma tal experimentação, somente desse modo, pode-
ria provar o necessário engajamento no ato proposto. Nesse caso, sua interferência
não poderia ser qualquer, mas, sim, pensada de alguma sorte, fosse para modificar
o que já estivesse estabelecido, fosse para deixar o gancho para uma próxima in-
tervenção, pois, apenas num desses casos, poderia ver-se como parte do processo,
já que, se nele desaparecesse de algum modo, também o sentido da participação
em si mesma estaria para ele perdido. Contudo como tal percepção da própria par-
ticipação poderia se dar sem que o interventor encontrasse uma forma? Mas, ora,
encontrar uma forma não o lançaria ao campo de potencialidades do belo e não do
sublime? Claro é que ele poderia tentar a comunicação por algum símbolo4, caso em
que, a menos que conseguisse alguma forma de deslocamento deste no conjunto,
estaria lançado para fora do campo de uma comunicação aberta ou expandida e,
logo, mesmo da possibilidade do belo. Desse modo, por uma evitação do completo
alijamento do belo ao menos, é preciso considerar que ele estivesse buscando alte-
4 A partir de Charles Sanders Peirce, Santaella (1994, p. 162) lembra que o símbolo depende de uma
convenção ou lei de que ele é portador.
1140
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
rar o conjunto de modo a expressar algo que não pudesse ser claramente dito5, algo
que se incrustasse na forma e pudesse ser por outrem sentido à sua própria maneira.
5 Kant (como citado em Santaella, 1994, pp. 52-56) concluiu que, no belo, seria indefinido o virtual
entrelaçado ao sensório.
6 Não que esse espectador estivesse impedido de ter a atenção capturada por algum estímulo sen-
sório mesmo em condições desfavoráveis, pois é preciso admitir que esse processo de captura pode
variar muito de indivíduo para indivíduo.
1141
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em favor da chance de uma atenção mais dedicada e, portanto, de uma maior po-
tencialidade estética da experiência, fechemos um tanto as possibilidades. Vejamos
nosso espectador hipotético caminhando à noite - que é quando as projeções de
Anglade poderiam ser bem vistas -, a cerca de 200 metros da Quatre-Pavés, indo na
direção da fonte, por alguma de suas vias morrentes. Imaginemos que ele tenha visto
a projeção no monumento e que ela lhe tenha chegado à consciência. Melhorando
as chances estéticas da hipótese, consideremos que esse espectador tivesse fixado
sua atenção a ponto de perceber os padrões geométricos componentes do desenho
em formação na fonte e não simplesmente descartado da consciência, quase ime-
diatamente, o que tivesse visto no monumento ou este em si mesmo, desviando,
rapidamente, sua atenção para outro evento ou movimentação própria às ruas, caso
em que lhe seria difícil alguma espécie de aprofundamento ou construção de senti-
do7. Ainda assim, poderia apenas se ter reconfortado com o pensamento de que se
trataria de mais um distrativo ou campanha de iniciativa da prefeitura local, talvez
em associação com alguma empresa. Essa certeza sobre o emissário da mensagem
e sua intenção concorreria para a circunscrição do significante num significado8 uní-
voco, transformando, na verdade, o signo pertinente em símbolo. Isso lançaria por
terra mesmo a possibilidade do belo, pois lembremos que, nele, com Kant (como
citado em Santaella, 1994, pp. 52-56), o virtual correspondente ao estímulo sensório
seria indefinido e inextricavelmente ligado a esse sensório.
Então, para incrementar ainda mais as oportunidades estéticas da hipótese, é preciso su-
por que o caminhante que se aproximasse da Quatre-Pavés assim o fizesse não apenas
para cumprir seu caminho, mas também porque a fonte teria capturado seu interesse
sem que ele soubesse especificar por quê. Num tal caso, seria provável que o significa-
do ainda não se tivesse fechado para ele, embora encontrado de alguma forma. Assim,
algum acesso ao belo seria possível até então. Nesse sentido, o interesse poderia estar
focado tanto no corpo iluminado da Quatre-Pavés quanto ter resultado de um “mergu-
lho” no desenho, em que se recortasse9 dele para si alguma parte e/ou elemento. Há re-
gistros imagéticos desse desenho em formação, por exemplo, em Popper ( 1993, p. 129).
A partir desses registros, sabe-se que houve momento em que o desenho se formava
segundo uma padronagem geométrica e de cores bastante saturadas, aparentemente
sem referenciação figurativa. Como sabido a partir das experiências do Abstracionismo
1142
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
e do Minimalismo, comentadas, respectivamente, por Giulio Carlo Argan (1992, pp. 316-
330) e Georges Didi-Huberman (1998), o geometrismo está longe de ser delimitador dos
significados, portanto sem poder, necessariamente, funcionar como atenuante de uma
potência de belo na experiência. Desse modo, as potencialidades do belo permanece-
riam na experiência hipotética na medida em que se mantivesse a possibilidade de se
dar com um significado expandido, indefinido, “nubloso”, podendo sua “forma-signifi-
cante” correspondente variar muito de indivíduo para indivíduo, de experiência para
experiência. Um poderia ficar com um trecho geométrico do desenho projetado; outro,
com o contraste da luminosidade de todo o quadro com a noite; um terceiro, com uma
fusão dessa luz ao “corpo-ser” da Quatre-Pavés; um quarto, com o emergência de outro
contexto geral com relação ao contexto habitual do lugar não interferido etc. Mas como
o sublime poderia emergir numa hipótese semelhante a esta última em exame?
Costa (1995, pp. 37-38) justifica o sublime tecnológico no trabalho de Anglade por
vê-lo num grupo de obras que proporiam a dissolução do sujeito numa espécie de
éter coletivo. Nesse sentido, emergem as seguintes questões: por que ponta sensó-
ria do trabalho estaria o espectador sofrendo a operação de redução do humano
própria ao sublime? Quando enviasse seus sinais por um dos terminais? Quando
visualizasse a Quatre-Pavés? O que poderia haver de aterrador nessas operações?
Quais seriam as chances de ele perceber no desenho projetado alguma espécie de
autonomia formativa alienada de si ou do humano? Se essa autonomia lhe fosse
apenas informada, racionalizada, sabida e não sentida, não seria correto entender
sua experiência pelo campo do sublime.
1143
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Assim, parece preciso questionar o ponto de vista de Popper também sobre o trabalho
de Philippe. Recorramos, uma vez mais, à fruição imaginada: pensemos num espec-
tador que tivesse uma vista do trabalho do artista muito próxima do registro no livro
de Popper (1993, p. 130). Com base na descrição de Popper, esse espectador, ou veria
uma coroa de “estrelas” próxima do horizonte, ou algo como um cometa saindo de
um lado dele e reentrando de outro, numa trajetória em arco. Nesse sentido, parece
necessário perguntar o que, exatamente, permitiria apurar nesses quadros distâncias
descomunais ou a velocidade da luz. Mais: num tal caso, o que estaria a obra revelan-
do que as estrelas não pudessem? É certo que uma consideração sobre a velocidade
da luz poderia ganhar mais interesse pelo conhecimento de que uma determinada
estrela estivesse a anos-luz de distância de nosso planeta, por exemplo, contudo es-
tar-se-ia partindo de um conhecimento e não de uma experimentação dos sentidos,
numa direção contrária à recomendada por Didi-Hubberman, para quem, olhar a obra
pediria voltar, justamente, “ao mais simples [...] às evidências obscuras do começo” [...]
ao que nosso saber não pode esclarecer” (DIDI-HUBERMAN, 1990, p. 26, tradução nos-
sa)10. Imaginemos, então, como poderia se dar a experiência com a obra de Philippe
sem o conhecimento acerca de sua estruturação por satélites.
10 Il faut pour cela revenir au plus simple, c’est-à-dire aux obscures évidences de départ. Il faut laisser
um moment tout ce que nous avons cru voir parce que nous savions le dénominer, et revenir désor-
mais à ce que notre savoir n’avait pas clarifier.
1144
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
11 Ainda que esse espectador tivesse escolaridade reduzida e não conhecesse mesmo as formas ge-
ométricas, o arqueamento não lhe seria, necessariamente, alheio, uma vez que poderia o reconhecer
no contorno da tampa de uma panela ou como posição potencial no próprio corpo.
12 Para falar de formas de associação, Charles Sanders Peirce (2005, p. 46) utiliza o conceito de signo.
Um signo seria a relação entre uma ideia ou interpretante e algum aspecto de um objeto; aspecto
escolhido segundo um fundamento. O interpretante podendo ser também outro signo. Para falar da
relação entre o signo e seu respectivo objeto, Peirce (2005, p. 52) cunhou as categorias: ícone, índice
e símbolo. Um signo seria um ícone quando se associasse ao objeto em virtude da igualdade - ou
analogia - de caracteres entre eles. Um signo seria um índice quando se ligasse ao objeto em razão
da possibilidade de sofrer deste alguma forma de interferência - ou vizinhança. Um signo seria um
símbolo quando se associasse ao objeto por meio de uma lei ou determinação – prévia.
1145
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
arco no céu como portal. Mais que isso: por alguma razão, ele o teria sentido como
tal, como se, passando por ele, pudesse encontrar, do outro lado, um mundo onde
tudo lhe seria diferente. Imaginemos que tal sentimento fosse tal que ele desejasse
caminhar na direção desse arco para com ele continuar sonhando acordado ainda
que sua razão lhe dissesse que jamais o alcançaria. Esse desejo poderia indicar, por
exemplo, que não teria querido abrir mão do prazer, fosse do transbordamento de
uma imaginação que não cessasse de considerar tudo quanto pudesse ser do outro
lado do “portal”, fosse da sustentação do balanço entre uma razão que lhe dissesse
que coisas do gênero não seriam possíveis e uma sensibilidade que com ela insistis-
se em teimar. Em todo caso, tratar-se-ia de uma forma de indelimitação do virtual/
significado conexo à experiência, o que nela deixaria aberta a via de acesso ao belo;
aliás, num de seus mais interessantes veios: o fantástico13.
Até então, neste artigo, foram examinados exemplos que poderiam ser encaixados
em duas das subcategorias reclamadas por Costa (1995, pp. 38-42) para seu sublime
tecnológico: 1) o sublime na dissolução do sujeito e 2) o sublime na domesticação
do imenso na natureza. No sentido de contemplar mais subcategorias do autor, po-
deríamos ainda considerar o que seria passível de se chamar o “sublime da virtuali-
dade”. Nessa subclasse, Costa (1995, pp. 48-51) teria destacado a imagem de síntese,
apontando a incomensurabilidade do virtual que nela se encerraria e seu completo
descolamento do “matérico-vital” próprio ao ser humano.
13 Maria João Simões (2007, p. 66) lembra que o fantástico pode ser pensado como modificação do
belo. A autora fala do fantástico na literatura, mas lembra que ele extrapola esse domínio e emerge
diversas vezes em outras artes. Fala primeiramente do fantástico como experimentação de dúvi-
da inquietante no sentido de conciliar dois entendimentos contraditórios sobre um mesmo evento
(2007, pp. 68-69).
1146
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ora, hipóteses dela parecem já bem esboçadas em Paula (2004, pp. 90-92), em fa-
las sobre aproximações possíveis com as deformações imaginárias apontadas por
Gaston Bachelard (2001, p.5). Nesse sentido, poderia esse espectador se teleprojetar
numa tal realidade virtual e se sentir, de certo modo, abraçado pelos laços espirais
a dilatarem-se progressivamente? Sentir-se-ia, nas palavras de Bachelard (2001, p.
107), como uma alma terrestre, que gostaria de se defender dos vórtices, ou como
uma alma aérea, que desejaria se precipitar, sem temor, para o alto? Ou alterar-se-ia
no “ser-síntese”, também trazido por Bachelard, da ascensão e do aprofundamento,
da terra e do ar num só ato (Paula, 2004, p. 90)? Quem sabe, ao embalo do som e do
movimento vigoroso das espirais, alterar-se-ia ele no ser que Bachelard (2001, pp.
160-161) advinha na imaginação nietzschiana: o desafiante do ar, aquele cujo arrojo
seria, antes, muito mais uma ofensiva contra o céu que uma paúra da terra? Acederia
ele à sensação desmaterializante, também citada por Bachelard (2001, p. 65) como
excelência do elemento ar, ao esperar até o instante em que as partículas estivessem
tão distantes que o “céu”, o vazio, suplantasse-as (Paula, 2004, p. 91)? E se, porventu-
ra, o atrevimento previsto por Bachelard para um eventual desafiante do ar emergis-
se em nosso espectador hipotético como introjeção de uma forma de vigor por ele
percebida na cinética e fotônica da imagem? Uma eventual identificação ou fusão
psicológica com a imagem sem prejuízo da apuração perceptiva dos pólos “aqui-
-dentro” e “lá-fora” envolvidos traria grande potencialidade estética à experiência,
numa provável apuração do belo pelo viés do estranho, com as devidas mesclas pró-
prias a essa forma de potencialidade: “aqui e lá”, “dentro e fora”, “aqui-fora”, “lá-dentro”,
“aqui, um outro”, “lá, fora, eu” (Paula, 2017, pp. 263-268). Nesse sentido, não estivesse
ainda a experiência bastante sujeita mesmo à total queda estética, não pareceriam
as potencialidades do belo nela mais plausíveis ao espectador que as do sublime?
1147
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
blemas sinalados, na relação da obra com público, por Bernard Stiegler (2007, p.
55) e Avelina Lésper (2011, 2012).
De fato, nas exposições de que já tomei parte, nunca dei com algum espectador que
não houvesse sido capturado senão pela visualidade de meus trabalhos artísticos.
Não raro, as expressões “que bonito” e “que lindo” emergiam espontaneamente e,
frequentemente, estavam associadas a participações bastante engajadas, sobretu-
do no caso de trabalhos interativos. É certo que não necessariamente o uso dessas
expressões valida o êxito estético de contatos com trabalhos artísticos (Paula, 2017,
p. 216), mas, certamente, não corresponderiam ao embaraço próprio à égide do su-
blime. Aliás, pude ainda advinhar um fenômeno interessante em alguns casos de
fruição com trabalhos meus nessas exposições: a expressão de desinteresse e/ou de-
cepção quando começava a desfilar para algum espectador os bastidores dos traba-
lhos; muito provavelmente, porque, simplesmente, ele não conseguia uma conexão
consistente entre o visível e os conceitos por mim colocados, esse virtual narrado, a
ciência de algoritmos que incrementavam infinitamente parâmetros de uma espiral
ou criavam formas indefinidamente segundo as interações dele mesmo, por exem-
plo. Contudo não parece razoável descartar a hipótese de que certos espectadores
se teriam comprazido, de fato, justamente, numa apuração recíproca da forma e seu
virtual indelimitado, mais própria ao belo.
Por fim, não haveria uma cisão incurável no termo “domesticação do sublime”, usado
por Costa (1995, p. 40) e Popper (1993, p. 130)? Ora, se extrapolar o humano é a mar-
ca mesma do sublime, domesticá-lo não corresponderia, precisamente, à supressão
de sua condição própria, formativa? Ainda mesmo a asseidade que Costa (1995, p.
46-51) assinala para a imagem de síntese com relação ao mundo e à vida pode ser
questionada, na medida em que, frequentemente, o artista não pode produzir com
tal imagem sem recorrer a seu virtual próprio, sua memória, sua imaginação. Talvez,
nisso, houvesse algum tipo de ironia, pois o mundo e a vida perpetrariam, de alguma
sorte, a imagem de síntese, sem a “tocar”, por meio da poiésis humana.
Referências
ARGAN, G. C. (1992). Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras.
1148
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
DIAS, K. (2010). Entre Visão e Invisão: Paisagem [por uma experiência da paisa-
gem no cotidiano] (1. ed). Brasília: Programa de Pós-graduação em Artes / VIS da
Universidade de Brasília – UnB.
DIDI-HUBERMAN, G. (1998). O que Vemos o que nos Olha (1. ed.). São Paulo: Editora 34.
ECO, Umberto (1994). Signo. Tradução Francisco Serra Cantarell (2. ed). Colombia: Letra e.
ISER, W. (1979). O Jogo do Texto. In JAUSS, H. R. et al. A Literatura e o Leitor (2. ed).
Rio de Janeiro: Paz e Terra.
1149
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
POPPER, F. (1993). Art of the Eletronic Age. London: Thames and Hudson.
SCHILLER, F. (1990). A Educação Estética do Homem (1. ed.). São Paulo: Iluminuras.
1150
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O artigo trata de metodologia aplicada em aulas de fotografia de estúdio nas
quais o emprego da leitura de poemas induz ao processo criativo. Às leituras, em
verso, ou em prosa, objetiva-se associar o exercício fotográfico com interpretação
de texto para formação da imagem poética/discursiva, obtendo-se, assim, o pro-
duto imagem como resultado da reflexão textual. Denominada “Composto poéti-
co”, a metodologia cumpre o objetivo de desenvolver a elaboração e a construção
da cena fotográfica, a qual se processa sob sínteses imagéticas, da poesia à foto-
grafia, estrutura fundamentada no princípio da interdisciplinaridade de conceitos
artísticos para os quais se pretende atingir reminiscências do imaginário que pro-
porciona ao estudante resgatar elementos da paisagem lembrança pertencente
ao contexto simbólico do seu universo pessoal. Os exercícios seguintes dão-se
pela interpretação de uma música, para novos personagens e cenários. O terceiro
exercício é de caráter livre, uma etapa na qual o processo criativo já está instalado.
Palavras-chave: composto poético, fotografia de estúdio, poesia, processos
fotográficos.
Abstract
The article deals with the methodology applied in Studio Photography classes
in which the use of poetry reading induces the creative process. The readings,
in verse, or in prose, aim to associate the photographic exercise with interpreta-
tion of text for the formation of the poetic/discursive image, thus obtaining the
product image as a result of the textual reflection. Called “Poetic compound”, the
methodology fulfills the objective of developing the elaboration and construc-
tion of the photographic scene, which is processed under imagetic syntheses,
from poetry to photography, structure grounded on the principle of interdisci-
plinarity of artistic concepts for which it is intended to achieve reminiscences
of the imaginary which provides the student to redeem elements from the sou-
venir landscape belonging to the symbolic context of his personal universe. The
1 Doutor em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes/UFRJ (2016); Professor Adjunto I, Escola de Belas
Artes da Universidade Federal da Bahia; edgardjunior@ufba.br / edmolivagmail.com; +5571/99974-
6080. Com prática na Fotografia Artística, tem realizado diversas exposições no Brasil e exterior. Tem
atuado como curador de exposições de fotografia em espaços públicos e privados.
1151
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
following exercises are given by the interpretation of a song, for new characters
and scenarios. The third exercise is a free character tipe, a step to which the cre-
ative process is already installed.
Keywords: poetic compound, studio photography, poetry, photographic processes.
Introdução.
O Composto poético traz a possibilidade da mediação do tempo vivido, da tem-
poralidade, do existir, da ação física do corpo, das experiências impostas pela ma-
nipulação da matéria associada à memória, ao metafísico, aos percursos de cada
cidadão. A proposta traz em seu conteúdo metodológico o estímulo ao processo
criativo e discursivo em sala de aula a partir da leitura poética e expansiva – da
poesia à imagem -, para uma revisão do nosso comportamento na sociedade con-
temporânea. Em um primeiro momento, apoia-se na escrita literária, tomando,
como ponto de partida e estímulo para a construção do pensamento reflexivo
a palavra, a poiesis da escrita, como gérmen para a imagem fotográfica, ou um
conjunto de imagens, que possuem em seu “histórico” signos culturais perten-
centes à sociedade contemporânea, sujeitos que nos interessam como processos
de absorção – autofagia –, que se externalizam por desabrochar em rachaduras,
interseções e enfrentamentos entre passado e presente diante da ação coletiva,
individual, social e política.
Desenvolvimento.
Na nossa percepção e a partir das experiências teórico-práticas desenvolvidas em
sala de aula, e em processo de (re)construção do método desde o ano de 2016, ten-
do como foco o caráter construtivo e poético da imagem fotográfica, procuramos
direcionar a disciplina Fotografia II-A, definida na ementa como “estudos da luz em
1152
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
estúdio fotográfico, tipos e qualidades dos filmes2, contrastes e cor na imagem para
produto de publicidade”. Como possibilidade de avançar para uma proposta de
conduto interativo e estritamente contrário à limitação do estudo teórico da técnica
para o processo fotográfico em estúdio, priorizamos estímulos criativos com expec-
tativa para a elaboração de uma imagem potencialmente discursiva. Numa percep-
ção geral, a imagem fotográfica, ou qualquer imagem a qual tenha sua origem a
partir de ações manuais/mecânicos através da mão do homem, como os processos
de gravação ou registros sobre suportes tecnicamente possíveis, a imagem resultan-
te deverá pertencer a uma atitude singular do pensamento, a qual o sujeito gerado
tenha potência de reverberar diante do contexto social e emergente da população.
O poeta e o fotógrafo se aproximam a partir do “corpo poético” invisível – metafísico
–, para o “corpo matéria” – sujeito –, possível de visibilidades. Segundo Navas (2017),
“A fotografia e a poesia são mais abissais do que sequenciais” (NAVAS, 2017, p. 21).
Define assim o autor citado em suas idiossincrasias a respeito das ocorrências das
imagens visíveis ou pertencentes ao imaginário. Entre o fundo abissal e a realidade,
instala-se eidos, instante de criação, ou seja, a indução, o preparar para a percepção
e construção da emergência da imagem, desejo de si – interior -, e desejo pela ima-
gem, ver em si, em exterior.
2 À época da criação da disciplina ainda não havia o emprego massivo das câmeras fotográficas di-
gitais, portanto, as aplicações teórico-práticas foram projetadas para filmes, tecnologia tratada até o
presente, embora atualmente trabalhemos com uma câmera digital, sem, contudo, abandonarmos
os conceitos analógicos.
1153
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sobre o acontecimento, Silvio Gallo o define como uma “forma de resistência” [...], e
completa: “Para resistir, é importante abrir-se ao acontecimento”; (GALLO, 2007, p.
39). Seguindo na premissa da resistência, buscamos na metodologia do Composto
poético a nossa propriedade para criar, para pensar, refletir e executar a produção
da imagem fotográfica com a equação: poema + leitura x música + leitura = execu-
ção do pensamento livre e construção da imagem que reverbera no outro corpo,
olhar atento. Procura-se, assim, sair do repetitivo, da linearidade do constructo, da
hegemonia do método simples, da fórmula pronta, do resultado fácil. Dirigimos a
proposta para um modelo de criação a ser exercido com os alunos que acorrem ao
aprendizado da fotografia e oriundos de diversos cursos da universidade, buscando
o grande incentivo à reflexão que, a partir do primeiro contato, é feita a seguinte
proposição: professor apresenta o método e aponta os ingredientes. Eles, estudan-
tes, constroem o bolo, sem receita pré-fabricada, mas com a massa consistente e o
desejo de dar certo. Os questionamentos, as dúvidas e os desafios vão surgindo no
processo do trabalho, com resistências pertinentes ao exercício, contudo, criativa-
mente reelaborados. Para tanto, nos alinhamos a uma afirmativa de Gallo: “Resistir
e criar. Essas são as possibilidades que nos abrem o cotidiano na escola, quando
escolhemos agir no fluxo dos acontecimentos.” (GALLO, 2007, p. 39)
O gatilho que fez dar início à aplicação do método foi a leitura de dois poemas im-
pressos em folha de jornal, guardados cuidadosamente por muitos anos sob forma
de recortes, em um velho envelope, arquivados em virtude da boa intenção dos
1154
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
versos. Após uma segunda leitura, refleti sobre os poemas. No primeiro me cha-
ma a atenção a presença do elemento “noite”, cuja obscuridade dos fatos também
é tratado como objeto da minha investigação de tese como espaço de ausências,
escuridão e medos, tensões e reflexões, na diversidade de ambientes com baixa lu-
minosidade ou da luz suave refletida em noite de lua cheia, uma luz que tem no seu
brilho ressonâncias poéticas. No segundo poema, a autora cita a “rocha”, elemento
de resistência, quase imutável, de difícil lapidação e que se desgasta no tempo na
longevidade da sua dureza. O vento, a água, o atrito, os atritos a decompõem.
Observando uma das estrofes do poema, a Autora 1 (Nádia Lopes)3 faz imersão na
significância dos fatos, cuja palavra tem léxico para sensações de paisagem memória,
coisas guardadas por nós. Vejamos:
“antigamente
as noites tinham
cadeiras nas calçadas
estrelas e grilos”
[...]
3 O recorte de poema da autora Nádia Lopes inserido neste artigo é de longa data guardado em
minha gaveta de recortes. Não possuo nenhuma outra referência sobre a continuidade do trabalho
da autora e, por essa razão, não a consegui identificar pelo sistema de busca na internet.
4 Idem para Célia Maciel.
1155
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dos exercícios
Após a leitura dos poemas mencionados acima, ambos funcionaram como gênese
para a metodologia a ser empregada nas aulas teórico-práticas. Partimos, assim,
para o primeiro exercício tendo como ponto de partida a reflexão sobre o significa-
do da palavra, do verso e do todo que contém a poesia. Aos alunos é solicitado que
façam uma leitura e reflexão a partir do conteúdo poético, da interpretação do ver-
so, do significado de cada palavra. Sim, a dimensão e o que reverbera da palavra
instaurada na poesia se torna imagem no corpo redutor do espaço e significado
imagético, produto visual e, quiçá, palpável, construído / manuseável. O processo
se expande através da lembrança, do afeto e do que toca no leitor observador os
significados da escrita, a poiesis e a temporalidade que emerge em cenas, coisas
do presente, objeto de análise para o produto imagético. Através da nossa pro-
posição a poesia resgata, imageticamente, algo/alguém, coisa(s), cujo significado
poderá estar associado a determinado fato simbólico, metafisicamente associado
à matéria, fazendo emergir da memória latente o propósito final da associação
1156
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1157
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A escolha inicial foi para a música “Terra”, de Caetano Veloso, canção elaborada a
partir da imagem da Terra fotografada pelo astronauta Willian Anders (1968), quan-
do “navegava” sob a órbita da lua. Composição que nos levou a refletir sobre a ro-
cha, a escuta, o isolamento, transformações no conhecimento, situações e valores
que desencadearam processos imersivos. Para o exercício, um dos grupos trouxe
a imagem de capa de revista que mostrava a Terra fotografada do espaço quando
os astronautas estavam na órbita do astro observado. Segundo o sítio TechBreak
(https://techbreak.ig.com.br), “A missão Apollo 8 foi a primeira a ter uma nave tripu-
lada a orbitar a Lua e retornar à Terra. [...]. Conhecida como “Earthrise”, ou “nascer da
Terra”, esta foto foi capturada em 24 de dezembro de 1968 durante essa missão”. A
imagem foi capturada pelo astronauta Willian Anders cujo registro pela NASA tem
a identidade AS08-14-2384. A Terra vista da Lua e a composição “Terra” de Caetano
Veloso trazem uma similaridade: explorar o desconhecido, imaginar o imaginário,
desbravar novos territórios, resignificar conceitos, sensações da terra natal no exílio,
emoções e mudanças de paradigmas sobre a Terra global. À época, a ditadura mili-
tar, no Brasil, limitava horizontes. Vejamos:
Figura 5 (esquerda): Imagem de autoria do astronauta Willians Anders, 1968. Crédito: Laboratório
de Análise e Ciência da Imagem, NASA – Centro Espacial Lyndon B. Johnson.
Figura 6 (direita): maquete para “Terra” produzida com globo de isopor e papietagem. Autorias:
Bianca Gonzalez, Lívia Domingues, Marcela Miranda e Naiara de Carvalho.
1158
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No Brasil, a edição de 18 de janeiro de1969 da revista Manchete também dedicou páginas duplas
à Earthrise. Encarcerado pela ditadura militar, logo após a edição do Ato Institucional n° 5 em
dezembro de 1968, o cantor Caetano Veloso, inspirado pela imagem publicada na revista, anos
depois compôs a canção “Terra”, lançada no álbum Muito (Dentro da Estrela Azulada). O composi-
tor exprimiu assim o acontecimento: ‘Quando eu me encontrava preso na cela de uma cadeia /
Foi que vi pela primeira vez as tais fotografias / Em que apareces inteira, porém lá não estava nua
/ E sim coberta de nuvens / Terra, Terra, / Por mais distante o errante navegante / Quem jamais te
esqueceria?’. (Fonte: Zum: revista de fotografia. Recuperado em Google, 28/08/2019).
Assim estava descrita imageticamente nossa mensagem: Terra, para que te quero!?
A música brinca com o trocadilho entre as palavras “cálice” e “cale-se”, muito pertinente para o
período de repressão dos anos da ditadura. Enquanto “cálice” remete à religião católica, ao reci-
piente sagrado que guarda o sangue de Cristo, “cale-se” indica um instrumento de opressão que
causa sofrimento. O primeiro contém o sangue que salva, o segundo, o sangue derramado. (Léo
KIKUCHI, Matheus CABRAL, Paula HOLLANDA e Rudá PERAZZO, período 2017.1)
Pai, afasta de mim esse cálice/Pai, afasta de mim esse cálice/Pai, afasta de mim esse
cálice/De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga / Tragar a dor, engolir a labuta / Mesmo calada a
boca, resta o peito / Silêncio na cidade não se escuta / De que me vale ser filho da
santa / Melhor seria ser filho da outra / Outra realidade menos morta / Tanta mentira,
tanta força bruta. (Chico Buarque/Gilberto Gil, 1973).
1159
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 7 e 8: Cenas para Cálice: fotografias do grupo constituído por: Léo Kikuchi, Matheus
Cabral, Paula Hollanda e Rudá Perazzo. (2017.1)
Para o grupo constituído pelos alunos AMANDA NARICI, ANDRÉ ANDRADE e JAMILE
MOURA, do período 2017.1, a inversão da imagem de uma mulher no líquido vinho
traz a mensagem da tortura, do clamor pela liberdade de expressão, pelo fim do
sofrimento impetrado aos cidadãos da época e de muitas limitações às expressões
individuais no Brasil. Vejamos o que narram da experiência:
Numa das fotos, obtivemos um resultado interessante a partir da refração dos braços da modelo
no vidro da taça, resultando num efeito fragmentado, que remete à ideia de descontinuidade,
quebra, ruptura, ausência de integralidade ou de autonomia, já que numa ditadura a pessoa tem
a liberdade tolhida ou, em outras palavras, tem os braços quebrados, metaforicamente ou não.
(Amanda NARICI, André ANDRADE e Jamile MOURA, período 2017.1).
1160
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para próximo período, 2018.2, ficou definido o título “Brasil”, música do compositor
Cazuza, estrutura poética que, apesar de quase trinta anos de “nascida”, ainda é de se
perceber verossimilhanças com a atual situação do país, estabelecendo, dessa ma-
neira, uma temporalidade histórica a partir das ações do passado e do presente, nas
quais percebemos perspectivas negativas no contexto social e político do país. Nes-
se estabelecer ligações, os estudantes identificaram na mensagem um amálgama
para reflexão dos acontecimentos atuais. Vejamos:
Figura 11 (esquerda), créditos: Amanda Lopez, Ana Paula Braz, Igor Carvalho B. Pereira e Joseane
Santos. Figura 12 (direita), créditos: Rodrigo Sá Barreto e Caroline Nascimento, 2018.2
Para o prosseguimento das nossas ações não nos interessa investigar, como produto
de nossas aulas, apenas a abordagem político-social. Afinal, vivemos, na Polis, imer-
sos numa sociedade de fazeres e afazeres, um drama humano. Sociedades soam de-
sigualdades, mesmo àquelas às quais catalogamos como importantes no ambiente
da natureza selvagem como as abelhas que visitam as flores em busca do néctar, dos
formigueiros que ocam terrenos para construírem seus ninhos, muitos deles com
escravização de outros insetos e até mesmo outras espécies de formigas, das tér-
mitas que perfuram a madeira mais dura para obterem o alimento e fugirem da luz
intensa, grupos de animais que vivem em sociedade e que são importantes para nós
e para todo o ecossistema planetário, ainda que se beneficiem de seus semelhantes.
1161
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A violência doméstica, pode manifestar-se nas suas formas física, sexual e psicológica, é um pro-
blema de saúde pública, relevante pela magnitude do número de vítimas, bem como pela enor-
me quantidade de recursos despendidos. A violência doméstica ainda pode assumir outras ver-
tentes, como abusos físicos, verbais, emocionais, econômicos, religiosos, reprodutivos e sexuais.
(Caroline NASCIMENTO & Rodrigo Sá BARRETO, período 2018.2).
1162
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
Nesses sete períodos de aplicação do método Composto poético pude verificar o
crescimento e o interesse dos grupos de estudantes pelo desenvolvimento da pro-
posta em sala de aula. Inicialmente percebo que há um certo estranhamento na ex-
pressão deles como se / me perguntassem: poesia em aula de fotografia? Sim, poe-
sia em aula de fotografia, a poesia como meio catalizador de emoções, de sensações,
de produções. O início, ou o composto poético em si, reúne elementos trazidos pelos
estudantes à memória a partir da leitura em sala de aula. Em alguns casos não reme-
tem à memória pessoal, de cunho familiar, mas aos contextos emergentes da socie-
dade contemporânea como o feminicídio, as segregações raciais, a liberdade de ex-
pressão na fala e, sobretudo, das identidades LGBTQi+, dúvidas e posicionamentos
da sociedade contemporânea que procura se libertar de pré-conceitos cultivados
no passado. Dessa maneira, a aplicação do Composto poético traz à luz do processo
criativo a práxis da reflexão, a reflexão para o nosso dia a dia, a reflexão para o nosso
fazer, uma reflexão para o que desejamos fazer com o produto final, como ele tocará
nossos canais de sensibilidade, o olhar do outro, as mudanças que poderão advir.
Foram sete práticas / períodos, ricamente produtivos, contando com o início que
denomino de primeira experimentação, ou o Composto poético propriamente, com
abordagem e orientação sobre o uso correto de equipamentos do estúdio fotográ-
fico. Em seguida procedemos a orientação para se trabalhar com determinada me-
lodia e sua respectiva letra, “matriz” ou “gérmen”, que faz desencadear o processo
criativo e intenso nos estudantes. No terceiro momento, sem indicação alguma do
1163
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sobre o “eu não quero ser professor”, mencionado na epígrafe inicial deste artigo,
concluo que não basta ser apenas professor, mas, sim, ser idealizador de novos mé-
todos, de explorar o diferencial, incentivar o aprendiz, estimulá-lo ao novo, para que
este aplique sempre um diferencial perante o outro, às futuras gerações de aprendi-
zes, antes que a robótica nos exclua.
Referências
BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e no-
vos tempos/ Ana Mae Barbosa. – 7. Ed. rev. – São Paulo: Perspectiva, 2009.
CAMARGO, Ana Maria Facciolli de. Cotidiano escolar: emergência e invenção. Ana
Maria Facciolli Camargo e Márcio Mariguela (orgs.) / Piracicaba: Jacinta Editores,
2007.
NAVAS, Adolfo Montejo [1954-]. Fotografia & Poesia (afinidades eletivas). São Pau-
lo: Ubu Editora, 2017; 224 pp.
1164
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar o projeto gráfico denomina-
do Brasil Zero-Zero (2019) que foi realizado pelo designer gráfico brasileiro
Gustavo Piqueira. Este projeto é um regaste da memória gráfica e visual da
política brasileira, na qual o designer realizou um levantamento visual sobre
diversas manifestações perceptíveis que variam entre os anos de 1982 e 85
em São Paulo, e 2018 no âmbito nacional. A abordagem deste projeto expla-
na sobre a tratativa da memória gráfica para com os objetos visuais, tanto
em sua materialidade quanto suas composições visuais e funções. Sendo as-
sim, sobre estas produções a partir da própria experiência do autor, expos
novas perspectivas e potências para as relações narrativas e imagéticas de
objetos efêmeros.
Palavras-chave: Design gráfico, Tecnologias gráficas, Memória gráfica, Gustavo
Piqueira, Limites do livro.
Abstract
This article aims to analyze the graphic project called Brasil Zero-Zero (2019) that
was made by the Brazilian graphic designer Gustavo Piqueira. This project is a re-
minder of the graphic and visual memory of Brazilian politics, in which the designer
made a visual survey of several noticeable manifestations that range from 1982 to
85 in São Paulo, and 2018 nationwide. The approach of this project explains about
the treatment of graphic memory with visual objects, both in their materiality and
their visual compositions and functions. Thus, on these productions from the au-
thor’s own experience, he exposed new perspectives and powers for the narrative
and imagetic relations of ephemeral objects.
1 Graduado em Design Gráfico pela Universidade Anhembi Morumbi (2017). Mestrando no curso de
Design, Arte e Tecnologia da Anhembi Morumbi. Possui experiência na orientação de projetos de
design gráfico acadêmicos nos campos editorial, sinalização, identidade visual e embalagem. Tem
experiência na área de Design Gráfico, com ênfase na prática de projeto e linguagem visual.
2 Docente e pesquisadora do PPGDesign da Universidade Anhembi Morumbi.
3 Docente e pesquisadora do PPGDesign da Universidade Anhembi Morumbi.
1165
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
INTRODUÇÃO
As formas dos artefatos não possuem um significado fixo, mas antes são expressivas de um pro-
cesso de significação – ou seja, a troca entre aquilo que está embutido em sua materialidade e
aquilo que pode ser depreendido delas por nossa experiência. (CARDOSO, 2016. pp.35-36)
Brasil Zero-Zero (2019) do designer gráfico brasileiro Gustavo Piqueira é uma in-
vestida de um regaste da memória gráfica e visual da política brasileira, tanto de
um passado recente quanto de um contemporâneo próximo. O projeto proposto
pelo designer do resgaste de materiais gráficos surge a partir de uma coleção
particular do próprio autor de panfletos, santinhos e broches que foram recolhi-
dos ao longo das eleições de 1982 para prefeito e de 1985 para governador de
São Paulo (capital). Sua narrativa explora em destaque o uso da imagem desvin-
culada de texto ou legendas e apresenta uma organização temporal a partir de
1982 nas eleições regionais até 2018 nas eleições nacionais. Na narrativa geral do
livro se misturam, materiais gráficos, ensaios fotográficos, grupos de Whatsapp
e eventos de Facebook.
O livro (fig.1 e 2) possui 120 páginas em uma dimensão de 30x20 cm é composto por
um exemplar impresso em três tipos de papeis com diferentes gramaturas que va-
riam entre 56 impressas em couché fosco 180 g/m2, 40 em offset 120 g/m2e 24 em
offset 56 g/m2 que se modificam ao longo do livro, um cartaz de 60x90 cm de uma
bandeira do Brasil inacabada a partir de um registro fotográfico feito pelo autor, um
envelope plástico que embala os dois objetos e uma etiqueta acoplada ao envelope
que carrega informações gerais do livro.
1166
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em mais de vinte livros publicados pode-se observar uma mistura de design, his-
tória, arte, literatura, uma discussão sobre os limites do livro impresso e um olhar
para o cotidiano a fim de encontrar possibilidades narrativas tanto textuais quanto
visuais, que testam as fronteiras da linguagem. A exploração da materialidade marca
presença em seus projetos levantando novas possibilidades para o livro impresso,
utilizando-se da combinação de materiais diversos, composições visuais múltiplas e
textos que são uma extensão da visualidade de seus livros.
1167
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como suporte teórico para abordar um projeto complexo que agrupa diferentes
campos de conhecimento do design gráfico foram alinhadas perspectivas que
apontam para compreensão do objeto de design quanto cultura, produção e lin-
guagem. Sendo CARDOSO (1998/2016), ONO (2004), FARIAS & BRAGA et al. (2018) e
QUELUZ et al. (2012) utilizados para o debate acerca da cultura material e memória
gráfica e para a linguagem e linguagem visual HALL (2016), LUPTON (2008) e RAN-
CIERE (2012).
AS COEXISTÊNCIAS
BURDEK (2006, p.230) já nos ensinou que o design é uma disciplina que produz realidades mate-
riais e comunicativas: os objetos nos contam sua história, contam como foram feitos, que tecnolo-
gia foi utilizada, de que contexto cultural foram constituídos. Poderíamos ir mais além, afirmando
que os objetos nos contam histórias das pessoas que projetaram, fabricaram, consumiram, usa-
ram, colecionaram, representaram, descartaram estas coisas. (QUELUZ et al., 2012. p.8).
Brasil Zero-Zero (2019) atua de forma a compor suas narrativas a partir de inúmeros
materiais, sejam eles gráficos ou digitais, de uma temporalidade atual ou de um pas-
sado recente de sua contemporaneidade. Diversos objetos visuais foram recolhidos
para compor a narrativa do livro que se apoia em quase sua totalidade a partir de
imagens, no qual o uso da linguagem verbal é de forma sucinta e direta tanto em
aberturas de capítulos quanto em um pequeno capitulo explicativo do livro e um
posfácio de rápidas argumentações sobre suas escolhas e referencias.
4 (...) “cultura” ou “cultura material” como o conjunto de artefatos produzidos e utilizados pelas cultu-
ras humanas ao longo do tempo, sendo que, para cada sociedade, os objetos assumem significados
particulares, refletindo seus valores e referências culturais. (ONO. 2004. p.54).
1168
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ais de uma época. Estudar este material torna capaz um resgaste particular e distinto
de um momento histórico de uma população.
Ao deixar marcas e rastros – reais ou metafóricos – a cultura material significa, testemunha e ma-
terializa a construção de histórias, identidades, lugares, épocas e formas de viver. As marcas, ilus-
tres ou anônimos, deixam sinais na de culturas, revelam modos de relacionamento entre sujeitos,
destes com as coisas e com a vida em sociedade. (QUELUZ et al., 2012. p,16)
Enquanto memória estes objetos mesmo que de períodos, ideias e aplicações di-
ferentes, coexistem na formação histórica de uma população, como proposto pelo
autor através de sua narrativa e recorte singulares, posicionar estes elementos que
variam de propagandas politicas como panfletos e cartazes até mensagens de
Whatsapp e eventos de Facebook, quando colocados lado a lado geram uma visão
ampliada das diferentes maneiras de se expressar, produzir e compreender os fato-
res sócias e políticos.
O livro expõe a partir das imagens uma experiência vivida pelo próprio autor em um
olhar singular para os diversos momentos em que a narrativa é construída. Esta obra
não é em termos diretos uma resposta a uma série de eventos políticos e sociais que
o Brasil vem atravessando ultimamente, mas sim um retrato da visualidade e das
produções do contemporâneo e passado recente no Brasil.
1169
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
BRASIL ZERO-ZERO
Não haveria, sob o mesmo nome da imagem, diversas funções cujo ajuste problemático constitui
precisamente o trabalho da arte? A partir daí, talvez seja possível, em base mais sólida, refletir so-
bre o que são as imagens da arte e as transformações contemporâneas do lugar que elas ocupam.
(RANCIERE, 2012. p.9).
1170
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1171
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1172
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1173
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1174
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig.11 – Recortes de tela do jogo online e das conversas de Whastapp (pág. 84 e 85)
1175
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1176
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação feita no artigo constituiu-se na exploração dos objetos gráficos le-
vantados em Brasil Zero-Zero (2019) através da identificação de seus componen-
tes, materiais, linguagem visual e meios de atuação. O levantamento desses dados
permitiu a melhor compreensão dos fatos e das abordagens feitas pelo designer,
alinhado ao levantamento desses objetos no livro, em uma abordagem que exibe
as mudanças no cenário da propaganda política no Brasil, as múltiplas funções e
significados que os objetos possuem em suas relações temporais apresenta o olhar
do autor sobre as manifestações visuais contemporâneas.
Este projeto é um prisma para as novas abordagens que o design gráfico contem-
porâneo pode apresentar, expondo a versatilidade que os códigos visuais, materiais
e conceituais possuem. Contemplando uma cultura em que estes não estão des-
conectados, mas que podem ser integrantes de um mesmo universo. As combina-
ções propostas por Piqueira demonstram toda a potencialidade narrativa que o livro
impresso ainda pode ter, explorando as diversas camadas de significados, desdo-
brando sua materialidade e reestruturando toda uma percepção sobre os objetos do
dia-dia, onde está perspectiva de atuação nos revela todo o alcance do desenvolvi-
mento conceitual que o design pode apresentar em um projeto.
1177
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
REFERÊNCIAS
CARDOSO. Rafael. Design para um mundo complexo. Ubu. São Paulo. 2016.
FARIAS. P. II., & BRAGA. M. C. (Org.). n/a et/al. 2018. Dez ensaios sobre memória
gráfica. Editora Blucher. São Paulo.
LUPTON, Ellen e PHILLIPS, Jennifer Cole. Novos fundamentos do design. São Paulo:
Cosac Naify, 2008.
QUELUZ, M. L. P. (Org.). n/a et al. (2012). Design e cultura material. Ed. UTFPR. Curitiba.
1178
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Ao longo de 1080 dias, o Grupo Vaga-mundo: poéticas nômades (CNPq) teve como
objetivo realizar uma volta ao mundo, a pé, sem sair de Brasília, o que compreendeu
expedições aos Setores de Embaixadas Sul e Norte da cidade. Munidos da noção de
que a viagem expande a compreensão que temos dos lugares porque desperta o
desejo por percepções inusitadas, a proposta do grupo é manter o espírito viajante
no cotidiano mais absoluto. À medida que cruzamos os limites imaginados nessa
geografia vivida, criamos o nosso ritmo, inventamos o nosso passo, uma marcha-va-
ga. Questões como essas tecem o nosso projeto prático-teórico que aparecem figu-
radas tanto no texto quanto no objeto plástico (vídeo-projeção Marcha-vaga, 2019).
Palavras-chave: Caminhar, corpo-coletivo, lugar e modos de imaginação
Abstract
Over the course of 1080 days, the Vaga-Mundo: Poéticas Nômades (CNPq) aimed to
accomplish a world tour, on foot, without leaving Brasilia. This included expeditions to
the South and North Embassy Sectors of the city. Provided with the notion that travel
expands our understanding of places because it awakens the desire for unusual percep-
tions, the group’s proposal is to keep the traveling spirit in the most absolute daily life. As
we cross the boundaries imagined in this lived geography, we create our rhythm, invent
10 O Grupo criado em 2014 e coordenado pela Profa. Dra. Karina Dias, reúne 10 artistas-pesquisado-
res, mestrandos e doutorandos ligados ao Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Realizando
pesquisas poéticas em diversas linguagens artísticas (instalação, vídeo, livro de artista, desenho, pin-
tura, escultura, fotografia e instalação sonora), o que interliga os membros do grupo é o desejo de
investigar as relações entre o homem e a paisagem, entre a imensidão dos espaços e a singularidade
daquele que os percorre. Noções fundamentais que norteiam toda a pesquisa são: horizonte, pai-
sagem, olhar, viagem, geopoética, escrita, entre outras. Aliando a prática artística, a reflexão teórica
e a experiência em espaços-extremos, na intenção de construir uma poética nômade surgida do
movimento, de nossos deslocamentos a partir de expedições artísticas em vários lugares do mundo.
Desse movimento surgem as nossas coordenadas vaga-mundo: expedição, exposição e escrita. Este
é o segundo texto que contempla as notas de viagem da expedição realizada as embaixadas da
cidade de Brasília. O primeiro foi apresentado em julho de 2019 no encontro internacional de artes
WAC (walking practices/walking art/walking bodies), organizado pelo departamento de Fine Arts e
Applied Arts da Universidade da Western Macedônia, Grécia.
1180
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
our step, a “marcha-vaga“. Questions like these weave our practical-theoretical project
that figure in both the text and the plastic object (video projectionMarcha-Vaga,2019).
Keyword: Walking, collective body, place and modes of imagination
“soube bem essa arte que nenhum outro abarcou, nem Simbad nem Ulisses, que é
passar de um a outros países e estar internamente em cada um deles”(Borges)
Do tratado filosófico sobre a caminhada escrito por Thoreau na metade do século XIX,
passando pelas vanguardas artísticas do começo do século XX, pelos Situacionistas no
final dos anos 50 até as práticas de grupos e artistas contemporâneos que incorporam
às suas ações o caminhar, como Robert Smithson, Richard Serra e o núcleo de pesquisa
do laboratório Stalker pelos territórios de Roma, entre outros, o ato de se movimentar
dispondo um pé à frente do outro, engendra formulações e práticas poéticas decor-
rentes da experiência de se estar nos espaços ao ar livre, do lado de fora.
Para Fréderic Gros (2010) quando se anda a pé, só há um desempenho que de fato
conta: a intensidade do céu, o viço das paisagens. E nesse vasto espaço, estar do lado
de fora é, para o autor, ter a exata sensação de viver naquilo que perdura e insiste,
o relevo ao redor. Ao ar livre somos lançados em meio a uma paisagem que não
abandona os nossos olhos, que sinaliza a distância que nos separa do céu que nos
acompanha, do cume que nunca chega, da cidade que se faz sentir. Caminhando
os pensamentos são compostos de céu, escreve Virgínia Woolf. Ação elementar que
nos faz lembrar que não somos sedentários, que somos movimento. Desalojados
então, buscamos um destino.
Se caminhar é uma revolução, como afirma Labbucci (2013) é porque segundo ele
não existe nada mais subversivo, mais alternativo em relação ao modo de pensar
e de agir, hoje dominante, que o caminhar. Caminhar é uma modalidade do pen-
samento, um pensamento prático. Ainda para o autor, caminhar é hoje uma forma
elevada de (r)e(s)xistência. Em pé resistimos, um pé após o outro, fazemos face ao
caminho, em busca de uma geograficidade - aquela proposta por Eric Dardel (2011),
para quem a geografia está fundada na experiência humana de ser-com, em uma
espécie de inquietude geográfica, uma vontade intrépida de correr o mundo, de
franquear os mares, de explorar os continentes. Para o autor, uma relação concreta
liga o homem à terra e essa geograficidade (géographicité) é o modo de sua existên-
cia e de seu destino.
1181
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de um olhar alerta e atento aos detalhes, cuja vocação estaria em olhar a sua cidade,
concebendo, assim, um mundo a partir do que vê. Uma cidade-mundo que estaria
lá, disponível a esse viajante e que tomaria forma a partir do banal que se olha. Nesse
sentido, seria possível reconfigurar o espaço de sempre, atiçar o nosso desejo de ver,
fazer do deslocamento no cotidiano, a ocasião para experimentar a sua paisagem,
como se a descobríssemos pela primeira vez? Desejosos de novas perspectivas, nós,
os artistas-viajantes deste cotidiano, teríamos a disponibilidade de nos deixarmos
levar pelo próprio destino infra-ordinário (PEREC, 1989: p.06)? Na vontade de anco-
rar o corpo a um percurso, de entrelaçá-lo ao itinerário escolhido, o grupo de pes-
quisa Vaga-Mundo: Poéticas Nômades (CNPq) realiza seus projetos. Assim, ao longo
de 1080 dias caminhamos juntos com o objetivo de realizar uma volta ao mundo, a
pé, sem sair de Brasília, o que compreendeu expedições aos Setores de Embaixadas
Sul e Norte da cidade.
Foi na década de 80, a partir do documento Brasília Revisitada que a cidade foi inter-
pretada por quatro escalas urbanas, denominadas Monumental, Gregária, Residencial
e Bucólica, divididas nas seguintes ordens: a da função cívica (Monumental), a dos es-
paços de morada (Residencial), a do comércio e lazer (Gregária) e as de extensões livres
com gramados, calçadas, bosques e jardins, bem como a presença do céu (Bucólica).
No mapa da cidade, a Escala Residencial está presente no eixo arqueado denomina-
do Eixo Rodoviário-Residencial, e se divide em norte e sul. O outro eixo (Leste-Oeste)
dá corpo à cidade administrativa e é denominado de Eixo Monumental, pertencente
à Escala Monumental, onde se tem as principais edificações arquitetônicas que são
exploradas como iconografias da cidade. A quarta escala, a Escala Gregária, se localiza
no centro da cidade, em área que circunda o cruzamento dos eixos e é a escala que
concentra os edifícios altos e os setores de Diversões, Comerciais, Autarquias, Bancá-
rios, Hoteleiros, Rádio e Televisão Sul e Norte. A Escala bucólica permeia toda a cidade
e alcança assim, o Setor de Embaixadas Norte e Sul, onde se encontram a maioria das
construções diplomáticas oficiais de 124 nações ao redor do mundo.
1182
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Arquivo Público do DF (1959) Demarcação dos lotes da embaixada de Cuba [imagem online].
Disponível em: https://abrilveja.files.wordpress.com/2016/06/brasilia-construcao-05-gde-original1.
jpeg?quality=70&strip=info&w=760 [Acessado em: 17/05, às 16h32].
Uma embaixada atua como a representação oficial de uma nação, dentro de um terri-
tório alheio a ela, é a nação dentro de outra nação e o órgão que concentra em si uma
síntese da cultura e costumes de um país. A maior parte dos edifícios oficiais das em-
baixadas em Brasília intencionou a linha modernista em suas construções, enquanto
algumas reforçaram os estilos arquitetônicos que melhor representassem o seu lugar
de origem, outras mesclaram tradição e inovação. Transitar pelo mundo, nos espaços
de territórios estrangeiros, de forma meio exploratória, meio flâneur, subverte a lógica
do lugar e transpõe a imposição dos espaços de fronteira ao lugar de experiência da
viagem. Seria dizer que ao cruzarmos o território iraquiano, durante o período de seca
em Brasília, observando os tons pastéis das paredes e das colunas dos prédios, tocan-
do a vegetação árida que resiste em volta, e às vistas para o Lago Paranoá, estaríamos
1183
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
direcionados à uma planície síria, adornada de espécies desérticas ante ao Rio Murat?
Poderíamos também estar diante de um lugar onde nunca pisamos? Esse flâneur que
segue caminhando para as outras vizinhanças, [...] atravessa vários bairros que consti-
tuem mundos diferentes, à parte, separados. Tudo pode mudar de um distrito ao outro: a
dimensão das casas, a arquitetura geral, o ambiente, o ar que se respira, o modo de vida, a
luz, as categorias sociais (GROS, 2010: p.178). Este caminhante, entende o exato instan-
te em que a cidade torna-se paisagem.
Visitar esses lugares, desta forma, compreende também visitar outra nação. Em nossa
expedição às embaixadas encaramos as bordas e fronteiras dos “países visitados”. Fo-
mos recebidos por muros, cercas, estacionamentos, câmeras de vigilância, guaritas,
seguranças, terrenos baldios entre-nações, torres de controle, pesados portões de
entrada/saída com seus brasões cheios de simbologias de gloriosas narrativas, monu-
mentos sobre pedestais cujos heróis das pátrias de outrora desconhecemos. As esco-
lhas do paisagismo de cada país, a terra do chão que sujou nossos sapatos e dedos nos
contaram destes lugares. A invisibilidade dos prédios cercados de muros, onde gran-
des mastros com bandeiras flamulando lentamente no alto, foram, muitas vezes, tudo
o que pudemos ver do lugar. Tudo o que escolheram mostrar a nós, os estrangeiros.
Escolhemos caminhar nesta volta do lado de fora do mundo, entre o cá e o lá (GROS,
2010: p.37) de quem transita pelo lugar e decide o que é o aqui e o que é o acolá, o que
é local/global. Estar do lado de fora assim, é estar entre dois interiores: uma pousada entre
etapas, uma transição. Um espaço que tira um tempo para si.(GROS, 2010: p.38) Cami-
nhar ao redor das embaixadas durante 1080 dias compreendeu em um Grand-tour ín-
timo e distinto para cada um dos artistas-viajantes participantes da expedição. Todos
munidos da noção de que a viagem expande a compreensão que temos dos lugares,
mantivemos desperto o desejo por percepções inusitadas; o desejo de ver sempre um
pouco mais que ontem, de compreender que no mundo se aprende porque estamos
próximos de uma realidade que se faz sentir. Nossa proposta é manter o espírito via-
jante no cotidiano mais absoluto, aquele que entorpece porque se repete dia após dia,
que anestesia porque não vemos mais os espaços que nos envolvem.
A volta ao mundo em 1080 dias: das vistas e outras elaborações dos viajantes
[...] a surpresa e decepção das viagens. Ilusão de haver vencido
a distância, de haver apagado o tempo.
1184
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Um dos pontos de partida para que a expedição ganhasse contorno foi a obra Volta
ao Mundo em 80 dias, de Jules Verne. Observamos o mapeamento das embaixadas
no plano de Brasília. A maioria situa-se no setor de embaixadas, outras, porém, sur-
giram e foram se acomodando em outras partes da cidade, como o Lago Sul. Chegar
ao Setor de Embaixadas exigia certa programação. Nos organizamos em caronas,
carros particulares e/ou táxis e aplicativos de transporte. Tínhamos cadernos e má-
quinas fotográficas em mãos. Sapatos confortáveis, chapéus, lanches, óculos escu-
ros. Olhos secos. Não há abrigo para a chuva nesses percursos, nem para o sol. Nos
movíamos em distâncias que se dilatavam ou contraíam de acordo com o calor e a
umidade relativa do ar. Curtas distâncias podiam se agigantar, como há de ser com
quem caminha pelo deserto…
Dispostos a viver nossa própria volta ao mundo, nosso caminhar se fez pelas mar-
gens. Poucas eram as embaixadas que se apresentavam convidativas. Todavia, quan-
do um território de outra nação nos convidava para momentos de abrigo e conversa,
era como quando estamos há muito tempo viajando e alguém oferece um pouso,
uma água fresca. Um descanso do senso de alerta que vivemos quando não sabe-
mos quando será a próxima parada ou o próximo bebedouro. Cada vez mais, era
perceptível quanto dessa travessia se assemelhava a uma “travessia real”.
1185
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Karina Dias & Albert Ambelakiotis - Projeto Globo terrestre vaga-mundo, 2018/2019.
1186
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Um dia, sob o sol a pino, avistamos a Praça Portugal. Ali, como na maioria dos des-
vios a que estávamos sujeitos andando ao largo ou à beira de muros, era o lado de
fora, o negativo do mundo que arrodeávamos, ou o mundo mesmo? Diferente das
embaixadas, salvo uma ou duas exceções de convite para o interior, podíamos estar
dentro da praça. Circular nela. Inventar o que fazer ali: jogos, pulos na fonte de água
seca e outras imaginações compartilhadas.
Ao realizar uma viagem ao redor do mundo, pé ante pé, os espaços fronteiriços ga-
nham uma dimensão e importância maior. São trajetos muitas vezes adormecidos
na vista do turista que passa, quase desliza por portões e chancelas. Um mapa den-
tro do Mapa. Fronteiras são os não-lugares. Ali, onde habitam dragões e sol escal-
dante, essa é nossa rota primordial. Aqui, ventos, leis, modos de navegação e acor-
dos sociais se transmutam como em um mar escurecido.
Desde tempos remotos a figura do vigilante esteve presente: nas torres, muralhas,
camuflado em florestas e bosques. Hoje, temos horas de filmagem ininterrupta do
nosso amontoado vagante (ao longe, na paisagem, muitas vezes parecíamos um
amontoado de gente caminhando a esmo), saindo de uma lente para a outra, de
um quadro para o outro. O percurso completo poderia ser visto por uma sequência
de imagens gravadas pelas câmeras de segurança das embaixadas. Nossa imagem
saltava de uma tela de monitor à outra. Um tele transporte entre países. Nossa fan-
tasmagoria registrada em evidências videocapturadas.
Vaga-Mundo: Poéticas Nômades. Registro de ação. 2019. Foto por Ádon Bicalho.
1187
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nesta volta ao mundo, seguimos por trajetos, trilhas e pistas de uma embaixada a
outra. Um trajeto está sempre entre dois pontos, mas o entre-dois tomou toda a con-
sistência e autonomia bem como propósito e direção própria desta viagem. Nos dis-
tribuímos pelos largos descampados, ocupamos, habitamos, e seguimos e aí residiu
nosso princípio territorial; descompassado e nômade. Espaço de pequenas ações de
contato, táctil mais do que visual. Fomos, ao longo do percurso, aqueles que nunca
partiam e nunca chegavam porque estávamos o tempo todo em modo de desloca-
mento. Nos agarramos nesse espaço entre fronteiras, onde os muros recuavam, e
abriam-se os espaços vacantes.
1188
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Não se trata de uma percepção do espaço em que a visão desliza pela superfície
da paisagem. É importante lembrar de Dardel (2015) quando afirma que o espaço
geográfico não é somente superfície, ele é sobretudo: matéria. O que implica pensar
em termos como profundidade, espessura, solidez, plasticidade que não são carac-
terísticas compreendidas apenas pelo intelecto e pela percepção meramente visual,
mas encontradas em uma experiência que pode vir a ser determinada como uma
experiência de contato.
Aos poucos fomos compreendendo que esse espaço se desenhava em função de nossos
deslocamentos e de nossa presença. Uma embaixada é um enclave cujas fronteiras se
revelam rapidamente uma vez que como caminhantes passávamos pelos países sem
1189
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Onde somos nesse monte que se desloca? Estar junto é pertencer ou resistir à exte-
rioridade? Nesse caminhar encontramos um destino ou o projetamos ao longe para
seguir a caminhada?
Dessa forma, será que nosso pequeno grupo de caminhantes amontoados, não
pode ser pensado como um continente se deslocando de forma errante?
O solo da cidade é o espaço negativo das embaixadas, espaço onde nossos passos e
nossos corpos se encontram e se localizam, se movimentam em conjunto, em com-
panhia, e aos poucos formam uma outra barreira, móvel, porosa, movediça, penetrá-
vel pelo espaço que nos atravessa.
1190
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Criar coletivamente uma poética da viagem solicita muitos pontos cardeais, uma
rosa dos ventos que dê conta, a um só tempo, de muitos vocábulos, de muitos luga-
res e de nenhum lugar. Nesse movimento, toda imagem fabrica distâncias, sinaliza
os confins de um mundo que só conhecemos de passagem. Emerge dessa relação
uma paisagem no/do cotidiano que se forja na junção de certa maneira de olhar
e dos caminhos percorridos. Uma paisagem que é mais do que um simples ponto
de vista óptico. Ela é ponto de vista e ponto de contato, pois, nos aproxima distin-
tamente do espaço, porque cria um elo singular, nos entrelaçando aos lugares que
nos interpelam. Nessa experiência sensível do espaço, criamos lugares, ganhamos
terreno (HOCQUARD, 1997: p.11).
1191
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
p.27). Pensar coletivamente demanda escuta, saber que não se está só porque a todo
tempo somos muitos a querer dizer o mundo vivido. Mas antes de dizer é preciso ver e
aqui a visão se fez interrogação individual e coletiva porque era preciso encontrar uma
destinação que aliasse esse pensamento-viandante, seu movimento, e a poética que
dele emanava. Todo pensamento-viajante solicita compor uma paisagem, um pensa-
mento-paisagem (COLLOT, 2011), uma poética dos lugares, uma poética da viagem.
Referências Bibliográficas
BUTOR, M. (1996). A la frontière. Paris: Éditions de la différence.
DIAS, K. (2010). Entre visão e invisão: paisagem (por uma experiência da paisagem
no cotidiano). Brasília: Programa de Pós-graduação em Arte, Universidade de Brasília.
1192
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1193
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumen
Sobre el trabajo con palabras en performaces sonoro-visuales, de Muñoz, se
pone perspectiva con la reflexión de Maurice Merleau-Ponty. Con los libros “Lo
visible y lo Invisible”, y “Ojo y Espíritu”, hay algunos caminos relativamente nue-
vos que se analizan, descubren o proponen para explorar interactividad y cola-
boración humano-máquina.
Procesos de lectura y canto aleatorios, en vivo y en voz alta, y lectura y canto
aleatorios en colaboración y mediados por computadora, se revisan a través de
los conceptos de “sobrereflexión”, “hiper-dialéctica” y “esencia” desde el punto de
vista de M-P. Esto, en las capacidades de presencia sensible y expresividad de: la
tipografía como carne de la palabra que se mueve; la voz en la lectura en vivo;
y el sonido, mediado o generado por computador, que responde y articula la
retroalimentación entre todos.
Finalmente, se piensan propuestas para operar con: “la teoría mágica de la vi-
sión” derivada de Klee y otros, el concepto de “profundidad”, y el poder de la
línea. Todas estas trabajadas sobre las materialidades sonoras y visuales de las
palabra, incluso trayendo imágenes externas; esto a través de interfaces de
entrada sonora o corporal.
Palabras clave: Arte Computacional Performatico, Literatura Electrónica, Performan-
ce Colaborativo Sonoro-Visual, Colaboración humano-máquina, Merleau-Ponty.
1 Industrial Designer, and Especialist in Artistic Education from UNAL Bta Colombia. Professor (2012-?)
at Artes Plasticas y Visuales, U. del Tolima, Colombia. Actual Mestrante em Artes, Arte e Tecnologia UnB,
Brazil, PAEC CAPES Fellow 2019-2021. Integrant of Medialab UnB. Student of phenomena, experi-
mental-musician-sound-artist and agent of the word. Performatic work on sound and word since
2010 in small difussion circles. Nômade Lab 2019-today, sounding-visual collective with Medialab
UnB and Brasilian and foreigner artists.
2 Professora titular da Universidade Anhembi-Morumbi e Universidade de Brasília. Doutorado em
Artes e Ciências da Arte pela Universidade Pantheon Sorbonne - Paris I. Pós-doutorado na Escola de
Comunicação e Artes da USP. Publicou vários livros no Campo da Arte Computacional. Participa de
congressos e periódicos da área como ISEA, #ART, ARTECH, HCII, entre outros.
1194
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
Perspective is put with the insight of Maurice Merleau-Ponty over Muñoz’s work with
words in sounding-visual performances. With books “The Visible and The Invisible”,
and “Eye and Mind”, there are some relatively-new roads being analyzed, and dis-
covered or proposed, to explore human-computer, interactivity and collaboration.
Processes of aleatory live-aloud-reading and singing, and aleatory-computer-medi-
ated collaborative live-aloud-reading and singing, are revised through the concepts
of “hyper-reflection”, “hyper-dialectics” and “essence” from M-P point of view. This,
in the capacities of sensitive presence and expressivity of: typography as flesh of the
word that moves; the voice in live reading; and computer, mediated or generated,
sound, that answers and articulates feedback between them all.
Finally, proposals are thought for operating with: “the magical theory of vision” de-
rived from Klee and others, the concept of “depth”, and line’s power. All these, worked
over word’s sound and visual materialities, even bringing external images; this
through sound or corporal input interfaces.
Keywords: Performatic Computational Art, Electronic Literature, Collaborative
sounding-visual performance, Human-machine collaboration, Merleau-Ponty.
What to expect
What you delve on, here on after, will try to put into words, the matters of experien-
ces that I have been trying to accomplish with my work, as a matter of stories to be
told in the way of –hey, what did you find at that exhibition?. –man it was like an image
of … and I think I understood, but later didn´t… what a work of art becomes between
people: memories of experiences. In such a way, I will try to go thinking about my ex-
pectations, but it would rely on others experiences for it to be a little less blindsided.
Anyway, only a sight at a time of “the vertiginous polyhedral”3 is always given to us
to be seen… may I wish for dialogues to sprout from this, to see more…
I will be taking the thoughts of Merleau-Ponty to explain myself, and think my praxis,
while explaining the things I want, or wanted to achieve.
A large projection on a wall shows words that are happening, like someone who is
typing, but has a particular rhythm, and does not go letter by letter but word by word.
3 The world, in sight of Argentinian Julio Cortázar´s “Lucas sus experiencias Cabalísticas”.
1195
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
There is a character who is reading some of those words, sometimes he stops and the
appearing of words as well. This character has a guitar in his hands and it seems that
the rhythm of words has to do with something he does, it seems that it is the guitar that
gives the rhythm. But he isn’t only reading, sometimes he sings, sometimes both... there
are more sounds that appear and disappear, it has nothing to do with the guitar, but she
(the guitar) also makes sounds from thing, although there are times that do not seem
guitar sounds, and articulates to the words, I don’t know how. The fact is that I see how a
new text appears and I do not know where it goes or where it comes from, and I see that
it can be read in disorder, I had never done it, and that there are many rhythms to read
something, I have always been reading so much the same! I can sing weird texts, they
seem of philosophy, sometimes of poetry, historical, and that novel sounds to me known,
how strange that all this is mixed thanks to a rhythm, what emerges there?
Vague description of two presentations, Wandering Through The Wanderer’s Wanderings (Walter
Benjamin), 2016, and Pre-nocturnal: night, please come out and play4, 2017
Figure 1 Wandering through the Wanderer’s wanderings, private presentation, 2017. Leandro M.
The first insight I would like to take Merleau-Ponty to, is this one: it seems here that
“hyper-reflection” and “hiper-dialectic” 5 on firsts chapters of “The Visible and the Invi-
sible”, are given as conditions, requirements, and expectancies in this praxis, although I
hadn’t met Merleau-Ponty until recently: this will be to prove later reflection about the
conscience of the present, that it isn’t something to be argumenting about.
1196
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
(…) they (…) count the perceived and the imaginary indiscriminately among our
“states of consciousness.” (Merleau-Ponty, 1992, p. 6)
That is to say that everything happens in our head. The distillate is then continued,
by taking us to think about those moments of the children –ourselves–when they
had not yet formed a very organized thought, to refute that the reflection is what
saves us in the world:
That a child perceives before he thinks, that he begins by putting his dreams in the things, his
thoughts in the others, forming with them, as it were, one block of common life wherein the
perspectives of each are not yet distinguished— these genetic facts cannot be simply ignored
by philosophy in the name of the exigencies of the intrinsic analysis. (Merleau-Ponty, 1992, p. 12)
Then the “hyper-reflection” appears as a movement in which I trust that the other is
also subject, because what he tells me about the world also resonates with me, and
complements what I see of the world, leading me to want to relate to the world, and
making me pass to also reflect on it, but accompanied, waiting for what comes in, to
come out again.
My access to a universal mind via reflection, far from finally discovering what I always was, is moti-
vated by the intertwining of my life with the other lives, of my body with the visible things, by the
intersection of my perceptual field with that of the others, by the blending in of my duration with
the other durations. (Merleau-Ponty, 1992, p. 49),
he is talking about “hyper-reflection”, and tells us that nothing is over, that all the
time we restart again because even with all the laws of the universe discovered, the
truth is provisional (that was the teaching of many noble scientists who have admit-
ted that it is always done “forever bailing”, and that what is known is always shaped
by what you want to see, like Heisenberg), the vertigo of the experience is stalking
me in the next corner. So, is really “hyper-reflection” happening as an imperative to
stay in experience-mode? In that type of reading we came to analyze, full of holes,
full of sounds, silences, words that stop, readings that do not go straight, texts that
are built in the instant?
The problem is that the author goes with that intention, but the question for someone
who arrives is debated in a matter of comings and goings, questions and beliefs. But
1197
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
above all, the work fails to have “hyper-dialectics” because there is no way of being able
to counteract, be able to respond or say what you also think, it stayed at spectator level.
But now it’s not just the character, and the computer which apparently cheats him, the
ones who read; There are some mysterious microphones to my side, as if waiting for me
to use them. Would those microphones be a farce, or would those really work and what
I say will be amplified? I don’t know what bothers me more... sometimes I don’t want pe-
ople to look at me, but well, for something I came, I can join this crazy reading... it seems
that what you say can make words change color, their form, it seems I make them throb,
vibrate... I can also make the flowing of text, to change into others texts, I can even stop
the reading, but how? And I can also read, yes, sing, at the same time with the character
... if I detune my singing, what will happen? Does he also detunes? Is it so bad to detune?
6 Pensar Estudiante 2017, 1er Electro-Plástico, 9no Aniversario Facultad de Ciencias Humanas y Ar-
tes, Universidad del Tolima, Ibagué, Colombia.
7 VIII Coma at UnB Brasília. Atlas para o futuro: a pesquisa em artes na universidade. 25 anos do Pro-
grama de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade de Brasília at UnB, Brasilia, Brazil
1198
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Are we here on a hyper-dialectic? It seems so, but also what someone enters to do
at the reading, or add, even if it is subtle has consequences for the other. It may
be that the text goes somewhere else, that it passes from an interesting education
theory, to a manual of some machine, to a poem, and always being intersected
with “student”. Here, something that is done together occurs in those words made
of atoms, because it seems that speaking, any sounds, even breathing, gives them
life; They seem to throb with that flesh of lines. It does not end there because now
the character can also change the texture to what that companion says, with , and
it will stay in a meeting of looks, of wanting or not wanting the other to intrude,
but it will be known in some way.
But, what is “hyper-dialectic”? Merleau-Ponty says it is good dialectics, but above all,
Could we not express this simply by saying that for the intuition of being and the ne-
gintuition of nothingness must be substituted a dialectic? (Merleau-Ponty, 1992, p. 89)
With this, if we have not been reading with MP the stony path of not seeing nothing-
ness as something without existence, but nothingness as an intuition of the being
that however is not present, and vice versa, which is to see nothingness by its con-
trary (negintuition) –from my point of view– we will enter a colorful tongue twister
... any way, lets focus on the “AND” part, where he is telling to put both things at the
same time. But I think there are more telling parts, for example:
Being neither an outside witness nor a pure agent, it is implicated in the movement and does not
view it from above. (Merleau-Ponty, 1992, p. 90)
or
covers a swarm of relations with double meaning, incompatible and yet necessary to one another
(complementary, as the physicists say today) (Merleau-Ponty, 1992, p. 91)
What Mr. Maurice is very prepared for (to avoid “trusting” with him, although the
dialectic has already put him very close to me), is to warn us, with paradoxes such as
ending up becoming a slave to freedom:
(...) as soon as one takes it as a motto, speaks of it instead of practicing it, it becomes a power of
being, an explicative principle. What was Being’s manner of being becomes an evil genius. (Mer-
leau-Ponty, 1992, p. 93)
With this, well, there would be a severe criticism, not only to that expanded reading
that is analyzed, but to the practice of any art because, are we playing drills or does it
really happen? Is giving ways to vibrate, for words, something that makes them alive?
if their “flesh” is made of lines, and these polyhedra at intersections, is it something
1199
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
that constitutes them? it is a matter of appearing at that time, but can the sound of the
ones involved reach their “flesh” to make it something meaningful?
Figure 3 Renderings from Processing software, proofs of throbing words. 2019 Leandro M.
Do we take to heart what we think? The heaviest part of this criticism is that even
this, writing about a work, can be a non-conducive wandering, a loss: The academy,
perverse simulation?
Also,
(…) it is not only a risk of non-sense, therefore, but much worse: the assurance that the things
have another sense than that which we are in a position to recognize in them. Already we are on
the way of the bad dialectic, that which, against its own principles, imposes an external law and
framework upon the content (Merleau-Ponty, 1992, p. 94)
But how do I know what I really recognize in something? We would have to change
it and then go and look at it… it implies me living, walking, not biasing by prejudice;
It gives us a cruel mirror of constant introspection, of never believing that something
is finished ... but to enter that balance we will have to fall once into bad dialectics, do
academia, to see if it is so perverse, to see everything with one’s own eyes.
(...)it brings to the surface all the deep-rooted relations of the lived experience wherein it takes
form, and which is the language of life and of action but also that of literature and of poetry(...)
that language that can be known only from within, through its exercise, is open upon the things,
called forth by the voices of silence, and continues an effort of articulation which is the Being of
every being. (Merleau-Ponty, 1992, p. 126-127)
1200
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
All this because the “essence”, in the analysis and cleaning of that chapter, bears to
tell us, that essence cannot be devoid of this here and now, because the essence in
Maurice’s deep analysis, can not fail to point out something specific, essence cannot
be what is always static... so for me, it can no longer be M-P or Mr. Maurice, because
it is this here and now, that has been woven with me...
One forgets that our openness, our fundamental relationship with Being, that which makes it im-
possible for us to feign to not be, could not be formed in the order of the being-posited, since it is
this openness precisely that teaches us that the beings-posited, whether true or false, are not no-
thing, that, whatever be the experience, an experience is always contiguous upon an experience,
that our perceptions, our judgments, our whole knowledge of the world can be changed, crossed
out, Husserl says, but not nullified, that, under the doubt that strikes them appear other percep-
tions, other judgments more true, because we are within Being and because there is something.
(Merleau-Ponty, 1992, p. 127-128)
But, coming back to this narrated performance, what does the experience hold, the
testimony to these literary sounding-visual performances? It seems to wait to make
friends, practice a lot, go read together as much as possible, so that different, more
true, or more false things appear, but that will always help to think.
This itself is already “reversibility”, that other term coined by M-P that deals with all
these characteristics of experience, about consciousness of consciousness; but the
mystery of this, is that it cannot be expected or propitiated. To some teacher I once
shared that the sea looked at me, I even made a poem, but how do I expect it to ha-
ppen? ... Yesterday the “g” in the word “Design” looked at me, it seems it wanted me to
turn it into “Desing”, maybe to go dancing, but what do I know? Who gives certainty
with those things? Whose certainties are? Who wants certainties?
There are some moments when the texts that appear, entangle something unprobab-
le, but that begins to happen, as the sound helps, and rhythm sticks without helping
with the sense of words. I get the feeling that something is guiding all this… (tale of me
working privately with these apparatus)
There, Estanislao Zuleta appears to me, who often returns and repeats me from forever:
“There is no illusion more naive than to believe that one can live without illusions, nor
faith more naive than to believe that one can think without faith” (Zuleta, 2005. p. 58)
1201
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
This has a profound meaning on the act of producing images, let´s say, to not close
it only on unto painting: You take things into yourself, so you can then put them out.
This process will be capitalized when he adds: “What exactly does he ask of it? [the
mountain] To unveil the means, visible and not otherwise, by which it makes itself
mountain before our eyes.” (Merleau-Ponty & Johnson, 1993. P. 128).
An he will continue to develop even forgetting the paradox of not working with soil
and grass, or materials of the mountain, with pigments, making it a work of the sight,
a experience of sight , that just leaves us speachless, “But the interrogation of pain-
ting in any case looks toward this secret and feverish genesis of things in our body.”:
this is an incredible happening, that we all participate in, by “just” having senses (let
us not forget how many years in evolutionary terms to achieve eyes, hands…), and
then adds: “The question comes from one who does not know, and it is addressed to
a vision, a seeing, which knows everything and which we do not make, for it makes
itself in us.” (Merleau-Ponty & Johnson, 1993. P. 128).
With that he especifies the destroying fact that we can’t hope to control it, nor mas-
ter it, and that it won’t stop to develop. He will go to mature these things on the Fifth
chapter of “Eye and Mind”.
But, what is of interest for us, is that he is opening this operations of sight, or let’s say
sensing for techniques other than painting.
In this, I can’t leave the idea of asking things “To unveil the means by which [they
make]” themselves through a play of words, even by formal, limiting ways. So, I get
to wonder about defining words by more words, but in a visual realm, in ways such
as of Calligrams, but that would react to presences of sound, of body. (this section of
text is after all, roads I imagine, maybe for people to join me, and help to cristallize)
After that, as he delves to explicit an ode to “the line”, reading Klee, and Malraux, I will
also think about drawing, filling spaces of words, with lines made of words, drawn by
my guitar with the data it produces… but also draw words that become shapes of
things, of the same objects they represent.
1202
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
is one of the main issues on “Eye and Mind”, gives rise as Mr. Maurice points out to
a Metaphysics that would not delude even with arguments, because it is presence.
He says,
(Depth), “cannot be merely a question of an unmysterious interval, as seen from an airplane, be-
tween these trees nearby and those farther away. Nor is it a matter of the way things are conjured
away, one by another, as we see so vividly portrayed in a perspective drawing. (…) The enigma
consists in the fact that I see things, each one in its place, precisely because they eclipse one ano-
ther” (Merleau-Ponty & Johnson, 1993. P. 140)
The part that gives rise to something that would be as “extracting or arriving at thin-
gs” is this weaving of comprehensions:
“Once depth is understood in this way, we can no longer call it a third dimension. In the first place,
if it were a dimension, it would be the first one (…) Depth thus understood is, rather, the experien-
ce of the reversibility of dimensions, of a global “locality” in which everything is in the same place
at the same time, a locality from which height, width, and depth are abstracted, a voluminosity
we express in a word when we say that a thing is there.” (Merleau-Ponty & Johnson, 1993. P. 140)
But what do we do with this reflection and panoramas for expanding reading? One
of the things that Mr. Maurice softly spoke to me, was the remembering of times
when a screen, a projection, also gave me that feeling. Altough on the realm of Com-
putational-Art we are working with all these mediations, these scientific simulations
that are based on Cartesian understanding, those issues of counting on dimensions,
contrary to the “depth” that we are putting on the table, the result even with a timid
visual effect, is that the plane grows depth, as in the firsts cinema projections, where
people flew away thinking the train was upon them.
But what do we do with this reflection and panoramas for expanding reading? One
of the things that Mr. Maurice softly spoke to me, was the remembering of times
when a screen, a projection, also gave me that feeling. Altough on the realm of Com-
putational-Art we are working with all these mediations, these scientific simulations
that are based on Cartesian understanding, those issues of counting on dimensions,
contrary to the “depth” that we are putting on the table, the result even with a timid
visual effect, is that the plane grows depth, as in the firsts cinema projections, where
people flew away thinking the train was upon them.
Even if it is true that projection presence has this pixelated texture, at certain distance
(as with the Impressionists paintings), you arrive at a feeling of “depth”. If it is worked
with subtlety going backwards or forwards on the virtual space, we can achieve things.
I haven’t tried out much placing of words in layers of depth inside of the virtual space,
only a cadence as if the word were on a children’s swing. But I believe that for example,
1203
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
levels of amplitude captured by the mics, translated into depth placing, can give rise
to ways of pursing Maurice’s and Cezanne’s “depth”.
But also, when he talks, a little before on the book, also about depth
“We are [as Cartesians] always on the hither side of depth, or beyond it. It is never the case that
things really are one behind the other. The encroachment and latency do not enter into their
definition. They express only my incomprehensible solidarity with one of them –my body” (Mer-
leau-Ponty & Johnson, 1993. P. 134),
he gives me the intention of also working with the solidarity of the body of one im-
plicated in this sighting: the projector. If sound from someone, or the entering of
somebody into a zone begins to make “mirroring” of the place by moving the projec-
tor itself, maybe we can arrive at interesting presences… But then, when the “encro-
achment and latency” stay on my mouth, I cannot help but feel that I need ways to
work with the people’s bodies solidarity, and the work of David Rokeby pops into my
mind, so I can achieve a “Very Nervous System”8 of my own.
References
Merleau-Ponty, M. (1986). El Ojo y el Espíritu. Buenos Aires: Paidos.
Merleau-Ponty, M. (1992). THE VISIBLE AND THE INVISIBLE. United States of America:
Northwestern University Press.
Ricardo, F. J. (2009). Literary Art in Digital Performance, Case Studies in New Me-
dia Art and Criticism. New York: The Continuum International Publishing Group Inc.
1204
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O artigo apresenta um videoperformance intitulado Relações Intercorporais,
uma reflexão sobre como são observados os agenciamentos mediante uma re-
lação de jogo entre o performer e a câmera. Desta relação, propõe-se um trata-
do de horizontalidade que projeta um rompimento na estrutura dos corpos e
os condiciona à exploração de novas potencialidades de cada agente. A obra foi
realizada no contexto político-social de 2018 mediante o assassinato da verea-
dora e ativista Marielle Franco da Silva. Sendo assim este artigo, apresenta argu-
mentos teóricos e práticos observando os graus de indeterminação dos corpos
autônomos em espaço performativo, colocados em confronto mediante a ação
de jogo. Pelo confronto do jogo, evidenciam-se processos de diferenciação que
apresenta novas possibilidades de autorregulação dos sistemas.
Abstract
The article presents a videoperformance entitled Relações Intercorporais, a reflexion
about the agencies are observed through a relationship on the play between the per-
former and the camera. From this relationship, it’s proposed a treatise of horizontality
that projects a break in the structure of the bodies and conditions them to the explo-
ration of new potentialities on each agent. The videoperformance was realized in the
political and social context of 2018, through the murder of the councilwoman and ac-
tivist Marielle Franco da Silva. Thus, this article presents theoretical and practical argu-
ments observing the degrees of indeterminacy of autonomous bodies in performative
space, confronted by the action. By the confrontation on the play, differentiation pro-
cesses are evidenced and presents new possibilities of self-regulation of the systems.
1 Mestrando no Programa de Artes da Escola de Belas Artes - UFMG na linha de Poéticas Tecnoló-
gicas. Artista multimídia com ênfase em audiovisual, professor da UFCG em Arte e Mídia, leciona
no curso de Bacharelado em Arte e Mídia nas áreas de cinema e poéticas do vídeo. Seus trabalhos
recentes possuem abordagem voltada para área de poéticas do vídeo, mais especificamente em
videoperformance.
2 Professora, artista e pesquisadora da Escola de Belas Artes da UFMG.
1205
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1206
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por outro lado, as ações do jogo (Huizinga, 2000) se assemelham às ações de perfor-
mance, os corpos se comportam voluntariamente balizados por fatores espaço-tem-
porais como por exemplo as limitações de corpo e de extensão do mesmo no espa-
ço-tempo, as condições de enquadramento da câmera e de inserção do corpo do
performer. É preciso ressaltar também, que existe um caráter de efemeridade no ato
do jogo, que se configura como uma ação performativa levando em consideração as
relações de singularidade entre as partes, resultando em uma ação única que nunca
se repetirá da mesma forma, assim como a ação de performance que nunca poderá
ser reproduzida. As ações entre o performer e a câmera sempre serão de natureza
performativa em videoperformance e o grau de efemeridade das ações fazem parte
de sua própria constituinte.
1207
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O jogo
1208
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
câmera GoPro Hero 4 que está filmando em função automática para compensação
de luz e contraste da imagem, esta possui acoplada em seu corpo uma case de pro-
teção e um monopé de 12 cm instalado na case. Esta estrutura possui uma base em
formato de um copo com 20cm de altura, revestido internamente com tecido para
amortecimento do impacto, assim, o som captado pela câmera é potencialmente
capaz de captar mais camadas de elementos sonoros e o contato da estrutura da
câmera com o copo não provocaria um ruído na captação ao ponto de dificultar
a apreensão de outros sinais sonoros que pudessem existir na ação (imagem 2). O
som foi capturado por um Iphone 8s e optou-se pela utilização desta gravação para
o vídeo documental. Isto porque, o som nesta ação deveria ser destacado, por uma
escolha de produção de significado sugerindo ao espectador múltiplas leituras da
ação de performance.
1209
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Análise do videoperformance
1210
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Também é importante observar como esta relação de eixo que o performer coloca
a câmera vai mudando ao longo da narrativa do videoperformance, aos poucos as
relações vão se horizontalizando e no final do vídeo, onde podemos observar uma
quase horizontalidade na altura da câmera para com a do performer. Chegando
quase no final do vídeo, observa-se uma relação de desafio entre os corpos, o per-
former se põe de frente para a câmera, a encara, aponta seu dedo novamente para
a lente e a aproxima do seu rosto (imagem 5). Existe um estado de tensão entre
1211
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por outro lado, observa-se também a câmera estabelecendo seu lugar na ação cê-
nica, a presença da câmera enquanto elemento mais atuante para estruturação da
ação performática. O desdobramento da ação do performer em largar aleatoriamen-
te a câmera à base algumas vezes, alimenta um grau de instabilidade quanto ao
direcionamento da mesma para o espaço performático e desta forma, apresentam-
-se enquadramentos que desafiam e promovem situações inusitadas ao performer,
de tal forma que o mesmo precisa se adaptar para dialogar com a proposição do
objeto técnico. Percebem-se momentos onde o performer foi oprimido pelo en-
quadramento da cena que apesar de direcionar a atenção do espectador pelo seu
movimento, este se encontra em um quadrante mínimo da imagem (imagem 6). O
performer está enclausurado em um quadrante da imagem, com os braços arque-
ados novamente, onde só se observa o antebraço e mão direita, a câmera ditou o
enquadramento e mutilou o corpo do performer, a ação é deduzida unicamente
pelo som, observando que a câmera só nos revela o devir da ação, ou seja, o pó
branco espalmado em ação de gravidade e espalhando-se no ambiente, as mãos
do performer tremulando refletem um estado de tensão e exaustão provocada pela
imposição das estruturas emergentes na ação.
1212
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1213
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
Observando os processos presentes em Relações Intercorporais e analisando os re-
sultados destes no videoperformance, foi possível detectar fenômenos emergentes
da relação do performer com a câmera na situação de performance proposta. Os
agentes podem ser vistos enquanto partes que produzem acontecimentos, são por-
tadores de potenciais e de agência. Os agentes são mediadores de fluxos que afetam
e modificam as partes das mais variadas naturezas. Observam-se graus de autono-
mia nos corpos presentes, os jogadores estabelecem uma relação onde as questões
sociais são levadas em consideração e apresentam a formação de um agente que
permitem este tipo de cruzamento em suas interações. A autonomia dos corpos
em ação permite perceber processos que passam pelas tentativas de imposição de
ações particulares da natureza dos corpos e cada um deles possuem um grau de
indeterminação que alimenta o intercâmbio de informações e possibilita ações de
complementaridade das partes, os processos de diferenciação abrem novas possi-
bilidades de autorregulação própria dos sistemas quando colocados em situação de
metaestabilidade.
1214
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
corpo do performer responde aos estímulos da câmera por ações como a observação
da presença da câmera no espaço, quando o performer a encara e muitas vezes tenta
intimidá-la com seu olhar. A câmera toma um lugar de opressor quando delimita e
define por si e pelo seu sistema construído quando apresenta enquadramentos que
colocam o performer em uma situação de encontrar soluções de como se colocar no
espaço performativo, tomando como base sua visão e a visão da câmera na ação.
Sendo assim observa-se uma dupla articulação dos agenciamentos definido por
Deleuze, onde “as expressões originam signos e os conteúdos a bases das ações”
(p.111). As capacidades de produção sígnica percebidas nas potencialidades da câ-
mera como compensações de luz e foco (elaboradas pelo sistema técnico e suas
programações auto), bem como a forma como o corpo do performer se projeta e se
retroalimenta pelo retorno da visão da câmera (proporcionando um maior controle
da projeção de ações do corpo e sua repercussão sígnica em seu duplo captado pela
lente da câmera), servem de base para as ações dos corpos. O sentido de dupla ar-
ticulação nos agenciamentos promoveram processos de individuação e transdução
profundos na estrutura dos corpos, observando as possibilidades de uma transfor-
mação físico-biológica durante a ação de performance. As noções de performativi-
dade e de metaestabilidade são observadas uma vez que existe uma realidade de
dissimetria das naturezas dos corpos e das suas formas de atuação no espaço-tem-
po, esta dissimetria possibilitou processos de ressonância interna e de internalização
em uma articulação quase que política entre os agentes, possibilitando processos de
autorregulação como por exemplo, os processos de escolha do performer ao eleger
um dos montes de pó branco para projetar a ação, esta está intrinsecamente ligada
às condições de atuação da câmera que regula suas condições de captura da ima-
gem e do som como desdobramento das escolhas de atuação do performer.
Por fim, é importante abordar neste estudo, como as relações de jogo e a auto-
nomia relacional dos corpos em ação performática propiciou uma ruptura nas
dinâmicas de atuação dos corpos. Constata-se que na medida que se assume a
câmera enquanto indivíduo portador de um determinado grau de autonomia e de
instabilidade, características estas também encontradas no corpo do performer,
instaura-se um espaço aberto às multiplicidades e as relações se estabelecem não
mais em um sentido unilateral, mas em um sentido a-lateral onde as relações de
poder variam de acordo com as ações dos corpos e suas projeções na ação. A zona
de afetamentos se descentraliza, as ações das partes se encontram em um lugar
1215
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
no meio das ações, no intermezzo, como aborda Deleuze para delinear um modelo
rizoma de canalização dos fluxos.
Referências
Deleuze, G (1992). Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34.
Melim, R.(2008) Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Marcillene Ladeira1
PRÁTICA ARTÍSTICA E PENSAMENTO TEÓRICO:
a Pós-Graduação como campo de ação – um estudo reflexivo
e alargador do conceito de “Rede”
ARTISTIC PRACTICE AND THEORETICAL THOUGHT: Postgraduate as a field of action
– a reflective and enlarge study of the concept “Network”
Resumo
O artigo reflete sobre o fato artístico e sua condição de atuação na Pós-Gradua-
ção Stricto Senso no Brasil. Para tal, identifica lacunas e circunstância uma contri-
buição – fruto da produção autoral da autora – de modo a evidenciar a amplia-
ção do conceito de “Rede” (estrutura paradigmática, que vem sendo absorvida
de forma e velocidade diferentes entre diversos campos do conhecimento). Por
via, o ensaio absorve a teoria proposta por Cecília Salles (1998; 2006), no que
vem desenvolvendo no campo artístico e de Fritjof Capra (2002; 2006) no que
diz sobre a “visão ecológica”; como resultado, apresenta um modo de pensar e
agir em arte perante seis princípios de organização, podendo ser chamados de
princípios básicos da ecologia. São eles: Redes, Ciclos, Parceria ou Aliança, Diver-
sidade, Equilíbrio Dinâmico e Energia Solar.
Palavras-chave: Pós-Graduação, Pesquisa em Arte, Organização em Rede, Visão
Ecológica/Teia da Vida.
Abstract
The academic article reflects on the artistic fact and its condition of acting in the
Stricto Senso postgraduate in Brazil. For such purpose, it identifies gaps and circum-
stance a contribution – the result of the author’s authorial production – in order to
highlight the broadening of the concept of “Network” (structure that has been ab-
sorbed dissimilar and speed among different fields of knowledge). By way, the essay
absorbs the theory proposed by Cecília Salles (2006), what has been developing in
the artistic area and Fritjof Capra (2002; 2006) about “ecological vision”; as a result,
1 Mestra em Processos Criativos pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas
Artes da UFBA; especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Pedagógico de Minas
Gerais; Graduada (Licenciatura e Bacharelado) na área de Artes pelo Instituto de Artes e Design da
UFJF, com passagem inicial pela Escola de Belas da UFRJ. Líder do grupo de pesquisa “VEIA” – Verten-
tes Ensinagem Integração e Arte. Professora Universitária – UNIPAC, campus Barbacena e Educação
Básica (ensino civil e militar).
1217
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
it presents a way of thinking and acting in art before “six principles of organization”,
which can be called the basic principles of ecology. They are: Networks, Cycles, Part-
nership or Alliance, Diversity, Dynamic Equilibrium and Solar Energy.
Keywords: Postgraduate, Art Research, Network Organization, Ecological Vision/
Web of Life.
1218
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ao aproximarmos dos conceitos trazidos à luz pela “Nova Ciência” (limiar do século
XXI), vemos que há um processo de pensar e perceber o mundo em que vivemos em
sintonia com essa “presença viva”; na qual estamos imersos, não em partes dissocia-
das, mas em um todo integrado, estando ligados por redes, de modo a estabelecer
inter-relacionamentos e interdependências entre fenômenos psicológicos, biológi-
cos, físicos, sociais, culturais, não sendo, pois, diferente na construção dos processos
criativos. Logo, as redes se tornaram, ao mesmo tempo, uma espécie de paradigma
e de personagem principal das mudanças em curso; uma reestruturação de pensa-
mento que vem sendo amplamente discutida por físicos, filósofos e intelectuais de
vários campos do saber, sendo absorvida de forma e velocidade diferentes entre
os diversos campos científicos. Seria a mudança de mundo mecanicista de Descar-
tes e de Newton para uma “Visão Ecológica”, assim tratada pelo teórico Fritjof Capra
(2006), o qual a identifica como a “Teia da Vida”. Etimologicamente, a palavra rede
vem do latim (redis), significando “teia”. Loiola e Moura (1996, p. 54) a definem: “en-
trelaçamento de fios... com aberturas regulares fixadas por malhas, formando uma
espécie de tecido”. Cecília Salles em seu livro “Redes da criação: construção da obra
de arte” (2006) traz um estudo bastante fundamentado em que podemos localizar
as interconexões existentes no percurso criativo – uma duologia iniciada em uma
publicação anterior: “Gesto Inacabado” (1998). Segundo relata, chegou-se a esse
conceito interconectado, ou melhor, de “rede”, após verificar a necessidade de um
termo que desse conta das novas exigências vindas a partir das múltiplas conexões,
em constante mobilidade, que invadiram o campo artístico (Cf. 2006, p. 10).
No arcabouço conceitual exposto por Capra (2006) no livro “A Teia da Vida: uma nova
compreensão científica dos sistemas vivos”, cuja primeira edição foi publicada em
1997 com o título original “The web of life”, o referido autor, “um dos mais eloquentes
porta-vozes da atualidade” (nascido em Viena/Austrália, 1939), expõe sobre a “Visão
Ecológica”. Pormenoriza, entre outras questões, sobre os sistemas vivos e seus prin-
cípios de organização que a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida. Assim,
elucida: o princípio de rede está no padrão de organização de todo ser vivo: “em
meio aos ecossistemas naturais, em todas as escalas da natureza, encontramos sis-
temas vivos alojados dentro de outros sistemas vivos – redes dentro de redes”. Isso
1219
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ocorre desde os processos celulares mais ínfimos, até os níveis mais complexos de
existência; trata-se um modo coerente e sistêmico, nascido da teoria da complexida-
de. (Cf. 2006, p.25). “De Pitágoras até Aristóteles, Goethe e os biólogos organísmicos,
há uma contínua tradição intelectual que luta para entender o padrão, percebendo
que ele é fundamental para a compreensão da forma viva”. “Sempre que olhamos
para a vida, olhamos para redes” – é o que, assim, afirma Fritjof Capra. (p.78).
O referido estudo foi expandido para o livro “As conexões ocultas” (2002). Neste, o
teórico acaba por identificar seis princípios de organização comuns que sustentam
a grande “Teia da Vida”, que podem ser chamados de princípios básicos da ecolo-
gia. São estes: Redes, Ciclos, Parceria ou Aliança, Diversidade, Equilíbrio Dinâmico e
Energia Solar. (Cf. 2002, p. 238). Ao compreender que o percurso de criação artística
possui uma “presença viva” e de igual modo se manifesta em “rede”, os absorvo como
diretrizes a serem aplicados, diretamente, ao fato artístico e seu processo (modos de
pensar e agir); aprimorando, pois, a arte junto a essa nova concepção científica do
mundo. Refere-se a uma concatenação e alargamento do que Salles vem desenvol-
vendo. Cheguei a essa questão, tendo em vista que “teia” relaciona-se com o con-
ceito de “ecologia”, próprio do assunto poético que articulo em minha produção em
artes visuais (sobre como isso ocorreu, discorrerei mais adiante).
3 Usado no sentido de: achar; encontrar o que procurava; passar a conhecer; topar; deparar com algo
inesperado, mas favorável.
1220
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1221
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1222
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
e aromas que qualificam a variedade das espécies; igualmente deve ser o artista,
ímpar na luz que absorve do universo (interior e exterior) e retorna ao mundo. Esse
lugar equivale, então, ao “código pessoal” de trabalho de cada artista (síntese de in-
dividualidades), que ecoarão nas “marcas pessoais” da(s) obra(s) ou do(s) processo(s)
artísticos que compõem o sistema (“Teia da Vida”) como um todo.
Cecília Salles explica (2006, p. 18): “ao adotarmos o paradigma da rede estamos
pensando o ambiente das interações, dos laços, da conectividade, dos nexos e das
relações”. Em vista desta consciência, a primeira obra produzida na fase do Mes-
trado, sendo denominada “Vek” (do russo, século/época), formulou-se como um
“nó” ou “pico” na rede, de modo a ligá-la à última obra produzida anteriormente.
Foi isso que fiz, e deste contato veio o elo entre dois ciclos; dois momentos de
produção (graduação e pós-graduação). Edgar Morin entende esta combinação
como fenômeno (de organização), que, por sua vez, é capaz de modificar compor-
tamentos ou a natureza das partes envolvidas (Morin 2002b, p. 72 apud Salles, loc.
cit). Niels Bohr (1885-1962), físico ganhador de nobres prêmios, afirma: “nenhum
fenômeno é fenômeno até ser observado”. Com a obra em mãos, constituiu-se
como a base de decisão estratégica e dos conceitos operacionais veiculados, de
modo a direcionar as demais produções, estruturando um modelo teórico de rede
na arquitetura “Raio de Sol” (Fig. 3). Esse, caracteriza-se por apresentar um núcleo
criativo central (círculo em amarelo) que orienta os demais elos da rede (obras
que surgem em direções distintas, partindo do meio para as bordas), conforme se
visualiza na figura abaixo:
1223
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Este modelo foi proposto por Quinn et. al. (2001) e origina-se da teoria e prática ad-
ministrativa (funcionamento de empresas); área que também vem adotando o prin-
cípio inter organizacional em rede nos negócios que tratam – o que vem ocorrendo
há cerca de 30 anos.
1224
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
4 Monografia intitulada Depois da Chuva: uma narrativa por fragmentos, realizada sob orientação do
professor Dr. Ricardo de Cristófaro, IAD/UFJF.
5 O conceito foi trazido por Walter Benjamin de Charles Baudelaire e está contido no sentido de que,
após 1850 (início do período moderno), as cidades se tornaram um ambiente muito mais abarrota-
do, caótico e estimulante do que jamais havia sido no passado (CHARNEY; SCHWARTZ, 2001, p. 21).
6 Dissertação Campos das Vertentes: uma coleta pictórica; orientação: Professora Dr.ª Maria Virginia
Gordilho Martins (Viga Gordilho), PPGAV-EBA-UFBA.
7 De modo similar a ideia de rede, na expansão deste estudo, o referido termo chegou, também, a
uma teoria; devido as suas extensões não serão tratados neste momento.
8 Código estabelecida pela Resolução n.º 275, de 25 de abril de 2001, CONAMA.
1225
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 4 (a e b) – Ligação entre duas obras de uma mesma rede: “Vek” e “Marca/Marco I”.
Fonte: Produção autoral da artista-pesquisadora, 2014/2015
Assim sendo, Vek corresponde a primeira obra produzida no Mestrado, a qual foi ado-
tada como núcleo do centro criativo, conforme Fig. 3. Dela, “colheu-se” um resíduo só-
lido – lata de alumínio – passando como materialidade norteadora das ações poéticas
que se seguiram; sendo essas instauradas pelo conceito de “reciclar” (visto ser um arte-
fato exemplar do pós-consumo) e efetuando-se por uma rememoração ao período da
Pop Art (década de 1960), com a consequente reprodutividade da imagem.
Toda essa ideia estruturada quanto ao percurso criativo verteu-se também no momen-
to expositivo (Projeto Expográfico). A Figura 6 apresenta parcialmente esse momento;
1226
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 5 – Obras em disposição cíclica. Fonte: Produção da autora, acervo da galeria representante
De igual modo, nessa imagem, observa-se outra variação da lata de alumínio (marca
“Coca-Cola” – Fig. 4/b). Nela, para além do amassada, há um estágio inicial de derre-
timento, indicando uma continuidade do pensamento ou da rede.
Por fim, este trabalho considerou não apenas a premência da vida sobre o planeta –
nossa casa – mas também ao absorver os princípios organizacionais que rege a visão
ecológica, segundo teoria apresentada por Capra e numa ampliação quanto aos es-
tudos de Salles, à “arte como pesquisa” ganha novo fôlego. Ora, Erns Gombrich (1999,
p.44) disserta: a história da arte “não é uma história de progresso na proficiência técni-
ca, mas uma história de ideias, concepções e necessidades em permanente evolução”.
Referências Bibliográficas
Barros, José D’Assunção. (2008). A arte é coisa mental. In: Revista Poiésis, n. 11, pp.
71-82. Recuperado em 10 de setembro de 2012, em <http://www.poiesis.uff.br/PDF/
poiesis11/Poiesis_11_ artecoisamental.pdf>. Acesso em: 10 set. 2012.
9 Galeria Luiz Fernando Landeiro, Arte Contemporânea – situada a Rua da Paciência, Salvador, BA.
1227
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Canclini, N.G. (2006). Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da moderni-
dade. SP: Edusp.
Capra, Fritjof. (2006). A teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. São Paulo: Cultrix. (10ª reimpressão, 1ª ed. de 1997).
Capra, Fritjof. (2002). As conexões ocultas. Ciências para uma vida sustentável. São
Paulo: Cultrix.
Giosa, José Roberto. (2010). A moeda de Lata. São Paulo: Técnica de Comunicação
Industrial.
Loiola, E. & Moura, S. (1996). Análise de redes: uma contribuição aos estudos orga-
nizacionais. In: FISCHER, Tânia. (ORG.) Gestão Contemporânea: cidades estratégicas
e organizações locais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
Salles. Cecília Almeida. (1998). Gesto Inacabado: processo de criação artística. SP:
Annablume.
Salles. Cecília Almeida. (2006). Redes de Criação: construção da obra de arte. SP:
Horizonte.
Wilson, S. (2005). Arte como Pesquisa. In: LEAO (Org.). O Chip e o caleidoscópio. SP: Senac.
Zamboni, S. (2006). A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. C/SP: Auto-
res Associados.
1228
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Milton Sogabe1
O artesanal no contexto do pós-digital.
The artisanal in the digital context
Resumo
A tecnologia digital se estabeleceu em nossas vidas, assim como aconteceu com
todas as tecnologias anteriores, tornando-se despercebida no nosso cotidiano,
tal como a água e a energia, que só sentimos que existem, quando há falta delas.
O uso do computador para escrever um texto, é algo normal, tal como era escre-
ver em uma máquina de datilografar. Crianças antes de falar ou andar já brincam
com um celular. Vários adultos têm um videogame como lembrança da infân-
cia. A etapa da implantação do digital no cotidiano, causando uma revolução, já
passou, e agora estamos numa etapa denominada pós-digital, que não significa
depois do digital, mas sim um contexto onde essa tecnologia é parte natural de
nossas vidas e começa a provocar outro nível de transformações de forma sis-
têmica, afetando simultaneamente o mundo dos átomos, dos bits e das células.
Passada a fase inicial, quando os processos criativos buscaram entender e ex-
plorar as possibilidades do digital, constatamos agora uma presença marcante
do artesanal na produção. Ele está presente, tanto como seria o usual, no surgi-
mento de novos processos, onde estes incorporam aspectos do anterior, como
também no antigo que é influenciado pelo novo.
Assim, o processo digital incorpora alguns aspectos do artesanal, e outros que
ele não incorpora são resgatados através dos processos artesanais, para serem
utilizados, num processo híbrido de produção. Esses fatos acontecem dentro do
contexto atual do antropoceno e da sustentabilidade, que estão cada vez mais
presentes na consciência dos criadores, reforçando a retomada do artesanal,
como uma atitude.
Neste artigo, apontamos para esse processo e apresentamos algumas produções
em design e arte, onde o digital e o artesanal estão presentes de forma híbrida.
Palavras-chave: artesanal, digital, pós-digital, processo criativo.
1 Milton Sogabe, docente da Universidade Anhembi Morumbi desde 2017. Aposentado pela Univer-
sidade Estadual Paulista. Mestrado e doutorado pela PUC-SP, e pós-doutorado pelo Departamento
de Design e Arte, da Universidade de Aveiro. Membro do SCIArts, coordenador do grupo de pesqui-
sa cAt, e bolsista PQ desde 2008.
1229
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
Digital technology has established itself in our lives, as it has with all previous tech-
nologies, becoming unnoticed in our daily lives, such as water and energy, which we
only feel exist when they are lacking. Using a computer to write an article is normal,
as was writing on a typewriter. Before children start talking or walking, they already
play with a mobile phone. Several adults have a video game as a childhood memo-
ry. The stage of the implementation of digital in everyday life, causing a revolution,
is over, and now we are in a stage called post-digital, which does not mean after dig-
ital, but a context where this technology is a natural part of our lives and it begins to
provoke another level of transformation in a systemic way, simultaneously affecting
the world of atoms, bits and cells.
Past the initial phase, when the creative processes sought to understand and explore
the possibilities of digital, we now find a striking presence of the craft in production.
It is present, as usual, in the emergence of new processes, where they incorporate
aspects of the former, as well as in the old that is influenced by the new.
The digital process incorporates some aspects of craftsmanship, and others that it
does not incorporate, are rescued through craftsmanship processes to be used in a
hybrid production process.
These facts happen within the current context of anthropocene and sustainability,
which are increasingly present in the consciousness of the creators, reinforcing the
resumption of the craftsmanship as an attitude.
In this article, we point to this process and present some productions in design and
art, which are presented in hybrid form, with digital and handcrafted.
Keywords: artisanal, digital, post digital, creative process.
Introdução
Pensar a situação do artesanal no contexto da tecnologia digital parece-nos num
primeiro momento, um ato nostálgico e ao mesmo tempo, sem referência, por causa
do grande contraste existente. Tentarmos comparar processos manuais, pré-indus-
triais a processos altamente automatizados e inteligentes da era digital, não parece
fazer sentido. Porém, este artigo nasce justamente de uma percepção, de que aspec-
tos do artesanal continuam presentes no contexto denominado pós-digital, onde o
digital já está implantado no cotidiano, provocando grandes transformações sistê-
micas. Verificamos que mesmo a atividade artesanal tradicional cresceu muito no
século XXI, contradizendo nossas primeiras percepções de que o trabalho manual
desapareceria com a automatização das máquinas, num mundo tão tecnologizado.
Nesse sentido, nosso objetivo é a reflexão sobre o artesanal no contexto pós-digital.
Para isso, buscamos o conceito de artesanal neste novo contexto, e quais aspectos
1230
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Artesanal
O entendimento do que seja o artesanal ou o artesão não parece ter uma definição con-
gelada, mas sim em constante transformação de acordo com o desenvolvimento tec-
nológico de cada época, que vai desde a revolução industrial, no século XVIII, à quarta
revolução industrial, no século XXI. Nesse período, a produção de mercadorias passou
do processo manual individualizado, em espaços caseiros, com a família produzindo em
pequenas quantidades, para uma produção seriada em grandes quantidades através
das máquinas, em linha de montagem, com vários operários trabalhando nas indústrias.
O artesanato envolve vários fatores relacionando ser humano, meio ambiente, so-
ciedade e economia, além do processo criativo. Porém, vamos delimitar este tema
aos aspectos do processo criativo que envolve uma produção artesanal no contexto
pós-digital, com o artesanal se fazendo presente de uma maneira própria.
Artesanato e Arte
A relação entre artesanato e arte acontece durante toda a história da arte, apresen-
tando várias diferenciações, tal como no Renascimento, quando o artista ganha um
1231
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Segundo o conhecimento popular e conforme descrito em grande parte das enciclopédias, a ex-
pressão “artesanato”, que surgiu em fins do século XIX, refere-se ao trabalho manual feito pelo
artesão onde o mesmo possui seus próprios meios de produção e realiza todas as etapas desta
produção, desde a extração da matéria-prima até a comercialização, de maneira individual ou
colaborativa, podendo também ser de base comunitária ou familiar. (Lima, 2014, 7)
Produtos que são produzidos por artesãos, completamente à mão, ou com a ajuda de ferramentas
manuais ou mesmo mecânicas, desde que a contribuição manual direta do artesão permaneça
como o componente mais substancial do produto final… A natureza especial dos produtos arte-
sanais deriva de suas características distintivas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, cria-
tivas, culturalmente relacionadas, decorativas, funcionais, tradicionais, religiosas e socialmente
simbólicas e significativas. (Unesco, 1997, 6, tradução nossa)
1232
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Contexto pós-digital
Com a revolução digital, vivenciamos a presença do computador em vários espaços
de trabalho, que foram modificando nossas vidas. A Internet e o celular se tornaram
parte do nosso cotidiano, de uma forma tão rápida, tornando-se algo normal e des-
percebido, como se sempre tivesse existido. Como um efeito dominó aconteceram
transformações, atingindo de forma sistêmica, toda a sociedade e todas as áreas do
conhecimento, construindo uma nova realidade. Principalmente no contexto da
arte o termo pós-digital começa a ser usado, logo depois que Nicolas Negroponte
(1988), em 1998 declara: “Encare: a revolução digital acabou”. Kim Cascone, da área
de música, foi um dos primeiros a usar o termo pós-digital, seguido por Lev Manovi-
ch, e em vários eventos artísticos que trataram do assunto. (Sogabe, 2016, 205-206)
1233
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Essas transformações nos fazem perceber que a humanidade tem passado por revo-
luções constantes, que alteram a forma de funcionamento da sociedade e de nosso
viver, através de mudanças tecnológicas e de maneiras de perceber e pensar o mundo.
1234
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Há dez mil anos atrás passamos da caça e coleta de alimentos para a agricultura,
plantando nossa alimentação e domesticando animais, fato que melhorou muito as
condições de alimentação do ser humano, transformando-o. Outra significativa re-
volução foi promovida pela máquina a vapor, sendo a primeira revolução industrial,
no século XVIII, dando início à produção mecânica em série. Assim sucessivamente,
com a eletricidade, no final do século XIX, tivemos a segunda revolução industrial,
produzindo artefatos em massa através da linha de montagem. Depois com a tec-
nologia digital e os avanços científicos, nos anos 60, chegou a terceira revolução
industrial, mudando novamente a nossa realidade. A partir do início do século XXI,
como conseqüência da revolução digital, estamos ingressando na quarta revolução
industrial. (Schwab, 2016, 13)
A quarta revolução industrial, no entanto, não diz respeito apenas a sistemas e máquinas inte-
ligentes e conectadas. Seu escopo é muito mais amplo. Ondas de novas descobertas ocorrem
simultaneamente em áreas que vão desde o seqüenciamento genético até a nanotecnologia, das
energias renováveis à computação quântica. O que torna a quarta revolução industrial fundamen-
talmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios
físicos, digitais e biológicos. (Schwab, 2016, 16)
Jeff Link (2016) menciona que os artesões digitais estão modernizando o artesanato
e identifica cinco atitudes presentes: “1- Eles cuidadosamente avaliam e manipulam
materiais. 2- Eles preservam a intenção e o artesanato tradicional. 3- Eles usam mode-
lagem paramétrica para alterar a escala. 4- Eles fazem do projeto e da fabricação um ci-
clo de feedbacks recíprocos. 5- Eles falam a linguagem da produção sob encomenda.”
1235
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A mão do artista continua em processo nessas obras, porém auxiliado por dispositi-
vos tecnológicos, como ferramentas inteligentes. A seguir apresentamos três casos,
onde designer e artistas apresentam propostas de produção que combinam o pro-
cesso artesanal com utilização de ferramentas ou dispositivos digitais.
L´artisan electronique
1236
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Guy Martin
1237
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nesta produção de esculturas que revestem colunas de mais de 8m de altura, foi utili-
zado um braço robótico para modelar a peça de fibra de vidro, que foram divididas em
duas partes para envolverem uma coluna, passando também por processos de meta-
lização e acabamentos. Todo o processo de retirada do material, como numa escultura
tradicional, a peça é produzida a partir de um bloco, que vai sendo desgastada pelo
equipamento, de acordo com a estrutura programada no computador. (Martin, 2019)
Vinay Venkatraman
1238
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Uma de suas produções foi desenvolvida a partir da observação, na Índia, onde exis-
tem várias ativistas sociais voluntárias, que visitam as pessoas e as encaminham para
os centros de saúde pública, de acordo com a necessidade. As filas nos centros de saú-
de são enormes, com pessoas que vêm de muito longe. Para tentar ajudar nessa situ-
ação, desenvolveram um dispositivo chamado Medi Meter, que é um relógio desper-
tador adaptado, para funcionar como um dispositivo médico simples, para medição
das condições físicas da pessoa, fazendo uma triagem e indicando situações com as
áreas dos números do relógio, divididos em três áreas: a primeira, zona vermelha que
indica a necessidade de hospital, a segunda, laranja que indica um acompanhamento
da agente, e por último a azul, que indica que está tudo bem. (Venktraman, 2012)
Figura 6- Medi Meter. Venkatraman. Fonte: Nara Shin, 14/04/2014 Interview Vina Venkatraman. In
Cool Hunting. https://coolhunting.com/design/interview-vinay-venkatraman/
A construção desse dispositivo foi feita de forma artesanal, com um simples con-
trole remoto de televisão, partes de um mouse, um microcontrolador com alguns
1239
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
componentes extras, e com uma saída USB, que pode ser conectada a qualquer
sensor de pressão, temperatura, pulso etc. Venkatraman não se preocupa muito
com a densidade tecnológica existente no Medi Meter, pois prefere subestimá-la,
para que o usuário tenha uma experiência maior com o dispositivo, que continua
tendo a aparência de um despertador. Com esse dispositivo eles conseguem fazer
uma triagem mais eficaz, diminuindo as filas nos centros de saúde pública.
Considerações Finais
A tecnologia digital trouxe a automatização na produção e ao mesmo tempo a pos-
sibilidade de uma produção mais caseira, através de dispositivos cada vez mais ba-
ratos e acessíveis. Nosso pensamento cartesiano nos leva a pensar que o futuro será
totalmente automatizado, nas atividades técnicas e mesmo nas intelectuais, criando
uma crise do trabalho como nunca visto, no contexto da chamada Quarta Revolução
Industrial. Esse pensamento não permite visualizarmos outros aspectos que também
estão emergindo, nesse complexo sistema de transformações, tal como a questão do
artesanal. Como vimos, parece que há um caminho que aponta, para a possibilidade
da existência de um artesão digital, justamente por causa dessa mesma tecnologia,
possibilitando que muitos desenvolvam uma produção, como antes da Primeira Re-
volução Industrial, simultaneamente a uma produção seriada, que também está se
modificando. Os designers da Unfold, o artista Guy Martin e o designer Venkatraman,
nas suas falas e produções, já se consideram artesões digitais.
Referências
Andrade, Mário de. (1938) O artista e o artesão. Aula inaugural dos cursos de Filo-
sofia e História da Arte, do Instituto de Artes, da Universidade do Distrito Federal em
1938. 16p. (Mimeogr.). Recuperado de http://www.usp.br/cje/depaula/wp-content/
uploads/2017/03/Sem-3_O-Artista-e-o-Artes%C3%A3o_M%C3%A1rio-de-Andra-
de.compressed.pdf
Argan, Giulio Carlo. (1992) Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contempo-
râneos. Tradução Denise Bottmann, Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras.
Borges, Adélia. (2011) Design + Craft. The Brazilian Pat. São Paulo, Editora Ter-
ceiro Nome.
Córdola, Raul. (2013) Afinal, o que é artesanato? Segunda Pessoa Revista de Artes
Visuais – Ano 3, Número 1, jun-jul-ago 2013. Pág 9-13 Editora. Recuperado de http://
www.segundapessoa.com.br/edicoes/1/
Herrera, Pablo C. (2016) Digital fabrication and revival craft in Latin America: Alliance
1240
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
between designers and artisans. In: Wong, Wendy Siuyi; Kikuchi, Yuko & Lin, Tingyi
(Eds.). Making Trans/National Contemporary Design History. ICDHS 2016 – 10th
Conference of the International Committee for Design History & Design Studies. São
Paulo: Blucher, 2016, 291-295.
Link, Jeff. (2016) 5 Ways Architects and Postdigital Artisans Are Modernizing Crafts-
manship. In Archicteture, jan, 18, 2016. Recuperado de https://www.autodesk.com/
redshift/postdigital-artisans/?utm_medium=website&utm_source=archdaily.com.br
Negroponte, Nicholas. (1998) Beyond Digital. In WIRED Ventures Ltd. Issue 6.12, De-
cember 1998. Recuperado de https://web.media.mit.edu/~nicholas/Wired/
Paul, Christiane. Fluid Borders: The Aesthetic Evolution of Digital Sculpture. In Inter-
national Sculpture Center. Sculpture Magazine. Recuperado de https://www.sculp-
ture.org/documents/webspec/digscul/digscul.shtml
Scott, Stacy Jo. (2011) Unfold interview–the virtual potter’s wheel. January 10,
2011 Recuperado de http://journalofmoderncraft.com/tag/ceramics/page/
Shin, Nara. (2014) Interview Vina Venkatraman. In Cool Hunting 14/04/2014. Recu-
perado de https://coolhunting.com/design/interview-vinay-venkatraman/
1241
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O presente artigo3 enfoca a problemática da imaginação, aqui investigada como
caminho de aprofundamento na compreensão de questões cruciais à arte con-
temporânea e sua relação com a linguagem, a partir da interação entre teorias
que formulam o papel da imaginação nos atos de ler e ver, como a fenome-
nologia da imaginação, de Gaston Bachelard, e a teoria do efeito estético, de
Wolfgang Iser. A noção de imagem mental como componente definidor da par-
ticipação do leitor / espectador no processo de fruição de trabalhos artísticos
é fundamental para o desenvolvimento do tema, bem como o uso ampliado
dos conceitos aristotélicos de phantasía (capacidade de criar imagens interio-
res a partir do mundo físico) e phantasma (produtos imagéticos evanescentes
que habitam a imaginação), que contribuem, aliados à expansão do conceito
derridiano de hauntologia, à compreensão da dualidade presença/ausência nas
explorações interartes ligadas ao tempo e ao espaço.
Palavras-chave: palavra-imagem, interartes, percepção, recepção, efeito estético
Abstract
This paper focuses on the problematic of the imagination, as a way of deepening the
understanding of issues crucial to contemporary art and its relation with language,
from the interaction between theories that formulate the role of the imagination
1242
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nas artes visuais, no entanto, o descrever responsável por iniciar o processo imagina-
tivo é substituído pelo mostrar. Mais evidenciado, por condicionamento histórico, às
convenções do figurativismo, na pintura e na escultura representacionais, isto é, nos
dispositivos que trabalham mais aproximadamente com as questões da mimese, o
mostrar, não ausente da abstração e até mesmo da arte desmaterializada, a princípio
parece excluir o trabalho criativo do espectador no que tange à criação de imagens
internas. O espectador, porém, como o leitor de literatura, também está diante de
comandos, de sugestões, de ordenações e indicações que formam a linguagem visu-
al, e se esta é mais enfática e direta que a literária, pois reúne para os olhos imagens
formadas pela materialidade, não é menos aberta à interpretação; as imagens óp-
ticas também são passíveis de leitura, e deste modo são apenas ativadores não de-
terminantes, cujos efeitos provocam na apreensão sensível uma gama de iniciações
imagéticas que não se demoram na materialidade porque assumem na consciência
a intangibilidade e a fluidez das imagens mentais.
1243
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A distinção entre descrever e mostrar, antes de tudo, não parece caber às produções
de arte contemporânea, em que, há muito ultrapassadas as restrições atribuídas à
especificidade de linguagens e métiers, interpenetram-se os diversos campos de
criação estética, tanto nos processos construtivos de trabalhos de arte quanto nos
processos de fruição, já estabelecidos em consonância com o estatuto de compreen-
são e interpretação interposto entre os atores de um sistema de arte vigente. A arte
contemporânea, em sua abertura a incontáveis modos de operação e recepção, ca-
racteriza-se pela inserção não só de práticas como de conceitos oriundos de outras
artes e de outros campos do conhecimento. Desta forma, é impraticável pensá-la a
partir de distinções conceituais aplicáveis à outros momentos históricos e funda-
mentadas em teorias compromissadas com formas específicas de expressão.
No entanto, nos estudos literários, muitos dos códigos propostos por Gotthold
Ephraim Lessing (1969) em sua súmula da homologia estrutural e da hierarquia de
valor no que diz respeito à arte e à literatura, permanecem como preceitos irreto-
cáveis pelo seu apelo lógico e imediato, apesar de tais formulações pertencerem
inequivocamente a convenções teóricas do século dezoito. Para Lessing, as artes do
tempo seriam superiores às artes do espaço por uma série de razões, incluída en-
tre elas a potencialidade imaginativa, isto é, a capacidade de oferecer à imaginação
maior autonomia na criação de imagens. Enquanto as artes figurativas, espaciais,
como a pintura e a escultura, teriam, no compromisso com o mostrar, certa deficiên-
cia intelectual, posto que se engajam com a aparência externa das coisas, só as artes
temporais (notadamente a poesia) estariam aptas a tocar, por meio da estética, “a
pura consciência temporal”4 (Lessing apud Mitchell, 1986, p. 108).
4 Tradução nossa.
1244
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para Walter Benjamin, crer que os veículos artificiais que formam a linguagem po-
dem conter a essência espiritual de algo é “o grande abismo no qual ameaça precipi-
tar-se toda a teoria da linguagem” (Benjamin, 2011, pp. 51-52). O autor aponta para a
necessidade de não se confundir a essência espiritual de uma coisa de sua essência
linguística, mas isto não implica em uma dissociação absolta do mundo espiritual
das construções da linguagem. Para Benjamin, a essência espiritual é aquilo que a
linguagem só pode apreender “na medida em que é comunicável” (Benjamin, idem,
p. 52). Aqui, no lugar de variação de grau, temos uma diferença de tipo, posta pelos
limites do comunicável e sua relação com o inominável que o transborda.
No que tange ao incomunicável, a linguagem se presta a criar versões que nos sirvam
como traduções aproximadas. Desta maneira, a passagem do incomunicável para a
comunicação implica em deturpação de essência, pois o incomunicável, ao ser no-
meado, já não diz mais respeito a ele mesmo, e sim à linguagem, criação humana.
5 Tradução nossa.
1245
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Se ao criar imagens não estamos agindo sobre a nomeação das coisas, ainda esta-
mos, em procedimento similar, pondo a funcionar as possibilidades da linguagem,
atuando nos processos de tradução do inexprimível para o possível da matéria. Em
uma instância maior, dizer e mostrar são formas de tocar o inexprimível, com a fun-
ção de tornar entrevisível a existência espiritual e não nomeável das coisas, nunca
de modo a capturar a essência, mas promovendo movimentos de aproximação em
direção a ela. É no não-lugar da imaginação que espaço e tempo se esfacelam, mis-
cíveis, e que o inominável pode acontecer em liberdade. É necessário dizer e mostrar
para que se adentre este não-lugar de possibilidades infinitas, mas uma vez lá den-
tro, percebe-se que o que ali habita não tem partido com a restrição dos nomes e
com o definitivo das fisionomias.
Como pensada por Aristóteles em seu De Anima (2000), capacidade de criação ima-
gética interior, particularizada a partir da percepção, a phantasía é o ato de apreen-
são do mundo em percurso de transição entre o sensório e o intelecto. Seu produto
seria o fenômeno conhecido como phantasma, aparições não comprometidas de
todo com a aparência das coisas. Como produto mental, phantasma não é um con-
ceito aprisionado ao sentido mimético da representação, sendo mais reminiscência
da experiência sensível que se reveste de autonomia tão logo se manifesta, do que
cópia do mundo material. Krisanna M. Scheiter (2012) aponta para a concepção ex-
trapictórica da criação de imagens em Aristóteles (Scheiter, idem, p. 252), isto é, para
a sua ligação a diversas categorias, como a dos sonhos, da memória, da narrativa, e
também do pensamento, assim como à própria noção de percepção. Deste modo,
para Aristóteles, a criação de imagens materiais, representacionais, é somente uma
das várias possibilidades de criação imagética, ainda que o produto da phantasía, o
1246
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1247
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Isto não significa dizer que a imagem mental está conectada à imagem verbal e à
imagem óptica em uma relação de subordinação. Antes, a relação que se estabelece
entre elas é de referencialidade: a imagem mental, mesmo que tenha como ponto
de partida as imagens físicas e verbais, possui vida própria, não consistindo em res-
tos de percepção, conforme aponta Gaston Bachelard, ao dizer que o olho que vê,
no que tange às imagens da imaginação, “vê numa outra visão” (Bachelard, 1988, p.
167). A visão imaginária é mais inclinada ao sonho e ao devaneio do que à razão; de-
vido ao seu caráter fugidio e livre, as imagens mentais estão em constante expansão,
e se desgarram das estruturas ordenadas de suas antecessoras (imagens verbais e
ópticas) quase de imediato, tão logo se manifestam na passagem aberta pela per-
cepção, por serem de ordem “essencialmente variacional” (Bachelard, 1978, p. 185).
Deste modo diferem-se profundamente da natureza do pensamento conceitual, de
ordem constitutiva, encerrada. Ao contrário do refrear e circunscrever que carac-
teriza a constituição de um conceito, “a imaginação imagina incessantemente e se
enriquece de novas imagens” (Bachelard, idem, p. 196). As imagens da imaginação
não estão dissociadas de todo do pensamento lógico, no entanto, pois mantêm uma
relação intrínseca com os objetos do mundo. Ainda assim, não podem lhes servir em
substituição, conforme aponta Bachelard (idem, p. 185), porque sua existência se dá
em uma realidade específica, em que são alterados os valores da realidade material.
Dissemos que as imagens cuja presença não pode ser verificada em registros mate-
riais, estas que chamamos de imagens internas, mas que também fazemos confluir
com a acepção de imagens mentais e que relacionamos com a concepção aristoté-
lica de phantasma, têm nos veículos que ativam a percepção um ponto de partida.
É preciso rondar, no entanto, o sentido de “ponto de partida” para fazê-lo extravasar
do entendimento de algo cuja origem pode ser localizada. A geração de eventos
imaginários é um processo que não ocorre em dependência estrita aos estímulos da
percepção, estando ligada ao compilado de informações, experiências e toda a sorte
de particularidades que formam o que Christoph Wulf denomina “mundo imagético
interior” (Wulf, 2000). Tal mundo é formado, por um lado, pelo “imaginário coletivo
de sua cultura, e por outro, pela singularidade e inconfundibilidade das imagens
1248
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Localizar o destino de tais imagens é o mesmo que localizar sua origem: tarefa que
pertence, ou ao menos intenta ser rondeada pela proposta de hantologie, ou “espec-
trologia”, de Jacques Derrida. O termo, que é discutido em seu Espectros de Marx
(1994), abarca as disjunções temporais que formam a identidade das coisas e a exis-
tência da própria linguagem, no sentido de que é impossível nos acercarmos de um
tempo de origem para a mesma, posto que toda a origem implica em um algo que a
antecede; este algo, que só pode ser tratado pela linguagem, é uma ausência que se
imprime na própria tentativa de falar sobre sua existência, ou seja, é uma presença
fantasmagórica, ou não-presença, manifesta espectralmente em tudo aquilo sobre
o que se pode dizer.
A disjunção temporal que Derrida localiza na sua figura do espectro, que é ao mesmo
tempo o retorno de um passado e uma indicação de presença do futuro no presente,
também diz respeito às presentificações imaginárias, onde a cronologia se desmantela
sem dar sinais físicos de disrupção, pois os rastros que formam as imagens da imagina-
ção são forças que perturbam sem perturbar, ou eventos dissonantes do real matérico,
que lhe são paralelos sem com ele compartilhar os sentidos já formados das coisas: na
imaginação, o sentido está em constante formação, e talvez este não-lugar do mundo
imagético interior seja mais propício ao defrontamento com a origem do significa-
do do que a própria linguagem, e deste modo o rastro seria a única coisa passível de
linguagem que vaza do inominável, mesmo assim manifestando-se nas coisas como
espectro e jamais como fenômeno plenamente presentificado, pois não é exatamente
vestígio, e sim uma espécie de contaminação, invisível e latente.
1249
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Aristóteles. (2000). On the Soul. London: Harvard University Press.
Iser, Wolfgang. (1979). A Interação do Texto com o Leitor. In Jauss, Hans Robert (et
all). A Literatura e o Leitor: Textos de Estética da Recepção (pp. 83-132). Rio de Janeiro:
Paz e Terra.
Lessing, Gotthold Ephraim. (1969). Laocoon: An Essay upon the Limits of Poetry and
Painting. New York: Farrar, Straus and Giroux.
1250
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1251
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Nos dias que correm, assistimos cada vez mais a uma expansão da prática artísti-
ca que, consequentemente, vai interferir na própria construção da teoria da arte.
Esta expansão, que na minha opinião, é altamente positiva, arrasta consigo outras
consequências, menos positivas, que podem, de alguma forma, “atrapalhar” o pró-
prio sistema. Ou seja, a prática está cada vez mais “doutorada” - devido à profusão
capitalista dos cursos de arte - e menos “pensada” - devido ao aparecimento de
titulações (e propinas) - que, devido ao excesso de cursos e programas, criou uma
necessidade de formar rápida e com excelentes notas, toda uma sociedade, que,
em grande parte, já não olha ao produto/objeto, nem tão pouco quer pensar/te-
orizar aquilo que produz. Por conseguinte, esta expensão, obrigou à criação de
Unidades de Investigação que se organizam para sobreviver neste mundo “douto-
rando”. Nesta perspetiva vou expor aqui o que acontece no grupo que coordeno
“Práxis e Poiesis: da prática artística à teoria artística” numa tentativa de demons-
trar o “estado da arte” de uma parte da prática artística contemporânea.
Abstract
Nowadays, we are increasingly seeing an expansion of artistic practice that, conse-
quently, will interfere with the very construction of art theory. This expansion, which
in my opinion is highly positive, carries with it other, less positive, consequences that
may somehow “disrupt” the system itself. That is, the practice is increasingly “doc-
toral” - due to the capitalist profusion of art courses - and less “thought” - due to
the emergence of titles (and tuition fees) - which, due to the excess of courses and
programs, created a need to form quickly and with excellent grades, a whole so-
ciety that, for the most part, no longer looks at the product / object, nor wants to
think / theorize what it produces. Therefore, this expense has forced the creation of
Research Units that organize themselves to survive in this “doctoral” world. In this
1 Paulo Bernardino Bastos é Ph.D. em ESTUDOS DE ARTE, estudou Escultura na ESBAP (Porto), em
Portugal, e fez um MA-Escultura na Royal College of Art, em Londres. Procurando articular o seu
campo de investigação entre a prática e a teoria, desenvolve o seu universo de investigação olhan-
do para as obras produzidas através das várias mediações tecnológicas (da pintura tradicional ao
digital contemporâneo). Tem participado em vários eventos internacionais como conferencista e
como artista.
1252
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
perspective I will present here what happens in the group that coordinates “Praxis
and Poiesis: from artistic practice to artistic theory” in an attempt to demonstrate
the “state of the art” has a part of part of contemporary artistic practice
Introdução
Este artigo visa promover, estimular, e promover uma discussão em torno das pes-
quisas em áreas relacionadas às artes - na proximidade de ciências, média e cultura -
tendo como preocupação central a integração das dimensões artísticas e tecnológi-
cas, e suas consequências no sistema - do ponto de vista da produção, da circulação
e afirmação das obras e das suas teorias que (cada vez menos) servem, ou deveriam
servir, para apoiar e expandir o sistema.
Toda esta parafernália de titulações a que assistimos, deveria, e com certeza também
traz, uma prática mais especializada, contudo, creio eu, também menos pensada en-
quanto discurso – visto estar muito dependente de uma financiarização do sistema
-, e, como tal, acelerada e em grande parte preocupada em competir por “notas/
médias” – por todos acordado que altamente inflacionadas – que, na realidade, tem
contribuído para um certo descrédito dos diplomas, mas que é ótimo para a forma-
ção de ditas Unidades de Investigação, que no meu entender, não mais são do que
agrupamentos de pessoas em torno de problemas levantados pelas universidades
para se financiarem e com isso acabarem com as escolas de artes. Onde a tónica de
então era colocada na “essência”, passou a ser hoje no “texto”, e com esta transforma-
ção iludiu-se o conhecimento artístico/pratico e sustentam-se teorias – textos que
tanto se produzem, mas que ninguém lê – e deixam-se os “professores” sem “obras”.
1253
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Temos, por toda a nossa sociedade, cada vez mais programas de doutoramentos –
no caso, falo objetivamente nas artes lato senso–, e parto para a discussão, mais es-
pecificamente, a partir da minha experiência como coordenador do grupo “Praxis e
Poiesis da prática à teoria artística” (P&P) com o objetivo de promover uma pesquisa
inter/trans-disciplinar. Pretende este grupo ser um centro na criação experimental
e original de projetos artísticos, individuais, coletivos e socialmente inclusivos, as-
sim como, desenvolver, explorar e estimular atividades e resultados de pesquisa em
áreas artísticas e tecnológicas subjacentes às práticas visuais e de artes cênicas dos
membros - do amplo grupo de pesquisadores e colaboradores.
Nos últimos anos, o grupo procurou fomentar uma discussão crítica e disseminar
conhecimentos no contexto dos Estudos Artísticos e Práxis. Entre 2013-2018, o gru-
po concluiu vários projetos de pesquisa de doutorado financiados, vários mestres e
alguns projetos de pós-doutorado - que iniciaram pesquisas nas áreas de crítica de
arte, fotografia, ciência e tecnologia, estudos de memória e neurociência, sociologia
da arte, ensino de artes, interação, realidade aumentada, cultura digital ou cultura
e tradição, representação em coleções culturais e científicas - apresentando-as em
conferências, publicando em revistas científicas nacionais e internacionais, produ-
zindo curadoria e participações em exposições e festivais de reconhecido impacto.
2 Que temos vindo a assistir ao desmantelamento das instituições, que no caso das Universidades Portu-
guesas se tornam em sistemas fundacionais (apesar de não caber aqui esta discussão pode-se encontrar
toda informação do processo nos sistemas de informação dos nossos dias – a começar pela www).
3 Parto do meu exemplo que me formei em Licenciatura em Artes Plásticas: Escultura, Escola Su-
perior de Belas-Artes do Porto (E.S.B.A.P.), Porto, 28 de junho, 1991. Esta mesma instituição agora é
designada como Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (F.B.A.U.P.).
4 Nestes últimos seis anos produzi/organizei em Portugal, conjuntamente com a Prof. Doutora Maria
Manuela Lopes (membro, até então, integrado do grupo P&P), três encontros - #14; #16; #18ART.
O Encontro Internacional #ART busca entrar em um ambiente ecossocial, politizado e culturalmente
desafiador em terreno instável, como a arte globalizada de hoje que vive com migração híbrida
miséria e excesso, trazendo para dentro do discurso do território da arte uma consciência social.
5 #18 O ART está a ser realizado na Universidade do Lisboa, 2019, sob o tema “DA ADMIRÁVEL OR-
DEM DAS COISAS: arte, emoção e tecnologia”; # 16 O ART foi realizado na Universidade do Porto, em
2017, sob o tema “ARTIS INTELLIGENTIA: Imaginando o Real”; # 14.ART foi realizado na Universidade
de Aveiro, em 2015, sob o tema “ARTE E DESENVOLVIMENTO HUMANO”.
1254
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Posso afirmar que as relações entre arte, ciência e tecnologia estão contaminando,
reconfigurando e transformando as várias camadas do sistema de arte, provocan-
do no sistema uma grande porosidade dos meios às formas. Vejo a condição do
fazer e do agir artístico, não como uma maneira de “resolver”, mas de complexificar
e, assim, tornar a sociedade consciente da sua missão ativa enquanto participativa
na discussão, em vez de estar apenas consciente e agir, ainda assim, apenas por
parte do indivíduo.
6 O Encontro Internacional “#ART: busca analisar conceitos como: território e cultura; Materialida-
de e imaterialidade; Pensamento e ação; Memória e identidade, para confrontá-las com as novas
noções derivadas do pensamento contemporâneo - de meios computacionais, de colaboração,
compartilhamento | coautoria, do interator | usuário, sistema, virtualidade, artificialidade, simulação,
interface, hipertextualidade, onipresença e interatividade - articular e atualizar os discursos na área
de pesquisa e produção artística.
7 “Olhar e Experiência: Interferências no Arquivo”, no Museu de Penafiel, Penafiel (Portugal), 20 de Maio
a 11 de Julho 2017; “Enhancement: MAKING SENSE”, i3S Porto 2016; “Matéria e Media do Invisível: Ar-
queologia da Memória”, no Museu de Penafiel, Penafiel (Portugal), 12 de Março a 09 de Abril 2016. Etc.
8 Dessa forma, o grupo estruturou e desenvolveu o projeto de pesquisa e desenvolvimento
RAMPAP - Realidade Aumentada versus Realidade Aumentada e / exploratória), Projeto Art Ba-
sed em um laboratório de Anatomopatologia, que utiliza o olhar artístico aliado à tecnologia da
Realidade Aumentada para informar pesquisas médicas em anatomopatologia e questionar a
compreensão das relações corpo / saúde / identidade / memória (Apesar de não ter conseguido
o financiamento desejado, a pesquisa de suporte permitiu os resultados de uma participação
na conferência VAMR de Realidade Aumentada e Mista Virtual em Toronto 2016 e um capítulo
do livro Humanities as Science Matters).
1255
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os Doutoramentos...
Estes últimos anos permitiram a conclusão de várias teses de doutorado em diversas áre-
as, como imagem na arte e no cinema, estratégias narrativas em realidade aumentada,
9 Surge em 2007 e começou o seu funcionamento financiado em Janeiro de 2009, depois de uma
avaliação externa (a visita do painel internacional aconteceu em Fevereiro de 2008) que lhe atribuiu
a classificação de “Muito Bom”. Atualmente foi alvo de nova avaliação em Junho de 2019 reiterando
a sua classificação de “Muito Bom”.
10 Transdisciplinar FACTT, Festival Transnacional de Arte e Ciência, Lisboa Central Tejo, Escola de Artes
Visuais de Lisboa, Nova York e Cidade UNAM do México, 2017, “Arte em Neurociências”, Fábrica de Braço
de Prata, Lisboa, 2017, FACTORS 3.0 - Festival de Arte, Ciência e Tecnologia do RS, Santa Maria, Brasil 2016;
Exposição Internacional EmMeio 8.0, Museu Nacional da República, Brasília 2016; SULSAL, Fundação Ver-
beke, Bélgica 2016; Bienal de Arte, Ciência e Tecnologia de Zagreb, Kontejner, Zagreb, Croácia 2014; Ad-
mirável Mundo Novo, Casa da Música, 2015 ou Computer Art for All, Rio de Janeiro, Brasil, 2014.
1256
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
relações arte e ciência, imagem e importância das tecnologias na criação artística; estra-
tégias de arquivamento, práticas de memória e identidade; estudos culturais (estudos
de gênero e design); desempenho; arte e educação ou comunicação em plataformas
digitais. O que resultou em inúmeras publicações, apresentações em conferências e ex-
posições, tais como: Uma coisa entre muitas, Sala do Veado, Museu de História Natural
ou Rastreio, estúdio KN Sing, Farnham, Reino Unido, 2013. O investimento no tipo de
pesquisa interdisciplinar, fez com que o grupo conseguisse desenvolver um protótipo e
um contrato de pesquisa em 2015, com uma interface de sistema de entrada para cirur-
gia guiada por imagem com base em realidade aumentada (o acordo de 12 de março de
2015 é feito entre a EC Medical Limited & UA).
Devido às estreitas conexões do grupo com o Brasil, o grupo produziu um livro sobre
Raymundo Colares - Fundação de Arte de Niterói / Museu de Arte Contemporânea
de Niterói, 2013, e uma exposição sobre arte brasileira Exposição Do Outro Lado
(2015). Espaço Mira, Porto.
Outros membros do grupo são especialistas reconhecidos e fazem parte de várias con-
ferências internacionais de artes / pesquisa, como: Congresso Internacional CSO 2018,
(FBAUL); # .ART, Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (2012 ...); ARTECH (Con-
ferência Internacional de Arte Digital e Eletrônica) (2006 ...); AVANCA | Conferência In-
ternacional CINEMA Cinema, Arte, Tecnologia, Comunicação (2011…); CONFIA (2013
...) Conferência Internacional de Ilustração e Animação (IPCA); Conferência CUMULUS
Aveiro 2014; CIMODE (2014 ...) Congresso Internacional de Moda e Design | Politecni-
co di Milano, Itália; CROSS MEDIA ARTS 2016, 1ª Conferência Internacional de Artes
Sociais e Transdisciplinaridade, Évora, 2016; 8º Congresso Internacional de Design da
Informação, CIDI 2017, Universidade Federal do Rio Grande do Norte; EAW17 (2017 ...)
Ventos Eletroacústicos da Conferência Internacional: SYNCHRESIS - Audio Vision Ta-
les, UA, 2017; UD15, UD16, UD17 Phd In Design Forum, Porto (2015…); VI SEMINÁRIO
NACIONAL DE PESQUISA EM ARTE E CULTURA VISUAL (Goiânia, Brasil) 2013.2014; PER-
FORMA’11 Encontros de Investigação em Performance, UA, 2011.2012.
1257
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em última análise, todas as descobertas que derivam das diferentes formas de pes-
quisa e nos diferentes níveis de participação11 são relevantes para a prática artística
e contribuem para o fortalecimento da qualidade da educação nas universidades
implicadas no grupo de investigação - os membros do P&P participam numa ampla
gama de projetos exploratórios e/ou escolásticos, práticas e colaborações.
1258
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
- FORUM - tem uma visão abrangente da prática e reflete nela reunindo praticantes
de arte e design, teóricos, escritores e curadores da Universidade de Aveiro, Faculda-
de de Belas Artes da Universidade do Porto e ISCE Douro, envolvendo também cola-
borações com vários parceiros de toda a e fora da academia. O Fórum P&P (Reunindo
Profissionais, Teóricos e Curadores, Indústrias Culturais e Multimídia e Stakeholders)
é constituído pelo “Programa de Oradores Convidados” (pelo MCAC-UA) e pelo “DAM
Talks– Conversas D´ouro” (pelo ISCE-Douro);
1259
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os sistemas atuais em que as Universidades estão inseridos, estão por demais depen-
dentes de um auto-financiamento, que tem consequências nefastas para as áreas que
não se pautam por bens ou serviços que se possam traduzir, de forma imediata, em
ganhos financeiros ou sistemas correlacionáveis com a industria (apesar de ser ter “in-
ventado” a ideia de “indústria cultural” – que em si é um oxímoron). Pela forma, como
espero ter demonstrado, os ditos investigadores/pesquisadores/professores estão
ocupados em fazer as unidades de investigação “funcionar” para poderem ter algum
acesso a financiamento publico – um pouco à laia de “subsidio” – quando o serviço
prestado é efetivamente de serviço publico ao mais alto nível. No caso das artes, este
sentido de serviço púbico é ainda mais agravado porque na realidade não se ensina a
ser artista e se não for o espírito livre da investigação criativa – na forma e nos métodos
– caímos no risco de ver a praxis e a poieses a entrarem nas doutorizações e a perde-
rem a frescura e a diferença pela qual se pauta a própria noção de cultura.
Bibliografia:
Arnheim, R. (1974), Visual Thinking, California: University of California Press.
Baudrillard, J. (1997), Art and Artefact, Zurbrugg, Nicholas (ed.), Londres: SAGE.
1260
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Foster, H. (1996), The Return of the Real: the Avant-Garde at the End of the Century,
Cambridge: MIT Press.
1261
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rodolfo Ward1
Transmutações sociais: novas tecnologias, concepções de
mundo, novos regimes de verdade e a necessidade de um
reencontro com a Natureza
Social Transmutations: New Technologies, Worldviews, New Regimes of Truth, and
the Need for a Reunion with Nature
Resumo
O presente artigo tem por objeto relatar teoricamente o processo de criação
artística da animação gráfica e sonorização de 12 fotografias produzidas nas
cidades brasileiras de Brasília-Distrito Federal, Olhos D´Água-Goiás, Jaguarão-
-Rio Grande do Sul e a cidade Uruguaia de Rio Claro, durante o ano de 2018,
e apresentadas como resultado imagético do projeto de pesquisa em nível de
mestrado, no Instituto de Artes – IDA-UnB, no ano de 2019. O resultado desse
experimento foi transformado em vídeo arte e submetido como obra para com-
por a exposição do #18.ART. Nesta nova proposta, que é a continuidade de pen-
samento do trabalho fotográfico estático propomos o uso da tecnologia para
animar as fotografias, criando fluxos gráficos visíveis e fluxos sonoros invisíveis
com intuito de compor outro evento estético e outra forma de interação afetiva
e sensitiva entre a obra artística e o observador.
Palavras-chave: Fotografia Contemporânea, Teoria dos Afetos, Arte e Tecnologia,
Vídeo Arte, Observador.
Abstract/resumen/resumé
This article aims to report the process of artistic creation of graphic animation and
sound of 12 photographs produced in the Brazilian cities of Brasilia-Federal District,
Olhos D’Agua-Goiás, Jaguarão-Rio Grande do Sul and the Uruguayan city of Rio Cla-
ro. , during the year 2018, and presented as an imaginary result of the master’s level
research project at the Art Institute - IDA-UnB, in 2019. The result of this experiment
was transformed into video art and submitted as a work to compose. the exposure
of the # 18.ART. In this new proposal, which is the continuity of thought of static
photographic work, we propose the use of technology to animate photographs,
1262
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
creating visible graphic streams and invisible sound streams in order to compose
another aesthetic event and another form of affective and sensitive interaction be-
tween the work. artist and the observer.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Contemporary Photography, Theory of Affections,
Art and Technology, Video Art, Observer.
Introdução
O presente artigo2 tem por objeto relatar teoricamente o processo de criação artís-
tica da animação gráfica e sonorização de 12 fotografias produzidas nas cidades de
Brasília-DF, Olhos D´Água-GO, Jaguarão-RS e Rio Claro-Uruguai, no ano de 2018, e
apresentadas como resultado imagético do projeto de pesquisa em nível de mestra-
do, no Instituto de Artes – IDA-UnB. O resultado desse experimento foi transformado
em vídeo arte e submetido como obra para compor a exposição do #18.ART. Nesta
nova proposta, que é a continuidade de pensamento do trabalho fotográfico estáti-
co propomos o uso da tecnologia para animar as fotografias, criando fluxos gráficos
visíveis e fluxos sonoros invisíveis com intuito de compor outro evento estético e
outra forma de interação afetiva e sensitiva entre a obra artística e o observador.
Nesse sentindo as animações são apresentadas em um suporte tecnológico afim de
articular o simbólico em um novo microssistema sinérgico onde a função poética
revela visualmente as irradiações de energias e forças vitais que, análogas ao som,
operam em nós para além do visível e do plano físico, propondo um novo olhar para
o plano quântico e novas perspectivas para as relações humanas, sociais e questões
ambientais, sendo o contato com a natureza e culturas tradicionais uma possibili-
dade para novas formas de viver o Eu, ou, um reencontro com a natureza. A Vídeo
Arte foi transformada em uma narrativa visual com adição de diversos componentes
sonoros produzidos a partir de músicas e sons colhidos da internet e captados por
meio do microfone do dispositivo celular. Posteriormente foram mixados e transfor-
mados em uma única faixa sonora que compões a narrativa da vídeo arte.
Para uma melhor compreensão do leitor sobre a temática abordada por esse artigo
iremos iniciar o texto trazendo conceitos filosóficos, científicos e artístiscos de Deleuze
e Guatarri (1992) que irão contribuir para melhor compreensão sobre a teoria dos afe-
tos. Essa teoria é fundamental para compreendermos como se dá a criação artística na
contemporaneidade, principalmente, dentro da linha de pesquisa, arte e tecnologia.
Após apresentar a teoria dos afetos iremos trabalhar conceitos sobre a imagem na
contemporaneidade e como elas se relacionam com os objetos técnicos e conse-
2 O presente artigo recebeu financimanto por meio do edital 01/2019 do Fundo de Amparo a Pes-
quisa do Distrito Federal – FAPDF e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais PPGAV/UnB.
Agradecemos a essas duas Entidades que apoiam a pesquisa no Distrito Federal.
1263
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para que os conceitos sejam formulados com potência e possam ser assimilados pe-
los “outros” é necessário compor um cenário de formulação filosófica. Dentro deste
cenário deve-se criar diálogos com personagens conceituais que irão proporcionar a
evolução e a consistência do conceito. A composição do cenário e os componentes
do cenário são importantes uma vez que cada corpo possui capacidade singular de
afetar outro corpo em um determinado momento.
“os filósofos não devem mais contentar-se em aceitar os conceitos que lhes são dados, para somente
limpá-los e fazê-los reluzir, mas é necessário que eles comecem por fabricá-los, criá-los, afirmá-los,
persuadindo Sobre a relação da amizade com a possibilidade de pensar, no mundo moderno, os
homens a utilizá-los. Até o presente momento, tudo somado, cada um tinha confiança em seus
3 Devido à época em que o autor escreveu o livro O Que é Filosofia, 1991, com 70 anos de idade,
Deleuze enfatiza que a filosofia só é compreendida com sobriedade em determinado momento da
vida, um momento tardio, da velhice. O autor faleceu em 1995. Desde 1992, seus pulmões, afetados
por um câncer, funcionavam com um terço da capacidade. Em 1995, só respirava com a ajuda de
aparelhos. Sem poder realizar seu trabalho, Deleuze atirou-se pela janela do seu apartamento em
Paris, em 4 de novembro de 1995. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilles_Deleuze>.
Acesso: 18/07/2019.
4 Foi um filósofo, psicanalista e militante revolucionário francês praticamente autodidata que não
chegou a cumprir a burocracia de nenhum título universitário. Produziu uma grande quantidade de
textos, relacionou-se de forma produtiva com muitas das figuras mais importantes das ultimas três
duas ou quatro décadas, militou política e ativamente tanto nas organizações tradicionais, como na
maioria das alternativas importantes do seu tempo cronológico, foi criador de uma série de movi-
mentos e fundador de uma série de dispositivos políticos que tiveram um papel importantíssimo
nas tentativas de transformação do que é o mundo moderno e pós-moderno. Disponível em: < ht-
tps://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_Guattari>. Acesso: 18/07/2019.
1264
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
conceitos, como num dote miraculoso vindo de algum mundo igualmente miraculoso” (NIETZCHE
APUD DELEUZE, GUATTARI, 2010, p.11-12).
Por meio da análise do pensamento dos autores chegamos à conclusão que a reali-
dade é múltipla e complexa que por sua vez cria um mundo múltiplo e complexo. E,
a “ideia de que o conceito é questão de articulação, corte e superposição” (1992, p.
27) do emaranhado de conhecimentos e ideias que formam a realidade. Com esse
pensamento complexo que se forma e movimenta rizomáticamente Deleuze e Gua-
tari (1992) rompem com a analogia da árvore do conhecimento do século XVII, de
Decartes. A famosa imagem da árvore do conhecimento é composta por raízes que
representam o pensamento metafísico, o tronco a filosofia e a partir dele as ramifica-
ções dos saberes em suas várias ciências.
Deleuze e Guattari (1992) distinguem de forma clara ao mesmo tempo em que colo-
cam no mesmo nível os três tipos de pensamentos. O artístico, o filosófico e o cientifi-
co. Para os autores o pensamento filosófico é diferente do pensamento artístico, que
por sua vez é diferente do pensamento cientifico. Essa última forma de pensamento
cria funções cientificas. O pensamento filosófico cria conceitos existenciais para eman-
cipar o indivíduo sobre os diversos problemas relacionados à vida e o pensamento
artístico cria pensamento por meio de um bloco de sensações, um composto de “per-
ceptos e afectos” que após criados passam a existir em si mesmo. Os afectos são preci-
samente devires não humanos do homem e os perceptos são paisagens não humanas
da natureza. Torna o observador parte do composto de sensações.
1265
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
criador, espectador, auditor) e do momento em que foram criados. Para sua criação é
necessário o artista, entretanto, sua sobrevivência não está mais ligada a este e sim a
duração do seu suporte e materiais constitutivos. A única lei da criação é que o com-
posto de afectos e perceptos deve ficar em pé sozinho para que se eternize.
“É de toda a arte que seria preciso dizer: o artista é mos-trador de afectos, inventor de afectos, cria-
dorde afectos, em relação com os perceptos ou as visões que nos dá. Não é somente em sua obra
que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz transformamos com eles, ele nos apanha no composto”.
(DELEUZE E GUATARRI, 1992, p. 227)
O nosso corpo sofre modificações a partir de encontros com outros corpos que se tor-
nam impressões ou imagens chamadas de afectos. Para os autores a mente está unida ao
corpo. É necessário e extremamente saber distinguir o afeto do corpo que o afetou e não
ligar determinado afeto a determinado corpo pois cada corpo afeta de forma diferente
outro corpo. Um grande erro que cometemos é associar a imagem da minha alegria a
imagem do corpo que me afetou. Pois com vimos cada momento e cada experiências
são diferentes. Afeto é a variação da nossa potência de agir e pode ser mais potente, que
seria a felicidade e menos potente, que seria a tristeza. Um corpo pode afetar de forma
mais potente em um determinado momento e menos potente em outro momento.
Afeto é o que me afeta. É o que me move. O desejo, a alegria, a tristeza e suas várias
ramificações como a inveja, a soberba, o amor, a paixão. Através da experimentação
de corpos podemos conhecer diferentes tipos de afetos. O pensamento artístico con-
segue transforma as percepções em perceptos que criam afectos e se eternizam. A arte
libera a vida aprisionada, quebra o hábito, propõe novas composições de afetos para
o corpo e para a mente que passam a se sentir de outro jeito, liberta uma vida en-
tristecida, ou, pode entristecer uma vida alegre. O artista na contemporaneidade tem
buscado novas formas, formas tecnológicas, para produzir diferentes afetos.
As imagens na contemporaneidade
Ao abordar a evolução imagética dentro das teorias da imagem, podemos relacio-
nar a imagem do registro fotográfico moderno com a primeira dimensão do estudo
1266
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de Brea (2010), que está ligada à imagem-matéria. Essa imagem encarnada recria
o mundo estático e durável e está ligada à verdade que recria o mundo estático e
durável, sendo ligada à verdade. Representada pelas artes tradicionais, nos artefatos,
na imagem-objeto, na imagem da pintura e da escultura. São imagens únicas, singu-
lares, que nos prometem a individualização e incorporam, encarnam a promessa de
permanência, da memória, impedindo a passagem do tempo e que sempre poderá
ser resgatada. O regime técnico de produção da imagem-matéria aprisiona-a, inscre-
ve-a em seu próprio suporte; essa imagem é soldada ao suporte. Indissoluvelmente
apegada a sua forma materializada. A imagem-matéria é uma imagem “encarnada”.
Na segunda dimensão de sua investigação, Brea (2010) fala sobre a era da imagem-
-filme, que seria a era da imagem reprodutiva, dinâmica, imagem-movimento, que
não se recupera sendo impermanente e passageira, sendo ligada a um modelo eco-
nômico de distribuição e a um tipo de memória retiniana (REM).
A terceira dimensão do estudo de Brea (2010) refere-se às e-imagens, que são ima-
gens que representam uma nova concepção metafísica em um espaço-tempo que
já não é o nosso. Essas e-imagens – ou imagens fantasma, ou imagens-tempo – são
imagens instantâneas que não têm nenhum original, sendo produzidas ilimitada-
mente dentro de um sistema de memória RAM, sendo criadas com o objetivo es-
pecífico de serem compartilhadas pelas comunidades de usuários das redes infor-
macionais distantes dos regimes de propriedade e distribuição e muitas vezes da
própria arte e dos modelos econômicos.
5 Venturelli (2004) entende que os avanços tecnológicos proporcionaram novas formas de se fa-
zer arte e que as vanguardas dos movimentos artísticos buscaram incorporar novas técnicas e fer-
ramentas em suas criações. Explicita que os movimentos artísticos do século XX, de modo geral,
introduziram na arte o desejo pelo novo e rejeitaram cânones de uma tradição determinada pela
classe burguesa. Por novas tecnologias entende-se a fotografia, o cinema e o vídeo, e por tecnolo-
gias contemporâneas, as computacionais. Venturelli (2016) complementa que uma das principais
características da arte do século XXI é a liberdade em relação a todo controle autoritário em prescre-
ver normas racionais pela estética e tem como objetivo desenvolver na estética a força da reflexão e,
assim, romper com a alienação das massas.
1267
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A produção contemporânea tem seu diferencial porque, quero entender, vivemos uma saudável
crise: de um lado, vemos um esgotamento das artes plásticas tradicionais, e, do outro, temos um
novo momento tecnológico em termos de produção imagética, no qual predomina a imagem di-
gital. Essa crise é, em parte, responsável pelo interesse despertado pela fotografia – seja pelos mu-
seus e galerias, seja pelos colecionadores, pelos artistas visuais, que estão aprendendo (de novo) a
incorporá-la em seu trabalho, seja pelos próprios fotógrafos, que estão trilhando outros caminhos
para concretizar sua produção e circulação de imagens fotográficas (FERNANDES, 2006, p. 11).
6 Esse termo busca “explorar as novas mensagens que existem no cinema e examinar algumas das
novas tecnologias de produzir imagens que prometem estender as capacidades perceptivas do ho-
mem além de suas já extravagantes experiências visuais” (YOUNGBLOOD, 1970, p. 41).
1268
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os objetos técnicos
Para entendermos as atuais discussões sobre fotografia contemporânea dentro da
linha de pesquisa arte e tecnologia, temos de adentrar no pensamento de Simon-
don. Não pretendemos exaurir a complexidade do pensamento a respeito da evo-
lução dos objetos técnicos, queremos elucidar questões relativas à interação entre
homem e aparelho. Não pretendemos nos aprofundar no pensamento de Simondon
(1989), entretanto se faz necessário resgatar o pensamento deste autor, em específi-
co o conceito sobre a interação humana com a tecnologia.
Para Simondon (1989), o objeto técnico foi inventado naturalmente sem ter correla-
ção com fatores econômicos, sociais e culturais. Ele associa a evolução dos objetos
técnicos à evolução humana, como uma evolução conjunta e natural. Ele atribui aos
objetos uma gênese própria, separada da gênese do ser humano. Nesse processo de
atribuir uma gênese própria ao objeto técnico, o autor lhe atribui autonomia para
que se tornem um “ser” técnico, que evolui e se desenvolve por meio de convergên-
cia e adaptação. Como diz Simondon (1989, p. 20), “o ser técnico evolui por conver-
gência e por adaptação a si; ele se unifica interiormente segundo um princípio de
ressonância interna”.
Um dos principais pensamentos na teoria de Simondon (1989) é quando ele diz que
a ideia de oposição entre cultura e técnica é falsa, da mesma forma que a oposição
entre homem e máquina também é falsa. Essa “ignorância” em relação à natureza
das máquinas e ao conhecimento técnico seria uma das causa do mal-estar recor-
1269
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por esse prisma, foi construída esta pesquisa, que é uma espécie de experimentação
com o dispositivo fotográfico utilizando as potencialidades tecnológicas que ele me
permite, sendo a mobilidade um deles, ao mesmo tempo que derivo por lugares
desconhecidos e trabalho em coautoria homem-máquina.
Na atual pesquisa com fotografia, busco criar à borda do real e do ficcional, emba-
sado de forte contexto social, ao mesmo tempo em que utilizo a programação de
pintura com a luz ou com baixa velocidade do meu dispositivo móvel, criando um
trabalho em coautoria homem-aparelho, em que nós freamos o tempo aprisionando
não apenas uma fração de segundos como a concepção tradicional de fotografia,
mas subvertemos minutos em uma imagem.
Dessa forma, criei uma narrativa artística por meio de uma análise crítica e de resis-
tência como um possível processo contra-hegemônico tanto da imagem quanto das
formações sociais, da estética renascentista e kantiana, do pensamento mercado-
lógico para me aproximar do processo de criação consciente de fotografia artística,
que me coloca dentro do campo da arte.
Nessa fase da pesquisa, interessei-me em registrar o fluxo de pessoas por meios dos
rastros luminosos deixados pelo deslocamento delas tendo como pano de fundo lo-
calidades conhecidas e características de Brasília_DF. Essas imagens tinham a inten-
ção de trazer reflexão para a questão da temporalidade na fotografia e demonstram
como o registro fotodocumental contemporâneo utiliza a tecnologia para constru-
ção de narrativas ficcionais sobre a realidade.
1270
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1271
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Durante uma residência artística eu pude aperfeiçoar minha técnica. Após a fotografia
do cemitério em Olhos D´água-GO, mudei minha visão sobre esse projeto. A potência
da imagem, a quantidade de informações e a beleza estética da imagem me moti-
varam a testar mais e mais. Ter produzido essa fotografia com um celular, utilizando
pedras e tijolos como tripé, de forma totalmente precária, sozinho, à noite, em um ce-
mitério, me fizeram recuperar o gosto pela fotografia. Foi importante derivar por cida-
des desconhecidas, ou por locais desconhecidos de Brasília, ou conhecidos apenas de
dia. Um lugar à luz do dia é completamente diferente à noite. Por inúmeras questões,
dentre elas o perigo. São fotografias mais sensuais, que convidam para um passeio
noturno, por lugares desertos, nunca dizem tudo que querem e sempre querem mais.
O mistério proporcionou-me uma nova relação com a minha criação artística, instigan-
do-me na criação dessas imagens. A expectativa, a dúvida, a falta de controle sobre a
imagem tornaram-se um motivador nessa produção autoral. Os resultados, que inicial-
mente pareciam sem nenhum sentido ou não tinham muita pretensão, ultrapassaram
minhas expectativas ao criar imagens interessantes e que dizem exatamente o que
penso. A estética sombria, a perspectiva torta, a luz florescente que aparentemente
surge de fora da imagem refletindo no verde das plantas e iluminando a casa como
algo sobrenatural ou espiritual tornam a imagem mais potente e sedutora do que uma
fotografia dessa mesma casa feita de dia com toda a técnica e equipamentos de última
geração. Criamos uma imagem potente, misteriosa e sedutora.
Essa experiência me motivou a continuar meus testes. Eu tinha de adentrar esse cami-
nho sombrio, escuro, desconhecido; tinha de continuar escutando o que os objetos
e a natureza estavam querendo me dizer. A tecnologia me auxiliou nessa jornada. O
1272
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
dispositivo óptico do celular captava o que meus olhos não viam. Nesse processo de
criação em coautoria, reencontrei o prazer de brincar de fotografar. Fazer fotografia
como experimento pessoal, como arte, me libertou.
Imagem 4. Jesus, Eles Sabem O Que Fazem!. (2018). Fotografia de Rodolfo Ward
1273
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Essas são algumas das fotografias produzidas durante minha pesquisa de mestrado
que tinha como objeto compreender, por meio de estudo teórico/prático, as fric-
ções entre a fotografia documental e a fotografia artística e como essas questões se
imbricam com a noção de real e ficcional, documental e artístico, traçando uma li-
nha temporal entre passado e presente, desconstruindo historicamente a relação do
dispositivo fotográfico na modernidade e sua transmutação na pós-modernidade.
Superada essa fase da pesquisa adentrei no campo da vídeo arte.
A Vídeo Arte foi criada a partir de fotografias noturnas produzidas por celular e ani-
madas por meio de aplicativos, também para dispositivos móveis, e posteriormente
transformadas em uma narrativa visual com adição de diversos componentes so-
noros produzidos a partir de músicas e sons colhidos da internet e captados por
meio do microfone do dispositivo celular. Posteriormente foram mixados e trans-
formados em uma única faixa sonora que compões a narrativa desta obra que une
o tecnológico e o tradicional, representado por fotografias impressas em suporte
de papel. Disponível no endereço do youtube : https://www.youtube.com/watch?-
v=pNXpmaq0uIw&t=170s.
A vontade de criar afetos por meios tecnológicos foram as minhas principais moti-
vações para migrar da fotografia estática para a fotografia animada, uma fotografia
pós-moderna que converge com as novas mídias e principalmente com o vídeo e
com o som para criar um outro evento estético. Utilizei dispositivos tecnológicos
para criar a vídeo arte. Desde a captação de som e imagem passando pela edição e
finalizando na apresentação da obra que utiliza um suporte tecnológico, um tablet,
que nos proporciona um olhar com viés mais tecnológico e conversa com o público
tanto visualmente quanto por meio de sons.
Referências Bibliográficas
BREA, José Luis. Las tres eras de la imagen: imagen-materia, film, e-image. Madrid:
Akal, 2010. 142 p.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
1274
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In: DOBAL, Susana; GONÇAL-
VES, Osmar (Org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília:
Casa das Musas, 2013.
1275
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
As questões que orientam este artigo são coincidentes com a inquietude acerca
da especificidade da Arte e dos modos em que se pode articular-se com outras
disciplinas. Especificamente: Até que ponto e como as actividade de investigação
artísticas podem influenciar outros tipos de investigação académica ou científica?
Questões que serão abordadas desde um ponto de vista inusual, o do cientista.
Como ponto de partida tomaremos dois textos antagónicos de cientistas que
reflectem sobre a influência que pode ter a Arte sobre a produção do conhecimen-
to científico e sobre o interesse de estabelecer este paralelismo, como são o artigo
“Brief Enconteurs: A Physicist Meets Contemporary Art” de Jean-Marc Lévy-Leblond
(1994) e o texto “Which side are you on?” de Lewis Wolpert (2002)
Palavras-chave: Ciência e Arte, Investigação em Ciência e em Arte, Epistemolo-
gia, Arte Contemporânea
Abstract
The issues that guide this article are coincident with the concern about the specific-
ity of Art and the ways in which it can be articulated with other disciplines. Specifi-
cally: To what extent and how can artistic research activities influence other types of
academic or scientific research? Questions that will be addressed from an unusual
point of view, that of the scientist. As a starting point we will take two antagonistic
texts of scientists who reflected on the influence that Art can have in the produc-
tion of scientific knowledge and on the interest of establishing this parallelism, such
as the article “Brief Enconteurs: A Physicist Meets Contemporary Art” by Jean-Marc
Lévy-Leblond (1994) and the text “Which side are you on?” By Lewis Wolpert (2002)
Keywords: Science and Art, Research in Science and Art, Epistemology, Contemporary Art
1 Sara Fuentes Cid é Doutora em Belas Artes pela Universidade de Vigo (2008). Actualmente Investi-
gadora no Centro de Filosofia das Ciências, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 1749-016
Lisboa, Portugal.
2 João Luís de Lemos e Silva Cordovil é doutorado em História e Filosofia das Ciências pela Faculda-
de de Ciências da Universidade de Lisboa, sendo, desde Julho de 2019, investigador e coordenador
científico do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Uni-
versidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal.
1276
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
As últimas décadas têm sido testemunha do surgimento de um conjunto imenso e
consideravelmente disperso de investigações e iniciativas que se têm interrogado
sobre a possibilidade e natureza da relação entre a Arte e a Ciência. Na amplitude
de posições, encontramos desde aqueles que as colocam em conveniente oposição,
como Levy-Leblond que argumenta a favor dos benefícios mútuos de manter as di-
ferenças essenciais entre a Arte e a Ciências (Levy-Leblond, 1994); até aqueles que
defendem o desenvolvimento de uma “terceira cultura” (Brockman, 1995) capaz de
integrar o campo tecnocientífico com o campo das Humanidades e das Artes. Outros
têm rejeitado que a Arte se possa distinguir facilmente da Ciência por aplicação das
dicotomias clássicas entre “o mundo dos valores e o mundo dos factos, o subjectivo
e o objectivo, o intuitivo e o inductivo” (Kuhn, 1977); também se tem questionado
a suposta superioridade do saber científico sobre outras formas de conhecimento,
abrindo a possibilidade desta aproximação entre a Ciência e a Arte (Feyeranbend,
1975); inclusivamente estão aqueles que se manifestaram desconcertados por esta
“obsessão” por mostrar que a Arte é similar é à Ciência no que respeita aos seus con-
teúdos e processos (Wolpert, 2002).
Haverá outras formas sob as quais a relação entre a Arte e a Ciência se efectua ou
se pode efectuar? Será que a relação entre Arte e Ciência é algo mais profundo, de
relevância epistémica, não se reduzindo apenas a apropriações diversas? Que con-
dições definem este encontro e quais são os limites que o demarcam? Como pode
este cruzamento perturbar a própria definição dos campos disciplinares implicados?
1277
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como ponto de partida tomaremos dois textos antagónicos de cientistas que reflec-
tem sobre a influência que pode ter a Arte sobre a produção do conhecimento cien-
tífico e sobre o interesse de estabelecer este paralelismo, como são o artigo “Brief
Enconteurs: A Physicist Meets Contemporary Art” do conhecido físico teórico Jean-
-Marc Lévy-Leblond3 publicado na revista Leonardo em 1994 e gérmen de numero-
sas publicações e comunicações posteriores; e o texto “Which side are you on?” de
Lewis Wolpert4 (2002) publicado na imprensa inglesa como artigo de opinião onde
ficava patente a voz discordante do cientista perante a estratégia de se reunir de
novo artistas e neurocientistas para mais uma exposição5 organizada pelo Wellcome
Trust no Science Museum londinense.
3 Professor Emérito da Université Nice Sophia Antipolis. Físico, epistemólogo e ensaísta. Autor de
vários livros de reflexão crítica sobre a ciência contemporânea, dirige a coleção “Science ouverte” da
editora Seuil e a revista Alliage (cultura-ciência-técnica).
4 Professor Emérito de Biologia Aplicada à Medicina, Faculty of Life Sciences, University College Lon-
don. Também é um eminente defensor do entendimento público da ciência.
5 A exposição intitulava-se Head On: Art with the Brain in Mind, realizada em Março de 2002 na “Well-
come Gallery of Medicine in Context, Science Museum” de Londres.
1278
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
põe em dúvida que a separação entre ambos seja necessariamente algo que há que
combater. Se ambos autores se interrogam sobre o sentido que tem reconciliar es-
tes domínios, no caso de Lévy-Leblond fica patente que o que pretende como as
suas perguntas é preservar a riqueza que reside precisamente na diversidade e nas
divergências entre Ciência e Arte. Como cientista, faz explícita a sua posição: “It may
be a question of individual preference, but I feel quite at ease with the essential dif-
ference between Art and Science-as well as with their specific differences (between
particular arts and sciences)” e acrescenta: “Art, contemporary art in particular, at-
tracts me precisely because of its differences from science, not because of its simila-
rities with science” (Lévy-Leblond, 1994, p. 211)
1279
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tabela sobre as “Diferenças entre Ciência e Arte” elaborada a partir dos textos comentados neste artigo.6
Ciência Arte
Primeira pessoa do plural
Primeira pessoa de singular.
Integração em equipas, trabalho
Trabalho solitário
colectivo
Protecção do grupo Risco
Lévy-Leblond Reivindicação do conhecimento
Nunca busca a exaustividade
(utópico) do mundo inteiro
Desejo de contribuir apenas com Não deseja contribuir para um esfor-
um pequeno grão de areia à Ciência ço colectivo da arte.
Não integra a dimensão histórica Enquadramento numa trajectória.
Crítica interna (revisão por pares). Crítica externa, crítica no sentido nobre.
Esforço colectivo. O indivíduo é
irrelevante (os génios apenas acele- Individualismo. Génio
ram a descoberta)
A descoberta simultânea é comum.
Contribuições para o conhecimen- Criação original
to público
Reflecte sentimentos e ideias do
Sentimentos fora do processo
artista
Generalidade Singularidade
Uma explicação correcta singular
Múltiplas interpretações
para cada fenómeno
Não tem conteúdo moral ou ético Tem conteúdo moral
L. Wolpert
Correspondência com a realidade Ilimitada
Há mudanças (mas não há progres-
Progressos
sos)
Requer muito conhecimento básico Resposta emocional. Não é preciso
para ser compreendida uma formação anterior
Não há uma maneira realmente
Revisão por pares. Critérios objecti-
objectiva de julgar ou validar a Arte.
vos e partilhados
Não há crítica, só escrita
Nada equivalente Entretenimento
Tem tido uma forte influência em Não contribui em nada para a
certos artistas Ciência
Criatividade limitada pela auto-
Criatividade intensamente pessoal
-consistência
6 Muitas destas diferenças são questionáveis. Ver comparativamente a tabela publicada por Ste-
phen Wilson em (2002) Information Arts. Intersections of art, science and technology, London: The
MIT Press, p. 18
1280
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Não admira pois que a posição de muitos cientistas seja crítica. E nem talvez tanto
quanto os artistas, que com facilidade desconfiam da reclusão da Arte ao belo e da
possibilidade de um entendimento universal desse conceito.
Inspirar-se na Ciência?
A prudência sobre uma convergência muito superficial entre a Arte e a Ciência tam-
bém deve estender-se à inspiração conceitual. A evidência de que muitos artistas
refiram teorias científicas contemporâneas, traduzam as suas leituras e façam inter-
pretações, mostrem as suas dificuldades internas e especulações, como um objecto,
como uma metáfora... como uma ilustração; não significa que o seu trabalho lance
uma nova luz sobre as referidas teorias, nem sobre o conhecimento científico. Se
existir na Arte um desejo para responder as necessidades e carências de um mun-
do dominado pela tecnociência, fraco favor faz a si mesma se o plagiar, replicar ou
tão-somente prestar-lhe fidelidade, mostrando a sua submissão por desejar apenas
seguir de próximo os desenvolvimentos da tecnociência (Lévy-Leblond, p. 212).
1281
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Confluências, Coincidências
A segunda parte do texto de Lévy-Leblond é tecida com prudência e subtileza pelo
autor, que vai trazendo ao discurso o exemplo de diferentes obras de arte nas que
ecoam certos assuntos convergentes com a sua actividade de cientista. Não é um
confronto entre Arte e Ciência, mas uma procura da “relação transmitida por um se-
gundo plano filosófico compartido que lhes dá sentido a ambos e faz com que se
comuniquem entre si”. (Lévy-Leblond, 2007)
“There is space between the two, and it is in that space that my imagination can take
flight. In that space also there appear, fleetingly, some interesting points of conver-
gence in which works of art are in keeping with a particular scientific attitude; I only
intend to analyze some of these brief encounters.” (Lévy-Leblond, 1994)
Segundo Wolpert, a Arte não pode trazer nada à Ciência. Muitos cientistas estarão cer-
tamente com ele. Mas segundo Lévy-Leblond, se olharmos criticamente verificaremos
que os encontros virtuosos entre a Ciência e a Arte, para um cientista, são raros e oca-
sionais; mas a verdade é que a raridade não os faz menos reais ou significativos. Pelo
contrário. Torna-os preciosos. Mas, quais são? Lévy-Leblond dá-nos três pistas.
1282
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Por outro lado – e surpreendentemente – por via dessa produção artística somos
levados a compreender a Ciência teórica na sua metodologia. A abstracção, a simpli-
ficação, a experimentação, a procura pela estrutura, todos cientistas concordariam
que estes aspectos são matriciais na sua actividade e no entanto resultam mais com-
preensíveis quando os vemos na Arte, ainda que ao serviço de diferentes propósi-
tos. Afirma Lévy-Leblond:
“In order to find interest in my daily activity, namely theoretical physics, I need to know
in what way that activity differs from others. And it is precisely because of this funda-
mental difference that some fortuitous homologies become meaningful.” (p. 213)
“Art thus leads me to rediscover the world’s rich denseness, which is too often flatte-
ned by science” (p. 214)
1283
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O erro – absolutamente trágico - será considerar esse método como único, universal
e superior, tentando modelar através dele quaisquer outras abordagens da realida-
de ou maneiras de entender o mundo.
“We [scientists] have to recover the long, thin thread that links theoretical knowled-
ge to sensitive curiosity” (p.215)
“I know the Earth revolves around the Sun at the speed of 29.9 km per at least I think
I know it. But Piotr Kowalski’s stamp affixed on the page compels me to realize that
this is not an idea in the air (if I may say so) and that this book is actually moving
at close to 30 km per sec around the Sun without my being aware of it. This stamp
marks a master stroke; through it, I am personally living the great epistemological
shock first experienced by Copernicus and Galileo. This piece of knowledge is today
regarded as trivial and obvious; Kowalski enables me to understand that it is still
revolutionary (indeed, it is a revolution in every sense of the word) and to recapture
the charge of violence it should produce on us, to grasp it anew.”
7 Em 1985, tornou-se presidente da Ars Technica Association conectada à Cité des Sciences et de
l’Industrie, unindo filósofos, artistas, cientistas como Jean-Marc Levy-Leblond, Claude Faure, Je-
an-Max Albert, Sara Holt, Piero Gilardi , Jean-Claude Mocik, refletindo sobre a relação entre arte e
novas tecnologias.
1284
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ao se ler o texto deste selo, texto que em si mesmo nada acrescenta ao que se co-
nhece, muitos sentiram subitamente o que ele se refere – a velocidade estontean-
te a que nos deslocamos pelo Cosmos. E ao reconhecê-lo somos logo lançados ao
sem-fim de questões que animaram todos os cientistas desde que tal hipótese se
colocou e se trabalhou.
Distanciamento crítico
Por fim, Lévy-Leblond refere ainda um outro aspecto, que é duplo: a inquietude e o
recuo. A Ciência dá aos seus praticantes uma sensação de certeza tranquilizadora,
de domínio e controle sobre o Mundo. Sabe-se como as coisas são. Estado muitas
vezes confundíveis com – e nada mais há. O contacto com a arte pode justamente
trazer uma desestabilização e a perda de pontos de referência. Condições que são
necessárias, no entanto, à verdadeira criação. A turbulência a que o cientista pode
ser sujeito pela Arte levam-no a ter que reinventar as suas categorias e a inverter a
ordem das coisas: ver na arte um meio de entender e transformar o mundo e, na
ciência, uma maneira de contemplar e imaginar.
1285
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusões
Se bem que o artigo de Lewis Wolpert pode resumir-se como um conjunto desmedi-
do de certezas em oposição a todos e qualquer uma das intenções de aproximação
da Arte à Ciência, o texto de Leblond proporciona esse ponto de luz na obscuridade
para todos aqueles –artistas ou não – que se interessam pelo desenvolvimento de
práticas interdisciplinares e ainda acreditam nas suas repercussões positivas para
todos os campos envolvidos.
Referências
BOURRIAUD, N. (2010). Art Basel Conversations, Contemporary Art and New Media:
Towards a Hybrid Discourse. Recuperado de: <http://www.artbasel.com/go/id/mhv/>
KUHN, T. (1977). “Comment on the Relations of Science and Art,” in The Essential
Tension: Selected Studies in Scientific Tradition and Change, Chicago: University
of Chicago Press, pp. 340-351.
LÉVY-LEBLOND, J-M. (2014). Science and Art: A cautionary view. In Overgaden LEC-
TURES. Art + Science – Towards a Third Culture? Conference 24-25 October, Over-
gaden Institute of Contemporary Art. Recuperado de: https://overgaden.org/en/
begivenhed/overgaden-lectures-art-science-towards-a-third-culture/
8 Ver mais desenvolvimentos sobre estas ideias em Moraza, J.L & Cuesta, S. (2010) El Arte como crite-
rio de excelencia, Madrid: Ministerio de Educación e Instituto de Arte Contemporáneo, Recuperado
de: http://www.iac.org.es/
9 Consilience: The Unity of Knowledge, é um livro de 1998 do biólogo E. O. Wilson, no qual o autor dis-
cute métodos que foram usados para unir as ciências e, no futuro, poderá uni-los às humanidades. A
citação em concreto, forma parte da lista de citações de cientistas compilada por Amy Ione, Roger
Malina e Robert Root-Bernstein para Leonardo/ International Society for the Arts, Sciences and Techno-
logy, intitulada: “Art Science quotes from scientists and research engineers making the Science case
for Art Science Collaboration”. Recuperado de: http://malina.diatrope.com/2010/08/26/art-science-
-quotes-compiled-by-amy-ione-and-roger-malina-as-of-aug-26-2010/
1286
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
LÉVY-LEBLOND, J-M. (2007) La ciencia y el mundo, el arte y yo. Una entrevista a Lév-
v-Leblond. In IBÁÑEZ, J. J. (2007) El Discurso Científico, los Conceptos Contrarios
y la Perspectiva de Jean-Marc Lévy-Leblond. Recuperado de: https://www.madri-
masd.org/blogs/universo/2007/12/01/80077
MORAZA, J.L & CUESTA, S. (2010) El Arte como criterio de excelencia, Madrid: Mi-
nisterio de Educación e Instituto de Arte Contemporáneo. Disponível em: https://
sede.educacion.gob.es/publiventa/campus-de-excelencia-internacional-el-arte-co-
mo-criterio-de-excelencia/universidad-espana/14479
WOLPERT, L. (10 de Março de 2002). Which side are you on? The Guardian. Recupe-
rado de: <http://www.guardian.co.uk/education/2002/mar/10/arts.highereducation>
Agradecimentos
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para
a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória -
DL57/2016/CP1479/CT0067 e da Norma Transitória - DL57/2016/CP1479/CT0065.
1287
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Diante do crescente curso de experimentações contemporâneas com os pro-
cessos históricos e práticas alternativas da fotografia, destacamos o emprego
de tecnologias digitais e analógicas como linguagens extensivas de criação.
Com base nos estudos sobre processos de criação e da arqueologia das mídias,
o artigo discute a continuidade entre esses processos a partir do contexto de
produção das fotopinturas de Júlio Santos, cuja genealogia de imagens se dá
nas interpretações das técnicas e das ferramentas. São debatidas a dimensão in-
terpretativa tanto dos gestos do artista na transição de ferramentas analógicas
para digitais quanto o aspecto de circulação dos arquivos fotográficos no âmbi-
to dessas tecnologias. O artigo apresenta perspectivas para pensar os processos
de reinvenção e transformação na linguagem fotográfica.
Palavras-chave: processo de criação, fotografia, fotopintura, arqueologia das mídias.
Abstract
In light of the growing course of experimentation practices in contemporary pho-
tography – especially those related to alternative and historical processes –, we
highlight the use of both digital and analogue technologies as extensive languages
of creation. Based on the studies of Process of Creation and Archaeology of Media,
1 Possui Bacharelado em Fotografia pelo Centro de Comunicação e Artes - SENAC (2002). Mestra
(2019) e Doutoranda em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Simone
Rocha de Campos (Simone Wicca) pesquisa e ensina fotografia e os processos históricos desde 2002.
Reside e trabalha em São Paulo - SP, Brasil.
2 É pesquisadora, artista e designer. Investigadora pós-doc na Faculdade de Belas Artes da Universi-
dade do Porto (FBAUP). Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) com a tese O Pensamento
Fotográfico, uma proposta de entendimento mais integrado do complexo fotográfico. Possui expe-
riência em docência multidisciplinar nas áreas de Comunicação e Imagem e direção de projetos de
comunicação e multimídia.
1288
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
we discuss the continuity between those processes in the photo painting3 work of
Júlio Santos, in which the genealogy of images occurs through the artist’s interpre-
tations of tools and techniques. Moreover, we debate the interpretative dimension
of Julio Santos’ gestures in respect of the transition of tools from analogue to digital;
as well as of the circulation aspect of the photographic archives in the context of this
technological transition. Thus, this research presents perspectives to thinking about
the processes of reinvention and transformation of the photographic language.
Keywords: process of creation, photography, photo painting, archaeology of media.
Introdução
É em um cenário cada vez mais centrado na tecnocultura (COUCHOT, 1993; MACHA-
DO, 1997) que vivemos uma conjuntura, no mínimo, curiosa da prática fotográfica.
Dentro do que parece ser um cenário de crise, de instabilidades e de indefinições
da fotografia com a predominância do digital – como, por exemplo, a respeito do
objeto fotográfico, das convenções estéticas e do documental –, paira também um
movimento de ressignificações de práticas analógicas e de experimentações com
diferentes materialidades, dispositivos, como também, mídias digitais.
3 Photo painting is the result of painting techniques applied to low contrast black and white photo-
graphic prints. The final image is obtained when the artist applies inks and pigments, not only colo-
rizing the image, but creating a completely different image by adding or deleting details, modifying
people’s features, hence, creating a new visual context.
4 Artigo de Simone Wicca apresentado na disciplina “Imagem, Meios e Conhecimento” do Prof. Dr.
1289
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
aqui a partir de uma aproximação com estudos das arqueologias das mídias (PARIKKA,
2017; ZIELINSKI, 2006) e dos processos de criação (SALLES, 2006, 2011). Esta proposta
segue a necessidade de estabelecimento de outras perspectivas para os processos fo-
tográficos do passado que também nos possam ajudar a pensar a produção fotográ-
fica contemporânea. É nesse sentido que o viés das arqueologia das mídias mostra-se
como uma lente interessante. Cabe ressaltar que, neste trabalho, não nos referimos a
arqueologia como uma busca de origens ou um olhar analítico detido no passado da
história conhecida, mas como uma via para tencionar o pensamento sobre as heranças
e o passado das técnicas e dos processos no presente, mas também os seus impactos e
suas projeções futuras. Os estudos sobre os processos de criação, por sua vez, oferecem
uma visão crítica para a produção fotográfica não detida somente nas obras conhecidas
ou publicadas. Dessa maneira, nos permitem também discutir a produção fotográfica
a partir das relações compostas entre sujeitos, ambientes de trabalho, materialidades e
mediações tecnológicas. A combinação dessas duas perspectivas teóricas nos conduz
aqui, de certa maneira, para uma espécie de arqueologia dos processos fotográficos.
É frente aos frequentes embates culturais e sociais com as novas tecnologias que
aos poucos se percebe que a ideia de avanço do tecnológico não implica necessa-
riamente no desaparecimento do sujeito criador. De acordo com Lévy (1993), “não
existe uma ‘Técnica’ por trás da técnica, nem ‘Sistema técnico’ sob o movimento da
indústria, mas apenas indivíduos concretos situáveis e datáveis”. Além disso, assim
como nos lembram os estudos de processos de criação (SALLES, 2011, 2006; COLA-
PIETRO, 2016), tanto os sujeitos responsáveis pela produção fotográfica quanto às
tecnologias e as técnicas envolvidas admitem historicidade. Isto significa que ambos
sujeitos, tecnologias, modos e locais do fazer e os próprios objetos fotográficos ad-
mitem um percurso temporal, social e cultural que deve ser observado.
Um primeiro passo nesse sentido está relacionado à consciência de que cada fotogra-
fia está ligada a um cenário diverso de gestos, escolhas e buscas que nada mais são
do que modos de fazer em um ambiente composto por materialidades, protocolos
Edson do Prado Pfutzenreuter. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, 2016. Dis-
ponível em: <https://wiccaverna.wordpress.com/2019/04/14/2207/>.
1290
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Trazendo essa percepção para o campo fotográfico, verificamos que a própria histó-
ria técnica da fotografia é comumente vista como uma linha reta de progressos6. No
5 No caso das mudanças implícitas ao desenvolvimento do campo fotográfico, essa situação é mais
visível, sobretudo, na esfera utilitária, na qual uma nova tecnologia tornava a anterior obsoleta. As-
sim, cada nova invenção implicava na mudança dos equipamentos para captura, dimensões, mate-
riais, químicos, etc. Caso, por exemplo, da descoberta da gelatina (dry plate) que deixou pra trás o
equipamento utilizado no colódio úmido. Como também, depois, a mudança do suporte da gelatina
(do vidro para a película flexível), dentre outros.
6 A ideia de progresso vem a caracterizar a evolução técnica da fotografia, principalmente no sé-
culo XIX, consonante ao âmbito industrial. Essa noção está ligada ao fato de que grande parte das
experimentações buscavam processos que pudessem oferecer mais informação no mesmo espaço
visual, além de diminuir custos e acelerar os processos de captura. Situação, por exemplo, de que
“durante as duas primeiras décadas de fotografia, que a maior parte do trabalho experimental con-
centrou-se em encontrar uma maneira conveniente e prática de transmitir informações. Para isso, o
que era necessário era um processo que pudesse combinar a precisão óptica do daguerreótipo com
a reprodutibilidade do calótipo” (CRAWFORD, 1979, p. 41).
1291
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
entanto, ao lançarmos o olhar para o campo dos processos de criação não apenas
no cenário da fotografia utilitária, encontramos inúmeras situações de adaptações e
reinterpretações de técnicas e tecnologias anteriores e/ou não dominantes em de-
terminado período. O que mostra para nós a possível limitação e incompatibilidade
de um entendimento geral sobre a evolução da fotografia por uma visão crítica ape-
nas progressista e linear.
7 Nos referimos ao momento em que se constata uma maior popularização dos processos históricos
através de atividades não só artísticas, mas também educativas e acadêmicas.
8 Internacionalmente podemos citar os cursos e as publicações, por exemplo, de Christopher Ja-
mes (2001). Como também, o caso dos pensadores que referenciam o período como Antiquarian
Avant-Garde de Rexer (2002). No Brasil, por exemplo, marcam os cursos promovidos no Sesc - SP
e pesquisas como a dissertação de Kenji Ota na ECA-USP (2001) e a tese de Rubens Fernandes na
PUC-SP (2002).
9 Também conhecida como fotografia direta (straight photography), linha que surgiu nos Estados
Unidos na década de 1910, na qual pregava-se que a produção de imagens deveria ser tal e qual
como eram vistas através do visor da câmera, isto é, com o mínimo de intervenções possíveis tanto
na cópia quanto no seu processamento no laboratório.
1292
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
pelos fabricantes de equipamentos e materiais, para, aos poucos, fazer surgir exu-
berante uma outra fotografia, que não só questionava os padrões impostos pelos
sistemas de produção fotográficos, como também transgredia a gramática desse
fazer fotográfico” (FERNANDES, 2006, p. 11).
10 Importante frisar que essa nomenclatura não é uma questão resolvida. De maneira que ainda
é fonte de debates entre os especialistas. Apesar disso, em aproximação ao que propõe Ricardo
Mendes (2017), podemos entender como relacionado aos processos de produção, captação e difu-
são não-dominantes, isto é, que se contrapõem às práticas reguladas num determinado período de
produção de imagens.
11 A técnica de retoque foi apresentada pelo alemão Franz Seraph Hanfstaengl na Exposição Uni-
versal de Paris, em 1855. Na época, Hanfstaengl “descortinou a possibilidade desse espelho mágico
simular uma situação, ou seja, criar uma nova realidade” (CHIODETTO, 2016, p. 88).
12 Pesquisadores como Chiodetto (2011, 2016) e Boris Kossoy (2001) apontam sua origem ao fotó-
grafo de retratos Eugène Disdéri , que, por volta de 1863, já utilizava tintas para colorizar os retratos.
1293
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Esse tipo de registro fotográfico mesclado com pintura tinha, ainda, um caráter uti-
litário e social, tal qual os retratos pintados da corte real em ritos de passagem nos
séculos passados. A proliferação desse tipo de representação emblemática, se trans-
formou em referência do passado, de valores, gostos, gestos, comportamentos. Por
conta do seu caráter simbólico, faz parte da construção de uma iconografia brasi-
leira. Relacionado ao reconhecimento instucional, vale mencionar que a partir de
2005 elas passaram a integrar o acervo do Centro Cultural Dragão do Mar no Ceará
e recentemente tem tido espaço em exposições no circuito da arte contemporânea
no Brasil e no exterior.
13 Trecho extraído da entrevista concedida por Júlio Santos, em 2013, ao programa Identidade
Cultural da TV Assembleia.
14 Também chamada Memento mori, são fotografia de pessoas mortas (RIELD, 2002). Surge logo
após o aparecimento da fotografia e se populariza de 1920 a 1950. A América Latina tem extensa
produção dessa modalidade de retratos ainda nos tempos atuais.
1294
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em uma entrevista dada sobre sua transição para a fotopintura digital, Júlio Santos
(2016) revela as muitas mudanças tecnológicas que enfrentou mesmo no período
de predominância da fotografia analógica: “comecei reproduzindo em chapa de vi-
dro, depois mudou pro filme 6 X 6, que mudou pro 35mm, que mudou pro colorido,
depois pro digital. E aí? Se tivesse desistido no início tudo tinha se acabado”.
1295
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
sua superfície lisa e ‘plastificada’. Foram experimentados diversos tipos de tintas que
invariavelmente ‘craquelavam’ e soltavam do papel com o passar dos dias.
Quando tinha por volta de 56 anos de idade e nenhuma familiaridade com compu-
tadores, um sobrinho de sua esposa se ofereceu para ensiná-lo a usar o computador
e o software Adobe Photoshop. Júlio explica como aconteceu o aprendizado: “quan-
do comecei a aprender a segurar aquilo e a manusear com aquilo (mouse), peguei
um caderno e comecei a tomar nota das minhas ferramentas aqui (aponta para ca-
valete), eu não me interessava nas (ferramentas) de lá (computador), mas o que ali
era o esfuminho, o que era o pincel, o que era a tinta, e o resto eu esqueço” 18. Em
20 dias ele já sabia lidar com o computador e, poucos dias depois, fez sua primeira
fotopintura digital. “Eu estava renascendo! E daí eu tive coragem de dizer para as
pessoas: - ‘Eu também faço isso’ (fotopintura digital)” (SANTOS, 2012, p. 9).
1296
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
sobre isso, e ainda de acordo com o pensamento de Johnson (2001, p.17), temos o fato
de que a revolução digital depende que o computador seja capaz de “representar-se
a si mesmo ao usuário, numa linguagem que este compreenda”. Nesse processo, “as
metáforas são o idioma essencial da interface gráfica contemporânea” e foram funda-
mentais, por exemplo, para a associação que Júlio fez entre o cavalete e as ferramentas
tradicionais com as digitais encontradas no Photoshop. A literacia que se estabelece
com essas metáforas justifica a ideia de Júlio quando este afirma com recorrência que
segue ‘a mesma lógica do analógico’19.
Em referência ao Photoshop, Júlio diz que nele ‘existem’ todos os reagentes químicos
que ele usava, todas as tintas possíveis, e todas as ferramentas. Ele conta que no
programa digital ele utiliza os mesmos ‘materiais’ e meios que usava no seu estúdio:
inicia com uma imagem em preto e branco, transforma em sépia, faz o colorido, o
retrato é retocado, afinado, ou seja, segue-se a mesma linha de produção da fotopin-
tura analógica (ver exemplo dos ambientes em fig. 1).
Fig. 1 - Os dois ambientes de trabalho: à esquerda, Júlio no seu cavalete; à direita, no computador,
fazendo uso do Photoshop. Fonte: <www.somosvos.com.br/a-intimidade-inacabada-do-outro-nas-
maos-de-mestre-julio>.
No livro Júlio Santos: mestre da fotopintura (2010) nos deparamos com sua linha de
produção de uma fotopintura digital: retrato inicial (fotografia digital ou digitalizada
com uso de scanners); o recorte - retirada do fundo para destacar o rosto; o rosto -
retoque dos detalhes afinando pontos do rosto: cabelo, olhos e boca; a roupa - acrés-
19 Menção presente em grande parte das entrevistas concedidas sobre fotopintura contemporânea,
como também, livros e catálogos. A exemplo desses, a entrevista no Identidade Cultural da TV Assem-
bleia (2013) e a publicação Júlio Santos: mestre da fotopintura (2010) .
1297
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sobre a reinterpretação das ferramentas, temos em Júlio uma ideia recorrente: não
se deve levar os instrumentos do Photoshop ‘ao pé da letra’. Segundo ele20 é preci-
so achar a ferramenta que faça a mesma função, mesmo que ela não tenha o mes-
mo nome. O artista aponta que o trabalho de retoque, por exemplo, feito no modo
de ampliação tradicional, não é conduzido da mesma forma na fotopintura digital.
Acontece que o programa digital simula várias operações de edição fotográfica quí-
micas e laboratoriais, dentre elas, as técnicas manuais de ‘dodging (subexposição)
e burning in (superexposição)’21, que passam para as ferramentas digitais de dodge
(clarear áreas da imagem) e burn (escurecer áreas da imagem) (ver figs. 2 e 3).
De acordo com Júlio, “o que acontece hoje é que o pessoal que trabalha com Pho-
toshop usa pincel para retocar. Sabe quando que isso vai funcionar? Nunca. O que
vai funcionar é a superexposição e a borracha. Dessa forma você poderá acentuar
as feições de cada retrato e depois fazer os acertos nos olhos, no nariz, na boca”22.
Diante disso, percebemos que a lógica dele de “pintar” a fotografia no computador
não segue o sentido do traço da pintura e do desenho (real, digamos assim) propos-
to pelo “pincel” e “lápis” no Photoshop, mas a lógica da fotografia, especificamente
relacionada ao momento da ampliação da fotografia analógica.
20 Entrevista concedida por Júlio Santos, em 2013, ao programa Identidade Cultural da TV Assembleia.
21 Processo realizado durante a ampliação de cópias fotográficas analógicas em que ”após deter-
minar os tempos (de exposição à luz) para toda a cópia, amplia-se a partir do menor tempo, e vai
se somando (queimando ou burning in) os tempos subsequentes. Por outro lado, pode se dar o
tempo total (de exposição à luz), e antes de completar essa exposição ir segurando (dodging) a luz
em diversos lugares pelo tempo predeterminado” (SCHISLER, 1995, p.161). Esse procedimento pode
ser feito utilizando cartões, instrumentos ou as mãos para criar as sombras na projeção de luz sobre
o papel fotossensível.
22 Ibidem.
1298
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Fig. 2 - À esquerda, menu do Photoshop CS6 com destaque para o ícone da ferramenta Dodge;
à direita, essas ferramentas anteriormente como técnicas no laboratório fotográfico, feitas de
maneira manual. Fonte: <www.iso.500px.com/before-photoshop-darkroom-post-processing-
techniques-demonstrated>.
Fig. 3 - À esquerda, menu do Photoshop CS6 com destaque para o ícone da ferramenta Burn;
à direita, essas ferramentas anteriormente como técnicas no laboratório fotográfico, feitas de
maneira manual. Fonte: <www.iso.500px.com/before-photoshop-darkroom-post-processing-
techniques-demonstrated>.
1299
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
ocorre, em parte, quando elas nos desafiam, e esse desafio muitas vezes acontece precisamen-
te porque as ferramentas não são adequadas à sua utilização. Podem não ser muito boas, ou
então é difícil entender como usá-las. O desafio aumenta ainda mais quando somos forçados
a utilizar ferramentas para consertar alguma coisa ou corrigir erros. Seja na criação ou no con-
serto, o desafio pode ser enfrentado mediante a adaptação da forma da ferramenta, ou então
improvisando com ela tal como se apresenta, utilizando-se de maneiras para as quais não foi
concebida. Seja qual for a utilização que lhe demos, aprendemos alguma coisa com a precarie-
dade da ferramenta.
1300
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em acréscimo a essa percepção está o que parece seguir uma produção de monta-
gens na fotopintura digital de Júlio. Em sua análise sobre a exposição Retrato Popular
(2016), Wagner Lungov (2016) chega a comentar sobre a incorporação do tratamen-
to digital dado pelo artista: “a possibilidade de rapidamente localizar seu retratado
em interiores de revistas de decoração ou outros cenários mais inusitados, parece
estar valendo o esforço de uma adaptação visual a este novo tipo de acabamento”
(ver, por exemplo, figs. 6 e 7). O que para Lungov tem o custo de gerar certo estra-
nhamento para quem está acostumado com a fotopintura tradicional.
1301
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
23 Máquinas que projetam negativos ou arquivos digitais sobre papel fotográfico resinado colorido,
que depois da exposição à luz passa, ainda no interior da máquina, por diversos banhos químicos
para ser revelado fixado e lavado.
1302
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações
Uma fotopintura traz nas suas camadas “uma visualidade que tende a ser mais cria-
tiva e idealizada” (CHIODETTO, 2016, p. 89) ligada à pintura, e outra, de base foto-
gráfica que serve como espécie de parâmetro limitador da criatividade excessiva do
fotopintor. Ao mesmo tempo em que lida com as diretrizes visuais fornecidas pela
matriz ou cópia fotográfica, as práticas da fotopintura também envolvem etapas de
edições da própria fotografia inicial no sentido de alinhamento com o retrato ide-
alizado. Essa qualidade de criar versões é observada tanto no processo analógico,
como no digital. Sendo que este último vem a corroborar mais ainda com o aspecto
de inacabamento da imagem uma vez que sua própria essência tende para a fluidez
(SOULAGES, 2017) e a manipulabilidade pura.
Ao conseguir migrar para a produção da fotopintura digital Mestre Júlio não apenas
levou adiante seu trabalho e com isso resgatou sua autoestima, mas também a fo-
topintura e a dignidade de uma profissão que acabou em todos os outros lugares
do mundo, e se mantém viva com ele. Com isso, estipula uma nova configuração de
sua prática entre as lógicas do código analógico e digital a qual chega a chamar de
fotopintura contemporânea.
Talvez, o que faça essas imagens continuarem a ser identificadas como fotopinturas
ultrapasse a questão material do objeto fotográfico, e diga mais respeito ao conte-
údo simbólico das ficções construídas a partir do desejo do retratado. Nesse sen-
tido, Mestre Júlio permanecerá construindo e dando forma às ficções que nascem
do desejo íntimo do retratado, independente das ferramentas, dos materiais e dos
suportes que ele venha a utilizar.
Referências
Baqué, D. (2003). La fotografia plástica. Barcelona: Gustavo Gili SA.
Chiodetto, E. (2011). Coleção de Fotopinturas de Titus Riedl. In: Arte brasileira além
do sistema. São Paulo: Galeria Estação. Disponível em: <http://www.galeriaestacao.
com.br/exposinternas/21#prettyPhoto>, último acesso em: 02 de Setembro de 2019.
1303
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Crawford, W. (1979). The keepers of light: a history and working guide to early photogra-
phic processes. New York: Morgan & Morgan.
James, C. (2001, 2015). The book of alternative photo processes. 1a ed. & 3a ed. Cen-
gage Learning.
Linsker, R. (2016). Estes outros: fotopinturas da coleção de Titus Riedl. Texto: Eder Chio-
detto. 1.ed. - São Paulo: Terra Virgem.
Lungov, W. (2016). Retrato popular, em paz com a fantasia. Disponível em: <https://
apenasimagens.com/pt/retrato-popular-beleza-real>, último acesso em: 07/2019.
1304
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rexer, L. (2002). Photography’s antiquarian avant-garde: the new wave in old processes.
Nova Iorque: Harry N. Abrams.
Riedl, T. (2002). Últimas lembranças: retratos da morte no Cariri, região do Nordeste Bra-
sileiro. São Paulo: Annablume.
Rolim, V. (org.). (2011). Retrato Popular. Beatriz Figueiredo (trad.); autores Titus Riedl .
[et AL.]. – Fortaleza: IACC.
Rouillé, A. (2009). A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Edi-
tora Senac.
Salles, C. (2006). Redes da criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Ed. Horizonte.
Salles, C. (2011). Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume.
Santaella, Lucia (2003). Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à ciber-
cultura. São Paulo: Paulus.
Santos, J. (2010). Júlio Santos: mestre da fotopintura / Júlio Santos. Fortaleza: Tempo
D’Imagem.
Santos, J. (2012). Interior Profundo: Mestre Júlio Santos, Fotopintura. Catálogo de Ex-
posição; autores Diógenes Moura, Rosely Nakagawa ... [etc]. São Paulo: Pinacoteca
do Estado de São Paulo.
Sennett, R. (2009). O artífice, Richard Sennett. Clóvis Marques (trad.). 2a Ed. Rio de
Janeiro: Record.
Young, M. (2006). The past is the new future. In Afterimage, New York, v. 33, n. 6.
Outras referências
Santos, J. (2016). A intimidade inacabada do outro nas foto-pinturas de Mestre Júlio. En-
trevista concedida à plataforma Vós. Disponível em: <www.somosvos.com.br/a-inti-
midade-inacabada-do-outro-nas-maos-de-mestre-julio/>, último acesso: 06/2019.
1305
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Júlio Santos: o mestre da fotopintura. Sesc Belenzinho. (2016). Disponível em: <www.
youtube.com/watch?v=DLA1CzUB3Fc>.
1306
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Teresa Luzio1
Resumo
A partir da leitura do conto “Um artista da fome” de Franz Kafka, reflito sobre o
desejo de auto-apagamento, e de que modo a performance pode ser uma prá-
tica para o seu exercício. A leitura do conto e de textos de apoio (Carlos, Men-
donça, Groys, Cohen), sugestionaram um conjunto de imagens mentais úteis
quer para a escrita deste texto, quer para a criação de auto-registos em vídeo.
Os auto-registos enquanto parte de um processo performativo assistem na
compreensão do auto-apagamento como um conceito prático dentro do pro-
cesso criativo, e enquanto uma possibilidade para afetação através do corpo.
Auto-apagamento, performance art, auto-registos
Abstract
From the reading of Franz Kafka’s short story A hunger artist, I reflect on the desire
for self-erasing, and how performance art can be a practice for its exercise. The
reading of the story and supporting texts (Carlos, Groys, Cohen) suggested a set of
mental images useful both for the writing of this text and for the creation of video
self-recordings. The self-recordings as part of a performative process assist in un-
derstanding self-erasing as a practical concept within the creative process, and as a
possibillity for affectation through the body.
Self-erasing, performance art, self-registration
1 Teresa Luzio (1976) é artista, professora e investigadora na área da performance art, com formação entre
Portugal e Alemanha. É doutorada em Performance pela FBA.UP e professora adjunta na ESAD.CR.
Os vídeos analógicos e fotografias são vestígios das suas performances, caracterizadas pela ausência
de audiência, ou a sua presença é ocasional. Recentemente tem vindo a explorar o corpo como lugar
de imanência através de pesquisa em Matridança (Vera Eva Ham), Composição em Tempo Real (João
Fiadeiro) e Butoh (Yumiko Yoshioka).
1307
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Franz Kafka escreve um conto2 intitulado Um artista da fome onde nos relata a his-
tória de um artista cuja arte é jejuar3. É possível visitar a sua jaula que de tempos a
tempos viaja por vários países Europeus podendo assim chegar a um maior número
de pessoas e com isso tornar-se o “maior artista da fome de todos os tempos (Kafka,
2015, pp. 27).” Em cada tournée o artista jejua quarenta dias, período em que termi-
nando o jejum, o seu empresário oferece uma festa assinalada pelo momento solene
da abertura da jaula e onde se espera que o artista saia e coma uma refeição para
celebrar o fim do seu jejum. No entanto o artista da fome recusa-se a comer e a festa
torna-se um evento angustiante para o artista, com o empresário a tentar a todo o
custo prosseguir com a encenação sem que o público se aperceba do tormento. O
artista prossegue a sua vida e a sua arte de jejuar, devastado por uma tristeza cada
vez mais visível no seu comportamento, acompanhado de alguns episódios de ira
quando por vezes alguém lhe tenta explicar que o seu jejum é, provavelmente, a
origem da sua tristeza. No entanto além da sua tristeza existe uma certa esperança4
de encontrar um alimento que o satisfaça, muito porém isso não chega a aconte-
cer. Somos então convidados a refletir sobre as suas motivações quando os guardas
que vigiam a sua jaula, e algum público que regressa ao espetáculo, desconfiam da
autenticidade do seu jejum. Estas suspeitas geram desconfiança no artista da fome
em relação ao mundo: “era ele portanto o único espetador capaz de se satisfazer
plenamente com o seu jejum (Kafka, 2015, p. 26).”
2 O conto Um artista da fome foi reunido depois da morte do autor e publicado em 1924. A sua
publicação para a língua portuguesa data de 2015, com tradução de José Maria Vieira Mendes e
editado pela editora Bertrand.
3 O jejum é uma privação de alimento que pode ter períodos de duração variáveis e que em deter-
minados contextos possui dimensões distintas. No contexto religioso o jejum leva a um caminho
de meditação profundo e implica alguma espécie de renovação de fé e naturalmente de sentido
para a vida. Em termos políticos o jejum é um ato de alguma radicalidade em que o jejuador torna
publico o seu jejum como forma de reivindicar, chamar a atenção para alguma questão de ordem
social, ética, moral, etc. A fome é ainda uma realidade para cerca de 820 milhões de pessoas em todo
o Mundo, dados pesquisados em https://news.un.org/pt/story/2019/07/1680101 [acedido a 02-09-
2019]. Kafka terá escrito este conto na fase final da sua vida, momentos em que sofria de desnutrição
provocada pela doença, o que terá sido também a causa da sua morte.
4 O artista vivia com a esperança de encontrar o alimento que o satisfizesse manifesto em passagens
do texto como: “(...) e apesar de tudo o artista da fome continuava a jejuar como em tempos sonhara
(...) (Kafka, 2015, p. 34)”. E ainda “(...) mas nos seus olhos desfeitos permanecia a convicção, já não
orgulhosa mas ainda firme, de que continuava a jejuar (Kafka, 2015, p. 36)”.
1308
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com o passar do tempo, as marcas do jejum tornam-se cada vez mais evidentes no
corpo do artista da fome. Porque o jejum acontece no corpo. A sua tristeza e magre-
za seriam também consequência da incompreensão do público e do próprio empre-
sário, por estes não abarcarem a complexidade da sua arte. No conto Kafka contorna
aspetos sobre as relações complexas entre artista, obra e público, mas sobressai uma
reflexão humana quando no fim do conto conhecemos a razão profunda do jejum
do artista. O artista da fome não procurava admiração, nem aplausos, prosseguia
com o seu jejum por não ter encontrado um alimento que o motivasse a querer vi-
ver: “porque eu não encontrei o alimento de que gostasse. Se o tivesse encontrado,
acredita que não teria chamado tanto a atenção e que me teria empanturrado como
tu e todos (Kafka, 2015, p. 36)”. Dessa forma fez do seu jejum físico o seu modo de
vida e a sua arte, culminando na sua morte. O conto leva-nos a meditar sobre a nossa
1309
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
própria satisfação com o que nos “alimenta”, porque não se morre apenas do jejum,
mas de viver uma vida triste ou sem motivações para a vida.
Num outro livro Elogio da sede5 José Tolentino de Mendonça percorre alguns mo-
mentos da vida de Cristo para nos convidar a meditar sobre o que significa nos dias
de hoje ter sede, e o que é que ela nos pode ensinar. Ter sede e jejuar são privações
que levantam muitas perguntas que não consigo iniciar a formular, no entanto há
uma dimensão espiritual que o artista da fome apela, e está presente no convite das
palavras de Tolentino: “Se a sede nos incomoda ou nos devora, façamos da sede um
caminho (Tolentino, 2018, p. 107)”. Mesmo vivendo uma vida triste, resultado da
incompreensão da sua expressão no mundo, o artista da fome acreditava que era
capaz de jejuar muito mais, e isso diz-nos que mesmo na privação há um sentido de
esperança. Para Tolentino a privação leva-nos a escavar no vazio da nossa alma. Mas
o artista da fome não viveu uma vida vazia, mesmo sem o seu alimento encontrou
um sentido para a vida. A metáfora da performance do jejum, ou a provação de algo
no nosso próprio corpo como a sede, serve-nos como um exercício para escavar no
vazio interno, uma forma de praticar a arte, a vida e a morte, aproximando-nos da
ideia de Montaigne, de que praticar a morte é um caminho para viver uma vida livre.
Desde as primeiras vanguardas artísticas que os artistas usam o corpo como meio para
criar ruturas com os meios artísticos mais tradicionais, e interrogar e substituir o estatu-
to de obra de arte pela fixação de um discurso de reação ao mundo. Estas performances
5 Elogio da sede é uma obra publicada em Abril de 2018 que reúne os textos e reflexões que o poeta,
teólogo e sacerdote José Tolentino Mendonça proferiu durante a Cúria Romana, pela altura da Quaresma.
Os textos foram assistindo o Papa Francisco e os cardeias como reflexões espirituais durante esse período.
1310
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6 Tradução livre: “The avant-garde perceived the forces of progress as predominantly destructive
ones” (Groys, 2010, p.05).
7 Tradução livre: (...) to create images that seemed to them to be so poor, so weak, so empty, that
they would survive every possible historical catastrophe.
8 Tradução Livre: (...) because every such repetition of the weak, transcendental gesture simulta-
neously produces clarification and confusion. (...) that is why the avant-garde cannot take place once
and for all times, but must be permanently repeated to resist permanent historical change and chro-
nic lack of time (Groys, 2010, p.10).
9 Tem sido pelo butoh que tenho desenvlvido um método para a criação de performances, possível
através de formações com a coreógrafa e bailarina Yumiko Yoshioka. O Butoh é uma forma de dança
com origens no Japão na década de 50, que tem como característica principal ser metamórfica, ou
seja o corpo do artista, bailarino ou performer, move-se no espaço entre. Uma forma de aceder a
espaços subtis para incorporar imagens e expandir o corpo para outros lugares internos desconhe-
cidos. O butoh terá sido inspirado também pelos movimentos vanguardistas como a dança expres-
sionista alemã, surrealismo, etc, (Fraleigh).
10 Tradução Livre: Its experiential somaticity, defined in bodily sensibility and capacity, is widely cast
to incorporate material objects, images, and poetic collages.
1311
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
espaço, esvazia-se das experiências pessoais, algo o move. Um corpo que se exercita
em apagamento incorpora e renuncia ao ego, tornando-se o objeto de afetação e o
meio previligiado para a constituição de subjetividade (Phelan).
Os exercícios são apresentados sob a forma de vídeos super 8 para dar visibilidade e
materialidade às imagens que me iam sendo sugestionadas pelas leituras e escrita
deste texto. A designação de exercício aproxima-se da ideia de gerar movimentos
para uma performance, diferente da ideia de guião ou ensaio para a performance.
Estes exercícios registados em super 8 são autónomos da performance que preten-
do realizar ao vivo11, porque naturalmente há outras questões a considerar referente
a decisões de corporalidade, espacialidade, temporalidade, etc. No entanto gerar
exercícios diz respeito também a uma necessidade de gerar vídeos, imagens, regis-
tadas por mim própria, para que estes me possam servir para o processo da per-
formance. Os vídeos “auto-registos” são parte de um processo de subjetivação que
pretendo levar a cabo na própria performance, através da exposição dos auto-regis-
tos ao meu corpo. Contudo, não é apenas a ação performativa que expõe o corpo.
O meu corpo que observa os “auto-registos” também é um corpo exposto porque se
deixa afetar pelos restos do corpo na imagem. Este ponto é o caminho estrutural da
minha performance: compor uma relação de auto-apagamento entre o meu corpo e
a imagem do meu corpo nos auto-registos.
1312
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
12 Tradução Livre: “The appropriate medium is film/photo (whether or not actual film/photo is utili-
zed): I’m standing in front of a camera - the camera is aiming at me, the camera is (literally) shooting
me - all the while, I can be doing what the camera is doing, I can be aiming in on myself. Over all,
the film frame being formed separates my activity from the outside world, places me in isolation
chamber (a meditation chamber where I can be - have to be - alone with myself ). (...) This can be
defined as “performance” in the sense of “something accomplished” (the accomplishing of a self, an
image, an object).”
1313
Praxis e Poiesis:
da Prática para a Teoria #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Carlos, I. (1991). “The Radicalisation of Modernity” in RisK: Experiments. Art Centre
Vooruit, Ghent
Stiles, K., & Selz, P. (1996) Theories and Documents of Contemporary Art. A Sour-
cebook of Artist’s Writings. California: University of California Press.
1314
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
artigos / papers
EDIÇÃO BRASÍLIA
ANAIS
1315
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O artigo apresenta e problematiza as cenas sexuais presentes na série God of
War (2005 – 2018). Discute a funcionalidade da sexualidade em seu gameplay,
e também em aspectos visuais, sonoros e interativos dos jogos do esparta-
no Kratos. Também aborda a representação de Kratos através da comunidade
LGBT em sites dedicados a artes feitas por fãs, e suas contradições e relações
com a proposta de um protagonista criado para reafirmar a heteronormativi-
dade. Por fim, apresenta polêmicas envolvendo God of War com temas LGBT e
o posicionamento dos seus criadores.
Palavras-chave: God of War; sexualidade; fanarts; representatividade; heteronor-
matividade.
Abstract
From the reading of Franz Kafka’s short story A hunger artist, I reflect on the desire
for self-erasing, and how performance art can be a practice for its exercise. The
reading of the story and supporting texts (Carlos, Groys, Cohen) suggested a set of
mental images useful both for the writing of this text and for the creation of video
self-recordings. The self-recordings as part of a performative process assist in un-
derstanding self-erasing as a practical concept within the creative process, and as a
possibillity for affectation through the body.
Keywords: God of War; sexuality; fanarts; representativeness; heteronormativity.
1 José Antônio Loures é doutorando no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais pela Universidade
de Brasília, Mestre em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás e Graduado em Artes
Visuais pela Universidade Federal de Goiás. Também é artista multimídia com produção em temáticas
contemporâneas, como: redes sociais, cibercultura e videogames. Email: jloures-arte@hotmail.com
1316
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
jogos da série GoW, e no Brasil o console foi um fenômeno cultural, e isso foi devido a
facilidade de desbloquear o console, e assim receber jogos piratas. Para se ter noção,
um jogo original de Ps2 poderia custar até mais de 100 reais, enquanto o salário mí-
nimo brasileiro era de R$ 300,00 em 2005. A versão pirata de um jogo de Ps2 custava
apenas 10 reais e até menos. Isso proporcionou que as aventuras sexuais e violentas
de Kratos alcançasse um público muito maior em território brasileiro. Ainda hoje o
console é um sucesso de vendas no Brasil:
Em uma pesquisa por lojas online e na região central de São Paulo, UOL Jogos encontrou à
venda PS2s novos, destravados, custando entre R$ 300 e 500. Alguns deles acompanham con-
troles ou cartões de memória adicionais, e outros vêm com jogos piratas gravados em DVDs.
“Pra muita gente, o PS2 basta. É um videogame barato que roda tudo o que eles querem:
“GTA”, “God of War”, e o futebol,” explica o vendedor de uma loja de games na Santa Ifigênia,
em São Paulo. “E se eles quiserem mais jogos, dá pra baixar na internet e gravar em um disco.”
Nenhuma das lojas procuradas vende jogos de PlayStation 2 separados, sejam eles originais
ou pirateados. (Lippe, 2017)
A série God of War sempre recebeu a classificação “MATURE 17+”, sendo assim, reco-
mendado para maiores de 17 anos na América do Norte, e por aqui recomendado
para maiores de 18 anos. Apesar disso, era comum jogadores mais novos que a reco-
mendação no Brasil, o acesso acontecia na privacidade do lar e nas (já finadas) loca-
doras de videogames. Em essência, God of War acompanha a jornada do espartano
Kratos por vingança, em dezenas de horas são derramadas incontáveis quantidades
de sangue em cenas viscerais e violentas. Os jogos já venderam mais de 21 milhões
de cópias em todo o globo (Yin-Poole, 2012), e o mais recente título da série acres-
centou a essa soma mais de 9 milhões de cópias vendidas apenas no primeiro mês
de lançamento (Arif, 2018). God of War sempre foi conhecido pela violência, brutali-
dade no combate, e pelo seu protagonista, Kratos, contudo, os jogos também têm a
tradição de exibir momentos picantes.
De acordo com Evan Lauteria e Matthew Wysocki (2015, p. 14) o sexo e a sexualidade
são elementos centrais na potência lúdica de God of War. As cenas sexuais presentes
na série são apresentadas ao jogador através do gameplay, aspectos visuais, sonoros
e interativos. Por se tratar de sexualidade, as imagens ao decorrer do artigo são ex-
plícitas, sendo esse um fator importante para desenvolver as ideias do texto.
1317
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No primeiro God of War (2005), lançado para Playstation 2, e logo nos primeiros
minutos de jogo entendemos como a sexualidade é explorada no jogo. Kratos se
encontra em um quarto, em um navio em plena navegação, e na cama estão duas
mulheres com os seios à mostra, uma delas diz ao personagem: “fique Kratos, ape-
nas um pouco...”. Caso o jogador pule na cama, um mini game se inicia, a câmera se
desloca para a direita, ocultando o ato sexual explícito, e gemidos começam a ecoar
por todo o quarto. Enquanto isso, o jogador deve pressionar determinados botões,
e a cada acerto, um vaso se desloca com o movimento da cama, que é o elemento
central na cena. O ritmo fica cada vez mais acelerado, assim como os gemidos e sons
de batidas na cama.
Em God of War II (2007), lançado para Playstation 2, Kratos encontra-se em uma casa
de banho na cidade de Rhodes. Na cena temos as personagens Persephone e Leda,
ambas com os seios à mostra. Um mini game se inicia, assim como o primeiro jogo,
mas ao invés de um vaso, temos uma estátua de um garoto urinando (fig.2). No mo-
mento do clímax a estátua espirra água para todos os lados, uma analogia com a
ejaculação masculina, e o jogador também recebe orbes para evoluir Kratos.
1318
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em God of War: Chains of Olympus (2008), lançado para o portátil Playstation Portable,
Kratos se encontra na Fortaleza de Attica, após derrotar o rei persa. Nesse momento, o
protagonista encontra duas gêmeas, e tudo acontece da mesma forma, um mini game
em que o jogador precisar pressionar os botões na sequência apresentada na tela. O
objeto que representa o ato sexual dessa vez é um candelabro (fig.3).
1319
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
God of War: Ghost of Sparta (2010) também lançado para Playstation Portable, apre-
senta ao jogador a cena sexual com mais participantes da história da série. Após
vários confrontos, Kratos retorna para Esparta, e decide adentrar em um bordel. Já
no início o protagonista agarra e carrega duas prostitutas, e as lança na cama. Nesse
momento, inicia-se o mini game, e as outras prostitutas observam a performance
do espartano. Durante o mini game outras seis prostitutas se jogam na cama, e o
objeto da vez, é a própria cama. Parte dela é visível ao jogador, se tornando assim a
representação do ato sexual (fig.4).
Em God of War 3 (2010), lançado para Playstation 3, Kratos se encontra com a deusa
grega Afrodite, e a interrompe em momentos de carícias com outras duas mulhe-
res. O jogador possui a opção de não cair nos encantos da deusa, mas se aceitar, o
jogador é recompensado com orbes vermelhos e outra cena sexual. A câmera nova-
mente se desloca para a direita, onde as mulheres observam a relação sexual entre
o protagonista e a deusa. A função que antes era responsabilidade de um vaso, um
candelabro, uma estátua, e uma cama, agora pertencem as duas mulheres (fig.5).
Quanto mais o jogador acerta nos comandos na tela, mais Afrodite geme, e mais ex-
citadas ficam as mulheres que os observam. Não vemos o ato sexual, mas vemos as
reações dessas mulheres, que trocam carícias com seus olhos brilhantes. O orgasmo
dessa vez é representado pelas duas mulheres se jogando no chão e trocando beijos
1320
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Apenas em GoW 3 temos expressões faciais durante o sexo, talvez, por causa da ca-
pacidade do Playstation 3. Os títulos anteriores foram publicados no Playstation 2 e
Playstation Portable, ambos ofereciam uma capacidade de processamento e rende-
1321
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
rização bastante inferiores ao PS3. Antes objetos inanimados, e agora o corpo digital
se tornou o foco em GoW, outro exemplo de como a evolução tecnológica foi impor-
tante para a sexualidade nos videogames. O que antes era implícito, aos poucos foi
sendo revelado. É importante salientar que, as cenas de sexo em na série GoW tem
como protagonismo o prazer de Kratos, ou seja, o objetivo é a ejaculação masculina,
a exceção é GoW3. Cada cena dura poucos minutos, a proposta dos desenvolvedores
foi recompensar o jogador de várias formas diferentes, mesmo que as cenas sejam
opcionais. Assim o sexo foi integrado ao gameplay de GoW, recompensando o joga-
dor com orbes vermelhos, e assim o possibilita evoluir Kratos, mas também premia
o jogador que deseja ver esse tipo de cena em um videogame. Nesse sentido, não se
pode dizer que o sexo surge em GoW de forma gratuita, obrigatória e sem propósito,
pois recompensa o jogador in game. Também é possível que um adolescente veja
em Kratos uma forma de realização de suas fantasias, mesmo que as cenas sejam
pré-definidas, estimulando assim a imaginação do jogador.
1322
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
2 “Ursos são homens que se relacionam com homens afetivamente/sexualmente - geralmente iden-
tificados como homossexuais ou simplesmente gays -, apresentam certas corporalidades específicas
e participam de um modo de vida dentro do universo das homossexualidades que geralmente
é denominado por esses próprios sujeitos (e não raramente reconhecido pelos “outros” homosse-
xuais) como cultura ursina ou cultura bear. [...] Essas corporalidades ursinas podem ser bastante
diversas: desde os ursos corpulentos: gordos, magros ou musculosos; peludos ou não; negros ou
não; de diferentes idades e com diferentes estilos de masculinidades. Entre eles, há uma taxonomia
composta de diferentes arranjos de itens corporais (gordura, músculos, pelos, barba, tamanho, etc)
que formam um conjunto de bens ou capitais simbólicos/culturais que medeiam tantas relações
quanto subjetividades”. (Diniz, 2013, p. 1)
1323
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
É curioso como nas camadas mais acessíveis da internet, Kratos mantém a imagem
de macho alfa heterossexual, de exemplo a ser seguido. Entretanto, Kratos em deter-
minados sites mais afastados do cenário mainstream é normalmente representado
como gay e apreciado por um público que normalmente não é o foco dos desen-
volvedores. Para os pesquisadores Lucas Gourlart, Inês Hennigen e Henrique Nardi
(2015, p. 404) é nos ambientes dos jogos digitais que encontramos: “Uma manuten-
ção da heteronormatividade – ou seja, a reiteração das sexualidades heterossexuais
como as únicas maneiras legítimas de exercer a sexualidade”.
São comuns os casos de homofobia no universo dos videogames, e quanto mais ten-
tativas de inserção de uma diversidade, mais o consumidor-rei3 se revolta e ataca. Em
2018 foi anunciado Last of Us 2, jogo desenvolvido pelo estúdio Naughty Dog e no trai-
ler de anúncio a protagonista Ellie aparece beijando uma garota, isso foi o suficiente
para ataques homofóbicos. Alguns comentários acusaram o estúdio de “enfiar goela
abaixo esses temas polêmicos”, outros acusaram de “viadagem”, e até mesmo de “aca-
bar com o jogo” (França, 2018). Também em 2018 foi anunciado Battlefield V, desenvol-
vido pela Dice, no anúncio do jogo foi exibida a imagem de uma mulher, e revelado
que o jogo de tiro contaria com a participação de mulheres. Essa notícia causou uma
reação desproporcional vinda de determinados usuários. Alguns jogadores acusaram
os desenvolvedores de criar uma “merda de um jogo incorreto historicamente”, e até
mesmo foi criada a corrente #NotMyBattlefield (Farokhmanesh, 2018).
Kratos dentro do jogo, e Kratos em sites que permitem uma pluralidade de repre-
sentações, são antagônicos. Nas artes de divulgação dos jogos, e in game, Kratos é
representado como onipotente, invencível, geralmente em contra-plongeé – câme-
ra abaixo do nível dos olhos dos personagens, de baixo para cima e ressaltando a
imponência do personagem, também conhecida como câmera baixa. Esse ângulo é
essencial para demonstrar a superioridade de personagens como Kratos, e torna-lo
magnífico (Martin, 2013, p. 43).
Nos jogos da série GoW, as mulheres são troféus, e seus corpos são o foco nos mo-
mentos sexuais da série. Mas no ambiente das fanarts, temos um Kratos completa-
mente diferente, inclusive em posições e situações pouco comuns em personagens
masculinos para os videogames (fig.8).
3 “Para Mathew Seiji Burns (2014) os desenvolvedores estão em conflito com o que é nomeado por
“consumidor-rei”. Geralmente são jogadores que se consideram tradicionais e se intitulam os verda-
deiros gamers, o agente central que define como será a experiência em um determinado jogo e até
mesmo na indústria de videogames [...] O “consumidor-rei” vai defender o seu espaço sagrado, e ata-
car todos que estão contra a sua opinião, esses que são acusados por modificar uma experiência já
consolidada. Alto poder aquisitivo também está ligado ao “consumidor-rei”, pois como tem dinheiro
para adquirir os jogos mais caros (AAA), se considerando além dos outros jogadores, assim negando a
existência de infinitas possibilidades oferecidas pela cultura dos videogames”. (Loures, 2018, p.1005)
1324
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Também temos Kratos participando de uma orgia com outros personagens masculi-
nos do universo dos videogames (fig.9):
Figura 9 – Kratos em uma orgia com diversos personagens masculinos de videogames. Fonte:
https://rule34.paheal.net/post/view/1172940
1325
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Percebo que nos desenhos, o corpo de Kratos é o destaque principal, mas nos jogos,
apesar de o corpo do protagonista ser exposto, não existe uma sexualização, esse é
o papel das mulheres in game. Nas artes feitas por fãs temos exatamente o inverso,
os músculos, as nádegas e o pênis do espartano são o foco principal. Possivelmen-
te um reflexo de uma geração de jogadores que cresceram com os videogames, e
encontraram em Kratos uma possibilidade de realização de suas fantasias. Também
temos comentários nas imagens, alguns anônimos e outros por meio de apelidos. Os
fãs analisam as imagens, elogiam a arte, dizem o que mudaria e também descrevem
o que sentiram ao ver essas imagens.
Por exemplo, na imagem acima, um usuário anônimo comenta: “Por que o pinto do
Kratos só está cutucando as bolas do Drake por trás ao invés de estar penetrando a
bunda dele?” Em seguida um usuário identificado por bohohoho responde: “Lá que
está o lendário segundo cu de Shamballa”. Essas situações de interação entre os usu-
ários acontecem nas artes postadas, como por exemplo na seguinte imagem (fig.10):
1326
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Temos Kratos acorrentando, submisso, nu, e com o pênis ereto, abaixo da imagem
temos essa sequência de comentários:
Anonymous1: Quente
Anonymous2: porra Grega quente
Anonymous3: Não acho que Ares virá salvar a sua bunda.
Anonymous4: ^não. Acho que eu vou.
cracker: ohhh
Anonymous5: agh estou gozando
Anonymous6: por favor, deus me deixa perfurar essa bunda. Seu cu é tão tentador,
meu saco está latejanto…
Anonymous7: Anon6: Eu acho que você teria que esperar porque eu acho que até
Deus quer fazer isso primeiro.
Anonymous8: Já sei o que quero de natal.
Anonymous9: Eu quero foder com ele
Anonymous10: Mmmm, deus, eu só quero chupar ele com tanta força, então deixar
ele foder minha bunda...
Anonymous11: Sim....
Anonymous12: Alguém quer me enviar e-mail eu envio fotos do meu buraco sendo
fodido;) velvetroxas@gmail.com 4
Os comentários junto as artes colaboram com minha tese, Kratos é utilizado como
fonte de excitação. Contudo, não é a representação oficial do personagem, que é
criação do estúdio Santa Monica. Resta aos artistas realizarem os desejos de fãs anô-
nimos pela internet. Assim temos uma reinterpretação de um personagem, esse que
não é um ator, modelo, atleta ou cantor, e sim um homem criado digitalmente. A sé-
rie se aproveitou de ângulos e planos cinematográficos para ressaltar a imponência
de Kratos, e os corpos femininos, mas na internet, é possível encontrar uma inversão
desses elementos. O corpo de Kratos é o destaque, em ângulos que ressaltam suas
nádegas, pênis e músculos, assim como as personagens femininas foram retratadas.
A sexualidade do protagonista é explorada em diversas faces, até mesmo como um
ser submisso. Isso demonstra que o público da série vai além do convencional públi-
co alvo: o adolescente heterossexual.
4 Tradução feita por Walace Andrade Matos Graduando em Engenharia de Computação pelo CEFET-MG.
1327
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
importante não propagar a visão de uma masculinidade tóxica (Plante, 2018). Kratos
agora tem um filho, e para o diretor era importante o jogo passar valores para os
jogadores, assim como Kratos passa para o seu filho. De acordo com o diretor:
Isso não quer dizer que eu odeie o trabalho que fiz antes, porque amo tudo isso. É como eu, à medi-
da que envelheço, estou olhando as coisas de maneira um pouco diferente. Esta lição que eu espe-
rava passar para [meu filho]: que os conceitos de força e vulnerabilidade emocional e a capacidade
de se sentir livre para sentir a gama de emoções, que estes não são dois conceitos conflitantes ou
diametralmente opostos. Isso é o que nos torna humanos completos, certo? (Plante, 2018)
David Jaffe – o criador de da série God of War, também recentemente causou uma
polêmica no meio gamer, ao dizer que o espartano é bissexual:
“Oh, mais uma coisa: não para dar uma de JK Rowling, mas quando estava traba-
lhando nas origens de Kratos para os primeiros jogos, sabia que ele era um furioso
bisexual, até se estabelecer com a sua esposa”(Romer, 2019).
Essa mensagem foi publicada após os jogadores tradicionais se irritarem ao ver Kra-
tos defendendo a causa LGBT (fig.11).
Posteriormente, Jaffe assumiu ser apenas uma brincadeira: “Infelizmente, aquele úl-
timo tuíte era uma mentira para irritar os que estão espalhando ódio por conta da
1328
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
imagem #PRIDE de Kratos”. Essa polêmica ocorreu no mês do orgulho LGBT (junho),
e ao dizer que se tratava apenas uma provocação, o criador do esparto conseguiu
irritar os apoiadores da causa LGBT e ao mesmo tempo o consumidor-rei.
Considerações Finais
GoW foi responsável por apresentar cenas de sexo para milhões de jogadores, que
assim conheceram as possibilidades de representações sexuais através do jogo no
Playstation 2. A inserção de elementos cinematográficos nos games foi responsá-
vel por uma revolução nos videogames, e isso alterou a percepção dos videogames
como uma mídia para crianças. Parte da indústria percebeu que o público está ama-
durecendo, com isso, procurando novas experiências e possibilidades nos videoga-
mes. Kratos é um personagem desenvolvido para agradar uma base já estabelecida
de jogadores: adolescentes heterossexuais. Mas para outra parcela de jogadores, as
mulheres com seios desnudos não são a fonte de atração, e sim o próprio Kratos.
As artes encontradas no site Rule 34 data base demonstram que a imaginação dos
jogadores vai além dos elementos pré-estabelecidos pelos criadores de God of War.
Desde os primeiros minutos a série inseriu a sexualidade como um dos seus temas,
e também como propaganda de um jogo para adultos. Contudo, na superfície da
sociedade e da internet Kratos é usado para reforçar a heteronormatividade, e até
mesmo uma masculinidade tóxica, como por exemplo as polêmicas envolvendo
Cory Barlog e David Jaffe. De acordo com Huizinga, um jogo sempre significa algu-
ma coisa, mas nesse contexto, o jogo significa um jogo sobre representatividade de
uma orientação sexual que é oprimida, e renegada na indústria dos videogames.
Referências
ARIF, S. (2018). God of War vendeu mais de 5 milhões de cópias em um mês. Dis-
ponível em: https://br.ign.com/god-of-war-2016/62328/news/god-of-war-vendeu-
-mais-de-5-milhoes-de-copias-em-um-mes. Acesso em: 12 jan. 2019.
DINIZ, A. H. T. (2013). Os corpos dos Ursos: Uma etnografia das corporalidades, mas-
culinidades e sexualidades em uma cultura gay urbana de São Paulo. In: Seminá-
1329
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
rio Internacional Fazendo Gênero 10. Florianópolis: UFSC. Disponível em: http://
www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/site/anaiscomplementares. Acesso em
7 de maio de 2018.
HUIZINGA, J. (2012). Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva.
LOURES, J. (2018). The Witcher: as polêmicas aventuras de um lobo branco. Anais SBC
– Proceedings of SBGames e XVII Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento
Digital, Foz do Iguaçu (PR), p. 1003 – 1006. Disponível em: http://www.sbgames.org/
sbgames2018/files/papers/CulturaShort/185617.pdf. Acesso em: 15 jan. 2019.
NARDI, H.; HENNIGEN, I.; GOULART, L. (2015). “We’re gay, we play, we’re here to stay”:
notas sobre uma parada de orgulho LGBTQ no jogo World of Warcraft. Em: Contem-
poranea - Revista de Comunicação e Cultura, v. 13, n. 2, p. 401–416.
ROMER, R. (2019). Criador de God of War diz que Kratos é bissexual e gera po-
lêmica entre fãs. Disponível em: <https://www.theenemy.com.br/playstation/cria-
dor-de-god-of-war-diz-que-kratos-e-bissexual-e-gera-polemica-entre-fas>. Acesso
em: 7 set. 2019.
WYSOCKI, M. e LAUTERIA, E. (2015). Rated M for Mature: Sex and Sexuality in Vi-
deo Games. New York: Bloomsbury.
YIN-POOLE, W. (2012). God of War series has sold over 21 million copies. Disponí-
vel em: https://www.eurogamer.net/articles/2012-06-05-god-of-war-series-has-sol-
d-over-21-million-copies. Acesso em: 12 jan. 2019
1330
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Marcus Mota1
Resumo
Nesta comunicação discuto cena do documentário Schaffende Hände (1926), de
Hans Cürlis. Na cena, temos Wassily Kandinsky pintando uma tela. Neste docu-
mento audiovisual, que foi pouco estudado pela recepção crítica, pode-se obser-
var como Kandinsky performa decisões criativas a partir de conceitos operatórios
expostos em Ponto e Linha sobre o Plano, publicado no mesmo ano 1926. Em espe-
cial, temos a exploração do conceito de Grundfläche ou ‘Plano Básico’(PB), que vê
no espaço da tela um conjunto de referências pré-composicionais.
Palavras-chave: Kandinsky, Audiovisualidade, Grundfläche.
Abstract
In this paper I discuss a scene from Hans Cürlis’ documentary Schaffende Hände
(1926). In the scene we have Wassily Kandinsky painting a canvas. In this audiovi-
sual document, which was little studied by the critical reception, we can see how
Kandinsky performs creative decisions based on operative concepts exposed in
Point and Line to Plan, published in the same year of 1926. In particular, we have
explored the concept of Grundfläche or ‘Basic Plan’ (PB), which sees in canvas a set
of pre-compositional references.
Keywords: Kandinsky, Audiovisuality, Grundfläche.
Contextos
Durante de sua estadia como professor da Bauhaus entre 1922 e 1933, Kandinsky
busca explicitar e fundamentar sua concepção plural e multissensória da arte. O am-
biente progressista, experimental, pluridisciplinar da Bauhaus, aliado às atividades
de preparar cursos de fundamentos alunos com vários backgrounds e objetivos,
1 Marcus Mota, Professor de Teoria e História do Teatro na Universidade de Brasília, onde coordena desde
1998 o Laboratório de Dramaturgia (LADI).
1331
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Uma integração entre tais aspectos pode ser compreendida na análise de um pre-
cioso documento audiovisual: em 1926, o cineasta Hans Kürlis registra 4 minutos de
Kandinsky em ação, como parte da série “Schaffende Hände {Mãos Criativas}3 .”
Kandinsky em Performance
Na filmagem, o foco é a tela do quadro, sua superfície material, que recebe as rápidas
pinceladas de Kandinsky. Inicialmente, temos uma figura que será o eixo da pintura
em preto e branco, ocupando a diagonal esquerda alta-direita baixa. Essa, figura,
um alongado retângulo, é formado por principalmente duas retas paralelas que se
fecham em baixo por um semi-círculo. Esse método de ir adicionando elementos
em correlação, como em uma improvisação que retoma materiais prévios, é o que
domina as etapas posteriores.
1332
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1333
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em seguida a essa fase de expansão da figura central, desse corpo-foco agora cra-
vejado de diversas formas geométricas, Kandinsky passa a um procedimento muito
utilizado desde seu caminho para abstração: o uso de grupos de traços ou linhas
repetidas, seja em ocorrências em sucessão e em paralelo, seja na forma de justapo-
sição, como grids ou gradientes. É de se notar que no grid inferior central, Kandinsky
insere 7 traços em sequência, como sete notas musicais.
Figura 6. Gradientes
Mas, mais que inserir novos elementos, trata-se de retomar o já pintado e modificar
seu status inicial. Após essa etapa, temos o produto final:
1334
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Concluindo
Como se pode observar, o trabalho de Kandinsky é o de uma escrita que se aproxima
do ato de registro de imaginações orientadas por diversos tipos de materialidade,
como a literária, a pictórica e a musical. A divisão da totalidade da performance em
momentos ou decisões criativas demonstra o encadeamento de atos bem caracte-
rizáveis: 1- a relação do ato expressivo com a superfície da tela, com suas relações
prévias; 2- a inserção de elementos ou formas em negociação com essas relações
prévias; 3- a inserção de elementos ou formas por meio da relação entre si.
Para que esse processo criativo encontrasse sua coesão, Kandinsky procedeu a: 1- pro-
dução de um foco de orientação recepcional a partir da ditribuição de uma forma ou
um grupo de figuras; 2- variação na inserção dos elementos e formas na tela; 3- retro-
alimentação, ou aproveitamento e redefinição dos elementos e formas já inseridos.
No resultado, não vemos uma paisagem natural, uma criatura humana, ou um even-
to hsitórico: temos o conjunto de decisões criativas em sequência, no eixo do tempo,
tornando visíveis operações composicionais.
1335
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
KANDINSKY, Wassily. Punkt und Linie zu Fläche. Beitrag zur Analuse der Mae-
rischen Elemmente. Munique: Verlag Albert Langen,1926. Disponível em http://
bibliothequekandinsky.centrepompidou.fr/imagesbk/RLPF728/M5050_X0031_
LIV_RLPF0728.pdf . Acessado em 6 jun 2019.
1336
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O Projeto Escola do Trabalhador se constitui em uma ação de pesquisa e extensão
em parceria com o Ministério da Economia com vistas auxiliar no enfrentamento
dos altos índices de desemprego no país oferecendo cursos MOOC - Massive Open
Online Course em uma plataforma pensada para ser acessível e intuitiva. Neste tra-
balho iniciado em agosto de 2017 contamos com a atuação de diversos alunos
no desafio de apresentar cursos que agregassem imagens, avatares, objetos de
aprendizagem, história em quadrinhos, gameficação dentre as estratégias peda-
gógicas. Os índices alcançados foram de 1.285.425 matrículas até o dia 15 de agos-
to de 2019 quando as inscrições foram encerradas. Apresentamos aqui o relato da
atuação de quatro estudantes de graduação em Artes Visuais, bacharelado, e seus
próprios depoimentos deste desafio.
Palavras-chave: Artes Visuais, EAD, capacitação, educação em artes visuais
1 Profa. Thérèse Hofmann Gatti Rodrigues da Costa, Doutora em Desenvolvimento Sustentável, Mes-
tre em Arte e Tecnologia. Professora do Departamento de Artes Visuais/IdA/UnB.
2 Ana Maria Silva Sena Pereira. Graduanda em Bacharelado em Artes Visuais, VIS/IdA/UnB.
3 Eugênia Versiani Souza Carvalho. Graduanda em Bacharelado em Artes Visuais, VIS/IdA/UnB.
4 Gabriel Victor Alves Meireles. Graduando em Bacharelado em Artes Visuais, VIS/IdA/UnB.
5 João Victor Silva Araújo. Graduando em Bacharelado em Artes Visuais, VIS/IdA/UnB.
1337
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
The Escola do Trabalhador project is a research and extension action in partnership
with the Ministry of Economy to help cope with the high unemployment rates in the
country by offering MOOC - Massive Open Online Course courses in a platform de-
signed to be accessible and intuitive. In this challenge started in August 2017, we
had the performance of several students presenting images, avatars, learning ob-
jects, comics, gamefication among the pedagogical strategies of the courses. We
reached 1,285,425 enrollment until August 15, 2019. We present here the report of
the performance of four undergraduate students in Visual Arts, bachelor’s degree,
and their own testimonials of this challenge.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Visual Arts, MOOC, training, visual arts education
“foi apurada uma alta de 1,3 ponto percentual na comparação com o trimestre anterior, sendo a maior
taxa de desocupação no país da série histórica do indicador iniciada em 2012. Com o resultado, o
Brasil tem 13,5 milhões de pessoas desocupadas e teve alta de 11,7%, ou seja, mais de 1,4 milhão de
pessoas quando comparada ao trimestre encerrado em novembro de 2016. Na comparação com igual
trimestre de 2016, a alta foi de 3,2 milhões no número de desempregados no país, informou o IBGE.”8
6 Projeto protocolado no então MTb em 02 de junho de 2017, que veio a ser formalizado no TED
01/2017 FUB - MTb, coordenado pela Profa. Thérèse Hofmann Gatti Rodrigues da Costa
7 http://economia.ig.com.br/2017-03-31/desemprego-dados-ibge.html (acesso em 07/05/2017)
8 Fonte: Economia - iG @ http://economia.ig.com.br/2017-03-31/desemprego-dados-ibge.html
9 http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publica-
tion/wcms_541211.pdf
1338
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“A OIT estima que o Brasil terá 1,2 milhão de desempregados a mais na comparação com 2016, pas-
sando de um total de 12,4 milhões para 13,6 milhões, e chegará a 13,8 milhões em 2018. Em termos
absolutos, o Brasil terá a terceira maior população de desempregados entre as maiores economias
do mundo, superado apenas pela China e Índia. Na China, a OIT prevê que o número subirá de 37,3
milhões para 37,6 milhões em 2016. Já na Índia, de 17,7 milhões para 17,8 milhões.”10
Para o IBGE, a qualificação profissional é a modalidade mais acessível à população, uma vez que
muitos desses cursos não dependem de uma escolaridade prévia para sua realização. A demanda
por cursos de qualificação profissional concentrava-se em um perfil jovem (45,4 % das pessoas
tinham entre 15 e 19 anos) e de alta escolaridade (48,1 % tinham 11 anos ou mais de estudo),
sendo 54,7% de mulheres e 68,7% de pessoas ocupadas.12
10 Reportagem G1, OIT prevê que número de desempregados no Brasil chegará a 136 milhões em
2017.
11 http://www.valor.com.br/brasil/4911128/ibge-mais-de-40-milhoes-no-brasil-desejam-cursos-
-de-qualificacao, acesso em 07/05/2017
12 http://www.valor.com.br/brasil/4911128/ibge-mais-de-40-milhoes-no-brasil-desejam-cursos-
-de-qualificacao, acesso em 07/05/2017
13 O Ministério do Trabalho foi extinto em 2019 e suas atribuições ficaram a cargo do Ministério
da Economia
1339
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com a possibilidade de ingresso diário, ou seja não sendo necessário formar turma
para iniciar o curso, qualquer cidadão ou cidadã, com qualquer escolaridade, com di-
ferentes níveis de letramento digital, com diferentes níveis de condição de acesso à
internet e de idades diversas, podiam escolher qual curso fazer e já iniciar os estudos.
14 Cada eixo temático recebeu uma cor e foi pensado um ícone que mais representasse o conteúdo
do eixo.
1340
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As produções dos conteúdos dos cursos foram realizadas a partir da Matriz Refe-
rencial do Perfil de Competências do Trabalhador do Século XXI e dos resultados
obtidos nas pesquisas realizadas. Os professores Mauro Rabelo16 e Claisy Marinho17
pesquisaram e analisaram as avaliações de competências para a formação profis-
sional dos participantes da Escola do Trabalhador, e pesquisaram o modelo teóri-
co-metodológico que subsidiou o processo de desenvolvimento e aprendizagem
na formação dos cursistas da plataforma de Ensino a Distância - EAD. As pesquisas
resultaram nas matrizes de habilidades e competências de cada um dos 12 eixos
temáticos e serviram de orientação aos conteudistas na elaboração dos cursos.
1341
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Minha primeira atuação foi com minha própria imagem em foto para o portal do
site. Depois meus desenhos foram selecionados para representar os ícones para os
doze eixos temáticos. Com a orientação da equipe pedagógica, capitaneada pela
Profa. Wilsa Ramos, foram definidas as cores e discutidos os estilos para cada um dos
ícones dos 12 eixos temáticos: 1) Informação e Comunicação, 2) Ambiente e Saúde,
3) Turismo, Hospitalidade e Lazer, 4) Recursos Naturais, 5) Desenvolvimento Educa-
cional e Social, 6) Produção Alimentícia, 7) Segurança, 8) Produção Cultural e Design,
9) Produção Industrial, 10) Gestão e Negócios, 11) Infraestrutura e 12) Controle e
Processos Industriais. (https://www.escoladotrabalhador.gov.br/sobre/)
1342
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Portal escola do trabalhador: Jeffesson Silva, Amanda Morais e Ana Maria Sena.
Foto de Fernando Nísio.
Devido a isso, os prazos eram variados e em sua maioria um pouco curtos, já que
assim que finalizado, ele já era postado junto com o curso. Foi uma espécie de labo-
ratório, nunca participei de algo parecido, já que o site estava em construção e de
certa forma descobriamos na hora o que daria certo ou não.
1343
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Avatares criados por Ana Maria Sena, sketches e finalizados. arquivo pessoal.
Dentro desse processo, um detalhe que me agradou foi a preocupação que o projeto
teve de que os avatares estimulassem a inclusão, buscando sempre a diversificação
dos mesmos para representar a diversidade da população brasileira, e desta forma
o cidadão ao acessar o curso se sentiria representado. Trabalhei com photoshop e
mesa digital.
De cara já participei do portal ilustrando a atividade de uma cozinheira que iria fazer
um dos cursos da Escola.
1344
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Depois recebi minha primeira demanda e logo pedi ajuda para alguns amigos do es-
tágio. Os mesmos me auxiliaram a fazer as modificações necessárias no computador
para que este pudesse rodar os programas indicados. Me ajudaram a baixá-los e me
ensinaram a desenhar usando uma mesa digitalizadora. Depois de mais ou menos
um mês já sabia o básico sobre o funcionamento dos programas. Foi um grande
desafio e aprendizado. Confesso que tive dificuldades para atender alguns prazos,
mas os professores responsáveis por me enviarem as demandas sempre foram mui-
to compreensivas e pacientes, o que tornou meu aprendizado mais tranquilo.
1345
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ter que ilustrar em uma nova plataforma com prazos definidos foi uma ótima expe-
riência tanto profissional quanto pessoal. Profissionalmente, pude me capacitar para
trabalhar com ilustração e pintura digital, aprendi a lidar com prazos e reuniões, apren-
di a trabalhar melhor em grupo e principalmente, o importante papel que a ilustração
pode ter no aprendizado das pessoas, independente da faixa etária das mesmas.
No lado pessoal, passei a ter mais disciplina nos meus estudos, principalmente nos
estudos relacionados ao desenho. Minha produção artística teve uma melhora sig-
nificativa, e a ilustração digital acabou se tornando uma importante ferramenta de
trabalho e estudo.
1346
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Comecei atuando como personagem e também criando personagens que iriam ser
usados para ilustrar os cursos. As demandas chegavam a nós por meio de e-mails
dos organizadores onde nos explicavam o que tinha que ser feito e quais as especi-
ficações do personagem. Achei muito interessante que sempre se mostraram muito
preocupados em manter uma diversidade de personagens para que todos os alunos
pudessem se identificar com os mesmos quando fizessem as matérias online.
Eu produzi ilustrações para cursos com temas como o microcrédito, letramento de da-
dos, capacitação de agentes do SUS entre outros. De tempos em tempos tínhamos que
participar de reuniões de alinhamento com os professores e organizadores do projeto,
onde pude ter uma visão interna de como se gerencia um projeto dessa magnitude.
1347
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No início estávamos com dificuldades para manter o estilo das artes consistentes,
depois de algumas reuniões e conversas entre os ilustradores, concordamos em
utilizar um estilo mais cartunizado de desenho, com cores e formas chapadas, sem
linhas, já que esse estilo possibilitava a produção mais rápida de ilustração para os
cursos e era de fácil aprendizado e adaptação para todos os artistas.
O programa que utilizei para produzir as imagens durante todo o projeto foi o
Adobe Photoshop Cs6, um programa gráfico que possibilita a pintura digital de for-
ma prática facilitando alterações. Ao longo do tempo senti que a minha prática e a
velocidade do meu trabalho nesse software aumentou muito devido o constante
uso das ferramentas e procura de um método de produção rápido e eficiente que
eu pudesse aplicar em todas as demandas do projeto.
1348
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com a aprovação dos meus trabalhos de histórias em quadrinhos, acabei sendo esco-
lhido para continuar a desenvolver tirinhas que ajudassem a explicar o curso para o
aluno, o que foi de grande proveito para mim, por que foi um dos meus primeiros con-
tatos com a produção de histórias em quadrinhos. Através dessas demandas de hq’s ,
pude aprender como trabalhar com um roteiro pré-estabelecido, e como adequar as
composições ao que seria contado na história, ao tamanho dos diálogos, ao tamanho
das páginas, além de ter que pensar em uma narrativa de fácil compreensão a todos.
Por fim, me sinto muito orgulhoso de ter participado de um projeto que atingiu mi-
lhões de pessoas e milhares de municípios do Brasil, e de saber que meu trabalho
ajudou a contribuir com essa imensa empreitada pela capacitação de pessoas pelo
país. Foi de grande valia como aprendizado prático durante meus estudos e me aju-
dou a produzir um portfólio consistente de trabalhos que certamente me impulsio-
narão a conseguir outros empregos ao finalizar minha graduação.
1349
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1350
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com as considerações e o feedback que eu recebia por parte de quem estava elabo-
rando o conteúdo do curso eu ajustava o desenho do personagem para melhor se
adaptar ao que esperavam. Com o personagem pronto eu recebia briefings contendo
uma lista de poses e expressões para o personagem e roteiros de pequenas tirinhas. As
variações das imagens mantinham a posição semi-lateral para facilitar modificações.
1351
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusão
A experiência neste desafio da Escola do Trabalhador foi extremamente enriquece-
dora para todos os envolvidos. No período de pouco menos de dois anos alcança-
mos com a disponibilização de 36 cursos na plataforma da Escola do Trabalhador o
número de 1.285.425 matrículas abrangendo cursistas residentes em 5.451 municí-
pios brasileiros o que certamente se apresenta como a maior política de capacitação
on line de cursos livres do país. Os relatos dos estudantes de artes visuais da UnB
mostram que as ações de pesquisa e extensão que envolvem os alunos de gradu-
ação são de grande significado na complementação da formação profissional dos
nossos graduandos. O desafio das ações interdisciplinares oportuniza à formação
profissional do aluno de graduação o contato com múltiplas realidades propiciando
uma rica troca de experiências. A integração da atuação acadêmica em atividades de
aplicação prática permitem ao graduando atuar com maior profissionalismo e já se
preparar para a realidade do mercado de trabalho.
1352
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
Costa,T.H.G.R., Steinke, V.A., Ramos,W.M., Júnior,R.T.S., Júnior, H.A., Molinaro, L.F.
(2017) Projeto “PESQUISA DE DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO E CAPACITAÇÃO
PARA GOVERNANÇA E GESTÃO PÚBLICA DA EMPREGABILIDADE NO BRASIL - Progra-
ma de Empregabilidade: Qualifica Brasil” (3-5)
Ramos,W.M., Bicalho, R., Nogueira,D., Melo,L.V.S., Costa, THGR. (2017) Design Instru-
cional da Escola do Trabalhador. Relatório Técnico,
1353
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo coloca em perspectiva a demo art e a visual music. Demo art são
obras de audiovisual renderizados em tempo real, enquanto visual music são
obras de audiovisual previamente renderizado em formato de vídeo. O contex-
to em que surgem são diversos, a visual music surge entre artistas e técnicos
ligados a indústria cinematográfica, enquando os demos surgem entre pro-
gramadores com estreita relação com os jogos de computador. A divulgação
e exibição entre as comunidades variam e são muito distintas, e há um claro
distanciamento entre os praticantes destas duas formas de arte, levando a crer
que um possível entrelaçamento entre os artistas dos dois contextos pode levar
a resultados e frutos interessantes.
Palavras-chave: Demo art, demoscene, visual music, arte e tecnologia.
Abstract
This paper shed light into demo art and visual music. Demo art are works of audio-
visual rendered in real time, while visual music are works of audiovisual previous-
ly rendered in video format. The context and origins are diverse, visual music born
among artists and technicians from cinema industry, while demos emerge among
programmers related to computer games. The dissemination and exhibition among
communities vary and are very distinct, there is a clear gap between practitioners of
these two art forms, leading to the belief that a possible intertwining between artists
from both contexts can lead to interesting results.
Keywords: Demo art, demoscene, visual music, art and technology.
Introdução
A demoscene é uma comunidade de programadores trabalhando para produzir de-
mos, ou demo art, obras de animações audiovisuais em tempo real executadas em
1 Joenio Marques da Costa é Engenheiro de Software, ativista e desenvolvedor de Software Livre, mestre
em Ciência da Computação. Realiza experimentação e pesquisa com música computacional, algoritmica
e live coding, utilizando software livre e plataformas abertas como SuperCollider e TidalCycles – http://
joenio.me.
1354
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Definição
Demos (abreviação de demonstration) são programas de computador não interati-
vos que produzem resultados audiovisuais em tempo real, surgido durante a dis-
seminação dos primeiros microcomputadores na década de 80 possui ênfase na
realização técnica em pressionar os limites do hardware de sistemas computacio-
nais produzindo animações e sons gerados por algoritmos (Ferreira & Duarte, 2014;
Marecki, 2015).
Ambos, demo e visual music, são representações visuais e sonoras, em alguns casos
podendo ser apenas visual, com sincronia e forte relação entre estes dois elementos,
possuem o ponto alto de desenvolvimento na década de 80 e surgem em contextos
bastante distintos.
Origens
Demo art tem suas raízes na revolução dos computadores domésticos no final dos anos
70, surge com a pirataria de software e com os usuários de computador (geralmente
de plataformas computacionais da geração 80 e 90, como o Commodore 64 e o Com-
modore Amiga) aplicando novas e criativas formas de uso para tais computadores,
herança direta de sua cultura hacker, para produzir demos, ou, obras audiovisuais em
tempo real, a comunidade ao redor dos demos se intensificam ao longo dos anos 80,
especialmente na Europa onde permanecem fortes até hoje (Ferreira & Duarte, 2014).
Visual Music surge conceitualmente com os Color-Organs no século XVIII, mas somen-
te no século XX surge de fato a primeira geração da visual music com o movimento
Absoluter Film na Alemanha, grande parte dos pioneiros desta arte trabalhavam como
1355
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tanto demo quanto visual music possuem forte relação com a tecnologia do século
XX e com os computadores de modo geral, no entando é importante perceber que
as duas comunidades possuem motivações muito variadas.
Motivações
Demos são desenvolvidos por programadores, músicos e artistas gráficos (gfx-artist)
em grupos chamados Demogroups normalmente para participar de festivais – deno-
minados Demoparties – onde competem entre si com seus demos em competições
chamadas compos.
Todo este ecossistema ao redor dos demos, incluindo conceitos, pessoas e artefatos
produzidos estão inseridos numa grande comunidade denominada Demoscene. De-
moscene é o termo guarda-chuva em que está inserida todas as atividades relacio-
nadas aos demos e caracteriza toda esta comunidade.
A origem da demoscene está no ato de crackear software proprietário (em sua maio-
ria jogos) visando à remoção de sua proteção contra cópia. Neste processo, de re-
mover a proteção contra cópias, os crackers inserem, no software já desbloqueado,
alguma forma de assinatura (visual e/ou sonora) indicando o autor do crack, estas
assinaturas são chamadas de cracktros (Ferreira & Duarte, 2014). Com o passar do
tempo os cracktros se tornam cada vez mais elaborados até sairem do âmbito estri-
to das telas de carregamento de software para ganhar vida própria, passando a ser
chamados de demos (Ferreira & Duarte, 2014).
Todo este processo de criação é marcado por um forte espírito de desafio técnico en-
tre os demosceners, que levam em conta as limitações técnicas dos computadores
forçando o hardware de forma nova e criativa, assim elevam a aplicação de técnicas
gráficas e sonoras a novos patamares. Além do desafio técnico, há também entre os
demosceners um grande senso de nostalgia como ponto motivador, especialmente
por utilizarem, em grande parte, plataformas computacionais antigas, consideradas
obsoletas nos dias atuais (Ferreira & Duarte, 2014).
1356
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Além da forte relação com a música absoluta, a visual music possui também grande
conexão com o filme absoluto, sendo caracterizada durante seu desenvolvimento pela
aplicação de concepções abstradas em filmes, possuindo, inclusive, entre os pioneiros
da visual music obras de animação classificadas como filme experimental (Corrêa, 2018).
Grande parte dos pioneiros desta arte possuíam relação com o cinema e com a pro-
dução cinematográfica, muitos deles produzindo novas tecnologias e equipamentos
para dar suporte aos desafios enfrentados nesta nova estética artística. A evolução
da visual music está intimamente ligada aos desenvolvimentos tecnológicos do sé-
luco XX, e possui intrínseca relação e praticamente dependência dos computadores.
Não é difícil perceber a distância conceitual, teórica e prática entre demo e visual
music, enquanto os demos surgem como desafios técnicos ao ato de quebrar a se-
gurança de jogos de computadores, a visual music surge com uma forte motivação
artística relacionando estudos sobre luz, filme, música e sons, numa tentativa de rea-
lizar uma nova forma de representação musical através de imagens. No entando, ao
observar algumas obras de perto, e sem compromisso com as motivações históricas,
torna-se difícil distinguir, em alguns casos, o que é demo e o que é visual music.
Obras
Não é possível, no entanto, comparar demo art e visual music sem avaliar algumas
de suas obras, para então colocá-las lado a lado em comparação, assim, a partir da
uma revisão de documentários e artigos (Polgar, 2005; Polgár, 2016; Harmon, 2016)
sobre a história da demoscene e da visual music, caracterizo algumas das primeiras
obras dos dois movimentos, partindo dos registros iniciais e tendo como ponto de
corte obras produzidas até o final dos anos 90. O ponto de corte adotado foi motiva-
do pela mudança ocorrida na demoscene após este período, os demos produzidos
nos anos 2000 representam uma virada estética crucial.
2 http://www.centerforvisualmusic.org
1357
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Demo com imagens estáticas, animações no topo e rodapé da tela contendo men-
sagens texto em slide, representa uma demo típica da primeira fase. Disponível em:
https://archive.org/details/Aliens 1986 Scoop Design e http://www.pouet.net/prod.
php?which= 5745.
Demo art inspirada em música de Michael Jackson, animações com plano ”3D”, pa-
lavra ”Moonwalker” girando, em momentos o nome dos autores e do grupo são im-
pressos na tela. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4FNeHqrDaSM
e https://csdb.dk/release/?id=6556.
1358
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1359
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1360
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Demo art com sons mais elaborados e visuais mais integrados ao som, efeitos visuais
mais interessantes do que apenas animações na tela, som e imagem mais conecta-
dos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZVBS3ouIkE http://www.
pouet.net/prod.php?which=74.
Neste demo percebe-se uma fase distinta na demoscene, com mais quali-dade, sons,
imagens e muitas cores, figuras e outros elementos, é um demo muito bom, o som
bastante cativante. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mN2KBJa-
vpzI e http://www.pouet.net/prod.php?which=1027.
1361
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Visual music com figuras geométricas em fundo preto, animando na tela, efeitos de
borrão, sobreposição cubos, música executada por instrumentos e orquestra. Dispo-
nível em: https://www.dailymotion.com/video/x58zpn.
1362
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Experimento com design, linhas movendo-se com precisão em relação ao fundo que
altera-se de cor, música começa com flauta, entra cordas, animação começa, sons e
animação sincronizados. Disponível em: https://www.nfb.ca/film/lines horizontal/.
1363
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Visual music com desenhos feitos a mão diretamente no filme, figuras geométri-
cas, cores, bordas, som experimental, eletrônico, fundos coloridos, quadrados,
círculos, outros formatos geométricos. Disponível em: https://vimeo.com/onde-
mand/34628/123374027.
Efeitos visuais com cores, sombras, usando o projeto Mobilcolor. A qualidade visual
e efeitos impressionam em comparação com outras obras da mesma época. Dispo-
nível em: https://www.facebook.com/watch/?v=10155251165662220.
1364
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Visual music com muitas cores, figuras abstradas, lembram folhas, cores, vídeo curto.
Disponível em: http://www.spiralsmorphs.de/algorithmen.html.
1365
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Demoparty
Alguns demos são criados no próprio evento, outros são finalizados há poucas horas
antes do início, em alguns casos grupos trabalham durante a viagem ao evento, mas
uma grande parte é resultado de meses de trabalhoque antecedem a realização do
evento e da competição.
Grande parte dos demos submetidos nestes eventos são disponibilizados em sites e
comunidades online voltadas a preservação e divulgação das obras, entre os mais tra-
dicionais destacam-se Pouet.net, Scene.org, Demoparty.net, Demozoo.org e CSDb.dk.
Exibições e galerias
A visual music, pela proximidade com a comunidade artística do cinema, artes visuais
e música, apresenta-se em espaços de arte um pouco mais tradicionais, como confe-
3 https://2017.revision-party.net
1366
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
rências, congressos, centros de pesquisa sobre arte, galerias e museus, além de sites
especializados no tema, em Los Angeles, Califórnia, por exemplo, existe um centro de
pesquisa especializado na divulgação dessa arte, o Center for Visual Music (Corrêa, 2018).
Alguns destes espaços retomam uma definição mais ampla do conceito visual mu-
sic, estendido a diversas formas de arte visual abstrata que de algum modo se re-
lacionam à música, bem como a um recorte abrangente do cinema experimental
(Basbaum, 2018). Há ainda congressos como o “Color Music Congresses” (Kongresse
für Farbe-Ton-Forschung) na Alemanha realizado nos anos 20 e 30, mais tarde nos
anos 60 temos as conhecidas exibições do Fluxus e Intermedia na Europa e Estados
Unidos, revelando artistas como John Cage (Ox & Keefer, 2006).
Similaridades
Ao desconsiderar o origem histórica da demoscene e da visual music, e também a
formação individual dos artistas pioneiros destes dois movimentos, é possível iden-
tificar algumas similaridades entres as suas obras, as duas formas de expressão ar-
tística são parecidas em sua representação final, ambas compostas por animações
acompanhadas por música e sons, numa relação de sincronia entre os dois elemen-
tos, ambos possuem grande relação e dependência das tecnologias do século XX,
especialmente dos computadores.
Algumas obras de demo art e visual music possuem bastante similaridade tanto no
visual quanto no som, especialmente entre obras a partir dos anos 2000, como é o
caso da visual music Parks on Fire (2008) de Scott Pagano e o demo Glitch (2003) do
grupo Kewlers (Curly Brace, Mel Funktion, Little Bitchard, Actor Dolban e 110), pri-
meiro lugar na competição Stream 2003, ambos representados por formas abstradas
geométricas acompanhadas por sons ao ritmo das variações visuais, ver Figura 1.
1367
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1: Captura de tela (1) visual music Parks on Fire de Scott Pagano publicado em 2008 e (2)
demo Glitch do grupo Kewlers publicado em 2003.
Outras animações possuem referentes e são menos abstratos como no caso da visu-
al music LT24 (2010) por Lucio Arese e o demo Debris (2007) por Farbrausch, ambos
fazem referência a ambientes urbanos e cidades, ver Figura 2.
As obras de visual music Petals (2016) e Tesseract (2017) de João Pedro Oliveira e os
demos Artifacts (2013) por illogictree (Eddie, SONARISE e Jina), e ambience (2010)
por Quite (preston, mam, ized e unc) são baseados em figuras abstratas e sons am-
bientes com forte relação entre os dois, ver Figura 3.
Figura 2: Captura de tela (1) visual music LT24 por Lucio Arese publicado em 2010 e (2) demo
Debris por Farbrausch publicado em 2007.
Figura 3: Captura de tela (1) visual music Petals de João Pedro Oliveira publicado em 2016 e (2)
demo ambience por Quite publicado em 2010.
1368
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os demos em geral são obras realizadas como um desafio técnico na relação com a
máquina, algoritmos e processamento, já a visual music é uma iniciativa totalmente
artística, isto evidentemente conduz a algumas diferenças.
Diferenças
Uma diferença marcante está no formato final de cada obra, enquanto na visual mu-
sic o produto final é um vídeo pré-renderizado, nos demos o produto final é um
software, um arquivo executável, que será renderizado em tempo real, essa caracte-
rística dos demos faz, por exemplo, uma animação de 3 minutos ocupar apenas 40
Kilobytes de espaço enquanto a mesma animação pré-renderizada em formato de
vídeo ocupa algo em torno de 100 Megabytes.
Uma sutil diferença mas com enorme impacto é a relação dos dois movimentos
com a tecnologia, enquanto a comunidade demoscene surge como resultado da
tecnologia, a visual music utiliza a tecnologia como meio. A demoscene é uma clara
consequência dos impactos sociais que a tecnologia causa no meio ambiente, a en-
trada e a popularização dos computadores pessoais nas casas das pessoas tornou a
demoscene possível.
1369
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Conclusões
Demo art e visual music apesar de possuírem similaridades estão longe de ser a mes-
ma coisa, como visto, origens, motivações e mesmo grande parte das obras pos-
suem diferenças marcantes, entretanto a proximidade estética de algumas obras
nos faz questionar qual a relação entre demo e visual music.
Visual music ainda é pouco conhecido no mundo e também no Brasil, demo art e
demoscene são ainda menosconhecidos, especialmente entre as comunidades ar-
tísticas e acadêmicas, durante a escrita deste trabalho uma busca por artigos rela-
cionando demoscene e visual music não encontrou nenhum resultado, uma outra
busca em língua portuguesa sobre demoscene mostrou apenas um único resultado
(Ferreira & Duarte, 2014).
Assim percebe-se que demoscene é um tema ainda pouco estudado pela comu-
nidade acadêmica e artística de um modo geral, ao menos em comparação com
a visual music, essa ausência representa uma boa oportunidade de investigação,
com possibilidade de contribuição na criação de um interrelacionamento entre as
duas comunidades.
Não apenas entre as comunidades mas também entre os artefatos produzidos por
ambos os lados, incluindo obras, textos, estudos, publicações, documentários, e ou-
tros produtos, é possível eventualmente combinar o aprendizado e desenvolvimen-
tos de ambos, demoscene e visual music, num novo formato artístico e/ou técnico.
1370
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No entanto, nota-se ainda uma enorme distância entre visual music e demo art, es-
pecialmente no Brasil onde ambas as formas são ainda pouco conhecidas, reduzir
esta distância pode levar a oxigenação em ambos os lados, trazendo elementos,
pessoas e técnicas da visual music para o demoscene, e vice-versa, possibilitando a
criação de uma nova estética ainda não explorada combinando ambos.
Referências
Basbaum, S. (2018). EM BUSCA DE UMA MÚSICA VISUAL: duas abordagens pioneiras., 17.
Carlsson, A. (2009). The Forgotten Pioneers of Creative Hacking and Social Ne-
tworking – Introducing the Demoscene. Re:live, 5.
Ferreira, E., & Duarte, A. (2014). Por dentro da demoscene: uma investigação dos atu-
ais usos e apropriações de plataformas de computadores dos anos 1980 (anotações
preliminares). , 15.
Harmon, P. (2016, February). Brief History of Visual Music. Retrieved 2019-07-04, from
https:// overprocessedthinking.com/brief-history-of-visual-music/
Heikkila, V.-M. (2009a). The Future of Demo Art: The Demoscene in the 2010s. Re:live, 12.
Ox, J., & Keefer, C. (2006). On Curating Recent Digital Abstract Visual Music. Abstract
Visual Music, 2008.
Polgár, T. (2016). Freax: The Brief History of the Computer Demoscene (2edition ed.).
1371
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Este artigo busca compreender a relação entre o design da experiência e os diálo-
gos entre os pontos de contato dos eventos expositivos e o sujeito de experiência,
o visitante. Seriam estes pontos de contato responsáveis por desencadear emo-
ções positivas ou negativas? Rupturas no contexto narrativo no evento expositivo
podem ocasionar perda do interesse dos visitantes? Uma melhor compreensão da
mensagem pelo sujeito pode ser um fator para criação de uma experiência posi-
tiva? Para compreender estas e outras questões, foram utilizados como ferramen-
tas de mapeamento do contexto narrativo e experiências: a observação passiva,
entrevistas informais com visitantes e vivência ativa no contexto expositivo. Foi
utilizado como método de compreensão a ferramenta Jornada do Usuário, apli-
cando-a à exposição 47 Artesãos, realizada na Japan House São Paulo em 2019.
Palavras-chave: design, experiência, jornada, narrativa, evento expositivo
1 Carlos Alberto Zardo Junior, Mestrando (Bolsa CAPES) em Design pela Anhembi-Morumbi. Pós-
-graduado em Gestão Estratégica de Embalagem pela Escola Superior de Propaganda e Marketing
em 2007; pós-graduado em Administração da Comunicação Social e Marketing e Propaganda pela
Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado em 1998; bacharel em Administração com Habi-
litação em Comércio Exterior pela Universidade São Judas Tadeu em 1995. Membro do Grupo de
Pesquisa Design e Corpo: Abordagens Projetuais na Arte e Moda.
2 Agda Regina de Carvalho, Artista Visual. Pós-Doutora em Artes - Instituto de Artes da UNESP ( 2015-
2017). Doutora em Comunicação - Escola de Comunicações e Artes da USP (2002). Mestre em Artes
Visuais - Instituto de Artes da UNESP (1995). Docente e pesquisadora do PPG Mestrado e Doutorado
em Design da Universidade Anhembi-Morumbi. Líder do Grupo de Pesquisa Design e Corpo: Abor-
dagens Projetuais na Arte e Moda. Coordena o grupo de estudos Design, Moda e Corpo: Narrativas
e Contaminações.
3 Suzete Venturelli, Pesquisadora artista e professora. Pós-doutorado na Universidade de São Paulo,
Escola de Comunicação e Artes (2014); doutorado em Artes e Ciências da Arte, na Universidade Sor-
bonne Paris I (1988), estrado em Esthétique et Science de l’Art ¬ DEA. Université Paris 1 Pantheon¬
Sorbonne, PARIS 1, França (1982) e mestrado (DEA) em Histoire et Civilisations - Université Mon-
tpellier III - Paul Valery, França, intitulada Candido Portinari: 1903-1962 (1981). Atua no programa de
pós graduação em design da Universidade Anhembi Morumbi e em Arte e Tecnologia da Universi-
dade de Brasília. Atua como Professora pesquisadora do CNPq.
1372
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
This article aims to understand the relation between the design of the experience
and the dialogues between the points of contact of the expository events and the
subject of experience, the visitor. Are these points of contact responsible for trig-
gering positive or negative emotions? Can ruptures in the narrative context in the
exhibition event lead to loss of visitor interest? Can a better understanding of the
message by the subject be a factor in creating a positive experience? To understand
these and other questions, they were used as tools for mapping the narrative con-
text and experiences: passive observation, informal interviews with visitors and ac-
tive experience in the exhibition context. It was used as a method of understanding
the tool User’s Day, applying it to the 47 Artisans exhibition, held at Japan House
São Paulo in 2019.
Keywords: design, experience, journey, narrative, exhibition.
Introdução
Etimologicamente, a palavra evento vem do latim evēntūs, significando aconteci-
mento, sucesso, resultado, saída, desenlace, resolução, fim. A complexidade neces-
sária para a definição é complementada pelo entendimento que “o evento é uma
atividade econômica e social que, nascida com a civilização, acompanha a evolu-
ção dos povos, adquirindo características representativas de cada período histórico”
(Fortes & Silva, 2015). Vale ressaltar ainda que “o objetivo que faz o evento e não
o contrário; o motivo é que deve determinar o tipo de evento a ser empreendido”
(idem). Dentre os vários objetivos e tipos de evento, um dos formatos possíveis é o
de eventos expositivos.
Eventos expositivos podem ser compreendidos por uma ampla gama de possibili-
dades. Feiras comerciais, experiências de marca, museus, instalações artísticas, entre
outros, podem ser consideradas neste contexto (Locker, 2011), sendo que cada um
possui características e objetivos próprios.
“Exposições, shows, mostras, feiras são todas as palavras usadas para significar o
mesmo tipo de coisa quando os profissionais da exposição se comunicam. As pri-
meiras exposições foram provavelmente exposições de mercadorias à venda nas
bancas do mercado. Mesmo nessas circunstâncias simples, os esforços foram e ainda
são feitos para mostrar as coisas de tal maneira que as pessoas são encorajadas a se
aproximar e admirá-las” (Velarde, 2001).
1373
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
de exposições (Locker, 2011; Schartz, 2017), ainda que considere-se que a neces-
sidade de expor do indivíduo seja muito anterior, em um contexto em que o ser
humano desde cedo utilizava os espaços e os objetos como “ferramentas para sa-
tisfazer seu impulso instintivo para expor, esclarecer, celebrar, reverenciar, vender
e interpretar aspectos da sua experiência” (Skolnick, Lorenc, & Berger, 2007).
Na busca de uma melhor compreensão desta relação, este artigo realiza um estudo da
exposição 47 Artesãos, em cartaz na Japan House, um reconhecido espaço na região
da Avenida Paulista, um dos endereços cartão-postal da cidade de São Paulo. Como
1374
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
evento expositivo, apresenta peças desenvolvidas por designers das 47 províncias ja-
ponesas. Realizada entre 23 de Abril e 17 de Julho de 2019 no segundo andar da Japan
House em São Paulo, o objetivo era apresentar, por meio de peças com carga históri-
co-cultural e características individuais, um panorama da arte artesanal japonesa. Com
curadoria do designer japonês Kenmei Nagaoka, a seleção das peças foi realizada de
modo a valorizar o contexto narrativo por meio da valorização da qualidade das peças,
ressaltando o distanciamento do design do consumo desenfreado. A exposição teve
ainda a divisão das peças em cinco agrupamentos que formam as áreas geográficas
do país nipônico: Hokkaido, Honshu, Shikoku, Kyushu e Okinawa (“‘Japão 47 Artesãos’
apresenta peças que contam um pouco da história das 47 províncias japonesas,” 2019).
Uma das visões do design, a compreensão da relação entre o ser humano e o objeto
projetual, realizada por meio do mapeamento de experiências, baseia-se nas premis-
sas de “criar empatia, fornecer uma imagem geral comum, dividir em silos, reduzir a
complexidade e encontrar oportunidades” (Kalbach, 2017). Ao mapear as etapas de
interação com o cliente, o designer possui um instrumento para análise de suas expec-
tativas a cada momento, tendo assim como melhor atendê-lo (Vianna, 2014).
1375
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1376
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1377
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1378
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1379
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1380
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Considerações finais
Por fim, compreendemos que a construção narrativa em eventos expositivos pode
gerar um experiência diferenciada para os visitantes, principalmente se considerar-
mos que a forma como dizemos algo é tão importante quanto o que estamos dizen-
do e o design pode auxiliar muito neste contexto.
1381
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“[...] o tema não deveria manter distância do espectador, deveria ser trazido para
perto deste, penetrar e deixar uma impressão, deveria explicar, demonstrar e até
persuadir e guiá-lo para uma reação direta e planejada.” (BAYER, 1940)
Larrosa (2014) define experiência como algo que nos acontece e que às vezes treme,
mas quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a esse tremor, somente
então, se converte em canto. Como designers, devemos buscar transformar o tre-
mor em canto, projetando as relações, diálogos e narrativas para que o sujeito da
experiência, o visitante, aquele que carrega sonhos e expectativas, dificuldades e
complexidades, tenha uma vivência relevante que o toque.
Bibliografia
Allen, S. (2004). Designs for learning: Studying science museum exhibits that do more
than entertain. Science Education, 88(SUPPL. 1). https://doi.org/10.1002/sce.20016
1382
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Dunne, A., & Raby, F. (2013). Speculative Everything. Boston: MIT Press.
Holston, D. (2011). The Strategic Designer: Tools & Techniques for Managing the
Design Process. New York: F+W Media, Inc.
‘Japão 47 Artesãos’ apresenta peças que contam um pouco da história das 47 pro-
víncias japonesas. (2019). Retrieved June 4, 2019, from https://www.japanhouse.jp/
saopaulo/event/artesaos.html
Larrosa, J. (2014). Tremores: Escritos sobre a Experiência (J. Larrosa & W. Kohan,
Eds.). Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Miller, A., & Russell, W. (2016). Exhibitionism – The Rolling Stones. Retrieved May 15,
2019, from https://www.pentagram.com/work/exhibitionism-the-rolling-stones/story
Pine, B. ., & Gilmore, J. . (2009). Beyond experience: culture, consumer and brand.
Using art to render authenticity in business. London: Arts & Business, 11–58.
Skolnick, L., Lorenc, J., & Berger, C. (2007). What Is Exhibition Design? Londres: Rotovision.
1383
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Suri, J. F. (2011). Poetic Observation: What Designers Make of What They See. In
Design Anthropology (pp. 16–32). https://doi.org/https://doi.org/10.1007/978-3-
7091-0234-3_2
Vianna, M. (2014). Design Thinking: inovação em negócios. São Paulo: MJV Press.
1384
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rodolfo Ward1
Resumo
O presente artigo tem por objeto relatar a partir da fusão entre os pensamen-
tos filosóficos de Flusser, Canguilhem e Simondon a evolução dos objetos téc-
nicos em consonância com a evolução humana, tendo como objeto de análise
a transmutação do dispositivo fotográfico e suas relações com o ciberespaço
e a cibercultura. Explicamos e diferenciamos os conceitos de instrumento, má-
quina e aparelho. Ao final apresentamos uma linha do tempo com as princi-
pais fases da evolução histórica das técnicas, bem como das características
que exemplificam as transformações culturais, políticas e socioeconômicas
vividas pela sociedade desde a pré-história.
Palavras-chave: Fotografia Contemporânea, Prosumer, Arte e Tecnologia, Ci-
bercultura, Técnica.
Abstract
This article aims to report from the fusion between the philosophical thoughts of
Flusser, Canguilhem and Simondon the evolution of technical objects in line with
human evolution, having as its object of analysis the transmutation of the photo-
graphic device and its relations with cyberspace and the cyberculture. We explain
and differentiate the concepts of instrument, machine and apparatus. At the end we
present a timeline with the main phases of the historical evolution of techniques, as
well as the characteristics that exemplify the cultural, political and socioeconomic
transformations experienced by society since prehistory.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Contemporary Photography, Prosumer, Art
and Technology, Cyberculture, Technique.
1385
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Flusser (2002) afirma que instrumentos são utensílios aos quais os homens recorrem
para modificar o mundo ou tornar a vida humana mais fácil. Para ele, esses utensílios
seriam prolongamentos empíricos de órgãos do corpo que, geralmente, simulariam
o funcionamento do órgão que prolongam, com o diferencial de serem mais po-
derosos e eficientes por alcançarem mais longe e fundo na natureza e assim cum-
prir seu papel de instrumento. Esse instrumento, após ser descoberto e dominado,
é incorporado à vivência e à cultura humana. Em cada sociedade, os instrumentos
foram retirados da natureza para cumprir determinada necessidade específica do
ser humano naquela localidade. O ser humano, então, repassou seus conhecimentos
sobre a utilização dos instrumentos para seus sucessores, aprendeu a utilidade de
instrumentos utilizados por outros povos, criou, adaptou e convergiu seus instru-
mentos em novos instrumentos que tornassem sua vida mais fácil. Os instrumentos
contribuíram para a evolução do ser humano e evoluíram junto.
Essa mudança causada pela ascensão das máquinas no período pós-revolução in-
dustrial promove e acelera inúmeras mudanças de cunho social, político e econômi-
co, sendo umas das principais causas o que Flusser (2002) denominou de “trabalho
alienado”, que foi responsável por dividir a sociedade em “capitalistas” e “proletaria-
dos”, respectivamente os donos das máquinas e os que trabalham para os donos das
máquinas, empregados assalariados.
1386
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Existe certa correlação de forças entre o aparelho e quem utiliza, uma espécie de
jogo entre os dois, em que o operador se esforça para dominar a programação do
aparelho e o aparelho, por sua vez, apresenta novas possibilidades de programa-
ção, sempre impedindo o esgotamento de suas funções, de maneira que o operador
passa a agir em função da programação, pois “não apenas o gesto mas a própria
intenção do fotógrafo são programados” (FLUSSER, 2008, p. 28).
[...] o fotógrafo se engaja precisamente em tal amarrado de funcionamento. Quer descobrir, ex-
perimentalmente (e também teoricamente), quais as possibilidades oferecidas por tal co-impli-
cação homem-aparelho. Para ele, o problema industrial da divisão do trabalho (quem possui os
instrumentos, e quem deve possuí-los?), não mais se coloca. O problema a ser resolvido é o do
funcionamento. Quem dominará: será o aparelho quem dominará o homem, ou será o homem
quem dominará o aparelho? Tornar-se fotógrafo profissional é procurar resolver este problema
(FLUSSER, 1982, on-line).
1387
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O fotógrafo não está interessado no trabalho, não quer mudar o mundo. Como faz
o trabalho tradicional por meio de bens e produtos, ele quer mudar as pessoas, os
outros, dando-lhes informações sobre o mundo, e por isso o valor da fotografia está
no ato fotográfico, no funcionamento, na reciprocidade homem-aparelho, não po-
dendo ser medido em dinheiro. Flusser (1982) não fala sobre o mercado fotográfico,
ele trata da subjetividade fotográfica.
Lévy (1999) caracteriza o ciberespaço como um espaço gerado pela Internet que in-
terliga pessoas de forma democrática, de todos para todos e todos para cada um, pre-
servando a individualidade pessoal do indivíduo e construindo uma rede cooperativa
de intersubjetividade mundial. Entendemos a forma de pensar de Lévy, concordamos
que deveria ser assim, entretanto vemos como utopia, pois, fazendo uma alusão a Karl
Marx (2013), vivemos em um “mundo invertido”, caracterizado por relações sociais de
produção e disputas por poder que agora têm como palco o ciberespaço.
A análise de Lévy sobre as potencialidades do ciberespaço é correta, mas sua falha con-
siste em não fazer uma análise de conjuntura aliada a uma análise histórica sobre a hu-
manidade, como é feita neste trabalho. Lévy aparentemente descreve o ciberespaço de
1388
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
uma forma otimista, por um olhar iluminista, deixando de lado dados de extrema rele-
vância para essa análise, como algumas características da natureza humana, a vontade
de poder e outras especificidades que levaram à assinatura do contrato social,2 em que
trocamos nossa liberdade por proteção. Esse tipo de análise, recorte academicista, de
laboratório, está à margem da realidade da maioria da população mundial e podemos
comprovar por meio da necessidade de regulação do ciberespaço por meio de leis para
punir crimes eletrônicos, ou cibercrimes.
Contudo, Lévy não é ingênuo, é apenas otimista, como podemos constatar em sua fala:
Uma coisa é certa: vivemos hoje em uma dessas épocas limítrofes na qual toda a Antiga ordem
das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, Modos de conhecimento e
estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos, em
que, a partir de uma nova configuração Técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos,
um novo estilo de humanidade é inventado (LÉVY, 1993, p. 17).
Uma realidade criada e editada pelo prosumer3 por meio do selfie e editada por sof-
twares de imagens como photoshop ou filtros automatizados das mídias sociais como
2 Para Hobbes (1988), o firmamento do contrato social e o surgimento do Estado absolutista são de ex-
trema importância, pois encerram a “guerra de todos contra todos” proporcionando, assim, segurança
para a população que agora tinha um reino, uma estrutura física, um local protegido para defendê-la
de ataques de outros, tanto externos ao reino quanto internos ao reino, como explicita Arendt (1998, p.
46): “O provimento da vida só pode realizar-se através de um Estado, que possui o monopólio do poder
e impede a guerra de todos contra todos, entretanto, ao assinar este contrato, renunciam sua liberdade
e concedem ao Estado poder sobre suas vidas”. Weber (1947, p. 78) prevê que neste contrato cabe ao
Estado “[...] o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um dado território”.
3 Em 1979, Alvin Toffler cunhou o termo prosumer, que deriva da união de duas palavras que em
um primeiro momento são antagônicas, produtor e consumidor (produtor – producer; consumidor
– consumer). Esses consumidores, além de interferirem na forma de produção, também poderiam
customizar seus produtos. Kirsner Scott (2005) vê o termo prosumer como a união de “professio-
nal-consumer” que não estão em busca de obtenção de capital, mas sim melhorar seus canais de
distribuição de trabalhos criativos. No campo mercadológico, Mcfedries (2002) identifica como
“proactive-consumer”, ou consumidor proativo, que seria aquele que toma providencias para tentar
solucionar problemas junto de companhias e empresas. Esses estudos colaboraram para que as em-
presas criassem departamentos especializados no contato com os prosumers e que a publicidade
criasse o conceito de branding, que “é o sistema de gerenciamento das marcas orientado pela signi-
ficância e influência que as marcas podem ter na vida das pessoas, objetivando a geração de valor
para os seus públicos de interesse” (CAMEIRA, 2012, p. 44).
1389
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
os oferecidos pelo Instagram, que permitem edições elaboradas com poucos toques
na tela do celular e seu posterior compartilhamento nas plataformas de redes sociais.
A profusão e aceleração das imagens não cessam de crescer e os novos dispositivos, de se multi-
plicarem, enquanto outros, como a televisão, veem o seu poder ser corroído. Essas mudanças afe-
4 Deleuze e Guattari (1995) fazem uma releitura do termo rizoma originalmente cunhado na botâ-
nica para especificar um broto que cresce horizontalmente e pode ramificar-se em qualquer ponto.
Nesta pesquisa, é associado a informação e comunicação.
1390
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
tam ao mesmo tempo ferramentas, materiais, modos de produção, usos, economias, mas também
olhares, estéticas e regimes de verdade. Como resultado, há uma impressão confusa de imensa de-
sordem e de “criação contínua de novidades imprevisíveis” (BERGSON apud ROUILLÉ, 2013, p. 18).
Rouillé (2013) explica que o dispositivo fotográfico analógico foi privilegiado duran-
te o século XIX e prosperou, juntamente com a sociedade industrial, sendo um dos
principais dispositivos de expressão e representação dessa sociedade, entretanto
sofreu um abalo dentro do seu próprio campo e foi substituído pelo dispositivo digi-
tal. Isso se deu devido às transmutações socioeconômicas, espaço-temporais, estéti-
co-visuais sofridas na transição da sociedade industrial para a sociedade globalizada
da informação em redes que tornaram o dispositivo analógico ineficiente para res-
ponder convenientemente às necessidades e às exigências dessa nova sociedade,
sendo assim substituído pelo digital.
A fotografia – em meio à tormenta das imagens a que Rouillé (2013, p. 20) se refe-
re – está ligada à ruptura das metanarrativas modernas que estão transmutando o
conceito de verdade na contemporaneidade. A imagem documental, que constata
e transmite sem distorção os fatos históricos, perde espaço para a imagem ficcional,
que cria um saber especulativo e variável, rizomaticamente, disseminado por fluxos
de dados em redes.
1391
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
por meios tecnológicos ou, até mesmo, pela encenação. Vivemos, assim, uma nova
concepção de ética e estética.
No final do século XIX e início do século XX, a fotografia tinha o caráter documental,
registrava o real e em muitos casos substituía o documento escrito. Le Goff (1996), ao
analisar a historicidade da memória coletiva humana, afirma que ela é construída no
decorrer do tempo pelos documentos e pelos monumentos. Inicialmente, ele diferen-
ciou monumento de documento ao dizer que o monumento era a herança cultural
do passado e o documento era o testemunho escrito presencialmente do historiador,
de forma neutra, apenas como registro, e por isso teria caráter de verdade. Aprofun-
dando mais seu pensamento, ele traz à luz o questionamento sobre a veracidade dos
documentos, uma vez que são elaborados de forma intencional pela sociedade que o
fabricou, obedecendo a um discurso, e por essa razão não seriam puros.
[...] o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade
que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento
enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientifica-
mente, isto é, com pleno conhecimento de causa” (LE GOFF, 1996, p. 545).
Avançando em seu pensamento, Le Goff (1996) entende que não há distinção entre
documentos e monumentos, sendo o documento um monumento, pois o autor do
documento o cria a partir de uma estrutura de poder, política, econômica, artística
ou qualquer outra manifestação escolhida por quem o produz. Não existe abstração
na hora de compor o documento, mas sim total controle e prudência naquele mo-
mento para se dizer o que se quer dizer.
1392
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Rouillé (2013) também aborda a questão relacionada à deriva dos documentos que
são cada vez mais digitais e convertidos em imagens. O autor cita Michel Foucault para
explicar que atualmente as imagens seguem um fluxo inverso àquele que a história
havia presenciado até então. Se tradicionalmente a história memorizava documentos
do passado e os transformava em monumentos, hoje seria o inverso, os monumentos
são transformados em documentos. Esse é o eixo central da crise fotografia-documen-
to, que oscila entre a lógica documental única e verticalizada e a lógica documental
múltipla, móvel e fluida à qual a sociedade e a arte do século XXI5 estão incorporadas.
A terceira dimensão do estudo de Brea (2010) refere-se às e-imagens, que são ima-
gens que representam uma nova concepção metafísica em um espaço-tempo que
já não é o nosso. Essas e-imagens – ou imagens fantasma, ou imagens-tempo – são
5 Venturelli (2004) entende que os avanços tecnológicos proporcionaram novas formas de se fa-
zer arte e que as vanguardas dos movimentos artísticos buscaram incorporar novas técnicas e fer-
ramentas em suas criações. Explicita que os movimentos artísticos do século XX, de modo geral,
introduziram na arte o desejo pelo novo e rejeitaram cânones de uma tradição determinada pela
classe burguesa. Por novas tecnologias entende-se a fotografia, o cinema e o vídeo, e por tecnolo-
gias contemporâneas, as computacionais. Venturelli (2016) complementa que uma das principais
características da arte do século XXI é a liberdade em relação a todo controle autoritário em prescre-
ver normas racionais pela estética e tem como objetivo desenvolver na estética a força da reflexão e,
assim, romper com a alienação das massas.
1393
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
imagens instantâneas que não têm nenhum original, sendo produzidas ilimitada-
mente dentro de um sistema de memória RAM, sendo criadas com o objetivo es-
pecífico de serem compartilhadas pelas comunidades de usuários das redes infor-
macionais distantes dos regimes de propriedade e distribuição e muitas vezes da
própria arte e dos modelos econômicos.
A produção contemporânea tem seu diferencial porque, quero entender, vivemos uma saudável
crise: de um lado, vemos um esgotamento das artes plásticas tradicionais, e, do outro, temos um
novo momento tecnológico em termos de produção imagética, no qual predomina a imagem di-
gital. Essa crise é, em parte, responsável pelo interesse despertado pela fotografia – seja pelos mu-
seus e galerias, seja pelos colecionadores, pelos artistas visuais, que estão aprendendo (de novo) a
incorporá-la em seu trabalho, seja pelos próprios fotógrafos, que estão trilhando outros caminhos
para concretizar sua produção e circulação de imagens fotográficas (FERNANDES, 2006, p. 11).
De acordo com Grigoletti (2006), o olho humano é capaz de se adaptar a baixas lumi-
nâncias: “Para o olho acomodar-se à escuridão são necessários cerca de 30 minutos”.
6 Esse termo busca “explorar as novas mensagens que existem no cinema e examinar algumas das
novas tecnologias de produzir imagens que prometem estender as capacidades perceptivas do ho-
mem além de suas já extravagantes experiências visuais” (YOUNGBLOOD, 1970, p. 41).
1394
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Os objetos técnicos
Para entendermos as atuais discussões sobre fotografia contemporânea dentro da
linha de pesquisa arte e tecnologia, temos de adentrar no pensamento de Simon-
don. Não pretendemos exaurir a complexidade do pensamento a respeito da evo-
lução dos objetos técnicos, queremos elucidar questões relativas à interação entre
homem e aparelho, as quais o pensamento flusseriano não tiveram a oportunidade
de resolver. Não pretendemos nos aprofundar no pensamento de Simondon (1989),
entretanto se faz necessário resgatar o pensamento deste autor, em específico o
conceito sobre a interação humana com a tecnologia.
Para Simondon (1989), o objeto técnico foi inventado naturalmente sem ter correlação
com fatores econômicos, sociais e culturais. Ele associa a evolução dos objetos técnicos
à evolução humana, como uma evolução conjunta e natural. Ele atribui aos objetos uma
gênese própria, separada da gênese do ser humano. Nesse processo de atribuir uma
gênese própria ao objeto técnico, o autor lhe atribui autonomia para que se tornem um
“ser” técnico, que evolui e se desenvolve por meio de convergência e adaptação. Como
diz Simondon (1989, p. 20), “o ser técnico evolui por convergência e por adaptação a si;
ele se unifica interiormente segundo um princípio de ressonância interna”.
1395
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Um dos principais pensamentos na teoria de Simondon (1989) é quando ele diz que
a ideia de oposição entre cultura e técnica é falsa, da mesma forma que a oposição
entre homem e máquina também é falsa. Essa “ignorância” em relação à natureza
das máquinas e ao conhecimento técnico seria uma das causas do mal-estar recor-
rente na sociedade contemporânea e que de certa forma resultaria na tecnofilia e na
tecnofobia: enquanto uns querem acompanhar o fluxo tecnológico e impedir sua
obsolescência, outros, conservadores, não assimilariam as inovações tecnológicas.
Tecnofílicos geralmente são pessoas que interligaram as diversas esferas da sua vida
às novas tecnologias, criando certa dependência dessas tecnologias, pois, como
bem diz Flusser (1985), o homem transferiu seus interesses do mundo objetivo para
o mundo simbólico das informações. É muito comum esse tipo de fobia na socie-
dade da conectividade nos dias atuais. Tecnofilia, então, seria o medo do fracasso
devido a alguma pane ou falha tecnológica.
Por sua vez, a tecnofobia é o inverso. É o medo da tecnologia. Essa também é uma
fobia muito comum nos dias atuais. Muitas pessoas têm perdido o emprego e sendo
substituídas por máquinas. Temos um exemplo interessante, dentro do mundo da
fotografia, sobre tecnofobia: a transição do dispositivo fotográfico analógico para o
dispositivo digital.
Para uma melhor compreensão sobre as questões levantadas até aqui, criamos uma
linha do tempo com as principais fases da evolução histórica das técnicas, bem
1396
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Imagem 13. Linha do tempo da evolução histórica das técnicas. Linha do tempo criada com base no
trabalho Os conceitos, de Gilbert Simondon, como fundamento para o design de Jorge Lucio de
Campos e Filipe Chagas
Referências
BREA, José Luis. Las tres eras de la imagen: imagen-materia, film, e-image. Madrid:
Akal, 2010. 142 p.
1397
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Ja-
neiro: Editora 34, 1995. 715 p.
______. Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Duas Cida-
des, 1983.
______. Von der Freiheit des Migranten: Einsprüche gegen den Nationalismus.
Bensheim: Bollmann, 1994.
______. O mundo codificado. Org. Rafael Cardoso. São Paulo: Cosac Naif, 2007b
______. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2009.
1398
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2003.
ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In: DOBAL, Susana; GONÇAL-
VES, Osmar (Org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília:
Casa das Musas, 2013.
WEBER, Max, 1864-1920. Theory of social and economic organization. New York,
xford University Press, 1947.
1399
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Personal Auricularveillance
Personal Auricularveillance
Resumo
Atualmente observamos indícios de vigilância sonora provocada por compu-
tadores pessoais. Usuários de Smartphones e iPhones vem testemunhando
casos de recebimento de anúncios após terem expressado alguma necessida-
de em voz alta próximo aos seus aparelhos celulares. A vigilância de conver-
sas operada através dos microfones de computadores pessoais, é apresentada
com frequência como teoria da conspiração, embora haja notícias de denúncia
desta vigilância praticada por empresas de comunicação e tecnologia. Como
forma de discutir a vigilância sonora em nossos aparelhos celulares, a obra Per-
sonal Auricularveillance, surge como uma ferramenta em que o usuário possa
burlar essa vigilância, através de uma prótese de orelha humana acoplada ao
microfone do aparelho celular. As cartilagens instaladas em Smartphones e
Iphones, proporcionam assim, a comunicação entre vigiado e vigilante, onde
o conteúdo sonoro monitorado pode ser selecionado, bloqueado ou mesmo
intensificado de acordo com a pretensão do usuário.
Palavras-chave: vigilância sonora, arte e vigilância.
Abstract
Currently we observe sound surveillance evidence caused by personal computers.
Smartphones and iPhones users have been witnessing cases of receiving ads after
expressing some need out loud near their mobile devices. Conversation surveillance
operated through personal computer microphones is often presented as a conspir-
acy theory, although there is news of denunciation of this surveillance by communi-
cation and technology companies. In order to discuss the sound surveillance in our
cell phones, the work Personal Auricularveillance, emerges as a tool that enables
the user bypass this surveillance through a human ear prosthesis coupled to the mi-
crophone mobile device. The cartilages installed in Smartphones and Iphones thus
provide communication between guarded and vigilant, where monitored sound
content can be selected, blocked or even intensified according to the user’s intention.
1 Lorena Ferreira Alves, doutoranda em Artes Visuais pelo PPG-AV da Universidade de Brasília na linha de
pesquisa Arte e Tecnologia.
1400
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Muitas teorias da conspiração que podem ser encontradas na internet dizem respeito ao Face-
book. As mais famosas falam sobre a rede social escutar constantemente o que falamos para que
anúncios sejam segmentados.”2
Em abril de 2019, rumores sobre uma potencial vigilância sonora operada pela tec-
nologia de assistente virtual Alexa,3 desenvolvida pela Amazon, foi exposta pela
empresa de tecnologia e análise de dados Bloomberg, afirmando que funcionários
da Amazon teriam acesso a gravações confidenciais e feitas por engano, transcre-
vendo-as em texto. A Amazon diz que a necessidade da atuação humana para trans-
crição de vozes dos usuários da Alexa, está em aprimorar a interação entre vozes
humanas e assistente virtual, e que funcionários teriam acesso a uma amostra extre-
mamente pequena de gravações.4
2 O Facebook escuta nossas conversas para segmentar anúncios? Disponível em: <https://olhar-
digital.com.br/fique_seguro/noticia/o-facebook-escuta-nossas-conversas-para-segmentar-anun-
cios/85907>. Acesso em: 19/09/2019.
3 Alexa é o nome dado à assistente de voz da Amazon. Seu software responde a informações de-
mandadas pelo usuário através de comando de voz.
4 Matéria completa em: Um funcionário da Amazon pode estar escutando suas conversas com a Ale-
xa. Olhar Digital. 11/04/2019. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/noticia/um-funcionario-
-da-amazon-pode-estar-escutando-suas-conversas-com-a-alexa/84627> Acesso em: 21/09/2019.
5 Matéria completa em: Amazon mantém transcrições de conversas do usuário com a Alexa. Olhar
Digital. 09/05/2019. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/noticia/amazon-mantem-transcri-
coes-de-conversas-do-usuario-com-a-alexa/85637> Acesso em: 21/09/2019.
1401
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
6 Matéria completa em: Amazon confirma que mantém gravações do Alexa para sempre. Olhar Di-
gital. 03/07/2017. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/noticia/amazon-confirma-que-man-
tem-gravacoes-do-alexa-para-sempre/87597> Acesso em: 21/09/2019.
7 O Facebook não deixa claro aos usuários como transcreve as vozes gravadas em conversas do Mes-
senger. A matéria online divulgada pela The Verge anuncia que o Google, Apple, Microsoft e Amazon
usavam contratados humanos para ouvir o áudio obtido por meio de seus produtos de assistente
de voz sem serem explicitamente transparentes com seus usuários. Matéria completa em: Facebook
also hired human contractors to listen to audio from its Messenger. The Verge. 13/08/3019. Dispo-
nível em: <https://www.theverge.com/2019/8/13/20804315/facebook-messenger-audio-conversa-
tions-listening-human-contractors> Acesso em: 21/09/2019.
1402
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Como forma de suprir possíveis demandas aos usuários através de oferta de produ-
tos, empresas capturam as conversas dos personagens e identificam suas necessi-
dades. No episódio Ouvem Tudo, a resposta às necessidades dos usuários é suprida
de forma instantânea, onde basta o usuário expressar em voz alta e próxima ao
aparelho celular o que deseja, para que o produto se materialize em sua frente. Este
episódio expressa uma percepção coletiva sobre a vigilância em que estamos imer-
sos, onde a captura da voz é articulada a dados pessoais de texto, comportamentos
de navegação na web, e localidade, em uma tecnologia avançada de processamento
instantâneo de dados.
Pensando sobre a crença compartilhada entre os usuários de que “eles ouvem tudo”,
segundo a fala da personagem no vídeo acima citado, a obra Personal Auricular-
veillance, foi desenvolvida como produto, que oferece aos usuários vigiados opções
de burlar, impedir ou aprimorar a vigilância sonora praticada pelas empresas. A obra
Personal Auricularveillance, surge como maneira de provocar relações outras entre
o sujeito vigiado e o sistema que o vigia, desconstruindo a posição de impotência
que os usuários se encontram diante a vigilância incisiva e ininterrupta que ocorre
nas tecnologias dos meios de comunicação vigentes.
Personal Auricularveillance
Como proposta de boicotar e confundir o que nossos vigilantes interpretam sobre
quem somos, Personal Auricularveillance se trata de uma prótese de orelha humana
a ser acoplada no microfones de aparelhos Smartphones e iPhones, onde através da
prótese, o usuário poderá escolher, bloquear ou ampliar a captura de sons vigiados
através do microfone do aparelho.
8 O ouvido humano é capaz de identificar a localização de fonte sonora em seu plano horizontal e
de elevação. Segundo MONFORT (2018) quando as ondas sonoras chegam no pavilhão auricular,
produzem rebotes nas dobras da orelha (cavidades formadas pela cartilagem da orelha) que dire-
cionam o som para o ouvido interno.
1403
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O encaixe da prótese de uma orelha humana onde está localizada a saída de micro-
fone do aparelho celular, oferece a possibilidade de tapar os ouvidos do vigilante
através de um protetor auricular, direcionar fontes sonoras capazes de bloquear ou
impedir a escuta de conversas do usuário por meio de reprodução sonora em fones
de ouvido, como também amplificar o alcance da vigilância sonora por meio das
propriedades acústicas da orelha humana acima mencionadas.
1404
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Para a fabricação de uma prótese de orelhas humanas que preservem suas caracte-
rísticas acústicas e forma capaz de encaixar fones de ouvido e protetores auditivos,
a artista cria um molde de suas orelhas utilizando alginato em pó, material empre-
gado para a retirada de moldes do corpo. Após a criação dos moldes, as orelhas são
confeccionadas com gesso, lixadas e banhadas com uma camada fina de borracha
de silicone. Cada orelha possui em sua região do conduto auditivo externo (abertura
por onde o som é conduzido ao ouvido interno) um furo de dois milímetros, capaz
de direcionar o som ao interior do microfone dos aparelhos Smartphones e iPhones.
Uma base de borracha de silicone é fixada na parte posterior da orelha, para que a
prótese possa ser encaixada na parte lateral no aparelho celular.
1405
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1406
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
FERNADES, João Candido. (2002). Acústica e Ruídos. UNESP - Câmpus de Bauru -
Faculdade de Engenharia. Departamento de Engenharia Mecânica - Laboratório
de Acústica e Vibrações. Recuperado em 21 de setembro, 2019, de http://temsegu-
ranca.com/wp-content/uploads/2015/06/AC%DASTICA-E-RU%CDDOS-APOSTILA-
-1%BA-PARTE-Jo%E3o-Candido-Fernandes.pdf.
MONFORT, José Javier López. (2018). Sonido Espacial y 3D. Universitat Politècnica de
Valencia: EdX courses. Recuperado em 21 de setembro, 2019 de, https://www.edx.
org/course/sonido-espacial-y-3d-2
VIRÍLIO, Paul. (1998). La máquina de visión. (Tradução: Mariano Antolín Rato, 2a ed).
Madrid: Editions Galilée.
1407
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Atualmente observamos indícios de vigilância sonora provocada por compu-
tadores pessoais. Usuários de Smartphones e iPhones vem testemunhando
casos de recebimento de anúncios após terem expressado alguma necessida-
de em voz alta próximo aos seus aparelhos celulares. A vigilância de conver-
sas operada através dos microfones de computadores pessoais, é apresentada
com frequência como teoria da conspiração, embora haja notícias de denúncia
desta vigilância praticada por empresas de comunicação e tecnologia. Como
forma de discutir a vigilância sonora em nossos aparelhos celulares, a obra Per-
sonal Auricularveillance, surge como uma ferramenta em que o usuário possa
burlar essa vigilância, através de uma prótese de orelha humana acoplada ao
microfone do aparelho celular. As cartilagens instaladas em Smartphones e
Iphones, proporcionam assim, a comunicação entre vigiado e vigilante, onde
o conteúdo sonoro monitorado pode ser selecionado, bloqueado ou mesmo
intensificado de acordo com a pretensão do usuário.
Palavras-chave: vigilância sonora, arte e vigilância.
Abstract
Currently we observe sound surveillance evidence caused by personal computers.
Smartphones and iPhones users have been witnessing cases of receiving ads after
expressing some need out loud near their mobile devices. Conversation surveillance
operated through personal computer microphones is often presented as a conspir-
acy theory, although there is news of denunciation of this surveillance by communi-
cation and technology companies. In order to discuss the sound surveillance in our
cell phones, the work Personal Auricularveillance, emerges as a tool that enables
the user bypass this surveillance through a human ear prosthesis coupled to the mi-
crophone mobile device. The cartilages installed in Smartphones and Iphones thus
1 Carlos Falci, professor associado da UFMG. Pesquisa as relações entre arte, memória e tecnologia. Mem-
bro do Programa de Pós-Graduação em Artes, atua na linha de pesquisa em Poéticas Tecnológicas. Atual-
mente desenvolve trabalho sobre políticas de memória em ambientes programáveis.
1408
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
No caso deste texto específico, me debruço sobre duas obras – Orogenesis, de Joan
Fontcuberta; e Postcards from Google Earth, de Clement Valla – para discutir como
as paisagens maquínicas criadas pelos dois artistas nos permitem ver uma memó-
ria em performance. Defendo que tais paisagens são tornadas possíveis justamente
porque são resultado de uma performance algorítmica que torna visíveis memórias
de objetos algorítmicos; memórias que por isso mesmo são dinâmicas, são tempo-
rárias, apresentam-se em estado de vir a ser permanente. Para realizar a análise re-
corro aos conceitos de arqueologia da mídia e microtempor(e)alidades conforme
desenvolvido por Wolfgang Ernst; bem como às noções de rastro e ruína em Walter
Benjamim, Jeanne-Marie Gagnebin e Fernanda Bruno; e ao conceito de paisagem,
conforme discutido por Jean-Marc Besse. As discussões de Ernst sobre arqueologia
da mídia e microtempor(e)alidades fornecem uma base importante para pensar de
que maneira os aparatos maquínicos são capazes de perceber traços e rastros cujas
qualidades não são, em princípio, simbolicamente importantes para nossa perce-
ção. Dito de outro modo, os aparatos trabalham com conjuntos de informações em
nível micro, como determinados grupos de metadados, ou mesmo elementos téc-
nicos cujo mapeamento é fundamental para que os softwares saibam reconhecer
as informações que estão recebendo e devem processar. Essas informações podem
ser vistas como rastros, como traços, considerando as discussões de JeanneMarie
Gagnebin, Walter Benjamim e Fernanda Bruno, sobre esses conceitos. Tomamos aqui
tais termos porque dizem respeito a materialidades da memória num estado ainda
incipiente, em que evocam tanto algo que já aconteceu quanto algo cuja presença é
inaugural, uma vez que rastros e traços não são elementos acabados.
1409
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O caráter instável e aberto dos rastros se faz presente na reflexão de Fernanda Bruno
(2012) sobre esses elementos em formato digital. A autora defende que toda e qual-
quer ação nas redes provoca rastros potencialmente recuperáveis e tais traços são em
número e variedade bastante significativos. Numa tentativa de delimitar o que seriam
os rastros digitais, a pesquisadora indica o que denomina de postulados sobre os ras-
tros digitais. Sem elencar tal lista, quero, no entanto, tomar os caracteres gerais enume-
rados por Fernanda Bruno, que nos parecem bastante apropriados para dialogarmos
com a nossa pergunta. Os rastros são aqui também prenhes de ambiguidade, pois são
quase-objetos (Serres, 1991) e estão entre as ideias de presença e ausência; duração
e transitoriedade; identidade e anonimato, entre outras, não podendo ser capturados
em nenhuma das duas pontas de qualquer um dos pares. Não são, igualmente, um
ponto de equilíbrio entre opostos. Pelo contrário, estão numa situação de quase exis-
tência, o que lhes dá um caráter polissêmico, fragmentário e ambíguo. Os rastros são,
em todos os casos, mais ou menos: recuperáveis, voluntários ou conscientes, atrelados
à identidade de quem os produz, duráveis ou persistentes. São elementos cuja potên-
cia de descrição de uma ação não esgota o que a ação pode significar e, por isso, nos
parecem muito apropriados para traçarmos os modos como algoritmos e metadados
se relacionam com processos de autorização executados por algoritmos e softwares,
como é o caso das obras em análise nesse artigo.
Metadados podem ser considerados tanto uma descrição sobre um conjunto de dados
quanto o seu modo de funcionamento num determinado contexto, se analisarmos a
1410
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
forma como foram criados. (Manovich, 2002; Matthews, Aston, 2012). Num sentido mais
geral, os metadados são o que permitem que o computador recupere informações,
porque propiciam ao computador manipular os dados, além de realizar diversas outras
tarefas, como mover os dados, comprimi-los, etc (Manovich, 2002). O computador cria
uma relação de reconhecimento, mas também de apropriação dos dados através dos
metadados. A apropriação é como a institucionalização que o estabelecimento de um
arquivo gera em relação a documentos específicos. No entanto, os metadados não são
arquivos em si; podem, no máximo, serem conectados com rastros de uma ação. Quan-
do há uma apropriação de um conjunto de metadados numa organização eventual (a
partir da ação de grupos de algoritmos, por exemplo, para produzir uma visualização de
informações numa interface), inicia-se a criação de uma marca temporal, semelhante a
um rastro, a um vestígio de uma ação no tempo. Aqui entra a questão da memória como
função de uma performance algorítmica. Tanto em Orogênesis quanto em Postcards
from Google Earth, entendo que os artistas colocam em questão justamente os pro-
cedimentos de autorização que fazem surgir as imagens que produzem. Esses proce-
dimentos de autorização são o que eu denomino aqui de performance algorítmica. Os
algoritmos, ao servirem de base para que os programas reconheçam os metadados e os
leiam de maneiras específicas, se relacionam então com um tipo de sensibilidade cuja
qualidade é da ordem do cálculo, de uma outra forma narrativa. Os procedimentos de
autorização que vão fazer surgir as imagens nas obras analisadas seriam de uma ordem
que se aproxima daquilo que Wolfgang Ernst chama de arquivos tecno-culturais, na sua
abordagem sobre uma arqueologia da mídia.
Arqueologia da mídia
Wolfgang Ernst propõe a arqueologia da mídia como “uma abordagem epistemológi-
ca alternativa à supremacia das abordagens narrativas históricas sobre os media”. (Er-
nst, 2013, pp. 55) Os princípios do programa de arqueologia da mídia tem como base
a tentativa de compreender os momentos em que as mídias, e não apenas os huma-
nos, se tornariam os arquivistas do conhecimento. Ou seja, junto com uma memória
semanticamente ancorada no discurso histórico tradicional, começa a funcionar uma
semântica dos objetos técnicos. O teórico alemão defende que a arqueologia da mídia
deve praticar uma forma de engenharia reversa sobre os objetos técnicos, buscando
os verdadeiros arquivos dos media, os códigos-fonte. Estes implicariam muito menos
as origens históricas dos media e muito mais as suas regras de funcionamento. Para
tanto, é necessária uma abordagem mais voltada para os aspectos lógicos e de cálculo
envolvidos nas características técnicas dos aparatos midiáticos.
1411
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
2 Media archaeology is primarily interested in the nondiscursive infrastructure and (hidden) programs
of media. Thus it turns from the historiographical to the technoarchival (archaeographical) mode, des-
cribing the nondiscursive practices specified in the elements of the technocultural archive.
1412
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3 Arquivos dinâmicos
1413
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Microtempor(e)alidades
De que maneira os tempos rítmicos dos aparatos técnicos afetam não só a nossa
percepção temporal, mas a própria forma de capturar e registrar aquilo que está
diante dos aparatos digitais? No caso destes aparatos, as estruturas algorítmicas são
agentes de captura importantes; e uma vez que são também estruturas temporais
de processamento da informação, o que elas fazem é produzir um registro cujo tem-
po tem uma lógica específica relacionada ao modo como o algoritmo processa a in-
formação. O tempo está sujeito ao modo como esta lógica algorítmica compreende
a forma como o sinal será processado. São dois tipos de micro-temporalidades em
jogo, afetando tecnicamente o que chamamos de arquivo e sua “narrativa” de me-
mória. Ernst faz uma diferença entre a transmissão em tempo real, e a transmissão
do sinal digital, que já carregaria em si uma microtemporalidade relativa à compu-
tação intermediária, necessária para que o sinal seja compreendido e exibido num
formato entendível por uma pessoa. Embora a transmissão do digital aconteça num
“tempo real”, há sempre um pequeno delay que faz com que estejamos sempre dian-
te de um passado produzido pela maneira como o algoritmo lê as informações que
chegam até ele. Essa seria a micro-temporalidade do digital. O que vemos na tela,
como resultado da transmissão, são arquivos dinâmicos, que muito se assemelham
à ideia do rastro, como aquilo que está presente, mas também ausente, como aqui-
lo que está destinado a desvanecer com o tempo e, nesse caso, com o tempo do
processamento dos aparatos maquínicos. Estamos diante da geração de um tempo
próprio ao algoritmo como um tempo de memória. Não mais o registro de uma tem-
poralidade do evento, mas a criação de um evento com temporalidade específica, e
que também pode se relacionar com aquilo que foi capturado pelo sinal digital. O
arquivo define o que será arquivado, na lógica derrideana (DERRIDA, 2001); produz,
assim, sua própria memória, uma temporalidade específica do algoritmo.
1414
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Talvez eles possam ser pensados como novas formas de arcontes. A decomposição
dos arquivos digitais a partir de lógicas matemáticas permite também combinações
de memória que demandam outras formas de leitura daquilo que aparece nas in-
terfaces. Penso que a lógica por trás dessa constatação se relaciona com a ideia de
uma temporalidade mais fluida, que pode ser revisitada, e que pode sofrer novas
interferências a todo momento. O tempo não seria uma cadeia linear fechada de
acontecimentos, mas um encadeamento sempre frágil de microtempor(e)alidades
produzidas pela conjugação de arquivos das mais variadas formas.
As obras
Em “Orogenesis”4, Joan Fontcuberta cria suas paisagens digitais fornecendo a um
software, como base de criação, pinturas feitas por artistas como Mark Rothko, Paul
1415
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As paisagens que vemos aí são interpretações científicas do que poderia ser reco-
nhecido como uma paisagem por aparatos maquínicos. Como o software é prepara-
do para trabalhar a partir de parâmetros específicos que não dizem respeito à qua-
lidade humanamente simbólica das imagens, o que ele cria, sua orogênese, é uma
memória do seu próprio funcionamento enquanto programa que lê metadados,
organiza-os e produz com eles um arquivo, um registro da sua própria performance
enquanto máquina.
Ao realizar tal procedimento, Fontcuberta aponta para o fato de que qualquer pai-
sagem pictórica está muito além de ser uma mera representação de alguma paisa-
gem já existente, podendo ser vista muito mais como, de fato, a invenção da própria
paisagem, do seu conceito e de formas de apresentação desse conceito. O enqua-
dramento de uma imagem pela pintura nos mostra a presença de uma memória
cuja base está tanto no rastro deixado pelo pigmento de tinta, quanto pela forma
do artista expressar a visualidade que deseja criar. No caso do software em questão,
fundamental lembrar que sua criação se dá para propósitos científicos e militares.
Como o que o programa faz é também imaginar uma paisagem, o que se apresenta
na tela não é um resultado que representa algo já existente, mas sim a memória do
que o software é capaz de simular, a partir de parâmetros que recebe. Assim, é como
se Fontcuberta enfatizasse o fato de que os modelos cartográficos, os softwares de
geoprocessamento são, obviamente, invenções artificiais e, portanto, ações políticas
do que se poderia considerar uma paisagem. Nesse ponto, as paisagens do artista
nos apontam para uma memória em que a poética e a política dos aparatos maquí-
nicos encontram-se profundamente imbricadas no gesto de criação. A performance
do programa, longe de ser um ato, inócuo, se mostra como um instrumento de po-
der sobre o que se denomina paisagem.
A segunda obra é Postcards from Google Earth6, de Clement Valla, em que a discussão
está centrada na maneira como o sistema de mapeamento de imagens utilizado pelo
Google Earth produz imagens em 3D de locais da terra e “deforma” alguns lugares,
criando paisagens “irreais” e “impossíveis”. Segundo o próprio autor da série, o trabalho
1416
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
teve início quando ele estava navegando por imagens produzidas pelo Google Earth e
reparou que algumas imagens pareciam extremamente estranhas na sua tentativa de
representar a superfície terrestre sem falhas, da maneira mais acurada possível. Olhan-
do para a coleção feita por Vallas, alguns prédios parecem estar de cabeça para bai-
xo, pontes fazem curvas impossíveis para se ajustar ao terreno, ou mesmo se dobram
sobre um espaço vazio como se fossem feitas de material flexível. Valla imaginou, a
princípio, que as imagens seriam derivadas de erros no processamento que o algorit-
mo fazia sobre as imagens. Ele percebeu que havia ali duas fontes competindo para a
formação das imagens: de um lado, o modelo em 3D que representa a superfície da
terra; de outro, as imagens fotográficas aéreas de cada um dos lugares. As marcas de
profundidade nas fotografias aéreas, indicações de sombra e luz, não se alinhavam às
marcas do modelo em 3D. Isso fez com que o artista iniciasse a sua coleção de cartões
postais criados pelo Google Earth, buscando entender aquelas imagens excepcionais,
nos dizeres do próprio Valla.7 O que ele veio a perceber é que não se tratava de erros do
sistema, mas sim da própria lógica de funcionamento do software que a Google utiliza
para criar as imagens do Google Earth. O que aparece nas imagens é “um novo modelo
de ver e representar nosso mundo – à medida que dados dinâmicos e em constante
mudança, derivados de uma miríade de fontes – são infinitamente combinados, cons-
tantemente atualizados, criando a ilusão de uma superfície entrelaçada infinita.”8 As
imagens em 3D utilizadas no Google Earth são derivadas de um processo chamado
mapeamento de textura (texture mapping), cujo modo de funcionamento é basica-
mente aplicar uma imagem plana em uma superfície 3D, “colando-se” essa textura (a
imagem plana) ao formato 3D correspondente, como uma espécie de adesivação da
imagem. As texturas seriam mais parecidas com um escaneamento da superfície do
que com uma foto da mesma. Segundo o próprio Clement Valla, a diferença entre tex-
tura e fotografia poderia ser assim resumida: nós olhamos através das fotografias; nós
olhamos para uma textura. O que acontece no Google Earth é que essas duas formas
de criar imagens são sobrepostas pelo software. Assim, continuamos a olhar a ver ima-
gens fotográficas aéreas, cuja profundidade é dada pela quantidade de luz e sombras
que elas projetam. No entanto, como essas imagens fotográficas são “esticadas” para
funcionarem também como texturas para a superfície, elas acabam por se tornar dis-
torcidas, sem deixar de exibirem as características de imagens fotográficas. Ou seja, o
que vemos aqui são paisagens produzidas pelo modo como o programa interpreta os
dados que tem à disposição e pela forma como é capaz de “imaginar sensivelmente”
aquela paisagem, que obviamente difere em larga medida do que poderíamos cha-
mar de paisagem, seja ela urbana, selvagem etc.
1417
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Entendo que sob essa perspectiva, os algoritmos podem ser entendidos como
elementos-chave para a compreensão de que um computador executa ações
como formas de escritura específicas, as quais permitem a uma máquina reco-
nhecer e decodificar um conjunto de elementos simbólicos. Da mesma forma,
eles são capazes de produzir visibilidades não necessariamente perceptíveis pe-
los sentidos humanos, mas que se relacionam com essas sensibilidades, indican-
do que os aparatos maquínicos criam relações, e produzem sentido, cujo valor
simbólico não é necessariamente medido por escalas humanas já reconhecidas.
8 “a new model of seeing and representing our world – as dynamic, ever-changing data from a
myriad of different sources – endlessly combined, constantly updated, creating a seamless illusion.”
Disponível em https://rhizome.org/editorial/2012/jul/31/universal-texture/. Acesso em 09 de se-
tembro de 2019.
1418
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1419
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
BESSE, J.M. (2014). O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro:
EDUERJ.
BRUNO, F. (2012). Rastros digitais sob a perspectiva da teoria ator-rede. Revista FA-
MECOS, v. 19 (3), pp. 681-704.
DERRIDA, J. (2001). Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Re-
lume Dumará, 2001.
ERNST, W.(2013). Digital memory and the archive. Minneapolis: University of Min-
nesota Press.
GAGNEBIN, J.M (2012). Apagar os rastros, recolher os restos. Em: SEDLMAYER, S &
GINZBURG, J.(org.). Rastro, aura e história. (pp. 27-38) Belo Horizonte: Ed. UFMG.
1420
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
As cidades e seus espaços urbanos sempre foram o lócus fundamental do
desenvolvimento e implementação de novas tecnologias. Tecnologias emer-
gentes tem o potencial de provocar um processo de reconfiguração na forma
como conceituamos, percebemos, imaginamos e problematizamos os espa-
ços urbanos. Partindo dessa afirmação, esse artigo reflete sobre as utopias e
distopias tecnosociais decorrentes das transformações urbanas provocadas
pelas tecnologias utilizadas nas cidades inteligentes. Utilizamos a arte como
vetor das transformações provocadas pela mediação algorítmica da vida nas
cidades. Mostramos como trabalhos artísticos ocupados em imaginar, discu-
tir e problematizar aspectos da complexa relação entre os espaços urbanos e
seus habitantes e as transformações sociais e culturais resultantes da media-
ção por tecnologias digitais.
Palavras-chave: espaço urbano, arte, tecnologia.
Abstract
Cities and their urban spaces have always been the fundamental locus of the de-
velopment and implementation of new technologies. Emerging technologies have
the potential to trigger a process of reconfiguration in the way we conceptualize,
perceive, imagine and problematize urban spaces. Based on this statement, this ar-
ticle reflects on the techno-social utopias and dystopias resulting from urban trans-
formations caused by the technologies used in smart cities. We use art as a vector
of the transformations caused by the algorithmic mediation of city life. We show
how artistic works engaged in imagining, discussing and problematizing aspects of
the complex relationship between urban spaces and their inhabitants and the social
and cultural transformations resulting from the mediation by digital technologies.
Keywords: urban space, art, technology
1 Marcilon Almeida de Melo (Marck Al) é designer, educador (FIC/UFG) e doutorando em arte e tecnolo-
gia no UnB. marckntz@gmail.com.
1421
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Introdução
De acordo com o departamento de Assuntos Sociais e Econômicos das Nações Uni-
das (2019), cerca de 55% da população mundial vive em ambientes urbanos e esse
número deve chegar a 68% por volta de 2050. Somos seres majoritariamente urba-
nos. Isso significa dizer que quase tudo que fazemos acontece nas cidades contem-
porâneas depende de alguma forma de sua infraestrutura visível e invisível para ser
realizado. Assim como a implementação de um sistema público de esgoto, grandes
avenidas e parques abertos na Paris de Haussmann do século XVIII teve profundo
impacto nas políticas públicas de saúde e na maneira com projetamos e pensamos
as cidades atuais, as tecnologias digitais e sua integração na malha urbana estão
redefinindo as cidades e a forma como as imaginamos. Ainda que a implementação,
tanto no tempo quanto no espaço, dessas tecnologias ocorra de maneira heterogê-
nea e desigual, elas estão alterando profundamente as complexas redes sociotécni-
cas formadas entre os habitantes e os espaços onde estão inseridos.
1422
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Nossos mapas mentais estão sendo substituídos por mapas digitais que represen-
tam visualmente informações em tempo real sobre a dinâmica do trânsito e o trajeto
mais eficiente entre dois pontos. Para Benjamin Bratton (2017), estamos criando no-
vos mundos em uma velocidade que não conseguimos acompanhar. E segue dizen-
do que a aceleração tecnológica cria um vazio entre nossa capacidade de conceituar
suas implicações o que pode ser algo perigoso.
Tecnocracia e utopia
Conforme novas tecnologias vão surgindo é relativamente comum que elas venham
acompanhadas narrativas otimistas sobre os efeitos positivos de sua adoção. Tam-
bém não é raro que essas previsões não se concretizem, ou, ao contrário do propa-
gado, seus efeitos sejam exatamente o oposto do planejado.
Ao final da segunda guerra mundial, disseminou-se uma ideia muito poderosa: solu-
ções técnicas bem executadas seria suficiente para a solução de problemas comple-
xos independente de sua natureza. O projeto Manhattan, iniciativa do governo nor-
te-americano com apoio do Reino Unido e do Canadá, visando o desenvolvimento
de ogivas nucleares, resultou na explosão de duas delas sobre as cidades japonesas
de Hiroshima e Nagasaki em 1946, precipitou o final da segunda guerra e inaugurou
1423
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Concebida na metade dos anos 60 pelo tecnologista Athelstan Spilhaus, com apoio
de Buckminster Fuller, a Cidade Experimental de Minnesota foi uma cidade modular
para mais 250.000 pessoas, alimentada por energia limpa e um sistema de trans-
porte público sustentável. A cidade foi planejada tendo em vista a popularização
dos computadores pessoais, videoconferências e um sistema similar a Internet que
permitiria que seus habitantes realizassem compras e tarefas bancárias. Na visão
de Spilhaus, a cidade conectada possibilitaria com que as pessoas trabalhassem de
casa, eliminando grande parte dos problemas de tráfego urbano e alterando radical-
mente o desenvolvimento urbano (Mortice, 2017).
2 NIMBY é um acrônimo da língua Inglesa para a expressão Not In My Backyard (Não em meu quintal).
1424
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Com o avanço das tecnologias digitais voltadas a gestão dos recursos urba-
nos, a utopia desses visionários encontrou novo lar nas diversas iniciativas de cida-
des inteligentes ao redor do planeta. Promovida como sendo a primeira Smart City
Inclusiva do mundo. A Smart City Laguna3, localizada a 55 km de Fortaleza, é cons-
tituída de 330 hectares e faz uso de soluções típicas das cidades inteligentes, tais
como sensores de monitoramento e planejamento urbano com discurso voltado
para a sustentabilidade ambiental e participação coletiva dos moradores na gestão
dos recursos. Tanto o uso de tecnologias emergentes e inclusividade são tratadas
como diferencial competitivo que os prospectos de venda do empreendimento fa-
zem questão de destacar:
Cidade Inteligente Inclusiva é uma evolução do conceito de cidade inteligente. Ela oferece aos
cidadãos um alto padrão de infraestrutura, inovação e tecnologia. É rica em convívio humano
e cultura. É um projeto resiliente, inclusivo e acessível, com soluções que visam garantir melhor
qualidade de vida aos seus moradores (“Smart City Laguna”, 2019).
3 https://smartcitylaguna.com.br/viver-smart/
4 Largamente reportado pela literatura especializada que a cidade Coreana de Songdo já consumiu
mais de 40 bilhões de dólares (Greenfield, 2013).
1425
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
mundo utópico e perfeito no qual as tecnologias oferecidas por essas empresas são
o alicerce da perfeita simbiose entre tecnologia e seres humanos.
Shannon Mattern (2017), nos lembra que desde que a Internet não passava de al-
guns poucos computadores conectando universidades, urbanistas, tecnologistas e
escritores de ficção científica já imaginaram e conceberam utopias digitais. Vivemos
em um paradigma que vê a cidade como um computador, algo que os designers
modernistas e futuristas concebiam como paralelo morfológico com as placas de
circuito dos computadores. Assim como novos modos de telecomunicação redefi-
nem a geografia dos espaços, tanto na economia quanto política, novos métodos
computacionais reconfiguram o planejamento urbano (Mattern, 2017).
A arte permite que escapemos de nós ao criar novas linguagens e interferir na rea-
lidade de infinitas maneiras. A arte lida com o contexto técnico dominante em uma
sociedade encontrando suas rachaduras, falhas e desvios para então agir crítica e
criativamente sobre ela. Nesse sentido, de que maneira a arte revela questões até
então ignoradas pelas perspectivas puramente técnicas? Se a vida contemporânea
é marcada pelo constante fluxo de dados digitais para alimentar algoritmos que
exercem algum tipo de controle de nossas vidas, como a arte pode interferir nesse
processo? A seguir apresentaremos alguns trabalhos artísticos que refletem sobre o
atual cenário técnico dos espaços urbanos e seus impactos sociais e culturais.
1426
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
podem oferecer? Que relações espaciais e temporais podem ser verificadas e com-
paradas em um grande conjunto de dados? Que experiência estética pode emer-
gir dessas visualizações? A seguir apresentamos alguns projetos e obras artísticas
que lidam que algumas de dessas questões.
Figura 2. O projeto Data Walking utiliza hardware customizado para capturar, processar e visualizar
dados de um determinado local através de múltiplas caminhadas. Fonte: http://datawalking.com
Idealizado por David Hunter, o projeto Data Walking5 explora o potencial do cami-
nhar pelos espaços urbanos para capturar dados ambientais e através de múltiplas
caminhadas, capturar e acumular dados para serem visualizados, compondo uma
visão mais rica e detalhada de um determinado local. O projeto explora o uso de tec-
nologias como método criativo para capturar dados e experimentar com métodos
de visualização, criar ferramentas customizadas que nos possibilitem insights e co-
nhecimento sobre uma área, um tipo de dataspace em camadas multidimensionais
(Hunter, 2018).
5 http://datawalking.com
1427
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O projeto lida com questões centrais sobre as cidades e utilização de tecnologias para
gerenciamento e controle dos espaços. Ao utilizar a deriva em conjunto com tecnolo-
gias de baixo custo para monitor e fazer sentido dos espaços, conseguimos acessar e
visualizar a camada invisível de dados, que mesmo não sendo perceptíveis aos nossos
sentidos biológicos, desempenham papel fundamental na vida contemporânea.
FALSE POSITIVE
Figura 3. FALSE POSITIVE7 (2015), uma ficção corporativa que reflete sobre nossos dados pessoas e
a utilização dos mesmos por corporações para criar perfis psicológicos de seus usuários.
6 https://magmacollective.wordpress.com/mnemonic-city-barbican/
7 http://false-positive.net/
1428
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O projeto aconteceu em 2015 em cinco cidades europeia (Madri, Hagen, Imal, Linz e
Liverpool) dentro do programa artístico Connected Cities. Ao final, o projeto termi-
nou com uma exposição do aparato corporativo e da parafernália técnica utilizadas
durante as performances na galeria Fact em Liverpool. Em conjunto com esses itens,
a exposição contou com um computador exibindo um email da Candygram para to-
dos os seus usuários informando que a empresa havia sido adquirida pelo serviço de
inteligência britânico (GCHQ). Um toque sutil e irônico sobre as relações promíscuas
entre corporações e governantes.
1429
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
blindage.
Figura 4. blindage (2015) utiliza máscaras como proposta poética entre a superabundância de
dados e a liberdade humana.
blindage8 (2015), é uma defesa poética da liberdade humana em um mundo cada vez
mais monitorado e superabundante de dados. Feito pela designer Anita Brunnauer
(Nita9), a performance/projeção/instalação, reflete poeticamente sobre a formas que
podemos perder nossa face no atual contexto técnico que vivemos. As máscaras di-
gitais da performance são uma referência a tradição e significados das máscaras et-
nológicas além de as inserir em um contexto contemporâneo do ser humano digital.
A obra está divida em três capítulos – fleurêve. synanthrope. abîme. – que podem ser
compreendidos como uma evolução do projeto. Além disso utiliza metáforas visu-
ais, assim como arquétipos surrealistas, em imagens contendo dança, taxidermia e
máscaras orgânicas. Para a artista a as máscaras são como fachadas. Ao ser projetada
em fachadas públicas a obra convida o público para uma reflexão entre fachadas
(máscara e arquitetura).
Conclusão
Entre utopias e visões extremamente otimistas sobre o papel das tecnologias digi-
tais na forma como pensamos e projetamos nossas cidades, uma visão de progresso
8 http://blindage.at
9 http://www.studionita.at/
1430
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
baseada na mediação da vida a partir dos dados digitais vem se consolidado. Inicia-
tivas de cidades inteligentes ao redor do planeta professam uma fé na tecnologia
que ainda se mostra obscura e cheia de falhas. A arte, com sua capacidade única de
reflexão sobre a vida, é crucial para propor novos métodos de engajamento com o
espaço urbano e práticas poéticas para lidar com complexidade tecnológica, social
e política. Os trabalhos apresentados aqui mostram como esse processo se dá e que
rumos tomar frente novos horizontes abertos pelas tecnologias emergentes. Fazer
arte que reflita sobre nossa condição na relação entre agentes humanos e não-hu-
manos no contexto técnico das cidades é um ato necessário.
Referências
Bratton, B. (2017). The New Normal. Strelka Press.
Du, R., Santi, P., Xiao, M., Vasilakos, A. V., & Fischione, C. (2019). The Sensable City:
A Survey on the Deployment and Management for Smart City Monitoring. IEEE
Communications Surveys Tutorials, 21(2), 1533–1560. https://doi.org/10.1109/
COMST.2018.2881008
Greenfield, A. (2013). Against the Smart City: A Pamphlet. This is Part I of” The
City is Here to Use”. New York: Do projects.
Manovich, L. (2015). Exploring urban social media: Selfiecity and On Broadway. Recu-
perado 26 de julho de 2018, de http://www.manovich.net
Mark, S. (2016). Predictive Geographies. In S. Pop, T. Toft, & N. Calvillo, What Urban
Media Art Can Do: Why When Where and How? (p. 266–273). Stuttgart: Continen-
tal Sales, Incorporated.
1431
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Offenhuber, D., & Ratti, C. (2014). Decoding the City: Urbanism in the Age of Big
Data. Basel: Birkhäuser.
Smart City Laguna. (2019). Recuperado 19 de setembro de 2019, de Smart City Lagu-
na website: https://smartcitylaguna.com.br/viver-smart/
1432
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
O artigo versa sobre as noções de imersão e performatividade aplicadas ao
trabalho artístico MaLOWvich y Neoneoconcreta, passeio nas Elétrikas (2019).
Para este fim, discorre sobre o processo de produção do trabalho, de modo a
descrever e analisar procedimentos técnicos e poéticos: o suporte tecnológico
como mediador da comunicação humano-máquina, a dinâmica espacial imer-
siva e a performatividade dos corpos que integram esse ambiente.
Palavras-chave: arte e tecnologia, espectador, participação.
Abstract
El artículo aborda las nociones de inmersión y performatividad aplicadas a la obra
artística MaLOWvich e Neoneoconcreta, passeio nas Elétrikas (2019). Con este fin,
discute el proceso de producción del trabajo para describir y analizar procedimien-
tos técnicos y poéticos: el soporte tecnológico como mediador de la comunicación
hombre-máquina, la dinámica espacial inmersiva y la performatividad de los cuer-
pos que integran este entorno.
Palabras: arte y tecnología, espectador, participación.
Memorial Descritivo
MaLOWvich y Neoneoconcreta, passeio nas Elétrikas (2019) é um trabalho artístico
idealizado durante a residência artística do II Prêmio Vera Brant (2019), na Casa Nie-
meyer em Brasília e, posteriormente, exposto no Centro Cultural Renato Russo, tam-
bém na capital federal. O projeto investiga a imersão e a performatividade por meio
da participação das/os espectadores.
1 Doutoranda em Arte e Tecnologia pela Universidade de Brasília (2017-), mestre em Lenguajes Artís-
ticos Combinados pela Universidad Nacional de las Artes (Buenos Aires, 2016), especialista em Arte,
Cultura e Sociedade no Brasil pela Universidade Veiga de Almeida (Rio de Janeiro, 2013) e bacharel
em Artes Cênicas – Direção Teatral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008). E-mail: patri-
ciateles86@gmail.com
2 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
1433
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1434
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1435
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
3. Estruturas Vazadas, sem perímetro definido. Neste caso, os/as visitantes in-
gressam todo corpo no ´espaço´ da obra, porém, não existe uma demarcação
clara, um ´invólucro´. Exemplos: Chove Chuva (2002) de Rivane Neuenschwa-
nder, as instalações de Ernesto Neto, Bodyspacemotionthings (1971-2009) de
Robert Morris e Em nenhum lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, São
Paulo (2019) de William Forsythe.
Figura 04 – Em nenhum lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, São Paulo (2019),
William Forsythe. Fonte: Sesc Pompéia
1436
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Sendo assim, interessa pensar o performativo no campo dos estudos teatrais, segun-
do Fischer o “teatral é sempre performativo, mas nem todo performativo é teatral”
(BONFITO, 2013, p.132). O performativo é teatral quando a ação executada é obser-
vada por outrem, quando possui um caráter espetacular. Portanto, uma performan-
ce é sempre teatral, assim como uma peça de teatro é sempre performativa.
1437
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
O espetacular não somente no que diz respeito à uma loja comercial, mas, igualmen-
te, as convenções do espaço de exibição. Ao solicitar que as/os visitantes gritem,
rompe-se com a postura silenciosa e contemplativa tradicional do espaço museísti-
co de modo a transformar a relação com o entorno. Ademais, o corpo da/o visitante
entra em um contexto de teatralização, ou seja, sua performance está exposta à mi-
rada das/os demais visitantes.
Desta maneira, ao gritarem, as/os atuantes mais do que ´acionar´ o sinal de output
da interface performavam na galeria, modificando o ambiente por meio do grito
do corpo, rompendo com o silêncio e a inércia do ambiente expositivo. A estrutura
rizomática torna-se cenário e/ou coadjuvante da ação. “Dar ao participante o obje-
to que em si mesmo não tem importância, e que só virá a ter na medida em que o
participante agir. É como um ovo que só revela a sua substância quando o abrimos”.
(CLARK, 1980, p.27).
Interfaces Programáveis
A emergência e o desenvolvimento das tecnologias numéricas geram novas pos-
sibilidades poéticas na atualidade, a utilização de hardware e software de código
aberto tornou-se recorrente nas produções de artes com tecnologia. Neste contexto,
destaco a utilização da plataforma Arduino.
O Arduino foi desenvolvido em 2005 por Massimo Banzi e David Cuartielles como
um projeto para estudantes do Interaction Design Institute Ivrea (Itália). O objetivo de
Banzi e Cuartielles era criar uma plataforma de desenvolvimento barata, simples de
usar e acessível a todos os estudantes. Contudo, para além de um material didático,
artistas multimídia incorporaram o Arduino para produzir interfaces programáveis.
Sensores de distância, presença, som, toque, entre outros, podem ser acoplados à
placa, viabilizando a transformação da obra por meio da interação com humanos.
1438
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
A interface foi construída com uma placa eletrônica Arduino modelo UNO, uma pro-
toboard, um sensor de som e um módulo relé. A programação é escrita por meio
do software Arduino IDE (Integrated Development Environment ou Ambiente de De-
senvolvimento Integrado) em linguagem de programação C++. O sensor de som
deve ser conectado ao Arduino e aos painéis de LED integram o sistema por meio
do módulo relé.
A programação escrita no software deve ser transferida para o Arduino. Essa transfe-
rência dos códigos se dá por meio de um cabo USB/ AB que conecta o computador
à placa. O Arduino é uma plataforma de código aberto, o que possibilita a constante
modificação dos códigos que são gravados na placa. Após a transferência do código
e a conexão do sensor e do modulo relé na placa, o sistema estará pronto para operar.
1) sistema mediador: reação pontual, simples, normalmente binária a um programa dado; 2) siste-
ma reativo: ingerência de um programa por meio da estruturação de seu desenvolvimento no âm-
bito de possibilidades dadas. Trata-se de uma interatividade de seleção, que aplica a possibilidade
de acesso multidirecional a informações audiovisuais para a execução de operações predetermi-
nadas pelo sistema, e, portanto, limitadas a elas; 3) sistema interativo: estruturação independente
de um programa que se dá quando um receptor pode atuar também como um emissor. Trata-se
de uma interatividade de conteúdo, na qual o interator dispõe de um grau maior de intervir e
manipular as informações audiovisuais ou de outra natureza (como as robóticas) ou, em sistemas
mais complexos, gerar novas informações. (GIANNETTI, 2006, p.125-126).
Com base nos três tipos de interatividades considerados pela autora, os procedi-
mentos de MaLOWvich y Neoneoconcreta... enquadram-se no grau 2, no qual existem
possibilidades pré-definidas de ‘interação’ sem abertura para que receptores agen-
ciem novas informações. Deste modo, o sistema reativo está limitado à respostas
previamente estipuladas na programação, portanto, no que diz respeito ao sistema
de feedback, não abrange possibilidades de composições ou transformações espon-
tâneas e imprevistas.
Por outro lado, o jogo não se limita as possibilidades do aparato, o modo de existên-
cia da tecnologia transcende sua funcionalidade de apagar e acender luzes por meio
do grito. Desde modo, a imprevisibilidade da ação reside, de um lado, do erro maquí-
nico – que por vezes não opera de acordo com o programado – e por outro lado, por
meio do comportamento dos atuantes. Essas fissuras transformam a poética do tra-
balho artístico. Para exemplificar essa afirmação cito um comportamento observado
1439
Edição Brasília - BR #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Referências
BONFITTO, Matteo. Entrevista com Erika Fischer Lichte. Conceição | Concept., Cam-
pinas, SP, v. 2, n. 1, p. 131-141, jan./jun. 2013
CLARK, Lygia. Lygia Clark. Textos de Lygia Clark, Ferreira Gullar e Mario Pedrosa. Rio
de Janeiro: FUNARTE, 1980.
1440
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
artist talk
ANAIS
1441
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Esta artist talk aborda as várias estratégias utilizadas na investigação plástica em
torno do olhar, da tactilidade e da materialidade. Tendo como base de trabalho
um conjunto de negativos e de provas fotográficas impressas, questões de super-
fície e de codificação são convocadas na pesquisa desenvolvida nas várias séries.
Palavras-chave: olhar, tactilidade, superfície, codificação, eye-tracking
Abstract
The artist talk discusses the various strategies used in my research regarding gaze,
tactility and materiality. Having as a starting point a set of negatives and photo-
graphic prints, surface and coding issues are convened in the inquiry developed in
the various series.
Keywords: gaze, tactility, surface, codification, eye-tracking
Charla de artista
La devastación del mundo en nombre del “progreso” y la implementación de po-
líticas mundiales que favorecen los intereses empresariales por encima del bie-
nestar de la población han expandido la precariedad en todos los niveles de la
vida y contra todos los organismos vivos. Resulta difícil imaginar futuros que no
sean catastróficos. La Amazonía se incendia y sabemos que faltan pocos años para
que la vida como la conocemos cambie radicalmente. Las futurotopías son una
invitación al intercambio de ideas, sueños y prácticas de otros posibles, en donde
los imaginarios especulativos, las políticas decrecientes y feministas, nos permi-
tan proyectar otros futuros. Especulación tecnológica para desarrollar y recuperar
técnicas y tecnologías para imaginar y hacer reales transformaciones sistematicas,
alternativas al extractivismo (de los cuerpos, la tierra, la naturaleza, las especies y
los datos) que pone en riesgo la vida y limitan nuestra capacidad creadora.
1442
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
¿Por qué no todos los seres humanos podemos conectarnos de la misma manera
con todo el sistema de lo vivo del que hacemos parte?”. Es una pregunta que tiene
que ver con mi vida en Ecuador -en los Andes- pero también tiene que ver con mi
preocupación por seguridad y la privacidad en internet. No soporto pensar que la
posibilidad de comunicarme con las personas que más quiero (todas viven muy
lejos de Cuenca, Ecuador) dependa de las infraestructuras de multinacionales, que
no solo nos vigilan sino que especulan con nuestros datos, con nuestras vidas.
Resumo
Este artigo propõe construir uma reflexão crítica e técnica centrada na tec-
nocultura e nos modos de produção artística pós-digitais. Efetuando-se uma
1443
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
This article proposes to build a critical and technical reflection focused on tech-
noculture and post-digital artistic production modes. Making an extrapolation of
sonification processes in digital art starting from a practical project involving the
production of hardware and software that captures the movement of public and
military satellites to use their values of displacement, velocity, among others, in el-
ements. sound and musical. This project is developed in partnership with my col-
laborators Christopher Zlaket (1992) of Arizona State University who specializes
in interface design and David Stingley (1993) of MIT who specializes in computer
science. The objective is to transform, through sonification processes, aesthetic val-
ue elements centered on an investigation that deals with the articulation between
technical knowledge, interface construction, programming and its applicability in
the fields of sound arts, musical performance and multimedia installation.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Satellite, Sonification, Post-digital, Sound art.
Joao Batista
Resumo
Ordem e caos. A ordem exclui o caos. As sociedades e os cidadãos organizam-se
estabelecendo ordem, criando sistemas de coordenação, sujeitando-se a regras
1444
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
Order and chaos. The order excludes chaos. Societies and citizens organize them-
selves by establishing order, creating coordination systems, subjecting themselves
to rules and procedures, ensuring that they act in a synchronized manner, forcing
the adoption of behavioral patterns, and punishing disorder. We probably need to
acknowledge and accept some sort of order to survive, but we can also seek freedom
through the chaos. The moments of disruption, serendipity, deregulation, or even
disobedience are moments of freedom, which become the moments when we can
truly meet with ourselves. At such times, we can accept order, but only as a means
that allows us to deal with chaos to achieve states of freedom.
The presentation addresses these ideas, which underlie a set of works in the field of
painting and occasional combinations with other techniques, namely photography
and artists’ books.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Order, chaos, painting, abstract.
Kathleen Rogers
1445
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
-imagine the genome as a dynamic and responsive entity that senses, apprehends
and responds to environmental, biological and cultural contexts. The presentation
will introduce practice based creative research that applies autoethnographic me-
thods to examine biosocial and scientific theories exploring the cultural implica-
tions of intergenerational trauma studies. The trauma theorist, Caruth suggests
that trauma is “is not locatable in the simple violent or original event in the in-
dividual’s past but identified in “the way it is precisely not known in the first ins-
tance – returns to haunt the survivor later on (Caruth 1996:17.4). I will introduce
my research methodologies and theoretical frameworks for producing the film
installation work, Remembering the Unknown, that revisits a largely unpublished
series works that intersects with recent research into social, political and cultural
relationships and the science of epigenetic inheritance. The research project is ba-
sed on a series of conceptually driven and closely related photo installation works
produced from 2016 to 2019 and incorporates elements of the site specific work
- I Poor Orphan, Here There and Everywhere produced at CERN in Geneva (Swit-
zerland), Home, produced at the former Children’s Orphanage, Manchester (UK),
and Matrem, photo-microscopy of a human Fetal cord produced in a bioscience/
stem cell context.
Leena Raappana-Luiro
Abstract
Style can be regarded as an important semiotic resource. In this design case, the
style was developed by technical experiments, my personal affinity for historicism
and melancholy as well as the stylistic inspiration from earlier works like Dutch vani-
tases of 1600’s and the natural history illustrations made by Ernst Haeckel at the turn
of the 20th century. In the context of Valentine’s Day postage stamp design, I had
to adapt my style – al- ready developed in the fine art context – to the commercial
interests of the client.
Keywords: Illustration, style, semiotics.
By my works, I want to show the process that led me to create the style of Val-
entine’s Day postage stamps of Finland 2018. The process started in 2016 as a
fine art practice – an exhibition – containing prints and works combining glass,
1446
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
nature objects and drawings /digital collages. After the exhibition, I took part in
a postage stamp contest arranged by Posti Group, Grafia – The Associ- ation of
Visual Communication Designers in Finland – and Kuvittajat – The Finnish Illus-
tration Association. As a consequence, I was commissioned to design the set of
five Valentine’s Day postage stamps to Posti Group.
As Steven Skaggs (2017, xiv) notes `the graphic design studio provides an ideal
laboratory for semiotic concepts´. My exhibition presents part of my doctoral
research which is – for its part – a combination of artistic - /design parts and
research articles. The focus of the research is to study, how a fictive illustration
makes meanings and moods through a multimodal interaction with the typog-
raphy, colour, style and the used media along with materiality (See Van Leeuwen
2007; Kress 2010).
Style can be regarded as an important semiotic resource (Nodelman 1990, 60;
Siefkes & Arielli 2018, 169). In this case the style was developed by technical
experiments, my personal affinity for historicism and melancholy as well as the
stylistic inspiration from earlier works like Dutch vanitases of 1600’s and the nat-
ural history illustrations made by Ernst Haeckel at the turn of the 20th century.
In the context of Valentine’s Day postage stamp design, I had to adapt my style
– already developed in the fine art context – to the commercial interests of the
client. By changes in modes like colour and composition the overall mood of
design changed from an ambiguous melancholy to a fairy tale fantasy.
Des-invenções
1447
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Utilizando-me do fator do acaso, material que me é muito caro justo por estar
sempre além de minha invenção, desta vez é um site de tradução automática
que funciona como parceria na geração de uma escrita dupla em conversação
bilíngue. Os ensaios em vídeo apresentados (Des-fazer e A Mulher) são o regis-
tro sob a forma de captura de tela dessa interação, no ato da ‘performance’, em
uma espécie de jogo de ecos distorcidos entre a artista e o programa. Uma ‘qua-
se-poesia-maquínica’, em algum momento.
A Flora Desvelada
The Unveiled Flora
Resumo
Como parte das comemorações dos 100 anos da UFRJ, a celebrar em 2020, foi
desenvolvido um trabalho multidisciplinar de identificação botânica da flo-
ra comum encontrada nos jardins e pátios internos da Decania do Centro de
Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) e do Instituto de Psiquiatria da
UFRJ (IPUB). O trabalho de pesquisa, realizado a partir da ideia central de gerar
um panorama iconográfico, representativo desta flora, serviu de mote para o
evento “A Flora Desvelada na UFRJ”, que contou com o lançamento de um ca-
lendário comemorativo de 2020, além de exposição itinerante no IPUB-UFRJ,
palestras acerca dos temas ilustração, cor e botânica e oficinas temáticas. O
projeto tornou possível aproximar, por um ponto de vista comum, visitantes,
servidores, estudantes e funcionários terceirizados, reativando o local como
1448
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract
As part of the celebration of the centenary of UFRJ, to be celebrated in 2020, a multi-
disciplinary botanical identification work of the common flora, found in the gardens
and internal courtyards of the Decania of the Center for Mathematical and Natural
Sciences (CCMN) and the Institute of Psychiatry of the UFRJ (IPUB) was developed.
The research work, carried out from the central idea of generating an iconographic
panorama, representative of this flora, served as a motto for the event “The Unveiled
Flora at UFRJ”, which featured the launch of a commemorative calendar, as well as
an itinerant exhibition at IPUB-UFRJ, thematic workshops and lectures on the fol-
lowing topics: illustration, color and botany. The project made it possible to bring
together visitors, servers, students and outsourcers from a common point of view,
reactivating the place as a space for culture, art, environmental education, health
promotion, entertainment and rest, stimulating a broader integration between
teaching, research projects, and extension.
Keywords: Drawing, Botany, Cultural Geography, Graphic Representation, Multidis-
ciplinarity.
Resumo
Este texto trata do percurso de pesquisa formal e conceitual que sustenta minha
produção artística e que gerou, dentre outros, o trabalho apresentado na expo-
sição paralela a este encontro (Parede que respira – protótipo 2). Esse percurso,
apoiado na apropriação de fotografias do arquivo de minha família, pode ser
entendido como a busca pela compreensão da potência dos arquivos, princi-
palmente quando tratado como matéria artística, e pela forma que possibilitaria
dar a ver, ao espectador, essa força.
Palavras-chave: fotografia de família, afecto, percurso artístico, multimeios.
1449
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Abstract/resumen/resumé
This text deals with the formal and conceptual research trajectory that sustains my
artistic production and that generated, among others, the work presented in the exhi-
bition parallel to this meeting (Breathing Wall - prototype 2). This artistic course, sup-
ported by the appropriation of photographs from my family archive, can be under-
stood as the search for understanding the power of archives, specially when treated as
artistic matter, and for the way that would allow the viewer to see this strength.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: family photography, affect, artistic journey,
multimedia.
Resumo
Durante a fala, um fragmento do filme “28, 29 e 30... Ah! E, também, 27 do oito
de 2018” (56min., 2016) é exibido enquanto falo sobre o processo de realiza-
ção do mesmo a partir da apropriação de uma found footage. Seu conteúdo
mostra fragmentos do cotidiano de uma família registrados durante os dias
27, 28, 29 e 30 de agosto de 1988. Esses fragmentos, para além da revelação
de estilhaços da intimidade familiar, evocam memórias relacionadas à década
de 1980 e a transição para a década de 1990, o debate memória individual x
memória coletiva, a obsolescência das tecnologias, a preservação e o paradei-
ro das imagens.
Palavras-chave: Arte contemporânea; Autobiografia; Filme; Found footage; Memória.
Abstract
During the speech, a fragment of the movie “28, 29 and 30 ... Oh! And, also, 27 of
the eight of 2018” (56min., 2016) is displayed while I talk about the process of reali-
zation of it from the appropriation of a found footage. Its content show fragments
of the daily life of a family recorded during the days 27, 28, 29 and 30 of August
of 1988. These fragments, in addition to revealing fragments of familiar intimacy,
evoke memories related to the 1980s and the transition to 1990s, the debate about
individual memory x collective memory, the obsolescence of technologies, the pres-
ervation and the whereabouts of the images.
Keywords: Contemporary art; Autobiography; Film; Found footage; Memory.
1450
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Silja Nikula
Abstract
Researcher carving wood.
Practice based approach to visual storytelling
In the field of visual communication design, practice based research is still quite new,
at least in Nordic countries. However, it includes enormous potential in highlighting
the knowledge of professional designers. In this presentation, I use my own artistic pro-
cess as a case of practice based research. In my process, I first travelled to Prague and
Lofoten Islands. My aim was to tell about the spirit of the place by visual means, using
the method of woodblock printing. The theoretical discussion was directed to the field
of visual communication design, sheding light on the potential and restrictions of still
images in storytelling. In my presentation, I concern the following questions:
What are the typical features of practice based research?
What are the requirements for artistic work, to be defined as research?
During my working process, the question was gradually focused, meanwhile read-
ing the literature in the fields of semiotics and narrative theory. This is one of the
typical features.
The starting point for practice based research is that the artist is professional in his/her
working field, as here communication design. Then the research question is relevant
and the results can contribute to the same field. However, there are certain challeng-
es, as the following: There are not necessarily ready concepts or terms to describe the
salient findings. Added to that, the research might not be easy to be reported through
the established model and structure. Also, in the cases where a designer’s own data is
analysed, it has to be considered how the designer is intertwined in producing it.
Keywords: practice based research, visual storytelling, still image, communication design
1451
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Resumo
Os artistas urbanos utilizam plataformas virtuais como uma possibilidade de
circulação e ressignificação, e também como uma nova dinâmica poética em
suas obras. Esse movimento retrata os sintomas das transformações sociais vin-
culadas ao uso e participação no ambiente digital, dialogando em dinâmicas
materiais e imateriais com a cidade para o entendimento do espaço. O presente
artigo propõe uma discussão crítica acerca de alguns conceitos teóricos sobre a
compreensão da cidade e do espaço com intuito de observar a interrelação da
Arte Urbana com as Mídias Sociais.
Palavras-chave: Arte Urbana, Cidade, Espaço, Mídias Sociais.
Abstract
Urban artists use virtual platforms as a possibility of circulation and resignification,
as well as a new poetic dynamic in their works. This movement portrays the symp-
toms of social transformations linked to the use and participation in the digital en-
vironment, dialoguing in material and immaterial dynamics with the city for the
understanding of space. This article proposes a critical discussion of some theoreti-
cal concepts about the understanding of the city and space in order to observe the
interrelation of Urban Art with Social Media.
Keywords: Urban Art, City, Space, Social Media.
1452
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
As possíveis mesclas entre artes visuais e a música nos meios digitais me inspi-
raram a desenvolver o experimento que posterior a sua criação foi intitulado
1453
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Aciabáss”, um anagrama das sílabas das palavras: Ba – Cia (de Bacia) – Bass
(Som Grave). Esta obra foi o resultado do meu processo criativo dentro do ateliê
aberto realizado no contexto da residência artística do projeto “InstruMentes”,
idealizado por Alana Silveira e Lívia Cunha com patrocínio do Rumos Itaú Cultu-
ral e Fundação Gregório de Matos/BA, com a finalidade de realizar um diálogo
entre a luthieria e a cimática (Jenny, 2001), juntamente com as experimentações
poéticas da música, arte e novas tecnologias.
A Imagem da Utopia
The Utopia Image
1454
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1455
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
posters
ANAIS
1456
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Mirja Lönegren
Abstract
In this poster, I frame my presentation to concern these research questions: How can
information designer make use of storytelling and gamification in the virtual space?
What kind of new ways of presenting information graphics can be found, that are
suitable for interactive media and different sizes of the devices.
Keywords: Information design, Augmented reality, Virtual reality, Gamification, Sto-
rytelling.
Resumo
A expografia “Translúcido” foi uma tradução de pesquisa sobre perfis de mu-
lheres projetistas durante o século XX, questionando sua lacuna no registro da
história do design, considerando principalmente a baixa representatividade de
mulheres na literatura básica da historiografia. Partindo de Problemas e Hipóte-
ses sobre o papel do design e distintos recortes aplicáveis ao contexto industrial,
a pesquisa propôs uma interrelação entre os trabalhos de mulheres durante o
período determinado. Dessa forma, a disposição coloca tais trabalhos em um
paralelo com a linha temporal canônica da história do design para questionar
onde estão os trabalhos dessas mulheres – e onde encontra-los.
Palavras-chave: Historiografia, feminismo, design.
Abstract/resumen/resumé
“Translucent” was a translation of research on profiles of women designers during
the twentieth century and their impact on the register of design history, especial-
ly considering the low representation of women in the canon literature of design.
1457
Artist Talk #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Starting from scientific and sociological research about the role of design and differ-
ent cutouts applicable to the industrial context, the results induced an interrelation
between the work of women during the scope. In this way, the disposition places
such works in parallel with the canonical timeline of design history to question
where these fantastic women’s works are – and where to find them.
Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Historiography, feminism, design.
1458
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
obras
EmMeio#11
2
1459
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
“Tutunho, o taumaturgo”. Performance de Antonio Wellington de Oliveir Jr. e João Vilnei de Oliveira Filho, 2018.
Foto/Print Screen: Antonio Wellington de Oliveira Jr. (Tutunho).
“Tutunho, o taumaturgo”. Performance de Antonio Wellington de Oliveir Jr. e João Vilnei de Oliveira Filho, 2018.
Foto/Print Screen: Antonio Wellington de Oliveira Jr. (Tutunho).
3
3
1460
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
4
1461
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Visualização interna
Visualização interna da
a partir
caixado orifício
a partir dolocalizado na parte na
orifício localizado frontal
partedafrontal
caixa.da caixa.
5
1462
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
fotografia como possível ato de fossiliza- faz alusão aos monóculos utilizados para
ção do tempo provocam uma inversão a apreciação de matrizes fotográficas.
do olhar. O projeto é composto por cinco Cada caixa dispõe também de um QrCo-
caixas escuras que convidam o expecta- de que apresenta a localização das con-
dor a observar o ambiente referenciado chas na cidade: um convite lúdico para a
pelas conchas na cidade do Porto. As continuidade das buscas e da percepção
caixas remetem a câmeras fotográficas das Geomidias.
pinhole, cujo orifício de entrada de luz é Palavras-chave: arte-mídia, foto-
acionado simbolicamente por cada con- grafia, geolocalização, geomidias, arque-
cha. O mecanismo de visão através delas ologia das mídias.
6
1463
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
7
1464
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
8
1465
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Two and three prongs chot, 1970), mas que não se define (Bar-
thes, 2003). Pode-se tratar, assim, de um
Denise Conceição Ferraz entre-lugar, de uma fronteira borrada,
de Camargo; também equiparável ao vazio, ao silên-
Fernando Luiz Fogliano
cio, e, paradoxalmente, a um lugar em
que se dão os jogos de linguagem.
Após a troca da instalação elétrica de uma
É com este contexto simbólico
casa tomadas já obsoletas, cujo destino
que este trabalho opera ao fazer uso de
seria o descarte para reciclagem, foram
discursos, dos jogos de linguagem (Wit-
resgatadas pelos artistas e transformadas
tgeinstein, 2009), do uso político da lin-
em matéria para o objeto-instalação “Dois
guagem e das metáforas (Lakoff, 2002) e
e três pinos”, como ficou nomeado, em
das narrativas dela decorrentes, baseadas
alusão à obra conceitual “Uma e três ca-
em notícias falsas, recusa a dados oficiais,
deiras” (1963), de Joseph Kosuth.
inclusive a fatos históricos, que têm gera-
A construção abstrata e escultural
do um retorno a padrões antiquados, já
do objeto instalacional tem como supor-
superados, inclusive os discursos de ódio
te uma caixa que permite ao observador
e violência, mas em curso na sociedade
visualizar a estrutura interna da obra e
brasileira desde as eleições de outubro
interagir com ela. Às tomadas de dois
de 2018, e que se confrontam com o que
pinos, que tiveram sua produção descon-
podemos, ou não, considerar como ver-
tinuada no País e estão em desuso, desde
dade (Changeux, 2013).
2009, dispostas no interior da caixa, está
O trabalho tem como objetivo
conectada uma placa arduino que favo-
permitir ao observador-interator esta-
rece os processos e as ações de interação
belecer reconexões nas tomadas de três
nos fragmentos de discursos retrógrados,
pinos, em sua segurança e adequação
de ódio, violência e fake news, em curso
aos padrões. Isso faz que os discursos ali-
no Brasil de 2019.
mentados no objeto-instalação possam
O “neutro” existente nas tomadas de
ser revertidos e transformados, criando
três pinos atualmente utilizadas no país,
uma nova ordem para as emoções que
as torna mais seguras. Por isso mesmo, as
compartilhamos e que nos tocam neste
tomadas antigas de dois pinos, desprovi-
contexto político, social e cultural do País.
das desse espaço, são inadequadas aos
Propõe, assim, uma experiência interati-
atuais padrões de segurança. Ao declarar
va que consiste em transformar os dis-
o retorno à sua produção, o senhor que
cursos antidemocráticos, abrindo diálo-
ocupa a presidência da República do Bra-
gos possíveis e para além dos binarismos
sil, cria uma metáfora para o conjunto de
das estratégias de manutenção do poder.
reterocessos que assola o País.
Assim, etapas desse processo criativo e
Na gramática, o termo “neutro” de-
tecnológico serão exibidas em um vídeo
fine nomes ou palavras às quais não se
9
1466
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
10
1467
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
11
1468
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Ficha técnica
Direção: Fabíola Fonseca
Autores e roteiristas: Fabíola Fonseca, Reno Almeida,
Cesar Baio
Diretor de fotografia: Guilherme Silva
Diretor de áudio: Francisco Feitosa Moura Filho
Editor de vídeo: Levy Mota
Performances: Levy Mota, Juliana Tavares, Ada Kroef,
Denilson Lima, Tieta Macau, Renan Sidney, Icaro Limas,
Luan Castelo, Nathália Coehl, Aracy Frutuoso, Jô.
12
1469
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
13
1470
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1. Encontros: Diagrama da obra aponta a direção das forças resultantes do movimento,
bem como suas modulações, ondas e intensidades; Museu Nacional de Brasília, 2012; Encontro
das Águas, confluência dos rios Negro e Solimões.
14
1471
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
15
1472
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Graça Magalhães, Lugar ausente, 2019, 1000x700mm, grafite e tinta sobre papel
16
1473
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
17
1474
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
18
1475
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
‘Wet
Wet Passenger:
Passenger visual qualities that water possesses for its
Duncan, about twin girls and astral pro-
An Amniotic Utopia’
EmMeio#11
19
1476
Accept / Messenger in a Mouth
Cuntemporary Artists Presents (Marne Lucas/Joanne Leah)
2018, 13 x 40” (33.02 x 101.6cm), archival pigment print on Hahnemuhle paper, mounted on Gatorboard (unfra-
med) $2500, edition 1/5
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
‘DeepPassenger
Wet See’ Duncan, about twin from
girls and astral pro-
visual worlds hidden our perception
EmMeio#11
19
1477
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
21
1478
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
22
1479
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
23
1480
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
24
1481
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
• Pedra de diamante
Medicamento
• Água mineral
EmMeio#11
Krishna Passos
Fig. 1: A pedra de diamante usada e os grãos de
Segue abaixo a transcrição das
cristal de granada orientações para a participação. Os pro-
cedimentos e explicação sobre o trabalho:
As potencialidades que temos abordado A sessão de imersão extrassenso-
no decorrer dessas reflexões nos levaram rial foi preparada convergindo diversos
ao projeto de experiência extrassensorial: tipos de frequências, ondas, vibrações e
Medicamento Antroposófico – MARavi- radiações, perceptíveis e imperceptíveis,
lha Curativa. Partindo de uma formulação manifestas nos elementos e forças da na-
intuitiva, nela se cruzam processos misci- tureza selecionados – no caso, forças do
genados que abrangem correntes filosó- mar e de minerais - conhecidas e usadas
ficas, religiosas, artísticas, sensoriais e de há milênios em diferentes culturas, por
autoconhecimento. Para isso o processo suas potencialidades terapêuticas, míti-
envolve princípios da meditação, da alqui- cas, e sagradas.
mia, das notas de Solfeggio, da arte sonora,
da radiestesia, dentre outros, considerados Indicações
aqui, como razões universais, independen-
Leia atentamente as orientações; as-
temente de suas origens ou de racionaliza-
simile somente aquilo que fizer sentido para
ções que os expliquem.
você, participando desse momento apenas
Como elemento fundamentais para
se você se sentir confortável para isso.
o processo foram usados:
Partindo do principio de que os
• Gravações sonoras de ondas do mar ba-
pensamentos e as intenções tem força
tendo contra a Pedra do Arpoador
e poder e de que “uma parte contém
(RJ) em dia de mar revolto (2017).
a essência do todo assim como o todo
25
1482
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
contém a parte”, você poderá usufruir 7 – A força e o caráter das suas intenções
dessa sessão para obter diversos benefí- serão determinantes para o processo. In-
cios: desde a fruição artística e contem- tencionalmente, mentalize os benefícios
plativa, e o fortalecimento de propósitos não materialistas que você almeja para
pessoais de elevação da consciência, até si, entes queridos e demais seres. Repita
a limpeza de corpos sutis, promovendo o para si internamente
realinhamento psíquico e emocional. 8 – Tire os calçados
9 – Em silêncio, deite-se ou sente-se
Instruções de uso confortavelmente no interior do espaço
e acomode-se tranquilizando os pensa-
Preparação
mento.
1 – Desligue o celular e esqueça-o duran-
Durante a sessão:
te o processo
- Mantenha os olhos fechados
2 – Coloque o aparelho junto aos seus
- Respire pausadamente
pertences, e estes, em local seguro pre-
- Conecte-se apenas com os sons do mar
viamente indicado
- Aproveite o momento para estar ali, pre-
3 – Molhe o dedo na água com sal ma-
sente e plenamente consciente
rinho
- Entregue-se `a experiência e procure
4 – Toque com o dedo molhado os grãos
não se fixar em nenhum pensamento.
de areia, composta de cristais de granada
Quando eles vierem, deixe que passem
5 – Coloque o dedo com os cristais no
- Caso você se distraia, tudo bem: sorria,
topo da cabeça, bem no centro, deposi-
respire fundo e reinicie `as instruções acima
tando alguns grão ali
- Quando o som silenciar totalmente, vol-
6 – Tome um pouco da água fluidifica-
te sem pressa, abra os olhos lentamente,
da com cristal de granada e diamante;
retornando os movimento aos poucos
adormecidos ao relento, em noite de lua
percebendo os benefícios recebidos
nova, e irradiados com a frequência de
528Hertz durante 5 horas
26
1483
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
27
1484
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
28
1485
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Des-invenções
EmMeio#11
Dis-inventions
29
1486
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
o céu na terra
EmMeio#11
heaven underneath
30
1487
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
31
1488
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
32
1489
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
33
1490
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
34
1491
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Entre-inscrições:
EmMeio#11
35
1492
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Tap Drawing
EmMeio#11
36
1493
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
37
1494
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Espacios de tránsito
EmMeio#11
MarGarrido
38
1495
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Espacios de
EmMeio#11
tránsito-túneles
MarGarrido
39
1496
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
40
1497
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
CamisetaPerformance: Vamos conversar sobre feminicídio (2019). Registro da performance sendo realizada no
evento Elas por Elas/ Natal – RN em Agosto de 2019
41
1498
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
– protótipo 2 (2019)
Breathing wall – prototype 2 (2019)
Maria Ilda Trigo
42
1499
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Devir Self Celular explora o potencial da Devir Celular Self explores the potential
arte como catalizador da ‘comunicação’ of art as a catalyst for ‘communicating’
da terminologia científica, problematiza- scientific terminology, problematizing the
dor das tensões entre bioética e tecno- tensions between bioethics and technolo-
logia e dos processos entre pesquisado- gy, and the processes between researchers
res (artísticos e científicos) e audiências, (artistic and scientific) and audiences, and
e como ela pode ajudar-nos a inovar, how it can help us innovate by looking
olhando para além das construções es- beyond aesthetic constructions that are
téticas que são dadas como certas nas taken for granted in the images. Evoking
imagens. Evocando a maravilha da des- the wonder of discovery offered by the te-
coberta oferecida pela tecnologia e pleas chnology and pleasures of the “new worl-
utopias dos novos mundos e oferecen- ds” and offering an ‘imagined’ view of the
do uma visão ‘imaginada’ da maquinaria spectacular biological machinery that
biológica espetacular que compreende comprises the core of our memories and
o cerne de nossas memórias e nosso es- our essential sense of self. This version is a
sencial sentido de identidade (self ). Esta fixation of the cellular being at a homeos-
versão é uma fixação do ser celular num tatic moment (in the words of Damásio) in
momento homeostático (nas palavras de which each presentation is sustained as a
Damásio) em que cada apresentação é result of a process of regulation by which
sustentada como resultado de um pro- an organism achieves or seeks the constan-
cesso de regulação pelo qual um orga- cy of its balance.
nismo consegue ou procura a constância Keywords:. Drawing, Biology, Ins-
do seu equilíbrio. tallation, Image, Experiment
Palavras-chave: Desenho, Biologia,
Instalação, Imagem, Experiência
43
1500
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Black Gold
EmMeio#11
44
1501
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
45
1502
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
46
1503
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Insepulto Inhumatus
EmMeio#11
Unburied
47
1504
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Horizonte Reverso
EmMeio#11
Reversed Horizon
Nivalda Araújo
48
1505
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Em água salgada
EmMeio#11
afunda-se mais
devagarinho
In salt water it sinks slower
Olivia Matni
O tempo do olhar não é o mesmo que o The time of the gaze is not the same as the
tempo do desenho. time of the drawing.
Este trabalho resulta de uma inves- This work results from a practical
tigação prática que consiste em incursões investigation that consists of raids in the
no território que margeia as Salinas de territory that borders the Salinas de Aveiro
Aveiro onde emprego o desenho como where I use drawing as a vehicle for conse-
veículo para consecutivos atravessamen- cutive landscape crossing, motivated by my
tos na/da paisagem, motivada pelo meu interest in border territories (or interspaces)
interesse em territórios de fronteira (ou and ephemeral spellings. . In this process
entre-espaços) e grafias efêmeras. Neste it is necessary to walk and stop, to remove
processo é preciso caminhar e parar, tirar one’s head from the usual place, to traverse
a cabeça do sítio costumeiro, percorrer the space with one’s hands, ears and eyes,
o espaço com as mãos, os ouvidos e os and thus to see the multiple ramifications
olhos e assim avistar as múltiplas ramifi- of the unpredictable trails that arise in
cações das trilhas imprevisíveis que sur- the insistent and repetitive construction
gem na construção insistente e repetitiva of the horizontal cutout on the paper. To
do recorte horizontal no papel. Apre(e) apprehend the landscape by echoing, by
nder a paisagem por eco, por renúncia do renouncing the interior design, by the sou-
desenho interior, pelo som do site real e o nd of the real site and the sound of the gra-
som da paisagem gráfica que constroem phic landscape that build in communion
em comunhão uma espacialidade que a spatiality that the visible experience of
a experiência visível do desenho geral- drawing cannot usually embrace. Drawing
mente não consegue abraçar. O desenho is access and experience, it is a space that
é acesso e experiência, é espaço que an- longs to be tactile and is a gesture, almost
seia ser tátil e é de gesto, quase um dese- a drawing not to be seen, it is time for those
nho para não se ver, é tempo pra quem who allow themselves to be lost in it.
permite perder-se nele. Audio and visual installation. 6h32min
Instalação áudio e visual. Faixa de audio track; graphite in varying dimensions
áudio 6h32min; grafite em dimensões va- on white roll paper
riadas sobre papel branco em rolo. Keywords/Palabras clave/Mots clefs: Drawing,
Palavras-chave: Desenho, Som, Tempo. Sound, Time.
49
1506
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
50
1507
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Solidão V
EmMeio#11
Solitude V
Solidão V (ou Solitude Homem de Vitru- belief in the divine creation. Biology does
vio) faz parte de uma série. Entre todas not attempt to optimize design but relies
as espécies e nós, existe uma lacuna on permutations of extant technology to
aparentemente intransponível que reco- create new products (species), which then
nhecemos ao definir categorias. Somos exploit environmental niches. This work
semelhantes aos chimpanzés e isso foi explores traces of our rise from animal
reconhecido mesmo em uma época de status celebrating interspecies communi-
crença na criação divina. A biologia não cation and collaboration, discovery and
tenta otimizar o design, mas depende consciousness of our fragility and possible
de permutações da tecnologia existente fall. By conceptualizing collaborations with
para criar novos produtos (espécies), que other species, we are forced to question our
depois exploram nichos ambientais. Este self-proclaimed centered position in the
trabalho explora traços de nossa ascen- world, a position that has led to immense
são ao status animal, celebrando a co- destruction of the planet, as manifested by
municação e colaboração entre espécies, pollution, climate change and mass extinc-
a descoberta e a consciência de nossa tion of species.
fragilidade e possível queda. Ao concei-
tuar colaborações com outras espécies,
somos forçados a questionar nossa auto-
-proclamada posição central no mundo,
uma posição que levou à imensa destrui-
ção do planeta, manifestada pela polui-
ção, mudanças climáticas e extinção em
massa de espécies.
Palavras-chave: Escultura, Comuni-
cação entre-especie, Consciência.
51
1508
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
28, 29 e 30…
EmMeio#11
Ah! E, também,
27 do oito de 1988
“28, 29 e 30… Ah! E, também, 27 do oito “28, 29 and 30 ... Oh! And also, 27 of the
de 1988.” é um filme média-metragem eight of 1988. “It’s a half-length film (56
(56 min.), realizado a partir da apropria- min.), made from the appropriation of a
ção de uma found footage. Seu conteú- found footage. Its contentshow fragments
do mostra fragmentos do cotidiano de of the daily life of a family recorded during
uma família registrados durante os dias the days 27, 28, 29 and 30 of August of
27, 28, 29 e 30 de agosto de 1988. Esses 1988. These fragments, in addition to reve-
fragmentos, para além da revelação de aling fragments of familiar intimacy, evoke
estilhaços da intimidade familiar, evocam memories related to the 1980s and the
memórias relacionadas à década de 1980 transition to 1990s, the debate individual
e a transição para a década de 1990, o memory debate x collective memory, the
debate memória individual x memória obsolescence of technologies, the preser-
coletiva, a obsolescência das tecnologias, vation and the whereabouts of the images.
a preservação e o paradeiro das imagens. Keywords: Contemporary art; Autobiogra-
Palavras-chave: Arte contemporânea; Auto- phy; Film; Found footage; Memory.
biografia; Filme; Found footage; Memória.
52
1509
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Biocanon
EmMeio#11
53
1510
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
54
1511
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
55
1512
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
56
1513
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
validar, por meio de imagens, novas reali- de energias e forças vitais que, análogas
dades, novas formas de controle e domi- ao som, operam em nós para além do
nação que hoje, na sociedade em redes, visível e do plano físico, propondo um
do hiperconsumismo, têm sido utilizadas novo olhar para o plano quântico e novas
em larga escala pelo sistema neoliberalis- perspectivas para as relações humanas,
ta, inaugurando a nova fase do capitalis- sociais e questões ambientais, sendo o
mo, o psicocapitalismo. contato com a natureza e culturas tra-
Em contraponto a isso, nesta nova dicionais uma possibilidade para novas
proposta, que é a continuidade de pen- formas de viver o Eu, ou, um reencontro
samento do trabalho fotográfico estático com a natureza.
propomos o uso da tecnologia para ani-
mar as fotografias, criando fluxos gráficos
visíveis e fluxos sonoros invisíveis com in- Dados técnicos
Título: O psicocapitalismo e as transmutações
tuito de compor outro evento estético e
sociais: a necessidade de um reencontro com a
outra forma de interação afetiva e sensi- Natureza
tiva entre a obra artística e o observador. Técnica: Mista. Fotografia digital com dispositivo
Nesse sentindo as animações serão apre- móvel, animação e sonorização em loop
sentadas em um suporte tecnológico Material Utilizado: Tablet 12,9’ polegadas e fone de
ouvido Ano de Execução: 2018/2019
afim de articular o simbólico em um novo
Número de Fotografias: 12 unidades
microssistema sinérgico onde a função Tempo de cada Imagem: 18”
poética revela visualmente as irradiações
57
1514
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Objeto interativo
foco está no reino Plantae (também co-
Rosangella Leote nhecido como Metaphyta). Viridis – “Lux
(UNESP São Paulo/BR) castellum” é uma peça da instalação inte-
rativa “Viridis” que é composta de robôs,
Abstract semiautônomos e de baixa tecnologia,
“Viridis - Lux Castellum”, is one of the five que simulam vidas vegetais translúcidas,
pieces of the art installation “Viridis”, whi- capazes de se movimentar, emitir luzes e
ch composes the main project “Viridium”. sons e que se oferecem ao conjunto sen-
It is an interactive object with sound, light sório do experienciador, mantendo, po-
and movement. The installation was first rém, a tecnologia computacional e mecâ-
assembled at the FACTORS 6.0 Exhibition. nica subjacente, encoberta para o olhar.
It was part of the Biennial SUR (Santa Ma-
ria/RS / Brazil), at UFSM, curated by Nara
Cristina Santos and Mariela Yeregui.
58
1515
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
59
1516
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
60
1517
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
61
1518
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Figura 1 (à esq.): Detalhe da instalação R Scuti – ob-
jeto e adesivos em parede, com gráficos da variação
de magnitude da estrela R Scuti ao longo de um
século. ©Grupo Realidades, 2019
Figura 2 (à dir.): Instalação R Scuti, com projeção dos
padrões cimáticos sobre o teto do local expositivo.
©Grupo Realidades, 2019
62
1519
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Detalhes das
flores de plásticos
com módulo
luminoso
63
1520
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
64
1521
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
65
1522
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
Marés
Marés
EmMeio#11
Videoinstalação
Videoinstalação
ainda, o deslocamento de corpos que nos
Walmeri Ribeiro
Discutindo as et all
relações entre as ainda, o deslocamento de corpos que nos
conduzem à finitude e (in)finitude do Mar.
temporalidades da natureza e da arte, conduzem à finitude e (in)finitude do Mar.
A opção estética, por uma instalação
Discutindo as relações
a videoinstalação Marés entre as tempora-
é resultante de A opção estética, por uma instalação
com quatro horas de duração, se dá com o
lidades da natureza e da
uma ação performativa realizadaarte, a videoins-
na praia com quatro horas de duração, se dá com o
objetivo de confrontar, a partir da imagem
talação Marés é resultante de uma ação
da Requenguela|Ceará|Brasil. objetivo de confrontar, a partir da imagem
digital, a temporalidade natural das marés
performativa realizada
Com 4 (quatro) na de
horas praia da Re-a
duração, digital, a temporalidade natural das marés
à temporalidade da arte e do corpo do
quenguela|Ceará|Brasil.
obra é composta por dois vídeos grava- à temporalidade da arte e do corpo do
espectador neste espaço de fruição, pro-
dos em Com 4 (quatro)
tempo horas
real, das deAM
9:30 duração, a
às 4:30 espectador neste espaço de fruição, pro-
pondo assim um olhar para si mesmo, uma
obra é composta por dois vídeos
PM. Cada vídeo apresenta um ciclo de gravados pondo assim um olhar para si mesmo, uma
reconexão, neste caso, a partir do tempo,
em tempo
maré, real, àdas
da cheia 9:30 AM
rasante e daàs rasante
4:30 PM.à reconexão, neste caso, a partir do tempo,
entre Homem e Meio Ambiente.
Cada
cheia, num movimento contínuo domaré,
vídeo apresenta um ciclo de mar, entre Homem e Meio Ambiente.
da
comcheia
seusàritmos,
rasante e dae rasante
fluxos à cheia,
deslocamentos. Ficha Técnica
num movimento contínuo do da
Frente a temporalidade mar, com
nature- Idealização e montagem: Walmeri Ribeiro
Ficha Técnica
seus ritmos, fluxos e deslocamentos.
za impressa à imagem, acompanhamos, Imagens: Fábio José, Clara Bastos e Walmeri Ribeiro
Idealização e montagem: Walmeri Ribeiro
Frente a temporalidade da nature- Desenho e instalação sonora: Daniel Puig
Imagens: Fábio José, Clara Bastos e Walmeri Ribeiro
za impressa à imagem, acompanhamos, Desenho e instalação sonora: Daniel Puig
66
1523
Obras #18.ART • 2019 • ISSN: 2238-0272
1524