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INTERVENÇÃO DA ASSEMBLÉIA NAS

ORAÇÕES EUCARÍSTICAS
Uma contribuição à tradução da terceira edição
típica do Missal Romano

Pelo Pe. Dr. Francisco Taborda, SJ


Belo Horizonte, MG

Síntese: Por privilégio concedido à Igreja do Brasil, as orações eucarísti-


cas do Missal Romano brasileiro apresentam numerosas intervenções da
assembléia que interrompem o fluxo do discurso oracional. Concordando
com o princípio pedagógico-pastoral que levou a adotar essas interven-
ções, o artigo se pergunta pela qualidade e quantidade das intervenções
adotadas, tendo em vista sua finalidade. O texto de uma oração eucarística
constitui uma unidade lógica; pergunta-se, pois, se as intervenções ajudam
a captar esse fluxo teológico-literário próprio das anáforas. Depois de re-
cordar brevemente a estrutura das orações eucarísticas romanas, o artigo
analisa cada oração eucarística com suas intervenções. No final apresenta
algumas sugestões conclusivas.
Abstract: In view of a privilege granted to the Brazilian Catholic Church,
the Eucharistic prayers of the Brazilian Roman Missal have been subjected
to a number of interventions by the Assembly. These interventions obstruct
the flow of the praying discourse. The present article, although agreeing
with the pedagogical-pastoral principle that led to the adoption of these in-
terventions, and having in mind their purpose, questions their actual qua-
lity and quantity. The text of a Eucharistic prayer is a logical unit; we ask,
therefore, whether the interventions help to apprehend this theological-lite-
rary flow typical of the anaphoras. Having briefly examined the structure of
the Roman Eucharistic prayers, the article then analyses each one of these
prayers with its respective interventions. Finally the author offers some
conclusive suggestions.

A oração eucarística ou anáfora é o elemento central da celebração


eucarística. Pronunciá-la compete ao ministro ordenado que preside a
eucaristia. A assembléia intervém no diálogo invitatório, com o canto do
Santo e a confirmação dada no amém final. Além dessas intervenções
comuns a todas as liturgias, também a romana, a tradição litúrgica orien-
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tal conhecia desde há séculos outras intervenções.1 Elas tinham, por sua
vez, antecedentes na liturgia judaica. Nas longas bênçãos, construídas
segundo a estrutura da todá vétero-testamentária, os rabinos introduzi-
ram aclamações que resumiam cada trecho recitado pelo presidente. São
as chamadas “eulogias finais” ou hatimá.2 Em sua origem tinham uma
meritória razão pedagógico-pastoral: quebrar a monotonia de uma longa
oração presidencial e chamar a atenção para os pontos fundamentais da
oração. Entretanto, tiveram uma conseqüência funesta ao desfazerem a
unidade da estrutura literário-teológica da oração de aliança (todá).
Esse perigo pode ocorrer também na liturgia cristã. No sulco da re-
forma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II, compuseram-se
orações eucarísticas (= OEs)3 dotadas de numerosas intervenções da as-
sembléia. Tal é o caso da OE concedida ao Brasil para o Congresso Eu-
carístico de Manaus (1974), hoje conhecida como OE V. Pouco depois a
Sagrada Congregação para o Culto Divino (= SCCD) elaborou OEs para
missas com crianças que apresentavam, já no texto latino, várias inter-
venções da assembléia.4 Mais tarde, em 1988, foi aprovada a então cha-
mada “anáfora zairense”, dotada igualmente de intervenções da assem-
bléia.5 Ao traduzir a segunda edição típica do Missal Romano (= MR), a
CNBB obteve para o Brasil o privilégio de introduzir intervenções da
assembléia em todas as OEs. Essa prática foi recentemente apoiada por
ocasião do Sínodo dos Bispos sobre a eucaristia.6

1. Cf., por exemplo, COMISSÃO EPARQUIAL DE LITURGIA: Divina Liturgia de São João Crisósto-
mo, Estética Artes Gráficas, Curitiba 1999, 61 e 65. Cf. La Divina Liturgia del Santo nostro Padre Giovanni Cri-
sóstomo (texto grego com tradução italiana do Mosteiro Exarquial de Santa Maria de Grottaferrata), (s/ed.),
Roma 1967, original grego: p. 108 e 112; trad. it., p. 109 e 113. Na reforma litúrgica do Vaticano II introduziu-se
na liturgia romana a aclamação anamnética.
2. Cf. C. GIRAUDO, Num só corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia, Loyola, São Paulo 2003, 122,
213 e 373, nota 38.
3. A partir de agora se usará para “oração eucarística” a sigla OE (no plural: OEs). No caso de se fazer ne-
cessário, haverá alguma especificação: a sigla OE seguida de um algarismo romano indica a numeração das OEs
no MR brasileiro; OE rec. I e OE rec. II identificam as duas OEs sobre a reconciliação; OE div. circ. remete às
quatro variantes da OE para diversas circunstâncias; OE cr. sinaliza as OEs para missas com crianças, um alga-
rismo romano as especifica mais.
4. Cf. A. BUGNINI, La riforma liturgica (1948-1975), CLV – Edizioni Liturgiche, Roma 1983, 469-475.
5. Cf. informação, texto e análise em, GIRAUDO, op. cit. (Num só corpo), 406-411. Com a mudança do
nome do Zaire para República Democrática do Congo, ignoro qual possa ser atualmente a denominação adequa-
da dessa anáfora.
6. Cf. SALA STAMPA DELLA SANTA SEDE. Synodus Episcoporum Bolletino. VI Assemblea Genera-
le Ordinaria del Sinodo dei Vescovi. 2-23 ottobre 2005, Edizione italiana. 31 – 22/10/2005, Elenco finale delle
proposizioni. Proposizione 21: http://www.vatican.va/news_service/press/sinodo/documents/bolletino_21_xi-
ordinaria-2005/01_italiano/b31_01.html
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Concordando com o princípio, vale, no entanto, verificar, desde o


ponto de vista da estrutura teológico-literária da OE, a pertinência das
intervenções hoje existentes no MR brasileiro. Quando se reconhece
que a anáfora é um texto literariamente uno, com uma estrutura bastante
determinada, refletindo uma teologia precisa da eucaristia, é preciso a-
nalisar as intervenções, perguntando se elas contribuem a que os partici-
pantes compreendam que a oração eucarística não é uma série de peque-
nas orações que precedem as “palavras da consagração” e a elas se se-
guem, mas uma peça literária, onde o relato institucional está inserido
num contexto oracional maior, com uma intenção bem clara.
Para analisar a questão será preciso primeiramente apresentar, com a
devida brevidade, o estudo de Cesare Giraudo sobre a composição lite-
rário-teológica das orações eucarísticas da liturgia romana7 (1.). Uma
vez analisada a estrutura da oração eucarística, será possível verificar a
pertinência das diversas intervenções (2.) e, a partir daí, concluir algu-
mas sugestões para a tradução da terceira edição típica do MR (3.).

1. A estrutura literário-teológica das orações eucarísticas romanas

1.1 O gênero literário das anáforas

O que na terminologia habitual do Ocidente cristão é chamado de


“oração eucarística”, na grande tradição litúrgica do Oriente recebe o
nome de “anáfora”, a oração que a Igreja reunida na assembléia eucarís-
tica eleva ao Pai (ana+pherein)8 pela boca de seu presidente, o ministro
ordenado (bispo ou presbítero).

7. Cf. GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 187-253 (considerações de caráter geral sobre a estrutura teológi-
co-literária do gênero “anáfora”); 369-411 (análise das orações eucarísticas da liturgia romana). Ver também suas
outras obras: ID., La struttura letteraria della preghiera eucaristica. Saggio sulla genesi letteraria di una forma
(todà veterotestamentaria, berakà giudaica, anafora cristiana), Biblical Institute Press, Roma 1981. ID., Eucaris-
tia per la Chiesa. Prospettive teologiche sull’eucaristia a partire dalla “lex orandi”, Morcelliana/Gregorian Uni-
versity Press, Brescia/Rome 1989. ID.,Preghiere eucaristiche per la Chiesa di oggi. Riflessioni in margine al com-
mento del canone svizzero-romano, Morcelliana/Gregorian University Press, Brescia/Rome 1993. ID., Stupore eu-
caristico. Per una mistagogia della messa alla luce dell’enciclica Ecclesia de Eucharistia, Libreria Editrice Vatica-
na, Vaticano 2004. Como vulgarização em português: ID., Redescobrindo a eucaristia, Loyola, São Paulo 2002.
8. Cf. J.A. JUNGMANN, Missarum sollemnia. Eine genetische Erklärung der römischen Messe. Band 1:
Messe im Wandel der Jahrhunderte. Messe und kirchliche Gemeinschaft. Vormesse, Herder, Wien 1948, 219, n.
15. Ele explica que “anáfora” significa “hinauflegen (auf den Altar)” (“colocar [sobre o altar]”; para isso é neces-
sário levantar a oferenda [hinauflegen]). Conforme informação de meu colega Johann Konings, é possível que
anáfora tenha a ver com o hebraico ‘olah, que significa oferenda alteada ao altar, como, p. ex., no Sl 51,19. Tam-
bém em Nm 4,19 significa o ministério da oferenda, embora com outro substrato hebraico. O verbo grego anaphe-
rein corresponde a muitos verbos hebraicos, que geralmente têm o sentido de “fazer subir”.
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A anáfora tem sua origem na oração vétero-testamentária que pode-


ria ser denominada “oração de aliança” por ter uma estrutura análoga e
paralela aos tratados de aliança do Oriente Médio antigo que serviram
de inspiração para os textos bíblicos da aliança de Yhwh9 com seu povo.
Os textos de aliança na vida política do Oriente Médio antigo têm
uma estrutura muito lógica: começam recordando os benefícios (reais
ou pretensos) que o súdito recebeu de seu senhor, o povo dominado de
seu dominador o vassalo do suserano; decorrentes daí se seguem as obri-
,

gações ou cláusulas de aliança. O texto conclui em geral invocando os


deuses e desejando sua bênção para quem se ativer à aliança e sua maldi-
ção para quem a infringir.
Deus, em sua revelação a Israel, se serviu dessa experiência humana
para fazer compreender a relação entre ele e seu povo. Os textos bíblicos
de aliança seguem, pois, a mesma lógica, recordando as maravilhas que
Deus operou por seu povo e fazendo decorrer daí as obrigações que lhe
assistem. O exemplo mais simples e claro é o texto dos dez mandamen-
tos (ou das “dez palavras”, para seguir a terminologia judaica). Tradicio-
nalmente no catecismo aprendiam-se os dez mandamentos como mera
lista de obrigações. Se, no entanto, se recorre às duas versões bíblicas
dos dez mandamentos, encontra-se uma estrutura diferente que não é
mera casualidade nem algo secundário teologicamente. Tanto em Ex
20,2-17 como em Dt 5,6-21, antes da lista de ordens ou injunções, há
uma cláusula de grande importância teológica: “Eu sou Yhwh teu Deus,
que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão”. Só então se se-
guem as obrigações do povo diante do Senhor.
Essa estrutura literária contém uma verdade teológica de fundamen-
tal importância: Deus não impõe obrigações por uma atitude impositiva;
elas decorrem do que o próprio Deus já fizera previamente em favor de
seu povo. Porque Yhwh ama seu povo e o libertou do Egito, ele pode exi-
gir uma série de obrigações. Em muitos textos de aliança, a esses dois e-
lementos se seguem bênçãos e maldições decorrentes da observância ou
não das cláusulas de aliança (cf. Dt 28,1-45).
Em termos técnicos as duas primeiras partes do discurso de aliança
podem ser chamadas de secção anamnética (a recordação do que Deus
fez por seu povo) e secção injuntiva (a injunção ou ordem formal de
9. YHWH, o Tetragrama do nome divino na tradição judaica. Sua composição sem vogais expressa a ver-
dade jamais suficientemente recordada da inefabilidade de Deus. Tudo que o ser humano pode expressar de Deus
é apenas balbucio. O costume judaico é, na leitura, substituir o nome impronunciável pela designação “Adonai”
(O Senhor).
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Deus que se segue dos benefícios que lhe conferiu). A segunda depende
da primeira; é sua conseqüência lógica, jurídica e teológica.
Toda aliança supõe dois parceiros. Também a aliança de Yhwh com
seu povo. Se o discurso de aliança, quando parte de Deus tem essa estru-
tura de duas secções, também quando parte do parceiro humano terá
uma estrutura análoga. Apenas análoga, porque o ser humano não pode
apresentar méritos diante de Deus e, por isso, não pode iniciar seu dis-
curso a Deus recordando o que fez por Deus, já que tudo que possa ter
realizado de bom é graça, dom de Deus. Tampouco pode o ser humano
fazer exigências a Deus, apresentar-lhe injunções. O discurso de alian-
ça, da parte do parceiro humano, só pode ser recordação da misericórdia
divina e súplica humilde e confiante com base nas promessas da aliança.
Daqui decorre a estrutura da oração de aliança que é o correspon-
dente da parte do parceiro humano ao discurso de aliança da parte de
Deus. Também a oração de aliança apresenta-se em duas secções: a sec-
ção anamnético-celebrativa e a secção epiclética. O parceiro humano
da aliança inicia seu discurso recordando os grandes feitos de Deus em
favor da humanidade, em favor de seu povo, sua fidelidade incansável
diante das infidelidades humanas e, recordando-o, louva, bendiz, dá gra-
ças a Deus por tanta bondade e misericórdia. Baseado na sempre renova-
da fidelidade de Deus, ousa apresentar-lhe sua injunção, como parceiro
da aliança, mas será uma “injunção suplicante”. A promessa de Deus
autoriza o parceiro humano a elevar sua súplica.
Para reforçar o pedido, o orante pode usar de um artifício literário:
referir a atuação salvífica ou a promessa divina, em que se baseia sua sú-
plica, citando o próprio texto bíblico, a Palavra de Deus. Do ponto de
vista literário a citação é um embolismo (do grego tò émbolon = enxer-
to); do ponto de vista teológico, é o lugar teológico-escriturístico que dá
força e fundamento ao pedido. A súplica não provém de uma opção arbi-
trária do orante, mas está no dinamismo da aliança: o pedido é motivado
e garantido pela promessa de Deus.
A narração da instituição na oração eucarística é, do ponto de vista
literário, um embolismo introduzido na súplica da Igreja pela transfor-
mação dos dons no corpo (e sangue) de Cristo, para que os que dele co-
mungarem sejam o corpo de Cristo. Em si não seria necessário citar o re-
lato da instituição; bastaria realizar o que Cristo mandou, ou seja: fazer
memória de sua morte e ressurreição, bendizendo a Deus na ação de gra-
ças pronunciada sobre o pão e sobre o vinho. Como exemplo de que o re-
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lato institucional é dispensável, pode ser mencionada a anáfora dos após-


tolos Addai e Mari,10 usada pela Igreja Assíria do Oriente, cuja celebra-
ção eucarística é reconhecida como válida pela Igreja católica.11 Do pon-
to de vista teológico, o relato da instituição na OE é o lugar teológi-
co-escriturístico da súplica que nela se eleva a Deus.
Literariamente, o embolismo do relato institucional pode estar tanto
na secção anamnético-celebrativa como na secção epiclética da OE. Se-
gundo o lugar do embolismo, Giraudo classifica as orações eucarísticas
em duas categorias: a OE é de dinâmica anamnética quando o embolis-
mo aparece na secção anamnético-celebrativa; quando ele está na sec-
ção epiclética, a OE é de dinâmica epiclética. Na tradição romana as
OEs são todas de dinâmica epiclética, pois se baseiam na estrutura do
cânon romano.
A consciência de uma redação unitária das anáforas perdeu-se no
Ocidente, graças à introdução medieval de interrupções no cânon roma-
no (OE I). Após cada trecho do cânon acrescentou-se um “Por Cristo,
Senhor nosso. Amém”, marcado também por uma mudança na posição
das mãos e na atitude corporal: durante a oração, de braços abertos; no
“Por Cristo”, de mãos postas com uma profunda inclinação da cabeça.
Esse fator, aliado a que a liturgia romana conhece prefácios variáveis,
isolados do resto da OE, deu a impressão de que a anáfora nada mais era
que um conglomerado de orações, mais ou menos independentes, que se
juntavam em torno do relato institucional, cujas palavras “isto é meu
corpo” e “isto é meu sangue” seriam as únicas palavras necessárias e su-
ficientes para a validade da eucaristia.
Por ocasião da reforma litúrgica do Vaticano II sugeriu-se a omissão
das interrupções no cânon romano. Paulo VI não aceitou essa posição
radical, mas sim, uma solução de meio termo, tornando-as optativas.
Assim continuou no subconsciente coletivo das Igrejas de rito romano a
impressão de que as OEs são uma série de pequenas orações que se suce-
dem umas às outras, mas poderiam ser separadas ou postas em outra or-
10. Ver texto e comentário em GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 340-348. A importância dessa anáfora
reside no fato de ela continuar a ser usada até hoje. A pesquisa histórica demonstra a existência de outras do mes-
mo gênero, fora de uso, bem como de outras anáforas, igualmente em desuso, que trazem o relato sem citar lite-
ralmente as palavras do Senhor ou citando só as palavras sobre o pão ou só as palavras sobre o cálice e simples-
mente fazendo referência indireta às palavras omitidas. Cf. ID., ob. cit. (Eucaristia per la chiesa), 349-359.
11. Cf. o Site do Vaticano: PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS
CRISTÃOS, Directrizes para a admissão à eucaristia entre a Igreja Caldéia e a Igreja Assíria do Oriente, Roma
20 de julho de 2001. ID., Ammissione all’eucaristia in situazione di necessità pastorale. Disposizione fra la Chiesa
Caldea e la Chiesa Assira dell’Oriente, Outubro de 2001 (http: //www.vatican.va/roman_curia/pontifical_coun-
cils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_20011025_chiesa-caldea-assira_it.html).
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dem, sem qualquer prejuízo para a compreensão da eucaristia. Quando,


por razões pedagógicas, na elaboração da anáfora brasileira, a OE V, do
Congresso Eucarístico de Manaus, se julgou de bom alvitre introduzir
intervenções da assembléia, elas entraram em cada lugar onde, no espí-
rito do cânon romano, se introduziria um “Por Cristo”, sem pensar que
talvez fosse melhor, por razões intrínsecas à estrutura literária da anáfo-
ra, espaçá-las mais.
Tendo em vista essa problemática, será preciso mostrar a unidade li-
terária e teológica da anáfora (1.2) como prolegômeno ao estudo das in-
tervenções da assembléia (2.).

1.2 A estrutura literário-teológica das anáforas romanas


Nove elementos podem ser identificados no interior das anáforas
tanto de tradição oriental como ocidental. A posição desses elementos
varia segundo a família litúrgica. Para a finalidade deste artigo, basta
que se considere a estrutura das OEs romanas.
Introduzindo a OE, todas as tradições litúrgicas conhecem um diálogo
invitatório. São três seus componentes insubstituíveis, no sentido de esta-
rem presentes em todas as anáforas tanto do Oriente como do Ocidente.
A saudação “O Senhor esteja convosco” ou outra congênere12 inicia
o diálogo. Expressa a necessidade da graça do Senhor para celebrarmos
a eucaristia. A assembléia devolve a saudação com a resposta “E com
teu espírito”. Não só com a assembléia deve estar o Senhor, também
com seu presidente. E não é raro que os Padres da Igreja interpretem a
palavra “espírito” como se estivesse com maiúsculas: o Espírito dado ao
ministro em sua ordenação. O povo deseja que ele seja fiel ao Espírito e,
com isso, sacramento da presença do Senhor. A resposta é, ao mesmo
tempo, uma proclamação da fé da assembléia de que o presidente pode
transmitir o Espírito, porque o recebeu, e um desejo: de que ele seja sem-
pre fiel ao Espírito recebido.13

12. Trata-se principalmente de variantes de 2Cor 13,13. Assim na anáfora das Constituições Apostólicas
(cf. GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 257); anáfora de São Tiago (cf. ib., 286); anáfora de São João Crisósto-
mo (cf. ib., 319); anáfora de Addai e Mari (cf. ib., 341); anáforas da tradição hispânica (cf. ib., 325).
13. A tradução oficial da resposta em língua portuguesa não corresponde à resposta tradicional em grego e
em latim – ao contrário do que acontece em todas as outras línguas. Ela expressa antes a profissão de fé na presen-
ça do Senhor: “Ele está no meio de nós”. Não foi uma escolha muito feliz, pois, de certa forma, declara dispensá-
vel a saudação: “Desejas que o Senhor esteja conosco? Ele já está! O desejo foi inútil!”...
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Segue-se o convite para manter o coração orientado para Deus: “Cora-


ções ao alto”. No momento culminante da eucaristia, precisamos ter o co-
ração em Deus. A resposta do povo é desafiante, se quiser que correspon-
da à verdade (e deveria corresponder!): “O nosso coração está em Deus”.
Já que nosso coração está direcionado para Deus, podemos dar-lhe
graças: “Demos graças ao Senhor, nosso Deus”. Aqui entra, pois, a ex-
pressão-chave da eucaristia: ação de graças, que, traduzindo um termo
hebraico, significa confessar, ao mesmo tempo, a fidelidade de Deus e a
infidelidade humana. É preciso ter presente a amplidão desse termo,
para não pensarmos que se trata teologicamente de um mero sinônimo
do verbo “agradecer”, mesmo que lingüisticamente o seja. Dar graças a
Deus “é digno e justo”, expressão que a tradução portuguesa oficial subs-
tituiu por “é nosso dever e nossa salvação”.14
Após o diálogo invitatório, segue-se o que a tradição latina conven-
cionou chamar de prefácio <1>, primeiro elemento da anáfora. A desig-
nação pode levar a um mal-entendido, como se o prefácio não pertences-
se à OE, mas viesse antes dela, como o prefácio vem antes do corpo do
livro. Na realidade, o termo é fruto da tradição romana de prefácios va-
riáveis conforme o mistério que se celebra no decorrer do ano litúrgico.
Propriamente o diálogo invitatório é que mereceria esse título.15 O prefá-
cio é a ação de graças pelo que Deus operou em nosso favor, sendo assim
o elemento típico de uma anamnese celebrativa, mesmo quando men-
ciona também o pecado humano – pois, na economia da graça, o pecado
é a “feliz culpa” a que Deus respondeu com seu perdão.
Na impossibilidade de louvar a Deus como convém, a assembléia
eucarística se une aos “profissionais” do louvor divino, aqueles que es-
tão diante dele, face a face, louvando-o constantemente: os anjos e os
santos. E convém recordar que santos são todos os que morreram na paz
de Cristo; não apenas aqueles que a Igreja reconheceu como tais; e tam-
bém estão incluídos aqueles que jamais tiveram oportunidade de assu-
mir publicamente a opção cristã, mas viveram, de acordo com sua cons-
ciência, uma fé que só Deus conheceu (cf. OE IV).
Na ação de graças se unem, pois, as duas assembléias: a da terra e a
do céu num louvor unânime. Para expressá-lo, a Igreja – como já antes a

14. O termo “dever”, da tradução oficial, pode causar certa ojeriza em pessoas que não compreendem que o
“dever” não é resposta a uma imposição, mas a resposta de quem compreendeu que a iniciativa amorosa de Deus
exige de nós a resposta devida do preito de ação de graças, resposta que é carregada pelo amor reconhecido.
15. É como CIPRIANO DE CARTAGO (em: De oratione Dominica 31, CSEL 3, 289) o chama.
A assembléia nas orações eucarísticas 283

Sinagoga – emprega cânticos que a Escritura põe na boca dos anjos: o


Santo <2> dos serafins em Is 6,3 e o “Bendito” dos querubins e ofanins
em Ez 3,12 (cf. v. 13).16 A assembléia da terra, cujos membros ocupados
em múltiplas atividades só podem se dedicar esporadicamente de modo
integral e explícito ao louvor de Deus, sente a necessidade de se unir à
assembléia do céu, aos “especialistas” no louvor que a ele se dedicam
“full time”.
Desta forma, o canto do Santo não interrompe a unidade da OE, tan-
to que vai ser logo retomado no chamado pós-santo <3> que prossegue o
louvor iniciado no prefácio. Este trecho da anáfora, amplamente desen-
volvido nas liturgias orientais, foi desconhecido durante séculos na Igre-
ja latina, porque o cânon romano (OE I), única anáfora usada na liturgia
romana até a reforma litúrgica do Vaticano II, não continha esse elemen-
to anafórico. Felizmente ele foi introduzido nas novas OEs, e a OE IV
apresenta um pós-santo de formato exemplar, digno da melhor tradição
oriental. Sua denominação “pós-santo” provém de sua localização e,
principalmente, do fato de este trecho do louvor retomar o argumento do
prefácio referindo-se explicitamente ao Santo (por exemplo, com as pa-
lavras “verdadeiramente santo”) e às vezes também ao Bendito (como é
o caso, no MR, das OEs div. circ.).
Nas anáforas de dinâmica epiclética da tradição romana são esses os
três elementos que constituem a secção anamnético-celebrativa. Uma
partícula lógica como “por isso” ou “pois” marca a cesura e, ao mesmo
tempo, a conexão entre as duas secções.
A secção epiclética, nas OEs romanas, começa com a epiclese sobre
os dons <4>, o pedido ao Pai para que envie o Espírito Santo sobre os
dons a fim de transformá-los no corpo e no sangue de Cristo. A epiclese
sobre os dons constitui uma unidade lógica com a epiclese sobre os co-
mungantes que se encontra posteriormente na estrutura das OEs roma-
nas. A unidade de ambas fica, no entanto, clara na tradição oriental das
anáforas de dinâmica anamnética, onde ambas não só estão juntas, mas
freqüentemente se entrelaçam num único pedido: que o Espírito venha
sobre os dons para que, transformando-os no corpo e sangue de Cristo,
faça da comunidade reunida o corpo eclesial de Cristo. Tal como se

16. Tal é o caso na liturgia judaica. No uso cristão, seria mais lógico dizer que o “Bendito” faz eco à acla-
mação das multidões que acolheram Jesus em Jerusalém (cf. Mt 21,9). Giraudo opta por atribuir esta parte do
Santo aos querubins e ofanins a partir do estudo dos ancestrais judaicos da anáfora cristã. Cf. GIRAUDO, ob. cit.
(Num só corpo), 296.
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apresentam na tradição romana, as duas epicleses se repartem para in-


cluir dentro de si, a modo de cunha, o relato institucional e a anamnese.
O relato institucional <5> intervém após a epiclese sobre os dons
para fundamentar o pedido. Não por uma razão arbitrária qualquer, mas
baseada na ordem de Cristo a assembléia litúrgica ousa pedir ao Pai o
envio do Espírito sobre os dons. A ordem de Jesus é concretamente fazer
isto (o sinal do pão e do vinho) como memorial do mistério pascal de
Cristo, sua morte e ressurreição. Por isso, o relato institucional atrai para
junto de si a anamnese <6>, com o oferecimento do memorial ao Pai.
Relato e anamnese não se podem separar, porque esta simplesmente re-
toma aquele em pauta declaratória e ofertorial. Não só fazemos o memo-
rial da morte e ressurreição do Senhor, mas o oferecemos ao Pai, seguin-
do a ordem de Jesus. Por isso, a anamnese está geralmente expressa, na
tradição litúrgica mais antiga,17 numa frase secundária participial que
afirma estarmos fazendo memória do mistério pascal, e numa frase prin-
cipal oferecendo ao Pai o memorial que se está realizando: “Recordan-
do, pois, a morte e ressurreição de vosso Filho, nós vos oferecemos, ó
Pai, o pão da vida e o cálice da salvação” (OE II).
Após a cunha do relato-anamnese, a súplica central da eucaristia se
completa com a epiclese sobre os comungantes <7>, o pedido do envio
do Espírito para fazer da comunidade reunida o corpo eclesial de Cristo,
ou – segundo a feliz expressão de Thomas Netter von Walden († 1430)18
– para que, graças à recepção da sagrada eucaristia, os cristãos se tran-
substanciem no corpo eclesial de Cristo.
A epiclese sobre os comungantes se prolonga e se explicita nas inter-
cessões <8>. Enquanto a epiclese sobre os comungantes tinha presente
apenas aqueles que agora participam da eucaristia, as intercessões esten-
dem o pedido pela unidade do corpo eclesial de Cristo a todos os demais
segmentos da Igreja: a Igreja hierárquica, a Igreja no mundo, a Igreja
dos santos, a Igreja dos defuntos... Após cada segmento evocado se po-
deria proclamar: “que pela ação do Espírito Santo sejam um só corpo”
juntamente com a assembléia que agora celebra a eucaristia. As inter-
cessões se distinguem, pois, muito claramente das intenções das preces
dos fiéis. Lá se trata de pedidos concretos em várias dimensões e aspec-
tos, sem uma estrutura lógica rigorosa; aqui se trata de um pedido bem

17. Em algumas das OEs romanas de composição recente não se segue essa estrutura gramatical.
18. Citado por GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 312 (cf. 310-312).
A assembléia nas orações eucarísticas 285

específico: que, por esta eucaristia, os grupos mencionados constituam


em Cristo um só corpo, com a assembléia celebrante (cf. abaixo 2.1).
As intercessões vão num crescendo até chegar a um ápice escatoló-
gico, de forma que a última intercessão culmine na doxologia epiclética
<9>, em que se volta, no contexto da secção epiclética, ao louvor inicial
a Deus por Cristo no Espírito. A doxologia não é uma peça estranha que
se anexa ao conjunto, mas, como se pode verificar claramente em quase
todas as anáforas orientais, é o ponto a que convergem as intercessões.
O cânon romano (OE I) infelizmente separa a doxologia do corpo da
anáfora, introduzindo entre a última intercessão (E a todos nós pecado-
res – Nobis quoque peccatoribus) e a doxologia, o inciso “Por ele não
cessais” (Per quem haec omnia). Mesmo que se omitisse esse inciso ou
dele se abstraísse, a doxologia romana, comparada com as doxologias
orientais, constitui como uma peça à parte. Entretanto, resultaria menor
a cisão, se se conservasse nas traduções maior fidelidade ao latim. Tra-
duzindo “Por ele, com ele e nele...”,19 haveria uma certa conexão maior
com o “Por Cristo Senhor nosso” que lhe antecede (omitido o “Por ele
não cessais” da OE I ou o “Por ele dais ao mundo...”, das OEs III e IV) e
se restabeleceria, embora de forma precária, a unidade da anáfora e a
tensão escatológica própria de seus finais (cf. abaixo 2.1).
Este breve resumo da tese de Giraudo no tocante á unidade literá-
rio-teológica da OE já permite ver sua riqueza catequético-mistagógica.
As intervenções do povo deveriam ajudar a captar melhor e mais facil-
mente essa unidade e essa lógica literária e teológica. Infelizmente não é
o que acontece, como deverá ser mostrado a seguir.

2. As intervenções da assembléia nas orações eucarísticas do


Missal Romano brasileiro

Numa análise da pertinência das intervenções da assembléia nas OEs


do MR brasileiro, convém fazer primeiramente algumas observações
gerais, válidas para todo o conjunto das OEs (2.1). Num segundo mo-
mento, deverão percorrer-se as diversas OEs (2.2).

19. Entende-se que, por razões práticas, se tenha preferido traduzir “Por Cristo, com Cristo, em Cristo”: a
tendência, infelizmente comum, a pronunciar atabalhoadamente os textos litúrgicos, levaria a uma verdadeira ca-
tástrofe, se se fosse dizer “Por ele, com ele e nele”. As pausas necessárias entre cada inciso não seriam feitas e a
proclamação se tornaria incompreensível. O verdadeiro remédio, no entanto, seria a educação litúrgica dos presi-
dentes, despertando neles o sentido da importância desse momento.
286 F. Taborda

2.1 Observações gerais


Nas OEs I, II, III, IV, rec. I (VII, segundo o MR brasileiro), rec. II
(VIII), cr. II (X), cr. III (XI), introduziu-se uma intervenção entre as in-
tercessões e a doxologia. Com isso, quebra-se a conexão da doxologia
com o corpo da anáfora. “Por Cristo, com Cristo, em Cristo” se torna um
corpo estranho que aparece ali, sem que se saiba por quê nem para quê. É
verdade que já a tradução “Por Cristo, com Cristo, em Cristo” em vez da
tradução literal “Por ele, com ele e nele”, provoca uma cesura entre as
intercessões e a doxologia, mesmo sem a intervenção da assembléia.
Assim, na OE rec. I (OE VII):
...poderemos cantar a ação de graças
do Cristo que vive para sempre.
Por Cristo, com Cristo, em Cristo...
Na OE cr. III (OE XI):
... morando para sempre
em vossa casa com Jesus.
Por Cristo, com Cristo, em Cristo...
Em ambos os casos, “Por ele, com ele e nele...” casaria muito melhor
com o que antecede, mesmo que o problema da cisão seja inerente à do-
xologia romana.20
A introdução de aclamações no meio do prefácio é desastrosa, pois
os prefácios da tradição romana costumam ser muito breves, com três
partes bem claramente definidas: o convite à ação de graças, o motivo da
ação de graças e, decorrente daí, o encaminhamento do canto do San-
to. O que acontecerá, ao se introduzir uma aclamação, será, em geral, iso-
lar o encaminhamento para cantar o Santo, fazendo com que se perca sua
conexão e razão de ser. É o que ocorre no MR brasileiro, em todo o caso,
na OE IV e na segunda intervenção do prefácio da OE rec. I (OE VII).
Outro problema grave na escolha das intervenções da assembléia se
localiza nas intercessões. A opção, nas OEs I, II, III, IV, VI A-D (div.
circ. I-IV) foi, quase sempre, por repetir resumidamente a intercessão.
Com isso, confunde-se o gênero literário “intercessões anafóricas” com
o gênero “preces dos fiéis”. A menção dos diversos segmentos da Igreja
na anáfora visa a pedir que também esses grupos (ausentes ou não), gra-

20. Por isso a tentação de a doxologia ser pronunciada por todo o povo. Pode-se suspeitar que a introdução
da intervenção antes da doxologia visava a evitar essa prática muito difundida.
A assembléia nas orações eucarísticas 287

ças à eucaristia que está sendo celebrada, cresçam como corpo eclesial
de Cristo. Se isso não fica claro nas intervenções da assembléia, temos
novamente uma lista solta de intenções desconexas entre si ou, quando
muito, como o MR propõe para as preces dos fiéis, sucedendo-se numa
certa ordem pré-determinada.
Mais uma questão diz respeito à enorme variedade de respostas dis-
tintas que torna impossível memorizar e, portanto, não ajuda a finalida-
de catequético-pedagógica das intervenções da assembléia. Pelo con-
trário, obriga a operações nada apropriadas para a liturgia, mas que se
verificam infelizmente por toda a parte: quer o uso de um folheto ou ca-
derninho, quer o padre dizendo a intervenção para o povo repeti-la. Isso
sem mencionar o fato de que tais intervenções deveriam ser cantadas e
não recitadas. Poucas opções, bem escolhidas, possibilitariam aos fiéis
até mesmo a compreensão da estrutura literário-teológica da anáfora e,
com isso, mediariam uma melhor teologia eucarística.

2.2 As intervenções da assembléia em cada OE


Oração eucarística II.21
Nesta mais curta das OEs romanas, as intervenções estão todas na
secção epiclética.
A primeira se segue à epiclese sobre os dons, repetindo seu início
(“Santificai, pois, estas oferendas” / “Santificai nossa oferenda, ó Se-
nhor!”). O dado fundamental da epiclese que é a súplica pelo Espírito
Santo sobre os dons, fica obscurecido, apesar de ter sido o grande avan-
ço da liturgia romana reformada segundo as determinações do Concílio,
já que a epiclese do cânon romano, por não mencionar o Espírito, é qua-
se irreconhecível.
A segunda vem depois da anamnese e acentua unicamente o caráter
ofertorial desse momento: “Recebei, ó Senhor, a nossa oferta!” Mas a
oferta nossa é a oferta do memorial. Menos mal que o memorial já foi
lembrado pelo povo na aclamação anamnética que responde ao convite
“Eis o mistério da fé!”.
Bastante boa é a intervenção depois da epiclese sobre os comungan-
tes: “Fazei de nós um só corpo e um só espírito!”, embora se possa la-

21. As observações sobre o cânon romano (OE I) ficarão para depois, dada a complexidade de sua com-
posição.
288 F. Taborda

mentar que novamente a ação do Espírito Santo não seja acentuada. E é


pelo Espírito que o Pai nos transforma num só corpo e num só espírito.
As intervenções que se seguem à tríplice intercessão (Igreja hierár-
quica, falecidos, santos), caem no problema já mencionado em 2.1: sua
equiparação com as preces dos fiéis. O acento, nos dois primeiros casos,
está no “Lembrai-vos” com que começam essas intercessões. Para a Igre-
ja dos defuntos há um acréscimo especial no caso de mencionarem-se
nomes de falecidos e também este adendo tem sua intervenção corres-
pondente: “Concedei-lhe(s) contemplar a vossa face!” A última inter-
venção, depois de “Por Jesus Cristo, vosso Filho”, apesar do problema
de provocar uma cesura entre o corpo da anáfora e a doxologia, contém,
um tanto implicitamente, a idéia da comunhão num só corpo, desde que
não se projete esse convívio para o futuro, na eternidade (“Concedei-nos
o convívio dos eleitos!”).

Oração eucarística III:


A primeira intervenção se encontra depois do pós-santo e, portanto,
no final da secção anamnético-celebrativa. Contrariando a pertença do
pós-santo à mencionada secção e, portanto, ao momento do louvor agra-
decido pela ação de Deus que dá vida e santidade por Cristo e pela força
do Espírito Santo, a intervenção já antecipa a súplica específica da epi-
clese sobre os comungantes: “Santificai e reuni o vosso povo!”. Ora, o
texto do pós-santo dissera justamente que Deus está constantemente re-
alizando a santificação e reunindo seu povo. Seria mais lógico que a in-
tervenção tivesse um caráter de ação de graças e não pedisse a Deus
(inutilmente) que ele faça o que já está fazendo segundo o próprio texto
pronunciado pelo ministro.
As três seguintes intervenções, após a epiclese sobre os dons, a anam-
nese e a epiclese sobre os comungantes, são as mesmas já encontradas
na OE II. Apresentam, pois, os inconvenientes apontados acima, embo-
ra a retomada dos mesmos textos da OE II tenha o mérito de facilitar a
memorização (cf. acima 2.1).
As intercessões desta OE são mais complexas e mais longas que as
da OE II, além de incluírem também um acréscimo no caso das missas
em favor dos defuntos. Abrangem – seguindo esta ordem – a Igreja dos
santos na glória, a Igreja toda (hierarquia e demais membros da Igreja,
inclusive a assembléia celebrante), a Igreja dos falecidos. Dentro dos
dois segmentos da Igreja (hierarquia e demais fiéis), aparece no segundo
A assembléia nas orações eucarísticas 289

tópico a distinção entre a assembléia reunida para celebrar a eucaristia


(“vossa família que está aqui...”) e os cristãos “dispersos pelo mundo in-
teiro”. Na sanha de picotar a anáfora, esta intercessão é cortada em duas,22
repetindo-se intervenções levemente semelhantes: “Lembrai-vos, ó Pai,
da vossa Igreja!” e “Lembrai-vos, ó Pai, dos vossos filhos!”. Ambas são
usadas na OE II: a primeira para a Igreja hierárquica; a segunda para os
defuntos. Agora, porém, a intervenção que, na OE II, se seguia à inter-
cessão pelos defuntos, torna-se reação à súplica pela assembléia aqui re-
unida e pelos cristãos dispersos, criando-se outra aclamação para após a
intercessão pelos defuntos. Com isso a finalidade catequético-pedagógi-
ca e a memorização ficam prejudicadas (cf. acima 2.1).
A intercessão pelos santos tem, nesta OE, a característica de retomar
a dimensão ofertorial da anamnese e uni-la à epiclese sobre os comun-
gantes, pedindo “que ele [Cristo? O Espírito?]23 faça de nós uma oferen-
da perfeita para alcançarmos a vida eterna” com os santos que serão
mencionados e cuja intercessão é lembrada. A intervenção da assem-
bléia que se segue, reprisa o pedido ofertorial: “Fazei de nós uma perfei-
ta oferenda!”. Assim se desfigura a função da súplica própria a este mo-
mento: unir no único corpo de Cristo a assembléia celebrante com os
santos que já estão na glória do céu.
A intervenção após a menção dos defuntos não corresponde à da OE
II. Mas permanece caracterizada como prece dos fiéis (“A todos saciai
com vossa glória!”). O mesmo se diga da intervenção específica para os
defuntos lembrados nominalmente: “Concedei-lhes a graça de contem-
plar vossa face!”.24 Observe-se ainda que a intervenção “A todos...” se-
para também aqui a doxologia do corpo da anáfora (cf. acima 2.1 e o ob-
servado na OE II).

Oração eucarística IV:


A OE IV é exemplar em sua estrutura e em seu conteúdo, inspirado
na anáfora de Basílio. O prefácio inicia a ação de graças, louvando a
Deus em si mesmo, para no pós-santo prosseguir a confissão da perma-

22. A unidade dessas duas partes fica bem marcada pelo fato de o mesmo MR brasileiro atribuir ambas a
um só concelebrante (2C).
23. Gramaticalmente seria o Cristo, pois é o último citado; teologicamente deveria ser o Espírito, a quem
cabe transformar-nos numa oferenda ao Pai.
24. Aliás, é uma frase, cuja cadência não se coaduna com a das demais intervenções (aproximadamente de-
cassílabas). Tem-se a impressão de um erro de digitação, pois a intervenção correspondente na OE II soava:
“Concedei-lhe contemplar a vossa face”.
290 F. Taborda

nente fidelidade de Deus apesar da constante infidelidade humana. As


intervenções da assembléia não obedecem à lógica da estrutura literária
e inserem súplicas no meio do louvor do texto básico.
A intervenção introduzida no prefácio (“Alegrai-nos, ó Pai, com a
vossa luz!”) seria perfeitamente dispensável, pois o prefácio não é tão
longo que precise ser interrompido. Além disso, enquanto o texto louva
a Deus, porque, na sua bondade, quis alegrar a muitos com sua luz, a in-
tervenção da assembléia pede para que Deus faça aquilo que ela própria
está agradecendo por Deus já tê-lo feito e pertencer à lógica de seu agir!
Outra impropriedade dessa intervenção (epiclética!) é separar do corpo
do prefácio o encaminhamento do Santo (cf. acima 2.1).
O pós-santo é seccionado em quatro trechos de comprimento seme-
lhante. As intervenções não primam pela lógica, até mesmo por introdu-
zirem súplicas nesta secção anamnético-celebrativa. O primeiro trecho
do pós-santo louva a Deus pela criação do mundo e do ser humano25 e re-
corda o pecado da criatura e a bondade de Deus que busca o pecador. A
intervenção, em vez de louvar a Deus, pede que ele faça o que se acabou
de dizer que ele sempre faz: “Socorrei, com bondade, os que vos bus-
cam!”, sem considerar que já a busca de Deus é sinal de que o Senhor
nos socorreu, pois sem sua graça não poderíamos buscá-lo.
O segundo trecho do pós-santo confessa o Senhor, porque ofereceu
aliança à humanidade,26 enviou os profetas para restaurar a aliança e, por
fim, seu próprio Filho para estabelecer a aliança nova e eterna. A inter-
venção se detém na última idéia, levando a assembléia a repetir com en-
levo “Por amor enviastes vosso Filho!”. Pelo menos a intervenção tem,
indiretamente, algo de louvor, embora seja propriamente uma confissão
de fé.
O terceiro trecho contém a cristologia histórica. A intervenção, se-
melhantemente à anterior, convida a assembléia a exclamar maravilha-
da: “Jesus Cristo deu-nos vida por sua morte!”. Vale a observação feita
sobre a anterior intervenção.
O quarto trecho traz a pneumatologia histórica, mas a intervenção volta
a ser uma súplica, uma verdadeira epiclese que ficaria bem depois da epi-
clese sobre os comungantes: “Santificai-nos pelo dom do vosso Espírito!”.

25. Teria sido melhor traduzir homo por “ser humano”; literariamente soa muito pesada aqui a expressão
“homem e mulher”.
26. Literariamente teria sido bem melhor traduzir hominibus por “à humanidade” em vez de “aos homens e
às mulheres”.
A assembléia nas orações eucarísticas 291

Essas quatro intervenções, além dos inconvenientes apontados, apre-


sentam o defeito de não serem memorizáveis, obrigando ao uso de fo-
lhetos ou outro expediente. Bem mais simples e mais coerente com a
unidade do pós-santo (e do prefácio) seria adotar uma única intervenção,
se necessário repetida quatro vezes, que expressasse a admiração e o
louvor pela obra de Deus. Inspirando-se no início do pós-santo, a inter-
venção poderia ser: “Como é grande, ó Pai, vossa bondade” (ou “vosso
amor”, “sabedoria”, “misericórdia”...).
A intervenção depois da epiclese sobre os dons, diferentemente das
duas OEs anteriormente analisadas, tem o mérito de mencionar o Espíri-
to: “Santificai nossa oferenda pelo Espírito!”. A expressão, no entanto, é
infelizmente, do ponto de vista do vernáculo, um tanto rebuscada. Além
disso, perde-se a chance de usar sempre a mesma intervenção para cada
trecho, de forma que o próprio povo acabe por identificar espontanea-
mente os diversos elementos da OE, mesmo quando o texto presidencial
usa palavras diferentes.
Depois da anamnese a intervenção é a mesma das OEs II e III. Peda-
gogicamente é positivo que isso aconteça. Mas permanece a objeção já
apresentada contra a unilateralidade de acentuar o caráter ofertorial da
anamnese em detrimento do caráter memorial. Pergunta-se ainda se se-
ria necessária uma intervenção neste momento, já que a aclamação me-
morial antecedeu a anamnese (“Anunciamos, Senhor, a vossa morte...”).
Neste sentido seria melhor que ela se lhe seguisse, como acontece numa
anáfora metodista de composição recente em que as próprias palavras fi-
nais da anamnese (“mistério da fé”) já desencadeiem a aclamação:
E assim, em memória desses teus atos poderosos em Jesus Cristo,
nós nos oferecemos a nós mesmos em louvor e ação de graças,
como um santo e vivificante sacrifício
em união com o oferecimento de Cristo por nós,
e proclamamos o mistério da fé.
Cristo morreu, Cristo ressuscitou,
Cristo virá novamente.27
Tomando como elo o final da epiclese sobre os comungantes, a inter-
venção que lhe segue pede: “Fazei de nós um sacrifício de louvor!”.
Entretanto, o texto da epiclese mencionara explicitamente a transforma-

27. Cf. http://www.revneal.org/communionlit1.html As palavras em negrito e itálico são a aclamação me-


morial tal como a traduzem também as Igrejas católicas de língua inglesa: “Christ has died, Christ is risen, Christ
will come again”.
292 F. Taborda

ção dos comungantes em um só corpo pela ação do Espírito Santo. Se


nos tornamos um “sacrifício vivo para o louvor da glória” de Deus, é por
nossa unidade em Cristo operada pelo Espírito Santo. Não é diretamente
o Pai, mas o Pai pelo Espírito que faz de nós um sacrifício de louvor. No-
vamente se levanta aqui o problema do esquecimento do Espírito Santo
na tradição latina.
As intervenções depois das intercessões (Igreja hierárquica, incluindo
também os leigos e os não-cristãos, “aqueles que vos procuram de cora-
ção sincero”; Igreja dos defuntos; Igreja dos santos) repetem expressões
usadas nas OEs anteriormente analisadas. O fato de serem iguais significa
uma vantagem, mas o efeito de transformar as intercessões em intenções
próprias das preces dos fiéis e, no caso da última intervenção, de separar a
doxologia do restante da anáfora, é uma enorme desvantagem.

Cânon romano (oração eucarística I):


Só agora, depois da análise das novas OEs introduzidas pela reforma
litúrgica do Vaticano II, convém deter-nos na OE I, o cânon romano,
cuja complexidade não permite reconhecer bem a estrutura, senão atra-
vés de uma tentativa de reconstituição histórica num paralelismo com a
tradição anafórica oriental (e ocidental não-romana). Foi o que os mem-
bros do Consilium ad exsequendam Constitutionem liturgicam28 fize-
ram, ao compor as novas OEs, e o que Giraudo mostrou em sua análise
das anáforas de dinâmica epiclética.29
Segundo esse estudo, o cânon romano, depois do santo, omitido o
pós-santo, traz logo uma longa e complexa epiclese sobre os dons, cuja
progressão temática seria:
A ti, portanto, Pai clementíssimo, suplicantes rogamos
queiras aceitar estes dons, estes presentes, estes sacrifícios
– que te oferecemos por tua Igreja católica...
– lembra-te de teus servos que as oferecem...
– esta oferta, digna-te torná-la espiritual...30
Sem atender à estrutura literário-teológica que decorre da pesquisa
histórica e da análise comparativa com todo o material anafórico exis-
tente, as intervenções da assembléia na OE I do MR brasileiro por um

28. Organismo criado por Paulo VI para executar a reforma litúrgica determinada pelo Concílio Vaticano II.
29. Cf. GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 369-384.
30. ID., ib., 378.
A assembléia nas orações eucarísticas 293

lado exacerbam a fragmentação operada pelos freqüentes “Por Cristo,


Senhor nosso. Amém” da tradição medieval, por outro não conseguem
identificar bem a função desse longo texto que precede o relato institu-
cional. Em parte as intercessões interpretam o “Nós a oferecemos” co-
mo intercessão pela Igreja hierárquica e o “Lembrai-vos, ó Pai” como
intercessão pela assembléia eucarística que aqui celebra.31 Em conse-
qüência, ao “Lembrai-vos, ó Pai” segue-se a intervenção própria das in-
tercessões “Lembrai-vos, ó Pai, de vossos filhos!”.32 Por sua vez, a inter-
venção depois do “Nós as oferecemos”, trecho identificado como inter-
cessão pela Igreja hierárquica, seria mais própria da epiclese sobre os
comungantes: “Conservai a vossa Igreja sempre unida!”.
O primeiro trecho da epiclese sobre os dons que (segundo a análise
de Giraudo) inicia com as palavras “Pai de misericórdia” (em latim: Te
igitur), recebe como eco a intervenção “Abençoai nossa oferenda, ó Se-
nhor!”, com a desvantagem de acentuar ainda mais a unilateralidade do
cânon romano no tema ofertorial.
No final de toda a primeira parte da secção epiclética, imediatamente
antes do relato institucional, vem a intervenção já encontrada nas OEs II
e III (modificada na OE IV): “Santificai nossa oferenda, ó Senhor!”.
Pelo menos esta intervenção identifica claramente este trecho como epi-
clese sobre os dons, embora – como no conjunto do cânon romano – o
Espírito não seja mencionado. Ora, justamente nesta OE I que esquece o
Espírito Santo, seria um grande mérito aproveitar a intervenção para ex-
plicitar a dimensão pneumatológica da eucaristia.
A intervenção que se segue à anamnese, é a mesma encontrada nas
OEs II, III e IV, cujos mérito e desvantagem não precisam ser repetidos.
O trecho identificado por Giraudo, de acordo com uma bem fundada
tradição, como epiclese sobre os comungantes não é reconhecido atra-
vés de uma intervenção adequada e se torna mais um momento ofertori-
al, repetindo a intervenção “Recebei, ó Senhor, a nossa oferta!”, certa-
mente pela insistência típica do cânon romano na dimensão ofertorial
(“Recebei, ó Pai, esta oferenda... ela seja levada à vossa presença...”).
Uma intercessão com caráter pneumatológico corrigiria a dupla lacuna
do cânon romano: seu olvido do Espírito e sua unilateralidade ofertorial.

31. O próprio MR identifica este trecho do cânon como “memento dos vivos” (nº 81) em contraposição ao
“memento dos defuntos” (nº 97), que se encontra depois da epiclese sobre os comungantes.
32. Todo o cuidado da tradução brasileira por uma linguagem inclusiva é deixado de lado nas intervenções
(aclamações) da assembléia!
294 F. Taborda

As intervenções às intercessões não apresentam novidade com rela-


ção ao que já foi dito a propósito das outras OEs já analisadas.

Oração Eucarística do Congresso Eucarístico de Manaus (ou OE V):


A OE V33 constitui um caso à parte no tocante ao tema deste estudo,
pois já foi composta em português com as intervenções da assembléia.
Nesse sentido, elas fazem parte integrante do texto, ao contrário das ou-
tras OEs.34
A intervenção depois da epiclese sobre os dons repete o pedido feito
no texto: “Mandai vosso Espírito Santo!”.
Depois da anamnese aparece a intervenção que depois seria retoma-
da para as diferentes OEs já analisadas: “Recebei, ó Senhor, a nossa
oferta!”. Os problemas e inconvenientes já foram apontados.
Depois da epiclese sobre os comungantes a intervenção é muito fe-
liz, correspondendo exatamente ao momento da OE: “O Espírito nos
una num só corpo!”. Essa aclamação não pertence à redação original da
OE V. Só apareceu quando da tradução brasileira da segunda edição típi-
ca do MR e é simples repetição de uma frase já pronunciada pelo minis-
tro. Mesmo assim, é lástima que não tenha sido aproveitada como mode-
lo para as aclamações que se introduziram nas outras OEs.
As intercessões estão divididas em cinco grupos: a Igreja peregrina,
a Igreja hierárquica, a Igreja dos santos, a Igreja dos defuntos, a Igreja
reunida nesta assembléia eucarística. Aos quatro primeiros grupos acres-
centaram-se intervenções. Com muita sensibilidade litúrgica e teológica
não se fez o mesmo no último grupo, possibilitando a continuidade entre
a intercessão e a doxologia. Aos dois primeiros grupos se responde com
a enigmática afirmação: “Caminhamos na estrada de Jesus!”. Enigmáti-
ca, porque não dá para saber o que pretende essa afirmação na sua cone-
xão com o texto que a antecede. Não é súplica, não é louvor; é mera afir-
mação.35 À intercessão pela Igreja dos santos se repetem as primeiras pa-
lavras do texto: “Esperamos entrar na vida eterna!”. O texto usado nas
OEs I, II e IV, anteriormente analisadas, teria sido melhor. Como essas
intervenções são posteriores à OE de Manaus, pode-se admitir que hou-

33. Sobre ela o A. espera publicar em breve um estudo.


34. Também as OE para missas com crianças já contêm, no próprio original, intervenções da assembléia.
Cf. mais adiante.
35. Por que então o ponto de exclamação final – aliás, presente em todas a intervenções?
A assembléia nas orações eucarísticas 295

ve um progresso na nova opção (“Concedei-nos o convívio dos elei-


tos!”). À intercessão pelos defuntos responde a assembléia: “A todos dai
a luz que não se apaga!”, o que transforma claramente esta intercessão
em prece dos fiéis.

Oração eucarística para diversas circunstâncias (ou OE VI A-D):


As quatro OEs div. circ. que se seguem são na realidade quatro vari-
antes de uma única OE, o que justifica sua qualificação no MR brasileiro
como OE VI com o acréscimo das letras A, B, C, D. Esta OE provém do
Sínodo Suíço de 1974 e tem, portanto, a mesma idade da OE do Con-
gresso Eucarístico de Manaus. Mas seu uso foi concedido ao Brasil ape-
nas em 1991.
A OE apresenta um núcleo invariável, tendo o prefácio e a interces-
são pela Igreja hierárquica quatro variantes de acordo com a temática
expressa no subtítulo que as qualifica: “A Igreja a caminho da unidade”,
“Deus conduz sua Igreja pelo caminho da salvação”, “Jesus, caminho
para o Pai”, “Jesus que passa fazendo o bem”. Nas duas últimas varian-
tes acrescenta-se também uma intercessão própria pela Igreja no mundo.
Nas partes invariáveis as intervenções são também invariáveis. Ao
pós-santo que pertence à secção anamnético-celebrativa, responde-se
com um pedido ou anseio (correspondendo ao modo optativo da gramá-
tica grega): “O vosso Filho permaneça entre nós!”. Ora, o texto louvava
ao Pai por sempre nos assistir no caminho da vida e bendizia o Filho por
estar “presente no meio de nós” quando nos reunimos para ouvir a Pala-
vra e celebrar a eucaristia. Não tem sentido augurar que ele faça o que
acabamos de proclamar que ele o faz!
Após a epiclese sobre os dons retoma-se a intervenção inserida nesse
lugar na OE V: “Mandai vosso Espírito Santo”. Embora pobre em sua
formulação, é em si uma intervenção muito lógica e feliz por sublinhar a
atuação do Espírito na transubstanciação.
À anamnese não se segue intervenção, o que é uma opção válida, pois
a aclamação anamnética já a antecedeu. No entanto, aparece uma inter-
venção após a epiclese sobre os comungantes, mas estranhamente é uma
intervenção ofertorial, de forma que a nossa transformação no corpo ecle-
sial de Cristo, o pedido fundamental de toda OE, é passada por alto. Por
outro lado, a intervenção ofertorial não é a mesma que conhecemos das
OEs I, II, III, IV, mas uma variante em que, em vez de “Recebei”, reza
296 F. Taborda

“Aceitai, ó Senhor, a nossa oferta!”, não levando em consideração a ques-


tão da memorização das intervenções pelo povo (cf. acima 2.1).
A intercessão pelos defuntos, que é a outra parte fixa desta OE, rece-
be sempre a mesma resposta nas quatro variantes: “Concedei-lhes, ó Se-
nhor, a luz eterna!”. Apesar do inconveniente de equiparar a anáfora ao
gênero literário das preces dos fiéis, a intervenção tem o mérito de evo-
car a oração popular “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e a luz perpé-
tua os ilumine”. A intercessão pela Igreja dos santos felizmente não foi
dotada de intervenção subseqüente, de forma que não se separa a doxo-
logia do corpo da anáfora.
As intercessões variáveis (pela Igreja hierárquica e eventualmente
pela Igreja no mundo) receberam intervenções também variáveis, de
acordo com seu conteúdo. Na variante A, embora o texto da anáfora seja
muito feliz ao relacioná-la com a epiclese sobre os comungantes (“For-
talecei o vínculo da unidade... vosso povo... brilhe como sinal profético
de unidade e de paz”), a intervenção o ignora e pede: “Confirmai na cari-
dade o vosso povo!”. Não seria mais lógico: “Fortalecei vosso povo na
unidade”? Ou, melhor ainda, alguma intervenção que mencionasse a
ação do Espírito?
Na variante B, a intercessão é muito feliz ao ligar o pedido pela Igre-
ja hierárquica com a epiclese sobre os comungantes (“Fortalecei, Se-
nhor, na unidade os convidados a participar da vossa mesa...”). No en-
tanto, a intervenção aproveita o gancho com uma das últimas palavras
do texto e reza: “Tornai viva nossa fé, nossa esperança!”, o que não tem
nada a ver com a função dessa intercessão na estrutura lógica e teológica
da anáfora.
Na variante C, a intercessão é mais desenvolvida e, por isso, é dividi-
da em duas partes, com duas intervenções da assembléia. O texto da pri-
meira parte é muito feliz em ligar a intercessão com a epiclese sobre os
comungantes (“Pela participação neste mistério [a comunhão] [...] santi-
ficai-nos pelo Espírito... Fortalecei-nos na unidade...”). Em consonância
com o texto, quase obrigada por ele, a intervenção é exemplar: “O vosso
Espírito nos una num só corpo!”. A segunda parte do texto da interces-
são refere-se à Igreja no mundo e a resposta se inspira naquela enigmáti-
ca intervenção da OE V. Mas agora soa: “Caminhamos no amor e na ale-
gria!”. Novamente surgem as perguntas: constatação? desejo? Por que
só “alegria”, quando o texto falou das “dores e angústias”? A idéia que
corresponderia ao conteúdo do texto e à estrutura anafórica, seria a de os
A assembléia nas orações eucarísticas 297

comungantes se sentirem não só como Igreja, mas como humanidade e,


assim, chegarem a “partilhar as dores e as angústias, as alegrias e as es-
peranças” de todos, enquanto peregrinam rumo ao Reino.
A variante D, cuja temática é a vida mesma de “Jesus que passou fa-
zendo o bem”, tem uma intercessão bastante genérica pela Igreja hierár-
quica e uma bela intercessão pela ação da Igreja no mundo “para confor-
tar os desanimados e oprimidos”. À primeira parte do texto corresponde
a intervenção da assembléia “Confirmai o vosso povo na unidade!”, que
vem bastante a propósito segundo a estrutura anafórica. A segunda parte
do texto tem por resposta “Ajudai-nos a criar um mundo novo!”. Se fôs-
semos conjugar o conteúdo do trecho com seu lugar na estrutura anafóri-
ca, deveríamos ter uma intervenção como, por exemplo: “Uni-nos no
serviço aos pequeninos”.36

Orações eucarísticas sobre a reconciliação I e II (ou OE VII e VIII


do MR brasileiro):
As duas OEs da reconciliação tiveram origem no Ano Santo da re-
conciliação que ocorreu em 1975. As intervenções da assembléia que se
acrescentaram para uso no Brasil, apresentam duas características: 1) já
aparecem no prefácio, como na OE IV; 2) só há dois textos de interven-
ções que se repetem mais vezes e as intervenções antes do relato da insti-
tuição se distinguem das que vem depois dele.
Para uma análise mais acurada é preciso considerar que a estrutura
das duas anáforas já na sua edição típica latina não é muito limpa.37 A
tradução brasileira a torna ainda mais turva.
Na OE rec. I (OE VII), a tradução brasileira – que é bastante livre
com relação ao texto latino ad interim38 – apresenta já no prefácio uma
parte de súplica, completamente fora de lugar e sem correspondência

36. Essas sugestões e outras semelhantes espalhadas pelo texto ficam subordinadas ao princípio básico a
ser defendido na conclusão: de não se optar por intervenções muito variadas e não memorizáveis.
37. Cf. C. GIRAUDO, ‘Preces eucharisticæ de reconciliatione’: Analisi della progressione tematica alla
luce della struttura anaforica, em: C. GIRAUDO (org.), Il messale romano. Tradizione, traduzione, adattamen-
to (Atti della XXX Settimana di Studio dell’Associazione Professori di Liturgia. Gazzada, 25-30 agosto 2002),
CLV – Edizioni Liturgiche, Roma 2003, 299-336.
38. O texto original mimeografado das OEs rec. (OE rec. I: francês; OE rec. II: alemão) foi enviado pela
SCCD às conferências episcopais, com uma primeira tradução latina ad interim, em 1º de novembro de 1974. A
mesma tradução latina foi publicada em fascículo impresso em 1983, por ocasião do Ano Jubilar da Redenção.
Na 3ª edição típica do MR saiu uma revisão daquela tradução latina como “appendix ad ordinem missæ”. Cf.
GIRAUDO, art. cit., 299-300. A tradução brasileira atual tem por base a tradução latina ad interim e, para a tra-
dução brasileira da 3ª edição típica do MR, terá obrigatoriamente que voltar a ser traduzida, a partir do texto lati-
no revisado.
298 F. Taborda

com o original.39 É o que Giraudo chama de “intervenção epiclética fur-


tiva”,40 ou seja: um claro pedido (“Dai, pois, em Cristo novo alento à
vossa Igreja... Fazei que...”), onde estruturalmente se esperaria uma ex-
pressão de louvor e ação de graças.
Além desse problema estrutural da tradução brasileira, já o original
divide o pós-santo em duas partes, inserindo no meio a epiclese sobre os
dons. Depois desta, continua a cristologia histórica até chegar ao relato
da instituição.41
Na OE rec. I (OE VII) as intervenções do povo na secção anamnéti-
co-celebrativa consistem na exclamação admirada: “Como é grande, ó
Pai, a vossa misericórdia!”. Ela é repetida duas vezes no prefácio e de-
pois da segunda parte do pós-santo. Estruturalmente está correta, embo-
ra se possa perguntar da oportunidade de interromper por duas vezes um
prefácio que não é assim tão longo. Além disso, a segunda intervenção
interrompe o fluxo do prefácio, pois isola o encaminhamento do Santo
(cf. acima 2.1). O uso de aclamação anamnético-celebrativa depois da
segunda parte do pós-santo também tem seu problema, porque não é cla-
ro se o texto ainda pertence ao pós-santo ou já faz parte da epiclese sobre
os dons ou mesmo do relato institucional. Nas duas últimas hipóteses, a
intervenção estaria fora de lugar. Mas ela tem o mérito de patentear a
anomalia desta OE que introduz a epiclese no meio do pós-santo.
Na secção epiclética a intervenção é: “Esperamos, ó Cristo, vossa vin-
da gloriosa!”, e se repete depois da anamnese, depois da epiclese sobre os
comungantes e depois das intercessões. Esta última intervenção está com-
pletamente fora de lugar por isolar a doxologia. Mas, independente disto,
o texto mesmo da intervenção é problemático. Primeiro por dirigir-se a
Cristo, quando a OE é toda dirigida ao Pai. Mas isso é de somenos impor-
tância, pois também a aclamação anamnética se dirige a Cristo. A questão
39. A tradução brasileira reza: “Concedeis agora a vosso povo tempo de graça e reconciliação. Dai, pois,
em Cristo novo alento à vossa Igreja, para que se volte para vós. Fazei que, sempre mais dócil ao Espírito Santo,
se coloque ao serviço de todos”, enquanto o texto original francês soava, em tradução literal: “E agora que teu
povo conhece um tempo de graça e reconciliação, concedes-lhe em Cristo retomar alento, voltando-se para ti, e
estar ao serviço de todo homem, confiando-se mais ao Espírito Santo” (texto em GIRAUDO, art. cit., 301, n. 5).
O que no original era constatação, torna-se, na tradução brasileira, uma súplica.
40. GIRAUDO, ob. cit. (Eucarista per la chiesa), 291-292.
41. Pela forma como prescreve a atitude dos concelebrantes, o MR latino (3ª edição típica) mostra identifi-
car o que acima chamamos de pós-santo interrompido como em parte pertencendo à epiclese sobre os dons (e du-
rante este tempo se estendem as mãos para as oblatas), em parte como longa introdução ao relato institucional (e
nesta ocasião se mantém as mãos postas até chegar às palavras do Senhor). O atual MR brasileiro segue outra ló-
gica: atribui a todos os concelebrantes a epiclese sobre os dons, voltando o celebrante principal a pronunciar sozi-
nho o que chamo de segunda parte do pós-santo. Com isso dá razão à minha análise que identifica um pós-santo
dentro do qual se insere indevidamente a epiclese sobre os dons.
A assembléia nas orações eucarísticas 299

é que a intervenção acentua um aspecto que não é central na estrutura ana-


fórica. A súplica da secção epiclética não é para que Cristo venha no fim
dos tempos, mas para que venha agora pela ação do Espírito sobre os dons
e sobre a assembléia. Nem se compreende o que esta afirmação tem a ver
com a idéia de reconciliação que a anáfora quer ressaltar.
Na OE rec. II (OE VIII) há uma inversão curiosa: as intervenções da
secção anamnético-celebrativa têm caráter epiclético, pois se trata de
uma súplica (“Fazei-nos, ó Pai, instrumentos de vossa paz!”), enquanto
as da secção epiclética têm caráter de anamnese e louvor (“Glória e lou-
vor ao Pai, que em Cristo nos reconciliou!”). Destas, a última está antes
da doxologia, isolando-a, pois, do conjunto da anáfora. Essa troca de pa-
péis dispensa outros comentários sobre a localização das aclamações no
interior da anáfora.

Orações eucarísticas para missas com crianças I, II e III (ou OE IX,


X e XI do MR brasileiro):
As OEs para missas com crianças é um caso à parte entre as anáforas
romanas por sua especificidade catequético-pedagógica. O texto típico
em latim não se destina a ser usado em nenhuma circunstância (que cri-
ança entende latim?). Elas constituem, pois, uma espécie de exemplo a
ser traduzido segundo o espírito de cada língua e as características das
crianças de cada país. Elas mereceriam por si mesmas um comentário
especial. Aqui devemos restringir-nos a observações sobre as interven-
ções, já previstas no texto latino, mas recriadas com grande liberdade na
tradução brasileira.
A OE cr. I (OE IX) visa a uma introdução ao canto do Santo que, por
isso mesmo, é executado em três partes distintas que, seguindo a tradu-
ção oficial brasileira, são: 1) “Santo, santo, santo, Senhor Deus do uni-
verso”; 2) “Os céus e a terra estão cheios de vossa glória. Hosana nas al-
turas”; 3) “Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas”.
No original latino, a seqüência das partes é a própria do canto do Santo
(ou seja: 1, 2, 3) e cada uma delas é introduzida como normalmente
acontece com o Santo. Dentro do prefácio há, pois, três encaminhamen-
tos, um para cada uma das partes do Santo.
A tradução brasileira preferiu ignorar essa complexidade na estrutu-
ra do prefácio e manter apenas um encaminhamento para o Santo. Para
tanto foi necessário ignorar a ordem das três partes, começando pela se-
gunda, passando depois à terceira que é repetida duas vezes, e deixando
300 F. Taborda

para o fim a primeira que é a que propriamente identifica o Santo. Esta


primeira parte é modificada com o acréscimo de um “Hosana nas altu-
ras”. Com essas modificações, a finalidade pedagógica desta OE – intro-
duzir ao canto do Santo – não se cumpre, pois a reprodução do Santo não
é linear.
No texto latino, além do Santo dividido em três partes, só há a acla-
mação anamnética, deslocada para depois da anamnese. E essa opção,
sem dúvida, tem a ver com a intenção de introduzir ao canto do Santo.
Não percebendo isto, a tradução brasileira acrescenta várias outras
intervenções. Depois da epiclese sobre os dons, depois das palavras da
instituição a respeito do pão e depois das mesmas a respeito do cálice, o
texto do MR brasileiro insere a aclamação “Bendito sejais, Senhor Je-
sus!”. A primeira inserção é completamente fora de propósito, principal-
mente considerando que a última frase dessa epiclese, na tradução brasile-
ira, já antecipa indevidamente a declaração ofertorial. As duas outras in-
serções são compreensíveis dentro da perspectiva do segundo milênio que
se fixa na presença real de Cristo a partir do momento em que são pronun-
ciadas as palavras institucionais. Não seriam pedagogicamente válidas
para iniciar as crianças numa compreensão dinâmica da eucaristia como
mistério de nossa participação no mistério pascal de Cristo, tal como en-
sina a grande tradição tão bem conservada pelas Igrejas Orientais.
Isso é tanto mais grave, quanto a tradução brasileira simplesmente
omite a aclamação memorial que seria importantíssima para uma cate-
quese sobre a eucaristia. E pior ainda, no lugar em que o texto latino traz
a aclamação memorial, depois da anamnese, a tradução brasileira intro-
duz uma intervenção ofertorial: “Com Jesus, recebei nossa vida!”. Cla-
ro, a anamnese na estrutura anafórica tem o elemento do memorial e de
sua oferta ao Pai. Mas aqui fica só esse segundo.
A tradução brasileira omite a intercessão pela Igreja hierárquica e,
no final da única intercessão (por vivos e defuntos e pela Igreja no mun-
do), repete a declaração ofertorial, completamente fora de propósito.
Se a tradução brasileira multiplicou as intervenções da assembléia
na OE cr. I, na OE cr. II (OE X) reduziu a duas as três aclamações pro-
postas para o prefácio. Essas aclamações, tanto no latim como no portu-
guês, têm caráter de louvor, mesmo que os textos latino e português só se
correspondam longinquamente.
No latim, o Santo é cantado com seu texto completo e no fim do
pós-santo se repete só a terceira parte, o “Bendito o que vem em nome
A assembléia nas orações eucarísticas 301

do Senhor. Hosana nas alturas”. É uma opção pedagógico-catequética


(cf. OE cr. I) que também corresponde ao caráter cristológico do pós-
santo. A tradução brasileira divide o pós-santo em duas partes e introduz
também no meio dele o canto do “Bendito o que vem...” Além disso,
pelo texto do MR brasileiro, repete-se o “Bendito...” ainda uma terceira
vez no final da epiclese sobre os dons. Uma idéia muito infeliz, porque
coloca na secção epiclética um elemento típico da secção anamnético-
celebrativa e não permite que se perceba a progressão da estrutura literá-
rio-teológica da anáfora. Outra conseqüência desastrosa é separar da
epiclese sobre os dons a narração da instituição que a fundamenta.
Depois das palavras sobre o pão e sobre o cálice na narração da insti-
tuição repete-se cada vez uma profissão de fé no mistério pascal: “Jesus,
dais a vida por todos nós!” (português); “Jesus Cristo entregue por nós”
(latim, tradução literal). O enfoque da aclamação é bem feliz, pois não
acentua unilateralmente a presença real estática, mas destaca a entrega
de Jesus. Logicamente a intervenção, no texto latino, se localiza depois
de “derramado por vós e por muitos para remissão dos pecados” e antes
de “Fazei isto em meu memorial”, pois estas últimas palavras atraem a
aclamação memorial que, traduzindo literalmente do latim, reza: “A Cris-
to que morreu por nós e ressuscitou, esperamos vindo na glória”. A tra-
dução brasileira infelizmente omite mais uma vez esta aclamação.
Depois da anamnese, o texto latino traz uma intervenção de louvor, o
que está fora de propósito. Entretanto, depois da epiclese sobre os comun-
gantes (que já inclui a intercessão pela Igreja hierárquica) e depois da in-
tercessão pelos vivos e defuntos e pelos santos, o latim traz aquela súplica
exemplar: “Que sejam um só corpo, um só espírito, para vossa glória, Se-
nhor”. Infelizmente, no último caso, separa a doxologia do corpo da aná-
fora. A tradução brasileira resolve simplificar e substitui a aclamação epi-
clética pela doxológica já usada depois da anamnese, mas não a propõe
depois da intercessão pelos defuntos, mas só no final, antes da doxologia.
Um lamentável empobrecimento teológico e estrutural do texto!
Na OE cr. III (OE XI) a tradução brasileira omite as variantes propos-
tas no latim para o tempo pascal no prefácio, no pós-santo e na interces-
são pela Igreja no mundo. Embora seja um empobrecimento do ponto de
vista do conteúdo, não toca o tema deste artigo que são as intervenções
da assembléia. No prefácio o MR brasileiro acrescenta uma intervenção,
antes do encaminhamento do Santo: “Estamos alegres, ó Pai, e vos agra-
decemos!” Ela antecipa o que será dito no início da transição ao Santo e
é, portanto, inútil, especialmente considerando a brevidade do prefácio.
302 F. Taborda

Além dessa intervenção no prefácio, a tradução brasileira apresenta


duas outras (repetidas mais vezes). A primeira aparece no fim do pós-
santo e depois das palavras da instituição sobre o pão e sobre o cálice.
Ela soa: “Glória a Jesus, nosso Salvador!”. Se na primeira posição (de-
pois do pós-santo) ela tem sentido, pois está na secção anamnético-cele-
brativa, só tem cabimento nos outros casos numa perspectiva da teologia
do segundo milênio (louvar a Jesus que se torna presente naquele mo-
mento exato; seria como cantar aí o tradicional “Bendito, louvado seja...
o santíssimo sacramento”, o que está completamente errado!).
Como nas demais OEs cr., também nesta, a tradução brasileira achou
por bem omitir a aclamação anamnética que perde assim sua importân-
cia, como se não fosse fundamental iniciar as crianças no sentido dessa
aclamação que é o sentido mesmo da eucaristia como memorial.
A outra intervenção da tradução brasileira é igualmente repetida três
vezes: interrompendo a anamnese, depois da epiclese sobre os comun-
gantes e depois das intercessões, isolando a doxologia com respeito ao
restante da anáfora. A intervenção tem caráter ofertorial e, assim, ainda é
passável na primeira posição; nos outros casos não ajuda a compreensão
da estrutura anafórica. Em vez dessa aclamação o texto latino apresenta
outra, de louvor, que interrompe por três vezes a longa anamnese. Tam-
bém ela não é adequada, já que esse tipo de intervenção caberia propria-
mente na secção anamnético-celebrativa.

3. Sugestões conclusivas

A necessidade de traduzir para o português a terceira edição típica do


MR seria uma oportunidade ímpar para dar uma solução aos problemas
apontados.
Do ponto de vista formal se poderia perguntar se seria conveniente
um número tão grande de intervenções da assembléia. O problema é
perder de vista que a OE é um texto unitário e fazer pensar que a anáfora
é um conjunto de pequenas orações que se agregam de qualquer maneira
em torno da narração da instituição que, nessa perspectiva, seria o único
que conta.
Quando a CNBB propôs à SCCD o texto do que viria a ser a OE V,
aduziu como razão os defeitos então comumente apontados nas OEs, in-
clusive as novas, ressaltando o prolongado monólogo do presidente e a
A assembléia nas orações eucarísticas 303

falta de participação da assembléia.42 Quando se tratou de a SCCD apro-


var o texto proposto, entre outras observações, o dicastério romano per-
guntava se as intervenções da assembléia não seriam excessivas. A au-
toridade romana havia percebido o problema do esfacelamento da uni-
dade anafórica. Entretanto, Dom Clemente Isnard, em nome da Co-
missão Nacional de Liturgia, pediu que fossem mantidas, para que se
pudesse avaliar na prática, se eram excessivas ou não.43 Ao que consta,
essa avaliação nunca foi realizada e o problema de fundo (o esfacela-
mento da OE) jamais foi considerado. Na minha opinião, a questão
nunca veio à tona, justamente porque não existe consciência de a anáfo-
ra ser um texto unitário, com uma lógica interna literária e teológica,
como C. Giraudo o demonstrou.
Mas o verdadeiro problema não é o número excessivo de interven-
ções da assembléia, mas sua qualidade, seu conteúdo, sua correspon-
dência com o fluxo lógico do texto anafórico. E sob este ponto de vista a
análise mostrou que as intervenções previstas deixam muito a desejar.
Seria de vital importância que elas correspondessem às duas grandes
secções próprias de toda oração de aliança, segundo a tradição véte-
ro-testamentária e judaica, antes que aos nove elementos particulares,
que, em diversas constelações, segundo a família litúrgica, estão presen-
tes no texto anafórico. Acentuar estes últimos acarreta uma fragmenta-
ção da anáfora.
Além disso, deve-se ter em vista a intenção presente em toda anáfo-
ra, ou seja, o pedido fundamental de toda oração eucarística: suplicar
ao Pai que envie seu Espírito sobre os dons e sobre a assembléia, para
que, pela comunhão nos dons do pão e do vinho transubstanciados em
corpo e sangue de Cristo, o Espírito transforme a assembléia em corpo
eclesial de Cristo. A ação do Espírito Santo na eucaristia, dado tão fun-
damental quão olvidado pela teologia e piedade ocidentais, poderia jus-
tamente ser salientada com a ajuda das aclamações e, desta forma, elas
constituiriam uma grande contribuição à Igreja Latina como um todo.
A finalidade pedagógico-catequética das aclamações precisa estar
bem presente ao elaborá-las. Não se trata só de quebrar a monotonia de
uma longa oração. As intervenções, quando automatizadas, podem tam-

42. Como se “participar” fosse sinônimo de dizer ou fazer algo.


43. Cf. Carta de Dom Clemente Isnard a Mons. Annibale Bugnini, 31 de outubro de 1974 (texto dos arqui-
vos da CNBB, a que tive acesso por gentileza de Manoel José Godoy).
304 F. Taborda

bém elas tornar-se monótonas.44 Trata-se principalmente de fornecer e-


lementos que possam dar azo a uma mistagogia a partir de palavras cons-
tantemente repetidas. Nesse sentido seria bom que as mesmas aclama-
ções ocorressem em todas as OEs, de forma que os participantes pudes-
sem identificar o ritmo lógico e teológico da OE, qualquer que ela seja.
Nesse sentido poderia haver um tipo de aclamação anamnético-cele-
brativa que pudesse ser usada (moderadamente) em algumas OEs, inter-
rompendo um pós-santo mais longo (na realidade é o caso só da OE IV)
ou depois do pós-santo. Aproveitando aclamações já existentes, poderia
propor-se “Como é grande, ó Pai, a vossa misericórdia!”. Com essa acla-
mação no final do pós-santo não se quebraria a transição entre a secção
anamnético-celebrativa e a secção epiclética.
Nesta última poderiam conservar-se dois tipos de aclamações epi-
cléticas, uma com referência à epiclese sobre os dons, outra com refe-
rência à epiclese sobre os comungantes. Essas aclamações deveriam men-
cionar o Espírito Santo, para que a Igreja latina tome consciência mais
viva da indispensável ação do Espírito nos sacramentos e, em especial,
na eucaristia. Uma possibilidade seria, depois da epiclese sobre os dons:
“Enviai, Senhor, o vosso Espírito e revelai-nos o Cristo Jesus”. A idéia
de que a ação do Espírito sobre os dons “revela” ou “manifesta” a Cris-
to, é tradicional e se encontra na anáfora das Constituições Apostólicas
(séc. V).45
Posta depois da epiclese sobre os dons, esta aclamação exigiria uma
retomada das palavras da epiclese para que o relato institucional não apa-
reça como um corpo estranho, isolado do resto da OE. Algo assim como:
“Sim, ó Pai, pela ação do Espírito Santo, revelai (ou: manifestai) presente
no meio de nós o vosso Filho, que, na véspera de sua paixão etc.”
Essa mesma aclamação poderia ser repetida depois das palavras so-
bre o pão e das palavras sobre o cálice, desde que se adotasse, para estas
últimas a forma que assumem nas OEs cr. e, em especial, na OE cr. II
(OE X) (no original latino). Nesse caso teríamos: Presidente (concluin-
do as palavras institucionais): “... para remissão dos pecados”. Assem-
bléia: “Enviai, Senhor...”. Presidente: “E disse também: ‘Fazei isto em
memória de mim’”. Segue-se a aclamação memorial desencadeada por
“Mistério da fé”.

44. Vale recalcar que as aclamações deveriam ser sempre cantadas.


45. Cf. Const. Apost. VIII, 12, 39a, em: GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 263.
A assembléia nas orações eucarísticas 305

A segunda aclamação epiclética poderia ser: “Enviai, Senhor, o vos-


so Espírito e transformai-nos no corpo de Cristo”. Seu lugar próprio se-
ria após a epiclese sobre os comungantes e poderia ser repetida depois
de cada uma das intercessões, exceto a última, para não isolar a doxolo-
gia do resto da OE.
A aclamação anamnética introduzida na reforma litúrgica do Vatica-
no II (“Anunciamos, Senhor...”; “Todas as vezes...”) nunca deveria ser
omitida, como acontece no atual MR brasileiro nas OEs cr. nem substi-
tuída.46 Também a tradução da exclamação latina “Mysterium fidei” que
“desencadeia”, na assembléia, a aclamação memorial, poderia ser re-
pensada. A tradução atual do MR brasileiro diz: “Eis o mistério da fé”.
Esse “eis” não está no latim e leva a um mal-entendido, sublinhado por
muitos celebrantes que, nesse momento, apontam para o pão e o vinho
consagrados. O mistério da fé não é a presença real de Cristo sob as es-
pécies de pão e de vinho, mas o mistério pascal de Cristo que é anuncia-
do e proclamado na eucaristia. Nesse sentido teria mais sentido dizer,
simplesmente: “Mistério da fé”, como em latim; ou, numa adaptação de
Ef 5,32, como o faz o MR francês: “Grande é o mistério da fé!”. Qual é
ele? Aquele de que se faz memória na eucaristia e que a aclamação pro-
clamará: o mistério pascal!
Essas sugestões o autor oferece aos responsáveis da CNBB pela tra-
dução brasileira da terceira edição típica do MR, como uma modesta
proposta para melhorar a qualidade de nossas celebrações e propiciar
uma mistagogia adequada que possibilite aos fiéis viverem mais inten-
samente o mistério eucarístico.47
Endereço do Autor:
Av. Dr. Cristiano Guimarães 2127
Planalto
Caixa Postal 5047
31611-970 Belo Horizonte – MG/BRASIL
E-mail: ftaborda@cesjesuit.br

46. A terceira alternativa: “Salvador do mundo, salvai-nos...” é menos feliz e deveria ser evitada, porque
não corresponde exatamente à função de memorial. Cf. GIRAUDO, ob. cit. (Num só corpo), 550, item 14. Além
disso, para evitar “uma intervenção do tipo: ‘Tomaremos agora a segunda fórmula!’”, seria “desejável que, a
cada fórmula corresponda uma monição própria” (cf. ib.), como o faz o MR espanhol.
47. As observações e sugestões não são completas. Seria preciso, em especial, estudar uma solução ade-
quada, dentro do espírito destas conclusões, para o cânon romano (OE I) e para as OEs cr. I, II e III.
Apêndice: Sinopse das intervenções

OE II OE III OE IV OE V OE OE OE OE OE VII OE VIII


VI-A VI-B VI-C VI-D
Prefácio Alegrai-nos, ó Como é Fazei-nos,
Pai, com a grande, ó ó Pai,
vossa luz! Pai, a instru-
vossa mentos
miseri- de vossa
córdia! paz!
(2 vezes)
Santo
Pós- Santificai 1)Socorrei, O vosso O vosso O vosso O vosso (?) Fazei-nos,
santo e reuni com bondade, Filho Filho Filho Filho Como é ó Pai,
o vosso os que vos perma- permane- perma- perma- grande, instru-
povo! buscam! neça ça entre neça neça ó Pai, a mentos
2) Por amor entre nós! entre entre vossa de vossa
enviastes nós! nós! nós! miseri- paz!
vosso Filho! córdia!
3) Jesus Cristo
deu-nos vida
por sua morte!
4)Santificai-
nos pelo dom
do vosso
Espírito!
Epicl. Santifi- Santifi- Santificai Mandai Mandai Mandai Mandai Mandai Como é
/dons cai cai nossa vosso o vosso o vosso o vosso o vosso grande,
nossa nossa oferenda, ó Espírito Espírito Espírito Espírito Espírito ó Pai, a
oferen- oferen- Senhor! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! vossa
da, ó da, ó miseri-
Senhor! Senhor! córdia!
Relato
Anam- Recebei, Recebei, Recebei, ó Recebei, Espera- Glória e
nese ó ó Senhor, a ó mos, ó louvor
Senhor, Senhor, nossa oferta! Senhor, Cristo, ao Pai,
a nossa a nossa a nossa vossa que em
oferta! oferta! oferta! vinda Cristo
gloriosa! nos
reconci-
liou!
Epicl. Fazei de Fazei de Fazei de nós O Aceitai, Aceitai, Aceitai, Aceitai, Espera- Glória e
/comung. nós um nós um um sacrifício Espírito ó ó ó ó mos, ó louvor
só corpo só de louvor! nos una Senhor, Senhor, Senhor, Senhor, Cristo, ao Pai,
e um só corpo e num só a nossa a nossa a nossa a nossa vossa que em
espírito! um só corpo! oferta! oferta! oferta! oferta! vinda Cristo
espírito! gloriosa! nos re-
conciliou!
Interc. <a> <b> <b> Espera-
Ig. Cami- Cami- Ajudai- mos, ó
mundo nhamos nhamos nos a Cristo,
na es- no amor criar um vossa
trada de e na mundo vinda
Jesus! alegria! novo! gloriosa!
OE II OE III OE IV OE V OE OE OE OE OE VII OE VIII
VI-A VI-B VI-C VI-D
Ig. <a> <b1> <a> <b> <a> <a> <a> O <a> Glória e
hier. Lembrai- Lembrai- Lembrai-vos, Cami- Confir- Tornai vosso Confir louvor
vos, ó vos, ó ó Pai dos nhamos mai na viva Espírito mai o ao Pai,
Pai, da Pai da vossos filhos! na carida- nossa fé, nos una vosso que em
vossa vossa estrada de o nossa num só povo na Cristo
Igreja! Igreja! de vosso esperan- corpo! unidade! nos
<b2>Lem- Jesus! povo! ça! reconci-
brai-vos, liou!
ó Pai,
dos
vossos
filhos!
(Ig. <b>(Con <c>(Con-
def.) cedei- cedei-
lhe lhe a
contem- graça de
plar a contem-
vossa plar a
face!) vossa
face!)
Ig. def. <c> <d> A <b> A todos <d> A <b> <b> <c> <c>
Lembrai- todos saciai com todos Conce- Conce- Conce- Conce-
vos, ó saciai vossa glória! dai a dei-lhes, dei-lhes, dei-lhes, dei-lhes,
Pai, dos com luz que ó ó ó ó
vossos vossa não se Senhor, Senhor, Senhor, Senhor,
filhos! glória! apaga! a luz a luz a luz a luz
eterna! eterna! eterna! eterna!
Ig. sant. <d> <a> <c> <c> Glória e
Conce- Fazei de Conce- Esperam louvor
dei-nos o nós uma dei-nos o os entrar ao Pai,
convívio oferenda convívio na vida que em
dos perfeita! dos eterna! Cristo
eleitos! eleitos! nos
reconci-
liou!
Doxol.
310 F. Taborda

Cânon romano (OE I)

Elementos da MR latino MR Intervenção Proposta


OE brasileiro existente
Prefácio Vere dignum É verdadeira-
mente
Santo Sanctus Santo
(Pós-santo) xxxxxxxxxxx xxxxx
Epiclese/dons Te igitur Pai de Abençoai
misericórdia nossa
oferenda, ó
Senhor!
In primis Nós as Conservai a
oferecemos vossa Igreja
sempre unida!
Memento, Lembrai-vos, Lembrai-vos,
Dne. ó Pai ó Pai, de
vossos filhos!
Communi- Em comunhão Em comunhão
cantes com toda a
Igreja aqui
estamos!
Hanc igitur Recebei, ó Pai
Quam Dignai-vos, ó Santificai Enviai,
oblationem Pai nossa Senhor, o
oferenda, ó vosso Espírito
Senhor! e revelai-nos
o Cristo Jesus.
Relato instit. Qui pridie Na noite
Anamnese Unde et Celebrando, Recebei, ó
memores pois Senhor, a
nossa oferta!
Epiclese/ Supra quæ Recebei, ó Pai
comung.
Supplices Nós vos Recebei, ó Enviai, Senhor,
suplicamos Senhor, a o vosso
nossa oferta! Espírito e
transformai-nos
no corpo de
Cristo.
A assembléia nas orações eucarísticas 311

Intercessões Memento Lembrai-vos, Lembrai-vos, Enviai,


etiam ó Pai ó Pai, dos Senhor, o
vossos filhos! vosso Espírito
e transformai-
nos no corpo
de Cristo.
Nobis quoque E a todos nós Concedei-nos
o convívio
dos eleitos!
Doxologia Per ipsum Por Cristo

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