Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Obs.: Esta aula, originalmente, foi ministrada pela professora Patrícia Baptista à turma anterior
em Adm-I (ao final do 1º semestre de 2004), entretanto como se trata de assunto, em parte,
não abordado (ou não transcrito) no final do período (2º semestre de 2004) também em Adm-I,
optei (Sérgio) por acrescentá-la aqui obedecendo ao cronograma da própria professora.
Primeira fase: período da irresponsabilidade estatal, “the king can do no wrong”, ou seja, “o
rei não pode errar”, ou melhor, “o rei nada faz de errado”. Essa era a idéia que vigorava na
época do regime absolutista, a Coroa, o Estado não responde. Então a evolução do regime se
deu a partir de uma irresponsabilidade irrestrita do Estado, ou seja, ele não respondia pelos
seus atos.
Obs.: Tem um filme (se passa no final do século XIX) que conta a história de um menino inglês,
que foi para uma academia militar, e lá ele é acusado de roubo e expulso da escola. Os pais
revoltados com a injustiça, porque o menino não tinha roubado, contratam um ótimo advogado
para processar a Coroa Inglesa. A grande vitória no final do filme não é ganhar a causa e
readmissão do menino na academia, a grande vitória é a admissão de uma ação contra a
Coroa. A questão jurídica toda é a admissibilidade de se demandar contra a Coroa. Com isso
se percebe que o regime inglês, nessa teoria de irresponsabilidade do Estado, tinha uma idéia
mais rígida ainda, a de não se aceitar nem que a Coroa fosse demanda. Só não responde
como também não pode ser demandada. Acaba o filme com a decisão de se aceitar a querela,
para daí decidir o mérito da questão.
Alguns autores acham, e eu também entendo dessa forma que em alguns casos o
Estado ainda responde com base na Teoria Objetiva da Culpa; eu entendo que ainda
remanesce a culpa objetiva como fundamento da responsabilidade pública. A Teoria da Culpa
Objetiva é o meio do caminho entre a antiga Teoria da Culpa Subjetiva (dolo e culpa) e a atual
Teoria do Risco. O Brasil é um país que atualmente possui um dos mais amplos regimes de
responsabilização pública, que é a Teoria do Risco.
Página 1 de 5
Teoria do Risco (Teoria Ultra-objetiva). Segundo esta teoria o Estado responde pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem, artigo 37, parágrafo 6º da Constituição
Federal.
Não interessa se o agente agiu com culpa ou agiu com dolo, não interessa sequer a
ocorrência de ilícito. Não se vai nem perquirir da ilicitude ou licitude do ato praticado pela
Administração. O único elemento para auferir se há responsabilidade pública é o nexo de
causalidade; importa apenas averiguar se houve nexo de causalidade para reconhecer a
responsabilidade do Estado.
Exemplo: Um policial militar num tiroteio com bandidos atinge uma terceira pessoa; a conduta
que ele praticou é lícita, é quase o estrito cumprimento de um dever legal. Mas se a bala que
atingiu a pessoa tiver saído da arma do policial, não há dúvida de que o Estado irá responder.
Para mim no Direito Brasileiro a Teoria da Culpa Objetiva só subsiste nos casos de
responsabilidade omissiva; nos casos de responsabilidade comissiva se aplica a Teoria
do Risco (a ilicitude ou não da conduta do agente público não é relevante) .
Quando há concorrência de culpa da vítima ou culpa de terceiro a responsabilidade
objetiva do Estado é atenuada; quando a culpa for exclusiva da vítima a responsabilidade do
Estado é excluída, porque quebra o nexo causal.
A jurisprudência também reconhece outras duas hipóteses em que se exclui a
responsabilidade do Estado: força maior e caso fortuito. Este último gera alguns problemas.
Há doutrinadores que consideram as duas situações como sinônimos, mas há doutrinadores
que fazem distinção entre força maior e caso fortuito.
Responsabilidade do transportador: o passageiro está viajando em um ônibus e a barra
de direção dele quebra; a empresa tomou todos os cuidados devidos, fez manutenção
corretamente e mesmo assim a barra de direção quebrou. Pode se dizer que foi caso fortuito,
mas a Jurisprudência tende a responsabilizar o transportador em casos como esse. É bom
lembrar que se trata de concessão de serviço público, e os concessionários de serviços
públicos também se enquadram na regra do art. 37, § 6º. Então, eventualmente, ocorrerá
responsabilização mesmo em situações de caso fortuito, mas essa é uma questão ainda muito
polêmica. Há decisões para os dois lados, dizendo que tem responsabilidade e que não tem
responsabilidade.
É importante deixar claro que para haver responsabilização do Estado pela Teoria do
Risco é necessário provar a existência do nexo causal. É necessário demonstrar que a
conduta do agente foi causa eficaz do dano ocorrido. Eu tenho vários casos em que é muito
complicado provar esse nexo causal, principalmente nos casos de erro médico, pois tem
situações que o dano ocorre independente da atuação do médico.
Caso: sujeito está dentro do ônibus, entra um assaltante dispara a arma, o sujeito é
atingido. Ele vai e ajuíza uma ação contra o Estado e contra a transportadora de ônibus
pedindo uma indenização. Essa é uma ação muito comum aqui no Estado, tem jurisprudência
aos montes sobre isso. O resultado da demanda é o seguinte: a) quanto à transportadora a
jurisprudência entende que responde objetivamente, a lei 8987 tem um dispositivo
determinando que o concessionário responda diretamente - ela é permissionária do serviço
público e está abrangida pela regra do art. 37, § 6º - ela tem o dever de transportar com
segurança (contrato de transporte). As concessionárias são obrigadas a indenizar.
Obs. 1: Não significa dizer que os Estados e Municípios nunca possam ser chamados a
responder pelos atos de seus concessionários, permissionários ou delegatários. Só que a regra
é responsabilização direta do concessionário (etc), a responsabilidade do ente que delegou
(Estado) nesses casos é subsidiária. Há quem alegue que existe responsabilidade solidária nos
seguintes casos: a Administração contratou uma empresa pra fazer uma obra para o Estado;
essa obra pública causa um dano. O Estado responde por esse dano de forma direta, se a
vítima do dano quiser acionar o poder público pode fazer isso diretamente.
Página 2 de 5
Obs. 2 : A questão da responsabilidade do Estado por comissão é tranqüila, aplica-se a teoria
do risco, o problema é a questão de responsabilidade por omissão. Nessa matéria há uma
enorme discussão doutrinária e divergência jurisprudencial.
Página 3 de 5
Relendo o artigo 37, § 6°_ “ ...assegurado o direito de regresso contra o responsável,
nos casos de dolo ou culpa” _ observamos que evidentemente que há um interesse da
Administração de investigar se houve dolo ou culpa do agente, para que ela possa ir em
regresso ao agente que praticou o ato. Resumindo: a Administração tem direito de regresso
contra o agente público (em sentido amplo) que praticou um ato com dolo ou culpa.
Discute-se o seguinte: a Administração é obrigada a exercer esse direito de regresso
contra o agente que praticou um ato que lhe gerou o dever de indenizar? Em aceitando exercer
o direito de regresso, qual o meio próprio para isso?
Quanto a obrigatoriedade ou não eu considero que é obrigatório (não é matéria
pacífica). Eu entendo que é obrigatório exercer o direito de regresso pela seguinte razão: a
Administração Pública não pode dispor do interesse público, ele é indisponível. Causado o
prejuízo para a Administração ela tem o dever de ir atrás do responsável por aquele prejuízo .
Então se o agente gerou, por dolo ou culpa, o dever de indenizar para a Administração ela é
obrigada a exercer seu direito de regresso contra esse agente; ao meu ver não é uma
faculdade (poder discricionário) da Administração. Uma outra questão é provar se houve dolo
ou culpa; existem muitas ações de regresso contra policial e médico que o Estado perde
porque os juízes entendem que há uma falha generalizada no serviço (o Estado que não
oferece condições mínimas de trabalho para o servidor; ele age condicionado por essas
circunstâncias precárias) , logo não há como provar o dolo ou culpa.
Como meio para exercer o direito de regresso existe a ação própria, que é a ação de
regresso. Discute-se o cabimento ou não da denunciação da lide prevista no artigo 70 do CPC.
“ ... cabe denunciação da lide contra aquele que por lei ou por contrato, está obrigado a
responder pelo dano causado”, teoricamente o servidor ou agente público que causa o dano
está nessa situação, ele é por lei obrigado a reparar o dano. A jurisprudência brasileira sobre
essa matéria é bastante indefinida, é bem divida; a própria jurisprudência do STJ é dividida,
existem ações que dizem ser cabível e outras não. Teoricamente é caso de denunciação da
lide, sistematicamente ela não é cabível.
Obs.: A denunciação da lide é uma ação de regresso só que dentro do mesmo processo . Nos
casos em que ela é cabível o CPC diz que é obrigatória, se o réu não denunciar a lide perde
seu direito de regresso.
Obs.: Existem casos em que a discussão do processo original já é de culpa, por exemplo: um
casal estava voltando de um jantar pela linha amarela e bateu em um carro. O motorista do
carro era um policial civil. Ele discutiu com o outro motorista, sacou a arma e deu um tiro que
acertou a moça dentro do carro. Ela morreu e os pais ajuizaram uma ação contra o Estado, um
tempo depois o irmão da moça também ajuizou uma ação contra o Estado, com os mesmos
fundamentos. O Estado denunciou a lide nas duas ações. Discutia-se nesse caso se o Estado
responde pela atuação do agente, isso porque a lei fala “os agentes públicos agindo nessa
qualidade”; buscava-se definir o que significa a expressão “agentes públicos agindo nessa
Página 4 de 5
qualidade´”. A tese de defesa do Estado dizia que o policial naquele momento não estava
agindo na qualidade de agente público. Uma dessas ações obteve uma decisão de primeiro
grau que julgou o pedido procedente. O fundamento do juiz é que o policial é policial o tempo
todo; se o sujeito tem a arma porque é policial e porque o Estado deu, então o Estado
responde. É uma exacerbação da responsabilidade do Estado, mas foi o entendimento que o
juiz teve, já que o Estado deu a arma deve responder pelo uso que o agente fizer dela.
Voltando a questão da denunciação, numa dessas ações a denunciação foi julgada
procedente por questão de economia processual. Num caso como esse, em que o policial já
estava respondendo criminalmente, ou seja, a autoria era certa, a questão da culpa do agente
publico já era pré-evidente. Não haveria um aumento da fase probatória desse processo
porque o policial foi preso em flagrante. Esse era um caso em que a denunciação da lide seria
super vantajosa do ponto de vista da economia processual. Tem uma outra linha de raciocínio
que leva a um entendimento totalmente diverso daquele acolhido pelo TJ do Rio. Ao negar a
denunciação da lide você impõem ao servidor o ônus de sofrer os efeitos de uma coisa julgada
num processo em que ele não foi parte. Quando a Administração for exercer a ação de
regresso o servidor vai estar diante de fatos postos, uma indenização já fixada, um dano já
mensurado. Em tese é possível que o servidor prove não ter o dever de indenizar aquele dano
mas na prática é difícil.
Resumindo : essa discussão do cabimento ou não da denunciação da lide é muito
controvertida na jurisprudência do país todo; o TJ é unívoco em dizer que não cabe, o STJ
tende a aceitar como facultativa e assim por diante.
Página 5 de 5