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ALIMENTOS DE

ORIGEM ANIMAL

Lina Sant Anna


Microbiologia de
leite e derivados
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Conhecer os principais microrganismos dos leites e seus derivados.


 Verificar a importância da qualidade microbiológica dos leites e seus
derivados.
 Identificar critérios que asseguram a qualidade higiênico-sanitária e
microbiológica do leite e seus derivados.

Introdução
Entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da
ordenha completa e ininterrupta, em condições de higiene, de vacas
sadias, bem alimentadas e descansadas. O leite de outros animais deve
denominar-se segundo a espécie de que proceda (BRASIL, 2002).
Leites e derivados, por possuírem pH próximo da neutralidade e serem
ricos em água e nutrientes, são alimentos perecíveis, sujeitos à contami-
nação por microrganismos, como os fermentadores de lactose, micror-
ganismos mesófilos, psicrotróficos e patogênicos. Portanto, os cuidados
higiênico-sanitários são essenciais para controlar o crescimento desses
microrganismos nesses alimentos.
A legislação brasileira padroniza a cadeia produtiva de leite e derivados
por meio de leis, decretos, resoluções e normas técnicas, estabelecidos
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Neste capítulo, você vai conhecer os principais microrganismos de
leites e derivados, verificar a importância da qualidade higiênico-sanitária
e microbiológica dos leites e derivados, e identificar os critérios que
asseguram a qualidade microbiológica desses produtos.
2 Microbiologia de leite e derivados

Principais microrganismos de leites e derivados


O leite, por seu alto valor nutricional, pH próximo do neutro e aumento do
teor de água, é um substrato ideal para o desenvolvimento de diversos grupos
de microrganismos, como bactérias, leveduras, fungos, vírus e outros, que
podem provocar alterações no produto final e também causar contaminação.
Vamos discutir cada um deles a seguir.

Bactérias
Entre os microrganismos do leite, os de maior representatividade são as bac-
térias, que são divididas em gram-positivas e gram-negativas.

 Bactérias gram-positivas: incluem as bactérias ácido-lácticas, os micro-


cocos e estafilococos, as bactérias esporuladas e outros representantes
patogênicos.
 Bactérias gram-negativas: compreendem bactérias anaeróbias faculta-
tivas, como Escherichia, Enterobacter, Klebsiella, Salmonella e Shi-
gella, e aeróbias estritas, como Alcaligenes, Pseudomonas, Brucella,
Campylobacter.

Bactérias gram-positivas

As bactérias ácido-lácticas fazem parte da flora que fermenta a lactose,


formando proporções significativas de ácido láctico e de ácido pirúvico. Es-
sas bactérias podem contribuir para a fermentação natural do leite, gerando
produtos como o iogurte e os queijos. Os efeitos benéficos das bactérias ácido-
-lácticas na indústria de laticínios residem principalmente na produção de
grande número de enzimas que transformam os nutrientes fundamentais do
leite e do queijo em compostos com propriedades sensoriais desejáveis. As
bactérias fazem isso por meio de três ações:

 atacam a lactose, produzindo ácido láctico;


 participam das degradações proteicas que acontecem durante os pro-
cessos de maturação;
 produzem compostos aromáticos voláteis a partir do citrato, como dia-
cetil, acetaldeído e acetoína (ORDÓÑEZ, 2005; RESENDE et al., 2011).
Microbiologia de leite e derivados 3

Pertencem a esse grupo os Lactococcus, Lactobacillus, Streptococcus e


Propionibacterium, que serão descritos a seguir:

 Lactococcus: consiste em sete espécies, entre as quais a Lactococcus


lactis spp. é predominante no leite cru, no queijo e em outros produtos
lácteos que não passaram por processo de aquecimento. São utilizados
como culturas iniciadoras para a fabricação do queijo. Além de serem
encontrados naturalmente no leite cru, eles também são adicionados
com frequência ao leite pasteurizado, a fim de facilitar a produção
dos queijos; o seu papel principal nesse processo é a acidificação por
meio da produção de lactato. Também contribuem para a proteólise,
convertendo os aminoácidos em compostos aromáticos.
 Lactobacillus: o gênero Lactobacillus é muito diverso e possui apro-
ximadamente 174 espécies diferentes. É encontrado no leite cru e uti-
lizado para a produção de uma grande variedade de produtos lácteos,
principalmente devido à sua atividade proteolítica e sua habilidade de
produzir componentes aromáticos que contribuem para aumentar a
qualidade do sabor, diminuir a acidez e aumentar o valor nutricional
desses produtos. Os mais utilizados na indústria de laticínios são L.
helveticus, L. delbrueckii ssp. bulgaricus e L. delbrueckii ssp. lactis.
 Streptococcus: apesar de muitos gêneros de Streptococci serem patogê-
nicos, o S. thermophilus é frequentemente isolado de leites e derivados,
incluindo leite cru, culturas e queijos. Essa bactéria é utilizada como
uma cultura iniciadora na produção de produtos lácteos, devido à sua
habilidade de converter a lactose em lactato, reduzindo rapidamente
o pH e produzindo metabólitos como diacetil, acetaldeído e acetato.
Também produzem uma textura mais viscosa em produtos fermentados,
particularmente o iogurte. Em queijos, o S. thermophilus é utilizado
sozinho, em combinação com Lactobacilli, mas em iogurtes ele em
geral é utilizado com o L. bulgaricus.
 Propionibacterium: esse grupo compreende quatro espécies – Propioni-
bacterium freudenreichii, P. acidipropionici, P. jensenii e P. thoenii. A P.
freudenreichii é utilizada para a produção de queijo suíço ou emmental.
Essa bactéria produz bolhas de dióxido de carbono durante a maturação
do queijo, resultando em um produto cheio de furos (QUIGLEY et al.,
2013; VIDEIRA, 2017).

A Figura 1 mostra um exemplo da importância das bactérias ácido-lácticas


na produção de vários derivados do leite.
4 Microbiologia de leite e derivados

Figura 1. Exemplos de derivados de leite produzidos com o auxílio de bactérias ácido-lácticas.


Fonte: Africa Studio/Shutterstock.com.

Os micrococos fazem parte da flora inócua que contamina o leite e, por-


tanto, não afetam a sua conservação. Já os estafilococos provocam fermentação
acidificante da glicose, com diminuição acentuada do pH (até 4,3 e 4,5); a
grande preocupação concentra-se nos estafilococos patogênicos, que são
produtores de enterotoxinas. No caso do leite e seus derivados, o número
de microrganismos patogênicos presentes e as condições adequadas (105 a
107 UFC/g ou ml e temperatura de 37 °C) podem favorecer o crescimento
microbiano e a produção de enterotoxinas estafilocócicas. Ressalta-se que o
microrganismo é termolábil, mas a toxina é termorresistente – mesmo que o
leite seja submetido à pasteurização, ela não será destruída (TRONCO, 2013).

Algumas bactérias produzem enterotoxinas que não são inativadas pelo calor, como
Staphylococcus aureus. Nesse caso, o tratamento térmico elimina o microrganismo,
mas não a toxina excretada no leite antes da pasteurização.
Microbiologia de leite e derivados 5

As bactérias esporuladas possuem uma característica importante de


resistir a tratamentos térmicos elevados. Os dois gêneros de maior interesse
são os Bacillus e os Clostridium. Os membros do gênero Bacillus são aeró-
bios ou facultativos, característica que permite diferenciá-los dos membros
dos gêneros Clostridium e Desulfotomaculum, obrigatoriamente anaeróbios.
Além dessa característica, os microrganismos do gênero Bacillus em geral
são produtores de catalase, diferentemente dos microrganismos do gênero
Sporolactobacillus (LAGO, 2002).
O gênero Clostridium forma-se de bactérias esporuladas anaeróbias estritas.
Os problemas mais sérios estão relacionados com a grande produção de gás
em queijarias ou a produção de algumas toxinas por cepas de Clostridium
perfringens. Outros representantes do grupo gram-positivo são o Coryme-
bacterium e o Brevibacterium (ORDÓNEZ, 2005).

Bactérias gram-negativas

As bactérias gram-negativas compreendem bactérias anaeróbias facultativas


e aeróbias estritas. Entre as gram-negativas anaeróbias facultativas, as ente-
robactérias constituem um dos grupos mais frequentes no leite, fermentando
a lactose. São importantes sob dois pontos de vista:

 Higiênico: diversas espécies são responsáveis por doenças infecciosas


que podem apresentar caráter endêmico, como salmonelose e shigelose.
 Tecnológico: como fermentam os açúcares, formam também gases
e ácidos. Podem produzir também substâncias viscosas ou de sabor
desagradável, acarretando em uma série de problemas tecnológicos,
como fermentações indesejáveis, acidificação, estufamento, etc. Os
gêneros que merecem maior destaque são a Escherichia, Enterobacter,
Klebsiella, Salmonella e Shigella (TRONCO, 2013).

Entre as gram-negativas aeróbias estritas, destacam-se:

 Alcaligenes: comuns em leite cru, não provocam grande modificação,


porque não fermentam os açúcares; portanto, o leite não se coagula,
mas pode tornar-se alcalino;
 Pseudomonas: fazem parte da flora psicrotrófica, e a preocupação de
maior interesse são as enzimas proteolíticas e lipolíticas;
 Brucella: bactérias patogênicas para homens e animais;
6 Microbiologia de leite e derivados

 Campylobacter: causam enterites por meio do consumo de leite cru ou


mal pasteurizado (TRONCO, 2013).

A maioria dos microrganismos patogênicos é destruída pela pasteurização, mas alguns


microrganismos – denominados termodúricos – podem sobreviver a esse processo.
Algumas vezes, a contaminação do leite ocorre também após a pasteurização, por
meio de equipamentos e utensílios que não foram devidamente higienizados, ou de
manipuladores que são portadores de microrganismos patogênicos.

Fungos
Os fungos desempenham um importante papel na indústria de produtos lác-
teos, pois podem promover deterioração ou então desencadear fermentação
e/ou maturação desejáveis aos derivados do leite. Em situações indesejáveis,
esses microrganismos podem estar presentes no leite como contaminantes de
medicamentos para mastite e diluentes de antibióticos, oriundos da água de
lavagem dos equipamentos de ordenha ou, ainda, das mãos do ordenhador
(RUZ-PERES, 2010).
Em situações desejáveis, como na produção de queijos azuis (roquefort,
gorgonzola, Stilton, etc.), contribuem para a maturação, o sabor e o aroma
característicos, sendo o principal o Penicillium roqueforti. Na elaboração de
queijos mofados brancos, como o camembert e o brie, são utilizados Peni-
cillium camemberti, P. caseicolum e P. album. Verifica-se também o fungo
Geotrichum candidum em coalhadas (TRONCO, 2013; VIDEIRA, 2017).
A Figura 2 mostra um exemplo dos queijos azuis e brie produzidos com o
auxílio de fungos.
Microbiologia de leite e derivados 7

Figura 2. Exemplos queijos produzidos com o auxílio de fungos.


Fonte: MaraZe/Shutterstock.com.

Leveduras
Existem diversos gêneros de leveduras relacionados com produtos lácteos. O
gênero Candida caracteriza-se pela sua frequência elevada no leite; porém,
não provoca alterações significativas em sua composição. As espécies Kluwe-
romyces fragilis e K. lactis são capazes de fermentar a lactose com produção
de álcool. No kefir, identificou-se a Torula kefir. As leveduras também podem
constituir a flora pegajosa de queijos que possuem elevado teor de umidade
(TRONCO, 2013).

Importância da qualidade microbiológica dos


leites e derivados
Atualmente, o consumidor busca por alimentos mais saudáveis e por uma dieta
mais adequada. Com isso, há um aumento no consumo de leite e derivados.
Portanto, produtores e comerciantes desses alimentos devem estar cientes da
importância da qualidade microbiológica desses alimentos.
8 Microbiologia de leite e derivados

A qualidade microbiológica do leite possui dois aspectos de enfoque a


considerar: a qualidade industrial e os riscos à saúde do consumidor. Ela
está relacionada com fatores como:

 manejo e alimentação do gado;


 sanidade animal (glândula mamária);
 condições dos equipamentos e utensílios da ordenha;
 água utilizada no estábulo e na higienização dos equipamentos;
 estocagem e resfrio do leite;
 transporte, processamento tecnológico, embalagem e comercialização,
entre outras (BARONI; BATISTA, 2016).

Contaminação do leite
A flora bacteriana do leite pode variar consideravelmente em número e em
espécies, dependendo de como este se contamina. Quando proveniente de
animais sadios, se forem ordenhados de forma asséptica, ele conterá poucos
microrganismos, mas posteriormente pode sofrer contaminação a partir do
ambiente e do homem.
A contaminação do leite pode ocorrer por duas vias: endógena ou exógena.

 Contaminação endógena: ocorre quando o animal apresenta alguma


doença, como tuberculose, brucelose ou mastite. Habitualmente, a
glândula mamária normal contém um número reduzido de bactérias,
que podem penetrar pelo canal do teto; portanto, os primeiros jatos
de leite devem ser desprezados, porque contêm um maior número de
microrganismos. As espécies encontradas em maior proporção, na
saída do úbere dos animais, são os micrococos, estreptococos e bacilos.
 Contaminação exógena: ocorre a partir da saída do leite do úbere. Nesse
caso, a contaminação se dá pelo ambiente na ordenha e pelo beneficia-
mento do leite. A pele da mama é causa frequente de contaminação,
principalmente quanto não se realiza a higienização adequada. O uso
de água não potável pode resultar em prejuízos maiores do que a não
lavagem, pois, muitas vezes, essa água contém bactérias do gênero
Pseudomonas, Aeromonas, Achromobacter ou Alcaligenes. O orde-
nhador pode ser portador de estafilococos ou estreptococos, e a sala
de ordenha pode conter microrganismos esporulados, como bacilos e
clostrídios. Os excrementos dos animais geram microrganismos diversos
e constituem foco importante de enterobactérias, como Escherichia
Microbiologia de leite e derivados 9

coli e outras. Em relação às máquinas e aos utensílios de ordenha, são


fonte de contaminação das mais significativas, geralmente fazendo
parte os microrganismos termorresistentes e os grupos Escherichia e
Enterobacter. A essas fontes de contaminação somam-se aquelas que
podem ocorrer durante o transporte da matéria-prima, o processamento,
a estocagem e a distribuição até o consumidor (TRONCO, 2013).

Alterações de leites e derivados


A indústria de produtos lácteos tem mostrado crescente preocupação com a
presença de bactérias psicrotróficas no leite, devido aos aspectos antitecnoló-
gicos e a prejuízos econômicos causados pelas enzimas produzidas por essas
bactérias. As bactérias psicrotróficas produzem lipases e proteases durante
a refrigeração prolongada do leite, as quais apresentam forte potencial de
degradação sobre a caseína e a gordura (MONTANHINI, 2016).
A consequência da grande termoestabilidade das proteases e lipases cau-
sadas por bactérias psicrotróficas é que elas continuam agindo nos produtos
já elaborados, se as condições de temperatura e armazenamento do produto
forem favoráveis, dando margem à degradação do material proteico e lipí-
dico de leites e derivados que ficam armazenados durantes longos períodos
(ORDÓÑEZ, 2005; FELIX, 2012). As enzimas que provocam alterações no
leite e seus derivados são:

 proteases: atacam principalmente a beta-caseína, resultando no apa-


recimento de sabores amargos e no aumento da viscosidade do leite;
 lipases: atacam principalmente os triglicerídeos, que são o componente
majoritário da gordura, rompendo a ligação éster, com a consequente
liberação de ácidos graxos livres – particularmente ácido butírico – que
podem causar rancidez;
 sacarases: atuam sobre os carboidratos, produzindo ácidos, gases e
álcool (ORDÓÑEZ, 2005).

A formação de gostos e odores desagradáveis resulta da ação de diversos


microrganismos, por alimentação dos animais ou por enfermidade destes.

 Gosto amargo: aparece no leite por proliferação de microrganismos da


mama, como Micrococcus lactis, Micrococcus amaris e Torula amara,
por consumo de forragens contaminadas, por transtornos fisiológicos
10 Microbiologia de leite e derivados

dos animais, com aumento de produção de sulfeto de magnésio no leite,


e por dissolução de ferro dos recipientes por ação do ácido láctico.
 Odor a estábulo: geralmente adquirido em função de ambientes sujos
ou mal ventilados.
 Odor a vegetais: deve-se geralmente a forragens ou ao ambiente. Às
vezes pode ser de origem microbiana, provocada por Pseudomonas
mucidolens.
 Odor a frutas: pode ocorrer devido a Pseudomonas fragi; o odor aro-
mático e alcóolico ocorre por ação de Micrococcus caseolyticus.
 Odor malteado: deve-se ao Bacillus subtilis e ao Lactoccus lactis.
 Odor de ranço: produzido em leites frescos que tenham sido deixados
a uma temperatura de 27 °C, por ação solar.
 Odor e gosto de pescado: deve-se à ação das bactérias que infectam
as mamas, principalmente o Aeromonas hydrophilia, que age sobre a
lecitina, formando colina e trimetilamina.
 Gosto de sabão: em algumas vezes, tem sabor amargo e, em outras,
pode formar espuma ao ser agitado. Produzido pela ação do Bacillus
ou de Pseudomonas, quando se armazena o produto a temperaturas
próximas de 0 °C.

A produção de gás normalmente é acompanhada pela acidificação do


leite e de seus derivados. As principais bactérias destacadas na produção de
gás são os coliformes, Clostridium spp, alguns Bacillus, além das bactérias
propiônicas e heteroláticas. A formação de espuma na superfície do leite, em
seu estado líquido, identifica a visualização da produção de gás (FELIX, 2012).
A coloração anormal pode ser muito perceptível e se origina por ação de
distintas bactérias:

 cor vermelha ou roxa: deve-se aos pigmentos de Serratia marcescens


e Torula glutinis que proliferam no produto;
 cor azul: provocada pelo desenvolvimento de Pseudomonas synianae,
provenientes de infecção no úbere ou levados por moscas ao leite;
 cor verde: ocorre em manteigas, devido à presença de Pseudomonas
fluorescens (FELIX, 2012).
Microbiologia de leite e derivados 11

Classificação do leite
O conteúdo bacteriano do leite é medido a fim de determinar a sua qualidade
microbiológica. Os resultados obtidos das análises fornecem informações úteis,
que refletem as condições sob as quais o produto foi produzido e mantido. As
altas contagens bacterianas nem sempre significam a presença de bactérias
patogênicas; indicam, porém, uma contaminação excessiva ou uma refrigeração
inadequada, ou, ainda, condições de armazenamento imperfeitas.
No Brasil, com o objetivo de melhorar a qualidade do leite, o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a instrução
normativa 51 (IN 51), que regulamenta normas para a qualidade do leite e de
seus derivados, bem como a produção, a identidade e a qualidade de leites
tipo A, B, C, pasteurizado e cru refrigerado, além de regulamentar a coleta
de leite cru refrigerado e seu transporte a granel (SANTOS, 2010).

Leite pasteurizado tipo A

De acordo com a Instrução Normativa nº 51, de 18 de setembro de 2002, o leite


tipo A deve ser produzido, beneficiado (pasteurizado) e envasado em estabe-
lecimento denominado granja leiteira (BRASIL, 2002). Imediatamente após
a pasteurização, o produto assim processado deve apresentar teste qualitativo
negativo para fosfatase alcalina, teste positivo para peroxidase e enumeração
de coliformes a 30/35 °C menor do que 0,3 NMP/ml da amostra. De acordo
com o teor de gordura, será denominado como: a) leite pasteurizado tipo A
integral; b) leite pasteurizado tipo A semidesnatado; c) leite pasteurizado tipo
A desnatado. O processo chamado de homogeneização – por meio do qual a
gordura do leite é uniformemente distribuída, evitando a formação da nata
e a separação da gordura – deve ser informado, caso o produto tenha sido
submetido a ele. O Quadro 1 demonstra as características do leite pasteurizado
tipo A, em relação à gordura e aos aspectos microbiológicos.
12 Microbiologia de leite e derivados

Quadro 1. Características do leite pasteurizado tipo A em relação à gordura e aos aspec-


tos microbiológicos.

Semidesnatado
Padronizado

Desnatado

Método de
Requisitos

Integral

análise
Gordura, Teor 3,0 0,6 a 2,9 máx. 0,5 IDF 1 C: 1987
(g/100 g) original

Acidez, (g 0,14 a 0,18 para todas as variedades LANARA/


ácido láctico / MA, 1981
100 ml)

Estabilidade Estável para todas as variedades CLA/DDA/


ao Alizarol MA
72 % (v/ v)

Sólidos não Mín. de 8,4* IDF 21 B:


gordurosos 1987
(g/100 g)

Índice -0,530 oH (-0,512 °C) IDF 108


crioscópico A:1969
máximo

Índice de Mín. 37º Zeiss CLA/DDA/


refração do soro SDA/MAPA
cúprico a 20 °C

(Continua)
Microbiologia de leite e derivados 13

(Continuação)

Quadro 1. Características do leite pasteurizado tipo A em relação à gordura e aos aspec-


tos microbiológicos.

Testes Negativa LANARA/


enzimáticos: Positiva MA, 1981
- prova de LANARA/
fosfatase alcalina MA, 1981
- prova de
peroxidase

Contagem n = 5; c = 2; m = 5,0 x 102; M = 1,0 x 103 S.D.A/


padrão em MA, 1993
placas (UFC/
ml)**

Coliformes n = 5; c = 0; m < 1 S.D.A/


– NMP/ml MA, 1993
(30/35 °C)**

Coliformes n = 5; c = 0; m = ausência S.D.A/


– NMP/ml MA, 1993
(45 °C)**

Salmonella n = 5; c = 0; m = ausência S.D.A/


spp/25 ml** MA, 1993
* Teor mínimo de SNG, com base no leite integral. Para os demais teores de gordura, esse valor deve ser
corrigido pela seguinte fórmula: SNG = 8,652 – (0,084 x G) (onde SNG = Sólidos Não Gordurosos, g/100
g; G = Gordura, g/100 g).
** Padrões microbiológicos a serem observados até a saída do estabelecimento industrial produtor.

Fonte: adaptada de Lineicons freebird/Shutterstock.com e Brasil (2002).


14 Microbiologia de leite e derivados

Leite pasteurizado tipo B

O produto definido pela Instrução Normativa nº 51, de 18 de setembro de 2002,


é aquele submetido à temperatura de 72 a 75 °C durante 15 a 20 segundos,
exclusivamente em equipamento de pasteurização a placas, dotado de painel
de controle com termorregistrador computadorizado ou de disco e termorre-
gulador automáticos, válvula automática de desvio de fluxo, termômetros e
torneiras de prova. Após, segue-se o resfriamento imediato em equipamento
a placas até temperatura igual ou inferior a 4 °C e envase no menor prazo
possível, sob condições que minimizem contaminações. O Quadro 2 demonstra
as características do leite pasteurizado tipo B, em relação à gordura e aos
aspectos microbiológicos.

Quadro 2. Características do leite pasteurizado tipo B em relação à gordura e aos aspec-


tos microbiológicos.
Semidesnatado
Padronizado

Desnatado

Método de
Requisitos

Integral

análise

Gordura, Teor 3,0 0,6 a 2,9 máx. 0,5 IDF 1 C: 1987


(g/100 g) original

Acidez, (g 0,14 a 0,18 para todas as variedades LANARA/


ácido láctico / MA, 1981
100 ml)

(Continua)
Microbiologia de leite e derivados 15

(Continuação)

Quadro 2. Características do leite pasteurizado tipo B em relação à gordura e aos aspec-


tos microbiológicos.

Estabilidade Estável para todas as variedades CLA/DDA/


ao Alizarol MA
72 % (v/ v)

Sólidos não Mínimo de 8,4* IDF 21 B:


gordurosos 1987
(g/100 g)

Índice -0,530 oH (-0,512 °C) IDF 108


crioscópico A:1969
máximo

Índice de Mínimo de 37° Zeiss CLA/DDA/


refração do soro SDA/MAPA
cúprico a 20 °C

Testes
enzimáticos: Negativa LANARA/
- prova de Positiva MA, 1981
fosfatase alcalina LANARA/
- prova de MA, 1981
peroxidase

Contagem n = 5; c = 2; m = 4,0 x 104; M = 8,0 x 104 S.D.A/


padrão em MA, 1993
placas (UFC/
ml)**

Coliformes n = 5; c = 2; m = 2; M = 5 S.D.A/
– NMP/ml MA, 1993
(30/35 °C)**

Coliformes n = 5; c = 1; m = 1; M = 2 S.D.A/
– NMP/ml MA, 1993
(45 °C)**

Salmonella n = 5; c = 0; m = ausência S.D.A/


spp/25 ml** MA, 1993
* Teor mínimo de SNG, com base no leite integral. Para os demais teores de gordura, esse valor deverá ser
corrigido pela seguinte fórmula: SNG = 8,652 – (0,084 x G) (onde SNG = Sólidos Não Gordurosos, g/100
g; G = Gordura, g/100 g)
** Padrões microbiológicos a serem observados até a saída do estabelecimento industrial produtor.

Fonte: adaptada de Lineicons freebird/Shutterstock.com e Brasil (2002).


16 Microbiologia de leite e derivados

Leite pasteurizado tipo C

Segundo a Instrução Normativa nº 51, de 18 de setembro de 2002, entende-se


por leite pasteurizado tipo C o produto classificado quanto ao teor de gordura
como integral, padronizado a 3% m/m, semidesnatado ou desnatado, submetido
à temperatura de 72 a 75 °C durante 15 a 20 segundos, em equipamento de
pasteurização a placas, dotado de painel de controle com termorregistra-
dor e termorregulador automáticos, válvula automática de desvio de fluxo,
termômetros e torneiras de prova. Após, segue-se o resfriamento imediato
em aparelhagem a placas até temperatura igual ou inferior a 4 °C e envase
no menor prazo possível, sob condições que minimizem contaminações. O
Quadro 3 demonstra as características do leite pasteurizado tipo C em relação
à gordura e aos aspectos microbiológicos.

Quadro 3. Características do leite pasteurizado tipo C em relação à gordura e aos aspec-


tos microbiológicos.
Semidesnatado
Padronizado

Desnatado

Método de
Requisitos

Integral

Análise

Gordura, Teor 3,0 0,6 a 2,9 máx. 0,5 IDF 1 C: 1987


(g/100 g) original

Acidez, (g 0,14 a 0,18 para todas as variedades LANARA/


ácido láctico / MA, 1981
100 ml)

(Continua)
Microbiologia de leite e derivados 17

(Continuação)

Quadro 3. Características do leite pasteurizado tipo C em relação à gordura e aos aspec-


tos microbiológicos.

Estabilidade Estável para todas as variedades CLA/DDA/


ao Alizarol MA
72 % (v/ v)

Sólidos não Mínimo de 8,4* IDF 21 B:


gordurosos 1987
(g/100 g)

Índice -0,530 oH (-0,512 °C) IDF 108


crioscópico A: 1969
máximo

Índice de Mínimo de 37 °C Zeiss CLA/DDA/


refração do soro SDA/MAPA
cúprico a 20 °C

Contagem n = 5; c = 2; m = 1,0 x 105 S.D.A/


padrão em M = 3,0 x 105 MA, 1993
placas (UFC/ml)

Coliformes, n = 5; c = 2; m = 2 S.D.A/
NMP/ml M=4 MA, 1993
(30/35 °C)

Coliformes, n = 5; c = 1; m = 1 S.D.A/
NMP/ml (45 °C) M=2 MA, 1993

Salmonella n = 5; c = 0; m = ausência S.D.A/


spp/25 ml MA, 1993
* Teor mínimo de SNG, com base no leite integral. Para os demais teores de gordura, esse valor deve ser
corrigido pela seguinte fórmula: SNG = 8,652 – (0,084 x G) (onde SNG = Sólidos Não Gordurosos, g/100
g; G = Gordura, g/100 g).

Fonte: adaptada de Lineicons freebird/Shutterstock.com e Brasil (2002).


18 Microbiologia de leite e derivados

Critérios que asseguram a qualidade


higiênico-sanitária e microbiológica do
leite e derivados
Mesmo com todas as precauções para evitar a contaminação do leite, é impossí-
vel excluir completamente as bactérias do leite fresco. Além disso, como já visto
anteriormente, o leite é um excelente meio de cultura para o crescimento de
bactérias, por possuir todos os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento.
A menos que ele não seja resfriado até 4 °C logo após a ordenha, rapidamente
ocorre sua deterioração microbiana, pois, à temperatura de 37 °C, as bactérias
lácticas crescem com muita rapidez (OLIVEIRA, 2009).
A qualidade do leite é muito importante para as indústrias e os produtores,
tendo impactos diretos tanto na produção de derivados, quanto na segurança
alimentar da população. O uso humano e industrial do leite requer sua obtenção
de forma higiênica, de forma a evitar a contaminação microbiana e a atividade
enzimática, que levariam ao comprometimento de seu emprego para os mais
diversos fins (OLIVEIRA, 2009; RODRIGUES et al., 2013).
A má qualidade do leite cru está relacionada a fatores como deficiências
no manejo e na higiene da ordenha, índices elevados de mastite, manutenção
e desinfecção inadequadas dos equipamentos e refrigeração ineficiente. Se
não forem tomados certos cuidados na propriedade leiteira, algumas bactérias
podem estar presentes no leite, causando doenças em humanos que o con-
sumirem. Esse tipo de contaminação pode ocorrer como resultado da falta
de higiene no processo de ordenha, além de contaminação a partir do ar, dos
pelos do animal, da silagem e das fezes (CERVA, 2013).
Um dos primeiros passos na obtenção de um leite com qualidade é a ordenha
higiênica e a limpeza dos utensílios utilizados nela, que pode ser manual ou
mecânica. A ordenha higiênica deve ser feita da seguinte maneira:

 Deve-se ordenhar somente animais sadios, uma vez que animais doentes
transmitem microrganismos presentes no seu sangue para o leite. No caso
de doenças ou infecção do úbere, mesmo o leite obtido higienicamente
pode conter microrganismos prejudiciais à saúde humana.
 Eliminar os primeiros jatos de leite de cada teto faz com que a maioria
dos microrganismos presentes no úbere não contaminem o leite. Além
disso, é com os primeiros jatos que podemos observar, por meio da
utilização da caneca de fundo preto, a formação de grumos e a presença
de pus, que indicam a existência de mastite.
Microbiologia de leite e derivados 19

 O ordenhador deve ser saudável, ter roupas e mãos limpas, para não
contaminar o leite. Também não deve tossir, espirrar ou conversar no
momento na ordenha, nem sobre os utensílios que entram em contato
com o leite.
 O estábulo deve estar localizado longe de estradas. O piso deve ser
preferencialmente cimentado, a fim de facilitar a limpeza, e as paredes
devem permitir a sua lavagem. O estábulo deve ser provido de cobertura,
e a água deve ser tratada com solução clorada para enxágue e lavagem
dos utensílios e dos tetos.
 Na ordenha manual, a maior parte das impurezas encontradas no leite
vêm do animal que está sendo ordenhado. A melhor maneira de reduzir
a contaminação que ocorre por meio do animal é a utilização de balde
semiaberto. Além disso, deve-se buscar manter os pelos dos flancos
e do úbere aparados e a cauda contida durante a ordenha. O teto deve
ser limpo com água clorada ou com solução contendo 12 a 25 ppm de
iodo ou água sanitária, e seco com papel toalha (um para cada teto).
 Usar coador de boca no latão evita a entrada de impurezas, insetos e
dejetos dos animais durante a ordenha.
 Após o término da ordenha, os tetos devem ser imersos em solução
desinfetante, como solução de iodo contendo 12 a 25 ppm, e as vacas
devem ser mantidas em pé por pelo menos 30 minutos após a ordenha
(BRITO, 2009).

A ordenha mecânica é efetuada em máquinas especiais, denominadas


ordenhadeiras, as quais são dotadas de quatro tubos metálicos revestidos
internamente por borracha e acoplados a um reservatório sob vácuo. Os tubos
massageiam os tetos dos animais sob ação de pressão atmosférica, e o leite é
conduzido com o auxílio de vácuo através de tubos coletores até o tanque de
depósito. Todo o sistema deve ser higienizado de forma rigorosa, lavando-se
com água clorada e esterilizando-se com sanificante e água quente, previa-
mente à colheita do leite (OLIVEIRA, 2009). Na Figura 3, vê-se um exemplo
de ordenhadeira mecânica.
20 Microbiologia de leite e derivados

Figura 3. Exemplos de ordenhadeira mecânica.


Fonte: Hennadii H/Shutterstock.com.

Refrigeração do leite
Após a ordenha, o tempo gasto para a refrigeração do leite deve ser de, no
máximo, três horas. Nesse período estão incluídos o transporte do leite da
propriedade até o tanque – no caso de tanques comunitários – e o tempo que
o tanque gasta para baixar a temperatura do leite até os 7 ou 4 °C. A Instrução
Normativa nº 51 de 2002 estabelece que o leite deve atingir a temperatura de
4 °C quando estocado em tanques refrigeradores por expansão direta, e a 7
°C quando mantido em tanques refrigeradores por imersão em água gelada,
chegando a essa temperatura em, no máximo, três horas após a ordenha. O
armazenamento do leite cru em temperatura de até 4 °C reduz a taxa de mul-
tiplicação de microrganismos, embora não a impeça completamente (CERVA,
2013).

Recepção do leite
Na etapa de recepção, o leite de animais doentes e aquele que contém anti-
biótico ou sedimentos não devem ser aceitos pelo laticínio. Mesmo traços de
antibióticos no leite podem torná-lo inadequado para o processamento, em
especial se o leite for destinado ao uso em produtos derivados, fabricados
por fermentação láctica, como iogurtes e queijos. Nessa etapa, são realizados
Microbiologia de leite e derivados 21

vários testes de controle de qualidade. Os testes mais comuns realizados são


os seguintes:

 determinação de acidez;
 determinação de densidade;
 avaliação da temperatura;
 determinação do teor de gordura;
 determinação do extrato seco total;
 determinação do teor de gordura, sólidos totais e conteúdo de proteína
total;
 determinação do ponto de congelamento;
 contagem total de bactérias;
 contagem das células somáticas (OLIVEIRA, 2009).

Em circunstâncias especiais, também se analisa a presença de substâncias


estranhas, como amido, sacarose, cloretos, pus e sangue, além de conser-
vadores, como bicarbonato de sódio, formol, água oxigenada, antibióticos,
pesticidas, entre outros (OLIVEIRA, 2009).

Armazenamento do leite
Na etapa de armazenamento, o leite cru integral é armazenado em grandes
tanques alocados na área externa do estabelecimento, que são construídos em
aço inoxidável e possuem parede dupla para proteção térmica. Os tanques são
equipados com sistema de agitação lenta, para evitar a separação do creme pela
gravidade. Em regra, a temperatura do leite ao chegar no laticínio aumenta
ligeiramente, devido ao transporte. Portanto, antes de ser conduzido ao tanque,
o leite é resfriado a uma temperatura inferior a 4 °C, em um trocador de calor
a placas (OLIVEIRA, 2009).

Pasteurização do leite
A etapa de pasteurização é a mais importante do beneficiamento do leite.
Ela tem como objetivo destruir totalmente a flora microbiana, sem alteração
da constituição física e química do leite e sem prejuízo de seus nutrientes,
assim como de suas propriedades organolépticas normais (OLIVEIRA, 2009;
TRONCO, 2013).
No Brasil, a pasteurização deve ser aplicada ao leite cru, quando este for
destinado ao consumo humano direto na forma fluida. Elimina os microrga-
22 Microbiologia de leite e derivados

nismos patogênicos não esporulados e reduz significativamente a microbiota


deteriorante de baixa resistência térmica do leite, garantindo a segurança do
consumidor e a conservação das suas características sensoriais e nutricionais.
Para o leite, os binômios tempo/temperatura aplicados hoje são eficientes
para garantir que os patógenos não esporulados mais termorresistentes, como
Mycobacterium tuberculosis, Listeria monocytogenes e a Coxiella burnetti,
sejam eliminados do produto pasteurizado. Após a pasteurização, o leite deve
ser resfriado com o objetivo de inibir a multiplicação dos microrganismos
sobreviventes (SANTANA, 2015).

No Brasil, a pasteurização é obrigatória para todo leite. Os derivados de leite devem


ser fabricados a partir do leite pasteurizado.

A pasteurização do leite pode ser realizada por meio de dois processos:

 Pasteurização rápida ou HTST (High Temperature, Short Time): refere-


-se a um tratamento térmico na faixa de temperatura de 72 a 75 °C,
durante 15 a 20 segundos, em equipamento de pasteurização a placas
com termorregistrador e termorregulador automáticos, válvula auto-
mática de desvio de fluxo e termômetros e torneiras de prova. Por esse
espaço circula leite, vapor, água quente ou fria; o leite circula em fluxo
contínuo. Após o aquecimento, o leite segue com resfriamento imediato
por placas até uma temperatura igual ou inferior a 4 °C, e envase em
circuito fechado, no menor prazo possível.
 Pasteurização lenta ou LTLT (Low Temperature, Long Time): nesse
processo, utilizam-se temperaturas de 62,7–63 °C a 65 °C, durante
30 minutos. Em geral, pode ser efetuada em tanques com camisa de
vapor, onde, logo após o tratamento, circule água fria e gelada, para
posterior resfriamento. A legislação brasileira não permite esse método
para o beneficiamento do leite para consumo, ficando este restrito à
produção de derivados lácteos. A vantagem desse sistema é que con-
serva as propriedades do leite o mais próximas possível do seu estado
in natura; contudo, por se tratar de um processo descontínuo, requer
Microbiologia de leite e derivados 23

tempo, grande quantidade de calor e frio, além de muito espaço para


seus equipamentos (TRONCO, 2013; SANTANA, 2015).

Esterilização do leite
O objetivo de qualquer tratamento esterilizante é a destruição dos microrga-
nismos presentes, esporulados ou não – ou pelo menos de todos aqueles que
possam se proliferar no produto final. Com isso, busca-se obter um produto
microbiologicamente estável, a fim de que seja possível armazená-lo a tempe-
ratura ambiente por um longo período de tempo (ORDÓÑEZ, 2005).
A esterilização realizada pelo processo conhecido como UHT (Ultra High
Temperature) consiste na conservação de alimentos líquidos por meio de uma
breve e intensa exposição a um aquecimento adequado. No caso dos leites,
estes são homogeneizados, aquecidos a 135-150 °C, durante 2 a 4 segundos,
por um processo térmico de fluxo contínuo, e imediatamente resfriados e
envasados em condições assépticas, em embalagens esterilizadas, as quais
se fecham hermeticamente. Esse é o leite comumente denominado longa vida
(TRONCO, 2013).

Etapas operacionais para a produção de derivados do


leite
A industrialização do leite é considerada como a etapa na qual se eliminam
contaminações, por meio da eliminação de sujidades (por filtração e centrifu-
gação) e de microrganismos (por processamento térmico). Isso proporcionará
condições adequadas para o seu consumo, bem como para o seu processamento
para obtenção de derivados (NOAL, 2006). O fluxo do processamento para
o envase do leite fluído ou para o processamento de derivados encontra-se
na Figura 4.
24 Microbiologia de leite e derivados

Recepção

Análise

Filtração

Armazenamento

Padronização

Pasteurização

Leite fluído Derivados

Armazenamento

Distribuição

Figura 4. Fluxo do processamento para envase do leite fluído ou para o processamento


de derivados.
Fonte: Foschiera (2004).

A Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001,


estabelece o Regulamento Técnico sobre os Padrões Microbiológicos para
Alimentos (BRASIL, 2001). Em relação aos derivados lácteos, determina a
pesquisa dos agentes e a tolerância para amostra indicativa conforme disposto
no Quadro 4.
Microbiologia de leite e derivados 25

Quadro 4. Pesquisa de microrganismo e tolerância para amostra indicativa de derivados


de leite.

Tolerância
Pesquisa a ser
Tipo de derivado para amostra
realizada
indicativa

Queijo de baixa umidade: Coliformes a 45 °C/g 5 x 102


< 36% (parmesão, reggianto, Estaf. coag. positiva/g 103
Sbrinz e similares, exceção dos Salmonella sp/25 g Aus
queijos ralados e em pó)

Queijo de média umidade: 36% Coliformes a 45 °C/g 103


< umid < 46% (danbo, pategrás Estaf. coag. positiva/g 103
sandwich, prato, tandil, tilsit, tybo, Salmonella sp/25 g Aus
muçarela curado e similares, L.monocytogenes/25 g Aus
e queijo ralado e em pó)

Queijo de alta umidade: 46% Coliformes a 45 °C/g 5 x 103


< umid 55%, exceção dos Estaf. coag. positiva/g 103
queijos quatriolo, cremoso, Salmonella sp/25 g Aus
criolo e de coalho; de muita L.monocytogenes/25 g Aus
alta umidade: umid > 55%, com
bactérias lácteas abundantes
e viáveis, incluído o minas
frescal correspondente

Manteiga, gordura láctea Coliformes a 45 °C/g 102


(gordura anidra de leite ou Estaf. coag. positiva/g 102
butter-oil), creme de Salmonella sp /25 g Aus
leite pasteurizado

Doce de leite, com ou Coliformes a 45 °C/g 5 x 102


sem adições, exceto os Estaf. coag. positiva/g 102
acondicionados em embalagem Salmonella sp /25 g Aus
hermética ou a granel

Leite fermentado, com ou Coliformes a 45 °C/g 10


sem adições, refrigerado, e
com bactérias lácticas viáveis
nos números mínimos

Bebida láctea fermentada Coliformes a 45 °C/ml 10

Fonte: Brasil (2001).


26 Microbiologia de leite e derivados

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Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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