O confeiteiro Custódio precisa reformular a tabuleta de sua confeitaria após a proclamação da República. Ele recebe várias sugestões de nomes, mas nenhum agrada totalmente devido aos riscos políticos. Finalmente, adota o nome "Confeitaria do Custódio" a conselho de seu amigo Aires.
O confeiteiro Custódio precisa reformular a tabuleta de sua confeitaria após a proclamação da República. Ele recebe várias sugestões de nomes, mas nenhum agrada totalmente devido aos riscos políticos. Finalmente, adota o nome "Confeitaria do Custódio" a conselho de seu amigo Aires.
O confeiteiro Custódio precisa reformular a tabuleta de sua confeitaria após a proclamação da República. Ele recebe várias sugestões de nomes, mas nenhum agrada totalmente devido aos riscos políticos. Finalmente, adota o nome "Confeitaria do Custódio" a conselho de seu amigo Aires.
“Na véspera, tendo de ir abaixo, Custódio foi à rua da Assembleia, onde se pintava a tabuleta. Era já tarde; o pintor suspendera o trabalho. Só algumas das letras ficaram pintadas: a palavra Confeitaria e a letra d. (...) Gostou da tinta e da cor, reconciliou-se com a forma, e apenas perdoou a despesa. Recomendou pressa. Queria inaugurar a tabuleta no domingo. Ao acordar de manhã não soube logo do que houvera na cidade, mas pouco a pouco vieram vindo as notícias, viu passar um batalhão, e acreditou que lhe diziam a verdade, os que afirmavam a revolução e vagamente a República. A princípio, no meio do espanto, esqueceu-lhe a tabuleta. Quando se lembrou dela, viu que era preciso sustar a pintura. Escreveu às pressas um bilhete e mandou um caixeiro ao pintor. O bilhete dizia só isto: “Pare no D.” (...) Quando o portador voltou trouxe a notícia de que a tabuleta estava pronta. – Você viu-a pronta? – Vi, patrão. – Tinha escrito o nome antigo? – Tinha, sim, senhor: “Confeitaria do Império”. Custódio enfiou um casaco de alpaca e voou à Rua da Assembleia. Lá estava a tabuleta, por sinal que coberta com um pedaço de chita (...). Levantada a cortina, Custódio leu: “Confeitaria do Império”. Era o nome antigo, o próprio, o célebre (...) – O senhor vai despintar tudo isto, disse ele. – Não entendo. Quer dizer que o senhor paga primeiro a despesa. Depois, pinto outra coisa. – Mas que perde o senhor em substituir a última palavra por outra? A primeira pode ficar, e mesmo o d... Não leu o meu bilhete? – Chegou tarde. – E por que pintou, depois de tão graves acontecimentos? – O senhor tinha pressa, e eu acordei às cinco e meia para servi-lo. Quando me deram as notícias, a tabuleta estava pronta. Não me disse que queria pendurá-la domingo? Tive que pôr muito secante na tinta, e, além da tinta, gastei tempo e trabalho. Custódio quis repudiar a obra, mas o pintor ameaçou de pôr o número da confeitaria e o nome do dono na tabuleta, e expô-la assim, para que os revolucionários lhe fossem quebrar as vidraças do Catete. Não teve remédio senão capitular. Que esperasse; ia pensar na substituição (...) Que nome lhe poria agora? Nisso lembrou-lhe o vizinho Aires e correu a ouvi-lo. (...) Capítulo 43: Tabuleta nova – Mas o que é que há? – perguntou Aires. – A República está proclamada. – Já há governo? – Penso que já (...). Ajude-me a sair deste embaraço. A tabuleta está pronta, o nome todo pintado. – “Confeitaria do Império”, a tinta é viva e bonita. (...)V. Exa . crê que, se ficar “Império”, venham quebrar-me as vidraças? (...) – Mas pode pôr “Confeitaria da República”... – Lembrou-me isso, em caminho, mas também me lembrou que, se daqui a um ou dois meses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje, e perco outra vez o dinheiro. – Tem razão... Sente-se. (...) Aires propôs-lhe um meio-termo, um título que iria com ambas as hipóteses, – “Confeitaria do Governo”. – Tanto serve para um regime como para outro. – Não digo que não, e, a não ser a despesa perdida... Há, porém, uma razão contra. V.Exa . sabe que nenhum governo deixa de ter oposição. As oposições, quando descerem à rua, podem implicar comigo, imaginar que as desafio, e quebrarem-me a tabuleta; entretanto, o que procuro é o respeito de todos. (...) – Olhe, dou-lhe uma ideia, que pode ser aproveitada, e, se não a achar boa, tenho outra à mão, e será a última. Mas eu creio que qualquer uma delas serve. Deixe a tabuleta pintada como está, e à direita, na ponta, por baixo do título, mande escrever estas palavras que explicam tudo: “Fundada em 1860”. Não foi em 1860 que abriu a casa? – Foi, respondeu Custódio. – Pois... Custódio refletia. Não se lhe podia ler sim nem não (...) confessou que a ideia era boa. (...). Entretanto, a outra ideia podia ser igual ou melhor, e quisera comparar as duas. – A outra ideia não tem a vantagem de pôr a data à fundação da casa, tem só a de definir o título, que fica sendo o mesmo, de uma maneira alheia ao regime. Deixe-lhe a palavra império e acrescente-lhe embaixo, ao centro, estas duas... das leis. Olhe, assim, concluiu Aires, sentando-se à secretária, e escrevendo em uma tira de papel o que dizia. Custódio leu, releu e achou que a ideia era útil; sim, não lhe parecia má. Só lhe via um defeito: sendo as letras de baixo menores, podiam não ser lidas tão depressa e claramente como as de cima (...) Daí que algum político ou sequer inimigo pessoal não entendesse logo e... (...) Aires achou outro título, o nome da rua, “Confeitaria do Catete” (...) havendo outra confeitaria na mesma rua, esse título ficava comum às duas casas. (...) Disse-lhe então que o melhor seria pagar a despesa feita e não pôr nada, a não ser que preferisse o seu próprio nome: Confeitaria do Custódio. Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação. Um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimes, e conseguintemente que pusesse em perigo os seus pastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietário e dos empregados. Por que é que não adotava esse alvitre? Gastava alguma coisa com a troca de uma palavra por outra, Custódio em vez de Império, mas as revoluções trazem sempre despesas. – Sim, vou pensar, Excelentíssimo. Talvez convenha esperar um ou dois dias, a ver em que param as modas, disse Custódio agradecendo. Capítulo 49: Tabuleta velha Toda a gente voltou da ilha com o baile na cabeça, muita sonhou com ele, alguma dormiu mal ou nada. Aires foi dos que acordaram tarde; eram onze horas. Ao meio-dia almoçou (...). Fumou, leu, até que resolveu ir à Rua do Ouvidor. Como chegasse à vidraça de uma das janelas da frente, viu à porta da confeitaria uma figura inesperada, o velho Custódio, cheio de melancolia. (...) Aires queria saber o que o entristecia. – Vim para contá-lo a V. Exa . É a tabuleta. – Que tabuleta? (...) – Tanto me aconselharam que fizesse reformar a tabuleta que afinal consenti (...) E sabe V. Exa , o que me disse o pintor? Que a tábua está velha, e precisa de outra; a madeira não aguenta mais tinta. Não pude convencê-lo de pintar na mesma madeira. Mostrou-me que estava rachada e comida de bichos. Pois cá de baixo não se via. Teimei que pintasse assim mesmo; respondeu-me que era artista e não faria obra que se estragasse logo. – Pois reforme tudo. Pintura nova em madeira velha não vale nada. Agora verá que dura pelo resto da nossa vida.
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó (1904). São Paulo: Ática, 1998, p. 91-116 Adaptação: Joelza Ester Domingues