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Ilustração 1: A obra “Robb-Grillet Cleans”, do artista americano Mark Tansey.

Ilustração 2: Ilustração de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carrol.

ENSAIOS MÍNIMOS

Todos os nomes tem um porquê

Silvio Demétrio

Não está nada fácil ser jornalista em tempos de internet. Tal como os músicos e,
principalmente a indústria fonográfica, os jornalistas viram de uma hora para outra seu
território transfigurar-se pelo apagamento das fronteiras que o definiam. E não foi só a
tecnologia que promoveu isso. Ela é só uma das expressões do tempo que a tornou possível.
Todo o contexto histórico, cultural e principalmente político de uma sociedade interconectada
globalmente dá corpo e suporte para essa condição. A verdade é que ninguém sabe aonde
tudo isso vai dar. Ninguém. Nenhum editor ou publisher. Nenhum empresário de
comunicação. Nenhum profeta do apocalipse de ocasião que vende livros. Nenhum zumbi
publicitário que vende muitos livros. Ninguém sabe.

Descrita assim essa condição é o que se pode entender como uma profunda e sulfúrica crise, o
que no plano do pobre infeliz que sobrevive daquilo que escreve se traduz no que o crítico
americano Christopher Lasch chama de subjetividade sitiada. Em seu livro “O Mínimo Eu” ele
escreve: “Sob assédio, o eu se contrai num núcleo defensivo, em guarda diante da
adversidade. O equilíbrio emocional exige um eu mínimo, não o eu soberano do passado.”

É dessa paisagem de ideias que foi extraída o nome desse espaço: “Ensaios Mínimos” como
algo que parte dessa subjetividade sitiada. Depois de toda essa construção que sob o horizonte
da objetividade expurgou qualquer “eu” do jornalismo, reconsiderar alguma subjetividade
como possibilidade. “Eu é um outro”, escrevia Rimbaud. E mesmo que esse “eu” seja mínimo,
mesmo assim deixa-lo ensaiar ainda alguma coisa. O ensaio como gênero filosófico que acata e
introduz um “eu” que deriva e experimenta o pensamento como possível.

O desafio é imprimir um tom menor ao ensaio, gênero historicamente associado ao nome de


Michel de Montaigne. Um semitom a menos. Pelo menos a tentativa de redefinir algum novo
território. “Uma nova roupagem para uma antiga cerimônia”, como na letra do poeta e
compositor Leonard Cohen. Uma estratégia de sobrevivência para um jornalista que está
desaparecendo. Antes que dele reste apenas o sorriso, como no gato da Alice de Lewis Carrol.

Ainda com Christopher Lasch: “A expectativa de que a ação política pudesse humanizar
gradualmente a sociedade industrial deu lugar a uma determinação de sobreviver ao naufrágio
geral ou, mais modestamente, de manter intacta a própria vida, face às crescentes pressões. O
risco de desintegração individual estimula um sentido de individualidade que não é soberano
ou narcisista, mas simplesmente sitiado”.

E nesse ponto acredito que seja conveniente incluir-me no texto. Esse é o porquê do nome que
escolhi para uma coluna semanal. Porque não a quero assim, instituída como coluna apenas,
um capricho que me é concedido ao meu narcisismo. Por detrás de tudo o que o leitor do
Jornal de Londrina encontrar nesse espaço semanal vai estar essa subjetividade sitiada. Na
transversalidade dos gêneros que definem o jornalismo – informativo, interpretativo e
opinativo – enxertar algo trazido de outros domínios. O ensaio como uma forma possível
também para o jornalismo. Não o grande “eu” da filosofia mas um eu menor, mínimo mesmo,
que diante de uma crise não prescinde de emprestar ferramentas para se defender. Um
problema: situar-se em qualquer fronteira, jamais o muro, é chamar para si o desgosto de
ambos os lados. Esquerda e direita são comandos para quem gosta de marchar. Viva o outro.
Viva a diferença. Para sempre frágil e vulnerável assim como a liberdade. Assim como o
sentido – o porquê de qualquer nome.

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