Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Iza Monografia 2º Módulo Versão Final
Iza Monografia 2º Módulo Versão Final
Anelise Arnold
Gabriela Regina Silva Aguiar
Izabella Kasakvicius
Jessica Ishikawa
Marina Quintana
Silvana Ferreira
Thaís Araujo de Castro
São Paulo
2019
I – INTRODUÇÃO
Sem dúvida, dentre os assuntos que mais provocam debates situam-se aqueles
referentes à reprodução humana, em vista do forte componente religioso, moral e ético
que envolve a questão.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 1992 a Resolução CFM
nº 1.358/1992 com o objetivo de adotar normas éticas para utilização das técnicas de
Reprodução Assistida (TRA). Essa Resolução foi atualizada em 2010 (CFM nº
1.957/2010), em 2013 (CFM Nº 2.013/13) e teve sua última atualização 2015 (CFM nº
2.121/2015).
Em 1978, nasceu na Inglaterra, Louise Brown, o primeiro bebê gerado
através do procedimento de fertilização in vitro (FIV), tendo sido importante marco para
o surgimento de uma nova área na medicina chamado hoje de Reprodução Humana
Assistida.
Atualmente, são consideradas Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) todos os
procedimentos clínicos e laboratoriais que visam a obter uma gestação, substituindo ou
facilitando etapas deficientes do processo reprodutivo natural. No Brasil, o primeiro
bebê gerado por FIV data de 1984, após várias tentativas malsucedidas em anos
anteriores.
O que mais se debate hoje é a questão da criopreservação, se é possível a
doação o descarte, ou até mesmo a doação de cessão de útero e a sexagem embrionária.
No Brasil, já existiram diversos projetos de lei na tentativa de
regulamentar a reprodução assistida. O primeiro foi proposto em 1993, o segundo em
1997 e o terceiro em 1999, contudo, nenhum desses projetos conseguiu aprovação.
Atualmente, existem cinco projetos de lei para regulamentação da reprodução assistida
(PL 1135/2003; PL 1184/2003; PL 2061/2003, PL 4892/2012, PL-115/2015). Todos
estão tramitando na Câmara dos Deputados.
Na falta de uma regulamentação legislativa, o Conselho Federal de
Medicina (CFM) publicou em 1992 a resolução CFM nº 1.358/1992 com o objetivo de
adotar normas éticas para utilização das TRA. Esta resolução foi atualizada em 2010
(CFM nº 1.957/2010), em 2013 (CFM Nº 2.013/13), em 2015 (CFM nº 2.121/2015), e
teve sua última atualização em 2017 (CFM Nº 2.168/2017) sempre revogando a
anterior.
III – NATUREZA JURÍDICA DA CESSÃO DE ÚTERO
2
3.3. Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero (que receberá o
embrião em seu útero), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança.
Tem-se, portanto, um contrato atípico, plurilateral, não oneroso
(gratuito/benéfico), personalíssimos, de risco e solene.
A simples classificação contratual não é suficiente para dirimir litígios
que possam advir dessa técnica de reprodução assistida.
Considerando que a legislação não trata sobre os meios de solucionar os
conflitos que advenham dessa contratação, em especial os que se relacionam a
insegurança jurídica quanto a parentalidade, têm-se uma situação atípica, não
regulamentada, mas que não pode ser ignorada.
Dada a relevância dos interesses jurídicos envolvidos, será necessário
aplicar os valores e princípios fundamentais de direito, bem como os de contratos,
família, proteção do nascituro e da criança, combinados como um todos, pois cada uma
em sua individualidade é incapaz de atingir o cerne do problema, sendo necessária sua
conjugação para tomada da melhor decisão.
Nas palavras de Pedro Henrique Amaducci Fernandes dos Santos,
Caroline Melchiades Salvadego Guimarães de Souza Lima, Roberto Wagner Marquesi
(2018, p. 254):
“Assim, o paradigma da situação jurídica equipara-se a reprodução assistida por
meio da cessão de útero, ou seja, por proteger os interesses juridicamente
relevantes que não possuem legislação prevista, podendo, portanto, ser
englobada mediante valores e princípios fundamentais, previstos em cláusulas
gerais, isto é, necessária se faz uma averiguação axiológica do ordenamento, a
fim de abarcar as situações decorrentes da sociedade pré-moderna.
Ressalta-se que, em função dos acontecimentos contemporâneos não
respaldados pelo direito objetivo é que a doutrina introduziu o conceito de
direito subjetivo, cuja finalidade é proteger os interesses de cunho
personalíssimo, como o caso em questão.
Nesse sentido é que a reprodução assistida por meio da cessão de útero deve ser
aludida não com base na estrutura da relação jurídica, mas sim do paradigma da
situação jurídica, para, nesta perspectiva, o intérprete da lei ser capaz de
compreender no caso concreto os direitos fundamentais envolvidos, tais como o
direito à vida, liberdade, saúde, planejamento familiar, entre outros previstos no
ordenamento jurídico, e assim ser possível tutelá-los de forma justa em razão da
complexidade das relações interpessoais presentes na sociedade
contemporânea”.
3
DIAS, Maria Berenice Dias. Filhos do Afeto – Questões Jurídicas. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 45.
reconhecimento do vínculo socioafetivo da criança com a cessionária se presentes os
requisitos da posse do estado de filho.
O evoluir da sociedade permitiu a relativização da biologicidade, a qual não
mais traduz a gama de sentimentos e relações que realmente formam uma família.
Como decorrência disso, o parâmetro predominante passou a ser o afeto, que mais que
um critério abstrato, soluciona impasses a partir da possibilidade de coexistência entre
vínculos biológicos e socioafetivos.
Como sobredito, o caso concreto deve ser analisado a luz do desejo e
sentimento da cedente, se deseja ou não exercer de fato a maternidade, mas os direitos-
deveres decorrentes do nascimento de um filho de seu próprio útero, em que pese que
seja para outra pessoa, não poderão ser renunciados.
Em virtude da insustentabilidade e insegurança dos sentimentos, podendo
no caso da gestação serem desenvolvidos por 9 (nove) meses, o reconhecimento da
dupla maternidade da criança fruto de cessão de útero é realidade que gera inconteste
efeitos jurídicos e que por ser expressão do direito da dignidade da pessoa humana, do
melhor interesse da criança e da convivência familiar, constitui dever constitucional do
Estado chancelar tal situação assegurando o direito à identidade da criança.
À vista do exposto, seguramente se afirma que o poder familiar da cedente é
irrenunciável e insuscetível de transação pelo contrato de cessão de útero, mas muito
embora tenha sido manifestado o desinteresse no exercício de tal poder quando da
cessão, caso o desejo de exercer os direitos-deveres inerentes a maternidade venha a se
manifestar futuramente, nada a impede de tanto. Por outro lado, a cessionária é
agasalhada pelo reconhecimento socioafetivo, realidade tão presente no cotidiano
brasileiro e que, frente a inquestionável produção de efeitos jurídicas, foi disciplinado
pelo Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça, alterado pelo Provimento nº 83
de 14 de agosto de 2019.
ESTADO
4
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
artigos 1º, III e 5º, III da Constituição Federal e no Código Penal, quando o legislador
tipifica os crimes de homicídio (CP, art. 121) e de lesão corporal (CP, art. 129), ou a Lei
dos Transplantes.
Um dos contrapontos ao direito de preservação do próprio corpo é o
princípio da autonomia de vontade, pois muito embora se assegure a liberdade de
decidir sobre o que fazer ou não com a integridade física, o Estado, através da edição de
leis, impõe certas limitações a esse direito.
No panorama atual muito se discute sobre a ética dos procedimentos
realizados no campo da biotecnologia em razão da inconteste preocupação em evitar
que os seres humanos sejam objetificados, consoante a doutrina de Roberto Senise
Lisboa5:
5
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. teoria geral do direito civil. 6a . ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, vol. 1.
atividade cerebral do indivíduo, consoante a exegese do artigo 14 do Código Civil, é
permitida a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, condicionada,
contudo, ao fim científico ou altruístico.
Ademais, salienta-se ainda que a conduta médica deve ser condizente
com o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, o qual abarca dentre as suas
facetas o respeito a vontade do paciente a submeter-se a intervenção cirúrgica ou
tratamento médico.
Nessa toada, nos termos do artigo 15 do diploma civilista, veda-se
expressamente o constrangimento a tais intervenções quando existir risco de vida ao
paciente, de modo que esse deve estar ciente de todos os males e benefícios que o
procedimento ou tratamento venha a lhe causar.
De rigor mencionar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, alterando
drasticamente a teoria das incapacidades, igualmente predispôs no artigo 11 a
imprescindibilidade do consentimento do indivíduo para a realização de tratamento,
procedimento, hospitalização e pesquisa científica, de modo que o seu consentimento
prévio, livre e esclarecido apenas será relativizado em casos de risco de morte e
emergência de saúde.
Em suma, ainda que seja permitido aos indivíduos dispor sobre o próprio
corpo, tal autonomia não é absoluta, de modo que as restrições impostas pelo Estado
devem ser observadas a fim de que o direito à vida seja tutelado em sua máxima
amplitude. Não obstante o exposto, forçoso reconhecer que as barreiras impostas pela
legislação visam também a coibir a prática mercantil, haja vista que tal ato retira a
dignidade que deve ser conferida ao corpo humano. Ademais, no que pese acerca da
cessão de útero, esta não está inclusa na lei de transplante de órgão. Nesse diapasão
obtemos diversas discussões, uma vez que ao haver cobrança para ceder o útero,
incorreria diretamente na vedação expressa imposta pela Lei de Transplante de Órgãos,
outra interessante discussão, vem, do fato de haver venda ou não do útero, uma vez que
este não seria retirado e o próprio exercício reflexivo nos responde, que sim de fato este
não é separado do corpo humano que o cede, porém a placenta seria removida,
configurando assim a venda de parte do corpo humano, se o pacto gestacional tivesse
caráter oneroso. O entendimento doutrinário, como era de se supor devido a
complexidade do tema, é indiscutivelmente dividido.
De modo que fica concluído, que a cessão de útero não possui ainda
tratamento específico de ordem legal, apenas sendo revisitada na Resolução 2013/2013
do Conselho Federal de Medicina (este não possui força de lei) Outrossim, fica o juiz
incumbido de decidir sua validade ou não, observando sempre o caso material que lhe
fora apresentado.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, Maria Berenice. Filhos do afeto – Questões jurídicas. 2. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 9a . ed.. São Paulo: Saraiva,
2011.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. teoria geral do direito civil. 6a . ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, vol. 1.
MEIRELES, Rose Melo Vencelau. A propósito do regime jurídico envolvendo questões
existenciais, autonomia privada e dignidade humana. São Paulo: Renovar, 2009.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, v.2.
SITES CONSULTADOS
MIGALHAS. Barriga solidária é alternativa para quem não pode engravidar, mas
há lacuna legal. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI302057,91041-
Barriga+solidaria+e+alternativa+para+quem+nao+pode+engravidar+mas+ha>. Acesso
em 18. nov. 2019.