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2013.

Tatiana Amaral
Capa
Thaisa Amaral
Revisão
Mariza Miranda
Diagramação
Amaral, Tatiana
1. Literatura brasileira.
2. Romance.
À Marla Costa e Adriana
Gardênia, por me ensinarem
todos os
dias que quando o amor é
verdadeiro, não existe tempo
nem distância
que nosimpeçam de abraçar a
pessoa amada .
“O amor tem dessas coisas, não
precisa de palavras, sons ou
cheiros para se expressar, é
apenas gestos e sensações. O
suficiente
para que duas pessoas que se
amam de verdade rompam todas
as
barreiras que os separam.
Nenhuma história, diferença ou
acontecimento seria capaz de
impedi-lo. Quando existe amor
verdadeiro, nenhum tempo é o
suficiente para vivê-lo, e cada
segundo
faz toda a diferença”.
Capítulo 1
Comemorando a Vida
1
VISÃO DE CATHY
Acordei sozinha deitada sobre
pétalas de rosas vermelhas.
Imediatamente sorri para as
lembranças da noite anterior.
Thomas havia feito uma linda
surpresa para comemorarmos
nosso
primeiro ano juntos.
No dia 18 de Junho de 2000,
decidimos ficar juntos e ele
finalmente descobriu que eu era
virgem. Ri comigo mesma
relembrando todos os
acontecimentos que fizeram com
que eu rompesse
minhas barreiras e me
entregasse ao amor. Foram
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circunstâncias difíceis, mas como
dizem: há males
que vêm para o bem.
Levantei me sentindo leve. Feliz!
As lembranças da noite anterior
eram as melhores possíveis.
Thomas não estava na cama, e
pelo visto, nem no quarto.
Estávamos no apartamento do
pai dele, onde um dia meu noivo
tinha me levado para
demonstrar o quanto eu era
especial em sua vida. Lembrava
muito bem da vontade que sentia
de
voltar e compartilhar os seus
momentos.

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Thomas havia organizado uma
comemoração maravilhosa para
o nosso aniversário, com
direito a jantar romântico,
músicos, rosas, joias e algumas
brincadeirinhas. Claro que o que
mais me
interessou foi o nosso momento
íntimo, quando finalmente nos
amamos e meu amante
derramou sobre
o meu corpo uma chuva de
pétalas de rosas vermelhas.
Foi fantástico!
Despedíamos de nossa rotina
agitada de divulgação e
promoção de novo trabalho.
Alguns dias
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antes, estávamos em Cannes,
exibindo o filme que lhe renderia
mais notoriedade. Não
concorríamos
a nada, apenas seria exibido, o
que já era uma grande honra.
Depois a correria normal que a
carreira de ator exigia.
Principalmente um ator como
Thomas,
que estava no auge, aclamado
pelos melhores diretores e
amado por milhares de fãs.
Meu trabalho ao lado dele só
tinha aumentado, pois com a
ausência da Helen, que preferiu
se

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afastar de vez do grupo para
passar mais tempo com sua filha,
Sophia, passei a acumular as
minhas
tarefas e as dela. Dyo também
estava com mais atribuições,
pois o que antes era de
responsabilidade
da Lauren, tinha sido passado
para ele. Meu amigo se
deslocava com o aumento das
localidades que
deveria cobrir como agente.
Por estes motivos estávamos
todos implorando por alguns dias
de paz e descanso. Eu e

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Thomas já tínhamos tudo
planejado: Férias merecidas.
Somente nós dois.
Levantei da cama e puxando o
lençol cinza de seda pura, que
meu noivo havia providenciado
para a nossa grande noite, e
cobri o meu corpo. Depois dei
risada para mim mesma. Eu
estava
sozinha, para que me cobrir?
Larguei o lençol e levantei de vez
me deparando com minha
imagem no
imenso espelho colocado em um
lugar estratégico, proporcionando
uma visão de um longo ângulo
da
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cama.
Perguntei-me se aquilo teria sido
uma ideia do pai de Thomas. Se
foi, eu já me sentia
envergonhada só de pensar nos
seus motivos. Ou talvez tenha
sido mais uma grande ideia de
Thomas
para apimentar a nossa noite.
Fiquei envergonhada da mesma
forma ao imaginar como ele tinha
conseguido nos assistir durante a
nossa longa sessão de amor.
Fui até o banheiro e lavei o rosto.
A minha missão era descobrir o
que Thomas estava aprontando,
já que tinha desaparecido do

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quarto sem me avisar. Coloquei
um roupão e desci as escadas
em direção à sala. Eu não
precisava
me preocupar com a presença de
algum desconhecido. O
apartamento estava vazio.
Passei pelos
sofás imensos e convidativos,
reconhecendo largada em um
dos seus cantos, a camisa que
ele usava
na noite anterior, quando
começamos a nos empolgar.
Encontrei meu noivo na varanda,
observando o sol nascer.
Vestindo apenas uma bermuda

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verde, descalço e sem camisa,
ele era a encarnação da beleza.
Havia um cigarro em uma de
suas
mãos, o que me desagradou um
pouco.
Ele sentiu a minha presença
antes que eu conseguisse
alcançá-lo e virou-se para me
receber
em seus braços. Suspirei ao ver
o sorriso maravilhoso que exibia
nos lábios.
- O que faz aqui sozinho?
- Desculpe! Não queria que
sentisse a minha falta – beijou os
meus lábios com carinho,
envolvendo-me em seus braços.
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- Posso te desculpar, mas
depende do tempo que você vai
demorar a voltar para a cama –
levantei meu rosto exigindo mais
dos lábios dele nos meus.
- Posso voltar agora mesmo. Já
estou aqui há algum tempo.
- Alguma decisão difícil? –
Lembrava da primeira vez em
que estive no apartamento,
quando
ele revelou que era para lá que ia
quando precisava pensar tomar
alguma decisão.
- Na verdade, não. Estava aqui
pensando... Ontem fizemos um
ano juntos...
- E?
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- Estamos noivos a mais ou
menos o mesmo tempo...
- Aonde quer chegar Thomas?
Seja direto – estava frio e eu
pretendia voltar logo para a cama
e continuar a nossa
comemoração.
- Nós ainda não marcamos a
data do casamento.
- Isso é tão importante para
você?
Fiquei intrigada com a colocação
de Thomas. Realmente não
havíamos marcado a data,
contudo nunca conversamos
sobre esta prioridade em nossas
vidas, pois praticamente não

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dispusemos de muito tempo nos
últimos meses para organizar
uma festa.
- E para você não?
- Claro que é! – Respondi
imediatamente para certificá-lo
de que tinha dúvidas a respeito
da
minha escolha. – Apenas não
tivemos tempo livre, mas
podemos fazer isso. É só você
me dizer a sua
preferência – seria mais fácil
saber por onde começar se
Thomas simplificasse as coisas
me
ajudando em alguns detalhes.

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Comemorações nunca foi o meu
forte. Eu nunca tive uma festa de
aniversário, nunca havia
organizado nenhuma para
ninguém e estava
completamente por fora sobre
como organizar um
casamento. Graças a Deus eu
tinha Melissa, Mia e Sam para
assumirem esta parte por mim.
- Não é tão simples assim.
Precisamos saber primeiro qual
tipo de festa queremos para
depois
definir a melhor época do ano
para realizá-la – “nossa!” pensei
aflita.

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Começava a sentir que os papéis
se invertiam: eu era o homem,
sendo mais prática e Thomas a
noiva ansiosa, preocupada com
os pequenos detalhes. Tive que
rir dos meus pensamentos. Ao
mesmo
tempo fiquei triste. Seria ótimo ter
uma mãe que me apoiasse e
ajudasse para que tornasse o
momento
realmente especial.
Minha mãe não teve tempo de
viver estas coisas comigo e o
que tive depois dela estava muito
longe de ser uma mãe, até Sam
entrar em minha vida.

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Infelizmente havia males que não
poderiam ser
revertidos.
- Não pensei nisso. Achei que o
ideal seria escolhermos uma data
que nos agrade para depois
decidirmos qual tipo de festa que
seria mais adequado. Na
verdade eu nem consigo pensar
em uma
festa de verdade. Queria que
fosse pequena, simples, sem
chamar a atenção da mídia. O
que você
sugere?-
Pensei em novembro.
- Vou pensar em uma data.

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- Não demore – ah, sim! Ele era
a noiva ansiosa. Tive que
segurar uma gargalhada.
- Para que tanta pressa? Não
existe nada em um casamento
que não já tenhamos vivido.
Moramos juntos, trabalhamos
juntos, dormimos juntos... –
enlacei sua cintura com meus
braços
insinuando o meu real interesse
no momento.
- Claro que existe! Mas o que
importa verdadeiramente não é
isso. Eu quero oficializar a
nossa relação. Contar para o
mundo que esta mulher
maravilhosa já tem um dono.
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- Outra vez com esta história de
dono?
Ele riu alto e começou a me
beijar de maneira mais ousada.
Como sempre, meu corpo se
entregou sem nenhum
empecilho. Fomos para o quarto
e fizemos amor. Depois
dormimos
***
Voltamos à realidade no final da
tarde. Thomas queria ficar no
apartamento por mais alguns
dias, porém eu queria voltar para
nossa casa e organizar algumas
coisas para os últimos
compromissos, além disso, logo
teria que abandoná-lo por
18
algumas horas. Iria encontrar
com minhas
amigas: Mia, Anna, Daphne e
Stella.
Como havíamos retornado de
uma longa viagem de divulgação
do seu último filme, queríamos
passar algum tempo longe de
tudo, antes de começarmos um
novo trabalho. Algumas
propostas
tinham surgido, mas nada que
precisávamos decidir com
urgência.
Iríamos dedicar alguns meses ao
nosso amor e aos preparativos
do casamento. Por este motivo

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eu estava ansiosa para rever as
minhas amigas. Não tinha visto
muito as garotas nos últimos
meses,
com exceção de Mia, e com as
férias ao lado do Thomas, ficaria
outro bom tempo sem vê-las.
Optamos por um restaurante
francês bastante aconchegante
em uma rua próxima a casa onde
vivia com meu noivo. Desde o
atentado da Lauren, Thomas não
se sentia confortável com o fato
de eu
estar longe e sem o
acompanhamento de
seguranças, e como detestava
sair seguida por sombras,
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decidi marcar em um lugar
seguro e próximo de casa.
Como se isso fizesse alguma
diferença, caso Lauren
resolvesse fugir do manicômio
onde
estava encarcerada. Só em
pensar minha pele se arrepiava
de medo.
Encontramo-nos no restaurante e
a alegria nos dominou
imediatamente. Eu sentia muita
falta
delas e a recíproca era
verdadeira, constatei satisfeita.
Conversamos animadamente por
bastante

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tempo. Contei sobre a viagem e
os lugares por onde tínhamos
passado. Falei sobre a vontade
do
Thomas em marcar logo a data e
a minha felicidade com o
casamento.
Mia nos contou sobre uma
pessoa que conheceu. Um rapaz
bastante interessante e dono de
uma
pequena empresa de softwares
que ganhava bastante
notoriedade no mercado. Parecia
que eles
engatariam um romance a
qualquer momento e ela estava

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bastante entusiasmada. Fiquei
super feliz
pela minha melhor amiga. Ela era
uma pessoa incrível e merecia
conhecer alguém que a
merecesse.
Stella estudava uma proposta de
mestrado em Londres e estava
às voltas com esta decisão tão
importante para seu futuro.
Empenhei-me em incentivá-la.
Eu sabia o quanto significava
para ela dar
continuidade aos estudos. Para
ser bem sincera, eu também
gostaria de poder me dedicar aos
meus,

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mas a minha vida com Thomas
não me permitia tal objetivo, por
hora.
Daphne recebeu uma promoção
na empresa de marketing em que
trabalha e por isso passou a
viajar bastante, o que fazia com
que ela também se distanciasse
do nosso grupo. Mas minha
amiga
estava muito feliz e satisfeita com
o seu desempenho profissional, o
que contava bastante, fazendo
com que todas
compreendêssemos a sua
constante ausência,
principalmente eu, que nos
últimos
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tempos fui mais ausente do que
qualquer uma delas.
Anna estava passando por um
momento bastante difícil em sua
carreira profissional e nós
tentávamos ajudá-la Ela foi
demitida da empresa de
publicidade em que trabalhava e
desde então não
conseguia encontrar outro
emprego. Ninguém sabia ao
certo o que ocorreu para que ela
fosse
demitida, porém respeitávamos o
fato dela não querer falar sobre o
assunto. Quando fosse a hora,
nossa amiga com certeza nos
contaria.
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O fato era que por causa das
dificuldades que estava
passando, Anna estava cada vez
mais
arredia e agressiva,
especialmente comigo.
- Nem todo mundo consegue tirar
na loteria, Cathy, Muito menos
ganhar tantas vezes seguidas,
como você – ela buscava formas
de rebater as nossas tentativas
de ajudá-la, ou mais
especificamente, as minhas
tentativas.
- Não sei do que você está
falando, Anna – tentei ser o mais
natural possível evitando uma

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maior discussão entre nós duas.
Anna era minha amiga e eu não
via motivos para brigarmos,
principalmente em um momento
tão difícil.
- Tá legal, Cathy! Você consegue
o emprego perfeito, o namorado
perfeito, a herança perfeita e
acha que engana quem com esta
conversa de que as coisas não
são bem assim?
- Desculpe, Anna, eu não sabia
que a minha felicidade te
incomoda tanto assim. Só
gostaria
que se lembrasse que eu tive
que vencer muitas batalhas para

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conseguir o emprego perfeito,
quase
perdi a minha vida para ficar com
o namorado perfeito e para que
eu recebesse a herança perfeita,
meu pai precisou morrer – minha
paciência estava quase no fim.
- Cuja existência você nunca se
importou.
Senti as lágrimas se formarem
com as recordações difíceis.
Anna estava sendo
especialmente
cruel e sem necessidade alguma.
Resolvi que aquela era a minha
deixa para ir embora.
- Bom... Acho que chegou à hora
– olhei para minhas outras
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amigas que estavam
constrangidas
com a pequena discussão com
Anna.
- Ah não, Cathy! Ainda é cedo! –
Stella estava realmente sentida
com a minha saída.
- Meia noite, Stella. Se não voltar
para casa agora a mágica se
desfaz e volto a ser a gata
borralheira. Meu carro vai virar
abóbora e o Arnold vai virar um
ratinho – sorri já sentindo o
amargo da despedida. –
Teremos tempo. Thomas tem
alguns compromissos para
cumprir. Só
viajaremos em vinte dias.
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Assim que terminei de falar meu
celular vibrou. Atendi certe de
que era Thomas. Sorri para as
meninas com a constatação.
- Agora é à hora mesmo de ir –
Mia afirmou um pouco
desanimada.
- Já estou voltando, amor –
revirei os olhos.
- Está bem tarde, Cathy, você
sabe como eu fico...
- Eu sei, Thomas. Estou só me
despedindo das meninas.
- Estarei esperando. Te amo!
- Eu também.
Desliguei o celular já me
desculpando com as minhas

30
amigas. Thomas tinha ficado
super
protetor depois do incidente. Às
vezes me sentia um pouco
sufocada com o excesso de
atenção,
apesar de saber que meu noivo
tinha motivos reais.
Abracei minhas amigas, inclusive
Anna, e fui. Prometemos nos
encontrar em alguns dias, com
exceção da Daphne, que estaria
viajando a trabalho.
Quando cheguei em casa,
Thomas já me esperava na
entrada. Suspirei pesadamente.
Não

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queria que ele soubesse que eu
estava incomodada com os seus
cuidados.
- Voltei sem faltar nenhum
pedaço.
- Fico muito feliz por isso – sorriu
de forma esplêndida e eu
consegui me lembrar do porque
de quando estávamos juntos não
conseguia encontrar dentro de
mim o incomodo pela atenção
exagerada. Joguei-me
teatralmente em seus braços e
levantei uma perna, como as
divas do cinema.
Ofereci-lhe os lábios e fechei os
olhos aguardando pelo beijo. Ele
riu e me beijou.
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- Eu sentiria falta de qualquer
pedacinho seu. Te amo todinha,
sem tirar nada – beijou meu
pescoço causando arrepios pela
minha pele. - Como foi o seu
encontro?
- Ótimo! Apesar da Anna. Eu
estava com muita saudade das
meninas.
- Eu sei – pegou em minha mão
e começou a andar em direção a
sala. – Por que apesar da
Anna?
- Ela está com todos os
problemas do mundo e resolveu
me utilizar como sua válvula de
escape – sentei no sofá e
comecei a soltar as fivelas que
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prendiam minhas sandálias ao
calcanhar.
- Como assim?
- Ela me disse algumas coisas
sobre eu ter toda a sorte do
mundo e ela nenhuma. Resolvi
não
entrar no clima e vim embora.
- Fez bem. Já está bem tarde.
Não é hora de uma mulher
comprometida estar na rua.
Principalmente com amigas
solteiras – falava com tom sério,
eu sabia que ele brincava,
tentando não
me deixar mais intrigada com a
atitude da Anna comigo.
- Mia não é mais solteira.
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- Ah não? Quem é o sortudo?
- Não o conheço ainda, mas
pensei em convidá-los para
jantar, o que você acha?
- Acho ótimo!
- Vou fazer isso.
- Sam ligou para seu celular?
- Não. Por quê?
- Ela ligou aqui para casa. Queria
falar com você e eu disse que
tinha saído para encontrar
com as garotas. Ela falou que te
ligaria. Fiquei um pouco
preocupado. Era bastante tarde e
Sam
parecia nervosa.
Olhei para o relógio, era quase
uma hora da madrugada.
35
- Amanhã bem cedo ligo de volta
para ela.
***
Pela manhã, assim que Thomas
resolveu me deixar sair da cama,
fui em busca do telefone para
tentar falar com Samantha. Ela
não estava em casa e também
não atendia o celular. Tive que
ligar
para o telefone do escritório
tentando obter alguma
informação sobre o seu paradeiro
e foi lá mesmo
que a encontrei.
- Sam, o que aconteceu?
Thomas disse que você estava
querendo falar comigo?
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- Eu sempre quero falar com
você, minha querida, isso não é
nenhuma novidade.
Respirei aliviada. Ela estava
bastante tranquila, o que me
permitia tirar qualquer problema
sério dos meus pensamentos.
- Você me deixou preocupada.
Achei que tivesse acontecido
alguma coisa.
- Na verdade aconteceu, mas já
temos tudo sob controle.
- Temos? Alguma coisa
relacionada às empresas?
- Sim. Peter sofreu um infarto
ontem à noite, mas já está tudo
bem com ele, apesar de

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permanecer internado e de ainda
precisar de cuidados. Os
médicos disseram que ele teria
que se
afastar dos negócios por um
tempo e ficamos um pouco
perdidos. Não existe ninguém da
família,
além de você, para substituí-lo.
- Ai meu Deus, Sam! Você sabe
que não entendo nada disso,
com poderei fazer alguma coisa?
Também tenho meus
compromissos com Thomas,
ainda não estamos liberados.
Sinto muito, mas não
posso te ajudar – a angústia
tentava me dominar. Eu não
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queria deixá-la na mão, mas não
existia
nenhuma possibilidade de me
tornar uma executiva a aquela
altura do campeonato.
- Imaginei que diria isso – sua
voz estava bastante leve. Fiquei
aliviada de imediato. – Acabei
de sair de uma reunião com o
conselho administrativo. Foi o
que tentei te avisar ontem à
noite, mas
você não estava, então decidi
que faríamos esta reunião
mesmo sem a sua presença.
- Tudo bem! O que vocês
decidiram?

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- Tivemos que decidir um monte
de coisas, inclusive a sua
participação nesta história. Peter
tinha diversas reuniões de
negócios que seriam
extremamente importantes e
vantajosas para as
empresas, então não podemos
adiar ou deixar passar estas
oportunidades. Elegemos uma
pessoa para
substituir Peter. Será quem
comandará tudo, mas o trabalho
será facilitado, porque dividimos
o cargo
em dois. É neste ponto que
precisaremos de você.

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- Não posso assumir o cargo,
Sam...
- Eu não te pediria isso, Cathy.
Será feito da seguinte forma:
uma sede será a de Nova York.
Sei que não será fácil
acompanhar os acontecimentos,
mas vamos precisar de você em
alguns
momentos, principalmente
porque a outra será a de em Los
Angeles. Já temos a pessoa que
irá
coordenar os cargos da
presidência, só precisamos que
você o acompanhe em algumas
ocasiões e

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seja um pouco mais presente.
Não é nada que vá te atrapalhar.
- Em vinte dias estarei viajando
com Thomas para a Suíça para
iniciarmos nossas merecidas
férias. Não estarei aqui.
- Cathy, precisamos de você.
Nossas empresas são
respeitadas e conhecidas por
mantermos
nossa ética familiar a frente das
decisões. Os investidores vão
cobrar, os fornecedores também.
Não
podemos correr este risco. Uma
representante legítima da família
apaziguará os ânimos. Em nada

42
ajudará estarmos em meio a uma
crise e os noticiários mostrando a
dona de tudo curtindo férias.
Desculpe, mas terá que adiar as
suas férias. Sinto muito! – Pensei
duas vezes sobre o que deveria
responder, mas optei em aceitar
o que Sam me pedia, afinal, eu
era a dona e precisava apoiá-los
quando necessário.
- Isso vai me render um
problemão com Thomas, mas
darei um jeito. Conte-me, quem
irá
ocupar o cargo?
- É um jovem que está a algum
tempo dirigindo umas de nossas
empresas. Ele tem muito
43
talento e como estava em
constante contato com Peter, tem
uma grande experiência com o
que vai
encontrar pela frente. O nome é
Roger Turner.
Parei um tempo tentando
assimilar o que ela estava me
dizendo. Roger Turner. Só podia
ser
uma brincadeira do destino. Este
era o nome de meu ex-
namorado. Será que era a
mesma pessoa? A
simples menção do seu nome,
me fez, involuntariamente,
reviver muitos anos da minha
adolescência,
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quando podia contar apenas com
Roger contar.
Depois que nos separamos
nunca mais nos vimos. Ele tinha
entendido, mas não foi possível
evitar a mágoa que ficou com o
nosso rompimento.
- Cathy! Você esta aí?
- Estou sim, Sam. Apenas fui
pega de surpresa. Conheci um
Roger Turner há algum tempo.
- Se for o mesmo será de muita
utilidade. Ao menos vocês
poderão pular a fase de
adaptação.
- Espero que sim.

45
Desliguei o telefone já pensando
no tamanho do problema que
teria com Thomas por causa das
últimas novidades. Primeiro a
necessidade de adiarmos a
nossa tão esperada viagem,
mesmo que
fosse por pouco tempo. Segundo
pelo reaparecimento de mais
aquele ponto do meu passado.
Roger não era um fardo para
mim, muito pelo contrário. Ele foi
um grande companheiro, meu
melhor amigo e também meu
namorado. Este era o grande
problema, eu nunca contei sobre
a sua

46
existência e, sinceramente, não
tinha nenhuma ideia de qual
seria a reação do meu noivo.
Teria que
pensar na melhor maneira de
contar.
Capítulo 2
Explicações
VISÃO DE CATHY
Três dias depois, convidei Mia e
seu novo namorado para jantar
em nossa casa. Thomas
convidou Dyo, uma vez que ele e
Mia eram grandes amigos
também, e este perguntou se
poderia

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levar um amigo. Então seríamos
um grupo bastante animado de
seis pessoas.
Henry Dahmer, o namorado de
Mia, era um homem de 30 anos,
muito elegante, que dava gosto
de olhar. Alto, moreno, olhos
azuis, pele bronzeada, um
verdadeiro Deus grego, e era de
minha
amiga. Mia estava fascinada com
a atenção que ele lhe dava e
com a facilidade de sua
adaptação ao
grupo.
O amigo do Dyo, Maurício Lecter,
era baixinho, possuía um corpo
bastante definido, cabelos
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castanhos curtos, um corte
moderno e olhos que
acompanhavam a cor do cabelo.
Tinha sobrancelhas
grossas que quase se tocavam o
que dava ao seu rosto,
levemente arredondado, a ideia
da
masculinidade. Aparentava ser
mais velho do que Dyo e também
mais maduro, centrado. Ele era
inconfundivelmente gay.
Eu e Thomas achamos que
existia algo entre eles, apesar de
toda a descrição de ambos.
Fiquei
feliz pelos meus amigos. Era
como se mais um ciclo estivesse
49
se fechando, com todos tão
felizes com
o amor. Depois do jantar ficamos
todos na área da piscina
conversando sobre nossas vidas.
Dyo e
Thomas se ocuparam em
descrever para Henry e Maurício
a minha história de amor, com
Thomas é
claro.
Eu e Mia ríamos dos comentários
e fazíamos alguns acréscimos às
histórias contadas. Mia
dedicava o seu tempo em dizer a
Thomas que ele teve muita sorte
em me encontrar, ressaltando
que
50
existia uma longa fila aguardando
uma oportunidade. Meu noivo
disfarçava, mas estava
visivelmente
incomodado com as declarações
de dela. Ele nunca escondeu o
seu lado ciumento.
Não sei como a conversa
começou, porém de repente eu
estava ouvindo Thomas se gabar
dizendo que foi o meu primeiro
namorado, destacando a palavra
“namorado”, para que não
houvesse
dúvidas, além de falar do quanto
eu lutei contra o que sentia por
medo do sentimento
desconhecido.
51
A resposta saiu tanto de mim
quanto de Mia, simultaneamente
e sem pensar.
- Não foi, não! – Me arrependi de
imediato e, a julgar pelo olhar
que Thomas me deu, eu sabia
que não poderia mais voltar
atrás.
- Isso é novidade para mim –
ninguém percebeu, mas eu
conhecia meu noivo muito bem e
sabia
que ele estava furioso com a
revelação. – Por que você nunca
me falou? Eu imaginava que
você já
ficou com outros caras, mas
namorado mesmo... – riu sem
52
graça. Pude ver o fogo por trás
dos seus
olhos. Eu estava com problemas,
isso era um fato.
- Por que você nunca me
perguntou. E eu nunca disse que
não tive um namorado antes.
Thomas ficou calado por um
tempo, então continuou
conversando como se nada
tivesse
acontecido. Estremeci com o que
viria depois que todos fossem
embora, quando ele finalmente
poderia demonstrar o que estava
sentindo.
A reunião permaneceu até a
madrugada. Mia, após entender
53
que tinha colaborado com a
minha
mancada, fez de tudo para
entreter Thomas, acreditando
que assim amenizaria o meu
problema. Ela
não sabia que quando meu noivo
implicava com uma coisa, ia até
o fim.
Após muito vinho e risadas, eles
resolveram que já estava na hora
de ir. Foi quando aumentou
o meu tormento. Depois das
despedidas, usei a desculpa de
que precisava recolher as coisas
para

54
levar à cozinha. Thomas não
contestou e ficou na varanda
fumando um cigarro.
Demorei o máximo que pude
evitando o confronto. Eu não
queria que ele ficasse aborrecido
comigo, por isso preferia ter
aquela conversa apenas quando
já estivesse com todas as
justificativas
preparadas.
Quando saí da cozinha, todo o
andar de baixo já estava com as
luzes apagadas. Fui direto para
a escada esperando encontrar
Thomas já dormindo no nosso
quarto.

55
- Cathy! – Estremeci com o som
de sua voz vindo da varanda. –
Esta fugindo de mim? – Virei
em sua direção sem muita
vontade e tentei organizar as
minhas feições para não
demonstrar o meu
desespero. Com certeza não
consegui.
- Não tenho motivos para isso –
sorri, falhando na tentativa de
parecer tranquila. Eu piscava
sem parar e enruguei as
sobrancelhas.
- Você me deve uma explicação.
- Sério? Sobre o que?

56
Era ridículo fingir que não sabia,
embora não conseguisse pensar
em nada melhor para dizer.
A minha única vontade era correr
e me trancar no quarto. Absurda
e infantil era pouco para mim. O
que havia de errado com o fato
de ter um ex-namorado? Mesmo
nunca tendo tocado no assunto
ou
dado a entender que ele existiu
algum dia, isso era apenas
detalhe, não era? Ao menos eu
esperava
convencer Thomas com este
argumento.
- Sobre o seu ex-namorado. O
que eu nunca soube da
57
existência – Thomas estava
calmo,
contudo já podia antever que não
terminaríamos bem.
- Thomas, isso é um problema
para você? - Por algum motivo
desconhecido eu estava tentando
bancar a idiota.
- Claro! – Ele me encarou com
severidade.
- Pois não deveria. Você teve um
monte de ex-namoradas,
algumas com instinto assassino e
eu
nunca fiz disso um problema
para nós dois – permaneci com o
sorriso débil no rosto.
- Não?
58
Tudo bem. Eu tinha feito. Tinha
inclusive me proibido de ficar
com Thomas por causa das suas
aventuras amorosas. E
literalmente infernizei a sua vida
devido ao seu romance com
Lauren. O que
quase nos separou. Desisti de
fugir do assunto e encarar a
situação de frente.
- Amor, eu nunca achei
necessário te contar. Aliás, eu
nem me lembrava mais desta
história.
Não tem importância alguma, o
mais importante eu vivi com você
– Thomas avaliou a minha

59
mudança súbita, porém não se
contentou. Era ridículo dizer que
nem me lembrava de ter tido um
exnamorado?
- Quando foi isso? Quando
terminou? Quanto tempo vocês
ficaram juntos?
Respirei fundo. Não sabia como
responder sem irritá-lo ainda
mais. Ele percebeu a minha
relutância.
- Cathy, já deixamos a fase dos
segredos para trás.
- Seis anos – senti minhas mãos
começarem a suar.
- Seis anos? – Thomas gritou
surpreso. – E você ainda diz que
não teve importância?
60
- Thomas, pare! – Sentei na
poltrona e coloquei o rosto entre
as mãos. Seria uma conversa
difícil.
- É inacreditável! Se eu tivesse te
escondido alho assim você
estaria furiosa comigo – ele
andava de um lado para o outro
passando as mãos pelos
cabelos.
- Você está furioso comigo. E
você me escondeu a sua história
por bastante tempo.
- Eu nem sei o que te dizer.
Quem é esse cara? De onde
vocês se conhecem? O que
aconteceu?

61
Existe mais alguém que eu
precise saber ou vou ser sempre
surpreendido com as suas
revelações.
- Calma, Thomas! – Puxei o ar e
levantei indo me sentar na
poltrona próxima a ele. – O que
exatamente você quer saber?
- Exatamente tudo.
- Eu conheci Roger quando tive
que morar com minha tia, como
te contei, depois da morte da
minha mãe. Na época eu tinha
doze anos e ele dezessete. Nós
nos tornamos amigos de
imediato. Ele
era a única pessoa que eu
conhecia, por isso nos tornamos
62
tão próximos. Estudávamos na
mesma
escola e íamos juntos todos os
dias, até que ele foi para a
faculdade. Quando fiz quinze
anos ele se
declarou. Achei que era o mais
lógico a fazer.
- O mais lógico?
- Thomas, preciso mesmo
explicar mais uma vez que antes
de você, nunca amei outra
pessoa?
Gostava do Roger. Ele era um
grande companheiro, e para o
momento em que eu estava
passando,

63
era muito reconfortante ter
alguém que queria tanto me ter
por perto. Sentia-me segura ao
lado dele e
apenas isso.
- E você realmente quer que eu
acredite que ficou seis anos com
uma pessoa que não amava?
- Quero sim! Você só tem duas
opções: acreditar em mim ou não
acreditar. E eu estou te
dizendo que a única coisa que
sentia pelo Roger era amizade e
gratidão. Achei que poderia se
tornar
algo mais forte, afinal todo
mundo sempre falou que a

64
convivência pode trazer o amor,
porém com o
tempo percebi que nunca
aconteceria.
- Depois de seis anos?
- Não. Antes disso. Só não tinha
coragem de terminar. Na verdade
nem queria terminar. Como
disse: Roger era um grande
companheiro e eu estava feliz
com ele.
- E por que se separaram? Foi
ele quem te deixou? – Thomas
estava ansioso pela resposta e a
jugar pelo seu comportamento,
também com medo da minha
resposta.

65
- Você sabe que eu era virgem.
Não era fácil manter um
relacionamento com uma pessoa
com
tantos bloqueios como eu. Roger
era carinhoso, atencioso,
romântico, mas nada disso me
fazia querer
eliminar os traumas que me
impediam de ser realmente uma
mulher. No início ele aceitou e foi
bastante compreensivo, mas com
o tempo passou a pressionar... E
eu me dei conta que seria
impossível isso acontecer. Então
terminei o relacionamento.

66
Fiz uma pausa para observar a
sua reação. Ele ficou mais
tranquilo. Era a minha deixa para
tentar apaziguar o clima.
- Thomas eu te amo! Nunca amei
outra pessoa, só você – levantei
e me ajoelhei diante dele,
buscando por seus olhos. - Não
existe motivos para que você
fique cismado com esta história
do meu
passado. Nada do que te contei...
Nada do que vivi com ele, foi
mais importante do que tudo o
que já
vivi com você.

67
Meu noivo sorriu ainda um pouco
resistente, porém o fato de eu
estar reafirmando o que sentia
por ele estava fazendo diminuir
sua incerteza e insegurança.
- E vocês nunca mais tiveram
contato? Ele simplesmente sumiu
de sua vida? – Por que não
podíamos parar por ali? Por que
Thomas tinha que tentar
descobrir até a última parte? Não
poderia
deixar para outro dia? Senti
minha cabeça doer com a
iminência de mais problemas.
- Sim.... Até agora...

68
- Como assim até agora, Cathy?
– A tensão voltou a nossa
conversa.
- Era isso o que eu tinha para
conversar com você, só que
queria que fosse em
circunstâncias
diferentes.
- Manda logo a bomba! –
Thomas passou os dedos com
força pelos seus fios de cabelos.
- Então... Quando a Sam me
ligou informando sobre os
problemas da empresa... Ela
falou o
nome da pessoa que assumiria a
direção das empresas.

69
- E? Não vá me dizer que é o
mesmo cara! – Bingo! Podia
sentir meu coração insistindo em
escapar do peito.
- Eu ainda não sei se é ele
mesmo, apenas imaginei que
seria muita coincidência. O
mesmo
nome e sobrenome e...
- Vamos ver se entendi: você vai
passar o tempo que nós teríamos
para curtir juntos,
trabalhando ao lado do seu ex-
namorado? – Thomas estava
totalmente transtornado com a
situação.
Sua voz estava alterada e seus
gestos eram impacientes.
70
- Nós nem sabemos se é ele
mesmo.
- E se for? – Cruzou os braços no
peito e me encarou
desafiadoramente.
- Não será um problema.
- Como não? Você vai ter o seu
ex-namorado em sua cola o
tempo inteiro e...
- Thomas, você teve uma ex-
namorada em nossa cola durante
um bom tempo. Eu convivo
sempre com ex-namoradas suas.
Como pode me cobrar agora?
- Eu não tenho ex-namoradas.
- Que seja!
- Você viu no que deu permitir
que uma pessoa do meu
71
passado convivesse com a
gente. Não
quero que esta história se repita
– um calafrio percorreu minha
espinha. Thomas parecia
profetizar
algo.
- Pelo amor de Deus! Quem
disse que tudo vai se repetir?
Roger aceitou o fim do nosso
relacionamento de forma
bastante digna. Nunca me
procurou nesses anos todos.
Com certeza teria
como me encontrar, sabe que eu
sou a dona da empresa em que
trabalha e nem por isso resolveu

72
aparecer. Bem diferente do que
aconteceu com a Lauren.
- Tudo bem, Cathy. Faça como
você quiser.
Dizendo isso, Thomas me deu as
costas e foi embora para o nosso
quarto. Eu ainda fiquei na
varanda por um tempo tentando
esfriar a cabeça para que não
recomeçássemos a briga.
Quando fui
para o quarto, ele já estava
dormindo. A única coisa que
podia fazer era dormir também.
Sem o calor
do seu corpo e do nosso amor.
Capítulo 3
Reencontros
73
VISÃO DE CATHY
Dois dias depois aceitei
encontrar com Samantha e
Roger Turner no escritório da
empresa, no
World Trade Center. Thomas
ainda não estava confortável com
a existência de um ex-namorado
e
piorou ainda mais com o seu
reaparecimento. Por este motivo
quis abreviar as coisas e verificar
de
uma vez se o profissional com
quem iria trabalhar era realmente
a mesma pessoa com quem
tinha me
relacionado.
74
Apesar da insistência do Thomas
em ir junto à reunião eu não cedi.
Primeiro por ser uma
reunião de trabalho, que não
estava relacionado a ele.
Segundo porque não queria tê-lo
por perto
caso acabasse reconhecendo
meu ex-namorado no tal
profissional. Mas concordei que
me
acompanhasse até Nova York,
afinal de contas, não gosto de
dormir sem o meu noivo, nem
que seja
por apenas uma noite.

75
Entrar no World Trade Center me
trouxe uma sensação há muito
esquecida: a de ser uma
pessoa normal. Sem
necessidade de seguranças, ou
sem a possibilidade de fãs
correndo e gritando,
como era a minha rotina ao lado
do Thomas. Toda a amplitude do
seu interior e a movimentação de
pessoas apressadas rumo a
algum objetivo, sem dar conta da
minha presença, levou novos
ares a
minha vida.
Era ótimo ser eu mesma outra
vez. Constatei sem entender ao
certo o porquê daquela sensação
76
me confortar, afinal eu era feliz
ao lado de Thomas. Peguei o
elevador ainda tentando ordenar
os
pensamentos.
Assim que cheguei ao escritório
fui encaminhada a uma sala por
uma secretária, que sorria
amavelmente, a uma sala onde
já me aguardavam. Ela era um
pouco baixinha, mas
compensava sua
estatura com saltos altíssimos.
Seu corpo magro estava muito
bem apresentável em suas
roupas
profissionais: saia azul, justa ao
corpo, que se estendia até quase
77
os joelhos e uma camisa branca
de
mangas compridas com um
laçarote enfeitando o pescoço.
Era morena, com cabelos negros
de um liso quase natural e muito
bem escovados. Seu rosto
estava impecavelmente
maquiado. Ela indicou com a
mão a porta da sala onde me
aguardavam. Parei
indecisa. Se fosse realmente o
meu Roger, como seria? Respirei
profundamente juntando
coragem
para abrir a porta.

78
A sala era imensa e muito bem
arrumada. Com móveis
modernos e de alta qualidade. As
paredes eram brancas com
exceção de uma, que tinha a cor
verde musgo, bem clara, dando-
lhe um
aspecto clean, equilibrando o
ambiente agradável. Havia no
seu interior alguns jarros de
plantas com
cerâmicas bonitas e muito bem
escolhidas, que não agredia em
nenhum aspecto ao restante da
decoração.
Três quadros de molduras
brancas estavam expostos na

79
parede verde musgo. Nada de
muito
valor ou muito chamativos. Na
mesa branca, com um
computador preto e papéis
devidamente
organizados, estavam alguns
livros. Na outra parede, algumas
prateleiras em formato de cubo,
na cor
tabaco, mais livros. A sala me
agradou muito.
Reconheci Samantha sentada
em uma poltrona preta, próximo
ao sofá de três lugares, na cor
branca, que dava a sala um ar
mais aconchegante. Ela

80
Segurava uma xícara e me olhou
sorrindo.
- Cathy. Que felicidade em revê-
la – Sam colocou a xícara de
lado, levantando-se para me
abraçar carinhosamente. – Linda
como sempre! – Afastou-se, me
olhando como uma mãe faria. –
Como está Thomas?
Era muito fácil retribuir o carinho
que Sam tinha por mim.
Tornamo-nos muito próximas,
como
mãe e filha, desde a morte do
meu pai. Eu a amava de verdade
e era muito grata por seu amor.

81
- Ótimo como sempre! –Meus
olhos buscavam pela figura que
responderia aos meus conflitos,
porém a sala estava vazia. Além
de mim e Sam, é claro.
- Boa tarde! Desculpem o atraso.
A reunião durou um pouco mais
do que deveria. Com a
ausência do Peter os
investidores estão inquietos.
Virei na direção da voz que me
assegurava que aquele era o
mesmo Roger da minha
adolescência. Eu não precisava
olhar para reconhecê-lo. De uma
maneira inexplicável meu
coração

82
acelerou. Não da forma como
acontecia quando Thomas se
aproximava, mas de maneira
confortável.
Segura. Como me sentia quando
éramos ainda adolescentes e ele
a única pessoa com quem eu
podia
contar em meio a tantos
problemas. Antes mesmo de
olhá-lo, já estava sorrindo.
- Roger! – Afirmei o meu
reconhecimento com uma alegria
avassaladora e me questionei se
minha reação não estava sendo
exagerada demais.
- Cathy! – Ele me encarava com
brilho nos olhos.
83
Não ficamos dois segundos nos
olhando, mas foi como se o
tempo tivesse parado. Roger
tinha
sido meu único e melhor amigo
durante todos os anos em que
estive cercada de problemas e
tristezas.
Ele, por muito tempo, foi a única
alegria em minha vida. A única
segurança. Existia uma relação
sólida entre nós dois. Éramos
mais do que amigos, éramos
confidentes, cúmplices. A
separação não
foi tão fácil. Eu senti falta dele, da
sua amizade e do seu

84
companheirismo. Mas deixara
passar,
porque tinha a certeza de que
não o amava, e que nunca o
amaria, então precisava dar-lhe a
chance de
seguir em frente.
No entanto estávamos ali,
refeitos e juntos outra vez. Não
pelos laços afetivos, contudo,
mesmo sendo por laços
profissionais eu me sentia feliz
por reencontrá-lo.
- Então vocês se conhecem
realmente? – Samantha
interrompeu meus pensamentos.
– Isso é

85
ótimo! Ao menos a convivência
será mais fácil – Roger sorria
com os olhos.
- Sim. Nós nos conhecemos há
bastante tempo. Na verdade
desde a infância.
Sorri largamente lembrando-me
da nossa amizade e ele retribuiu
vindo em minha direção e me
tomando em seus braços para
um abraço carinhoso. Foi como
se eu estivesse em casa.
Confortável e
segura. Não conseguia parar de
pensar nestas palavras.
- Não nos vemos há alguns anos.
Você está muito bem, Cathy!
Mais bonita do que nunca.
86
Fiquei sem graça com a sua
afirmação, porém Roger fez
questão de desfazer a mal estar
rapidamente.
- Então está noiva? Que
maravilha! Eu vi nos jornais
quando acompanhei o problema
que você
teve com a garota. Fiquei muito
preocupado, mas enfim... Você
está aqui, recuperada e bem.
Fico
feliz!
- É. Foram tempos difíceis, mas
já passou.
- Imagino que vocês vão possam
conversar e recuperar o tempo
perdido depois. Agora
87
podemos iniciar a nossa
conversa sobre os problemas da
empresa? Eu pretendo voltar
para a
Pensilvânia ainda hoje.
Samantha não gostava de se
ocupar muito com os assuntos da
empresa, apesar de estar
constantemente envolvida neles
depois da morte do meu pai.
Ficamos em reunião por bastante
tempo. Confesso que fiquei
surpresa com a capacidade do
Roger em administrar os
negócios com tanta facilidade.
Não que ele fosse incompetente
antes, mas eu

88
nunca pensei nele ocupando um
cargo como aquele. Fiquei
orgulhosa.
Após cinco longas horas
conversando sobre
investimentos, contratos,
negócios e outras coisas,
eu estava acabada de cansaço.
Antes de encerrarmos Samantha
precisou ir embora aliviada por
estar
deixando os problemas em
nossas mãos.
Eu e Roger ainda ficamos mais
algum tempo juntos enquanto ele
me mostrava alguns
balancetes e me explicava sobre
a atual situação. Só quando meu
89
celular tocou me dei conta da
hora.
Era Thomas.
- Você ainda está em reunião? –
Perguntou calmamente. Era
exatamente esta reação que me
assustava nele.
- Sim, mas já estamos
terminando. Logo estarei em
casa.
- Te espero para jantarmos
juntos?
- Sim, claro! Eu vou adorar!
- Ficarei aguardando então. Te
amo!
- Eu também.
Desliguei o telefone sob o olhar
atento do Roger.
90
- Desculpe! Ele tem sido muito
protetor depois do incidente –
sorri sem graça.
- Eu entendo. Deve ter sido muito
difícil para ele quase te perder –
acompanhava todos os
meus gestos com olhar
investigativo.
- Foi sim.
- Não precisa ficar sem graça,
Cathy - colocou sua mão sobre a
minha. - Fico muito contente
por saber que você finalmente se
rendeu a um amor, e ainda mais
em perceber que é retribuída.
Você

91
é uma pessoa incrível, merece
ser feliz – meu coração aqueceu
com suas palavras. Eu me sentia
culpada pela nossa separação.
Saber que ele se sentia feliz por
mim, me fazia feliz também.
- Obrigada, Roger! – Tirei minha
mão da sua. – E você, casou?
- Não. Na verdade eu fiquei
noivo, mas o trabalho acabou
atrapalhando tudo e resolvemos
nos
separar há algumas semanas.
Ainda não tive tempo para avaliar
se devo ou não sofrer por isso –
sorriu calorosamente
demonstrando a mesma alegria
de quando éramos crianças.
92
- É uma pena. Espero que você
fique bem, se é que eu devo
desejar isso mesmo, já que você
nem mesmo sabe o que está
sentindo – dei risada e ele me
acompanhou. – Acho que devo ir
agora –
levantei enquanto ele organizava
alguns papéis em sua mesa.
- Talvez devêssemos jantar
qualquer dia desses. Você leva
seu noivo, assim eu poderei
conhecê-lo e nós poderemos
colocar as novidades em dias.
- Claro! Será ótimo. Vamos nos
encontrar em três dias, não é?
- Sim. Para a reunião com o
pessoal da indústria de aço.
93
- Ótimo. Podemos marcar
alguma coisa depois.
- Por mim tudo bem.
Despedimo-nos e eu voltei para
Thomas, que me aguardava em
nosso apartamento. Ele tinha
comprado um em Nova York
para evitar as longas
permanências em hotéis.
Cheguei em casa sem saber ao
certo o que encontraria por lá.
Thomas estava sendo difícil nos
últimos dias, após descobrir a
existência do Roger. Eu estava
cansada e não queria entrar em
uma
longa discussão com meu noivo.
Porém assim que entrei fui
94
recepcionada com um abraço
caloroso
acompanhado de um beijo
apaixonado. Bem diferente do
que esperava.
- Seja bem vinda de volta ao lar,
meu amor – me entregou uma
taça de vinho tinto.
- Obrigada!
- Como foi a reunião? –
Estremeci. Eu sabia exatamente
o que ele queria saber e tive
medo de
contar.
- Cansativa. E você? Fez o que o
dia todo? – Tentei ganhar algum
tempo.

95
- Visitei alguns amigos. Você
sabia que Dyo está na cidade?
- Sério? Não sabia. O que ele
está fazendo aqui?
- Não sei, mas encontrei com ele
e com o Maurício quando estava
indo para a casa do Adan.
- Vou ligar para ele depois.
Talvez eu queira fazer compras
amanhã antes de voltarmos para
casa.
- Vamos voltar amanhã mesmo?
Achei que você teria mais coisas
para resolver.
- Não. Sam já voltou para casa e
eu terei outra reunião em Los
Angeles mesmo, daqui a três
dias.
96
- Com quem? – Completou
nossas taças com mais vinho.
- Com um pessoal de uma
indústria de aço e... Com o
Roger.
Thomas colocou uma mão no
bolso e encostou-se à mesa
onde os pratos estavam postos
para o
nosso jantar. Ele ansiava pela
minha resposta e não sabia
como me perguntar sem causar
mais
problemas entre nós dois.
- É a mesma pessoa, Thomas –
respondi sem aguardar pela
pergunta. Ele ficou em silêncio,

97
apenas me olhando. Suas
feições duras, o maxilar rígido. –
Amor, não existe nenhum
problema nisso.
Ele foi tão natural! Nós dois
fomos.
- Como você se sentiu? – Ele
não quebrou o nosso contato
visual.
- O que?
- Como você se sentiu em
relação a ele? – Respirei
profundamente antes de
responder.
- Como se estivesse
reencontrando um velho amigo.
Por quê? – Fiquei
involuntariamente
98
nervosa. Eu não podia dizer ao
meu noivo que eu estava me
sentindo especialmente feliz por
ter
encontrado meu ex-namorado.
- Meu Deus, Cathy! Eu estou tão
confuso – falou por fim após uma
breve avaliação da minha
resposta. Passou as mãos em
seus cabelos fechando os olhos
com força.
- Thomas, não fique. Por favor! –
Eu estava cansada e sem
nenhuma vontade de entrar em
mais
uma longa discussão sobre a
necessidade de ter Roger ao
meu lado naquele momento.
99
- Como posso não ficar? – Sua
voz ainda era calma, o que me
fez pensar que ele não estava
com raiva e sim com medo. –
Esse cara surgiu do nada e eu
nunca tinha ouvido falar sobre
ele. Como
você quer que eu me sinta? Ele é
seu ex-namorado e agora
também seu funcionário. Vocês
vão
conviver mais tempo do que
estou preparado para suportar e
não sei como reagir a tudo isso –
seus
olhos eram suplicantes.

100
- Desculpe! Eu também fui pega
de surpresa por essa história.
Você tem que entender. Não
planejei isso. Muito pelo
contrário, nunca imaginei que o
reencontraria. Nós nunca mais
fizemos
contato depois que terminamos.
- Eu sei. Acredito em você, mas
isso não me deixa mais seguro –
respirou fundo. – Você acha
que ele ainda nutre alguma coisa
por você?
- Não! Ele foi bastante
convincente em relação a isso.
Disse até que estava feliz por
mim e que
gostaria de te conhecer.
101
Thomas balançou a cabeça
como se estivesse negando esta
possibilidade.
- Preciso que me prometa que se
ele tentar qualquer coisa, ou se
demonstrar qualquer
sentimento em relação ao que
vocês viveram, você vai me
conta – pegou meu rosto em
suas mãos e
me olhou nos olhos se
certificando se eu estava
entendendo o seu pedindo.
- Eu prometo, mas...
- Apenas prometa, Cathy!
- Eu prometo.

102
Ele me beijou com tensão,
tentando transmitir toda a minha
certeza de que nada nos
atrapalharia. Eu o amava e nada,
nem ninguém, mudaria aquela
realidade. Tudo o que vivemos
para
chegar até aquele ponto era a
maior prova de que o nosso amor
era forte, sólido. Sobrevivemos a
tantos problemas, superamos as
diferenças, as incertezas e
principalmente todos os segredos
que nos
impediam de consolidar aquele
amor.
Como uma pessoa do meu
passado, principalmente uma
103
que nunca foi mais do que um
amigo
para mim, poderia modificar o
que sentíamos e queríamos?
Thomas retribuiu o meu abraço
afagando minhas costas e
beijando meu rosto com carinho.
- Eu amo tanto você, Cathy!
Eu sabia que ele queria dizer
mais do que isso. Afirmar o seu
amor naquele momento era sua
maneira de me dizer que estava
com medo, que não queria me
perder. Por este motivo tomei
uma
decisão que poderia amenizar
um pouco o que ele estava
sentindo.
104
- Estive pensando sobre o nosso
casamento e consegui encontrar
um mês que me agrada – deu
certo. Os olhos de Thomas
brilharam e ele logo se mostrou
interessado pelo assunto.
- Ah é? E quando seria? – Abriu
seu lindo sorriso. Meu coração
ficou satisfeito.
- Setembro.
- Setembro? Eu pensei que você
queria mais tempo para organizar
tudo. Só teremos dois
meses.
- Não acho que isso será
problema para a minha “liga do
casamento” – ri para mim mesma

105
pensando no apelido que arranjei
para a pressão da Sam, Mia e
Melissa para a organização e
realização do casamento.
Thomas entendeu a minha
brincadeira e sorriu feliz.
- Por que setembro? Algum um
motivo especial para a escolha
deste mês?
- Não um motivo especial, mas
eu pensei que não precisamos
esperar tanto – passei
carinhosamente a mão em seu
peitoral e sorri largamente para
ele. – Nós dois nos amamos e
temos

106
certeza disso – pisquei travessa.
– E setembro é um mês bom,
quente e agradável.
- Eu gostei. Aprovo a sua
decisão. – deu um beijo rápido
em meus lábios.
- Também já pensei em mais
alguns detalhes a respeito da
festa, mas antes gostaria de
jantar.
Estou faminta.
Capítulo 4
O Início da Tempestade
VISÃO DE CATHY
No dia seguinte consegui entrar
em contato com Dyo e
combinamos a nossa tarde de
compras.
107
Meu amigo era perfeito para esta
atividade. Ele tinha um excelente
senso de moda, sem que esta
ditasse as suas escolhas, então
sempre conseguia combinar
peças básicas com outras
perfeitamente
cabíveis e tudo acabava na mais
perfeita harmonia.
Conversamos muito sobre o
nosso meio e do Thomas, claro,
afinal de contas, Dyo era seu
agente e cuidar da sua carreira
era como cuidar da própria vida.
Ele estava em uma ótima fase e
irradiava alegria. Eu tinha certeza
de que este efeito era causado

108
pela presença do Maurício em
sua
vida.
- Então está ficando sério? – Ri
da sua expressão. Dyo não era
muito aberto quando se tratava
de relacionamentos, pelo menos
dos que ele levava a sério.
- Acho que sim. Ele me convidou
para vir. Posso acreditar que
estamos seguindo este rumo.
- E o que vocês estão fazendo
em Nova York? É um passeio
romântico?
- Na verdade era para ser um
passeio a trabalho, mas não
posso negar que tem sido muito
romântico – rimos juntos.
109
- Engraçada a vida e o rumo que
ela toma.
- Como assim?
- Eu e Thomas, você e Maurício.
Você nunca pensou que eles não
eram o que nós
procurávamos? Digo... Thomas
era um mulherengo que queria
apenas me levar para a cama. O
típico
homem de quem eu fugi a vida
toda, e agora estamos noivos.
Maurício não é nada do que você
descrevia como preferência, e
mesmo assim você está aí, com
os olhos brilhando ao falar dos
seus
momentos românticos.
110
- Tem razão, mas eu acho que
esta é a parte mais importante do
amor. Você não sabe o que
esperar dele. Acontece
justamente da forma que menos
espera, no entanto, quando
acontece é
usurpador – meu amigo olhou
para mim com um sorriso sem
graça. – Maurício é maduro,
muito
gentil, cuidadoso, carinhoso, tão
preocupado comigo que às vezes
fico sem jeito, pois não sei como
retribuir tanta atenção.
- E você está apaixonado.
- Como poderia não estar?

111
Apenas concordei. Era assim que
me sentia com Thomas, ou era
como me sentia antes dele
implicar tanto com a história do
Roger. Tá certo, eu não deveria
ter escondido dele este detalhe,
mas
nunca tive motivos para contar, e
na verdade, nem me lembrava
deste ponto para dar a ele tanta
importância.
Tive a oportunidade de desabafar
com meu amigo sobre os
problemas que estava
enfrentando
com Thomas, por causa do
aparecimento repentino do meu
ex-namorado.
112
- Em parte ele tem razão de ficar
aborrecido com tudo isso. Você
nunca disse a ele que o tal
Roger existia e agora além dele
existir, também trabalha para
você e, para piorar ainda mais a
situação, vocês precisam estar
juntos para enfrentar a barra que
a empresa está passando. Eu
entendo
como ele está se sentindo.
- E o meu lado? Nunca me
passou pela cabeça que isso
fosse acontecer. Não foi só o
Thomas
que foi surpreendido e, quer
saber? Thomas me deixou no

113
escuro sobre a vida dele por
muito tempo
também. Acabou me dando este
direito. E não se esqueça de que
o segredo dele sobre a loucura
da
Lauren, permitindo que ela
estivesse o tempo todo conosco,
quase me tirou a vida.
- Eu sei. Foi por isso que disse
“em parte”. Você também tem
razão. Agora, Cathy, tenha um
pouco de paciência com Thomas,
ele não está acostumado a
competir. Desde o inicio ele sabia
que
seria único em sua vida e agora
está tendo que conviver com
114
mais alguém, mesmo que seja do
seu
passado.
- Não existe competição. Roger
está tranquilo com relação ao
nosso passado. Ele até gostou
de saber que eu estava noiva.
Acredito que tudo ficou muito
bem resolvido entre nós dois e
não há
dúvidas a respeito do meu amor
pelo Thomas. Cada coisa está
em seu devido lugar.
- Bom... Só o tempo dirá se
realmente está.
***

115
Caminhamos a tarde toda e no
final estávamos entupidos de
sacolas e exaustos. Meus pés
doíam tanto que a minha única
vontade era sentar e arrancar os
sapatos.
- Vamos comer alguma coisa? –
Dyo me propôs. – Tem um
restaurante logo ali em frente que
eu adoro. Ele geralmente fica um
pouco cheio neste horário, mas
eu acredito que conseguiremos
uma
mesa.
- Não sei não, Dyo. Combinei
com Thomas que voltaria antes
do jantar, você sabe como ele

116
ficou paranoico depois do que
Lauren aprontou.
- Vamos fazer o seguinte: Você
liga para o Thomas e eu para o
Maurício e os convidamos para
nos encontrar, assim todos
ficarão satisfeitos.
Adorei a ideia. Nova York era tão
encantadora e surpreendente,
tão cheia de coisas
interessantes para fazer. E suas
maravilhas não se acabavam
com o pôr-do-sol, o que me fazia
ter
mais vontade ainda de aceitar a
sugestão do Dyo e estender um
pouco mais o nosso passeio.

117
Peguei o telefone e combinei de
Thomas nos encontrar. Ele
chegaria mais tarde, esse era um
dos grandes problemas da fama:
não podia ir a qualquer lugar, em
qualquer horário. Enquanto isso
eu
e Dyo iríamos aguardar por
Maurício e comer alguns petiscos
até que meu noivo pudesse nos
acompanhar.
Caminhamos até o restaurante,
que por sinal era de muito bom
gosto e discreto. As luzes do
ambiente davam a ilusão de
privacidade, apesar das mesas
serem expostas, sem nenhum
tipo de
118
barreiras, porém a ideia âmbar
das luzes não impedia que as
pessoas que dividiam a mesma
mesa
vissem umas às outras, pois
havia lâmpadas embutidas e
velas espalhadas em lugares
estratégicos. O
clima era muito apropriado para
um encontro romântico.
Como Dyo tinha dito,
conseguimos uma das poucas
mesas que ainda estavam
vazias.
Acomodamo-nos e começamos a
estudar o cardápio.
- Cathy?

119
Mal consegui sentar e ouvi a voz
do Roger ainda distante chamar
por mim. Levantei o olhar
surpresa com a coincidência.
Apesar da pouca luz entre o
espaço que nos separava, dava
para ver
que era ele. Não tive como evitar
o sorriso que se formou em meus
lábios.
- Roger! – Ele se aproximou e
beijou meu rosto demonstrando a
existência de intimidade entre
nós dois. Confesso que não
fiquei incomodada com sua
proximidade, pelo contrário,
fiquei feliz por

120
podermos nos comportar
naturalmente sem que houvesse
algum inconveniente. – O que faz
aqui?
- Vim encontrar alguns amigos.
Tive um dia agitado e aceitei o
convite deles para relaxar um
pouco – apontou para uma mesa
logo à frente onde quatro
pessoas estavam reunidas. - E
você?
Pensei que já tinha voltado para
Los Angeles.
- Eu desisti de voltar hoje. Vamos
embora amanhã pela manhã.
Este é Dyo, meu amigo e
colega de trabalho. Ele é um dos
agentes do Thomas – eles se
121
cumprimentaram educadamente.
– Quer
sentar um pouco? Estamos
escolhendo algo para comer
enquanto os outros não chegam.
Para minha surpresa ele aceitou,
sentando-se ao meu lado. Na
mesma hora fiquei tensa.
Thomas chegaria a qualquer
momento e eu não sabia como
ele reagiria à presença de Roger.
- E então? Estaremos juntos
outra vez em alguns dias? –
Tentou puxar conversa.
- Claro! Sam quer muito que eu
me inteire mais dos negócios.
Vou tentar ao máximo enquanto

122
Peter não puder voltar as suas
atividades, e espero
ansiosamente que não demore a
acontecer.
- Mal me reencontrou e já quer
se livrar de mim? – Riu deixando-
me constrangida.
- Não. Não é isso. É que já tenho
uma carreira profissional que
adoro. Não gostaria de
modificar nada. Minha vida com
Thomas já toma todo o meu
tempo, não há como conseguir
conciliar
mais um emprego. E você não
precisa sumir. Nossa relação não
precisa ficar apenas no
profissional.
123
Somos amigos.
- Eu entendo, Cathy. E não se
preocupe, eu não vou sumir –
pegou carinhosamente em minha
mão que estava sobre a mesa.
Ficamos nos olhando por um
espaço curto de tempo.
- Cathy!
Thomas surgiu do nada.
Olhei para o meu noivo, ainda
sem reação a sua chegada
repentina. Vagarosamente seus
olhos
deixaram os meus para encarar a
minha mão envolvida pela do
meu ex-namorado. Senti meu
sangue

124
gelar. Retirei rapidamente a mão,
olhando em seu rosto que se
voltava para Roger. Thomas era
apenas raiva.
- Thomas! Amor, eu não vi você
chegar... – Lutava contra a minha
própria voz para não
gaguejar ou falhar.
- Percebi – continuava sério
encarando Roger.
- Thomas este é Roger Turner.
Nós nos encontramos aqui por
acaso, o que é ótimo, assim
vocês dois se conhecem logo de
uma vez – atropelei minhas
palavras o tempo todo devido ao
nervosismo.

125
- Thomas. É realmente um prazer
conhecer o homem que
conseguiu desbravar o coração
desta
garota.
Roger falou cheio de charme,
sendo o mais agradável possível
e lhe estendeu a mão. Thomas
ainda ficou alguns segundos
encarando-o até que finalmente
ergueu sua mão e apertou
cordialmente a
estendida.
Respirei aliviada.
- Bem, eu já vou indo. Cathy foi
um enorme prazer te encontrar
aqui. Dyo e Thomas, prazer em

126
conhecer vocês – Roger
rapidamente se afastou da mesa
dando espaço para que Thomas
sentasse ao
meu lado.
Ele sentou, mas permaneceu
calado. Os olhos estavam
fechados e suas mãos cobriam
parcialmente seu rosto. Eu e Dyo
trocamos um olhar e ficamos
aguardando até que Thomas se
recuperasse. Meu noivo estava
visivelmente transtornado. Eu,
apesar de não ter culpa do
ocorrido, e
de nem ver problema no fato de
encontrar um amigo por acaso,

127
mesmo sendo este um ex-
namorado,
estava me sentindo péssima.
O silêncio prolongado alimentava
ainda mais a minha necessidade
de me explicar e justificar.
- Boa noite! Desculpe a demora.
Tive algumas coisas para
resolver antes de ser liberado –
Maurício chegou e sem perceber
o clima pesado na mesa foi
falando e sentando. Eu tentei
sorrir, mas
acredito que meu sorriso foi
quase inexistente. – Vocês já
pediram alguma coisa? Estou
mesmo com
fome.
128
- Não. Na verdade ainda estamos
estudando o cardápio – Dyo se
adiantou a responder. – Você
tem alguma sugestão? Alguma
preferência?
- Apenas faço questão de carne.
A carne daqui é maravilhosa! –
Maurício respondeu ainda
avesso a nossa situação.
- E você, Cathy? – Dyo tentou
quebrar o silêncio constrangedor.
Olhei para Thomas na
esperança de encontrar nele
algum sinal de que tudo já tinha
passado, mas ele permanecia
imóvel e
calado.-

129
Posso experimentar a carne. O
que Maurício pedir, para mim
está bom – eu comeria qualquer
coisa desde que Thomas
superasse o problema que
estávamos vivendo.
- Thomas?
Dyo seguiu tentando amenizar o
clima entre nós. Meu noivo
levantou a cabeça e seu olhar
estava completamente perdido.
Consumido pela incerteza,
insegurança e também pelo
ciúme que o
devorava.
- Perdi o apetite. Desculpem-me!
– Levantou e foi embora do
restaurante tão rápido quanto
130
entrou. Em momento algum
olhou para trás ou sinalizou para
que eu o seguisse. Era como se
eu não
existisse. Fiquei sentada em
minha cadeira sem para reagir.
Era estranho demais para ser
assimilado.
- Meu Deus! Foi alguma coisa
que eu falei? – Maurício ficou
preocupado, assustado com a
reação exagerada do meu noivo.
- Não, Maurício. Desculpe por
isso. Dyo vai te explicar.
Desculpe, eu vou atrás dele.
Recolhi minhas sacolas e corri
em direção à rua. Não havia
nenhum vestígio do Thomas.
131
Chamei um taxi e voltei para
casa. A incerteza e insegurança
que estavam com Thomas, me
acompanhavam em todos os
gestos.
***
Cheguei em casa procurando por
Thomas. Não tinha noção do que
iria encontrar. Estava
nervosa e insegura. Ele tinha
motivos para estar aborrecido,
mas não para tanto. Roger não
havia
tentando nada comigo, apenas
foi gentil, assim como havia sido
com o próprio Thomas.
Parei na sala e respirei
profundamente buscando a
132
calma necessária para ter aquela
conversa.
Precisava reunir todos os
argumentos possíveis para tentar
convencê-lo de que não havia
motivo
para tanta insegurança, já que
não precisava dar-lhe mais
garantias o meu amor, ele já
tinha toda a
certeza necessária.
A sala estava escura e as portas
que davam acesso à varanda
abertas, fazendo com que as
cortinas esvoaçassem para
dentro da sala, compondo um
cenário fantasmagórico.

133
Senti o cheiro do cigarro, o que
me fez deduzir que meu noivo
estava na varanda. Caminhei em
sua direção. Sabia que ele já
tinha percebido a minha
presença, porém não virou para
me receber.
Parei ao seu lado e aguardei que
ele falasse. Como não se
manifestou, apenas encarava o
nada a sua
frente, resolvi iniciar a nossa
conversa.
- O que aconteceu?
- Preciso mesmo responder? –
Falou com voz firme. – Por que
você me chamou para aquele

134
jantar? Por que não me contou
que seu amiguinho estaria lá?
- Por que não era para ele estar
lá. Foi apenas uma coincidência
– riu sarcasticamente. –
Thomas, o que está pensando?
O que acha que eu faria?
- Não sei. Não sei mais o que
pensar.
Apagou o cigarro no cinzeiro
próximo, depois colocou as mãos
no bolso, voltando o seu olhar
para o horizonte. Para mim foi
como um tapa no rosto. Ouvir
dele que era impossível ter uma
ideia
definida a meu respeito era no
mínimo constrangedor.
135
Thomas não precisava daquilo.
Nós não precisávamos. Mas ao
que parece ele estava disposto
a ir até o fundo em sua mágoa
injustificada. Só que eu não iria.
- Você é mesmo inacreditável,
Thomas! – As lágrimas se
formaram e senti raiva por
chorar.
Era injusto!
Decidi que não conversaria mais.
Iria tomar um banho e dormir.
Era só o que poderia fazer.
Decidida, virei em direção à sala,
porém Thomas me segurou pelo
braço me fazendo olhar
diretamente em seus olhos que
faiscavam raiva e ao mesmo
136
tempo buscavam algum indício
do que se
passava pela minha cabeça.
- Ele ainda ama você, Cathy –
suas mãos apertavam meu braço
com força.
- Não seja ridículo. Ele está
apenas...
- Eu sei quando um homem olha
uma mulher com desejo, com
amor ou com amizade. Vi a
forma como ele estava te
olhando. Ele ama você.
Olhei nos olhos de Thomas e só
conseguia enxergar medo. A
raiva anterior cedeu para o que
ele tentou o tempo todo esconder
de mim.
137
Medo.
Senti culpa por criar aquela
situação entre nós dois. No
mesmo instante seus olhos
conseguiram mais uma vez
ocultar seus reais sentimentos e
a raiva voltou a faiscar. Ele falou
comigo
praticamente cuspindo as
palavras acusatórias.
- E você está permitindo que ele
se sinta assim – fiquei perplexa.
Sua mão abandonou o meu
braço.
- O que? – O que ele estava
pensando? Onde ele queria
chegar com todo aquele
absurdo?
138
Thomas fechou os olhos com
força, passando uma mão pelos
cabelos. Sua respiração estava
irregular e pesada, assim como
todo o ar disponível no momento
para nós dois. Pesado e difícil de
ser absorvido
- Você está permitindo que isso
aconteça. Eu só queria entender
por que, Cathy?
Não queria acreditar que Thomas
deixaria as coisas chegarem
àquele ponto. E o pior, que ele
fizesse tanta questão de dividir a
sua dor comigo daquela forma
tão infantil e irresponsável. Meu

139
noivo queria me ferir. Certamente
porque acreditava que eu o havia
ferido. Era tudo inconcebível
para mim.
- Você está me ofendendo –
deixei as lágrimas caírem. – Fico
muito admirada em saber que é
essa ideia que faz de mim. Você
tem dúvidas, Thomas? Então vou
te dar mais algumas. Tem
certeza
que é com essa mulher que você
quer casar? Uma mulher que
senti prazer em ter um
admirador? Que
gosta de permitir que outro
homem nutra amor por ela? Pois

140
eu vou te dizer o que eu acho: eu
não
quero me casar com um homem
que controla os meus passos.
Não quero me casar com um
homem
que não vê nunca o meu lado da
situação, que não consegue me
enxergar como realmente sou.
Que me
conhece tão pouco ao ponto de
fazer esta ideia de mim. Não sei
se lembra, mas eu nunca me
permiti
amar ninguém até conhecer
você, e que também nunca fui de
outro homem, mesmo tendo um

141
relacionamento de seis anos com
outra pessoa. Foi você quem eu
escolhi. Foi você quem eu
acreditei
que merecia o meu amor. Mas
pelo visto eu estava enganada.
Cada palavra foi dita com raiva,
mágoa e tristeza. Thomas,
surpreendido pela minha
explosão,
não conseguiu reagir. Aproveitei
para me afastar e, assim que
acabei de falar, segui em direção
ao
meu quarto. Desta vez ele não
tentou me impedir.

142
Entrei no quarto e tranquei a
porta, como quando ainda não
éramos namorados. Era ridículo,
mas naquela noite eu não o
queria ao meu lado, nem que
para isso tivesse que dormir em
um hotel.
Sem querer pensar em mais
nada, me joguei na cama e
chorei copiosamente. “Quando
tudo
começou a dar tão errado?”
Meus pensamentos passavam e
repassavam a nossa briga,
fazendo-me
procurar justificativas para sua
reação exagerada.

143
Ouvi os passos de Thomas e
depois suas mãos forçando a
maçaneta. Ele parou hesitante
diante
da porta trancada, depois seus
passos se afastaram na direção
do quarto ao lado do nosso. Eu
não
queria ouvir as suas desculpas,
queria apenas dormir e deixar a
noite acabar. No outro dia aquele
pesadelo eixaria de existir. Assim
eu esperava.
Capítulo 5
O Inexplicável
VISÃO DE THOMAS

144
Dormi muito tarde e acordei
muito cedo. Era estranho dormir
sem Cathy ao meu lado e
aparentemente aquela não seria
a última vez. Fiquei pensando em
suas palavras. Confesso que tive
muito medo de que fosse
verdade. Por outro lado eu sabia
que nos amávamos... Todos os
casais
passam por momentos difíceis.
- Nosso problema é que sempre
estamos passando por
momentos ruins – falei para mim
mesmo lembrando-me de tudo
que já tínhamos vivido em
apenas um ano de namoro.

145
Definitivamente aquela não era a
minha ideia de amor, não que eu
não soubesse que teríamos
desentendimentos, mas porque
sempre atraíamos problemas e
mais problemas. Tudo bem, eu
reconheço que boa parte deles
foram causados por mim e pela
minha total incapacidade de
tentar
enxergar o lado dela.
Sinceramente? Aquilo tudo
estava destruindo a minha
capacidade de pensar.
Que homem admitiria uma
situação como aquela?
Levantei da cama ansioso.
Precisava saber se Cathy
146
continuava lá, ou se tinha ido
embora de
uma vez. Esta dúvida me fez
acelerar o passo para poder ter
certeza de que tudo não passava
de um
pesadelo. Era lógico que eu não
queria que ela fosse embora, ou
que terminássemos, apenas
gostaria
que ela fosse menos cabeça
dura e fizesse, ao menos uma
vez, as coisas do meu jeito.
Realmente tudo parecia um
pesadelo.
- Um inesperado e assustador
pesadelo chamado Roger Turner
– falei sozinho mais uma vez,
147
como se procurasse apoio para
os meus aborrecimentos.
Estava certo em me incomodar
com a situação. Cathy deveria
tentar compreender o meu lado.
Ao mesmo tempo eu estava
errado com todas as atitudes
absurdas que vinha tomando. Ela
estava
certa neste ponto. Eu não podia
ver somente o meu lado,
esquecendo-me que agia por
obrigação e
não por vontade própria.
- Deus, por que não consigo
pensar de maneira racional
quando estou com raiva? –
Troquei de
148
roupa e fui em direção ao nosso
quarto. – Parece uma eternidade
– suspirei em frente à porta.
Tentei abrir, porém vi que ainda
estava trancada. Fiquei aliviado,
ao menos ela ainda estava
lá. Levantei a mão para bater e
chamar por minha noiva, porém
desisti. Se Cathy estava trancada

dentro eu teria que aguardar o
seu momento. Forcei-me a
aceitar isso, apesar meu lado
egoísta ter se
recusado a sair de lá.
- Ok então! Vou ficar aqui
aguardando. Como um cão de

149
guarda – cruzei os braços,
apoiandome
a parede.
Algum tempo depois comecei a
ouvir barulhos vindos do quarto.
Mais um tempo aguardando e
ela finalmente abriu a porta
dando de cara comigo. Nossos
olhos se encontraram. Cathy
pareceu
surpresa com a minha presença.
- Bom dia! – tentei ser o mais
natural possível.
- Bom dia, Thomas! – Ela fechou
a porta atrás de si e começou a
andar pelo corredor indo em
direção à escada. Fui atrás dela.

150
- Não vai falar comigo? – Senti o
pânico tentando tomar espaço
em meus pensamentos. Deus!
Eu estava sendo tão
adolescente. Por que não
conseguia encontra algo mais
apropriado para dizer?
- Acabei de falar – nem olhou
para trás. Tive que ser rápido ou
então perderia a chance de
reverter nossa situação.
- Amor, me perdoe por ontem –
deu certo. Ela parou antes de
descer as escadas . – Você está
certa. Eu tenho que confiar em
você. Perdão, eu tenho sido
difícil e você não merece passar
por tudo
151
isso – vi seu semblante suavizar.
Aproveitei para me aproximar
mais. – Eu amo você, Cathy!
Estou
morrendo de medo de te perder.
- Por que você acredita que pode
me perder? – Ela se aproximou
ainda mais de mim.
- Não sei. Já estive tantas vezes
a ponto de te perder que estou
meio paranoico – ela sorriu,
aquecendo o meu coração.
- Thomas, nunca, em toda a
minha vida, tive tanta certeza do
que eu quero. Mesmo que Roger
sinta amor por mim, como você
disse, mesmo que meu

152
envolvimento com ele tivesse
sido diferente,
ainda assim, o que eu sinto por
você não mudaria. Ser sua é a
única certeza que tenho nesta
vida e
nada nem ninguém tem o poder
de mudar isso.
Abracei seu corpo puxando-o
para mim. Como ela não resistiu,
imediatamente a beijei. Um
beijo longo e intenso e no mesmo
instante meu corpo reagiu à falta
do dela. Parecia que estávamos
separados há uma eternidade.
- Nunca mais tranque a porta do
quarto – eu disse entre nossos
beijos. – Minha noite foi
153
horrível! Você não faz ideia do
quanto estou dependente de
você ao meu lado – passei as
mãos em
sua cintura, apertando meu corpo
ao dela. Cathy deixou escapar
um gemido de prazer.
- Thomas... Assim vamos perder
o voo.
- Não importa. Podemos ir à noite
– continuei com as carícias
enquanto nos conduzia de volta
ao quarto. – Agora eu só quero
passar um tempo com a minha
futura esposa.
***

154
Passamos boa parte do dia
fazendo amor e foi maravilhoso,
como sempre. Era incrível como
eu conseguia reagir ao seu
toque, seus gemidos, seus
sussurros, sempre querendo
mais um ao outro.
Cathy era linda, esplêndida,
única e eu a endeusava sem
pudor. Era assim que gostava de
ficar
com ela, demonstrando o quanto
a admirava e não me importava
em ser apenas um súdito a seus
pés,
desde que ela fosse apenas
minha.

155
No final da tarde estávamos em
nossa imensa cama,
transpassados e envoltos em um
lençol
que cobria parcialmente a nossa
nudez. Eu brincava com sua
pele, fazendo carícias com as
pontas
dos dedos e assoprando
levemente para me deslumbrar
vendo-a ficar arrepiada.
- Caramba, Thomas! Esqueci de
ligar o celular.
Cathy levantou para pegar o
aparelho que estava na
cabeceira da cama. Admirei mais
uma vez

156
seu corpo nu. Eu nunca cansaria
de observá-la, era como encarar
a perfeição. Uma vez, minha
noiva
me disse que existiam muitas
formas de enxergar Deus. Pode
até ser uma heresia, mas vê-la
nua me
dava a certeza de que Deus
realmente existia. Do contrário
como ela poderia ser tão
perfeita?
- Está com a cabeça nas nuvens,
Cathy? – Levantei para beijar
suas costas. Na verdade eu
precisava tocá-la constantemente
para me certificar de que ela não
era um sonho ou uma ilusão.
157
- Passei o dia inteiro nas nuvens
– sorriu carinhosamente
enquanto ligava o celular. –
Dezoito
ligações perdidas! –Olhou-me
preocupada. No mesmo instante
o celular tocou.
– Roger – tentei não demonstrar
o meu aborrecimento, mas o fato
é que achei o sujeitinho
muito abusado. Cathy ao
perceber que não haveria
problema atendeu a ligação.
- Oi, Roger! –Não demonstrou
muita empolgação. Fiquei
observando suas atitudes
enquanto

158
escutava o que ele dizia. Seu
rosto ficou sério e ela respirou
profundamente. – Ah é? É, estive
ocupada o dia todo, meu celular
ficou desligado. Não vamos
embora hoje... Não, acho que
não
haverá problema em encontrar
com você e Sam... Tá certo, em
meia hora estarei aí – e desligou
- Vai
sair?
- Sim. Parece que teremos uma
reunião do conselho
administrativo. Eles tentaram me
avisar
durante o dia todo, mas não
conseguiram. Alguns investidores
159
querem retirar o capital e o
conselho
está se reunindo para tomar as
decisões necessárias.
- Bem, então eu acho que terei
que arranjar o que fazer. Você
vai sair e, pelo horário e
gravidade do problema, não
acredito que voltará tão cedo.
- É verdade. Você deveria ligar
para o Dyo e marcar alguma
coisa e aproveita para se
desculpar com ele e com o
Maurício. Foi horrível o que fez
ontem com eles.
- Vou providenciar isso. Pode
ficar tranquila.

160
- Não tem mesmo problema eu
ter que sair agora? – Por nada
neste mundo eu estragaria o
nosso momento.
- Não, amor. Vá. Estarei
aguardando.
Observei Cathy se arrumar para
depois sair ao encontro do ex-
namorado. Sinceramente?
Detestei a ideia, mas eu tinha
que dar apoio a ela e não sufocá-
la com a minha insegurança.
Assim que minha noiva saiu,
peguei o telefone e liguei para
Dyo. Precisava mesmo me
desculpar com eles pelo meu
comportamento. Marcamos para

161
nos encontrarmos em um bar
próximo
do meu apartamento. Costumava
ir nele com Kendel, Raffaello e
Dyo, quando ainda era solteiro e
nós nos encontrávamos para
falar besteiras sobre as
mulheres, ou até para
encontrarmos algumas
também. Quando cheguei Dyo e
Maurício já me aguardavam. Não
precisei me esforçar muito para
me
desculpar, eles foram bastante
receptivos e meu agente, como
sempre, muito sensato.

162
- Tenho certeza de que ele ainda
gosta da Cathy. Sabe quando
você percebe que algo está
errado? Foi este o meu
sentimento quando o vi
segurando a mão dela.
- Talvez você esteja exagerando
no ciúme.
- Não é apenas ciúme, Dyo. É
que... Foi estranho. Não sei
como explicar. Ele a olhava de
uma
forma diferente... Havia algo
estranho naquele olhar. Eu tenho
certeza disso.
- Cathy está realmente irritada
com sua atitude. Você precisa
pegar mais leve.
163
- Eu sei. Estou tentando. Juro
que estou – olhei atentamente
para o fundo do meu copo como
se
ali houvesse alguma resposta.
- Você precisa ser mais
compreensivo, Thomas –
Maurício me observava
atentamente. – Cathy
é uma ótima pessoa. Não
acredito que ela permita que
alguém estrague o que vocês
têm.
- Eu sei. Vou esquecer essa
história e deixar Cathy resolver
as coisas da maneira dela.

164
Exatamente como eu sempre
fazia no final das contas, pensei
amargurado.
Passamos o final da tarde e uma
boa parte da noite conversando
sobre diversos assuntos.
Mesmo me sentindo bem com
meus amigos e feliz por a dedicar
um tempo a mim, ainda conferia
o
meu celular de vez em quando
para verificar as horas e me
certificar se se havia alguma
ligação da
Cathy para dizer que estava em
casa.
Nada.

165
As horas avançavam e nem uma
mensagem dela. Resolvi voltar
para casa.
Entrei no apartamento vazio e fui
direto para o nosso quarto. A
cama ainda estava
desarrumada como tínhamos
deixado. Tirei as roupas, tomei
uma chuveirada, liguei a TV para
aguardar e acabei pegando no
sono.
Acordei não sei quanto tempo
depois com o barulho do
chuveiro. Olhei para o relógio e
não
acreditei na hora. Eram duas e
quinze da madrugada e Cathy

166
tinha chegado àquela hora?
Sentei na
cama, aguardado por minha
namorada. Assim que saiu ela
viu que eu estava acordado.
- Desculpe. Eu te acordei? –
Subiu na cama.
- O que aconteceu? – Tentei não
demonstrar irritação, foi quase
impossível. – Sabe que horas
são?
- Sei. Eu estava presa em uma
reunião interminável. Quando
terminou, para piorar as coisas,
Roger sugeriu que fossemos
todos jantar. Eu não tive como
fugir. Estou exausta! Não sei por
que Sam
167
e Roger insistem em me envolver
neste meio, eu não entendo
quase nada e, sinceramente, não
gosto
dessas reuniões, são chatas e
maçantes – riu baixinho
enquanto conversava
relaxadamente comigo
como se nada tivesse
acontecido.
- Cathy, por que você não ligou?
Por que não mandou uma
mensagem?
- Porque eu estava em reunião.
Acabou bem tarde. Imaginei que
você já estivesse dormindo.
Não queria te acordar só para
dizer que ia demorar.
168
Olhei para a minha noiva sem
acreditar. Aquilo estava se
tornando um problemão. Eu não
sabia mais como controlar a
situação. Pensei no que tinha
acontecido no dia anterior e
preferi não
dizer mais nada, ou correria o
risco de passar mais uma noite
no quarto ao lado. Deitei
fechando os
olhos para tentar dormir. Era uma
missão impossível, porém eu iria
tentar. Cathy deitou ao meu lado
e me abraçou pelas costas.
- Não fique irritado comigo. Foi
impossível fazer de outra
maneira.
169
- Boa noite, Cathy! – Minha única
vontade era de encerrar a
conversa.
- Thomas, tem mais uma coisa
que eu gostaria de conversar
com você.
- São duas horas da madrugada
– protestei.
- Marquei um jantar aqui
amanhã. Queria acabar com
esse mal estar entre você e o
Roger.
Como você se mostrou
arrependido eu o convidei. A
Sam também virá e estou
pensando em convidar

170
Dyo e Maurício. Posso contar
com sua boa vontade para
resolvermos isso?
Apertei bem os olhos impedindo
que minha raiva explodisse. No
fundo eu tinha consciência
que ela estava certa. Novamente.
Era melhor acabarmos de uma
vez por todas com os problemas.
Porém, só de imaginar aquele
cara na minha casa,
conversando e brincando com a
minha Cathy, a
raiva inundava minha
consciência. Eu tinha concordado
em ser mais compreensivo com
aquela

171
história e não poderia negar a ela
o direito de convidar quem
quisesse para a nossa casa.
- Tudo bem, Cathy. Faça como
quiser.
- Sério? Nossa! Pensei que seria
muito complicado resolvermos
isso. Então tá. Boa noite,
amor!
Achei que ela tinha ficado
animada demais, ou então eu
estava irritado demais para
imaginar
coisas. Mas o fato é que não me
sentia confortável.
***

172
Cathy passou o dia todo
organizando o “tal” jantar. Ela me
fez prometer várias vezes que eu
seria agradável com o Roger.
Devo confessar que cada vez
que ela me fazia jurar, menos
vontade eu
tinha de ser. Reconheço que
parte da minha irritação era por
implicância.
Nem o conhecia direito e estava
deixando com que meu ciúme
me impedisse de dar uma
chance ao cara de me provar o
contrário do que eu imaginava.
Mesmo ciente disso, ainda não
conseguia me sentir bem com a
situação. Eu pressentia que
173
havia algo errado, mesmo
sabendo que o
erro poderia estar em mim e não
nele.
Não sabia explicar, mas para
mim Roger Turner seria um
grande e incomodo calo em meu
pé.
Peguei o controle da TV e
procurei algo que pudesse me
distrair. Achei um filme antigo
com
um ator que eu adorava. Serviu
muito para que eu parasse de
prestar atenção em tudo o que
Cathy

174
falava e fazia pela casa. Só voltei
a pensar nela quando ouvi a sua
voz me chamando do segundo
andar.
- Thomas, você vai se atrasar.
Os convidados vão chegar e vão
encontrá-lo de short e camiseta
Suspirei. Estava de volta ao
pesadelo e em breve estaria em
meu calvário. Subi sem muita
vontade e me deparei com um
conjunto de calça e camisa em
cima da cama.
- Eu escolhi. Espero que não se
incomode, mas estava
demorando muito para subir
então

175
procurei adiantar o máximo o seu
lado.
- Está ótimo para mim – dei um
beijo leve em seu rosto e fui
tomar um banho.
Somente quando saí do banheiro
prestei atenção ao que Cathy
usava. Era um vestido de alças,
curto e bastante justo ao corpo,
revelando o quanto era bem feito
e também suas pernas
maravilhosas,
que por sinal ela tentava
disfarçar com meias pretas, o
que na minha opinião a deixava
ainda mais
provocante.

176
- Você precisa realmente se
vestir assim?
- O que tem de errado com a
minha roupa? – Virou-se para
verificar no espelho se existia
algo
de errado.
- Pra começar é curta demais e
justa demais, provocante e tudo
o que tem de mais – finalizei já
frustrado.
- O vestido não é justo, Thomas.
Eu uso roupas bem mais coladas
quando te acompanho nas
premières. Está levemente
ajustado ao corpo, e não revela
nada demais. Já me vesti assim
várias
177
vezes.
- Não quando o seu ex-namorado
vem jantar em nossa casa – ela
parou me encarando com
desaprovação. – Tá bom, Cathy!
Vista o que você quiser.
Aquela era uma batalha perdida.
Cathy nunca me escutava
quando falávamos das roupas
dela.
Peguei as minhas e me vesti
rapidamente enquanto minha
noiva calçava seus sapatos de
saltos finos
que acentuavam ainda mais seus
tornozelos bem torneados. Ao
mesmo tempo ela colocava atrás
da
178
orelha, uma mecha do cabelo
que caía insistentemente para
seu rosto. Era uma cena perfeita
para se
admirar. Como eu podia ser tão
vulnerável a ela? Pequenos
gestos eram o suficiente para me
deixar
louco de desejo. Em segundos
toda a minha raiva e frustração
evaporaram.
- Quanto tempo ainda temos? –
Senti meu corpo reagir aos meus
pensamentos luxuriosos em
relação a minha noiva.
- Acho que uns vinte minutos,
caso alguém resolva chegar no
horário – Cathy respondeu sem
179
muito interesse em minha
pergunta. Fui até ela e abracei
sua cintura puxando-a para mim.
– De jeito
nenhum, Thomas! Já estamos
prontos e eu estou usando meias
finas. Não vou deixar você
estragar
toda a minha produção.
Mas eu já estava com as mãos
correndo o seu corpo e com os
lábios em seu pescoço a mostra,
devido ao penteado. Percebi que
sua pele estava arrepiada e
investi um pouco mais, forçando
minha

180
mão no decote, de encontro aos
seus seios. Cathy gemeu
manhosamente.
- Você ficou o dia todo distante
de mim. Estou sentindo a sua
falta – mordi seu ombro com uma
leve pressão.
- Isso lá é hora de sentir a minha
falta?
- E tem hora certa? – Ouvi a
campainha e logo entendi que
teríamos que parar por ali. - Pelo
visto tem.
Mais uma vez a raiva se instalou
em minha cabeça de forma
generalizada, passei a detestar
todo o evento e as pessoas que
chegavam para arrancar a minha
181
Cathy dos meus braços. Por
mais
absurdo que possa parecer, era
como eu me sentia.
- Os convidados começaram a
chegar – Cathy se adiantou para
arrumar o vestido enquanto se
afastava de mim. Segurei-a pelo
pulso, puxando-a de volta para
beijar seus lábios.
- Espero que passe bem rápido.
Não vejo à hora de ter você em
meus braços – ela sorriu
satisfeita e saiu do quarto para
recepcionar quem quer que
tenha chegado para nos
atrapalhar.

182
Quando desci, Dyo e Maurício já
estavam na sala com seus
respectivos copos de uísque.
- Cheguei mais cedo para te dar
apoio moral – Dyo brincou com a
minha pouca vontade de
participar do evento.
- Obrigado! Tenho certeza de
que vou precisar – me servi de
um pouco de uísque também.
- Não seja tão pessimista –
Mauricio acrescentou e eu
apenas sorri para ele.
Começamos uma conversa sobre
a “imensa boa vontade” da Cathy
em promover aquele

183
evento. Dyo e Maurício tentavam
a todo custo me animar, mas seu
esforço era inútil. Eu sabia ser
implicante quando queria. Ao
menos era o que ela sempre me
dizia e naquele momento eu
começava
a acreditar.
Quando Samantha chegou
acompanhada do Roger, o clima
ficou um pouco mais tenso.
Todos
trataram de tentar desfazer o
clima ruim entre mim e o ex-
namorado da minha noiva. Cathy
animadamente segurou no braço
do rapaz, muito sorridente para o

184
meu gosto, conduzindo-o até
mim.
Podia jurar que os olhos dele
brilharam quando ela o segurou.
- Thomas! Como vai? –
Apertamos as mãos. Aquele
sorriso que ele exibia, todo
simpático,
não me ajudava em nada a
romper a barreira entre nó dois.
Principalmente com Cathy tão
atenciosa.
- Bem, obrigado! Seja bem vindo
e sinta-se a vontade.
Forcei a minha elegância. Aquele
era um papel difícil de interpretar,
porém o faria por Cathy.

185
Roger logo atraiu a atenção de
todos se apresentando de
maneira muito agradável e
simpática, o que
só fez aumentar a minha
antipatia por ele.
Enquanto ele falava, explicando
para meus amigos o porquê da
fuga de investimentos nas
empresas da Cathy, eu
observava a forma como ela
olhava para o seu ex. Com
admiração. Algumas
vezes eu vi Cathy sorrir como
uma namorada orgulhosa.
Senti meu estômago embrulhar
com a cena, mas tentei me
convencer de que tudo acontecia
186
apenas aos meus olhos, que
naquele momento estavam
possuídos pelo ciúme e que
distorciam a
verdade.
Cathy... A minha Cathy, nunca
faria aquilo. Ela podia até se
orgulhar de um amigo, era bem
típico dela, mas nunca com
devoção, isso ela reservava
apenas para mim. Esta afirmação
me deixou
um pouco abalado, pois percebi
que eu estava sendo possessivo,
prepotente e orgulhoso, ou seja,
estava sendo eu mesmo.
Ela podia perfeitamente se
interessar por alguém. Por
187
qualquer outra pessoa menos
arrogante
do que eu, ou que sufocasse
menos, como ela mesma havia
dito quando brigamos. Roger
poderia ser
este homem. Mais uma vez senti
meu estômago dar voltas.
- Como aconteceu de você
rapidamente chegar tão longe em
uma empresa como essa? Eu
imagino que as pessoas levam
anos se desenvolvendo em cada
área para só então adquirir a
experiência necessária –
Maurício parecia tão admirado
quanto os demais convidados,
dispensando
188
ao carinha toda a atenção da
noite. Estava sendo difícil de
continuar.
Dei a desculpa do cigarro e fui
para varanda, me distanciando
de todos. Não apenas fumei,
mas aproveitei o máximo a
desculpa para ficar o mais
distante possível daquela cena
absurda, além
de dar vazão a meus
pensamentos conflitantes.
Será que aquilo poderia
realmente acontecer? Cathy
estava mais madura, mais
decidida. Bem
diferente da mulher insegura e
inexperiente que eu conheci há
189
um ano. E se ela percebesse que
cuidar
de seu patrimônio era mais
importante do que cuidar da
minha carreira?
E se ela entendesse que para
isso precisaria mais ainda do
apoio de Roger e talvez
percebesse
que ele era o mais adequado em
vários outros pontos?
Meu Deus, eu vou enlouquecer
com tantos “e se”.
Acendi mais um cigarro,
consciente de que estava
extrapolando com a minha
saúde. Quando

190
todos saíssem, daria um jeito de
convencer Cathy de que
precisávamos realmente dos
nossos dias de
descanso. Iria me esconder com
minha noiva na Suíça até que
Roger esquecesse que ela
existia, ou
até que ele voltasse para o lugar
de onde nunca deveria ter saído:
o passado.
- Posso te acompanhar?
Olhei para o lado sem acreditar
no que estava vendo. O cara de
pau do Roger estava na minha
varanda, ocupando o meu
espaço e meu tempo, pedindo

191
para dividir meu momento com
ele? Respirei
fundo tentando colocar a
máscara do bom anfitrião, depois
de tantos pensamentos e dúvidas
eu não
conseguiria me segurar por mais
tempo. Deus sabia o quanto
estava tentando.
- Claro! – Engoli as palavras que
lutavam para sair da minha boca
e estirei a carteira de
cigarros para ele.
- Não, obrigado, eu tenho meus.
Enfiou a mão no bolso do paletó
e tirou uma cigarreira. Eu não
conseguia acreditar que Cathy

192
um dia gostou de um
“almofadinha” como aquele. Sorri
sarcasticamente balançando a
cabeça. Roger
acendeu um cigarro e ficou em
silêncio ao meu lado. Talvez
essa atitude tenha sido o que
mais me
incomodou na presença dele.
- Coincidência, não é? Você e
Cathy se reencontrarem assim?
– Tentei encontrar algum motivo
para comprovar que eu estava
certo.
- Ah! Sim. Nem tanta
coincidência. Eu trabalho na
empresa que pertencia ao pai
dela e que
193
agora pertence a ela. Em algum
momento acabaríamos nos
encontrando.
- É – fiquei pensativo por um
curto espaço de tempo. – Com
certeza vocês iriam – aquela era
a
parte mais infeliz da história.
Cathy uma hora ou outra iria dar
de cara com ele. – Ela me disse
que
vocês não se viam há muito
tempo.
- Verdade. Desde que
terminamos – tive o cuidado de
não destruir os cigarros em
minha mão

194
devido à raiva que senti por ele
falar sobre o namoro deles na
minha frente. – Confesso que
fiquei
surpreso quando a vi. Ela está
muito diferente. Mais madura,
mais bonita... Mais... – Procurou
pela
palavra certa. - Mulher – abriu
um sorriso cheio de significados
e seus olhos pareciam viajar em
pensamentos provavelmente
impróprios para serem ditos em
voz alta.
- Deve ser porque ela agora é
realmente uma mulher – imaginei
se ele tinha entendido o meu
recado.
195
- Pode ser – riu baixo. – Porém
quando estamos juntos eu
consigo enxergar nela a mesma
Cathy de antes. Principalmente
quando ela sorri com os olhos
brilhando. Ela é inacreditável! –
Mais
uma vez olhou para o horizonte,
pensativo.
- Essa Cathy não existe mais e
aquela Cathy... – apontei para a
direção em que minha noiva
conversava com nossos amigos,
alheia a nossa conversa
particular. - Será minha esposa –
era uma
forma de repreendê-lo, ou de
alertá-lo.
196
- Sim, eu sei.
- Não me parece que você esteja
muito a favor disso – busquei em
sua atitude algo que
pudesse utilizar como
justificativa. Eu realmente estava
certo. Ele ainda a amava, e pelo
que podia
ler nas entrelinhas, não estava
disposto a aceitar assim tão fácil
nosso relacionamento.
- Eu não posso mandar nas
escolhas dela. Nunca pude. E
não acredito que alguém possa.
Cathy
apenas parece ser frágil, mas é
forte e decidida, sem contar que

197
é muito teimosa também. Por
isso
sempre respeitei as suas
decisões, mesmo quando não
me faziam feliz. Para a Cathy, o
respeito as
suas vontades, ou aos seus
objetivos, sempre estará acima
de qualquer sentimento. Não que
ela não
valorize o amor, não é isso o que
eu estou dizendo. Cathy é uma
sonhadora, romântica, no entanto
não
tolera quando alguém não a
compreende ou não respeita as
suas decisões, mesmo quando
estão
198
erradas, o que quase nunca
acontece. Ela é muito sensata e
racional e isso a ajuda bastante
na hora de
agir.
Meu equilíbrio estava por um fio.
Aquele sujeito estava em minha
casa, falando da minha
Cathy com tamanha intimidade...
Com tanta familiaridade, que
estava me tirando o que restava
de
educação e sanidade. Para
piorar, ele estava falando a
verdade. Cathy era exatamente
como
descrevia, o que me irritava
ainda mais. Eu não queria que
199
ele conseguisse enxergar nela o
que
demorei tanto tempo para
perceber e entender.
- Se ela é feliz, ou se acha que é
feliz assim... – deu de ombros e
se calou.
- O que você quer dizer? – Minha
paciência chegou ao fim e toda a
acidez dos meus
pensamentos foi transportada
para a minha voz que passou a
não possuir nem uma gota da
polidez
que eu tentava bravamente
manter.

200
- Sinceramente, Thomas? Não
acho que você seja realmente a
pessoa certa para Cathy – dei
risada. Era demais para mim.
- E quem seria? Você? – Falei
com desprezo, porém meu
coração acelerou com a
possibilidade desta ser a
verdade. Ele a conhecia tão
bem... Não. Não era possível.
- Não sei. Mas isso não modifica
o fato de eu achar que você não
é a pessoa certa para fazê-la
feliz. Cathy precisa de alguém
que esteja ao lado dela, e não
que a mantenha atrás, cuidando
da vida

201
dele. Muito menos de alguém
que não permita que ela tenha a
própria vida.
- É muita cara de pau! – E eu iria
deformá-la em alguns minutos se
ele não saísse da minha
frente.
- Olhe para ela – apontou para
Cathy que ainda conversava com
nossos amigos. Ela estava
séria, tensa, como se algo a
estivesse incomodando. -
Perceba como ela fica tensa ao
seu lado. Como
tem medo de fazer o que quer.
Você não percebe isso? Você a
está sufocando com sua

202
possessividade. Qualquer
pessoa poderá te dizer a mesma
coisa. Cathy não é uma
mercadoria. Muito
menos um brinquedinho que
você pode moldar da maneira
que quiser. Ela é uma mulher
esplêndida,
linda, forte. Feita para ser
seguida e nunca para seguir.
Você está minando a capacidade
dela. Está...
- Saia da minha casa, Roger. E
fique satisfeito por eu mesmo
não o colocar daqui para fora.
Levantei a voz sem me importar
se as outras pessoas estavam
ouvindo. Naquele momento não
203
me preocupava com mais nada,
nem mesmo com Cathy e com a
minha promessa. Ele tinha me
dado
todas as cartas e não hesitaria
em utilizá-las. Depois eu correria
atrás do prejuízo e daria um jeito
de
confortar Cathy. Ela me
compreenderia.
- Não acho que Cathy ficará mais
satisfeita com sua atitude –
mudou a voz para um tom de
confidência. – Nos braços de
quem você pensa que ela vai
chorar? – Disse baixinho
enquanto

204
formava um sorriso debochado
nos lábios.
Não me contive. Antes do seu
sorriso terminar, dei-lhe um soco
com toda a raiva acumulada.
Capítulo 6
A Gota D’água
VISÃO DE THOMAS
Roger foi lançado para trás e
caiu no chão levando uma
cadeira com ele. O barulho foi
grande,
mas não o suficiente para me
deter. Eu queria mais. Queria
arrancar aquele sorrisinho do
rosto dele
com as minhas próprias mãos.

205
Quando estava indo em sua
direção terminar o meu trabalho,
vi que meus convidados estavam
na porta da varanda, olhando-me
horrorizados. Meus olhos se
encontraram com o de Cathy e
ela
estava furiosa.
Olhei para Roger e ainda
consegui ver um sorriso cínico
em seu rosto, mesmo com o
sangue
escorrendo pelo canto dos lábios.
No mesmo instante entendi tudo.
Era exatamente o que ele queria.
Que eu perdesse a cabeça
dando a Cathy motivos para

206
brigar comigo. Que droga! Eu e
meu gênio.
Como não percebi antes?
- Thomas! O que você fez? – Ela
andou em minha direção com
tamanha fúria que pensei que
daquela vez eu seria atingido por
um soco. – Você... Você é
absurdo! – Então se virou para
ajudar o
canalha a levantar do chão.
Como ele tinha previsto. Era nos
braços dele que ela choraria.
- Ai meu Deus, Roger! Perdoe-
me, eu não imaginava... – Cathy
tremia enquanto tentava

207
encontrar uma maneira mais
correta de corrigir o meu erro.
Erro? Aquilo era de matar!
- Tudo bem, Cathy! Estou bem.
Fique tranquila – passou a mão
na boca limpando o sangue que
escorria. -
- Por favor, alguém pegue gelo e
um pano limpo! – Cathy pedia
enquanto o ajudava a limpar o
ferimento. - Satisfeito? Você
conseguiu, Thomas!
- O que? Foi ele quem me
provocou. Você não tem ideia
das coisas que ele me disse –
tentei
me justificar, mas pelo olhar dela
eu já sabia que de nada
208
adiantaria. Desviei os olhos da
cena
patética diante de mim.
- Ah, Cathy, tudo bem! Acho
melhor eu ir embora. Parece que
seu noivo é muito esquentado e
ciumento – fez menção de
levantar, ela o amparou. Desejei
que ele realmente fosse embora,
ou eu
perderia a cabeça e o colocaria
para fora com um chute.
Sam entregou um pano limpo,
com gelo, para Cathy sem olhar
em minha direção. Minha noiva
imediatamente tratou de cuidar
do crápula. Passei as mãos nos

209
cabelos impacientemente.
Quanto
tempo ela levaria cuidando dele
sem nem ao menos conversar
comigo? Até a ideia dela tocando
naquele cara, com cuidado, se
preocupando com o seu estado,
estava me deixando louco.
- Thomas, cara, o que foi isso? –
Dyo estava ao meu lado, mas eu
não me interessei em iniciar
uma explicação para o meu
amigo e sim em resolver meu
problema com a minha noiva.
- Cathy, nós precisamos
conversar.

210
Acreditei que mesmo com raiva
de mim ela se livraria daquele
maldito e iria ao meu encontro,
mesmo que fosse para mais uma
discussão. Até para mais uma
noite em quartos separados. Eu
não
me importava. Apenas queria
Cathy longe dele, e o mais
importante: queria ele longe dela.
- Precisamos realmente
conversar, Thomas. Mas em
outro momento.
Sem se importar com a minha
situação, minha noiva virou
voltando-se para os convidados,
decidida.

211
- Não temos mais nada a fazer
aqui. Thomas precisa de um
tempo para pensar em suas
atitudes, e nós precisamos
comer. Sugiro irmos a um
restaurante enquanto Thomas
esfria a cabeça e
reflete sobre o que fez. – me
mandou um olhar inquisidor. –
Espero que se arrependa e
consiga se
desculpar a tempo.
- A tempo de que? - Não era
possível o que eu estava
ouvindo.
- Reflita, Thomas! Agora eu
tenho um jantar me aguardando
– Cathy saiu em direção à porta,
212
onde o próprio Roger a
aguardava.
- Você só pode estar brincando –
deixei a raiva me dominar
novamente. – Ele falou coisas
absurdas para mim e eu só reagi.
Não estou errado. Deveria ter
feito muito pior.
- Thomas, eu não vou conversar
com você agora. Vou dar
atenção ao Roger e aos meus
convidados, que não têm culpa
do seu ciúme descabido.
- Cathy, você vai sair com esse
cara e me deixar aqui sozinho?
- Vou. E não me espere para d
ormir. Vou passar a noite com
Sam. Quem sabe assim você
213
entende o que eu quero dizer de
uma vez por todas.
Os convidados, envergonhados
pelo ocorrido, foram para a sala,
de forma a nos dar mais
privacidade. Mesmo assim era
possível ouvir a nossa discussão
de qualquer lugar daquele
apartamento. Cathy estava
alterada e eu enfurecido.
- Eu não vou admitir que você
faça isso – minhas palavras
saíram estranguladas pela raiva.
- Você não tem que admitir nada.
Eu estou cansada, sufocada... –
Lágrimas rolaram de seus

214
olhos. Ele tinha razão mais uma
vez. Era assim que ela se sentia
ao meu lado.
- Ele me provocou. Quantas
vezes eu terei que repetir? Você
prefere acreditar nele do que em
mim?
- Você já me deu motivos
suficientes pensar assim –
novamente ela tentou se retirar e
meu
coração disparou com a
possibilidade de deixá-la partir.
- E você todas as vezes que
surge um problema foge sem
antes tentar resolver comigo. Fez
assim todas as vezes. Quando
descobriu o que tinha acontecido
215
entre Lauren e eu, preferiu se
trancar
e só decidiu me escutar depois
que outras pessoas te contaram
o que sabiam a respeito. Meu
Deus,
Cathy! Você nunca vai confiar em
mim? – Deixei que toda a minha
mágoa extravasasse. Cathy
também precisava ouvir algumas
verdades. Eu não era o único
errado naquela história.
- Você não me deixa escolha,
Thomas.
Cathy saiu batendo a porta de
casa.
- Foi você quem escondeu de
mim toda esta história – ainda
216
consegui gritar, antes dela bater
a
porta sem se preocupar com o
que eu dizia.
Fiquei paralisado. Cathy tinha ido
embora junto com o canalha do
Roger Turner. Eu estava
furioso. Minha mente repetia o
tempo inteiro as nossas últimas
palavras. Cathy não confiava em
mim,
na verdade nunca confiou. Se
não fosse assim, ela não teria
ficado contra mim, como ficou...
Como
sempre ficou.
Peguei a carteira de cigarros e
acendi um.
217
Ela não voltaria para casa,
passaria a noite com Samantha,
ou não. Fechei os olhos tentando
esquecer a pequena semente
que brotou em minha cabeça,
infelizmente era impossível
evitar. A cada
segundo que passava, mais a
minha angústia aumentava. E se
o que o Roger disse fosse
verdade? Que
era nos braços dele que ela iria
chorar.
Droga Cathy! Por que você tem
que ser tão complicada?
Minha mente não parava de
trabalhar, ao mesmo tempo um
estupor me dominava não me
218
permitindo seguir uma linha de
raciocínio coerente. Cathy tinha
ido embora. Não... Ela tinha
saído
com nossos amigos. Nada
aconteceria. No entanto, por
mais que eu quisesse acreditar a
única
imagem que se formava em
minha cabeça era da minha
noiva nos braços do Roger. Seus
olhos
brilhando de carinho e
admiração, como eu tinha visto
pouco antes.
Andei pela sala, perdido em
minha raiva. Sem pensar muito

219
peguei a carteira, a chave do
carro
e saí de casa. Precisava
espairecer, pensar ou esquecer.
Dirigi até um bar que eu
costumava
frequentar quando queria beber
tranquilamente sem me deparar
com fãs ou com paparazzis
ávidos
por imagens inadequadas
minhas. Lá eu podia beber e
pensar na vida sem me
preocupar com quem
estava por perto. Sentei em um
banco no balcão mais ao fundo
do estabelecimento, que estava
vazio.
220
- Vamos fechar em meia hora –
avisou o barman do outro lado do
balcão. “Perfeito” pensei,
“nem beber a vontade eu posso”.
Balancei a cabeça sinalizando
que tinha entendido e apontei
para o
litro do uísque que queria sem
me preocupar com a qualidade
da bebida. Ele pegou um copo e
me
serviu uma dose.
- Dupla, por favor! –
Imediatamente ele acrescentou
mais uma e me serviu.
Encarei o copo em minha mão e
me perguntei o que Cathy estaria
fazendo naquele momento.
221
Senti minha raiva aumentar
quando imaginei que ela poderia
realmente estar chorando nos
braços
daquele canalha. Virei o copo e
tomei de uma só vez o conteúdo.
- Por favor! – Gesticulei para que
servisse mais uma rodada. Ele
prontamente me atendeu, com
as duas doses.
Peguei o copo enquanto
analisava a minha situação.
Como foi que deixamos a nossa
relação
chegar a tal ponto? Eu amava
Cathy, disso não tinha dúvidas,
mas porque aquilo tudo estava

222
acontecendo? Por que Cathy
estava permitindo que
acontecesse? Será que ela não
me amava mais?
Respirei profundamente. Em
outros tempos ela faria qualquer
coisa para nos manter bem,
contudo ultimamente minha noiva
comprava qualquer briga para
manter a sua posição. As
palavras
de Roger voltavam a todo
instante a minha mente.
E se eu realmente a estivesse
sufocando? Era possível? Sim
era. Cathy tinha escondido de
mim

223
a existência dele. Ela nem ao
menos tinha feito questão de
marcar a data do casamento,
mesmo
depois de quase um ano de
noivado.
Droga, Cathy! Quando foi que
comecei a te perder?
- Dia difícil? – Fui retirado dos
meus pensamentos pela voz
familiar. Olhei Anna ao meu lado.
Eu nem tinha percebido sua
presença.
Definitivamente, hoje não é
mesmo o meu dia.
- Muito difícil! – Tomei um
pequeno gole da minha bebida.

224
- Com a Cathy? – Respirei fundo
evitando ser grosseiro, afinal ela
não era culpada pelo
acontecido. Eu não estava afim
de conversar, menos ainda com
uma amiga da Cathy. Queria
apenas
ficar quieto e calado, com a
minha bebida.
- Também.
- É. A vida não é um conto de
fadas.
Tive que rir daquela realidade.
Cathy havia me feito acreditar
que era possível, porém nos
últimos dias, ela estava me
fazendo enxergar a realidade, fria

225
e dura. A vida não era mesmo
um conto
de fadas e eu não era um
príncipe encantado. Era um idiota
tão corroído pelo ciúme que não
conseguiu entender e impedir o
que aquele imbecil estava
fazendo.
- E o que você faz aqui em Nova
York? Cathy sabe que você está
aqui? – Tentei quebrar meus
pensamentos como se assim
pudesse evitar uma dor maior.
- Não. Cheguei hoje. Recebi uma
proposta de trabalho, mas não
era bem o que eu queria, então
estou voltando para Los Angeles
amanhã.
226
Anna não estava vestida para
uma entrevista de emprego,
muito pelo contrário. Ela usava
um
vestido cor de ameixa, justo ao
corpo, com um decote imenso,
além da maquiagem carregada.
Também não aparentava estar
decepcionada com mais uma
desilusão. Mas não era da minha
conta.
Voltei a atenção para a bebida
em minha mão.
- E como veio parar neste bar.
Nova York tem tantos lugares
interessantes e você está logo
aqui? – Ela sorriu largamente.
Anna era bonita.
227
Perigosamente bonita.
No entanto havia algo nela que
ao invés de atrair, repelia. Não
sei se era por causa da
impressão que ela deixou em
nosso primeiro contato, em Los
Angeles, quando ela tentou
desmoralizar Cathy por ainda ser
virgem.
Aquele dia realmente me fez
enxergar Anna como ela
realmente era: invejosa. Minha
rejeição
por ela piorou ainda mais com a
sua atitude em relação a Cathy,
quando seus planos começaram
a dar

228
errado e, sem motivos aparentes,
passar a culpar minha noiva por
seu fracasso e infelicidade.
- Eu vi você entrando e resolvi
encontrá-lo – olhei para ela
desconfiado. O que Anna queria?
– Pensei que Cathy estivesse
com você – completou mudando
a direção da conversa.
“Sei” pensei. Duvido muito que
ela estivesse interessada em se
encontrar com Cathy. E mesmo
que quisesse, aquele não era o
melhor dia. Minha noiva
provavelmente estava se
divertindo com seu
novo amiguinho.
- Não. Ela não está.
229
Tomei mais um gole, desta vez
quase o copo todo. Anna tinha
acabado de me lembrar do
motivo para eu estar no bar
sozinho. Minha impressão a seu
respeito só piorou. Seria ótimo se
ela
fosse embora.
- Hum! Acho que vocês estão
realmente com problemas.
Ela sinalizou para o garçom
servi-la. Ótimo! Teria uma
psicóloga mesmo que não
estivesse
interessado.
Precisava ficar sozinho, então
decidi que iria embora. Voltaria
ao apartamento. Lá havia
230
bebidas suficiente.
Ou então iria até o apartamento
da Sam e imploraria a Cathy para
que ela me escutasse. Era o
mais provável.
- Como você disse: a vida não é
um conto de fadas – tomei o que
restava da minha bebida,
mostrando ao garçom o copo
vazio. Ele rapidamente colocou
outra dose dupla – Vou ao
banheiro.
Com licença – fui em direção ao
banheiro molhar o rosto, na
esperança de que ela me
deixasse em
paz.

231
Estava precisando me recompor,
coordenar meus pensamentos e
pensar em fazer alguma coisa.
No dia seguinte, quando Cathy
chegasse, eu precisaria estar
com um plano pronto. Isto se
conseguisse
esperar até o dia seguinte.
Voltei para o balcão , percebendo
que Anna continuava lá. Peguei
meu copo e tomei mais um
longo gole. Era a minha deixa
para ir embora.
- Sinto muito por vocês, Thomas.
Tem alguma coisa que eu possa
fazer...

232
Olhei para Anna e pensei em
dizer que ela poderia ser uma
amiga melhor para Cathy, para
começar, e depois, se ainda
quisesse fazer algo por mim,
poderia ir embora e me deixar
sozinho.
Tomei outro gole, sentindo um
gosto amargo na boca. Quando
olhei outra vez para Anna,
percebi que não conseguia mais
entender o que ela estava
falando. Eu precisava mesmo
voltar para
casa. Bebi o restante do
conteúdo de uma vez. Senti
minha cabeça rodar.

233
- Droga! Bebi rápido demais.
Estou um pouco tonto e... –
Puxei o ar, logo percebi que
minha
respiração estava irregular. -
Melhor voltar para casa.
Comecei a levantar, mas fiquei
tonto instantaneamente. Tive que
me apoiar no balcão para não
cair. Ouvi o risinho nervoso da
amiga da minha noiva ao meu
lado quase ao mesmo tempo que
senti
suas mãos em meus braços.
- Deixe-me ajudá-lo, Thomas.
Você não vai conseguir dirigir
assim - eu não podia recusar a

234
sua ajuda. Com certeza
conseguiria chegar em casa
sozinho.
- Tudo bem.
Olhei para o garçom que já
estava com minha conta na mão
olhando para mim sem saber
como
agir. Peguei uma nota do bolso,
entreguei a ele pegando a conta
de sua mão rapidamente e
colocando
no bolso.
– Pode ficar com o troco. E seu
uísque é uma droga! – Deixei
Anna me levar até o carro de
depois disso apaguei.
Capítulo 7
235
Rompendo os Laços
VISÃO DE CATHY
Não consegui dormir a noite
toda. Por que Thomas tinha que
estragar tudo? Eu estava
inconformada. Pedi tanto a ele
para se comportar, deixar as
coisas se acertarem e ele
simplesmente
agrediu o Roger, e o pior, por
ciúme sem fundamento.
Roger estava sendo fantástico.
Tinha compreendido e até ficado
feliz com a minha relação com
Thomas. Que droga!
As lágrimas derrubadas durante
a noite toda não foram

236
suficientes para me fazer
compreender
a terrível situação em que me
encontrava. Como conseguiria
equilibrar a minha vida pessoal e
profissional, depois de tudo o que
aconteceu?
Precisava trabalhar em minhas
empresas. Era minha obrigação
e eu tinha dado a minha palavra
de que ficaria com eles até a
situação se normalizar. Thomas
não estava me apoiando, muito
pelo
contrário, ele estava me limitando
e interferindo as minhas
escolhas.

237
Entretanto o que mais me
magoava não era isso. Ele não
confiava em mim. Não acreditava
em
minhas decisões e não
respeitava o que eu queria. Eu
não conseguia entender.
Quantas vezes já havia
provado que eu sabia
exatamente o que estava
fazendo? Mesmo assim meu
noivo insistia em não me
apoiar, em não aceitar.
Levantei da cama bem cedo e
caminhei pelo apartamento sem
querer perturbar o sossego da
Sam. Ela voltaria para a
Pensilvânia ainda pela manhã e
238
não precisava levar mais
preocupação na
bagagem.
Ainda pensando no que fazer
para suavizar os problemas que
encontraria em casa, resolvi
tomar um banho e me vestir. Eu
precisava voltar e conversar com
Thomas. Aquela história teria que
ter um fim. Meu noivo precisava
entender que eu fiz a minha
escolha e nada me faria voltar
atrás, até
porque eu sabia que nenhuma
decisão minha era impensada ou
egoísta, ao contrário das
escolhas
dele.
239
Não entendia porque era tão
difícil. Como podíamos nos amar
tanto e mesmo assim ainda
deixarmos que situações como
aquela nos afastasse cada vez
mais. Depois de tudo o que
vivemos
ainda não éramos fortes o
suficiente para enfrentar qualquer
dificuldade sem abalar nosso
relacionamento?
Eu não tinha dúvidas do meu
amor. Continuava certa do que
queria para mim, para nós dois,
mas não podia permitir que
Thomas conduzisse nossas vidas
daquela forma. O que me levava
a
240
pensar se o amor dele por mim
continuava o mesmo? Eram
tantas dúvidas que precisavam
ser
sanadas o mais rápido possível e
por este motivo que voltei a
nossa casa.
Assim que cheguei, percebi que
algo estava errado. Algumas
coisas estavam fora dos seus
lugares, não que isso fosse
anormal, mas estavam
espalhadas e não deslocadas.
Lembrei que meus
convidados estiveram ali na noite
anterior e que uma pequena
confusão tinha ocorrido, então
deixei
241
passar.
Subi as escadas em direção ao
meu quarto com passos lentos.
Pelo silêncio, Thomas ainda
estava dormindo. Parei antes de
entrar organizando tudo o que
deveria ser dito. Estranhamente
eu
tremia. Era como se alguma
coisa estivesse errada demais
ali. Imaginei que era mais
novamente o
meu lado covarde tentando calar
tudo o que eu queria dizer.
A porta estava entreaberta, a
afastei para conseguir entrar sem
fazer barulho. De lá mesmo

242
dava para sentir o cheiro forte de
bebida.
- Thomas deve ter bebido até
dormir – constatei pensando em
como conseguiria acordá-lo
para que tivéssemos uma
conversa saudável. Seria mais
difícil do que eu pensava.
Entrei no quarto ainda escuro,
por causa das cortinas que
bloqueavam a entrada do sol, e
acendi as luzes.
Fiquei paralisada.
Quando penso em luz
adentrando em um lugar de pura
escuridão, penso em coisas boas

243
acontecendo. Mas não foi isso o
que encontrei em meu quarto. Eu
simplesmente não conseguia
acreditar no que meus olhos
estavam me mostrando, em que
a luz estava revelando.
Permaneci imóvel, enquanto meu
corpo não conseguia encontrar
uma reação adequada para
aquela situação. Fui obrigada a
contemplar Thomas deitado,
parcialmente coberto, mas
definitivamente sem roupas, e ao
seu lado, abraçada ao seu corpo,
estava uma mulher, também
completamente nua, porém não
tinha se preocupado em cobrir-
se.
244
A dor veio antes mesmo da
compreensão da cena que eu
via. Era avassaladora,
inacreditavelmente forte e
sufocante. Como se quisesse me
matar. E deveria ter matado
mesmo, na
verdade matou, pois eu morri por
dentro naquele momento, mas
por algum motivo desconhecido,
eu
permanecia viva, estática.
Senti que minhas pernas iriam
falhar e me apoiei no pequeno
aparador próximo da porta. Sem
querer, deixei cair um porta
retrato que estava sobre nele,

245
fazendo barulho e então a mulher
que
estava na minha cama, com o
meu noivo, acordou olhando para
a minha direção.
Ficamos nos encarando por um
instante que para mim parecia
uma eternidade. Minhas
primeiras lágrimas escorreram
naquele momento inacreditável.
Era terrível demais para ser
verdade,
doloroso demais para ser
suportado. Era impossível
descrever o quanto eu estava
sofrendo, no

246
entanto, mesmo sentindo uma
dor insuportavelmente grande,
minha voz conseguiu sair
involuntariamente por entre meus
lábios.
- Anna?
Foi apenas um murmúrio, mas o
suficiente soar no silêncio como
uma grande explosão. Fechei
os olhos e esperei pelas chamas,
porém elas não me consumiram.
Como eu gostaria que
acontecesse,
ao menos voltaria a ter paz.
- Cathy? – Ela disse ainda
sonolenta, então percebeu o
quadro que nos cercava. – Ai
meu
247
Deus, Cathy! – Levantou
puxando a coberta para seu
corpo tentando vir em minha
direção. – Não é o
que você está pensando. Nós
bebemos um pouco e...
Levantei minha mão, sinalizando
para que ela não tentasse se
justificar. Anna começou a
chorar convulsivamente. Eu não
queria ouvir, não havia nada para
ser dito. Tudo estava muito bem
explicado. Não conseguia sentir
raiva, nem mágoa, nem ódio...
Eu simplesmente não sentia
nada além

248
da dor que me machucava cada
vez mais, que me impedia de
respirar.
Meu mundo tinha sido destruído
em segundos, deixando-me
flutuando no espaço, perdida.
Desejei que o nada dentro de
mim me engolisse para sempre e
que eu nunca mais precisasse
voltar
para aquela realidade.
- Cathy, por favor, me deixe
explicar.
Anna falou alto demais, fazendo
com que Thomas se movesse ao
seu lado. Meu noivo acordou,
ainda visivelmente bêbado, ou
com uma forte ressaca. O fato
249
era que ele não conseguia
entender o
que estava acontecendo. Nada
daquilo minimizou o que eu via.
Nenhuma justificativa seria o
suficiente para que eu
entendesse. Nada mais
importava.
Thomas olhou para Anna
bastante confuso e depois de um
tempo, olhou para mim. Nossos
olhos se encontraram e então ele
compreendeu o que tinha feito.
Contemplei seu olhar tentando
encontrar nele aquele Thomas
que jurava me amar. O mesmo
Thomas que me fez enxergar o
quanto eu necessitava do seu
250
amor, que me provou que este
sentimento
era capaz de vencer qualquer
barreira. Que me fez acreditar e
desejar que fosse possível para
mim.
Enquanto o encarava revivi todos
os nossos momentos, nosso
primeiro encontro, nosso
primeiro beijo, nossa primeira
noite de amor, e então, o nosso
fim. Tão amargo e infeliz que era
difícil de acreditar.
Eu vi quando o desespero se
formou em seu olhar e foi
naquele exato momento que
finalmente

251
meu corpo conseguiu reagir.
Pensei que morreria, ou que
desmaiaria, porém sem pensar
duas vezes,
virei-me e saí do quarto, e do
apartamento, e da vida do
Thomas... Para sempre.
Corri o máximo que meu corpo
aguentou. Não me importava se
as pessoas estavam me
olhando, se havia alguém em
meu caminho ou não. Nada me
impediria de partir. Desci as
escadas
pulando os degraus e saí do
prédio sem saber para qual
direção deveria ir. Corri sem um
destino
252
certo, mas consegui me afastar o
suficiente para não ser mais
encontrada por eles.
Então parei, sem saber o que
deveria fazer. Olhei ao redor sem
conseguir me situar. Sentei em
um banco de praça e ali fiquei
por tempo indeterminado,
contemplando o nada. Chorei,
lamentando
todo o tempo que tinha perdido
tentando me enganar.
Acreditando Thomas tinha
mudado por mim.
Que o nosso amor era suficiente,
que pertencíamos um ao outro.
Como eu tinha me enganado!

253
Não senti ódio por deles, sentia
de mim. Eu tinha sido a idiota,
que acreditou que um dia um
príncipe chegaria e me resgataria
de uma torre. O príncipe chegou,
o problema foi que ele se
transformou em um sapo. Ri da
minha constatação. “Então foi
assim que Lauren se sentiu? No
fundo
ela tinha razão. Thomas se
cansou de mim, como ela tinha
dito que seria”. Fui dominada por
uma
imensa tristeza.
Não era só a tristeza por ter sido
traída, nem mesmo por ter sido
traída pela minha amiga e
254
pelo meu noivo, era a tristeza da
derrota. Era como eu me sentia.
A tristeza de uma vida que tinha
terminado ali, no instante em que
eu os vi. A tristeza de sonhos
destruídos e planos que nunca
seriam
realizados. A tristeza de um amor
que teria que morrer e que eu
não sabia quando nem como
matá-lo.
Cansada de esperar pelo que
não vinha, levantei e recomecei a
caminhar. Não tinha para onde
ir. No meu desespero até a bolsa
com os documentos deixei cair
no chão do apartamento, ficando

255
sem rumo, perdida em Nova
York, e sem querer ser
encontrada.
Eu era ninguém.
Nada.
Era mais uma pessoa
completamente perdida em meio
à multidão. Voltaria a ser
exatamente o
que era antes dele entrar em
minha vida... Nada. Minha
cabeça trabalhava a todo vapor,
mas ao
mesmo tempo eu não conseguia
pensar em nada que me
ajudasse. Pensei em mim e
pensei em

256
Thomas. Senti uma imensa dor
no peito. Não parecia uma dor
real e ao mesmo tempo era
perfeitamente real. Não
machucava fisicamente, mas
doía como uma imensa ferida.
Eu ofegava, o ar era mínimo, ou
era apenas minha imaginação?
O que era a realidade e o que
era sonho, ou pesadelo? Queria
tantas coisas, correr, gritar até
não conseguir mais, chorar todo
o meu
desespero, deitar no chão e
deixar que a chuva me levasse,
queria dormir e nunca mais
precisar
acordar.
257
- Deus, isso vai me matar! – A
chuva escorria em meu rosto.
Olhei o céu cinza de Nova York e
minhas lágrimas se juntaram às
derramadas pelas nuvens. Tudo
ao meu redor era triste. Era como
se
a vida chorasse a minha dor. –
Me ajude! – Gritei para o céu. –
Me ajude, por favor! Eu não vou
aguentar.
Não sei quanto tempo fiquei
parada sem saber o que fazer.
Passei a mão no rosto tentando
tirar
o excesso de água dos meus
olhos. Recomecei a andar. Meu

258
corpo inteiro doía. Era como se
eu
tivesse andado o dia inteiro. Ou
tinha andado o dia inteiro
mesmo? Não fazia ideia. Minha
vida tinha
perdido o rumo. O tempo não
fazia mais diferença para mim.
Nada mais fazia.
Enquanto andava, percebi que o
mundo tinha se tornado pequeno
e sufocante, ao mesmo tempo
que a minha dor se tornava cada
vez maior. Lembrei-me de minha
mãe e de todo o seu sofrimento
por
causa do meu pai. Novamente
senti que fraquejaria.
259
- Que ironia do destino! – Ri de
mim mesma.
Como fui me tornar o que nunca
quis ser? Passei minha vida
inteira tentando me proteger
daquele sofrimento. Daquele
amor absurdo e sem limites. E o
que tinha me acontecido?
Exatamente a
mesma coisa. Eu estava
chorando desesperadamente por
uma pessoa que não merecia o
meu amor.
Sim, apesar de ter flagrado
Thomas na cama com a minha
amiga, mesmo ele tendo feito da

260
minha vida um inferno nos
últimos dias, eu ainda o amava
com toda as forças e desejava
desesperadamente que tudo
aquilo fosse um pesadelo. Que
eu pudesse acordar logo e
constatar que
nada tinha mudado. Para minha
tristeza isso não iria acontecer,
nunca mais. Outras uma vez o
vazio e
o desespero me assolaram.
Thomas tinha se tornado
passado e o passado nunca
volta.
Precisava fazer alguma coisa por
mim e sabia exatamente o que.
Teria que matar Thomas
261
dentro de mim, o que, com
certeza, me mataria junto com
ele, no entanto eu estava
disposta a correr o
risco. Talvez fosse melhor não
viver mesmo. Seria melhor do
que passar os meus dias
carregando
aquela dor avassaladora.
Quando não aguentava mais
andar, avistei o que parecia
improvável em uma cidade como
Nova York. Roger Turner estava
parado a alguns metros de mim,
encostado no seu carro e falando
ao
telefone. Ele parecia nervoso.
Comecei a caminhar em sua
262
direção. Logo ele me avistou,
desligando
e correndo em minha direção.
Assim que nos encontramos fui
cercada por seus braços. A
sensação
de segurança me desarmou.
- Cathy! Eu estava tão
preocupado.
- Por quê? – Enxuguei as
lágrimas. Não era o mais
coerente a dizer, até porque era
lógico que
àquela altura muita gente já
deveria saber o que aconteceu.
- Samantha me ligou, falou que
você teve um problema com

263
Thomas e que estava
desaparecida
desde cedo.
- Samantha? Como ela soube?
Que horas são? – Fiquei confusa
com a informação, mas eu
sabia que Thomas iria tentar me
encontrar, nem que fosse para
aliviar a sua consciência.
- Parece que Thomas também
passou o dia inteiro tentando te
encontrar. Samantha está na
Pensilvânia, ela ficou muito
preocupada e acabou me ligando
– ouvir o nome dele fez com que
meu
coração palpitasse mais forte.
Senti o nó se formando em
264
minha garganta e as lágrimas
ganharam
mais força.
Recomecei a chorar e pela
primeira vez no dia, senti todo o
peso dos acontecimentos. Minha
cabeça e meus pés estavam
extremamente doloridos. Eu
queria apenas dormir, sem
precisar acordar
e encarar o que me esperava.
Encostei-me no seu peito sem
me preocupar em estar sendo
frágil ou
despertando a sua pena. Eu
mesma sentia pena de mim.

265
- Você está péssima. Vamos sair
daqui. O que quer fazer? Posso
te levar de volta para casa.
- Eu não tenho mais casa. Não
tenho mais nada.
- Sinto muito, Cathy! Sinto tanto!
– Meu coração reconheceu a
volta do meu amigo, como
éramos antes. Abracei seu corpo
me refugiando nele. - Posso te
levar para a Samantha, ela vai
saber
cuidar de você.
Pensilvânia. Era isso! Precisava
ir embora e a casa da Sam era o
lugar ideal para que eu me
esquecesse do mundo e o
mundo me esquecesse.
266
Precisava estar com Sam, mas
como?
- Deixei meus documentos no
apartamento e também não
tenho dinheiro...
- Tudo bem, Cathy! Posso pedir
para alguém buscar as suas
coisas...
- Não. Eu não quero.
Senti meu coração acelerar com
a simples possibilidade de um
possível reencontro com
Thomas. Se ele estava me
procurando, com certeza iria
exigir de quem quer que fosse
buscar minha
bolsa, que contasse onde eu
estava.
267
Eu não queria que fosse assim.
Ele tinha destruído o meu conto
de fadas e transformado em um
filme de terror. Naquele momento
eu só desejava ser a mulher
invisível e sumir da vida dele.
- Vamos de carro então. Eu te
levo.
Concordei. Entramos no carro
imediatamente, como se já
existisse aquele plano de fuga,
mas
eu não estava em condições de
pensar, fechei os olhos, sentindo
o carro partir e pegar a estrada.
Não havia nada do que eu
tivesse que me despedir. Não
queria olhar para trás. Roger
268
respeitou o meu silêncio e se
manteve calado por um longo
período, como antes, quando
éramos
namorados e eu passava por
algum problema. Ele ficava ao
meu lado até que me sentisse
melhor e
me apoiava incondicionalmente.
Por mais que tentasse, não
conseguia parar de pensar em
Thomas. À medida que ia me
afastando de Nova York, dele, de
nossa casa, sentia desespero, e
ao mesmo tempo uma saudade
imensa tomava conta de mim.
Pois eu sabia que a cada passo

269
que dava, mas distante ficava
dele, dos
nossos sonhos, e do quanto mais
verdadeira se tornava a nossa
separação.
Quando eu me lembrava que não
poderia mais vê-lo, meu
desespero aumentava. Uma
parte da
minha mente entendia que o
melhor era me afastar para
sempre e tentar esquecê-lo, a
outra se
desesperava com a mínima
possibilidade de nunca mais
poder olhar em seus olhos, ver
seu sorriso
tão perfeito.
270
Suspirei profundamente me
sentindo absurda por pensar
daquela forma. Ele tinha me
traído e
com a minha amiga. Aquilo era
inadmissível.
Como ainda podia pensar nele
com saudade? Era para estar
sentindo raiva deles, mas eu não
conseguia! Eu só sentia pena de
mim, dele, de nós dois. Nós
tínhamos vivido momentos
inesquecíveis e era realmente
sofrido ver tudo jogado ao vento
e arrastado para longe.
Será que ele também se sentia
assim? Não. Ele fizera suas
escolhas. Havia me mostrado o
271
quanto não se importava mais.
Eu estava sofrendo por precisar
esquecê-lo, mas Thomas já tinha
me
esquecido. Tinha me substituído.
Eu não significava mais nada
para ele. Lágrimas rolaram pelo
meu
rosto e um soluço escapou.
Imersa em meus pensamentos
senti Roger pegar minha mão e
apertar com força.
- Você sabe que eu estou aqui,
não é? Sempre estarei por perto
para te ajudar.
- Eu sei. Obrigada! – Minha voz
estava muito fraca e quase não
saiu.
272
- Se você não quiser me contar o
que aconteceu não tem
problema, Cathy. Apenas quero
que
saiba que farei o que for
necessário para que essa dor
deixe de existir – acariciou meu
rosto, como
um irmão mais velho, tentando
me confortar.
- Como nos velhos tempos, não
é? – Ri sem nenhum humor para
a infeliz realidade. Estávamos
de volta a nossa história. Fiquei
um pouco aliviada, ao menos
aquilo me restava.
- Sim. Como nos velhos tempos,
Cathy.
273
Roger voltou a ficar calado e eu
fechei meus olhos e deixei a
enormidade do nada me
dominar.
Já estávamos na Pensilvânia
quando ele voltou a conversar.
- Posso ligar para Samantha e
avisar que estamos chegando?
Ela estava bastante preocupada.
- Eu ligo – sem hesitar ele tirou o
celular do bolso e me entregou.
Sim, tudo voltava a ser
como antes. Roger ainda
confiava em mim, e em minhas
decisões, sem contestar.
Respirei fundo e disquei o
número da casa da Sam.

274
- Alô – reconheci sua voz aflita.
Com certeza Sam estava
preocupada e devia estar ao lado
do
telefone esperando por notícias.
- Sam...
- Cathy! Graças a Deus! Onde
você está? Estamos todos
preocupados. O que aconteceu?
Thomas... – meu coração
acelerou.
- Sam, tem alguém aí com você?
– Fui invadida pelo desespero.
Havia a possibilidade de
alguém ter pensado na
Pensilvânia também e ter ido
para lá me encontrar.

275
- Não. Ninguém além dos
empregados. Por quê?
- Sam, por favor, não diga a
ninguém que eu entrei em
contato. Não quero que saibam
onde
estou. Você pode fazer isso por
mim?
- O que aconteceu, filha? – Sua
voz se tornou reconfortante,
como a de uma mãe que sabe
que
o filho está com problemas e
tenta ajudá-lo ao invés de
repreendê-lo. Sam era como uma
mãe para
mim, não poderia ser diferente.

276
- Prometa. Por favor! – Fechei os
olhos implorando que ela não
exigisse maiores explicações.
Meu coração estava tão apertado
que era difícil falar sem deixar a
dor transparecer em minha voz.
- Sim, claro! Eu não direi nada a
ninguém. Mas...
- Ótimo! Eu estou perto da sua
casa. Vou ficar com você por um
tempo, mas, por favor...
Ninguém pode saber disso.
Ninguém mesmo, Sam.
- Já entendi, querida. Você não
quer que Thomas saiba onde
está.

277
- É... É isso mesmo – algumas
lágrimas voltaram a escorrer por
meu rosto, ao ser atingida
pelas lembranças de Thomas em
nossa cama ao lado de Anna. –
É muito importante para mim que
ele
não me encontre... Nunca mais –
acrescentei somente para mim
esta última parte, tentando
convencer
o meu coração de que era a
coisa certa a fazer.
- Ao que parece foi mais grave
do que pensei – fiquei calada
sentindo as lágrimas. Thomas

278
não havia contado a ela o
ocorrido. Covarde! – Tudo bem.
Estarei esperando por você.
Capítulo 8
O Tempo é o Melhor Remédio
VISÃO DE CATHY
Assim que cheguei, fui
recepcionada por Sam que
estava visivelmente abalada com
tudo o que
tinha acontecido. Ela não me fez
um monte de perguntas como eu
esperava. Apenas me abraçou
forte
e me deixou chorar em seu
ombro. Usufruir do carinho o
máximo de tempo que precisei,
apesar de
279
não entender como as lágrimas
podiam continuar caindo.
Quando me senti melhor, fui para
meu quarto e tomei um banho
demorado. Procurei no closet
algumas peças que havia
deixado na minha última visita.
Graças a Deus! Ao menos eu
teria calcinhas
limpas. Sam levou ao meu quarto
uma camisola dela e um roupão
de seda, deixando-me
agradecida
pelo cuidado.
- E Roger?
- Ele vai ficar até manhã.
- Bom. Seria ruim pegar a
estrada à noite.
280
Constatei que mesmo já tendo
passado algumas horas do
ocorrido a minha dor não
diminuía,
ela permanecia para me lembrar
a todo o momento que nós não
existíamos mais. Era assustador.
Esperei pela raiva que eu deveria
estar sentindo, afinal de contas,
havia sido covardemente
traída e humilhada pelos dois.
Mas este sentimento não se
apresentava, mesmo eu o
desejando
ardentemente, seria mais fácil do
que sentir a dor e a tristeza da
ausência dele. Era como se meu

281
coração tivesse sido arrancado
por Thomas.
- Você não vai comer nada?
- Não, Sam. Não tenho
condições de comer nesse
momento. Mas fique tranquila,
não vou me
matar de inanição. Prometo que
comerei amanhã – ela sorriu,
levando conforto ao meu
coração.
Agradeci por estar com ela
naquele momento.
Roger, mais uma vez, tinha razão
e conseguiu decidir o melhor
para mim, como sempre fez

282
quando eu não tinha condições
para escolher um caminho. Nós
dois sempre formamos uma bela
dupla. Se existisse amor
seriamos o casal perfeito.
Infelizmente o amor era travesso,
e tinha
escolhido a pessoa errada para
mim. Outra lágrima escapou.
- Não vai me contar o que
aconteceu? Thomas ligou várias
vezes, não sei mais o que dizer a
ele.
- Só não diga que estou aqui – o
desespero novamente me tomou,
tirando o meu ar. Sentei a

283
beira da cama e fechei os olhos
procurando forças para
continuar.
- Tudo bem! Não vou contar a
ele. Mas e a Mia? Ela também
está muito preocupada. Sem
contar com Sara, Dyo, todos. É
difícil não confortá-lo. Eles estão
apavorados com medo que você
faça alguma besteira.
- Ligarei para eles depois. Agora
só preciso ficar afastada de tudo
e de todos.
Sam estava sentada na poltrona
em frente a minha cama me
ouvindo atentamente. Não podia

284
evitar a nossa conversa. Ela
estava lá por mim e eu precisava
realmente daquele apoio.
- Vou te contar o que aconteceu.
Relatei tudo o que ocorreu,
desde a minha chegada ao
apartamento até o meu encontro
com
Roger e a sugestão dele de me
levar até ela.
- Imaginei algo parecido – sorriu
tristemente. – Você não fugiria
por uma briga à toa. Thomas
tinha que te ferir de verdade para
que quisesse ficar longe dele –
ficou constrangida por me dizer o
que pensava. Mas ela estava
com a razão.
285
Eu o amava muito e, se três tiros
disparados contra mim por causa
do seu segredo, não
conseguiram, não seria uma
simples briga que me tiraria do
seu lado.
- Agora preciso realmente fugir,
Sam. Se eu continuar nesta
vida... Neste mundo que criei e
que Thomas destruiu, não
sobreviverei. Preciso tirá-lo de
dentro de mim.
Chorei desesperadamente
imaginando o que seria
necessário para conseguir
aquela façanha,
que para mim, era praticamente
impossível. Thomas não estava
286
apenas em minha mente, estava
em
cada célula do meu corpo, em
todos os meus movimentos e
pensamentos. Em meu passado,
permanecia em meu presente e
eu precisava arrumar uma forma
de impedir que ele fizesse parte
do
meu futuro, ainda que fosse
através de lembranças e
sentimentos. Sam levantou e
sentou ao meu lado
me abraçando.
- E o que você pretende fazer?
- Ainda não sei. Só sei que
Thomas não pode saber onde eu
estou.
287
***
Minha primeira semana sem
Thomas foi avassaladora. Em
muitos momentos pensei que
enlouqueceria com tamanho
sofrimento. Eu oscilava entre
dormir e sonhar com algo ligado
a ele, o
que sempre resultava em choros
frenéticos no meio da noite, ou
ficar acordada, o que não me
impedia de estar à parte do
mundo, consumida por um
sofrimento tão grande que não
me permitia
participar da minha própria vida.

288
Cada vez que o telefone tocava
eu tremia imaginando ser ele, o
que na maioria das vezes era
verdade e a dor em meu peito se
intensificava, à medida que Sam
inventava mais e mais desculpas
para manter minha localização
uma incógnita.
Mia entrou em desespero no
segundo dia e fui obrigada a
revelar a ela onde estava. Na
verdade, não tinha a intenção de
esconder meu paradeiro da
minha melhor amiga. Apenas
pedi a ela
o mesmo que pedi a Sam, que
não contasse ao Thomas onde
eu estava, o que ela concordou
289
imediatamente. Então passamos
a nos falar duas vezes ao dia.
Roger modificou sua rotina para
poder passar mais tempo comigo
e, com a permissão da Sam,
ele começou a voltar todas as
noites para a Pensilvânia para
ficar comigo, o que não era um
grande
sacrifício, afinal eram apenas
alguns minutos de avião.
Como todos estavam muito
preocupados, permiti que Sam
dissesse que eu havia ligado e
que
estava tudo bem, porém ela não
sabia nada sobre a minha

290
localização. Ouvi quando minha
madrasta
disse a Sara que eu não estava
em condições de conversar com
ninguém e por isso não entrava
em
contato. Senti minha garganta
apertar quando perguntou como
Thomas estava, e então saí da
sala para
não ter que ouvir sobre sua
felicidade ao lado de Anna.
Apesar de toda a atenção
dispensada a mim pelos meus
amigos, eu ainda preferia ficar
sentada

291
no banco do jardim, o mesmo em
que estive há algum tempo com
meu pai, falando sobre meu amor
pelo Thomas e nosso possível
casamento. Por mais que a
lembrança me torturasse, era lá
que eu
preferia ficar e chorar. Sem
precisar estar com mais ninguém
além das minhas lembranças
dolorosas.
***
Na segunda semana eu ainda
sonhava com Thomas e
acordava chorando no meio da
noite.
Parte deste desespero se deu ao
fato das ligações ficarem cada
292
vez mais espaçadas. Ele parou
de
perguntar sobre meu paradeiro.
Apenas conversava com Sam
para saber como eu estava.
Sam e Mia disseram a ele que eu
tinha feito contato, mas que não
tinham permissão para contar
onde eu estava. Ele então parou
de me procurar.
Dentro de mim existia a certeza
de que isso aconteceria em
algum momento, afinal, ele havia
me traído, o que indicava que
nosso amor não era mais o
mesmo, pelo menos para ele.
Para mim,

293
infelizmente, continuava o
mesmo, e a cada dia me
certificava de que aquela
condição não mudaria.
Por mais absurda que fosse a
forma como me sentia e por mais
imperdoável que tenha sido o
motivo de eu ter fugido dele, a
verdade era que: quanto mais o
tempo passava, mais eu me
conscientizava de que daria
qualquer coisa para que tudo não
passasse de uma mentira.
O meu único desejo era que
Thomas entrasse pela porta da
casa com provas de que tudo foi
um engano e que nós
poderíamos voltar a viver o
294
nosso amor. Mas quando o dia ia
embora e a noite
chegava, eu era forçada a
entender que aquela nunca seria
a minha realidade. Nada poderia
apagar o
que ele tinha feito, o que eu tinha
visto, então a certeza do fim caía
sobre mim como uma âncora
pesada me afundando cada vez
mais.
Eu nunca quis realmente o amor
em minha vida, contudo quando
tal sentimento chegou, me
agarrei a ele como se minha
existência dependesse disso.
Este foi o meu maior erro, pois
passei a
295
viver apenas o amor, sem levar
em consideração que toda
história de amor, todo conto de
fadas, tem
um final.
Acreditei que quando duas
pessoas se amavam nada mais
faltava. Ser apenas um do outro
era
o suficiente. Então aprendi de
uma forma bastante dolorosa que
o amor é muito mais do que um
sentimento, do que a vontade de
ficar juntos. É também, e
principalmente, o
companheirismo, a
compreensão e aceitação do que
o outro é.
296
Quando eu era criança, minha
mãe me dizia que a vida era
repleta de créditos, que as
pessoas
os ganhavam pelas suas boas
ações, o que ajudava a solidificar
os relacionamentos, sejam eles
entre
marido e mulher, mãe e filha ou
amigos. Quando algo ruim era
feito, havia os créditos que a
pessoa
possuía para impedir que o
relacionamento acabasse.
Com o tempo entendi que esta
era a forma como ela justificava a
sua permanência ao lado do

297
meu pai. Confesso que nunca
aceitei aquela justificativa. No
entanto vi Sam usar o mesmo
argumento
ao escolher continuar com meu
pai e me aceitar como parte da
família.
Eu me pergunto se estes créditos
existem mesmo. Porque se eles
realmente existissem, Thomas
não teria feito o que fez comigo.
Por mais complicado que fosse o
nosso relacionamento, eu não
tinha
créditos para que ele
permanecesse ao meu lado?
Para que ele tivesse rejeitado o
desejo pela minha
298
amiga, ou até mesmo para se
sentir culpado por seus
sentimentos?
Se eu não tinha créditos para
isso, então de que valeu todo o
meu amor? De que valeu todo o
tempo dedicado a nossa
felicidade? E por que eu não
conseguia transformar isso tudo
em uma
verdade absoluta e arrancá-lo, de
uma vez por todas, da minha
cabeça e do meu coração?
A tristeza e a dor eram mais
intensas, mas meu corpo
começava a se adaptar me
causando

299
menos danos a cada dia. A
sensação de que uma pedra
pesada estava sobre o meu peito
me
impedindo de respirar ainda era
constante, no entanto eu já não
chorava, pelo menos na frente
das
outras pessoas, nem conseguia
mais dormir tanto quanto antes, o
que me mantinha mais atenta e
participativa da realidade em que
estava vivendo.
Conversando com Roger percebi
que uma decisão precisava ser
tomada. Era necessário me

300
desvincular de uma vez por todas
das amarras que me ligavam a
Thomas. Tomei coragem e liguei
para Sara. Ela ficou muito
emocionada com a minha ligação
e pudemos conversar por
bastante
tempo. Foi através dela que eu
soube que Thomas também não
estava bem.
- Não sei o que te dizer –
continuou com cautela. – Ele
está muito abalado. Parece que
os dias
deixaram de passar. Tudo tem
sido feito da maneira mais
complicada possível. Thomas
não
301
corresponde as nossas tentativas
de fazê-lo voltar à vida. Estou
seriamente preocupada. Se
existisse
uma forma de trazê-la de volta,
Cathy, eu me agarraria a ela com
todas as forças. Sinceramente
não
entendo o que passou pela
cabeça de Thomas quando...
Não queria ouvir aquilo, mas
tenho que confessar que saber
que ele também sofria aliviava
um
pouco a minha própria dor. Pelo
visto eu não tinha sido tão pouco
na vida dele, como vinha
pensando.
302
- Precisamos acertar alguns
detalhes – não deixei que ela
continuasse. Seria
demasiadamente
doloroso saber que ele e Anna
estavam juntos, apesar de se
fosse verdade, eu acabaria
sabendo de
uma forma ou de outra.
Os paparazzis eram implacáveis.
Por isso cortei a conversa e
comuniquei a Sara que estava
me demitindo. Ela já esperava
por
esta notícia, então foi mais fácil
do que eu esperava.
- Eu sinto tanto! Vai ser
profissionalmente mais
303
complicado sem você aqui, e
sentimentalmente
mais doloroso. Todos, de certa
forma, nos afeiçoamos a você.
Não vai ser mais a mesma coisa

sorri com o coração apertado. A
máxima era verdadeira para mim
também.
Terminamos a conversa sem que
eu revelasse onde estava, mas
prometi que voltaria a ligar.
No dia seguinte, pedi a Roger
que enviasse um fax para a
agencia da Sara com o meu
pedido de
demissão, era burocraticamente
necessário.
304
Seria o corte final de toda a
minha relação com Thomas.
Quando Roger me ligou avisando
que
todas as providências já tinham
sido tomadas, me tranquei no
quarto e chorei o restante da
tarde. Eu
tinha jogado o último punhado de
terra sobre o caixão que
enterrava a minha história ao
lado do
único homem que amei. Restava-
me apenas chorar.
***
Na terceira semana, Mia
conseguiu três dias de folga e

305
viajou a Pensilvânia para ficar
comigo.
Nossa conversa conseguiu ser
saudável. Eu falei da minha
decepção e de toda a tristeza
com o
desfecho da minha fracassada
história de amor.
Minha amiga me ajudou muito,
me incentivando a ter forças para
reconstruir a minha vida.
Sentia-me melhor para poder
recomeçar uma nova história,
não mais de amor, talvez este
não fosse
mais possível para mim, no
entanto quem sabe de sucesso
na carreira profissional?
306
A empresa precisava que eu
estivesse mais presente e eu de
algo para ocupar o meu tempo.
Durante três semanas que
passaram, apenas permiti que o
vazio me dominasse, com o
passar dos dias
fui percebendo que parte dele
era o fato de eu, por algum
tempo, ter mantido a minha vida
em
segundo plano.
Passava tanto tempo me
dedicando ao Thomas, à carreira
do dele, que a minha própria vida
tinha ficado para trás. Porém,
sem ele para ocupar o meu

307
tempo, sem o nosso amor e sem
a sua
carreira para alimentar o meu
lado profissional, eu estava
completamente vazia.
Totalmente
desacostumada comigo mesma e
tendo apenas a mim para cuidar.
Passamos três dias conversando
sobre os mais diversos assuntos,
o principal só foi
conversado em seu último dia
comigo, e porque eu não
consegui me manter distante
como havia
pensado que conseguiria.

308
- E Anna? Ela disse alguma coisa
sobre o que aconteceu? – Mia e
Anna moravam no mesmo
apartamento e era impossível
que ela e as minhas outras
amigas não tivessem conversado
sobre a
traição.
- Você quer mesmo saber? –
Assenti pedindo que ela
continuasse. Na verdade eu
estava em
pânico, porém era necessário.
Não podia mais evitar, era
melhor saber através de minha
amiga do
que por revistas de fofocas. – Ela
ficou bastante abalada. Nos
309
primeiros dias não ficava em
casa e
quando estava se trancava no
quarto. Quando ficamos sabendo
que ela havia... – parou e
observou a
minha reação. – Quando
soubemos o que tinha
acontecido, e só soubemos
porque eu liguei para Dyo
e exigi que me contasse, ficamos
todas enfurecidas – fez uma
nova pausa e voltou a me
observou,
como não me manifestei ela
continuou. – Droga, Cathy!
Somos amigas, somos todas
amigas, ela não
310
tinha este direito! Mesmo que
Thomas tivesse tentado alguma
coisa, era Anna quem teria que
ser a
forte, ela te devia isso, pela
nossa amizade.
- Thomas também tem culpa,
Mia. Com tantas mulheres na rua
ele escolheu logo uma amiga
minha... – as lágrimas
transbordaram com as
lembranças e eu deixei que
minha amiga visse o quanto
ainda estava abalada e
machucada com tudo.
- Eu sei, Cathy. Não existe
perdão para o que ele te fez, mas
Anna... Ela foi tão...
311
- Vamos deixar o tempo se
encarregar dela, certo? – Impedi
minha amiga de alimentar a dor
que insistia em me dominar
naquele momento. Desviei os
olhos tentando focar minha
atenção em algo
menos doloroso. Mia hesitava.
- Nós exigimos que ela saísse do
apartamento.
- O que?
- Era o mais lógico a fazer. Não
confiamos mais nela e não
queremos perder a sua amizade.
Se
Anna continuasse, você nem
ligaria mais, nem iria nos visitar.

312
Não é justo com nenhuma de
nós.
Além do mais, a traidora provou
que não é nossa amiga.
Pensei no que Mia estava me
dizendo. Confesso que fiquei
aliviada em poder tirar Anna da
minha vida também. Por outro
lado, sem ela por perto, eu ficaria
cega para o que poderia estar
acontecendo entre eles dois.
Mordi os lábios recusando
aqueles pensamentos.
Não deveria ser mais do meu
interesse quem ele levava para a
cama. Era um problema dele.

313
Mas a quem eu queria enganar?
Eu estava mordida pelo ciúme e
a mínima possibilidade dos dois
juntos já me atirava ao fundo do
poço novamente.
- Cathy, você está bem? –
Sinalizei que sim para minha
amiga.
- Mia, você acha que... – eu não
deveria estar cavando mais
fundo aquele buraco, no entanto
existia em mim uma necessidade
extrema de me magoar ainda
mais. Respirei fundo e soltei a
pergunta. – Você acha que tem
alguma chance deles...

314
- Não! – Mia respondeu sem nem
precisar pensar. – Eu não sei o
que aconteceu para que tudo
terminasse desse jeito. Minha
intuição me diz que esta história
está muito mal contada. Thomas
está
desesperado, Cathy! Ele não
teve vergonha de chorar e
implorar por notícias suas e Anna
está tão
deprimida com tudo o que
aconteceu que nem levanta a
cabeça. Não acredito que eles
teriam
coragem de...

315
Desejei com todas as minhas
forças que fosse verdade. Não
suportaria ter a felicidade deles
esfregada em minha cara. O que
tinha acontecido já era o
suficiente para me fazer infeliz
pelo resto
da minha vida.
***
Na quarta semana, ainda não
tinha conseguido diminuir as
lembranças, a dor, nem a
tristeza,
mas parecia que cada coisa
estava ocupando o seu devido
lugar em minha vida e eu já
estava me

316
acostumando com a presença
delas.
Todos os dias quando acordava
e contemplava a cama vazia,
lembrava do motivo por acha-la
tão grande. Mesmo assim me
forçava a levantar pela manhã e
a deitar todas as noites. Apesar
de
tanto sofrimento, conseguia me
sentir forte o suficiente para ir
embora, afinal, já estava
escondida há
quase um mês e minha vida
devia continuar. Precisava tentar
continuar vivendo.
Thomas não ligava mais, nem
para saber como eu estava e
317
apesar dor que isto me causava,

conseguia compreender que era
melhor assim. Com o tempo ele
seria apenas uma dor incômoda
do
passado que não me impediria
de seguir em frente.
Com a ajuda de Roger, estava
me adaptando bem às minhas
funções na empresa e logo tudo
deixou de ser tão complicado.
Todas as noites, nos reuníamos
e trabalhávamos exaustivamente
para
que eu entendesse como
funcionava. Por este motivo

318
decidi voltar à Nova York e fazer
de lá a minha
nova casa. Seria mais fácil, tanto
para mim quanto para Roger, já
que ainda trabalharíamos juntos.
Foi ele quem escolheu o
apartamento e cuidou de todos
os outros detalhes, já que
mesmo
lutando, muitas vezes a apatia
me dominava, tornando-me
incapaz de decidir qualquer
coisa. Desta
forma organizei essa nova etapa
da minha vida.
Iria morar em Manhattan, em
Uptown, de frete para o Central

319
Park, em um apartamento
imenso
e luxuoso. Esta parte foi por
conta da Sam, que disse que
passaria tanto tempo comigo que
eu não
sentiria o vazio da casa.
Mia também. Ela havia
conseguido uma transferência
temporária para Nova York,
assim eu
teria as pessoas que mais amava
ao meu lado, para enfim
recomeçar. Quer dizer... Quase
todas.
Thomas nunca estaria à margem
dos meus sentimentos. Ele ainda
era presente em mim. Meu
320
amor permanecia tão forte
quanto antes e tão intenso como
sempre seria.
Quando já estava tudo certo para
a mudança, me enchi de
coragem para a última decisão a
ser
tomada no longo processo de
apagar de uma vez por todas
qualquer vestígio da minha vida
ao lado
do Thomas.
Seria uma missão difícil, no
entanto Mia conseguiria dar
conta do recado. Liguei para
minha

321
amiga ciente de que ela teria que
enfrentar uma barra para me
ajudar em mais aquele problema.
Capítulo 9
Um Ponto Final Algumas Vezes
Pode se Transformar em um
Ponto de Continuação.
VISÃO DE THOMAS
Quatro semanas tinham passado
e a minha vida estava a cada dia
mais destruída. Cathy tinha
ido embora, coberta de razão, e
eu teria que me conformar em
passar o resto da minha vida
chafurdando na infelicidade.
Eu tinha sido feliz, mas não sei
como, aliás, sei sim, só não sei
como permiti que acontecesse,
322
tudo acabou, deixando-me
apenas com as doces
lembranças. Cada dia era pior do
que o outro.
Cheguei a acreditar que teria fim,
no entanto parecia cada vez mais
distante. Com o tempo passei a
aceitar a realidade. Eu a merecia.
Seria ao meu castigo, a minha
sentença.
No momento em que descobri o
que havia feito, sem
compreender como aconteceu,
uma vez
que não me lembro de nada,
percebi de imediato que perdi
Cathy para sempre. Não precisei
de nada
323
para ter esta certeza.
Anna não me disse uma palavra
sobre o acontecido.
Desesperada, começou a pegar
as roupas
espalhadas pelo quarto e foi
embora. Eu estava muito confuso
para cobrar explicação, e
sinceramente? Queria muito que
ela desaparecesse da minha
frente.
Parece errado, mas canalizei
toda a raiva para ela e no
momento em que a vi sentada ao
meu
lado no bar. Eu tinha bebido
demais, acredito que muito além

324
da conta, para não me lembrar
de
absolutamente nada. Porém
Anna não, ela nem tinha
terminado a primeira dose, disso
eu me lembro.
O que aconteceu entre nós dois
foi sem nenhuma noção da
minha parte, mas com certeza,
foi com toda
a consciência dela. Ela sabia
exatamente o que estava
fazendo.
Não consigo esquecer dos olhos
de Cathy parada à porta do
nosso quarto. Havia tanto
sofrimento neles! Todas as vezes
que essa lembrança me
325
assolava, e não eram poucas, eu
sentia
vontade de arrancar meu
coração do peito. Eu não era
digno do seu amor. Havia
decepcionado a
minha noiva, a mulher da minha
vida, de forma tão absurda e
irreversível... Cathy não merecia.
Definitivamente, não.
Passei a primeira semana
procurando desesperadamente
por ela. Queria a qualquer custo
me
ajoelhar aos seus pés e implorar
para que me perdoasse e
voltasse para casa. Eu faria
qualquer coisa
326
para tê-la de volta.
O tempo foi passando e percebi
que isso nunca aconteceria. Não
havia como apagar o que
aconteceu, logo não podia fazer
com que ela me perdoasse.
Na segunda semana fui
surpreendido com o fax que Sara
recebeu, informando a demissão
da
Cathy. Tive esperança de
conseguir localizá-la através
daquele documento, porém o fax
fora enviado
de Nova York, pelo escritório
onde o imbecil do Roger
trabalhava. Eu deveria imaginar
que ele não
327
perderia tempo. Meu coração se
estraçalhou com o mínimo
pensamento deles dois juntos
outra vez.
Na terceira semana, mesmo com
a ajuda dos meus amigos, eu
ainda era um fantasma que
perambulava pela casa, sempre
com um cigarro numa mão e um
copo de qualquer bebida na
outra.
Havia voltado para Los Angeles,
para a nossa casa, mas era
muito difícil para mim,
permanecer lá
com todas as lembranças que
me invadiam o tempo todo.

328
Naquela casa eu tinha vivido
tudo com Cathy. Havia aprendido
a amá-la, entendi o quanto era
feliz ao seu lado, também a havia
perdido e recuperado tantas
vezes. Nunca mais voltaria a
acontecer.
Foi na quarta semana sem Cathy
que recebi a notícia que tanto
temia. Dyo me ligou logo cedo
para dizer que minha noiva... Ex-
noiva, tinha pedido para Mia
recolher as suas coisas que
ficaram
em nossa casa.
Eu imaginava que aquilo poderia
acontecer, no entanto,

329
definitivamente, não estava
preparado.
Nos primeiros dias até desejei
que ela fosse buscar as suas
coisas. Seria a minha chance de
encontrála
e implorar pelo seu perdão, então
os dias se passaram e nada
aconteceu. Acabei me
acostumando
com a ideia de que essa seria a
forma através da qual eu pagaria
pelo sofrimento que havia
imposto a
ela.
Eu ficaria com tudo, para que
minhas lembranças fossem fortes
o suficiente para nunca me
330
abandonarem. Por isso quando
Dyo me ligou, não consegui falar
nada. Desliguei o telefone me
permitindo chorar. Depois tomei
um banho e fui para a sala
aguardar a chagada de Mia.
Não queria estar no quarto
quando ela começasse a arrumar
as coisas em malas e caixas,
como
se Cathy tivesse morrido. Talvez
fosse isso o que quisesse me
dizer: que tinha morrido para
mim.
Sentei em minha confortável
poltrona na sala em frente à
imensa porta de vidro que
guardava
331
tantas histórias boas nossas e
também histórias terríveis, como
os tiros que Lauren deu nela. “Eu
sempre a machuquei, de uma
forma ou de outra” repetia para
mim mesmo enquanto sentia as
lágrimas
escorrerem em meu rosto. “Hoje
eu realmente terei que me
despedir de você”.
Fechei os olhos e imediatamente
a lembrança do seu lindo rosto
veio em minha mente.
Lembrei do dia em que pensei
que ela iria embora para sempre.
Sorri para a lembrança dela
segurando meu rosto e me
dizendo que voltaria. “Eu não
332
quero te perder. Não quero ficar
longe de
você” eu dizia desesperado. “Não
vai me perder” foram as suas
palavras naquele momento.
Apertei a mão em meu peito
desejando profundamente voltar
a ouvir dela aquelas palavras.
Lembrei seu risinho fraco e do
contato gostoso da sua pele na
minha. “Espere por mim” ela
suplicou
no dia em que foi embora para
resolver o problema com o pai.
“Sempre” respondi emocionado,
não
só para aquele momento, mas
para a vida toda. Eu tinha certeza
333
que passaria a minha vida
esperando
por ela.
- Será que um dia isso ainda vai
ser possível? – Perguntei em voz
alta perdido em minhas
lembranças.
- O que? – Me assustei com a
presença de Mia próxima a mim.
- Mia, desculpe, eu não te vi –
comecei a levantar, mas ela se
adiantou e sentou no chão me
olhando fixamente nos olhos. –
Tudo pronto? – Engoli o choro
que insistia em continuar. A
garota fez
que sim com a cabeça. Fiquei
calado absorvendo a dor.
334
- Você está péssimo.
- Nada além do que mereço, não
é? – Mia respirou
profundamente, como se não
quisesse ir
além do permitido. – Não se
preocupe, Mia, eu sei o que você
pensa de mim e posso te garantir
que
não sou melhor do que isso.
- Não estou aqui para te culpar
de nada, Thomas.
- Nem precisaria. A minha
consciência já me acusa o tempo
todo sem me dar trégua um único
segundo – deixei uma lágrima
escapar.
- Eu só não entendo...
335
- O que? Não entende o que eu
estava fazendo com Anna? –
Senti ódio de mim e de toda a
situação. - Entre para o clube. Eu
também não faço a mínima ideia.
Uma hora estava sozinho no bar
e
ela apareceu, então fiquei
chapado e depois disso não
lembro de mais nada, o que não
me torna
inocente – baixei a cabeça e
passei as mãos pelos meus
cabelos implorando por um
minuto de
amnésia. – O pior é que todos os
dias eu bebo até mais do que

336
bebi naquela noite e não consigo
a
dádiva de me esquecer nem por
um segundo – levantei e andei
até a porta de vidro que me
separava
do mar tão amado por Cathy. –
Como ela está? – Era uma
pergunta inevitável. Eu tinha
prometido a
mim mesmo não fazer aquilo,
mas não consegui.
- Tão péssima quanto você! –
Encostei a cabeça no vidro me
condenando ao inferno por
causar dor à mulher da minha
vida. – Thomas eu sinto muito! –
Ri ironicamente. – Sinto mesmo.
337
Admito que senti muita raiva,
principalmente quando vi a minha
amiga sofrendo tanto, mas te
vendo
deste jeito... Só consigo sentir
pena, de você, da Cathy... É
muito triste! Vocês dois se amam
ainda,
como podem ter destruído tudo?
- Eu destruí, Mia. Cathy não
contribuiu em nada. Esqueceu
que eu fui para a cama com a
amiga
dela
- Não. Nem poderia. Não existe
nenhuma forma de esquecer
isso.

338
- Parece que apenas eu esqueço
as coisas – mais uma vez fui
sarcástico com a minha
infelicidade. Mia levantou para ir
embora. Meu coração acelerou.
Aquele era o meu último contato
com Cathy. – Mia? Diga a Cathy
que... – o que eu poderia dizer?
Que sentia muito? Que ainda a
amava? Não. Eu não poderia
dizer mais nada. Não tinha mais
esse direito. Cathy estava
recomeçando
sua vida e eu precisava deixá-la
ir – Nada. Não diga nada, Mia.
Ela entendeu o motivo do meu
silêncio e concordou com a
minha decisão. Apenas meu
339
coração não concordava. Ele
batia enfurecido em desespero
para que eu não deixasse a
chance
escapar. Mia saiu batendo a
porta atrás de si, e eu voltei para
a minha solidão.
Sentei outra vez em minha
poltrona, só levantando quando o
dia acabou. Era incrível como o
tempo passava de maneira tão
imperceptível quando eu estava
trancado em meu sofrimento.
Num
piscar de olhos, e a empregada
da casa, como é mesmo o nome
dela? Não importa, o fato é que
ela
340
foi chamar para jantar. Como eu
poderia pensar em comida em
um momento como aquele?
- A Srª Sara ligou e me pediu
para não deixar o senhor sem se
alimentar – olhei-a
provavelmente pela primeira vez
em minha vida. Eu não precisava
de um monte de babás em meu
pé.
Queria apenas ficar sozinho.
Pensar assim me deixou ainda
mais triste, Cathy sempre
brincava dizendo que era a
minha
babá. Baixei a cabeça e a
enterrei entre as mãos.
- O senhor está bem?
341
- Não está, não, mas vai ficar –
levantei os olhos para meu
agente e amigo Kendel. Ele
estava
de ótimo humor e eu de péssimo.
Senti raiva da sua felicidade. Era
muito injusto eu me sentir assim,
porém não tinha como
evitar. Voltei a enterrar a cabeça
em minhas mãos. A empregada
saiu da sala sem acrescentar
mais
nada.
– Thomas, você precisa levantar,
tomar um banho e comer alguma
coisa.
- O que faz aqui, Kendel?
Estamos de férias.
342
- Você está de férias. Eu
continuo trabalhando. E agora
em jornada dupla.
- Como assim? – Levantei a
cabeça para olhar meu amigo de
frente para mim, os braços
cruzados como um soldado.
- Sara me mandou ficar com
você por um tempo. Ela falou que
você está enlouquecendo com a
separação e que ela precisa do
nosso astro em perfeito estado
para as premiações.
Fechei os olhos imaginando o
inferno que a minha vida iria se
tornar com todo mundo
querendo me salvar do fundo do
poço, que era onde eu merecia
343
estar, e que passei a lutar para
não
sair. Não queria saber das
premiações. Não queria pensar
em trabalho, não sem ela ao meu
lado.
Tudo perdeu o sentido. Não
sentia prazer em nada.
- Vocês não entendem – repeti o
que vinha afirmando durantes as
ultimas quatro semanas.
- Eu entendo perfeitamente. Sei
que você está mal porque fez
besteira e perdeu Cathy, mas a
vida continua, Thomas. Todos
ficaram tristes, principalmente
porque a Cathy se demitiu e
acabou
344
saindo da vida de todo mundo e
não só da sua – pelo olhar que
ele me deu, percebi que estava
escondendo algo de mim.
Kendel não sabe mentir, esta é
uma das suas maiores virtudes,
apesar de eu sempre censurar a
sua mania de ser verdadeiro com
as pessoas e acabar sempre
falando demais.
- É. Eu sou culpado disso
também.
- Não estou te culpando por
nada. Na verdade estou é
preocupado com você.
Sinceramente não
esperava que fosse capaz de
trair Cathy, até porque a
345
marcação era cerrada – riu e eu
o encarei sério.
Minha vida tinha virado uma
piada? – Sem brincadeira,
Thomas – levantou as mãos
alegando
inocência. Desviei meu olhar
encarando o mar diante de nós. –
Mas cara, é sério, eu nunca
imaginei
que você fosse capaz, mesmo
bêbado e sinceramente, isso
destruiu Cathy.
- Eu sei Kendel. Eu estava lá,
esqueceu?
- Não. Quem esquece as coisas
aqui é você – voltou a rir. Minha
paciência estava chegando à
346
zero.
- Diga a Sara que eu prometo
que vou comer todos os dias, vou
tomar banho e me barbear, e
não vou mais andar pela casa
como um alucinado, mas pelo
amor de Deus, mande ela te
chamar de
volta.
- Então imagino que você não vai
querer saber que eu falei com
Cathy hoje – parei
imediatamente. Pela primeira
vez, desde que tudo aconteceu,
alguém estava me levando
notícia sem
que eu precisasse implorar. -
Que foi? Achou mesmo que ela
347
iria nos cortar da vida dela por
sua
causa? – Riu alto. Então era
aquilo o que ele me escondia? –
Nós todos falamos com ela
sempre, só
que fomos proibidos de contar a
você – eu devia ter desconfiado.
Cathy tinha se tornado muito
ligada
aos meus amigos.
- E você quer me contar qual
novidade? Que ela está morando
na Pensilvânia com Samantha?
Ou que ela vai se mudar esta
semana para Nova York para um
apartamento comprado
recentemente?
348
– Observei sua cara de surpresa
e quase me diverti.
- Como você sabe? Quem mais
está furando o bloqueio da Cathy
e te passando as
informações? – Olhei incrédulo
para meu amigo.
- Ninguém, Kendel. Só você seria
capaz de fazer uma coisa
dessas. Eu não fiquei no escuro
em
relação a Cathy. Logo nos
primeiros dias coloquei um
detetive atrás dela e descobri
tudo.
- E por que diabos você ainda
não foi lá implorar o amor dela de
volta? – Kendel parecia
349
admirado. - Pensei que no
momento em que eu te contasse
onde ela estava você iria correr
para lá.
- Por que não sou digno dela –
pela primeira vez no dia ele não
sabia o que me dizer. – Se
houvesse uma mínima
possibilidade desta história ter
sido uma mentira com certeza eu
estaria aos
pés dela, Kendel, mas não é. Se
ao menos não tivesse sido uma
amiga... – fechei os olhos com
raiva.
– Aquela garota tinha que ter
aparecido na minha frente. Se
fosse qualquer outra eu poderia
350
argumentar, prometer...
Infelizmente isso não é possível.
Cathy já teve sofrimento demais
e eu não
posso permitir que ela continue
sofrendo. Por isso fiquei de
longe, acompanhando os passos
dela e
aumentando a minha própria dor.
- É verdade – conseguiu falar
depois de ficar em silêncio
pensando nas minhas palavras. –
Também acho que ela não seria
capaz de te perdoar – me olhou
com pena. – Sinto muito, cara!
Eu
gostava de vocês dois juntos.

351
- Eu também. – sorri para meu
infortúnio, constatando o quanto
aquela frase era verdadeira.
Nunca mais conseguiria viver o
que vivi com Cathy. Era certo
que me recuperaria, a vida se
encarregaria disso, mas lá no
fundo, eu sempre me lembraria
da felicidade que um dia joguei
fora.
Nenhum outro relacionamento
seria como o que eu tive com
Cathy. Tão intenso, perfeito e
completo.
Suspirei sentindo o buraco que
ocupava o lugar do meu coração
se expandir. Ele fazia isso

352
quando meu sofrimento
aumentava e eu agradecia. Ao
menos era uma forma de ainda
tê-la comigo,
mesmo pelo sofrimento.
- E sobre o que vocês
conversaram? – Puxei um pouco
a conversa para possíveis
novidades
enquanto acendia um cigarro, o
milésimo do dia.
- Bem... Um pouco de tudo. Ela
está animada com o novo
emprego.
- Novo emprego? – Essa eu tinha
deixado passar.

353
Cathy tinha um novo emprego?
Com quem? Algum artista? E ela
estava animada? Era egoísmo
meu, mas saber que ela já
estava se recuperando me doía
ainda mais, apesar de não querer
que
continuasse sofrendo. Eu tinha
medo da sua capacidade de
recomeçar.
- Sim. Ela está fazendo uma
espécie de estágio na empresa
dela. Está conhecendo melhor os
negócios e passando por todos
os setores. No fundo eu acho
que não tem nada a ver com
Cathy esse

354
papel de executiva, porém
acredito que esteja fazendo isso
para fugir um pouco da própria
história –
fiquei confuso e olhei para meu
amigo, interrogativamente. – Ela
está mergulhando no trabalho
para
conseguir te esquecer. O
ambiente é completamente
diferente do que vocês viveram,
por isso está se
agarrando a este trabalho, já que
nada nele lembra vocês.
- Ela te disse isso? – Minha
esperança infundada se
apresentou.

355
- Não. Nem precisava – dei
risada.
Era inacreditável ouvir Kendel
falando de maneira tão sensível
em relação ao comportamento
das pessoas. Aquele era um dos
seus momentos raros.
- Agora eu vou te dizer uma
coisa, Thomas. Esse Roger não
joga para perder.
- O que tem ele? – No mesmo
instante lembrei que. se Cathy
estava trabalhando na sua
empresa, com certeza Roger
estaria por perto.
Então foi por isso que ela tinha
escolhido viver em Nova York?
Para poder estar ao lado
356
dele? Fechei as mãos em punho
buscando afugentar os
pensamentos. Cathy não me
esqueceria tão
rápido. Ou esqueceria? Puxei o
ar com algum sacrifício. Ela
poderia sim, se quisesse. Sua
mágoa e
ódio pelo que fiz poderiam
facilmente jogá-la aos braços do
Roger.
- Thomas. Ele está tentando
conquistá-la. Só um cego não vê
isso. Esse papo de amigo de
infância não rola. Cathy está
sendo cercada e nem está
percebendo. Pense bem: quando
uma mulher
357
se decepciona com um amor, o
que é que ela faz? – Não tive
como responder. Minha mente
não
estava funcionando bem. – Ela
fica com um ex-namorado ou
então com um amigo – disse
como se
estivesse decifrando uma grande
charada. – E esse Roger é as
duas coisas. Eu não duvido nada
que
Cathy em breve vai acabar
cedendo – explodi.
- Cala a boca, Kendel! – Levantei
da poltrona, chutei a mesinha e vi
tudo que estava nela se

358
quebrar e espalhar pelo chão. –
Droga! – Gritei. – Por que tem
que ser assim? – Me joguei em
um
canto e comecei a chorar feito
uma criança. Kendel ficou quieto
começando a compreender a
minha
reação. Sentia raiva, mas no
fundo eu tinha que saber o que
estava acontecendo e ninguém
mais teria
coragem de falar. No momento
apenas queria cair e bater a
cabeça para poder esquecer um
pouco
aquela história toda. Não seria
possível.
359
- Desculpa, cara! Eu não
pensei... – respirei fundo
tentando recuperar o que sobrou
do meu
equilíbrio.
- Ela falou alguma coisa?
Qualquer coisa em relação a eles
dois?
- Não, mas...
- Ela dá a entender que está
interessada nele?
- Thomas, entenda...
- Por favor, Kendel, não me
esconda à verdade. Você é meu
amigo.
- Ela não disse nada, Thomas.
Eu que acho essa baboseira
toda. É só você pensar no que vê
360
por aí. A Lauren, por exemplo,
quando ficou decepcionada com
você, o que ela fez?
- Dormiu com você – Kendel
ficou calado me observando,
deixando com que eu
constatasse o
óbvio. – Droga! – Segurei minha
cabeça entre as mãos, fechando
os olhos com força, para
afugentar
de minha mente todas as
possibilidades. – Por que eu bebi
tanto naquele dia? O que me deu
para agir
daquele jeito?

361
Meu desespero voltou com toda
força, como nos primeiros dias. A
possibilidade de perder
Cathy, de vê-la recomeçar, de
vê-la ao lado de outro, tudo me
atirou de volta aos sentimentos
conflituosos. Automaticamente,
comecei a desistir de respeitar o
espaço dela, cogitando a
possibilidade de encontrá-la e
implorar por perdão, mesmo
sabendo que nunca me
perdoaria. Todo o
questionamento estava de volta a
minha cabeça.
- Sabe que eu andei pensando
nisso? Não entendo o que
aconteceu – dei risada
362
sarcasticamente.
- Você é apenas mais um em
busca da verdade. Eu bebi
demais e acabei levando a amiga
da
Cathy para a cama. Ponto final.
- Sim, eu sei. Mas por que você
não consegue se lembrar de
nada? E como você pôde ter
uma
ressaca como aquela?
- Eu bebi, Kendel. Demais! Isso
acontece com quem bebe sem
responsabilidade. Estava puto
da vida com Cathy e acabei
extrapolando.
- Thomas eu sei dessa história
toda. Você a repetiu
363
exaustivamente nestas últimas
semanas.
Deixa eu te perguntar uma coisa:
quantas cervejas você bebeu
hoje?
- Não sei. Umas sete. Por quê?
- E você bebeu uísque?
- Umas quatro doses. Aonde
você pretende chegar?
- Você misturou uísque e cerveja
em grande quantidade e nem por
isso está bêbado ou
apagado. Nesses últimos dias, o
vi beber bem mais. E já tivemos
noites memoráveis, regadas a
muita

364
bebida, uma quantidade muito
maior. E apesar disso, nunca o vi
completamente bêbado ou com
amnésia causada por bebida.
Então fico me perguntado: como
você pôde ficar tão bêbado com
apenas três doses duplas de
uísque vagabundo?
Fiquei sem reação. De repente
fui puxado para uma verdade que
nem tinha sonhado em pensar.
Eu lembrava do bar, das doses,
da Anna e do momento em que
comecei a ficar tonto e ela se
ofereceu
para me ajudar.
- Como você sabe que foram
apenas três doses duplas
365
- A nota do bar estava no bolso
da sua calça. Eu peguei no dia
em que tudo aconteceu e a Sara
me mandou voar para Nova York
para te ajudar.
- E o que você fez com a nota? –
Meu coração batia
descompassado. Era a prova que
eu
precisava para poder ir em busca
do perdão da Cathy.
- Entreguei ao Dyo.
- Obrigado, Kendel! Você salvou
a minha vida – pulei em meu
amigo, surpreendendo-o com
um abraço apertado e um beijo
no rosto.

366
Imediatamente peguei o telefone
e liguei para Dyo. Ele estava em
Los Angeles e no mesmo
instante concordou em ir até a
minha casa. Esperei por meu
amigo durante longos minutos.
Intermináveis! A angústia era
absurda. E se fosse verdade?
Será que Cathy me aceitaria de
volta?
***
- Eu entendo aonde você quer
chegar, Thomas, e acredito até
que esta sua teoria seja bastante
plausível, visto que Kendel tem
toda a razão. Mas antes de
correr atrás da Cathy, seria
prudente
367
buscar mais provas, afinal de
contas, você foi encontrado sem
roupas com a Anna na cama. E
não foi
ninguém que contou a Cathy, ela
própria os encontrou.
- Dyo, eu preciso encontrar estas
provas. E tem que ser logo – a
mínima possibilidade de estar
com ela outra vez me
impulsionava na busca por
resultados concretos.
- Mas não temos nada ainda para
correr atrás. Você precisa se
acalmar.
- Não posso, Dyo. Preciso
recuperar Cathy antes que seja

368
tarde demais – vi a troca de
olhares
entre meus amigos e percebi que
Dyo repreendia Kendel pela
revelação.
Que se danem os dois! Eu iria
atrás das provas e de Cathy, com
ou sem a ajuda deles..
- Thomas, quatro semanas se
passaram desde o ocorrido. Não
é mais possível confirmar que
alguma substância foi colocada
em sua bebida depois de tanto
tempo. Mesmo tendo certeza de
que
três doses duplas de uísque não
te derrubariam, nós não

369
podemos provar nada. Você
acha que Cathy
vai acreditar em você tão
facilmente?
- Então o que eu devo fazer?
Começava a perder a esperança
outra vez. Por um momento
acreditei ter encontrado uma
saída, no entanto estava sendo
apenas mais um empurrão para
que eu afundasse ainda mais no
buraco
em que me encontrava.
- Vou tentar encontrar a nota do
bar. Posso pedir para o pessoal
da contabilidade, só não sei
se eles vão demorar a encontrá-
la.
370
- E o que essa nota será capaz
de fazer? Vocês acham que
Cathy vai acreditar nele apenas
apresentando uma nota? –
Kendel mais uma vez conseguiu
colaborar com o meu raciocínio,
sendo
útil em sua observação.
- Ele tem razão, Dyo. Que
importância esta nota terá?
- Exatamente para servir de
prova. Não para Cathy. Você tem
que encontrar Anna. É ela quem
vai ser capaz de esclarecer tudo.
Anna? Claro! Eu não podia
encontrar Cathy sem antes falar
com Anna. Ela não bebeu quase

371
nada naquela noite, então com
certeza estava envolvida até o
pescoço com aquela confusão.

precisava saber o porquê?
- Isso é fácil. Ela mora no mesmo
apartamento que Mia. Vou lá
agora mesmo.
- Não será tão fácil. Ela mudou
há alguns dias. Vou ligar para
Mia e perguntar se ela sabe do
eu paradeiro – Dyo já estava com
o telefona na mão para ligar para
Mia
- É lógico que ela sabe. São
amigas.

372
- Nem tanto. Elas brigaram por
causa desta história entre vocês
dois.
Mia atendeu rápido, impedindo
que Dyo continuasse a fornecer
mais informações. Fiquei
observando eles conversarem
por um tempo.
Pelo que entendi, Mia não queria
dar nenhuma informação a
respeito da Anna porque não
queria se envolver em minha
história com a amiga, ou ex-
amiga. Pedi o telefone, para que
pudesse eu
mesmo convencê-la a me ajudar.
Após contar todos os detalhes e
de deixar claro que iria lutar pelo
373
amor de Cathy, ela ainda não
estava totalmente convencida.
- Não sei, Thomas! Cathy me
mata se descobrir que eu estou
envolvida neste seu plano
maluco.
- É a minha única chance. Você
tem que concordar que Kendel
tem razão quanto a minha
tolerância ao álcool. Até Cathy
vai entender esta parte da
história. Eu só preciso encontrar
a Anna e
fazê-la contar exatamente o que
aconteceu.
- E se Anna confirmar que vocês
transaram? E se naquele dia seu
organismo reagiu de uma
374
forma diferente? Não sei,
Thomas! Não quero causar mais
dor a minha amiga cavando mais
à fundo
esta história.
- Mia, por favor! Eu amo a Cathy
e você sabe que ela ainda me
ama. E se nós estivermos
separados por estarmos
acreditando em uma mentira?
- Tudo bem. Mas tenho uma
condição...
Mia nos ajudaria a esclarecer
aquela confusão, no entanto eu
não poderia procurar Cathy antes
de ter o máximo de provas
possíveis. Era o mínimo que eu

375
poderia fazer. Ela não queria que
Cathy se
machucasse mais, ou que
aceitasse uma esperança que
não pudesse ser comprovada.
Concordei, pois
compartilhava os mesmo
temores. Eu não machucaria
mais a mulher da minha vida.
Mia sabia apenas que Anna tinha
conseguido um emprego em
Nova York e que se mudara para
lá. O endereço ela não sabia,
mas acreditava que Stella teria.
Ficou de ligar mais tarde, assim
que
estivesse com todas as
informações. Mais uma vez eu
376
tive que aguardar, contando os
intermináveis
segundos.
Enquanto isso, Dyo e Kendel
ligaram para Sara e explicaram
toda a história, pois
precisaríamos viajar para Nova
York, se possível no mesmo dia.
Minha empresária nos apoiou.
Ela
via naquela tentativa de
esclarecer as coisas, uma forma
de eu recuperar a vontade de
continuar
vivendo, porém me advertiu de
que existia uma grande chance
de Cathy não querer reatar nosso

377
relacionamento, uma vez que a
ferida já tinha sido aberta.
Não queria nem pensar nesta
possibilidade. Se conseguisse
provar que nada tinha acontecido
entre mim e Anna, ou pelo
menos que tinha sido armação
de alguém, eu poderia voltar a
lutar pelo
amor de Cathy.
Dyo foi fazer as malas enquanto
aguardávamos e Kendel
providenciou tudo para a nossa
viagem. Pegaríamos o último
voo, assim Mia teria tempo de
conseguir a informação
necessária.

378
Eu caminhava de um lado pro
outro, esperando ansiosamente
pelo momento em que poderia
colocar tudo em pratos limpos e
com isso recomeçar a minha
vida, ou resgatar a vida que
levava ao
lado de Cathy.
- Mia ligou. Estou com o
endereço e tenho uma notícia
boa: ela também está indo para
Nova
York. Parece que ela e Cathy vão
passar um tempo juntas. – Dyo
entrou em casa com um grande e
esperançoso sorriso nos lábios
que logo me contagiou. – Fiquei

379
feliz! Mia disse que vai nos
ajudar
no que for possível. Ela pensou
melhor sobre o que conversamos
e chegou à conclusão de que é
possível que Anna tenha
realmente aprontado. Relatou
uma discussão entre Cathy e
Anna na última
vez que elas se encontraram e
me disse que realmente achou
que a “traidora”, como ela
mesmo
chamou, estava muito
incomodada com a vida da nossa
princesa.

380
- Você acha que ela pode ter
feito isso por inveja? – Perguntei
abismado. Depois acabei
aceitando este motivo.
As mulheres eram estranhas.
Quando sentiam amor e ódio,
suas reações eram as mais
absurdas
quando não tinha equilíbrio
suficiente. Foi o caso de Lauren
e poderia ser o de Anna também.
Ela
pode ter feito aquela armação
para prejudicar Cathy. Para
acabar com o seu conto de
fadas. Fiquei
furioso com a constatação. Anna
não tinha aquele direito. Não
381
podia entrar na minha vida e
destruir
tudo o que existia.
- Não sei o que pensar, meu caro
– Dyo disse por fim me tirando do
devaneio que me
consumia.
Com o endereço em mãos,
partimos para Nova York em
busca da verdade. Eu estava
convencido de que nada tinha
acontecido naquela fatídica noite,
então não pouparia esforços para
ter
todas as provas reunidas e,
finalmente, poder ter minha
Cathy de volta.
Capítulo 10
382
Surpresas e Constatações
VISÃO DE THOMAS
Cheguei à Nova York sobre uma
constante chuva fina. Do
aeroporto fomos para o meu
apartamento. Voltar me causava
uma incrível dor. Ali eu e Cathy
fomos felizes e ali nossa
felicidade
chegou ao fim. “Eu devia ter sido
mais tolerante com ela” pensei
deixando a saudade me invadir.
“Espere por mim, Cathy! Eu vou
consegui desfazer todas as
besteiras que fiz.” afirmei para
mim
mesmo buscando forças para
continuar naquela jornada.
383
Entrei no quarto tentando não me
concentrar muito em seus
detalhes. Tudo ali era Cathy: a
cor,
os móveis, a arrumação... Tudo.
Coloquei a mala na poltrona,
porém não tive coragem de olhar
para
a cama. “E se for verdade? Se eu
realmente tiver transado com
Anna?”, abri a mala, procurando
por
algo que pudesse usar para
dormir. “Se for verdade, não vou
procurar Cathy. Não posso fazê-
la
sofrer, confirmando a existência
dos seus fantasmas”. Fechei a
384
mala e fui para o banheiro tomar
um
banho rápido.
De volta ao quarto, não me senti
digno de voltar a deitar naquela
cama. Na verdade eu queria
tocar fogo nela, mas não faria
isso. No dia seguinte mandaria
substituírem-na. Seria uma nova
cama
para uma nova vida ao lado de
Cathy.
Suspirei deitando-me no chão.
Dormiria ali aquela noite. Aquela
cama, apesar de ter sido
minha e de Cathy, não me traria
nenhuma recordação boa de nós

385
dois, apenas me faria pensar no
dia
em que ela foi embora. Dos seus
olhos tristes.
Foi uma noite péssima, como
eram todas desde que Cathy
tinha me deixado. Era sempre
muito
frio e meus sonhos eram
agitados e cansativos. Ao
amanhecer, estava mais cansado
do que quando
tinha deitado.
Mesmo com o corpo dolorido,
com a tristeza pela constatação
de mais um dia sem o calor do
corpo dela e com a saudade que
me sufocava, eu tinha acordado
386
mais animado, com esperança
de
conseguir encontrar Anna e
resolver todos os meus
problemas.
Desci para a sala, ansioso para
dar inicio a nossa busca. Dyo já
estava me aguardando.
- E Kendel
- Já está descendo. Ele precisa
fazer uma coisa no seu celular.
- O que?
- Vou verificar se ele consegue
gravar a conversa que você terá
com Anna – Kendel descia as
escadas com ar de ansiedade e
divertimento. – Se não conseguir,

387
ou o tempo for curto demais,
troco
os nossos aparelhos.
- Você usa um celular de espião?
- Tenho motivos para gostar de
gravar coisas com meu celular –
piscou e deu risada, revirei
os olhos para a sua imaturidade,
apesar de estar muito grato.
Após confirmar que meu celular
não possuía a capacidade
necessária para armazenar uma
conversa que poderia durar
horas, Kendel colocou o dele no
bolso do meu casaco depois de
me
mostrar como fazer antes de
entrar no apartamento e me
388
garantiu que eu conseguiria
gravar a
confissão de Anna.
Paramos o carro um pouco
depois do prédio indicado e
ficamos aguardando o momento
adequado, enquanto
reconhecíamos o território. Senti-
me em uma guerra, onde o
inimigo precisava
ser friamente analisado e depois
abatido. Era eu ou ela.
Sinceramente, eu preferia que
fosse ela.
Necessitava que fosse ela.
Para minha surpresa o celular de
Kendel tocou no meu bolso e por
hábito peguei para atender.
389
Ela falou antes de mim.
- Kendel? – Reconheci a voz e
meu coração disparou. “Cathy!”
pensei emocionado por ouvir
mais uma vez a sua voz. Ela
estava do outro lado da linha, tão
próxima e tão distante ao mesmo
tempo. – Alô? – Eu queria
responder. Estava desesperado
para responder. Mas as palavras
não
saiam de minha boca. Kendel
estendeu a mão para mim
pedindo o seu telefone. – Kendel,
você está
aí? –
Fechei os olhos, respirando
profundamente, guardando em
390
minha memória o som da sua
voz e
passei o telefone para Kendel
que atendeu já sabendo quem
estava falando.
Aguardei atento à conversa
deles, que foi curta. Ela apenas
queria informá-lo que já estava
morando em Nova York e que ele
a avisasse quando ele estivesse
na cidade para que pudessem se
encontrar. Assim que Kendel
desligou, o celular de Dyo
começou a tocar. Cathy estava
fazendo
questão de rever os amigos. Eu
não fazia parte deste grupo.

391
- Vamos nos concentrar no que
viemos fazer, ok? Kendel devolva
o celular para Thomas, e
Thomas, se concentre. Lembre-
se de que, se tudo der certo,
você poderá ter Cathy de volta –
Dyo
tentava me fazer voltar ao estado
de espírito de quando saímos,
mas eu estava muito abalado.
Durante as últimas quatro
semanas eu apenas o que o
detetive me informava sobre ela,
nada
mais. Ouvir sua voz me fez voltar
no tempo, para quando ainda
éramos felizes. Queria tanto
poder
392
voltar a ser feliz!
- Thomas, você vai desistir?
- Não. Eu vou continuar com o
que planejamos – peguei o
celular das mãos do Kendel, saí
para a rua em meio à chuva e
entrei no prédio onde Stella
afirmava que Anna estava
morando.
Era um prédio luxuoso demais
para quem esteve desempregado
e sem condições de se
sustentar. Anna tinha acabado de
conseguir um novo emprego, o
que descartava a hipótese de ter
conseguido dinheiro trabalhando.
Guardei esta informação na
mente para discutir com meus
393
amigos mais tarde. Precisava dar
um
jeito de entrar sem chamar
atenção ou sem precisar ser
anunciado, o que poderia por
tudo a perder.
Para minha sorte um casal ia
entrando quando segurei a porta
para eles e o porteiro achou que
estávamos todos juntos.
Aproveitei e puxei conversa
falando da chuva e do frio
repentino. Ficamos aguardando o
elevador enquanto
conversávamos sobre o tempo.
Consegui entrar sem ser
anunciado e correndo

394
risco de não ser recebido por
Anna. Sabe Deus quais seriam
os motivos dela e de que forma
reagiria
ao me ver ali.
Desci no décimo segundo andar
e procurei o apartamento dela.
Bati na porta com cuidado.
Aguardei. De fora eu podia ouvir
movimentos pela casa. Ouvi
passos se aproximando da porta
e
depois esta ser aberta. Puxei o ar
não deixando a raiva me
dominar. Eu teria que ser gentil,
ao menos
no inicio.

395
Anna abriu a porta sorrindo, mas
assim que me viu desfez as
feições, me encarando
assustada.
- Thomas?! – Murmurou.
- Anna. Posso entrar?
Precisamos ter uma conversa.
Ela ficou parada à porta me
olhando com cuidado, mas
acabou concordando. Aproveitei
o
momento em que ela me deu as
costas e enfiei a mão no bolso do
casaco acionando a tecla que
iniciaria a gravação da nossa
conversa.
- O que você quer, Thomas?

396
- Anna, eu preciso da sua ajuda.
Preciso saber o que aconteceu
naquela noite – tentei manter o
tom calmo para não forçar a
barra sem antes analisar o
terreno que pisava.
Anna deu uma risada sarcástica.
Olhei ao meu redor observando
que o interior do apartamento
era bastante luxuoso. Não sei
porque aquele detalhe chamou
bastante a minha atenção.
- Precisa mesmo que eu te diga o
que aconteceu? Não consegue
imaginar sozinho? –
A forma como Anna falava fez
com que toda a minha atenção
se voltasse para ela. Olhei
397
diretamente em seus olhos e foi
neste momento que a garota
demonstrou um pouco de
fragilidade.
Rapidamente percebeu que
estava demonstrando seus
sentimentos, desviando os olhos
em seguida
Anna estava mentindo e era
bastante provável que ela tivesse
mesmo armado tudo para
machucar Cathy. Percebi que a
garota buscava por respostas
mais concisas, que me
convencesse de
que realmente havíamos
transado. Eu precisava ser

398
rápido. Não podia dar-lhe tempo
para pensar.
- Eu consigo até imaginar. Só
não consigo acreditar – mantive
minha postura segura e procurei
captar seus olhos: - Não preciso
destas mentiras, Anna –
imediatamente suas atitudes
demonstraram
tensão. Aproveitei o momento
para jogar com ela. - Eu tenho
como provar que você colocou
algo em
minha bebida para me apagar.
Depois me levou para meu
apartamento e simulou que
tínhamos

399
transado. Só preciso saber agora
o porque – ao ouvir estas
palavras ela se sobressaltou,
seus olhos
arregalaram, porém em
segundos conseguiu se
recompor, mantendo a farsa.
- É esta história que você quer
que eu conte à Cathy? Foi para
isso que você veio até aqui?
Para combinar comigo uma
história absurda? Não subestime
a Cathy, ela é muito mais
inteligente do
que isso. Nunca vai acreditar em
você, não importa o que conte a
ela. No fundo o que aconteceu foi

400
bom para que a garotinha
mimada amadurecesse, e
enxergasse que a vida não é tão
perfeita assim – o
brilho nos olhos dela ao dizer
aquelas palavras apenas
confirmou o que eu já imaginava.
Perdi a paciência e a segurei
com força pelo braço, trazendo-a
para bem perto.
- Você fez tudo isso apenas por
inveja, Anna? Queria que Cathy
sofresse? Você destruiu as
nossas vidas, e o que ganhou?
Um apartamento de luxo? Quem
está por trás desta
monstruosidade? É

401
dinheiro o que você quer? Valeu
a pena destruir a vida de uma
amiga por tão pouco? – Anna
deixou
que seu semblante
demonstrassem um pouco de
tristeza, no entanto ela sabia
disfarçar muito bem seus
sentimentos.
- Não tenho culpa se você bebeu
demais, e... Eu também. Nós
perdemos a cabeça, Thomas. Ao
que parece, Cathy não era
suficiente para você – voltou a rir
cinicamente.
- Não sustente essa história
ridícula. Eu não bebi demais e
tenho como provar. Você colocou
402
uma droga em minha bebida
enquanto fui ao banheiro. Por
que fez isso? E não diga que
aconteceu
alguma coisa entre nós dois
porque no estado em que eu me
encontrava não existia nenhuma
possibilidade de conseguir ter
relações com nenhuma mulher,
muito menos com você – falei
com
desprezo.
As palavras saíam arrastadas por
entre os dentes. Mentia numa
tentativa de fazê-la falar a
verdade. Todas as vezes que eu
dizia que tinha como provar,

403
podia ver em seus olhos o pânico
da
verdade.
- Por que fez isso, Anna? O que
você queria? Dinheiro? – Estava
disposto a cobrir o valor que
recebeu, se necessário, para que
ela acabasse de vez com aquela
história.
- Não tenho mais nada a dizer.
Se você não quer acreditar
problemas seu – Anna se
debateu
tentando se livrar de minhas
mãos.
- Tudo bem então – larguei seu
braço e me afastei um pouco
enquanto buscava um argumento
404
melhor. - Vou sair e registrar uma
queixa contra você na primeira
delegacia que encontrar. Então
não
vou só descobrir a verdade, mas
também vou mandar você para a
cadeia, e juro, Anna, que vou
fazer
de tudo para você mofar nela,
nem que para isso tenha que
gastar toda a minha fortuna. Não
brinque
comigo, por que estou disposto a
qualquer coisa para ter Cathy de
volta, até mesmo a passar por
cima de você – minhas palavras
a deixou abalada de maneira
perceptível. Ela sabia que eu não
405
estava brincando. – Irei até as
últimas consequências.
Fingi que estava indo embora e a
nossa conversa encerrada. Foi
nesta hora que Anna,
desesperada, impediu a minha
saída.
- Por favor, Thomas, não faça
isso – implorou com pânico nos
olhos.
- A verdade, Anna! Eu quero
apenas a verdade.
- Thomas eu... – encostou-se à
parede e passou a mão pelos
cabelos, nervosa. Elas tremiam.
Achei estranha aquela reação. O
que ela temia? – Eu me

406
apaixonei por você. Foi isso!
Estava com
raiva de Cathy, sim, mas foi
porque ela tinha você e eu não.
Quando o encontrei não
consegui resistir
e acabei aceitando ficar com
você. Mesmo sabendo que não
estava em condições de ficar
comigo –
riu nervosa. – Eu não queria
atingir a Cathy, mas não podia
evitar o que estava sentindo. Não
parei
para medir as consequências e
não pensei que Cathy poderia
descobrir. Você disse que ela
passaria
407
a noite fora, pensei em ficar só
um pouco, mas as coisas foram
acontecendo e... Você sabe o
que
aconteceu.
Era mentira. Ela não estava
apaixonada por mim, do contrário
já teria me procurado outra vez,
mas não. Anna tinha sumido.
Não havia feito por amor, e sim
por inveja. Eu precisava que
Cathy
ouvisse aquilo.
- É mentira, Anna.
- Não é, Thomas. Eu juro! Eu
amo você! Não fiz por mal. – sua
voz estava baixa,

408
envergonhada e aflita. Aproximei-
me dela praticamente deixando
nossos corpos se tocarem e
coloquei meus braços ao lado do
seu rosto a impedindo de fugir.
- Você se apaixonou por mim?
Fez tudo por amor?
Arrisquei me aproximar um
pouco mais, o que a fez ficar
muito assustada. Com os lábios
quase nos dela, percebi um
sorriso de vitória se formar. Era
tudo o que eu precisava
- MEN-TI-RO-AS! – Gritei,
segurando-a com força e
empurrando-a contra a parede. –
EU

409
QUERO A VERDADE! – Anna
começou a chorar.
- Não me machuque, por favor! –
Deixei que se soltasse e se
afastasse de mim. – Não posso
mais conversar com você. Juro
que não fiz por mal e me
arrependi. Diga isso a Cathy –
suplicou.
Eu ia avançar em sua direção
para arrancar a verdade dela a
força quando a campainha tocou.
Anna aproveitou a oportunidade
para se distanciar.
Um homem, alto e forte, estava
encostado à porta, com
familiaridade. Sua camisa
dobrada até
410
os cotovelos davam a visão de
tatuagens que subiam pelo
braço. Seu cabelo era escuro,
cortado para
frente e rente ao couro cabeludo,
exibia um cavanhaque bizarro e
era forte. Muito forte.
Anna olhou para o homem
depois para mim de maneira
assustada. Não existia nela
nenhum
traço de alegria ou confiança. Era
como se estivesse perdida,
apavorada, envolvida em uma
história
que apenas complicava a sua
vida e sem nenhuma
possibilidade de escapar.
411
– Nossa conversa termina aqui.
Diga a Cathy que sinto muito! –
Foi estranho, mas tive certeza
de que naquele momento ela
dizia a verdade e que aquele
homem, de alguma forma, a
aterrorizava
muito mais do que eu era capaz
de fazer.
- Ainda não acabamos – passei
pelos dois sem demonstrar medo
– Eu irei até o fim.
Assim que a porta fechou atrás
de mim, desci pelas escadas.
Alguma coisa me avisava que eu
não estava seguro ali e que o
melhor a fazer era descer

412
correndo o mais rápido possível,
e foi o que
eu fiz.
Sai na chuva, que ainda insistia
em cair, indo em direção ao carro
onde meus amigos me
aguardavam. Kendel abriu a
porta para que eu entrasse.
- Conseguiu?
- Não sei ao certo – passei a
Kendel o celular para que ele
verificasse se a conversa havia
sido gravada mesmo.
- O que ela disse? – Dyo estava
ansioso.
- Podemos escutar a conversa
agora – Kendel mexia no
aparelho em busca da gravação.
413
- Não. Prefiro ir para casa. Lá
poderemos fazer tudo com mais
segurança.
- Aconteceu alguma coisa? –
Indagou Dyo.
- Um homem estranho apareceu
no apartamento dela no
momento em que, eu acredito,
ela iria
falar tudo. Não sei porque, mas
aquele homem me pareceu
sinistro demais. Tenho certeza
de que ele
não é nenhum namorado ou
amante dela. Não corresponde a
nada do que já ouvi falar em
relação às

414
preferências da garota. Nem ao
menos aparentava ser rico, como
ela sempre deixou claro que
preferia.
***
No apartamento pudemos ouvir
toda a minha conversa com
Anna, várias vezes. Não
chegamos
a nenhuma conclusão.
- Ela em nenhum momento falou
que nada aconteceu entre vocês
– Dyo concluiu depois de
muito pensar no que tinha
ouvido.
- Mas a conversa leva a entender
isso – Kendel acrescentou me
ajudando a ter mais esperança.
415
- Pode até levar, contudo não o
suficiente para convencer Cathy.
Precisamos de algo mais
consistente. Que ela diga com
todas as palavras, Thomas.
- Através desta conversa dá para
entender que foi uma armação.
Talvez Cathy acredite em
minha teoria se eu conseguir
fazê-la escutar a gravação. Ela
pode se convencer de que Anna
armou
tudo para nos prejudicar.
- Seja mais prudente, Thomas.
Anna não afirmou em momento
nenhum que nada aconteceu
entre vocês, ela apenas
demonstrou sentir inveja e
416
insinuou que tinha sido uma
armação, ou seja,
nada concreto. Você não pode
correr para Cathy sem que antes
tenha certeza, ou então só vai
magoála
mais. Lembre-se da sua
promessa.
Peguei minha carteira de cigarros
e fui até a varanda. Estava
contrariado, mas Dyo tinha
razão,
eu não podia causar-lhe mais
sofrimento. E era certo de que
Cathy não acreditaria em mim
com tanta
facilidade. Ela tinha me visto na
cama com Anna e uma imagem
417
como aquela não se apaga de
uma
hora para a outra. Precisava ter
provas consistentes de que nada
tinha acontecido, aí sim poderia ir
até ela e suplicar pelo seu amor.
- Tenha um pouco de paciência –
Kendel encostou ao meu lado
admirando a paisagem – nós
vamos conseguir as provas e
você vai ter Cathy de volta – sorri
para meu amigo agradecendo
pela
sua ajuda.
Kendel podia ser irritante às
vezes, mas em se tratando de
meu relacionamento com Cathy,
ele
418
vinha conseguindo ser sempre
uma solução para os nossos
problemas.
- Amanhã, eu mesmo terei uma
conversa com Anna. Acredito
que conseguirei ser mais
persuasivo – riu de alguma coisa
que tinha passado pela sua
cabeça e eu apenas desejei que
fosse
verdade.
Imaginar que era possível ter
Cathy de volta, apenas aumentou
a saudade que eu sentia dela,
me deixando a cada hora mais
angustiado e desejoso de seu
amor. Vê-la, passou a ser uma

419
necessidade que me corroía e
sufocava.
- O que Dyo está fazendo? –
Voltei minha atenção para o que
estava acontecendo ao meu
redor. Ao menos assim ocuparia
as horas que me afastavam da
mulher que eu amava.
- Conversando com Mia. Ela
pediu que ele a mantivesse
informada para que assim
pudesse de
alguma forma colaborar. Ela
também irá nos manter
informada em relação à Cathy.
- Por que em relação à Cathy?

420
- Porque ela também acha que
Roger está investindo pesado, e
isso pode atrapalhar os nossos
planos.
Apertei a carteira de cigarros
com tanta força que acabei por
destruir todos que restavam.
Tentei manter o foco na
necessidade de encontrar a
prova de que precisávamos, mas
o desespero
acabou por me convencer de que
o que tínhamos seria o suficiente.
Voltei à sala procurando as
chaves do carro.
- Aonde você vai? – Dyo me
olhou confuso.

421
- Vou pegar Anna e levá-la até a
casa da Cathy e obrigá-la a
contar a verdade. Não aguento
mais! – Kendel correu em minha
direção tentando tirar as chaves
de minhas mãos.
- Não faça isso, cara! Você vai
arruinar tudo!
- Por quê? O que temos é o
suficiente para provar que Anna
está envolvida até o pescoço.
Não
vou esperar mais, pois a cada
passo que deixo de dar, aquele
idiota do Roger avança. Não
posso
ficar aqui aguardando por mais
provas enquanto ele tenta
422
conquistar Cathy. Não vou ficar
assistindo
sem fazer nada para impedir.
- E se Anna não falar a verdade?
E se ela confirmar realmente
aconteceu e que foi você quem
quis? Já pensou? – Dyo parou
diante de mim com os braços
cruzados.
Eu não conseguia reagir. O que
faria se aquilo acontecesse?
Cathy com certeza não
acreditaria
em mim. Ela estava muito ferida
para simplesmente acreditar, me
perdoar e me aceitar de volta. O
que eu deveria fazer? Senti uma
mão em meus ombros e levantei
423
a cabeça para encarar os olhos
de
Kendel.
- Seja forte, se não por você, ao
menos pela Cathy. Ela já sofreu
demais e você deve isso a
ela.
Eu me rendi a sensatez do meu
amigo e derrotado subi ao quarto
e me joguei no sofá desejando
que o tempo corresse para que o
amanhã chegasse logo.
Capítulo 11
E Quando Recomeçar Não é
Possível?
VISÃO DE CATHY

424
Finalmente eu tinha conseguido
finalizar a mudança. Morar em
Nova York nunca fez parte dos
meus planos, no entanto não
poderia voltar para Los Angeles e
encarar um possível reencontro
com
Thomas, e muito menos poderia
continuar morando na
Pensilvânia.
Se havia decidido recomeçar a
minha vida, e minha carreira
profissional, principalmente
porque precisava ocupar o meu
tempo e o trabalho era o melhor
remédio para conseguir tal fato,
então Nova York era realmente a
escolha certa.
425
Graças a Deus, Mia tinha
conseguido a transferência
temporária. Ela ficaria três meses
comigo, me ajudando a
reconstruir a vida. Roger também
estava sendo uma excelente
companhia, me
ajudando com tudo o que era
necessário.
Com toda a confusão, nós dois
voltamos a ser inseparáveis.
Estávamos juntos no trabalho e
muitas vezes ele ficava em casa
comigo até eu ficar esgotada e
desejar dormir. Em diversos
momentos eu me sentia quase
recuperada, mas sabia que
nunca estaria por completo.
426
Thomas tinha levado minha
alegria e vontade de viver, os
efeitos eram irreversíveis.
Durante
o dia eu conseguia me
concentrar nas coisas ao meu
redor, buscando sempre mais
responsabilidades
do que era capaz de aguentar.
Tudo para impedir que as
lembranças me paralisassem no
tempo.
Porém a noite, quando ia deitar,
era como se nada fizesse
sentido. Como se minha vida
fosse
uma peça de teatro, onde no
palco havia luzes, alegrias e
427
realizações, contudo quando as
cortinas
fechavam, a escuridão me
envolvia e se apoderava de mim
forçando-me a voltar a realidade,
e esta
era implacável.
Era durante a noite que eu
constatava desesperada o
quanto ainda o amava. Muitas
vezes sentia
ódio por permitir que aquele
sentimento me dominasse e
praguejava contra o tempo, por
ele não estar
cumprindo com a sua promessa
de ser o melhor remédio.

428
Não demorou muito pra que eu
percebesse que de nada
adiantaria chorar, praguejar, me
desesperar. Thomas continuaria
comigo independentemente da
minha vontade ou desespero. Eu
sabia
que seria assim muito antes de
ser magoada por ele, porque no
instante em que nos beijamos a
primeira vez, tive certeza de que
o que senti seria para sempre.
A hora de dormir tornou-se a
parte mais difícil do meu dia. Eu
era tragada pelo sono em meio
a choro e orações desesperadas,
onde implorava a Deus para
diminuir a minha dor, para que
429
desejasse tanto ter Thomas
comigo outra vez, no entanto
todo o lamento só me levava a
sonhos, onde
juntos podíamos pertencer um ao
outro sem as mágoas e
angústias da vida real.
Eram tão reais que normalmente
eu acordava pela manhã ainda
sentindo o seu corpo próximo
ao meu e o sabor de seus lábios.
E assim eu iniciava e terminava o
meu dia chorando.
Outra parte de mim que
emudeceu, foi a música. Meu
violão, o que Thomas me dera de
presente um dia depois do seu
aniversário, logo após a morte do
430
meu pai, estava dentro da sua
capa e
de lá não saía. Eu não tocava e
nem cantava, nem ao menos
olhava na direção dele. Era como
se
fosse um objeto proibido. Uma
parte da minha vida que não iria
mais voltar.
Acordei e após a minha cota
diária de choro, fui tomar um
banho e me arrumar para o
trabalho.
Quando cheguei à sala eu já
estava totalmente recuperada.
Sentei a mesa posta por Mia, que
já estava
pronta para sair.
431
- Bom dia! – Cumprimentou
sorridente. Era assim com Mia,
ela nunca demonstrava
preocupação, embora eu
soubesse que aquele sorriso era
parte da sua farsa, uma tentativa
de fazer
com que eu me sentisse melhor.
– Como está se sentindo hoje?
- Muito bem! – Sustentei a minha
própria farsa, porém sabia que
para a minha amiga, ela era
inútil. Bastava olhar para mim
para saber que ainda sofria
muito.
- Vou sair hoje depois do
trabalho, não me espere para
jantar.
432
- Vai sair? Com quem? – Tentei
parecer animada quando na
verdade estava desesperada . Eu
chegaria em casa e teria que
conviver com toda a dor por mais
tempo.
- Henry está na cidade fechando
negócio com algumas empresas
daqui e acho que precisará
ficar por uns cinco dias ou mais,
o que é excelente para mim –
disse cheia de alegria.
Eu amava a minha amiga, porém
a sua felicidade me atingiu como
um soco no estômago.
Olhando toda a alegria dela por
estar com o namorado, me

433
remeteu ao tempo em que eu
ficava
eufórica por ter mais tempo com
Thomas. Engoli forçadamente
minhas lágrimas e sorri.
- Que ótimo! Divirtam-se por mim
então.
- Nada disso, tenha as suas
próprias diversões. Por que você
não sai com a gente amanhã?
Podemos jantar em algum lugar
e depois sair para dançar.
Dançar. Outro ponto morto para
mim. Meu corpo não condizia
mais a felicidade que era estar
em uma pista de dança.

434
- Não sei, Mia. Não tenho certeza
se me sinto totalmente segura
para dar mais este passo.
A campainha tocou e nós duas
nos olhamos interrogativamente.
Não era normal recebermos
ninguém naquele horário. Mia foi
abrir a porta e voltou sorrindo
com Roger logo atrás dela.
- Bom dia! – Fiquei satisfeita por
vê-lo um pouco mais cedo, seria
menos um tempo entregue a
minha solidão. – Aconteceu
alguma coisa?
- Não. Apenas passei para saber
se você quer uma carona para o
trabalho.

435
- Então eu já vou. Cathy, termine
seu café. Você está muito
magrinha. Roger não a deixe sair
de casa sem que termine de
comer tudo – Mia pegou as
coisas dela e foi embora
enquanto Roger se
acomodava ao meu lado se
servindo de um pouco de café.
Ficamos em silêncio nos fitando
por um
tempo até que eu quebrei o
contato me sentindo um pouco
incomodada pela forma como ele
me
olhava.-

436
Se tivermos que esperar eu
comer tudo o que ela colocou em
meu prato, chegaremos
atrasados – ele riu e pegou em
minha mão que estava sobre a
mesa.
- Não tem problema. Hoje não
sairemos tão cedo do escritório.
- Por que? – Tirei a mão da dele
e ajeitei meu cabelo como
desculpa.
- O conselho irá se reunir
amanhã. Precisamos organizar
uma enorme papelada e como já
tínhamos programado uma série
de outras coisas para fazer, não
acredito que dê tempo para fazer
tudo em horário comercial.
437
- É verdade. Ainda tenho que
providenciar os documentos da
reunião com os fornecedores
hoje à tarde – peguei meus
pratos, indo até a pia lavá-los.
Roger me seguiu, o que me
deixou indecisa
sobre o que fazer. – Você está
estranho – falei por fim. – Quer
me dizer alguma coisa? – Ele me
olhava com intensidade o que me
lembrou de Mia me alertando
sobre seus sentimentos por mim.
- Não. Acho que devemos ir
agora.
Afastou-se, deixando-me mais
aliviada. Eu não estava pronta
para uma nova relação,
438
principalmente uma não tão nova
assim. Roger era um amigo
muito querido, não queria de
forma
alguma me afastar dele naquele
momento tão difícil. Peguei a
bolsa e a pasta que já estavam
na sala e
o segui para fora do
apartamento.
Conversamos sobre todas as
bobagens possíveis no caminho
para o trabalho. Roger fazia isso
para me animar e não deixar com
que me perdesse em
pensamentos que apenas me
entristeciam mais.

439
Estar com ele era bom e leve. Eu
ria e conversava sem precisar
me esforçar muito.
E, mesmo que não conseguisse
me sentir como ele queria, eu
sabia que podia ser frágil e
verdadeira. Podia chorar, embora
não quisesse, e também
conversar sobre as minhas
angústias e
incertezas, por que Roger
sempre estava disposto a me
escutar.
O trabalho foi cansativo e
praticamente não nos
encontramos até a hora da
reunião com os

440
fornecedores. Eu estava muito
ocupada em minha nova sala,
organizando os papéis que
seriam
apresentados durante a reunião.
De vez em quando precisava sair
da sala para solicitar a ajuda de
outros setores, já que tinha dado
a minha secretária, Sandra, a
tarefa de iniciar a organização
dos
documentos necessários para a
reunião do dia seguinte.
Ainda estávamos no período da
manhã e eu já me sentia exausta
devido à noite difícil que tive.

441
Coloquei alguns documentos em
uma pasta e escrevi nela: dados
estatísticos – preço x produção.
Depois deitei a cabeça sobre a
mesa sentindo o peso da
agitação em meu corpo.
- Atrapalho o cochilo? – Roger
entrou em minha sala. Foi
impossível não rir da sua piada.
Levantei a cabeça e o observei.
Roger continuava lindo. Como na
época em que namorávamos.
Estava mais corpulento, o que o
tornava mais másculo. O terno
que usava contribuía para a
minha
percepção. Caía perfeitamente
ao corpo bem trabalhado.
442
Imediatamente minha mente me
levou ao dia em que estive pela
primeira vez no quarto de
Thomas, quando ele saiu de
toalha e meus olhos ficaram
presos ao seu corpo, admirando-
o. Baixei
outra vez a cabeça sentindo a
tristeza tentar me invadir.
Eu não permitiria que me
tomasse. Ela teria que
permanecer escondida, pelo
menos até a hora
em que não conseguiria mais
impedi-la, o que só aconteceria à
noite, quando ninguém estivesse
por
perto.
443
- Algum problema?
- Não. Estou apenas cansada.
Foi bom você chegar. Preciso
dos contratos do ano passado
para
poder demonstrar aos
fornecedores o aumento abusivo
nos preços – ele sorriu ficando
ainda mais
bonito.
- Podemos fazer isso depois do
almoço? Estou faminto e você
também precisa se alimentar.
- Você também não, Roger. Por
favor! – Voltei a atenção para os
papéis em cima da minha
mesa, analisando-os.

444
- Cathy, se você não estiver bem
alimentada como vai conseguir
enfrentar as reuniões? Já
imaginou se desmaia? Seria
péssimo para a imagem da
empresa – suspirei
pesadamente. Ele tinha
razão. Levantei pegando a minha
bolsa e comecei a empurrá-lo
para a porta.
- Está certo. Vou almoçar e voltar
correndo. Nada de ficar me
enrolando com conversas que
poderão me atrasar mais ainda –
ele riu.
- Tudo bem, chefa! Como quiser.

445
- Não sou sua chefa – caminhei
apressadamente pelo corredor
tentando não perder o elevador.
Da altura em que estávamos
seria uma catástrofe.
- Mas vai ser. É para isso que
está aqui. Para se preparar
aprender a cuidar do que é seu.
O
natural é que assuma quando
estiver pronta e eu não duvido
muito que seja em breve.
Eu ainda não tinha pensado sob
esta ótica. Nunca tinha passado
pela minha cabeça me tornar
uma alta executiva, muito menos
assumir mais responsabilidades

446
do que estava assumindo
naquele
momento. Analisei o que poderia
ser e sem querer acabei
pensando no quanto a minha
vida havia
mudado em tão pouco tempo.
Era assistente de um ator, o
homem da minha vida, pensei
com desgosto, trabalhei como
modelo em uma campanha e
estava sendo treinada para
administrar as empresas que
meu pai tinha me
deixado. Uma herança que eu
nunca quis de fato.
- Você está muito pensativa –
saímos da torre para a chuva
447
fina. Olhei para cima constatando
o
quanto o prédio era alto.
- Você sempre me dá muito o
que pensar.
- Espero que seja um elogio – eu
ri e não respondi. Poderia ser um
elogio, mas não em todos
os momentos.
Foi exatamente como tínhamos
combinado. Almoçamos e
voltamos para o escritório.
Durante
o almoço conversamos sobre os
detalhes da reunião, sobre
alguns problemas com os
fornecedores

448
atuais e da necessidade de
encontrarmos novos.
No pouco tempo em que eu
estava na empresa, era possível
perceber o quanto ela precisava
se
inovar e isso poderia ser feito
sem muitos transtorno por mim e
pelo Roger. Pensávamos de
maneira
semelhante, ele era brilhante
com negócios, conhecia a
empresa como ninguém. Era
sem dúvida a
pessoa mais capacitada para
ocupar a presidência e não eu.
Após uma longa reunião,
estávamos de volta a nossas
449
salas. Sandra deixou tudo o que
eu
precisava em minha mesa e,
após o meu consentimento, foi
embora. Não havia necessidade
de mantêla
até tarde. Peguei uma xícara de
café com a logomarca de uma
das nossas empresas e sentei no
sofá
organizando em minha cabeça
como daria início ao trabalho que
me aguardava.
Roger entrou em minha sala com
sua caneca de café idêntica a
minha e um monte de papel
embaixo do braço.

450
- Estou pronto. Pensei em pedir
comida chinesa para mais tarde.
Podemos sentir fome. O que
acha?
- Perfeito! Pelo visto só sairemos
daqui amanhã.
- Vou falar com Betina... A minha
secretária - acrescentou visto
que eu ainda não tinha
gravado o nome de todos que
trabalhavam conosco. - Já volto.
Ela vai providenciar tudo antes
de
sair.
- Tudo bem! – Observei-o
enquanto saía.
Olhei pela janela e,
imediatamente, me senti
451
melancólica. “Tão alto que dá
para esquecer do
mundo” pensei absorta no
crepúsculo. “Eu nunca consegui
ficar indiferente a esta vista. É
como se
estivesse fora do mundo, da
realidade. Olhando de cima, sem
as influencias da vida cotidiana
fica
mais fácil de pensar e de tomar
todas as decisões que preciso.”.
Foi como se estivesse ouvindo o
próprio Thomas dizendo aquelas
palavras, como ele tinha
feito no dia em que me levou a
primeira vez ao apartamento do
seu pai.
452
Eu me senti tão feliz naquele dia!
Encostei a cabeça no vidro
desejando que a lembrança me
abandonasse. Ouvi Roger
entrando e respirei fundo
tentando encontrar a força
necessária para
continuar.
- Outra vez presa em seus
pensamentos? – Ele sorria
apesar da preocupação que eu
via em
seus olhos.
- Apenas constatando – baixei a
cabeça para impedir as lágrimas
que se formavam.
- E o que constatou? –
Aproximou-se mais.
453
- Que independentemente de
onde você esteja, o céu é o
mesmo.
Roger me encarou por um
tempo, os olhos esquadrinhando
o meu rosto. A máscara que
sustentava para me ajudar a
disfarçar deixara de existir. Ele
sabia e entendia a minha dor.
- Quer ir para casa, eu posso dar
conta de tudo sozinho.
- Eu sei que pode, mas não vou
te dar este gostinho.
Seu sorriso foi verdadeiro, o que
me deixou mais leve. Era difícil e
pesado carregar a minha
própria máscara o tempo todo.

454
Ficamos no escritório até tarde, e
o único barulho que escutávamos
era dos papeis que
folheávamos. Sentados no chão,
eu e Roger trabalhávamos em
sintonia. Eu separava os papeis
enquanto ele analisava e fazia
anotações importantes. Quando
terminamos estávamos exaustos.
- Bom trabalho, Cathy. Merece
um brinde – percebi que
estávamos muito próximos,
nossos
braços se tocando.
Roger tinha tirado o paletó, a
gravata, alguns botões da sua
camisa estavam abertos e suas

455
mangas dobradas para facilitar o
nosso trabalho.
- Não tenho condições de sair.
Vou direto para casa.
Minha esperança era que
naquela noite dormiria tão
exausta que o sofrimento não
teria chance
de me atormentar. Se fosse
realmente possível eu arrumaria
um jeito de trabalhar daquela
forma
todos os dias.
- Não precisamos sair. Tenho um
ótimo vinho em minha sala, vou
buscar – antes que eu
conseguisse protestar ele
levantou e saiu. “Tudo bem”
456
pensei, “Não vou fazer mais nada
mesmo hoje,
não tem ninguém me
aguardando”. Olhei para minhas
mãos e para o anel que
substituía a aliança que
um dia foi do meu noivado com
Thomas.
- Não posso mais sair do seu
lado – me sobressaltei com a
presença de Roger.
Ele foi rápido demais ou eu tinha
ficado perdida no tempo e não
percebi que ele passou? Ele
se aproximou e muito
cuidadosamente limpou uma
lágrima que sem perceber, eu
tinha deixado cair.
457
- Desculpe!
- Tudo bem! Você não precisa
esconder de mim o quanto ainda
está magoada. É para isso que
estou aqui, não é? Para te apoiar
no que precisar – abriu o vinho e
me serviu uma taça. Bebi um
grande gole sem me preocupar
com as consequências.
- Obrigada, Roger! Você tem sido
maravilhoso. Como sempre foi –
tentei sorrir. Ele me olhou
com carinho passando a mão em
meus cabelos.
- Eu sempre estarei ao seu lado.
Basta apenas você querer. – não
sabia o que dizer, mas

458
entendia exatamente o que ele
estava me dizendo. Tomei mais
um longo gole do vinho. – E sabe
também que eu nunca fui capaz
de te magoar.
- Eu sei. Você sempre foi a
minha fortaleza. Obrigada por
estar aqui – voltei a olhar para a
janela.
- Cathy! – Roger me chamou se
aproximando um pouco mais. –
Você precisa seguir frente.
Thomas não vale à pena...
- Roger, eu não quero falar sobre
isso – comecei a me afastar, mas
ele me segurou pelo rosto,
gentilmente.

459
- Eu sei. Não vou falar sobre ele.
Quero apenas que veja que é
necessário pensar mais em
você de agora em diante.
- É p que estou fazendo.
- Não da forma como deveria.
Você não permite que outras
pessoas se aproximem.
Entendi o que ele estava
querendo. Fechei os olhos e
pensei em suas palavras. Roger
era um
porto seguro. Uma certeza, e não
uma dúvida como Thomas era.
Aproximou-se com calma e eu
permiti que me beijasse. Era um
beijo familiar. O mesmo de

460
antes, porém meu corpo não
reagiu, muito pelo contrário,
quase que instantaneamente
minha mente fez
questão de me lembrar de como
eram os beijos de Thomas:
quentes, macios, prazerosos.
Lembrei-me
da forma como reagia quando ele
encostava seus lábios nos meus
e de como nossos corpos se
alinhavam de maneira perfeita.
Não podia continuar. Não com
pensamentos tão fortes e reais
me trazendo Thomas como uma
realidade possível. Afastei-me
virando o rosto, impedindo-o de

461
aprofundar o beijo. Roger
suspirou
frustrado com a minha reação.
- Desculpe, mas eu não posso.
Não estou pronta...
- Eu entendo – afagou meu
cabelo e beijou minha testa com
carinho. – Mas gostaria muito
que
me deixasse tentar, Cathy. Sei
que você ainda o ama e o quanto
está ferida, mas se me deixar
tentar,
acredito que consigo mudar esta
situação. Nós já fomos felizes
antes, podemos ser novamente.

462
Tantas informações e emoções
me deixaram atordoada. Não
conseguia pensar direito. Sabia
dentro de mim que mesmo ele
tendo razão, eu nunca
conseguiria me sentir
completamente feliz outra
vez.
- Deixe o tempo passar, Roger.
- O tempo já passou, Cathy!
Você precisa se permitir!
- Então me deixe pensar. Não
estou em condições de decidir
nada neste momento. Nem
consigo pensar direito em como
devo reagir... Eu... Vou pensar,
prometo – ele pareceu mais
satisfeito.
463
- Vou te levar para casa.
***
Cheguei em casa ainda sufocada
pelas lembranças dos meus
momentos com Thomas. Sentei
no
sofá, derrotada. A minha noite de
sono tinha ido embora, junto com
qualquer vestígio de felicidade
em minha vida.
Enterrei o rosto nas mãos e
chorei copiosamente. Meu
desespero era tanto que por um
momento acreditei que não
conseguiria suportar, que me
partiria em pedaços e não
conseguiria mais

464
juntar os cacos. Quando me
acalmei, tomei um banho e fiquei
deitada pensando no que deveria
fazer.
Talvez Roger fosse mesmo a
minha melhor opção. Eu confiava
nele e ele me fazia bem. Se
estivesse certo, eu poderia voltar
a querê-lo e quem sabe desta
vez, estando mais madura,
conseguisse amá-lo.
Novamente fui tragada pelo
sono, desta vez sem sonhos.
Acordei atordoada, me sentindo
um pouco melhor, já que não
tinha sonhado. A sensação da
presença do Thomas não me
acompanhou, o que me deixou
465
aliviada. Talvez Roger fosse a
chave para
o fim do meu sofrimento. Troquei
de roupa e corri para a sala. Mia
já estava tomando seu café,
como
sempre acontecia.
- Você está péssima! Aconteceu
alguma coisa?
Tomei coragem e relatei a minha
amiga, o que tinha acontecido na
noite anterior. Ela pareceu
preocupada.
- Sinceramente, Cathy? Não
acho que você deveria incentivá-
lo.

466
- Por que não? Ele é ótimo, um
grande amigo, faz eu me sentir
bem.
- Por que você não o ama. Não é
justo nem com você nem com
ele.
- E o que você quer que eu faça,
Mia? Que fique sozinha o resto
da vida sofrendo por Thomas?
Eu preciso permitir que outra
pessoa entre em minha vida, ou
então este sofrimento nunca vai
ter fim
– senti a verdade das minhas
palavras. Não na necessidade de
deixar outra pessoa ocupar o
lugar que

467
era do Thomas, e sim na parte
de que aquele sofrimento nunca
teria um fim.
- Ficar com ele não vai acabar
com sua tristeza, Cathy. Não é
ele quem você quer.
- Quem eu quero não existe mais
em minha vida. Vamos ser
realistas. Thomas seguiu em
frente
e eu preciso fazer o mesmo. Foi
a escolha dele e agora vou fazer
as minhas próprias escolhas.
- Thomas continua te amando da
mesma forma que sempre te
amou, e está sofrendo tanto
quanto você ou até mais – Mia
falou exaltada. Fiquei estática.
468
Aquelas palavras mexeram
demais
comigo e eu não podia deixar
que acontecesse daquela forma.
- Como você sabe disso?
- Eu estive com ele quando fui
buscar as suas coisas,
esqueceu?
- Ah...
Pensei no que ela acabara de
falar. Thomas continuar me
amando era ao mesmo tempo,
quente
e frio dentro de mim. Eu sabia...
Eu tinha certeza que não poderia
perdoá-lo algum dia, mas de uma
forma bastante masoquista, eu
gostava de saber que ele se
469
arrependia do que tinha feito, ou
que ainda
sentia algo por mim. Era loucura
e completamente errado pensar
daquela forma, ainda assim, eu
pensava.
- Isso não importa mais. O fato é
que eu tenho que me dar uma
chance de ser feliz de novo –
infantilidade a parte, eu sentia
prazer em pensar que seria
possível para mim e desejar que
não fosse
para ele.
- Amando outra pessoa? Nunca
vai acontecer. Não da forma
como você pensa. Primeiro

470
precisa ao menos esquecer o
Thomas – era como uma flecha
em meu coração.
Aquelas palavras tiraram de mim
todo o sabor da vitória, porque eu
não tinha mais dúvidas de
que era uma missão impossível
tirar Thomas do meu coração. As
lembranças de nossos momentos
estavam incrustadas em mim e
arrancá-las seria o mesmo que
me matar. Eu sabia que o que
vivi com
Thomas, mesmo tendo um
desfecho tão ruim, tinha se
tornado a minha própria
existência.

471
- Só que isso é impossível! – Eu
disse com raiva e ela me pareceu
chocada com minha reação.
Levantei, andando pela sala. –
Eu pensei que conseguiria, mas
não... – deixei as lágrimas
escorrem
pelo rosto. – Os dias passam e o
meu amor ao invés de diminuir
parece aumentar. Eu nunca
conseguirei esquecê-lo, Mia!
Jamais! – Sentei no sofá e me
entreguei ao choro. – Não sei
como
mesmo distante ele ainda
consegue ser tão forte dentro de
mim. Não sei mais o que fazer.

472
Mia caminhou em minha direção,
me abraçando pelos ombros.
- Cathy, por que você não o
perdoa? Acabe de uma vez com
este sofrimento. Vocês dois não
estão conseguindo. Não há
vergonha em admitir.
- Nunca! Eu prefiro morrer a
aceitar o mesmo destino da
minha mãe. Thomas não me
respeitou. Ele não merece o meu
amor. Eu não mereço tão pouco
dele. Mereço muito mais do que
ele
pode me oferecer, mais do que
ele tem capacidade de me dar.
Eu mereço alguém como o
Roger.
473
- Mas você o ama e não pode
fazer nada para mudar isso. De
uma forma ou de outra, seu
destino se parece cada vez mais
com o da sua mãe – Mia estava
confusa e exaltada. Por uma
fração
de segundo, desconfiei que ela
soubesse de algo, mas que
lutava me esconder.
- Não vai, não.
Peguei minha bolsa, bati a porta
indo em direção ao trabalho.
Antes de dar partida no carro
arrumei minha maquiagem
apagando os vestígios das
lágrimas. Eu seria mais forte do
que aquele
474
amor que me derrotava todos os
dias, e sabia o que fazer para
vencê-lo.
Capítulo 12
Tudo ou Nada
VISÃO DE THOMAS
Dois dias tinham se passado
desde a minha chegada à Nova
York e até então nenhuma
novidade. Eu estava em vias de
desistir ou de mandar todas as
recomendações para o inferno e
procurar Cathy apenas com as
informações que tinha.
Kendel tinha ido, no dia seguinte,
a casa de Anna, como
combinamos, no entanto para
nossa
475
surpresa ela não morava mais lá.
O porteiro informou que havia se
mudado sem deixar o novo
endereço. Quase surtei quando
fiquei sabendo. Tínhamos
perdido o rastro dela e não
restava mais
nada. Dyo tentava me manter
calmo dizendo que de uma forma
ou de outra a encontraríamos,
que com
certeza ela faria contato com
alguma amiga.
- Temos outra testemunha – Dyo
revelou, diante do meu
desespero. Eu não fazia ideia do
que

476
ele estava dizendo, mesmo
assim senti meu coração
desacelerar diante de tal
possibilidade. – O
garçom que estava no bar
naquela noite.
Como eu não tinha pensado
nisso? Durante as últimas quatro
semanas estive tão abatido, tão
preso ao meu sofrimento e culpa
que não percebi quantas peças
ainda faltavam para desvendar
aquele mistério. Era lógico que
ele tinha alguma coisa para
acrescentar naquela história.
Estávamos
apenas eu e Anna no bar, e ele
com certeza prestara atenção em
477
nós dois. Quase avancei pela
porta
quando constatei a realidade.
- Calma, Thomas. O bar só abre
a noite, tenha mais um pouco de
paciência. Precisamos falar
com Eric para que ele esteja aqui
para te acompanhar. Sabe Deus
que tipo de história está por trás
disso tudo. Sara me mataria se
você se machucasse.
Parei ainda com a mão na
maçaneta sem conseguir decidir
se deveria ou não sair.
- Dyo tem razão, Thomas –
Kendel entrou na conversa
desviando a atenção do seu jogo
no
478
celular. – Não vai adiantar você
ficar plantado na porta do bar. É
bem capaz do cara fugir quando
vir
você aguardando por ele. Esta
história fede. Tem muito mais do
que podemos enxergar.
Voltei para a sala e me sentei no
sofá atirando a cabeça para trás.
O tempo estava jogando
contra mim e a cada lance da
partida eu perdia mais. Tentei ver
todas as possibilidades, porém
minha cabeça estava tão confusa
e desgastada que não conseguia
formar nenhuma linha de
raciocínio.

479
Levantei e fui para meu quarto
tentar dormir um pouco, apesar
de saber que não conseguiria.
Sentei no chão com algumas
almofadas apoiando a cabeça. A
cama havia sido removida e a
nova
ainda não fora entregue, por
causa disso eu ainda dormia no
chão.
Fui acordado por Kendel, sem
nem ter percebido que tinha
dormido. Olhei a janela, aberta
diante de mim, fazendo com que
eu visse que o dia estava se
despedindo. Subitamente meu
coração

480
reagiu à imagem. Lembrei-me de
Cathy em seu antigo quarto em
nossa casa, absorta em
pensamentos
ao observar o por do sol. “Esta é
à hora em que me sinto mais em
contato com Deus. Quando a
natureza mostra a sua perfeição”
eu podia enxergar claramente de
seus olhos e ouvir a sua voz,
como
no dia em que ela me disse estas
palavras.
Baixei os olhos e em silêncio fiz
uma pequena prece, com certeza
era o que ela estaria fazendo
naquele momento. Uma pequena
confiança se fortaleceu em meu
481
coração. “Com certeza ela
também
pensa em mim quando chega
esta hora do dia” pensei com
carinho.
- Você está bem? – Kend el
observava a minha reação.
Sinalizei que sim com a cabeça.

Estamos nos preparando para ir
até o bar. Eric já chegou e eu irei
junto para o caso de você
precisar
de uma forcinha – sorriu
admitindo suas intenções. – Dyo
não vai. Ele vai encontrar com
aquele cara

482
que anda saindo. – riu
abertamente.
- Aquele cara tem nome, Kendel.
É Maurício. E também não é o
cara com quem o Dyo anda
saindo, é o namorado dele. Deixe
de ser preconceituoso – levantei
e fui até o banheiro lavar o rosto.
- Eu não sou preconceituoso.
Apenas não me sinto a vontade
para dizer que meu amigo tem
um
namorado.
- Isso é preconceito. Ele se sente
bastante à vontade para falar,
então você não deveria se
comportar desta maneira.
- Ok então! Vou me corrigir.
483
Ele olhou para os lados,
verificando impaciente o espaço
do quarto sem a cama, porem eu
sabia que meu amigo mudaria
realmente de atitude. Apesar de
ser um grosseirão, Kendel não
era
preconceituoso, como eu tinha
acusado. Ele nunca se
incomodou com a escolha de
cada pessoa,
apesar de defender com bastante
veemência a sua. Troquei de
roupa e fui ao encontro de Eric
que me
aguardava na sala.
- Não vai comer?

484
Dyo levava a sério as ameaças
da Sara em relação a minha
saúde. Tudo bem que eu estava
realmente negligenciando esta
parte da minha vida, por outro
lado quem pensaria em comer
diante da
possibilidade de conseguir a
prova necessária para ter Cathy
de volta?
- Você não é minha esposa , Dyo
– brinquei. – Apesar de saber
que é doido para ter esta
chance.
- Com certeza, querido, mas na
ausência da Cathy, eu cuido
desta parte. Entendeu?

485
- Vou comer alguma coisa na
rua. Q uero estar atento ao
movimento do bar antes de
entrar lá.
Prometo que vou comer, querida.
– ele deu uma gargalhada
gostosa e leve, o que me deixou
mais
tranquilo.
Paramos o carro do outro lado da
rua em que o bar ficava
localizado. Eric e Kendel saíram
e
fizeram uma pequena ronda
verificando se havia algum cara
com as características do que
apareceu

486
no apartamento da Anna no dia
em que eu fui confrontá-la.
Aguardei pela volta deles e como
constatamos que não havia
perigo pela redondeza, seguimos
juntos para o bar.
Assim que entramos me
certifiquei de que era o mesmo
garçom da noite em que tudo
aconteceu. Passamos por ele
que atendia no balcão do bar, e
sentamos no fundo. Escolhemos
uma
mesa discreta que ficava próxima
à parede e que possuía uma baia
em forma de banco acolchoado.
Era o suficiente para nos manter
escondidos dos olhares de
487
curiosos ou de fãs, apesar do bar
não está
cheio.
Como não tinha me reconhecido,
o rapaz prontamente veio nos
atender. Pedimos o mesmo
uísque da outra noite, em doses
duplas. Instantaneamente ele me
olhou e eu percebi que
finalmente
tinha se dado conta. Sinalizei
para Kendel e assim que o rapaz,
visivelmente nervoso, voltou com
as
bebidas meu agente o abordou.
- Precisamos de outro favorzinho
seu, amigo – olhei-o fixamente.
Qualquer reação ou
488
demonstração de insegurança
confirmariam as minhas
suspeitas de que ele sabia de
algo. – Este é
meu amigo Thomas – o rapaz
olhou para mim rapidamente
desviando o olhar em seguida. –
Ele
esteve aqui algumas semanas
atrás, acompanhado de uma
mulher muito bonita. Está
lembrado?
- Não, senhor, eu não teria como
lembrar. Muitos clientes vêm
acompanhados de mulheres
bonitas – fez menção de se
afastar, Eric foi mais rápido e o

489
segurou pelo braço sem chamar
atenção
das pessoas.
- Por que você não dá uma
olhada melhor. Quem sabe sua
memória não revela alguma
coisa.
O Garçom, bastante nervoso,
olhava para os lados a procura
de apoio, como não havia muitos
clientes, ninguém percebeu a
movimentação em nossa mesa.
- Olha, eu não sei de nada. Não
gosto de me envolver nos
problemas dos clientes. Apenas
sirvo o que me pedem e não fico
prestando atenção no que estão
fazendo.
490
- Então você lembra de mim e da
garota que estava comigo. Só
havia nós dois naquele dia, e
você recebeu uma gorjeta bem
generosa.
- Não sei em qual problema
aquela maluca se meteu, mas eu
não tenho nada a ver com isso.
Eu
juro! – Se Eric apertasse mais ele
com certeza falaria, no entanto o
cara estava agitado demais e
logo
as pessoas perceber que alguma
coisa estava errada.
- Só queremos algumas
informações. Precisamos que

491
nos conte tudo que sabe sobre
aquela
noite – Kendel foi mais amistoso
para suavizar o clima.
- Posso deixar outra gorjeta bem
generosa – tirei algumas notas
do bolso e deixei sobre a
mesa. Os olhos do garçom
cresceram ao ver a quantidade
de dinheiro oferecida, devia ser
bem mais
do que ele conseguia ganhar em
um mês de trabalho. – Pode ser
que mais algumas notas
apareçam, só
depende do que você tem para
me contar – ele olhou para trás,
apreensivo, e depois voltou a me
492
olhar nervoso.
- Está bem. Eu vou contar tudo o
que sei, mas não agora, nem
aqui. Tome o meu cartão. Daqui
a três dias terei uma folga e
podemos marcar um lugar para
conversarmos melhor.
- Você não está tentando nos
enrolar, não é? – Eric o encarou
de maneira ameaçadora e eu vi
que o rapaz ficou bastante
assustado.
- Não, senhor. Meu patrão está
aqui hoje e logo vai notar que
estou demorando demais com
vocês. Não posso me arriscar a
perder este emprego. Procurem-

493
me em três dias e vou poder
contar o
que sei. É só o que posso fazer
por enquanto.
Cocei a cabeça, angustiado. Três
dias? Como poderia esperar por
mais três dias? Era muita
tortura. Observei o rapaz se
afastar da mesa e voltei a minha
atenção para em minhas mãos.
- Ao menos agora temos a
certeza de que algo está muito
errado nesta história. Ele sabe de
algum detalhe muito importante –
Kendel percebeu o meu
abatimento.
Continuei calado. Tentava
encontrar a coragem e
494
determinação necessárias para
esperar mais
três dias, e sabe Deus mais
quantos, até que Cathy soubesse
que eu não a tinha traído.
Antes de descobrir que existia a
possibilidade de ter sido tudo
uma armação, eu nem me
atrevia a pensar nela com a
saudade que passei a sentir.
Sabia que ela estava perdida
para mim.
Depois da possibilidade e quase
comprovação de que fomos
vítimas da inveja da Anna, meu
corpo
passou a reclama pelo dela o
tempo todo.
495
Eu ansiava pelo nosso
reencontro, sonhava com seus
lábios nos meus. Era doloroso
pensar que
mais alguns dias nos separavam
com uma força impiedosa.
- Ânimo, Thomas! Pelo menos
agora você sabe que o fim está
próximo. Com o depoimento
deste cara, nós poderemos dar
queixa e provar que naquela
noite Anna colocou algo em sua
bebida.
Precisamos apenas disso para
provar a Cathy sua inocência.
- Espero que sim, meu amigo.
Espero que seja o suficiente para
convencê-la. Do contrário, não
496
sei mais o que fazer.
- Bom... Sempre existe o velho
choro, ajoelhado aos pés da
garota, implorando pelo perdão.
Para algumas mulheres é
infalível – Kendel deu risada e
Eric, sempre tão taciturno, o
acompanhou.
Eu apenas fiz uma anotação
mental como o último recurso
caso tudo falhasse. Não teria
vergonha de implorar, muito
menos de ficar aos seus pés.
Aliás, até agradeceria em poder
estar nesta
posição, seria uma forma de
estar perto dela.

497
Ficamos no bar até fechar,
porém o garçom saiu de lá
acompanhado do patrão e de
outros
funcionários. Decidimos voltar
para casa. Era o que podíamos
faze naquele momento. Kendel
estava
com o cartão do rapaz e entraria
em contato para marcarmos o
encontro.
Fiquei surpreso ao entrar no
quarto e me deparar com a nova
cama. Era imensa, igual a que a
Cathy queria para a nossa casa
em Los Angeles. Pensar nela me
levou outra vez a urgência que
eu
498
sentia de tê-la novamente em
meus braços.
Passei as mãos pelo lençol da
cama constatando que a seda
não conseguia ser mais suave
que
a pele da minha Cathy. Tomei
um banho esperando aliviar a
tensão, mas deitei outra vez no
chão.
Não dormiria na cama enquanto
não pudesse ter a mulher da
minha vida comigo.
O sono chegou com mais
facilidade, não apenas pelo
cansaço de noites seguidas sem
dormir

499
direito, também pela certeza de
que tínhamos um caminho para
seguir. Os três dias não me
pareciam
mais tão distantes, era só uma
questão de tempo e eu teria a
minha Cathy outra vez comigo,
em meus
braços.-
Thomas? Thomas! – Ouvi a voz
do Dyo me chamando e abri os
olhos com dificuldade no
quarto já tomado pelo sol. –
Mesmo com a cama você
continua dormindo no chão?
- Algum problema, Dyo? Que
horas são? – Acordei assustado
com a urgência, que com
500
certeza, não era pela
preocupação com o local onde
eu dormia.
- Já passou do meio dia. Você
dormiu demais – olhei para meu
agente e amigo, ainda confuso
com o despertar tão repentino. -
Mia está lá embaixo e precisa
falar com você. Temos algumas
novidades excelentes. Ela
encontrou a Anna – levantei de
um pulo e já ia saindo do quarto
quando
Dyo me chamou de volta.
- Você vai sair assim? – Olhei
para mim, percebendo que
estava só de cueca. Encarei Dyo
que
501
me observava com divertimento.
Sorri maliciosamente. – Para
mim está perfeito, mas não acho
que
Mia e Henry vão gostar disso.
- Henry está aqui? – Fui até a
poltrona, peguei uma bermuda
que estava jogada lá e uma
camisa que eu tinha usado para
dormir outro dia. O quarto ficava
uma bagunça quando não tinha a
fiscalização da Cathy. – Como
eles encontraram a Anna?
Onde?
- Você terá que ouvir deles
mesmos. Jogue uma água no
rosto e desça – obedeci
prontamente.
502
***
Mia e Henry me aguardavam na
sala, sentados lado a lado e com
as mãos entrelaçadas. Eles
pareciam tão completos juntos.
“Como eu e Cathy éramos”,
pensei com tristeza.
Ao me verem, levantaram e
Henry apertou minha mão. Mia
apenas sorriu timidamente, ela
ainda estava magoada comigo
por toda aquela confusão.
- Vocês encontraram a Anna?
Como conseguiram? Onde ela
está?
- Mia a viu ontem, antes de me
encontrar. Ela pode te explicar
melhor.
503
- Eu estava em frente à empresa
em que trabalho, aguardando
Henry quando ela passou do
outro lado da rua. Como Dyo já
havia me contado que vocês não
tinham mais notícias dela tomei
coragem e fui confrontá-la – fez
uma pausa esfregando uma mão
na outra.
- E aí? – Tentava não ser tão
impaciente, mas era impossível.
- Anna ficou muito abalada ao me
ver. Eu praticamente a obriguei a
me acompanhar até uma
lanchonete próxima de onde
estávamos e lá conversamos
abertamente. Ela me contou que
você a
504
havia procurado. Conversamos
bastante e Anna me disse que a
situação era mais complicada do
que
somos capazes de imaginar e
que mentiu porque não podia
dizer a verdade.
Ela olhou insegura para Henry ao
seu lado e este gesticulou com a
cabeça como lhe
assegurando que estava tudo
bem.
- Ela disse que no início aceitou
fazer porque estava com raiva da
Cathy, mas que tão logo
tudo estava feito, percebeu o
quanto foi ruim, não apenas para

505
vocês dois, mas para ela
também.
Pensou várias vezes em desistir
de tudo e contar a vocês toda a
verdade, mas a pessoa que está
por
trás de toda esta história, é muito
violenta e ela teve medo.
Thomas, ela realmente estava
com muito
medo. Não quis entrar em
detalhe, a todo o momento
olhava para os lados,
amedrontada e
preocupada. Disse apenas que
sentia muito, mas que não
poderia voltar atrás e que por
medo do que
506
poderia acontecera ela não
poderia te ajudar em nada. Nós
discutimos muito então ela
resolveu ir
embora. Eu dei um tempo e a
segui sem que percebesse.
Quando chegou à porta do prédio
onde está
morando, me aproximei
deixando-a perceber que sabia
onde encontrá-la. Mas uma vez
discutimos e
eu disse a ela que você poderia
ajudá-la no que fosse preciso.
Desculpe, mas pensei que você
estaria

507
disposto a tudo para acabar de
uma vez por todas com esta
história.
- E estou.
- Ótimo! Porque dei a ela meu
cartão com o meu novo endereço
do trabalho e telefones para
contato. Hoje, quando ainda
estava em casa me preparando
para sair, recebi a sua ligação.
Disse que
estava disposta a contar tudo,
desde que você não envolvesse
a polícia e também que estivesse
disposto a pagar por sua
confissão. A proposta dela é que
vocês se encontrem e que Cathy
esteja
508
presente para que possa contar
tudo o que aconteceu de fato.
Para isso, Anna pediu cinco
milhões de
dólares. Mia parou me
observando. Suspirei
pesadamente. Passei as mãos
pelos cabelos pensando na
proposta. Cinco milhões era
muito dinheiro e eu teria que
tomar algumas providências para
levantar
tal quantia. Olhei para Dyo e ele
também me observava
cuidadosamente.
- E quando ela pretende cumprir
com a sua parte? – Mia relaxou
um pouco soltando o ar preso
509
nos pulmões pela expectativa.
- Amanhã. Ela precisará
organizar as coisas para sumir
no mundo. Foi o que disse.
Amanhã? - O tempo era curto
para levantar a quantia, em
compensação, era longo demais
para
que eu pudesse ter Cathy de
volta.
- Tudo bem. Pode marcar que eu
estarei lá.
- Esperem. O tempo é curto
demais, Thomas! – Dyo me
interrompeu.
- Tenho certeza que você
consegue, Dyo, me ajude, por

510
favor! Faça o possível, o que
você não
conseguir até amanhã eu pedirei
ao meu pai. Sei que ele pode me
ajudar. Mia marque o encontro
com
Anna.
- E como faremos para que
Cathy esteja lá? – Kendel
perguntou e de novo ele
conseguiu minha
atenção para um ponto que eu
tinha deixado passar. Kendel
estava sendo implacável
ultimamente.
- Mia, você consegue? – Ela
mordeu o lábio inferior.

511
- Não sei, Thomas. Se Cathy
souber que você e Anna estarão
lá, com certeza não vai nem
querer saber.
- Nem se você explicar tudo? –
Dyo parecia mais ansioso do que
o normal, o que chamou a
minha atenção.
- Vocês não têm noção do
quanto ela está ferida – Mia
olhou para Henry, que fez um
movimento com a cabeça como
se estivesse incitando-a a contar
algo que não sabíamos. Senti
minhas
mãos suarem. – Ela está
realmente disposta a te

512
esquecer, Thomas, não importa
como. Hoje mesmo
tivemos uma pequena discussão,
quando tentei em vão convencê-
la a esperar um pouco mais.
- Como assim esperar, Mia? –
Fiquei atordoado, mas no fundo
da minha alma eu já sabia a
resposta.
- Não acredito que ela queira
ouvir as suas explicações, e não
sei se será fácil convencê-la de
que esta loucura toda tem lógica.
- Por que você quis convencê-la
a esperar? – Minha mente não
conseguia mais prestar atenção
em nada do que ela falava.

513
- Thomas, fique calmo, certo? –
Henry se aproximou ainda mais
de Mia. Olhei para Kendel
que já estava também mais
próximo de mim.
- Fale de uma vez, Mia – minhas
palavras saíram forçadas por
entre os dentes cerrados. Era
mais como um ameaça do que
um pedido. Mia ficou tensa e
Henry imediatamente se colocou
em
defesa da namorada.
- Eles se beijaram ontem. Ela
não reagiu muito bem – Mia
disparou as palavras ao perceber
que eu explodiria. – Ela não
conseguiu levar o beijo diante
514
porque não parou de pensar em
você. Ai
meu Deus! Espero não estar
traindo a confiança da minha
amiga – Mia abaixou a cabeça
entre as
mãos.
- Você não está, meu amor –
Henry confortava a namorada
enquanto eu absorvia o que ela
tinha me dito.
O cachorro do Roger tivera a
petulância de beijar a minha
Cathy? Não sabia que espécie
de
emoção estava sentindo. Eu
poderia facilmente matá-lo, mas

515
concomitantemente a este
pensamento,
eu não queria perder o meu
tempo com aquele ser
desprezível. Queria apenas
correr e implorar a
Cathy para não fazer nada, para
não ceder de novo.
Juntamente com aquela
confusão de sentimentos, aquele
turbilhão que me tirava o chão e
atordoava, eu sentia um misto de
alegria e prazer em saber que ela
não conseguiu levar o beijo a
diante porque pensou em mim.
Significava que os seus
sentimentos por mim ainda eram
fortes
516
enquanto o que ela sentia por ele
não devia ser mais do que
amizade.
Sem perceber o que estava
fazendo, andei em direção à
porta. Kendel tentou me deter,
mas,
não sei como, consegui empurrá-
lo impedindo que me segurasse.
Eu iria resolver aquela situação
de
uma vez por todas, e só tinha
uma forma de fazer isso. Eu
precisava ver que ver Cathy.
Capítulo 13
Quando Não é Possível Ser
Indiferente
VISÃO DE CATHY
517
Voltei para casa no fim da tarde,
muito cansada. Havia trabalhado
o dia inteiro tentando não
pensar no que tinha acontecido
entre nós na noite anterior. O
fatídico beijo.
Queria dar uma chance para o
Roger tentar me conquistar.
Mesmo sabendo que talvez fosse
à
forma mais rápida de tirar
Thomas dos meus pensamentos,
eu tinha certeza de que isso
nunca seria
possível. Eu sabia que Thomas
seria eterno no meu coração,
assim como eu seria nele. A
constatação
518
me deixava cada vez mais triste.
Mia tinha dito que Thomas
estava sofrendo muito também.
Por mais absurdo e contraditório
que seja, pois meus sentimentos
não conseguiam assumir uma
única forma de se expressar, eu
senti
uma enorme tristeza.
Seria mais fácil se eu soubesse
que ele estava bem, recuperado
e se aventurando em outros
amores? Talvez assim eu me
convencesse que nosso amor
nunca existiu. Mas pensar no
nosso
sofrimento, apenas confirmava a
certeza da eternidade do nosso
519
amor e este fato era como uma
ferida
aberta que nunca cicatrizava, ou
como um dia sem sol, nublado,
chorando a sua tristeza através
da
chuva fina e gélida.
Por que ele deixou isso tudo
acontecer? Eu nunca teria uma
resposta.
Voltei para casa sozinha. Roger
passou o dia muito ocupado com
a reunião e não teve tempo
de me abordar na saída. Entrei
em meu apartamento vazio. No
mesmo instante me dei conta de
que

520
aquele vazio fazia parte da minha
alma também. “Parece que fui
amaldiçoada ao nada pelo resto
da
vida, porque é assim que me
sinto independente do que me
aconteça” pensei encarando a
sala escura.
Fui até o banheiro em busca de
um banho revigorante, contudo
tive que finalizá-lo mais rápido
do que pretendia, pois o telefone
começou a tocar insistentemente.
Deixei a banheira, cuja a água
ainda estava quente, enrolei uma
toalha no corpo e corri para
atender a ligação.

521
- Cathy? É Roger – senti minhas
pernas tremerem. O que eu
diria?
- Oi! Quando eu saí você ainda
estava ocupado, então... – meu
rosto vermelho entregava às
paredes o esforço que eu fazia
para mentir e parecer
empolgada.
- Estou na porta do seu prédio.
Posso subir? – Uma eternidade
se passou até que eu
conseguisse recuperar o
equilíbrio e responder. Meu
coração pulsava
aceleradamente.

522
- Você nunca precisou da minha
permissão para subir , Roger –
tentava imaginar uma forma de
protelar a minha decisão. Ou
melhor, de ganhar tempo para
que pudesse me acostumar a
ela.
- Eu sei, mas como você me
evitou o dia inteiro, não sabia se
deveria ou não invadir o seu
espaço – mordi os lábios. Ele
tinha notado. Claro, por que não?
Roger me conhecia melhor do
que
qualquer outra pessoa, melhor
mesmo do que o próprio
Thomas.
- Claro. Suba.
523
Assim que desliguei, corri para o
quarto procurando o que vestir.
Peguei um vestido rosa claro
que estava logo na frente do
closet. Ele era solto e um pouco
curto, imaginei que não seria um
problema estar vestida daquele
jeito para receber Roger, ao
contrário do que seria se fosse
Thomas.
A lembrança de como seria, foi
avassaladora. Thomas odiava
que eu usasse calças para estar
com ele. Dizia que gostava do
acesso fácil ao meu corpo. Foi
como um soco no estômago.
Encosteime

524
à parede e forcei a respiração
várias vezes para conter as
lágrimas e o enorme buraco que
abria
em meu peito. “Esse não é o
momento de lágrimas nem de
pensar no passado” tentei me
encorajar
para o que era necessário fazer.
Passei as mãos pelos cabelos
penteando-os e coloquei um
pouco de colônia. Olhei minha
imagem no espelho. Eu estava
muito bonita, mas era apenas um
corpo decorado, por dentro eu
estava
morta. Engoli com dificuldade
sentindo que as lágrimas lutavam
525
para cair. Estas foram impedidas
ao
ouvi a batida tímida na porta.
Coloquei um sorriso forçado no
rosto e fui atendê-la.
- Oi! – Ele sorria lindamente.
Tive que sorrir em resposta.
Roger sorrindo era exatamente
como a brisa de uma manhã de
primavera, leve, simples e fácil.
Olhá-lo me remetia ao nosso
passado, quando eu acreditava
que ele
era o correto e o mais adequado
para mim. Poderia um dia ser
transformado em amor?
- Oi. Entre.

526
Fechei a porta para acompanhá-
lo. Antes que eu pudesse dizer
qualquer coisa, Roger me
segurou pela cintura com uma
mão e com a outra segurou
minha nuca, puxando-me para
um beijo
apaixonado.
Eu não estava esperando, mas
não reagi. Era assim que deveria
ser. Eu precisava ser forte
para aceitar aquele primeiro
momento. Com o tempo ficaria
mais fácil. Deixei que Roger
fosse
terminando o beijo aos poucos e
quando enfim se afastou não tive
coragem de olhar em seus olhos.
527
- Desculpe, meu anjo! – Beijou
minha testa me mantendo
apertada em seu corpo. - Você
está
tão linda! Não resisti – enquanto
falava, Roger passava os dedos
pelos meus cabelos descendo
até
minha cintura.
Esperei, mas nenhuma emoção
me dominou. Nenhuma sensação
de prazer, como deveria
acontecer. Em poucos minutos a
espera se transformou em
revolta. Quando Thomas me
tocava, o

528
mínimo que fosse, meu corpo
inteiro se acendia. Por que tinha
que ser diferente com Roger?
– Ficou com raiva de mim? – Me
afastei um pouco dele. Precisava
de espaço para refazer a
minha máscara.
- Não! – tentei sorrir. – Apenas
surpresa – ele sorriu com olhos
brilhantes, em resposta. – Eu
disse que ainda não estava
pronta, Roger. Não sei como
reagir a você.
Roger enlaçou a minha cintura.
Dentro de mim tudo estava
bagunçado, destruído e confuso.
As

529
lágrimas voltaram aos meus
olhos. Por que eu não conseguia
relaxar?
- Apenas me deixe conduzir
você. Só preciso disso agora,
Cathy – segurou meu rosto com
uma
mão e me deu um beijo leve nos
lábios. Mais uma vez não o
evitei. – Eu vou conseguir fazê-la
feliz,
acredite em mim! – Baixei a
cabeça para não permitir que as
lágrimas escorressem, então
sinalizei
que sim, concordando com toda
aquela loucura. – Preciso ir. Só

530
passei aqui porque queria muito
te
ver. Tenho um assunto
importante para resolver esta
noite. Posso passar para te
buscar amanhã?
- Claro.
Pode ser absurdo, mas fiquei
aliviada quando Roger anunciou
que estava indo embora. No
mesmo instante me repreendi.
Eu o havia aceitado em minha
vida. Precisava lutar contra mim
todos
os dias para conseguir me livrar
do amor que guerreava comigo
para repeli-lo.

531
- Você vai ficar bem? Onde está
Mia? – Pisquei como se
estivesse acordando. – Cathy?
- Mia vai ficar com o namorado
esta noite.
- Bom... Posso ficar se você
quiser. Eu só preciso... – Oh,
Deus! Era tudo o que eu não
precisava naquele momento.
- Não, tudo bem. Não mude os
seus planos por minha causa. Eu
estou com muito sono, logo
logo estarei dormindo – ele me
analisou em dúvida, porém
aceitou os meus argumentos.
- Certo. Amanhã passo para te
buscar - me beijou novamente,
só que com mais cuidado e
532
carinho, depois foi embora.
Ao ouvir a porta fechar, me deixei
cair no sofá e chorei todas as
lágrimas presas. “Por que
Thomas teve que ser um idiota?”
repetia para mim mesma a
pergunta e a cada repetição
sentia mais
raiva de mim, dele e de tudo o
que aconteceu. E, quanto mais
eu sentia raiva, mais tinha
certeza do
que queria naquele momento:
estar com ele, nos braços dele.
A necessidade era uma dor
física. Era como se ele tivesse
arrancado um pedaço de mim e

533
levado embora e naquele
momento eu precisava
desesperadamente daquele
pedaço para continuar a
viver. “Como isso é possível?
Como posso odiar com tamanha
intensidade e ao mesmo tempo
amar
desesperadamente?” Buscava a
todo custo entender, contudo
nenhuma resposta me era
concedida.
Fechei os olhos procurando por
uma paz interior que não
habitava mais em mim. “Você é
como a primavera, é como uma
brisa do mar. Você é o que há de

534
melhor em mim. Resumindo,
você é
a minha vida. Por isso eu
descobri que não posso viver te
perdendo o tempo todo, para
nada e nem
ninguém. Quero você na minha
vida para sempre e se você
também me quiser na sua,
mesmo sendo
eu um sujeito tão desprovido de
qualidades para ser o seu
príncipe encantado, aceite este
presente
com amor”. Relembrei aquelas
palavras que um dia deram início
ao meu conto de fadas.

535
Ao abrir os olhos, contemplei um
dedo vazio. No lugar onde antes
havia uma aliança, símbolo
do nosso amor, existia apenas
uma marca branca
demonstrando que um dia o anel
esteve ali. “Você
não é o meu príncipe encantado,
Thomas, nunca foi. Em nenhuma
história que conheço de
princesas e
príncipes existiu tanto sofrimento”
pensei com amargura enquanto
tentava inutilmente suavizar a
marca branca em meu dedo.
Foi quando ouvi uma batida leve
na porta. “Roger voltou?” pensei
abatida. Limpei as lágrima
536
e tentei recompor minha postura,
mesmo sabendo que seria
impossível esconder de qualquer
pessoa
o que estava sentindo naquele
momento. Também não tinha
mais vontade para tentar fingir
algo que
não sentia, como a felicidade, por
exemplo.
Fui até aporta, abrindo-a para
que Roger pudesse entrar. Mas
parei na soleira sem acreditar no
que estava vendo. Dei dois
passos para trás, minhas
lágrimas voltaram a cair, mesmo
sem a minha

537
permissão, minhas pernas
fraquejaram e meu coração
disparou ao visualizar a figura a
minha frente.
Thomas!
Ele estava parado, as mãos
apoiadas em cada lado da porta.
Meu coração disparou com
tamanha emoção que pensei que
morreria, mas a visão me prendia
à vida com toda a força que
podia
arrancar de mim.
Seus olhos me encaravam com
tanta emoção e intensidade
quanto os meus a ele. “Estou
sonhando? Não percebi que
tinha dormido” pensei enquanto
538
minha mente constatava o
quanto ele
continuava perfeito, quase uma
miragem.
Não percebi quando Thomas se
aproximou, nem quando tocou
meu rosto sem dizer nenhuma
palavra. Eu estava presa em
seus olhos e meu corpo inteiro
implorava para que aquele
momento
nunca acabasse. Todas as
lembranças e tristezas ficaram
retidas em algum lugar longínquo
do
passado.

539
Nada falamos. Não era preciso.
Nossos olhos falavam por nós
dois. O amor tem dessas
coisas, não precisa de palavras,
sons ou cheiros para se
expressar, é apenas gestos e
sensações. O
suficiente para que duas pessoas
que se amam de verdade
rompam todas as barreiras que
os separam.
Nenhuma história, diferença ou
acontecimento seria capaz de
impedi-lo. Quando existe amor
verdadeiro, nenhum tempo é o
suficiente para vivê-lo, e cada
segundo faz toda a diferença.

540
Foi com esta emoção que
naquele instante não pensei em
mais nada além de nós dois e em
toda
a saudade reclamada pelo meu
corpo. Senti suas mãos tocarem
meus braços com leveza, e então
meus olhos fecharam para o que
eu mais busquei naqueles longos
dias de sofrimento: seu beijo.
Sem contestar ou lutar contra,
me entreguei desesperadamente
ao seu amor. Foi como se nunca
tivéssemos nos separado. A
emoção que eu buscara
enquanto beijava Roger, que
naquele momento

541
parecia uma história tão distante
de nós dois, me fulminou no
momento em que senti seus
lábios nos
meus.
Thomas me beijou com o ardor
da paixão, imediatamente
correspondi loucamente àquela
sensação. Eu não conseguia
pensar no certo ou no errado, só
que era dele, como sempre fui e
como
sempre seria.
Nosso beijo foi ganhando força e
à medida que nós permitíamos
viver aquele momento.
Nossos corpos foram buscando
cada parte um do outro. Foram
542
se reencontrando, se
reconhecendo, se
amando. Era emocionante
demais para ser descrito e
perfeito demais para ser
declarado. Como se o
amor nunca tivesse nos deixado.
E ele nunca nós deixou de fato,
muito pelo contrário, o tempo
inteiro, por mais que eu lutasse,
o amor persistiu e ali, naquele
momento, me mostrava o quanto
a
minha luta tinha sido em vão, o
quanto fui boba em pensar que
poderia derrotá-lo.

543
Thomas me abraçava com força,
como se não quisesse permitir
que eu saísse dos seus braços.
Eu o correspondia enlaçando-o
com a mesma intensidade. Suas
mãos percorriam minhas costas
me
puxando cada vez mais para
perto dele, como se houvesse
ainda algum espaço para ser
preenchido
pelos nossos corpos
entrelaçados.
Senti quando ele me deitou sobre
algo macio, juntando-se a mim
em seguida. Suas mãos longas
percorriam meu corpo com
devoção, saudade, ansiedade...
544
Amor. Sim. Todos os nossos
gestos eram
de amor. O mais puro e
verdadeiro amor. Em todos os
lugares em que nossas peles se
encostavam o
calor deixava a sua marca, me
fazendo buscar por mais e mais,
sem cessar.
Nem consigo imaginar como ele
conseguiu se livrar tão
rapidamente de nossas roupas.
Também não queria desviar
meus pensamentos para estes
detalhes sem importância. A
única coisa

545
que pensava era em como o meu
desejo ainda era vivo, pulsante e
real. Nada mais importava.
Como se nossos pensamentos
estivessem interligados, Thomas
me preencheu quase que no
mesmo instante em que eu
desejei que o fizesse. E,
finalmente eu me senti completa.
Perfeita. De
volta ao meu mundo. Nossos
corpos se movimentavam em um
ritmo próprio. Ninguém estava no
controle de nada. Falávamos
muito, mas nada que nos levasse
a outro caminho.

546
- Eu te amo! Eu te amo! –
Sussurrou sem abandonar meus
lábios. Sorvi cada palavra, cada
gemido como se dependesse
disso para viver.
- Eu te amo, Thomas! – Lágrimas
molharam meu rosto. Eu não
saberia dizer ao certo se eram
minhas ou dele.
Entregamo-nos ao prazer
enquanto nossos braços nos
apertavam em um abraço
saudoso e
nossas mãos nos prendiam um
ao outro. Toda a intensidade do
nosso amor explodiu entre nós
dois,

547
nos levando ao êxtase mais
profundo e prolongado que já
vivenciamos.
Na medida em que nos
acalmávamos, que nossos
corpos se habituassem ao
momento, fui me
dando conta do que tinha
acontecido. A realidade foi
retornando e a consciência, já
sem tanta
influência da emoção de estar
com ele novamente, me
mostrava o quanto estava errada
em permitir
que acontecesse.
Minha mente voltava a funcionar
e os questionamentos se
548
formavam. Thomas estava
comigo e
nós tínhamos transado. Como
assim? Como isso pôde
acontecer? Senti o pânico se
instalar em mim.
A lembrança dele com Anna, nus
e enlaçados um ao outro foi
como um raio me fulminando.
Toda a dor e tristeza que me
acompanhavam nos últimos
tempos voltaram com força total.
Tive que
reprimir um soluço. Eu não
poderia ter permitido que
acontecesse. Não deveria ter
cedido com tanta

549
facilidade, aliás, nunca mais
poderia ceder a ele.
Thomas tinha me traído. A raiva
aflorava com tamanha
intensidade que pensei ser
possível
lançá-lo de cima de mim para
longe. Eu o queria longe. Bem
longe. De volta ao meu passado.
Capítulo 14
Dúvida, Insegurança e Thomas
VISÃO DE CATHY
Virei o rosto quando Thomas
buscou por meus lábios, ainda
entregue ao momento. Ele não
percebeu a minha resistência e
beijou meus cabelos, deitando-se

550
ao meu lado ainda com os
braços
me enlaçando.
Como eu era tola, fraca. A vida
inteira recriminei minha mãe
pelas suas fraquezas e no que
eu
tinha me tornado? Alguém nada
melhor do que ela.
- Cathy? – Thomas chamou, mas
eu não queria olhar para ele,
então fechei com força meus
olhos e levei as mãos ao rosto,
envergonhada por ter sido tão
fraca. – Qual é o problema? –
Falava
com doçura, com carinho e meu
coração reagia a ele, porém eu
551
não queria ser como minha mãe
e não
cederia. – Meu amor, olhe para
mim – sua voz era o convite mais
tentador e doce. Uma tentação. A
mordida da maça que me
expulsaria do paraíso.
- O que você veio fazer aqui,
Thomas? Não basta tudo o que
já me fez? Veio para destruir o
que restou de mim? – As
palavras saíram abafadas pelo
choro que me dominava e pelas
minhas mãos
que cobriam o meu rosto.
Thomas não me respondeu.
Apenas ficou calado ao meu

552
lado. O único som era o do meu
choro
e o da sua respiração pesada.
Quando tive condições de olhá-lo
meu coração se partiu em vários
pedaços, porque ele me
encarava enquanto lágrimas
escorriam de seus olhos. Foi
como um tapa em
meu rosto. Por que?
- Eu não vim aqui para fazê-la
sofrer, Cathy. Queria apenas
conversar... Te contar uma coisa,
mas a emoção foi mais forte e
acabei me deixando levar –
Fechei novamente os olhos para
impedir

553
que a dor em vê-lo sofrer fosse
mais forte do que a minha
indignação.
Thomas passou seus dedos
suavemente em meu rosto,
limpando minhas lágrimas. Eu
amava
seus toques. Era incrível que
mesmo diante de uma situação
tão desastrosa, eu ainda me
sentia em
casa quando ele me tocava
daquele jeito
- Eu te amo e sei que fui um
idiota de diversas maneiras,
porém não como você está
pensando

554
– ri cinicamente. Será que ele
pensava mesmo que eu era tão
idiota
- Vai me dizer agora que não foi
nada do que eu vi? Não,
espere... Você vai dizer que foi
um
momento de fraqueza e que está
arrependido e que conta com a
força do nosso amor para me
fazer
compreender – ameacei me
levantar, Thomas me prendeu,
com o seu corpo, no sofá, onde
fizemos
amor.

555
Eu estava enfurecida e
envergonhada. Mesmo assim, ao
me segurar forçando o seu corpo
contra o meu, minha pele
correspondeu no mesmo
instante, arrepiando-se ao
contato com a sua nua.
Eu cederia outra vez. Não seria
fraca de novo.
– Me deixe em paz, Thomas, vá
embora! Você já conseguiu o que
queria, agora saia da minha
casa – debati-me para que ele
me liberasse, porém Thomas me
segurava com força, sem me
machucar, apenas me mantendo
próxima a ele. Seus olhos me

556
fitavam com firmeza forçando os
meus
a retribuírem.
- Cathy me escute. Apenas
escute o que eu tenho a dizer –
agia com cautela. Sua voz
continuava suave e seus gestos
pacientes.
- Não tenho nada para ouvir de
você. Vá embora, por favor!
- Por que você acha que eu
nunca te procurei? – Falou um
pouco mais alto, sem demonstrar
impaciência.
A pergunta me calou. Sempre me
questionava como ele não tinha
conseguido me encontrar?

557
Como eu havia permanecido
tanto tempo na Pensilvânia sem
que ele ao menos se desse
conta? Eu
tinha certeza que se Thomas
quisesse de verdade, teria me
encontrado, nem que fosse no
inferno.
- Eu sempre soube onde te
encontrar. De nada adiantou ficar
tanto tempo escondida – abri a
boca para questioná-lo, no
entanto ele me impediu de falar.
– Nunca te procurei porque não
me
achava digno do seu amor. Todo
este tempo eu também acreditei
nesta história absurda e não
558
conseguia me perdoar por ter te
perdido, nem por ter sido capaz
de te magoá-la desta forma.
Acreditava que merecia a dor de
não mais ter você ao meu lado e
sinceramente cheguei a desejar
que
você fosse feliz, porque a mim
restaria apenas a infelicidade
pelo resto da vida.
Senti dor ao ouvir aquelas
palavras. Meus sentimentos
estavam confusos, estranhos. Eu
deveria sentir prazer com o seu
sofrimento, no entanto eu sentia
uma imensa dor que me fazia
querer

559
confortá-lo. Abraçar o homem
que eu amava e dizer tudo ficaria
bem. Infelizmente eu não podia.
Era
impossível fechar os olhos e
esquecer.
- Mas as coisas mudaram e hoje
eu sei que nada aconteceu
naquela noite – me proibi de
sentir
esperança ouvindo tal absurdo
Como ele tinha coragem? Eu era
mesmo uma tola. Era desta
forma que ele me via. Tentei rir
com ironia do seu despautério,
mas as lágrimas que caíam sem
cessar me impediam de
sustentar essa
560
mentira.
- Que absurdo! O que você
pensa que sou? Uma idiota para
acreditar nesta história? Eu sei o
que vi – o encarei tendo total
consciência do seu rosto tão
próximo ao meu e do seu corpo
que não
me abandonava, enfraquecendo
toda a minha defesa.
- Eu também sei o que você viu,
Cathy. Ela me drogou e depois
fingiu aquela cena que
infelizmente você presenciou.
Era para nos separar e ela
conseguiu, mas eu descobri tudo.

561
Ri alto. Queria poder esbofeteá-
lo por me julgar tão idiota,
contudo meu coração recebeu
aquela informação de uma
maneira inesperada. Ele batia
com mais força, feliz pela
possibilidade de
dar fim a sua imensa dor, no
entanto a esperança era inútil.
Não havia possibilidade de ser
verdade.
Thomas apenas tentava, assim
como eu, encontrar uma forma
de acabar com a nossa distância.
O
melhor a ser feito era finalizar de
uma vez por todas aquela

562
conversa, antes que eu me
permitisse
acreditar e só acrescentasse
mais sofrimento a minha
existência.
- O mundo não conspira contra
você, Thomas. Não estamos em
um filme, isso é a vida real.
Ninguém tinha motivos para nos
separar, a não ser você mesmo
com suas atitudes impensadas e
seu
caráter duvidoso – seus olhos
endureceram, mas ele não
demonstrou raiva.
- Naquele dia... – Fechei os olhos
com força negando para mim
mesma reviver aqueles
563
momentos.
Thomas saiu de cima de mim,
me libertando parcialmente da
sua influência física. Ficou ao
meu lado, ainda deitado, apenas
com uma mão em meu rosto. Ele
me encarava com olhos sofridos,
porém firmes. Decidido a me
convencer. Como se realmente
acreditasse em toda aquela
fantasia.
- Eu estava com raiva de você
naquela noite. Roger tinha me
dito coisas... Ele me provocou,
Cathy. Mas você não quis me
ouvir, não me deu nenhuma
chance de explicar aquela
confusão. Depois
564
que você foi embora eu resolvi
sair para beber e esfriar a
cabeça. Anna me encontrou no
bar, uma
infeliz coincidência, assim
acreditei durante todo este
tempo. O que não havia me dado
conta foi que
naquela noite eu bebi apenas
três doses duplas de uísque. Eu
sei, e você também, que não
seria o
suficiente para me apagar
daquela maneira. Tenho como
provar isso também. Tenho a
nota do bar,
onde está registrado quanto bebi.
Eu desmaiei no carro, antes
565
mesmo da Anna dar a partida.
Não sei
como conseguiu me levar até o
apartamento, mas o fato é que
ela forjou aquela cena para que
você
nos achasse juntos.
- Pare, Thomas! – Ofeguei sem
conseguir mais evitar que o
sofrimento transbordasse. - Não
faça isso, por favor! Não me faça
sofrer mais do que já venho
sofrendo. Eu não vou suportar!
Não consegui mais segurar toda
a angustia e dor acumulada em
minha tentativa de parecer

566
forte com Roger, Mia, Sam, todos
ao meu redor. A minha máscara
tinha caído e se partido. O
desespero assumiu o controle e
eu não suportaria que a
esperança aflorasse em meu
coração. Eu não
sobreviveria a mais esta
decepção.
- Cathy, a própria Anna
confessou a farsa – Thomas
também não conseguia mais
manter a
calma. Ele ficou agitado, ansioso.
Parecia que perceber que eu não
o aceitaria de volta.

567
- Não quero saber – como uma
criança, tapei os ouvidos com as
mãos.
- Eu tenho como provar tudo o
que falei, mas sei que nada do
que disser vai mudar esta raiva,
então vou deixar que as pessoas
da sua confiança, te contem a
verdade. Procure Mia, Dyo,
Kendel,
qualquer um dos nossos amigos
vão poder confirmar o que estou
dizendo.
- Se você já sabia que eu não
acreditaria por que se deu ao
trabalho de vir até aqui? –

568
- Porque jurei a mim mesmo que
se existisse uma única
possibilidade dessa história ser
mentira eu me atiraria aos seus
pés e imploraria seu amor de
volta – Thomas falou com raiva.
Seus
olhos queimaram e o que eu via
neles era um homem destruído,
sofrendo por todas as suas
chagas. –
Porque não houve um único
momento, um único segundo em
que eu não sonhasse, ou
desejasse você
de volta, Cathy. Eu te amo como
nunca amei a mim mesmo, e fui
um tolo por te causar tantos
569
problemas. Eu só quero ter você
de volta...
A emoção formou um bolo em
minha garganta. Como sonhei
ouvir aquelas palavras! Era tão
fácil e simples. Bastava que eu
ignorasse as lembranças,
sufocasse a mágoa e
esquecesse a dor.
Bastava que eu abrisse a porta e
o aceitasse de volta. Eu poderia
chorar durante as noites, depois
de
vê-lo dormir ao meu lado, como
minha mãe fazia. Sofrer
escondido quando ninguém mais
estivesse

570
olhando. Bastava apenas que eu
aceitasse ser como a minha mãe.
- Não vai me ter de volta. Nunca
mais, Thomas! E tem razão, eu
não acredito em você –
negaria para mim mesma o que
estava sentindo. Porque sabia
que estava apenas me
protegendo de
uma dor maior.
- Mas você ainda me ama, e
mesmo não acreditando, quer
muito que seja verdade. Vi esta
verdade quando estávamos
fazendo amor. Sentimos a
mesma coisa. Foi forte para
ambos. Não houve

571
recusa, apenas entrega. Você
também sentiu a minha falta e
disse que me amava... – sorriu
timidamente, desfrutando
aquelas palavras pronunciadas
sem que eu tivesse qualquer
controle sobre
elas num momento em que a
única coisa que desejava era ele.
Senti-me humilhada diante da
sua vitória. Thomas sabia que eu
continuava amando-o com a
mesma intensidade e contava
com este sentimento para me
vencer.
- Isso é ridículo! Eu não o amo
mais. Falei que amava apenas
por causa do momento, das
572
lembranças, não sei... Você é um
idiota, um arrogante,
prepotente... – fui calada por
seus lábios nos
meus.
Thomas me tomou em um beijo
quente, capaz de arrancar de
mim toda a força para lutar
contra. Mais uma vez me trai
cedendo aos seus encantos. Eu
o amava e não havia como
negar. Era
mais um momento em que o
amor e o ódio davam as mãos
dentro de mim.
- Não é o que o diz o seu corpo –
afirmou vitorioso ainda arfando,
quente de desejo e amor.
573
Droga!
- Meus sentimentos não
importam -– ele tinha conseguido
me enfraquecer. Estava
derrubando
minhas barreiras fazendo-me
entender que mentir não seria o
melhor caminho.
- Por quê? Nada mudou.
Continuamos nos amando. O
nosso amor é a única coisa que
importa...
- Porque não adianta eu te amar
tanto se isso não te impede de
sempre me machucar. Do que
adianta te amar se ao seu lado
eu encontrei tanto sofrimento?
Nunca conseguimos evitar que a
574
infelicidade nos circundasse –
respirei profundamente abafando
um soluço. - Eu não o quero
mais, e
não importa o que meu corpo diz.
Essa é a minha decisão. Não vou
mais me permitir viver as suas
inconstâncias – voltei a chorar ao
constatar a realidade profetizada.
– Não importa o que você tem
para me contar ou me provar. E
mais uma vez, você está
enganado, Thomas, tudo mudou
e não existe
nenhuma possibilidade de voltar
a ser o que era. A ferida que
abriu desta vez não pode ser
fechada.
575
Ela é eterna, e estará sempre
sangrando. Eu apenas preciso
aprender a conviver com ela,
como
estava fazendo, até você
aparecer.
- Amor... – encostou a testa na
minha, acariciando meu rosto.
Fechei os olhos e travei os
dentes, como se assim pudesse
impedir que ele conseguisse ir
tão longe em mim. – Cathy,
apenas me
escute. Não tome nenhuma
decisão agora. Espere um pouco
mais. Eu poderei provar o que
digo e

576
tudo vai mudar entre a gente, eu
prometo, eu... Eu te amo tanto!
Não me condene a uma
eternidade de
dor, porque eu não sobrevivo
mais um dia sem você. Minha
vida se tornou um inferno e só
você tem
o poder de me tirar de lá. Só
você pode me salvar – nossos
soluços se misturavam enquanto
chorávamos juntos. – Só me
espere até amanhã – implorava
como disse que faria enquanto
suas mãos
acariciavam meus cabelos e meu
rosto. Meus olhos permaneciam

577
fechados e minha mente se
perdeu
na confusão dos meus
pensamentos. O que eu deveria
fazer?
- Não posso.
- Cathy você merece a verdade
tanto quanto eu. Não quer saber
o que realmente aconteceu
naquele dia? E se foi mesmo
uma armação? É justo deixarmos
que nossa história terminar
assim? Eu
sei que muitas vezes fui errado
com você, que sempre quis que
a minha vontade prevalecesse,
mas

578
nunca te machucaria desta
forma, eu... Apenas me ajude a
descobrir tudo, e se depois de
esclarecida
a confusão, você ainda achar
que não me quer em sua vida eu
vou aceitar a sua decisão.
Porque
quero o melhor para você,
independente do quanto isso vai
ser doloroso para mim. Apenas
me ajude.
Você pode acreditar que não me
quer mais e pode até tomar esta
decisão, mas é justo acreditar
pelo
resto da vida em algo que nunca
aconteceu? Esta ferida que se
579
abriu não pode continuar
sangrando,
não quando se trata de uma
mentira.
Pensei no que ele me dizia.
Fazia todo sentido tentarmos
descobri a verdade. Eu mesma
me
questionava como tudo tinha sido
possível. Sempre buscava
respostas e nunca as
encontrava. Thomas
podia estar mentindo, mas ele
mencionou nossos amigos.
Todos sabiam o que estava
acontecendo.

580
Deveria dar uma chance para
que tudo se resolvesse e desse
um fim a aquele sofrimento? E se
fosse tudo mais uma mentira
para me convencer a aceitá-lo de
volta? Era impossível pensar de
maneira coerente com Thomas
ao meu lado. Com nosso amor
vibrando de nossos corpos,
aumentando
cada vez mais a ansiedade.
Eu precisava ficar sozinha.
- Vá embora, Thomas. Preciso
pensar direito e não consigo com
você aqui.
Meu corpo inteiro reagiu ao que
eu tinha dito. Após tanto tempo
enfrentando o frio da nossa
581
distância, era inevitável que
desejasse o calor do nosso amor,
mas para mim era uma questão
vital
ser forte.
Se Thomas estava ou não
falando a verdade, eu precisava
descobrir, e se ele precisava de
apenas um dia, ele o teria. Pelo
menos assim nós poderíamos
colocar uma pedra naquela
história e
seguir em frente... Juntos ou
separados.
- Vou esperar até amanhã para
saber o que você tem para me
dizer. Um dia é o que você

582
precisa, não é? Eu concordo,
mas preciso que vá agora.
Thomas levantou do sofá
vagarosamente e pegou suas
roupas do chão. Puxei meu
vestido,
tentando esconder a minha
nudez. Estava envergonhada
pelo acontecido. Observei-o se
vestir. Deus,
ele era lindo! Como ainda
conseguia pensar desse jeito?
Voltei a fechar os olhos em
represália aos
pensamentos indesejados.
- Te vejo amanhã, Cathy. Mia vai
explicar tudo e te levar ao local
onde devemos nos
583
encontrar.
Sua voz rouca denunciava a
tristeza. Assenti com a cabeça.
Thomas voltou a se aproximar,
ajoelhando-se aos meus pés.
Fiquei surpresa com aquela
reação.
– Não tenho vergonha de estar
aos seus pés. Nada neste mundo
vai me impedir de te mostrar o
quanto te quero de volta, nem o
quanto estou arrependido por
todas as bobagens que fiz, toda
a
infelicidade que te causei. Eu te
amo com tamanha força, que
acredito que venceremos no
final, e se
584
ainda não vencemos, é por que
não acabou. Eu vou te esperar
até o último dia da minha
existência, ou
por toda a eternidade, se ela
realmente existir como você
acredita, não importa.
Toquei meus lábios de maneira
involuntária. Eu sentia o reflexo
de suas palavras dentro de
mim. Revivi rapidamente o seu
toque e relembrei o vazio que era
viver sem ele. Novamente pude
sentir o buraco em meu peito, a
ferida que sangrava. Minha
defesa não existia mais.

585
- Você não tem noção do quanto
tem sido difícil , Thomas. A
minha vida, se é que ainda posso
chamá-la assim, está destruída.
E por mais que eu tente
reconstruí-la, nunca consigo. Às
vezes parece
que estou conseguindo, então
chega alguma lembrança e
derruba tudo outra vez. Naquele
dia... –
olhei para ele que se encolhia
com a lembrança. – Você
conseguiu me matar. Desejei
desesperadamente pelos tiros
que Lauren me deu. Eles não
doeram tanto e foram muito
menos
586
danosos ao meu corpo do que o
que vi naquele quarto – puxei o
ar com força. As lembranças me
sufocavam.
- Eu vou consertar tudo.
Prometo! Quando tudo acabar,
você nunca mais será infeliz. Vou
dedicar cada segundo da minha
vida a sua felicidade – com a
costa da mão alisou suavemente
meu
rosto, então levantou para ir
embora, deixando apenas a sua
promessa no ar.
Ouvi a porta bater. O que senti
em seguida não sei explicar.
Todas as emoções me atingiram,

587
eu percebia claramente a
felicidade e tristeza travarem
uma guerra dentro de mim. Ter
Thomas outra
vez comigo aquecia meu
coração, saber que o amor dele
permanecia intacto fazia com que
a
esperança brotasse dentro do
meu peito. Suas promessas me
faziam sonhar novamente com
uma vida
distante, há muito esquecida,
devido à constante tristeza.
Mas também existia a trágica
realidade. Eu sabia o que tinha
visto e não podia me enganar

588
com promessas infundadas.
Thomas era capaz de qualquer
coisa para me ter de volta.
A dúvida me consumia. Será que
ele era capaz de mentir e
manipular tão bem as pessoas
para
conseguir o que queria? Eu o
conhecia o suficiente para saber
que quando desejava mesmo
uma
coisa, não importava o que
precisaria fazer, ele fazia. E não
pensava nas consequências.
Aliás, foi
exatamente por causa disso que
fomos parar naquela situação
torturante.
589
Minha reação foi me jogar
embaixo do chuveiro. Queria que
a água levasse tudo de Thomas
que havia ficado em mim. Seu
cheiro, seu gosto, tudo o que
aparentemente poderia ser
levado com
ela, no entanto, nenhuma água
no mundo seria o suficiente para
conseguir arrancar de dentro de
mim o
amor que eu sentia.
Sai do banho com duas decisões
em mente. Eu precisava ouvir o
que Mia tinha para dizer e
também precisava contar tudo ao
Roger. Esta seria a parte mais

590
difícil, porém não podia enganá-
lo,
não quando ele era a única
segurança que eu tinha na vida.
Capítulo 15
E Se a Verdade Não For Tão
Verdadeira?
VISÃO DE CATHY
Acordei confusa com Mia ao meu
lado me chamando com cuidado.
A claridade do quarto
ofuscou a minha visão por um
tempo me fazendo entender que
a noite tinha acabado e que mais
um
dia começava.

591
Meu coração acelerou com as
lembranças da noite anterior e
imediatamente a cama se tornou
fria e solitária. O aperto em meu
peito foi involuntário. Chegava a
ser sufocante.
Mia me olhava expectante. O que
eu tinha a dizer? Se ela estava
envolvida nos planos de
Thomas, provavelmente sabia
que havíamos nos encontrado.
Na certa minha amiga esperava
por uma
crise de choro ou de alegria, mas
eu não sentia vontade de
demonstrar nada, principalmente
porque

592
não sabia o que estava sentindo
ao certo.
- Acho que te devo uma
explicação – começou relutante.
- Eu sei que não foi você quem
disse onde eu estava. Fique
tranquila. Conheço o Thomas e
sei
que ele nunca deixa de ter o que
deseja. No fundo eu sabia que
não seria tão fácil me esconder
dele –
sentei na cama, apoiando as
costas na cabeceira, ciente da
conversa que teríamos.
Precisava que Mia
me contasse tudo o que sabia, e
aquele era o momento correto.
593
- Ele te contou o que está
acontecendo?
- Sim, ele me disse sobre
acreditar que Anna armou para
nos separar. Não sei bem em
que
acreditar – sem a influência da
presença dele, minha mente só
conseguia caminhar para a
possibilidade de que tudo não
passasse de mais uma armação
do próprio Thomas. A esperança
era
mínima. - Ele disse que você
contaria tudo e depois me levaria
a um lugar para que toda esta
história
fosse esclarecida.
594
Reconheci que, mesmo sem
acreditar que Thomas fosse
capaz de mudar a história, eu
ansiava
pelas respostas que buscava há
tantos dias. Poderia ser absurdo
tudo o que ele me disse, mas
definitivamente havia algo
escondido que precisava ser
revelado, mesmo que fosse a
constatação de
que nada mudara.
- Certo. Deixa eu te contar desde
o inicio – minha amiga se ajeitou
na cama, puxando o ar de
uma maneira teatral. – Eu estava
em casa arrumando as malas
quando Dyo me ligou...
595
Mia relatou toda a história, desde
o momento em que Dyo e
Thomas entraram em contato em
busca do endereço, até a
descoberta da nota que indicava
a quantidade de bebida que
Thomas tinha
ingerido naquela noite. Eu não
poderia negar que realmente eles
tinham razão sobre este ponto, já
havia testemunhado muitas
vezes o quanto Thomas era
capaz de beber. Com certeza
três doses duplas
não o derrubariam, o que não
amenizava a situação. Ele pode
não ter ficado bêbado, o que
para mim
596
isso só indicava que tinha
acontecido pela vontade dele
mesmo.
Mia me contou da procura por
Anna, do encontro, a gravação
da conversa. Fiquei chocada
com a revelação da inveja dela,
também não acreditei no amor
que alegava tê-la impulsionado a
fazer o que fez. Anna era muito
interesseira para querer ter
alguém por amor, esta era a
verdade. Ela
tinha feito talvez pensando que
ocuparia o meu lugar na cama do
Thomas e com isso seus
problemas
estavam resolvidos.
597
- Ela provavelmente seduziu
Thomas para ocupar meu lugar
em sua conta bancária. Anna
sempre deixou claro que buscava
um bilhete de loteria para casar.
- Cathy, se esta fosse realmente
a intenção dela com Thomas,
então por que nunca mais o
procurou? Por que não tentou
envolvê-lo ainda mais? Você há
de convir comigo que é muito
estranho.
Só quando Mia me contou do seu
encontro com Anna e da forma
como ela se comportou, foi
que percebi que existia algo a
mais naquela história. Anna era
esperta, ou burra para se juntar a
598
alguém para me destruir, ao
menos sentimentalmente. Por
outro lado porque ela temia tanto
esta
pessoa? Concordei em me
encontrar com eles e ouvir da
própria Anna o que realmente
tinha
acontecido. Se é que ela contaria
a verdade. Ou o que ela dizia ser
verdade era mesmo o realidade.
Senti uma sensação de leveza
que há muito não experimentava.
Se Anna tinha feito tudo por
raiva ou inveja, e se alguém
estava com ela para tornar tudo
possível, então existia uma
chance
599
imensa de Thomas realmente ser
inocente. E se fosse verdade,
nós poderíamos conversar e
quem
sabe ensaiar uma volta. Meus
pensamentos me confundiam.
E se tudo não passasse de uma
estratégia do próprio Thomas
para me convencer? Anna
toparia
facilmente dizer que foi tudo uma
armação de alguma força oculta,
em troca de dinheiro. Ela sempre
quis ter uma vida fácil, e como já
tínhamos a certeza de que não
estava interessada em Thomas,
ou

600
que não havia possibilidade de
ficar com ele, pode muito bem ter
topado a farsa para me
convencer a
voltar. Mordi meu lábio inferior,
confusa demais.
- Mia, você acha que existe
alguma chance da Anna inventar
uma história só para safar a cara
do Thomas e com isso levar o
dinheiro dele?
- Não sei, Cathy. Confesso que
estou tão perdida quanto você,
porém acredito no Thomas e
não sei te explicar o porquê. Eu
sei que tanto ele quanto ela
podem ter armado tudo só para
te
601
convencer, mas tenho
acompanhado o sofrimento dele
e tenho certeza que não correria
o risco de te
perder de vez – ela suspirou
pesadamente. – Posso afirmar
que fui eu quem fez a proposta
da troca de
informações por dinheiro.
Thomas apenas concordou, mas
até isso pode ter sido armado.
Estou muito
confusa e muito receosa.
- Por quê?
- Porque se Thomas tiver razão
em suas teorias, eu me sinto feliz
por contribuir com a

602
felicidade de vocês, por outro
lado, se descobrimos que foi tudo
verdade, estou te impedindo de
encontrar a felicidade ao lado de
outra pessoa, e... Roger é uma
ótima pessoa – segurou em
minha
mão, com carinho. - Sinto-me
péssima por ele. Sei que não
concordei quando você me
contou sobre o
beijo, mas...
- Eu sei como é. Também estou
em dúvida, principalmente depois
de tudo o que aconteceu
ontem. Contudo confesso que
não acredito que as coisas

603
mudarão depois de hoje. Ainda
estou muito
magoada.
- E se for mentira realmente?
- Mesmo assim. Tudo aconteceu
porque Thomas permitiu. Se ele
não tivesse feito nada do que
fez, não estaríamos passando
por tudo isso.
- Eu te entendo. Ver Thomas
deve ter confundido bastante a
sua cabeça não é?
- Mais do que isso – não tive
coragem de olhar nos olhos da
minha amiga ao revelar o
acontecido. – Ontem, quando
Thomas esteve aqui... Não sei

604
como tudo aconteceu, mas...
Nós... –
respirei fundo tomando coragem.
- Vocês transaram? –
Praticamente gritou. Mia ficou
animada demais para alguém
que ainda
tinha dúvidas sobre qual lado
ficar. Meu rosto corado com
certeza confirmou o ocorrido. –
Não
acredito! – Começou a rir,
colocando as mãos na boca e
jogando a cabeça para trás como
uma
criança que acaba de saber que
o Papai Noel está chegando. –

605
Desculpe, Cathy! Estou feliz por
vocês
dois. Eu nunca imaginaria que...
- Não estamos juntos, Mia. Eu
apenas decidi ouvir o que vocês
tinham para me contar e agora
estou aceitando ouvir a versão
da Anna, apenas isso.
- Mas se vocês...
- Tudo mudou. Não sei se
consigo continuar numa relação
com Thomas, ainda mais agora
que
aceitei namorar o Roger.
- Você o que? – Mia realmente
gritou e toda a sua alegria
evaporou – Thomas sabe? Não.
Com
606
certeza ele não sabe.
- Não tive como contar. Na
verdade eu nem lembrei disso
enquanto ele estava aqui – ela
sorriu
entendendo o que eu dizia
depois me olhou com carinho.
- E agora? O que você vai fazer?
- Não sei ainda. Nesse momento
preciso ligar para o Roger e dizer
que não vou à empresa
pela manhã. Tínhamos
combinado de ele vir me buscar
para irmos juntos. Tenho que
impedi-lo.
Preciso ouvir Anna e só depois
contar a ele o que aconteceu.

607
Roger ficou um pouco
preocupado com a desculpa que
usei para não ir ao trabalho pela
manhã, mas aceitou sem
questionar. Ele era totalmente o
oposto de Thomas que com
certeza não
concordaria ou tentaria me
arrancar alguma informação
antes de aceitar a minha decisão.
Questioneime
sobre o fato de Roger ser tão
mais correto, leve e fácil
enquanto Thomas era apenas
insegurança,
incertezas e, apesar disso, eu
ainda teimava em amar a pessoa
errada.
608
Saí com Mia antes do horário
combinado. Vesti-me o mais
básica possível para não chamar
atenção das pessoas. Calça
jeans e camisa branca de
mangas compridas. Coloquei
óculos escuros
para auxiliar no disfarce, e pouca
maquiagem, apenas o suficiente
para quebrar a palidez da minha
pele.
Estava muito ansiosa. Precisava
chegar primeiro para analisar o
ambiente e me certificar de
que nada estava sendo tramado
pelas minhas costas, contudo
Thomas teve a mesma ideia.
Quando
609
chegamos, ele já nos aguardava.
Reprimi meu coração por mais
uma vez reagir de maneira tão
absurda à imagem do Thomas.
Porém, por mais que eu tentasse
lutar contra, meus olhos não se
separaram dos dele, minha pele
se
arrepiou a mínima lembrança dos
seus toques na noite anterior,
minha respiração ficou agitada e
minhas mãos ficaram suadas. As
pernas tremiam tanto que dar
alguns passos exigiu toda a
minha
concentração.

610
- Cathy. Mia – cumprimentou-nos
educadamente, sem deixar de
me encarar. – Obrigado por ter
vindo e por confiar em mim.
- Não se trata de confiança,
Thomas. Esta com certeza não
existe mais – tentei manter a voz
firme. – Apenas quero ouvir o
que Anna tem para nos dizer,
mesmo que seja para confirmar o
que
aconteceu entre vocês.
Não podia admitir que o que
havia acontecido entre nós dois
na noite anterior conseguia
romper minhas barreiras e que
mesmo sabendo do que

611
aconteceu, eu ainda o amava.
Muito! Thomas
estreitou os olhos demonstrando
indignação. Suas mãos estavam
entrelaçadas sobre a mesa.
Observei
que apertou os dedos
controlando-se.
- Eu já disse que nada aconteceu
naquela noite – mantinha-se
calmo.
- Não será tão fácil assim me
convencer. Eu sei o que vi. Isso
vale mais do que a sua palavra,
ou a dela – sentei de frente para
ele enquanto Mia se acomodava
ao meu lado.

612
- Você viu uma cena armada
para te convencer, como Anna
queria que fosse.
- Ou... – o encarei ironicamente.
– Esta é uma cena armada, por
você, pela Anna, ou por
ambos, para me convencer...
Como você quer que seja – ele
me olhou incrédulo.
- Eu nunca faria isso. Eu...
- Parem vocês dois! – Mia
interferiu. – Comportem-se. Nem
parece que em menos de 24
horas
estavam um nos braços do outro.
Aposto que naquela hora
ninguém se lembrou de brigar.
Isso aqui
613
está mais parecendo uma queda
de braços entre duas crianças.
Se não fosse pelo que aconteceu
ontem eu poderia jurar que um
tinha dez anos e a outra oito.
- Mia! – Repreendi a minha
amiga, me sentindo
completamente envergonhada,
enquanto via
Thomas disfarçar o seu sorriso
satisfeito. Na certa ele estava se
vangloriando da nossa noite.
Fiquei
ainda mais constrangida com
toda a minha fraqueza.
- Não me repreenda, Cathy,
vocês dois são adultos,

614
comportem-se como tal –
respondeu
impaciente. – Anna deve chegar
a qualquer momento e vocês
dois precisam estar preparados
para o
que ela tem a dizer.
- Eu não comecei nada...
- Cala a boca, Thomas! –
Falamos, eu e Mia, ao mesmo
tempo. Eu com raiva e Mia como
advertência para que ele não
começasse outra discussão.
Depois de um breve segundo de
silêncio, causado pela surpresa à
nossa reação, começamos a
rir. Os três juntos.

615
Rimos muito. Foi gostoso como
há muito tempo não era. Eu me
senti completa de novo e por
um instante esqueci os
problemas que me cercavam.
Eu e Thomas nos olhamos
enquanto riamos e pude
contemplá-lo sem a mágoa que
sentia, ele
estava lá, rindo comigo, como
antigos companheiros.
Aos poucos a risada foi cessando
e continuamos a nos encarar
admirando um ao outro, sem
medo ou constrangimento pelo
que estávamos fazendo. Éramos
apenas Cathy e Thomas, nada
mais.
616
- Anna chegou. Finalmente.
Pensei que vocês iriam transar
aqui na mesa – Mia falou
segurando
o riso e nós acompanhamos o
seu olhar. Ainda vi Thomas
morder o lábio inferior evitando
um
sorriso e depois me voltei a
Anna.
Pela vidraça próxima à mesa em
que nos encontrávamos,
podíamos ver Anna do outro lado
da
rua, caminhando em direção ao
café, carregando uma pequena
bagagem de mão. Na certa ela
partiria
617
imediatamente após receber a
bolada que havia cobrado para
contar a verdade, ou o que ela
julgava
ser a verdade, ou o que os dois
combinaram que seria a
verdade... Droga!
Olhava para os lados, assustada,
como se estivesse se certificando
de que ninguém a seguia.
Por um segundo cheguei a
acreditar que ele falava a
verdade. Ela estava com medo.
Revivi em minha
mente todos os nossos
momentos, os bons e
principalmente os ruins.

618
Anna tinha se tornado fria e
grosseira nos últimos meses.
Não fazia questão de esconder o
quanto a minha felicidade a
desagradava, mesmo tendo eu a
maior boa vontade em ajudá-la.
Por fim,
nosso último momento juntas,
quando a descobri na cama com
o meu noivo.
A lembrança abriu um buraco em
meu coração. Desejei
profundamente que não fosse
verdade.
Eu não queria mais sentir aquela
dor, e com a possibilidade de ser
tudo mentira, sentia-me

619
desesperada para por um fim ao
sofrimento. Era estranho como a
dor tinha ganhado proporções
astronômicas nas últimas horas.
Era tudo ou nada. Ou eu teria a
confirmação de que era tudo uma
grande mentira, e a dor iria
embora juntamente com a
história, ou teria a confirmação
de que tudo aconteceu como eu
havia visto,
e aí a dor se instalaria mais
profundamente em meu peito. Se
é que era possível.
Quase desisti. Minha vontade era
levantar e sair correndo do local
com medo do que Anna iria

620
revelar. Anna nos avistou e antes
de atravessar a rua, abaixou a
cabeça, provavelmente
envergonhada
pelo que fizera. Foi um gesto
rápido, porém não me passou
despercebido. Eu me sentiria
assim,
sendo verdade ou não.
Por pior que Anna tivesse sido
nos últimos tempos, ela não era
tão desumana para não se
sentir envergonhada por ter ido
para a cama com o noivo da
amiga, ou por ter inventado uma
mentira

621
tão nociva a duas pessoas que
se amavam tanto. Fiquei perdida
em meus próprios pensamentos
enquanto desviava o olhar de
Anna para Thomas. Ele me
olhava preocupado.
Não me lembro o que veio
primeiro, o som do pneu
acelerando violentamente ou
Anna
olhando amedrontada para o
lado e tentando sair do caminho.
Levantamos os três gritando
quase que
ao mesmo tempo em que
assistíamos ao carro atingi-la,
lançá-la vários metros a cima e
depois sua
622
queda no solo como uma boneca
de pano. O carro acelerou e
desapareceu virando a esquerda.
Para
mim não faria diferença se ele
estava lá ou não. Se tinha parado
para socorrê-la ou fugido. Eu não
conseguia enxergar mais nada
que não fosse Anna.
Também não sei como consegui
correr e chegar onde ela jazia
inerte. Seu corpo tinha ficado
completamente deformado,
tamanha a brutalidade do
impacto, seus olhos estavam
abertos encarando
o céu.

623
Depois disso eu não consigo me
lembrar de nada com exatidão.
Lembro-me de Thomas ao meu
lado me confortando, de Mia
chorando muito, assim como eu,
da quantidade de pessoas que
se
aglomeravam para ver o que
havia acontecido, dos fleches
incansáveis dos fotógrafos e
curiosos,
provavelmente pela presença de
Thomas, e depois o corpo sendo
removido e levado embora.
Nós tivemos que ir até a
delegacia, uma vez que éramos
os únicos que conheciam a
vítima
624
além de sermos testemunhas do
que ocorrido.
Eu estava muito nervosa, mas
consegui entender que Thomas
não queria contar o motivo por
estarmos presentes no momento
do acidente. Ele contou que
como estávamos morando
temporariamente em Nova York,
e Anna tinha acabado de se
mudar, tínhamos combinado um
encontro entre amigos.
Era estranho para um dia de
semana, mas como eu e Thomas
fazíamos parte do mundo das
estrelas, o delegado aceitou com
naturalidade um encontro entre
amigos, quando normalmente
625
deveríamos estar trabalhando.
Como se não fosse possível para
outros profissionais uma situação
como aquela.
Eu e Mia confirmamos a sua
versão e logo após a chegada de
Raffaello, advogado de Thomas
e nosso amigo, fomos liberados.
Eu estava tão chocada que não
compreendia as minhas atitudes,
nem
as dos outros. Thomas estava ao
meu lado o tempo todo,
segurando a minha mão, ou me
abraçando
para me dar suporte e às vezes
sussurrando em meu ouvido que
tudo ficaria bem.
626
- Droga! A frente da delegacia
está repleta de repórteres – ele
comentou com Raffaello. Meus
joelhos tremeram. Tudo o que eu
menos queria era estar no meio
daquele turbilhão.
- Tudo bem. O carro está logo a
frente. Vamos sair e p assar
direto por eles. Teremos o apoio
da polícia e Eric já está nos
aguardando.
A nossa saída da delegacia foi
ainda pior do que a chegada. Os
repórteres espremiam por uma
notícia. Os fleches praticamente
nos cegavam. Eu andava
lentamente com Thomas ao meu
lado me
627
segurando pelo ombro tentando
me manter o mais próxima
possível dele. Eric tentava
controlar os
repórteres, porém a cena era de
um caos total.
Quando estávamos nos
aproximando do carro uma
repórter conseguiu nos
interceptar. Ela era
alta, cabelos castanhos, e muito
magra. Seu nariz era
perfeitamente fino e empinado, o
que lhe dava
um ar de arrogância,
provavelmente uma das suas
maiores características.

628
- Thomas e Cathy, depois de
tanto tempo separados o que
estavam fazendo juntos em uma
situação tão inesperada quanto
esta? – Olhei para ela assustada.
Até o momento nunca tínhamos
dado
nenhuma declaração sobre a
nossa separação, nem nenhuma
matéria havia saído sobre este
assunto.
Como ela poderia saber?
- Como? – Não conseguia me
sintonizar.
- Podemos entender este
reencontro como um retorno?
Devemos esquecer os boatos de
uma
629
suposta traição, ou vocês
superaram isso, juntos?
- Desculpe, mas você está sendo
inconveniente. Cathy acabou de
perder uma amiga de forma
brusca e violenta. Respeite a dor
dela, por favor! – Me sobressaltei
com Thomas falando com a
repórter. Não era o que ele
costumava fazer. Normalmente
não fazíamos declarações sobre
nossa
vida pessoal. Mas ele foi
educado, contudo era perceptível
que estava à beira de deixar de
ser. Não
foi o suficiente para a repórter.

630
- Cathy, você poderia nos dizer o
motivo da tão inesperada
separação de vocês?
- Cathy não tem nada a dizer –
Thomas enfim perdeu a
paciência que fingia ter. – Uma
mulher
foi brutalmente atropelada e você
está preocupada com fofocas
que nada têm a ver com o que
aconteceu? – Eric segurou em
seu braço forçando-o a recuar.
Thomas obedeceu
imediatamente. –
Não temos nada a declarar! –
Falou alto para que todos
pudessem ouvir, e segurando
minha mão, me
631
puxou para entrar no carro.
Mia conseguiu ligar para Henry
que ficou de se encontrar com
ela. Com tanto nervosismo nem
tive como entender exatamente
para onde estávamos indo. Eu
apenas pensava em de que
forma
aquela repórter teve acesso a
aquelas informações? Se
Thomas não estava trabalhando
quando nos
separamos e se não tínhamos
declarado nada, como ela soube
da separação e principalmente
da
traição? Minha mente formulava
tantas perguntas que acabei
632
sendo surpreendida no momento
em que
Dyo abriu a porta e me abraçou
com carinho. Em seguida seus
braços foram substituídos pelos
do
Kendel, depois Maurício. Henry
se limitou a afagar meus ombros
e depois puxou Mia para um
abraço confortador.
Sem muito controle dos meus
atos, fui conduzida ao interior do
apartamento que antes era a
minha casa. Sentei no sofá que
ficava de frente para a escada
que dava acesso ao andar
superior,

633
onde ficava o nosso quarto, onde
tudo aconteceu.
Baixei a cabeça tentando de
alguma forma expulsar os meus
pensamentos. Era praticamente
impossível não me lembrar do
dia em que subi até o nosso
quarto e o encontrei enroscado
com a
minha amiga. Naquele dia minha
vida parou e nunca mais
consegui recomeçar, porque
independente
do rumo que eu escolhesse
seguir, a minha vida continuava
suspensa no ar, como se
estivesse

634
aguardando o momento de
continuar e não recomeçar.
Nunca recomeçar.
A pior parte não era saber da
traição, nem a falta que a pessoa
fazia, ou a tristeza por um fim
tão drástico, mas a incapacidade
de sair da porta do nosso quarto,
de dar apenas um passo. Eu não
conseguia. Todos os dias que se
passaram foram incapazes de
me tirar daquela porta, incapazes
de
me fazer deixar de ver o que
tinha visto, mesmo quando meus
olhos estavam fechados.
- Você quer alguma coisa? Quer
subir e tomar um banho?
635
Ouvi Thomas falando comigo,
mas não conseguia olhar em sua
direção. Meus olhos estavam
fixos na escada a minha frente.
Presos ao meu passado. Eu
podia ouvir as pessoas
conversando na
sala mesmo sem entender nada
do que diziam.
- Cathy? – Chamou-me ficando a
minha frente para ocupar o meu
campo de visão. Só então
percebi que chorava. Thomas se
abaixou segurando em meus
joelhos. – Quer descansar um
pouco? –

636
Passou gentilmente a mão em
meus cabelos. – Podemos
subir...
Levantei procurando minha
amiga que já me olhava
aguardando por minha reação.
Fui em sua
direção, determinada.
- Tenho que ir embora, Mia. Se
você quiser pode ficar, mas eu
vou para casa agora – ela já
estava de pé antes mesmo de eu
lhe dar esta opção.
- Cathy? Espere um pouco – Dyo
colocou a mão em meu ombro.
Olhei espantada para o meu
amigo. Aquela casa estava me
sufocando. Não me deixava
637
respirar. - Você está muito
abalada,
descanse um pouco, como
Thomas sugeriu.
- Não posso, Dyo. Não tenho
condições de ficar nesta casa e
muito menos de entrar naquele
quarto – eu sabia que um
turbilhão de emoções estava
travando uma batalha dentro de
mim e que
explodiria a qualquer momento.
Podia sentir minha necessidade
explodir, mas não naquela casa e
definitivamente não com Thomas
ao meu lado. - Vou para a minha
casa e descansarei lá.

638
- Espere, Cathy. Por favor! –
Thomas se adiantou postando-se
na minha frente. – Vamos
conversar, não vá embora – me
afastei impedindo-o de me tocar.
No estado em que eu me
encontrava, permitir seus toques
causaria um estrago. Não era o
ideal antes de precisar tomar
uma
decisão.
- Você me pediu um dia ,
Thomas. Eu te dei e de nada
adiantou. Anna está morta e você
não
tem mais como modificar esta
história.

639
Fiquei triste com a constatação.
Algumas horas acreditando que
minha tristeza teria um fim,
que a felicidade estava bem
próxima, tinham causado em
mim um abalo imensurável. A
certeza de
que tudo estava perdido só fazia
com que meu corpo desistisse de
continuar lutando para
permanecer
vivo. Meu coração não queria
mais bater. Meus pulmões não
conseguiam mais respirar. Eu
sufocava
com a infelicidade que ocupava
cada célula do meu corpo. Minha
única vontade era fugir.
640
- Me deixe em paz! Eu tenho o
direito de recomeçar minha vida,
ao menos até o ponto em que
seja possível.
- Para recomeçar você precisa
finalizar o que ficou para trás, e
nem eu nem você conseguimos
fazer isso – Thomas não se
importou com o fato de estarmos
na frente de nossos amigos. Ele
agia
com emoção e sofrimento. –
Sabe por quê? Não existe um fim
para nós dois, então não existe
recomeço. Vamos ficar parados
no tempo, eu e você, porque
nunca conseguiremos avançar. É
isso o
641
que você quer? – Mais uma vez
ele expressava em palavras o
que secretamente eu sentia.
Éramos
sincronizados. Tal constatação
só me trouxe mais dor.
- Eu não sei o que quero, porém
tenho certeza do que não quero
mais – todos fizeram silêncio
na sala. Encaramo-nos até
desistir daquele embate.
Abracei meus amigos, sentida
demais por reencontrá-los em
circunstâncias tão terríveis, e fui
embora com Mia e Henry para
minha casa.
Assim que cheguei fui para o
quarto procurar consolo em
642
minha cama. Lá eu chorei por
todas
as minhas tristezas. Chorei por
Anna, por toda a dor que ela me
causou e também pela sua morte
tão
violenta. Não conseguia
esquecer o pânico em seu rosto
quando percebeu o que o carro
faria. Aquela
seria mais uma imagem que
ficaria arquivada na minha
memória na pasta “eternos”.
Não pude deixar de chorar pela
esperança morta junto com Anna
naquele acidente. No fundo
eu queria muito ouvir que
Thomas estava falando a
643
verdade, que ela fora má o
suficiente para
protagonizar um horror daqueles
em minha vida. Nas horas que se
passaram depois do meu
reencontro com Thomas, a
esperança tinha renascido em
meu peito me impulsionando de
volta para
os braços dele, mas depois de
tudo nada mais seria possível.
Apenas quando toda a minha dor
tinha sido derramada em forma
de lágrimas, me lembrei de
que precisaria ligar para Roger e
me justificar. Melhor, precisava
contar a ele tudo o que
aconteceu.
644
Nada mais justo do que a
verdade para uma pessoa que
estava lutando para me fazer o
melhor. Tomei
coragem e disquei o número do
escritório.
- Roger Turner.
- Roger...
- Cathy! Querida, eu estava tão
preocupado com você, não liguei
porque... Bem, não achei
conveniente, depois
conversaremos sobre este
detalhe. Como você está? Eu
sinto tanto.
- Você já sabe? Como? – De que
forma ele soube do acidente?
Então ele também sabia que eu
645
estava com Thomas. No mesmo
instante em que constatei este
fato fiquei envergonhada pela
minha
traição.
- Está em todas as páginas da
internet e noticiado em todos os
telejornais. Foi um acidente
terrível! – Fotógrafos e
repórteres. Claro! Eu devia
imaginar que poderia acontecer.
– Como está se
sentindo?
- Péssima! Você poderia vir aqui?
- Claro. Chegarei em alguns
minutos.

646
Desliguei e fui ver como Mia
estava. Encontrei Henry sentado
na cama dela observando-a
dormir.
- Como ela está?
- Tão mal quanto você. Por que
não descansa um pouco?
- Roger está vindo para cá. Vou
aguardá-lo, depois posso
descansar. Quando ela acordar
peça
para me chamar, tá?
- Ok!
Fiquei em meu quarto até Roger
chegar. Ele entrou e me abraçou
forte. Pela primeira vez eu
me senti bem em seus braços,
com certeza devido à segurança
647
que sentia quando estava com
ele.
Ficamos abraçados enquanto eu
chorava. Quando nos afastamos
ele não me beijou como vinha
fazendo, apenas afagou meus
ombros.
- Então, como tudo aconteceu? –
Demonstrou mais interesse na
morte da Anna do que nas fotos
minhas com Thomas, no local do
acidente.
- É uma longa história – suspirei
entrelaçando meus dedos.
Estava envergonhada pelo que
tinha feito.
- Eu tenho tempo – sorriu de
maneira confortante.
648
- Tudo bem. Começou ontem à
noite...
Contei a ele tudo, desde o
momento em que ele tinha saído
do meu apartamento e Thomas
aparecido. Omiti a parte de que
tínhamos feito amor. Ele não
precisava desta decepção.
Relatei toda
a história que meus amigos
acreditavam ser verdadeira e o
motivo para nos encontrarmos
com Anna.
Depois falei do acidente e
desabafei sobre como me sentia
em relação ao fato.

649
- Muita informação para poucas
horas – Roger olhava através da
minha janela para o céu
cinzento que insistia em deixar a
chuva cair. – Como você se
sentiu estando com Thomas
depois de
tanto tempo?
- Não sei o que dizer. Acho que
de diversas formas, mas a ideia
de continuar separada não
mudou para mim – ele sorriu.
Eu me senti péssima com mais
aquela mentira. Como contaria a
ele que durante algumas horas
esperei ansiosamente para poder
estar com Thomas e esquecer
tudo o que tinha acontecido.
650
- Ao menos por hora –
acrescentei vendo o seu sorriso
se desfazer devagar.
- Mas você acreditou no que ele
te disse – afirmou me fazendo
concordar.
- Não foi exatamente acreditar,
eu analisei os fatos, como todos
os outros e existe uma grande
chance de ser realmente
verdade, ou existia, já que Anna
não pode mais confirmar nada –
passei as
mãos nos meus cabelos
puxando-os para trás. Queria, de
alguma forma, arrancar as
imagens de Anna
morta, da minha mente.
651
- Cathy, não sei o que você
gostaria ouvir de mim. Acredito
que por estar de fora da situação
tenho uma perspectiva melhor
que você ou Mia, já que você
confia muito nela. Não tenho
dúvidas de
que Thomas bebe mais do que
bebeu naquele dia, também não
duvido nada de que tenha fingido
uma
embriaguez para levar Anna para
cama. Você conhece o passado
dele muito bem e sabe do que
ele já
foi capaz de fazer. Além disso,
Anna era um inconveniente para

652
você já há algum tempo, com
toda
sua agressividade gratuita.
Naquela noite acho que os dois
se juntaram para de alguma
forma te dar
um troco.
À medida que ele ia falando eu
me encolhia mais na cama. Será
que ele tinha razão? Seria
possível? Roger passou
carinhosamente a mão em meu
rosto.
- Acredito que ele te ama. Do
contrário não estaria buscando
formas de ter você de volta,

653
porém não acredito que ele saiba
amar e isso faz toda a diferença,
porque você não vai ser feliz.
Anna foi o primeiro passo. Vocês
continuarão discordando um do
outro e quando brigarem outra
vez
ele terá a mesma desculpa para
a próxima garota que levar para
a cama – fechei meus olhos para
não
deixar as lágrimas caírem, mas
foi inútil. – Cathy, eu gostaria
muito de poder te ajudar. Se eu
conseguisse enxergar o mínimo
de verdade na história dele, seria
o primeiro a tentar comprová-la,

654
mesmo que isso significasse te
perder novamente, mas não
existe e eu não quero te ver tão
triste.
Eu tinha certeza de que Roger
faria aquilo. Ele abriria mão de
mim mais uma vez para que eu
pudesse ser feliz. Ele era a
pessoa perfeita para mim, então
por que eu não conseguia amá-
lo?
- Obrigada!
- Não me agradeça. Eu sou seu
fiel servo. Agora descanse um
pouco e não se preocupe, eu vou
ficar aqui, velando sono para
espantar qualquer monstro que
apareça para te assombrar.
655
Eu me sentia tão grata pela sua
amizade que o beijei. Foi um
beijo leve e carinhoso, mas que,
mais uma vez, não provocou
nenhuma reação em meu corpo.
Deitei na cama, e como um
passe de
mágica, dormi um sono sem
sonhos e sem Thomas. Não
pensaria nele, nem no que
aconteceu.
Capítulo 16
Esperar, Esperar E Esperar
VISÃO DE THOMAS
Uma semana sem ver ou falar
com Cathy.

656
Eu tentava ser paciente, mas
estava ficando cada vez pior,
principalmente depois da nossa
noite, no dia em que nos
reencontramos. Não conseguia
acreditar que ela não me queria
mais, mesmo
tendo ouvido da própria Cathy,
era impossível acreditar. Quando
estávamos fazendo amor, ela
disse
que me amava, eu senti que era
real e creditei que seria o
suficiente para voltarmos,
infelizmente foi
apenas uma ilusão do momento.

657
Após a morte da Anna, cheguei a
acreditar que realmente nada
mais poderia ser feito, mas
bastou ela sair de nosso
apartamento dizendo não me
querer mais para que minha
cabeça começasse
a trabalhar em outra forma de lhe
provar a verdade.
No dia seguinte, todos os jornais
noticiavam a história. Eu e Cathy
estávamos em todos os
meios de comunicação. Devo
admitir que fiquei feliz por
estarmos juntos outra vez,
mesmo que fosse
para a mídia, o que com certeza
chegaria aos olhos e ouvidos do
658
Roger. Ele saberia que ela
estava
comigo e perceberia que éramos
mais fortes do que ele podia
imaginar.
No entanto uma única matéria
chamou minha atenção. Era de
um jornal sensacionalista e a
pessoa que a assinava era
Adriana Baer. Pela foto consegui
identificar a repórter
inconveniente que
tinha abordado Cathy. Meu
coração acelerou. Ela descrevia
a cena por outra ótica, na
verdade muito

659
pouco falava do ocorrido. A
matéria descrevia a forma como
eu e Cathy nos comportamos,
confirmava a separação, através
de uma fonte segura, levantava a
hipótese de uma traição e para
finalizar, uma foto da mão de
Cathy sem a aliança, que
fechava a matéria com chave de
ouro.
Droga!
Eu precisava correr atrás do
prejuízo. Se aquela matéria
ganhasse repercussão seria
ainda
mais difícil convencer Cathy da
minha inocência. Se a repórter
confirmasse o motivo da nossa
660
separação e noticiasse, Cathy
nunca me perdoaria.
Existia mais um problema: Anna
não havia sofrido um acidente.
Ela foi assassinada, esta ideia
martelava em minha cabeça sem
me dar sossego. Mas eu ainda
não podia expor minha teoria,
principalmente porque se ela foi
realmente assassinada, havia
alguém muito perigoso por trás
de
tudo, como ela mesmo afirmara.
Do contrário, porque matá-la?
Alguém não queria que Cathy
descobrisse a verdade, ou que
eu conseguisse comprová-la.
Esse
661
foi o único motivo para eu
concordar esperar pelas provas e
assim voltar a procurá-la. Se
Cathy não
podia saber a verdade, eu teria
que esconder dela as outras
possibilidades de trazer toda a
história à
tona.
- Amanhã encontraremos o
garçom, Thomas. Pode ser que
ele tenha algo interessante para
nos
contar.
- Se ele confirmar o que penso,
saio de lá direto para a polícia e
termino de vez com esta
história.
662
- Primeiro você terá que
convencê-lo a depor, porque a
polícia não vai acreditar em você
sem
as devidas provas. Além do mais,
nem sabemos a quem estamos
acusando.
- Não sabemos ainda. E se Anna
foi realmente assassinada, todos
nós corremos o mesmo
risco. É trabalho da polícia nos
proteger de quem quer que
esteja por trás disso tudo – Dyo
estava
receoso.
- Então vamos pensar em uma
coisa de cada vez, meu caro.
Primeiro conversaremos com o
663
rapaz, como é mesmo o nome
dele? – Perguntou a Kendel que
acompanhava a conversa sem
acrescentar nada.
- Mário, eu acho, tenho que ver o
cartão para confirmar.
Kendel levantou em busca do
cartão que o rapaz entregara a
ele no dia em que fomos ao bar
em busca de mais informações.
Quando voltou entregou a Dyo
que confirmou o nome e se
adiantou
para ligar para o rapaz e agendar
o nosso encontro. Enquanto ele
se concentrava nesta atividade,
Kendel me olhava como se
estivesse planejando algo.
664
- Fala logo de uma vez. Não
estou com paciência para
besteiras, Kendel.
- Eu só estava pensando que
precisamos de um plano para
manter Cathy longe do Roger –
estremeci só de ouvir o nome
dele associado ao de Cathy. Era
verdade. Ela disse ter certeza de
não
me querer mais, então, com
certeza seguiria em frente com
aquela história absurda de
namorar o
“almofadinha”.
- Eles trabalham juntos, como
vamos fazer isso?

665
- Já pensei nisso. Cathy é muito
profissional, não acredito que
deixe o carinha se aproximar
enquanto estão no trabalho. O
problema é quando eles saírem
de lá.
- Ela não quer ver a minha cara,
Kendel. Se eu aparecer acho até
que piora a situação.
- Você não vai aparecer. Nós
faremos isso por você – riu com
vontade enquanto eu tentava
entender aonde ele queria
chegar. – É o seguinte: pensei
que hoje eu posso aparecer na
casa dela
dizendo-me preocupado. Aí fico
por lá até o cara cansar e ir
666
embora. Amanhã o Dyo pode
fazer a
mesma coisa, acredito que a
própria Mia vai ajudar.
Ergueu uma sobrancelha com a
cara de quem tinha descoberto a
pólvora. Aquele plano era
uma idiotice, porém uma ótima
idiotice e com certeza
conseguiria atrapalhar o
relacionamento deles
por um tempo. Eu precisava ser
rápido.
- Só precisamos de alguns dias
mesmo. Logo teremos toda a
verdade confirmada e você

667
poderá voltar a correr atrás da
sua Cathy – revirou os olhos
sendo irônico.
Dyo voltou para a sala
confirmando o encontro com
Mário e o local, um restaurante
próximo a
minha casa. Que conveniente!
Após acertarmos todos os
detalhes, Kendel saiu para
cumprir com a sua parte do
plano. Fiquei
aliviado, ele era inconveniente o
suficiente para impedir qualquer
aproximação do Roger. Mas eu
não podia ficar em casa de
braços cruzados, por isso assim

668
que Dyo saiu para se encontra
com
Maurício, peguei a chave do
carro, a carteira e fui para a casa
da Cathy.
Estacionei no início da rua, de
onde eu conseguia ver quem
entrava e saia do prédio, além da
luz da sala e dos quartos do
apartamento dela. Uma pena era
não conseguir ver nada do lado
de
dentro.
Fiquei dentro do carro com as
luzes apagadas para não chamar
atenção, aguardando alguma
novidade. Após um longo tempo
de marasmo, ansiedade e
669
impaciência, vi o que mais
queria: Roger
saindo em direção ao seu carro.
Aguardei mais vinte e cinco
minutos até Kendel saísse
também.
Gargalhei sozinho. Kendel tinha
conseguido. Esperei mais dez
minutos, até que pude vê-la
próxima à
janela e logo depois as luzes da
casa sendo apagadas.
Liguei o carro e fui satisfeito para
casa.
***
Estávamos no restaurante
aguardando Mário que estava

670
atrasado quase uma hora. Dyo
tinha
ido na casa da Cathy representar
o papel de amigo preocupado.
Pelo visto o plano não era tão
ridículo assim.
Eu já estava disposto a ir
embora, pois queria voltar à rua
dela para me certificar de que
tudo
estava saindo como planejado,
quando Mário entrou
envergonhado.
- Boa noite! Desculpem pela
demora – puxou uma cadeira e
sentou entre mim e Kendel, que
fazia cara de malvado
intimidando o rapaz. – Fiquei um
671
pouco preocupado com a minha
segurança.
Vi a garota nos jornais. Ela foi
atropelada, não foi? Vocês
estavam lá. Não sei o que pensar
– ele
sabia que corria risco de vida.
Um frio repentino me assolou.
- Não se preocupe, Mário,
estamos aqui para descobrir a
verdade, mas não vamos nos
esquecer de você.
- Eu não sei muita coisa –
começou a falar rapidamente
enquanto olhava para os lados,
visivelmente transtornado. -
Apenas sei que ela entrou no bar

672
e um rapaz que a acompanhava
ficou do
lado de fora, bem na porta,
impedindo o acesso. A princípio
eu pensei ser um assalto, mas a
garota
era linda, e sorria amavelmente...
Até piscou para mim – deixou
seu olhar cair para suas mãos
em
uma demonstração de embaraço.
- Aí ela conversou com você, que
aparentemente estava bem. Um
pouco cabisbaixo e com cara de
poucos amigos, abalado por
algum problema, mas não
bêbado. Após

673
alguns minutos você saiu e
quando voltou já estava agindo
como um bêbedo. Achei estranho
porque
da forma como você estava seria
necessário uma garrafa inteira de
uísque. Eu quis ajudar a te levar,
porém ela me entregou duas
notas de cem, avisando para não
me preocupar porque era apenas
uma
brincadeira entre amigos e que
era a sua despedida de solteiro.
Acho que você não se lembra
disso
não é?

674
- Não. Com certeza não – cerrei
os dentes com raiva. Era mesmo
uma armação. Só
precisávamos descobrir o motivo.
- O rapaz que aguardava do lado
de fora ajudou a te colocar no
carro e foi dirigindo. Foi só o
que vi. Garanto a vocês que não
sei de mais nada – eu realmente
devia estar muito mal. Nas
minhas
lembranças Anna havia dirigido o
carro.
- É o suficiente, Mário. Obrigado!
– Busquei em meu bolso o
dinheiro que tinha separado para

675
pagar pela informação, mas
Kendel fez sinal para que eu não
me precipitasse.
- Diga-me uma coisa, Mário:
como era o cara que estava com
Anna naquela noite?
- Apenas o vi pelo vidro da porta.
Ele era alto, branco, cabelo bem
baixo e um cavanhaque.
Não sei ao certo, já faz muito
tempo. Ah, sim! Ele tinha
tatuagens pelo corpo, uma subia
por seu
pescoço como as garras de um
leão – olhei para Kendel
confirmando ser o mesmo
homem que esteve

676
no apartamento da Anna no dia
em que fui encontrá-la.
- E você reconheceria este
homem se o visse outra vez? -
Kendel continuou fechando as
pontas
daquele mistério.
- Sim, claro! É difícil não
reconhecer uma tatuagem como
aquela.
- Ótimo! Vamos precisar que diga
isso à polícia.
- Ah, cara, não! Por favor, eu não
posso me envolver, já tive
problemas com a polícia, não
posso voltar a ter.

677
- Que espécie de problemas? –
Perguntei curioso. Mário era alto,
muito magro e não
aparentava nenhuma ameaça a
sociedade.
- Agressão a minha ex- mulher –
admitiu timidamente. – Ela
provocou, não sou violento –
Kendel deu risada, na certa
pensando na diferença de massa
corporal entre os dois.
- Você será apenas uma
testemunha e acredito que
poderá inclusive ajudar no caso
do
assassinato da Anna – tentei
fazê-lo entender que não haveria

678
problema, contudo acabei
piorando as
coisas.
- Assassinato? Não foi um
acidente? Galera não quero fazer
parte disso. A única coisa que
quero é ficar longe de confusão –
eu precisava agir ou então ele
estaria perdido também.
- Eles vão te matar de uma forma
ou de outra. Pelo que entendi,
esses caras não querem que a
verdade seja descoberta e estão
apagando as testemunhas. Você
é a última. Eles o matam e
pronto,
ninguém descobrirá o que
realmente aconteceu – vi seus
679
olhos ficarem arregalados e sua
boca abrir.
Ele não sabia o que dizer nem
como agir. Passou a respirar com
mais dificuldade. Quase tive
pena.
- Mas nós podemos te ajudar –
Kendel alimentou o meu
argumento. – Vamos fazer o
seguinte:
você nos acompanha até a
delegacia e conta tudo o que
sabe ao delegado, aí nós te
damos uma boa
quantidade de dinheiro e você
some no mundo. Ninguém vai te
encontrar. O que acha?

680
O garçom ficou imóvel pensando
no que deveria fazer. Não havia
mais nenhuma alternativa
para ele. Assustado do jeito
como estava, com certeza
aceitaria a nossa proposta.
- Quanto? – Olhou diretamente
para mim. – Quanto você vai me
dar?
- Qual a sua proposta? –
Perguntei displicente. Mais uma
vez ele pareceu pensar.
- Trezentos... Não... Quinhentos
mil dólares. Espere... Seiscentos
mil. É isso! – Quase dei
risada com sua proposta. Como
ele era ingênuo em acreditar que

681
aquela quantia o manteria a
salvo
de quem quer que fosse que
estava tentando me manter longe
da Cathy.
- Um milhão de dólares, mas
você tem que contar tudo a
polícia – cruzei os braços no
peito
assistindo-o ficar espantado com
a quantia. Eu queria acabar logo
com aquela conversa e correr
para
a rua de Cathy.
- Então vamos agora – Kendel
chamou o garçom para fechar a
conta que constava apenas

682
algumas bebidas que não
tínhamos consumido e ainda
degelavam sobre a mesa.
- Não! – Mário o interrompeu,
completamente apavorado. –
Preciso pensar em como vou
fazer, para onde vou, o que
posso dizer...
- Você pretende fugir, Mário? –
Sem querer fui completamente
ameaçador.
- Não. Juro! Pelo visto só tenho
vocês para me ajudar. Eu vou
fazer o que combinamos, antes
preciso decidir o que vai ser da
minha vida.

683
Não restava mais nada a ser
feito. Tínhamos combinado com
Eric para segui-lo e descobrir
com quem ele falaria e,
principalmente, como
poderíamos encontrá-lo, caso
resolvesse desaparecer.
Não podíamos simplesmente
arrastá-lo para a delegacia. Era
uma situação delicada.
Despedimo-nos na porta do
restaurante e vi quando Eric
começou a seguir a nossa
testemunha,
sem chamar sua atenção. Fiquei
mais aliviado.

684
Deixei Kendel em casa, depois
dirigi como um louco para a rua
de Cathy, parei o carro no
mesmo lugar e fiquei
aguardando. Não sabia se Dyo já
havia ido embora, ele não
gostava de invadir
a intimidade das pessoas, mas
concordara em cooperar. Até Mia
iria ajudar.
Olhei para cima constatando que
as luzes ainda estavam acesas.
Encostei-me ao banco do
carro refletindo sobre aquela
loucura toda. O que Cathy diria
se descobrisse o que armamos?
Acabei
pegando no sono.
685
Fui acordado com uma batida
forte na janela do carro. No
primeiro instante fiquei tão
assustado que não conseguir
distinguir quem estava do outro
lado, depois reconheci Dyo que
ria sem
parar da minha cara de
assustado. Abri a porta do
carona e ele entrou rindo.
- Vai montar guarda aqui todos
os dias? – Não respondi.
Independente do que ele me
dissesse
eu não iria mudar a decisão. –
Deu tudo certo. Você precisava
ter visto a cara do Roger quando

686
apareci. A parte boa é que eu e
Cathy sempre temos muitos
assuntos e acabamos tornando a
noite
chata para ele. Não sei como vai
ser amanhã com Mia.
- Ele foi embora logo?
- Sim. No mesmo instante em
que percebeu que não
terminaríamos a conversa tão
cedo.
- E por que você ficou até agora?
Está bem tarde.
- Como disse: eu e Cathy sempre
temos muitos assuntos para
conversar.
- E algum assunto foi relacionado
a mim?
687
- Assuntos de amigas. Deixe de
ser curioso, Thomas – rimos. A
noite tinha me deixado com
ótimo humor. Parecia que tudo
caminhava para o seu devido
lugar.
- Ela falou alguma coisa?
- Roger conseguiu colocar um
monte de merdas na cabeça
dela, deixando-a convicta de que
sua teoria é falsa, no entanto eu
acho que fiz um bom trabalho
hoje. Conversamos bastante
sobre as
possibilidades e acredito que
consegui reverter a situação.
- Dyo você merece um beijo!

688
- Vou cobrar na hora certa. Pode
deixar.
Voltamos para casa. Meu
coração repleto de felicidade e
esperança. No outro dia seria
Mia a
enrolar Cathy. A mim bastava
apenas acreditar que daria tudo
certo.
No dia seguinte liguei para Mário
para acertamos os detalhes. Ele
parecia mais amedrontado
do que na noite passada.
- Não podemos fazer como vocês
querem. Analisei a situação e
acho que a polícia só vai me
atrapalhar. Se eu testemunhar,
terei que permanecer na cidade
689
até que tudo acabe e não posso
fazer
isso. Tenho que fugir o mais
rápido possível. Não posso ficar
esperando eles me encontrarem,
cara.
Tenho realmente que
desaparecer. Nem vou ao
trabalho hoje, acho que não vou
mais. Se eles fizeram
o que fizeram com a garota,
imagine o que farão comigo.
- Calma, Mário! A polícia pode
incluir você no Programa de
Proteção a Testemunha, vai dar
tudo certo.

690
- Certo para você que é famoso e
que pode comprar a segurança
que precisa. Eu não sou nada
além de um fracassado que tem
ficha suja por ter perdido a
cabeça e batido na mulher.
- Vamos fazer o seguinte: Eu
preciso que você conte o que
sabe a uma pessoa. Não vai ser
como eu quero, mas com certeza
jê é o suficiente.
- É para algum policial?
- Não. Para minha noiva – ele riu
do outro lado da linha.
- Sem problema. Eu vou livrar a
sua cara, mas preciso do
dinheiro que combinamos porque
partirei logo após a conversa.
691
- Estamos acertados então. Só
que preciso combinar uma forma
de te fazer chagar até ela. Eu
ligo para dizer como vai ser.
Desliguei o telefone e chamei
Dyo e Kendel para explicar as
mudanças em nossos planos.
Minha cabeça fervilhava. Tudo
parecia transmutar a cada
segundo. Nada era uma
constante.
- Sem o testemunho dele não
teremos como pegar quem está
por trás de tudo – Dyo reprovou o
meu acordo com Mário.
- Era pegar ou largar, Dyo. Ele
disse que não iria à polícia. Eu
prefiro que pelo menos ele
692
conte a Cathy o que viu.
- E como vamos fazer para a
Cathy conversar com ele? Ela
nem quer mais saber desta
história
– Kendel alertou.
- Deixem que desta parte eu
cuido. Depois do que conversei
com ela ontem ficará mais fácil –
Dyo estava confiante, o que me
fez relaxar. O importante era que
Cathy ouvisse o que Mário tinha
a
dizer.
- Então verifique em que dia
poderemos fazer, para que eu
possa marcar com Mário.
- Vou ligar para ela agora.
693
Respirei fundo. A sensação de
eu tudo caminhava para o seu
devido lugar me invadia. Não
tinha como dar errado. Teria
apenas que contar os minutos
para ter Cathy outra vez comigo.
Meu
coração batia forte acelerando a
minha pulsação. Pensei nela com
tanta intensidade que quase
podia
sentir a textura da sua pele na
minha e o gosto dos seus lábios.
Como eu a amava!
Dyo demorou bastante
conversando com Cathy,
deixando-me impaciente.
Levantei, comecei a
694
andar de um lado para o outro e
fumei um cigarro. Aquela
ansiedade me mataria. Quando
meu amigo
desligou, eu praticamente pulei
em cima dele.
- Ela topou?
- Tive que enrolar bastante. Se
eu dissesse que iríamos visitar
uma pessoa que contaria a
verdade a ela, com certeza Cathy
recuaria, então marquei um
jantar entre amigas, onde você
vai
aparecer do nada com Mário.
- Ótimo! E quando será?

695
- Esse é o problema. Ela e Mia
estão embarcando amanhã cedo
para o enterro de Anna. Vai
ser uma viagem rápida e elas
pretendem estar de volta no dia
seguinte. Mas Cathy já havia
combinado um encontro com Mia
e Henry, e Roger vai junto, para
variar. Então por estes dias não
vai ser possível.
- Então hoje, Dyo.
- Ela tem uma reunião com a
diretoria do grupo. Sam vai estar
aqui. Foi por isso que Mia
marcou o encontro deles para
depois– “menos mal” pensei.
Com Sam presente não sobraria
muito
696
espaço para Roger. Mesmo
assim eu checaria de perto.
- Então vocês combinaram para
quando?
- No dia seguinte a saída dela
com Mia. Cathy disse que vai sair
do trabalho e me encontrar. A
melhor parte é que Roger vai
viajar a trabalho, no dia em que
marcamos, então ela não vai
precisar
de babá por uma semana inteira.
- Ótimo! – Respondi secamente.
Toda a minha animação se
esvaiu.
Eu pensava em horas para que
tudo estivesse resolvido, depois
daquela notícia, estas se
697
transformaram em dias. A
frustração era quase palpável.
Liguei para Mário, combinando o
encontro. Não foi muito fácil. O
cara estava aterrorizado.
Saber que teríamos que
aguardar mais alguns dias o
deixou temeroso. Receava pela
própria vida.
Como não havia outra solução,
ele disse que ficaria trancado em
casa até o dia do encontro. Achei
bom o medo dele, ao menos o
impediria de fugir com a minha
verdade.
Com Roger fora de cena seria
mais fácil convencer Cathy que o
nosso amor ainda valia à
698
pena. Que se tudo foi uma
mentira, não havia motivo para
estarmos separados. Ela
concordaria
comigo, eu tinha certeza disso. O
que sentíamos era forte demais e
eu sabia tanto quanto ela, que
não
suportaríamos mais muito tempo
separados. Naquele momento,
infelizmente, só me restava
esperar.
Liguei para Mia, confirmando que
as duas iriam ao enterro, em Los
Angeles. Consegui também
a informação de que Roger não
iria com elas. Seria a minha
grande oportunidade.
699
Precisava ter cuidado, pois não
seria fácil fazer Cathy entender a
minha presença. Conversei
com Dyo, que concordou em me
acompanhar até Los Angeles.
Meu amigo me alertou que Cathy
poderia não interpretar de forma
correta o meu aparecimento ao
enterro da Anna.
Pensei melhor e decidi que não
iria ao enterro, tentaria uma
conversa com Cathy aos este
evento. Tinha que ser lá, em
nossa casa, onde tudo começou,
onde éramos fortes.
Fomos para Los Angeles em um
avião fretado. Seria mais fácil
sem chamar a atenção das
700
pessoas que estavam no
aeroporto, muito menos dos
repórteres que com certeza
aguardariam pela
nossa presença no enterro.
Voltei para a minha casa, que
mais do que nunca me parecia
imensa. A presença de Cathy era
muito forte nela. A mulher que eu
amava tinha preenchido todo o
seu espaço. Depois de nosso
reencontro eu não conseguiria
ficar mais tanto tempo afastado.
Deixei minha mala no quarto,
tomei um banho rápido e troquei
de roupa. Quando voltei à sala
Dyo ainda não estava lá. Sentei
no sofá, aguardando-o enquanto
701
esquematizava tudo o que
pretendia
fazer. Não iria ao enterro, mas
iria ao encontro de Cathy tão
logo tudo acabasse. Quando
meu amigo
chegou, eu já tinha tudo
planejado. Era só aguardar por
elas duas.
Capítulo 17
Outra Vez... Thomas.
VISÃO DE CATHY
Thomas tinha aceitado a minha
distância, ao menos não estava
me impondo a sua vontade na
semana após a morte de Anna.
Eu sabia que ele não tinha

702
aceitado realmente, apenas
estava querendo
fazer as coisas de maneira a me
dar espaço.
No primeiro dia após a morte de
Anna, fui para o trabalho, com
Roger, que tinha passado para
me buscar, como sempre fazia.
Antes combinei com Mia que
deveríamos ir ao enterro. Ela
ficou
surpresa com a minha decisão, e
realmente era uma surpresa,
levando-se em conta as
circunstâncias.
Seria mais fácil para uma pessoa
traída se a responsável pela

703
traição não estivesse mais
presente,
mas eu não conseguia pensar
desta forma. Lamentava a morte
de Anna.
Tinha determinado que de mim,
ela não precisaria levar mágoas
ou rancor, muito menos voltar
por perdão, como dizem que
acontece com os espíritos que
partem devendo muito. A vida
tinha se
encarregado de dar a Anna o que
ela mesma procurou e não cabia
a mim julgar ou procurar por
respostas, pois elas nunca
viriam.

704
Os pais dela foram a Nova York
para liberar o corpo. Queriam
enterrá-la na Califórnia, onde
ela nasceu e viveu. O enterro
seria realizado três dias depois,
devido à burocracia e às
investigações. Eu e Mia
combinamos de irmos juntas, em
uma viagem rápida.
Assim que cheguei a minha sala,
conferi os e-mails. Vários, de
diversos setores da empresa.
Muitas planilhas e muitos
relatórios. Um e-mail em especial
chamou a minha atenção. Era de
um

705
endereço desconhecido. O título
me fez querer saber do que se
tratava. Dizia: o mundo não é um
conto de fadas. Abri temendo ser
algum tipo de vírus, mas era
apenas uma matéria jornalística,
que
eu logo identifiquei como sendo
da repórter que havia tentando
arrancar de mim informações
sobre o
meu relacionamento com
Thomas, ou o fim do meu
relacionamento, que era o que
ela destacava,
sinalizando a falta da minha
aliança.

706
Não posso fingir que não fiquei
abalada. Era a primeira vez que
um jornal noticiava o fim do
meu noivado, mesmo que
apenas supondo esta verdade.
Receei o que seria dali para
frente, mas meu
sentimento mais forte foi raiva.
De certa forma eu não queria ver
aquela notícia, mesmo não
acreditando em qualquer
possibilidade de volta. Foi o
suficiente para me deixar irritada
o restante do
dia.
O jeito era enfiar a cara no
trabalho e esquecer o resto. E
assim consegui me abstrair até o
707
final do expediente. Eu ainda
tinha muita coisa para fazer,
devido a minha ausência do dia
anterior.
Estava exausta, porém sem a
menor vontade de voltar para
casa e contemplar a minha
solidão,
mesmo sabendo que encontraria
com Mia e Henry, além da
presença quase certa do Roger.
Suspirei.
Thomas era insubstituível. Triste
constatação Eu podia estar
cercada de pessoas, mas sem
ele era
como estar em um deserto,
sozinha.
708
- Você é motivo de orgulho para
esta empresa – Roger entrou em
minha sala brincando ao me
ver ainda concentrada no
trabalho. – Vamos? Você precisa
descansar e eu de algum tempo
com a
minha linda namorada.
- Tenho muita coisa para fazer
ainda – tentei não parecer
contrariada pelo “namorada”
utilizado para me denominar.
Era minha culpa Roger se sentir
assim, afinal de contas eu havia
permitido. Ele estava apenas
dando continuidade ao que
tínhamos começado. Não podia,

709
e nem queria fugir daquela
realidade.
Roger era a força que eu
precisava. Podia ser egoísmo,
porém era exatamente o que eu
necessitava
para continuar vivendo.
- Nada que você não possa fazer
amanhã, Cathy. Vamos querida!
– Acabei cedendo, eu estava
realmente cansada e ainda
irritada.
Precisava mesmo de momentos
mais prazerosos para tirar de
mim as lembranças lastimosas.
Fomos para casa, antes paramos
para comprar comida, não estava
com a mínima vontade de
710
cozinhar.
Como eu tinha imaginado, Mia e
Henry estavam em casa, mas
pretendiam dormir no hotel em
que Henry estava hospedado,
por isso, logo após o jantar eles
partiram e logo fiquei sozinha
com
Roger.
Ficamos na sala assistindo TV,
agindo como um casal de longas
datas. Roger não queria
aquele namoro morno. Queria
muito mais, então aos poucos foi
tocando, acariciando meus
braços,
minhas costas... E me puxou
para um beijo apaixonado.
711
Eu tentava corresponder, porém
o meu corpo seguia o caminho
contrário a minha vontade. A
cada investida, maior era o meu
desejo de fugir. Fiquei frustrada
imediatamente. Roger era
incrível,
lindo, desejável e eu não
conseguia sentir desejo por ele,
enquanto Thomas nem precisou
tocar em
mim, nem dizer nada para que
meu corpo cedesse. Era muito
injusto.
Por isso agradeci quando
bateram na minha porta e Roger
se adiantou para atender. Era

712
Kendel? Que estranho! Nós
tínhamos nos tornado amigos,
mas eu nunca o imaginei me
fazendo uma
visita, ainda mais sozinho.
A desculpa dele era que
precisava se certificar de que
estava tudo bem comigo.
Conversamos,
a princípio de maneira
desajeitada, um pouco
embaraçados, e Kendel foi
ficando até Roger perder a
paciência e ir embora. De certa
forma eu deveria agradecer a
inconveniência do meu amigo.
Caso ele

713
ficasse sem jeito pela cara feia
que Roger não teve vergonha de
demonstrar, com certeza teria ido
embora, dando ao meu
“namorado” mais tempo para
continuar de onde paramos, e eu
estava cansada
para lutar contra o meu corpo.
- Detesto te dizer isso, mas esse
cara não combina com você – dei
risada. Lógico que Kendel
seria do “time Thomas”.
- Nem vou te perguntar quem
combina.
- Thomas é muito mais a sua
cara, Cathy. Vocês dois eram
perfeitos juntos! – Sorri, mas meu
coração ficou em frangalhos.
714
- Com certeza ele era. Assim
como Anna foi a cara dele
naquela noite – meu amigo
bufou,
jogando-se contra o encosto do
sofá.
- Eu acredito nele. Anna era a
perfeita vilã, desculpe por estar
difamando sua amiga em um
momento de luto, mas...
- Tudo bem. A última coisa que
quero esta noite é falar sobre
Anna, ou Thomas, ou até mesmo
Anna e Thomas – ele entendeu o
meu recado.
Assim a conversa seguiu outro
rumo. Falamos sobre a chuva
constante, o frio, como eu estava
715
me adaptando a vida de
executiva e até sobre futebol. Até
que Kendel também cansou e
resolveu
partir.
Assim que saiu, comecei a
desativar a casa. Precisava
deitar e descansar um pouco.
Apaguei
as luzes da sala, do corredor,
entrei em meu quarto, mas ao
invés de apagar tudo e deitar,
resolvi
contemplar a noite e foi assim
que descobri que Thomas não
estava respeitando o meu pedido
de

716
distância, apenas tentando
tumultuar o meu envolvimento
com Roger, até que conseguisse
provar o
que acreditava ser a verdade. Ri
sozinha. Só Thomas mesmo para
fazer coisas desse tipo.
Seu carro estava parado próximo
ao prédio com as luzes
apagadas. No inicio pensei que
ele
não estava no carro ou que o
próprio Kendel estivesse
dirigindo, então vi meu amigo
saindo em
direção a outro automóvel.
Imediatamente apaguei a luz do

717
meu quarto, e quando voltei à
janela, vi o
carro do Thomas dar partida e ir
embora.
Não posso esconder que minha
única reação foi sorrir. Thomas
estava com medo de que eu
transasse com o Roger e por isso
tentava sabotar as minhas
noites? Como ele podia ser tão
tolo? Será
que não me conhecia o suficiente
para saber que não seria tão
fácil? E o pior: será que não tinha
percebido que meu corpo apenas
correspondia ao dele? Por mais
que tal constatação me irritasse,
era a mais pura verdade.
718
Aguardei pela segunda noite
ansiosa para saber o que ele
aprontaria e quase gargalhei
quando
Dyo apareceu com a desculpa de
que estava morrendo de
saudades das nossas conversas.
Eu também
estava, admito. Desta vez Roger
foi embora mais rápido, sem
muita paciência para ouvir meu
papo
com meu amigo. Coitado! Passar
horas ouvindo sobre roupas,
moda, cabelo, creme... Não era a
praia
dele. Confesso que fiquei mais à
vontade depois da sua saída.
719
Porém, por mais agradável que
fosse a conversa com Dyo, a
hora da despedida sempre
chegava e com ela a
confirmação, ou não, da
presença do Thomas. Procurei
estender o máximo
possível para ver quanto tempo
ele aguentaria aguardar do lado
de fora.
- E esse relacionamento com
Roger, é sério mesmo? – Fitei
meu grande amigo sem saber
como
responder a sua pergunta. Não
queria dar nenhuma segurança
ao Thomas, também não queria
mentir
720
para um amigo em quem eu
confiava demais.
- Não quero que Thomas esteja
nesta conversa, Dyo.
- Ele não está. Eu sei que você
está insegura com tudo o que
aconteceu nos últimos dias. E
você sabe que eu estou
ajudando Thomas a mantê-la
segura – riu ao revelar o grande
plano. – Mas eu
ainda sou o mesmo amigo de
antes e o que acontece em
Vegas, fica em Vegas – piscou
confidente.
- Certo. Concordei em dar uma
chance ao Roger, mas não estou
muito segura desta decisão.
721
- Imaginei.
- Eu e Thomas fizemos amor no
dia em que ele me procurou.
- Jura? – Dyo riu divertido, mas
sem me censurar.
- Aconteceu. Não acredito que
tenha sido algo premeditado.
Eu... Eu sentia a falta dele.
- E ele a sua.
- Eu sei – suspirei. – Não posso
aceitá-lo de volta. Roger me
disse que se eu perdoar esse
deslize estarei abrindo a porta
para outros e no fundo eu
acredito que ele está certo. Não
posso lutar

722
contra o amor que sinto por
Thomas, também não posso
esquecer o que vi.
- Cathy, eu nunca tentaria
convencê-la do contrário se não
acreditasse em Thomas.
- Como você pode acreditar?
Anna está morta, não restou
ninguém para desfazer a
confusão –
o olhar do meu amigo foi
enigmático. – Não posso
conviver com a dúvida.
- Eu sei. Mas Thomas te ama.
Isso é inquestionável. E você o
ama. Vocês dois estão morrendo,

723
separados. Eu não acredito que
ele tenha dormido com Anna –
tentei falar, mas Dyo continuou. –
Primeiro: ele bebeu pouco para
apagar daquele jeito. Nem
mesmo você pode deixar de
acreditar
nisso. E segundo: se ele tivesse
realmente ficado bêbado, como
aparentava estar, eu duvido que
tivesse... – fez uma careta
engraçada. – Você sabe... Não
dá muito certo quando misturado
com
álcool em excesso – mordi os
lábios e sorri aceitando a ideia.
- Mesmo assim...

724
- Só permita que ele te mostre a
verdade.
- Não sei, Dyo.
- Pense no assunto.
Dyo foi embora com a noite já
adiantada. Ele nada disse, mas
eu sabia que Thomas estaria lá.
Corri para a janela,
providenciando apagar as luzes
antes, e fui verificar. Ele estava.
Mais uma vez
um sorriso se projetou em meu
rosto.
Thomas era persistente.
Ele e Dyo conversaram e depois
partiram juntos.

725
Era bobagem da minha parte,
porém saber o quanto ele estava
incomodado com a minha
possibilidade de recomeçar a
vida, alimentava o meu ego. Não
sei explicar o motivo, ou talvez
saiba
e não tenha coragem para
admitir. Era bom poder sentir que
ele ainda se importava, ou dar-
lhe um
pouco mais de desespero como
pagamento pelas suas decisões
desastrosas. Era absurdo, eu sei.
Mas
não posso esconder que era
assim que me sentia realmente.

726
Por este motivo meu sorriso foi
imenso no dia seguinte o Dyo me
convidou para jantar.
“Thomas vai ficar desapontado”
pensei com ironia. Dei minhas
desculpas e agendamos para
dois
dias depois da minha volta de
Los Angeles. Eu não poderia
satisfazer o ego do Thomas, pois
teria
uma reunião de diretoria, o que
com certeza iria enveredar a
noite.
Fiquei curiosa para saber como
ele conseguiria me vigiar naquela
noite, e surpresa, por estar

727
gostando daquela situação,
quando na verdade eu deveria
estar detestando. No entanto era
impossível
pensar em outra coisa ou de
outra forma. Aquela brincadeira
estava me devolvendo um pouco
de
vida. “Será que Thomas montará
guarita na frente da empresa?”
Pensei empolgada com a
possibilidade de sair e avistar o
seu carro escondido em algum
cantinho.
Como havia previsto, a reunião
terminou bem tarde, por isso
decidi passar a noite na casa da

728
Samantha para conversarmos
um pouco sobre o que estava
acontecendo em minha vida. Ela
era
incondicionalmente a favor do
Thomas, eu não poderia esperar
nada de diferente, afinal Sam
amou
meu pai ao ponto de perdoar a
traição dele e ainda me dedicava
o mesmo amor incondicional.
Acreditava que quando o amor
era verdadeiro, tudo valia a pena,
até mesmo perdoar uma
traição. Eu não compartilhava
das suas ideias, apesar de ter
cedido ao Thomas quando ele
me
729
procurou e também de saber que
a mínima aproximação dele me
faria mudar todas as teorias que
defendia como certas. A verdade
é que eu era uma fraca e não
poderia negar isso.
- Só posso te dizer que não há
felicidade quando precisamos
enterrar alguém dentro de nós
mesmos.
- Você é uma pessoa pura, Sam.
Sua maturidade e capacidade de
amar não se comparam a
nada nesta vida. Eu não sou
assim. Passei anos lutando
contra minha mãe e ainda me
vejo assim.

730
Perdi vários anos da vida do meu
pai, remoendo uma mágoa que
só consegui superar por sua
causa.
Levei muito tempo fugindo do
que sentia por Thomas... –
Suspirei levando os braços a
cabeça e
encarando o teto do quarto. –
Não posso simplesmente fingir
que nada aconteceu.
- Por que não? Ele está dizendo,
com argumentos coerentes que
nada aconteceu. Tudo bem que
não tem como comprovar, não de
maneira incontestável. E se tiver
mesmo acontecido, pelo que
tenho
731
acompanhado desta história,
Thomas com certeza aprendeu a
lição. Ele te ama muito, filha.
- Não vou perdoar uma traição
tendo como justificativa o amor.
Muitas coisas aconteceram até
que chegássemos a este ponto.
Thomas abusou de todas as
formas.
- Não seja tão dura, Cathy!
Thomas não abusou. Ele sentiu
ciúmes, o que não é anormal.
Roger
nunca havia existido, até que m
belo dia aparece do nada. Você
também errou ao não contar.

732
- Eu me esqueci! – Levantei os
braços para o céu como uma
criança se justificando para a
mãe.
- Viu? Ele também pode entender
este descaso como uma traição –
dei risada. – Eu acho que
você é muito forte.
- Acha é?
- Sim. Ninguém consegue
carregar uma dor tão aguda e
ainda andar, respirar, sorrir,
conversar...
- Sam! – No mesmo instante a
dor fez meu peito afundar.
- Thomas tinha tanta razão em
sentir ciúmes que hoje Roger é o
seu namorado.
733
- São situações diferentes.
- Se você quer acreditar nisso...
Boa noite, querida!
- Boa noite, Sam – ela desligou
as luzes ficando em silêncio. Eu
passei um tempo olhando o
teto do quarto. Será que Sam
tinha razão?
***
No dia seguinte eu parti cedo
com Mia, rumo a Los Angeles,
para o enterro de Anna. Era uma
situação estranha, voltar ao lugar
onde vivi inúmeras alegrias, tanto
com minhas amigas quando com
Thomas, para acompanhar o
sepultamento daquela que tinha

734
me traído e destruído a minha
felicidade.
Não sentia nenhum alívio nisso,
apenas tristeza e dor. Se Anna
tinha feito tudo por inveja, eu
só tinha que lamentar o fato dela
ter chagado a este ponto. Não
conseguia mais sentir raiva.
Tinha
sido tudo brutal demais.
Roger não pôde me acompanhar.
Ele precisava dá andamento aos
nossos planos em relação à
empresa. Com isso ganhei mais
tempo para curtir as minhas
amigas.

735
E Thomas com sua estratégia de
tentar evitar qualquer contato
sexual entre eu e Roger.
Coitado! Só rindo da situação.
Encontramos Stella e Daphne já
no cemitério. Abraçamo-nos com
pesar. Mesmo estando
magoadas com o que Anna havia
aprontado, lamentávamos a sua
morte. Não foi sempre assim, ela
era uma boa pessoa, uma amiga
engraçada e animada. A vida
tornado tudo mais difícil e
infelizmente
reservou aquele desfecho.
Muitos colegas estavam reunidos
a despedida, mas a maioria dos
presentes erma familiares e
736
amigos, que não faziam parte do
nosso circulo de amizades.
Assistir ao enterro foi lastimável.
A todo o momento a cena dela
sendo atingida pelo carro, se
projetava em minha mente,
assim como a imagem do seu
corpo após o atropelamento.
Muitas vezes
me senti sufocada pelas
lembranças ruins. Quando tudo
acabou, fiquei aliviada em poder
sair.
- Que horror! – Daphne
sussurrou ao meu lado, assim
que conseguimos nos libertar dos
outros

737
participantes daquele espetáculo
sombrio.
- Foi horrível! – Stella concordou.
– Ninguém tinha nada de bonito
para dizer. Se não fosse
Mia a cerimônia teria sido um
fiasco.
- Ainda bem que ela não é
rancorosa – comentei. Todas
abriram um sorriso contido, pois
sabíamos o motivo do meu
comentário.
- Ainda bem – Mia completou
sorrindo ainda mais.
- Bom... Não posso fingir que não
estou triste – Stella era a mais
abalada de todas. - Anna foi

738
minha amiga durantes anos.
Vocês sabem, eu a conheci
primeiro e... Não sei o que
pensar.
- Pense que Deus será
misericordioso e dará a Anna um
pouco de paz, já que ela, com
certeza
vai amargar os seus erros pela
eternidade – Daphne foi dura. Eu
não pensava diferente, apesar de
não
desejar algo tão triste.
- Eu gostaria de colocar uma
pedra sobre este momento da
minha vida. Gostaria de esquecer
o

739
mal que ela me fez e lembrar
apenas das coisas boas – admiti.
- Nos últimos tempos ela não fez
nada de bom. A julgar pela cara
de algumas pessoas, Anna
aprontou foi muito por aí –
Daphne continuava sendo dura.
O melhor a fazer era mudar de
assunto.
- Então... Vamos comer alguma
coisa? – Propus.
Combinamos de terminarmos
nosso dia em um restaurante,
próximo de onde morávamos.
Onde
sempre nos reuníamos, quando
ainda éramos amigas

740
inseparáveis. Lamentei pela
distância que a vida
tinha nos imposto.
Principalmente depois de tudo.
Chegamos cedo demais para o
jantar e tarde demais para um
almoço, as mesas ainda estavam
desarrumadas, por isso
preferimos aguardar do lado de
fora. O dia estava agradável e eu
aproveitei
para matar a minha saudade do
sol. Foi quando percebi o carro
que parou ao nosso lado.
Dyo saiu primeiro, abraçando Mia
que estava bem próxima dele,
logo em seguida abraçou as

741
minhas amigas, por último me
abraçou. Eu já estava tensa
quando Thomas saiu do carro.
Era como uma miragem. Usando
calça e camisa preta e óculos
escuros, era o retrato de um
Deus grego moderno. Seus
cabelos loiros estavam molhados
e penteados desordenadamente,
com
alguns fios espalhados para
todos os lados. Ele ficava lindo
daquele jeito, completamente
desejável.
Desviei os olhos para Dyo que
me abraçava carinhosamente,
com receio a minha reação.

742
Thomas cumprimentou as
minhas amigas, que se
entreolhavam surpresas. Notei
que, mesmo
sem entender nada, elas
pareciam satisfeitas com a nossa
aproximação, como se
desejassem aquilo.
Mesmo sabendo que o que ele
havia feito era imperdoável.
- O que faz aqui? Veio conferir se
A nna foi realmente enterrada? –
Deixei minha amargura
transbordar.
- Cuidado com o que fala e como
age. Estamos cercados de
paparazzis. Acho melhor

743
entrarmos – Thomas fez um
movimento leve com a cabeça,
sinalizando uma direção. Só
então vi que
Dyo conversava com o
segurança conseguindo a
liberação da nossa entrada.
Olhei para os lados e percebi que
realmente existia uma
movimentação suspeita. Eu
podia ver,
ao longe, uma pessoa tentando
se esconder atrás de uma árvore.
- Acho melhor eu ir embora –
falei diretamente para as minhas
amigas, ignorando a presença
dele ao meu lado.

744
- Mas Cathy... – Stella começou
a protestar, no entanto eu a
interrompi.
- Não quero mais confusão,
Stella. Estamos cercados por
paparazzis tentando fotografar
algo
para vender. Não estou com
humor para ignorá-los. Prefiro
aguardar a hora de embarcarmos
em casa.
- Eu vou com você – Thomas
comunicou sem se importar
coma minha tentativa de ignorá-
lo.
- É claro que não!
- Preciso conversar com você.

745
Thomas suspendeu os ósculos
escuros e seus olhos
perfeitamente verdes me
encararam
intensamente, deslumbrando-me
com tanta beleza. Eu sempre
ficava meio perdida quando ele
me
olhava daquela forma.
- Já conversamos tudo o que
tínhamos para conversar –
pensei que minha voz sairia
firme, mas
eu estava embriagada pela
presença dele e acabei sendo
meiga. Corrigi a tempo a minha
atitude. –

746
Preciso ir – dei as costas ao
grupo e comecei a caminhar pela
calçada. Senti seus braços me
envolverem. Foi muito rápido.
- Calma! – Falou colado ao meu
corpo. – Não chame a atenção
deles para nós dois, certo? –
Concordei me sentindo
completamente zonza com sua
proximidade. – Entre no carro
porque eu
preciso falar com você. Por favor!
Como uma criança, obedeci.
Entrei no carro, aguardando por
ele, que acenou para nossos
amigos e rapidamente entrou.
Minha cabeça girava. O que
Thomas pretendia com aquilo
747
tudo? Seus olhos encontraram os
meus, ele
estava sério. Arnold deu partida
conduzindo o carro para um
destino incerto.
- Você está namorando o Roger
– me acusou com raiva. Eu podia
perceber o quanto aquela
situação doía nele. Ótimo!
Estávamos quites.
- Não te devo satisfações sobre a
minha vida – respondi sentindo o
quanto a vingança era bem
vinda. Percebi que Thomas não
reagiu bem a minha resposta. Ele
respirou fundo e seus olhos me
fulminaram.

748
- Que tolice, Cathy. Você me
ama. Como pode aceitar viver
com alguém que nunca vai
proporciona o mesmo que eu?
- O que? Dor? Tristeza?
Desilusão? Vergonha?
Humilhação? – Thomas avançou
segurando -me
muito próxima a ele.
- Não, Cathy. É disso o que estou
falando. – e me beijou.
Fui pega de surpresa e não tive
como reagir contra, porque a
favor, eu reagi muito bem. Sentir
de novo o seu gosto era
revigorante, mas eu podia sentir
também o sabor da raiva junto
com o da
749
maravilha que era o amor... Que
eram os seus lábios. Nosso beijo
foi intenso, repleto de angustia,
saudade, dor e desejo.
Eu o queria, mas queria
loucamente não querer. Ele me
queria, mas lutava para que não
acabasse me perdendo de vez
por causa disso.
- Não. Faça. Mais. Isso. – Falei
me sentindo fraca e destruída. As
lágrimas escorreram, como
sempre faziam, demonstrando
toda a minha fraqueza. Que ódio!
- Por que você não acredita em
mim?
- Era isso o que você tinha para
me dizer?
750
- Não. Eu apenas queria saber
como você estava. Sei que
apesar de tudo você está triste
pelo
que aconteceu a Anna.
- E você não? Vocês dormiram
juntos, deveria haver nem que
fosse um pouco de pesar pelo
que aconteceu a ela. Ou quem
sabe culpa, já que foi você quem
armou toda aquela cena para
que ela
confirmasse as suas mentiras –
disparei minhas acusações já me
sentindo péssima por culpá-lo
pela
morte da garota.

751
Eu sabia que ninguém tinha
culpa pelo que aconteceu, mas
estava tão magoada e ferida com
tudo que precisava fazer alguém
de “saco de pancadas” e esse
alguém só poderia ser Thomas.
- Eu não... – ele parou a frase e
desviou o olhar. Ficamos em
silêncio sentindo o quanto o ar
estava pesado ali dentro. – Eu
vim dizer que ainda não desisti
de te mostrar a verdade – dei
uma
risada baixa, ironizando o que ele
falava. – Cathy? Eu vou provar
que nada aconteceu. Acredite em
mim – suplicou.

752
- Não posso, Thomas – admiti
sentindo a tristeza me dominar. –
Mesmo que você consiga, eu
não sei se sou capaz de aceitar
de volta todos os nossos
problemas. Não sei se
conseguirei apagar de
minha mente tudo de ruim que vi
naquele dia, mesmo você me
provando que não foi verdade.
- Você consegue. Eu sei que
consegue. Nós nos amamos e eu
serei uma pessoa melhor. Confie
em mim.
- Não, Thomas! – Fui um pouco
mais rude. – Eu estou seguindo
em frente e você tem que fazer

753
o mesmo. Nós dois não existimos
mais.
- Quando você vai entender que
nós dois não existimos
separados? Você tem vida,
Cathy?
Porque se você me disser que
está feliz e que Roger é
realmente o homem da sua vida
eu prometo
que desapareço de uma vez por
todas. No entanto eu duvido que
tenha existido um dia, desde que
nos
separamos, que você não tenha
desejado que tudo fosse apenas
um pesadelo. Que não tenha
sonhado
754
que estávamos juntos
novamente. Admita, você quer
isso tanto quanto eu.
Parei de respirar no momento em
que ouvi dos lábios do Thomas o
que meus pensamentos
gritavam para mim todos os dias.
- Eu estou com Roger agora,
Thomas. Não tenho como voltar
atrás – ficamos nos encarando
em silêncio. Era perceptível que
sofríamos, não apenas pela
traição, também pelo que
estávamos
sendo forçados a deixar para
trás. – Você me forçou a isso –
completei com minhas palavras
saindo
755
de forma tão baixa e fraca que
nem sei se ele conseguiu escutá-
las direito. – Eu tenho que ir
agora.
Por favor, me deixe sair.
Thomas pediu a Arnold que
parasse o carro. Imediatamente
desci, sem saber onde estava.
Sabia que estava na rua e que já
era noite, porém tinha plena
consciência de que na verdade,
meu
coração tinha ficado naquele
carro, junto com Thomas.
Voltar para Nova York foi
doloroso. Thomas não me
procurou mais. Entendi que ele
tinha
756
aceitado a minha decisão. Era o
que eu queria? Sim e não.
Sim. Eu queria conseguir seguir
em frente e viver bem, com
Roger ou com qualquer outra
pessoa. Não. Eu sabia que seria
impossível ser como eu era
quando estava com Thomas,
independente de quem estivesse
ao meu lado. Eu o amava.
Sempre o amaria.
Eu a todo tempo buscava forças
para enfrentar mais aquela etapa
de minha vida e mais uma
vez, escolhi o trabalho como meu
salvador. É claro que não
contaria ao Roger sobre o meu
encontro
757
com Thomas em Los Angeles.
Não era necessário. Eu mesma
queria esquecer, apesar de ter
quase
certeza de que a fofoca já estava
nas redes sociais e nas revistas
com esta finalidade.
Naquela noite haveria um jantar
de casais, Mia e Henry, eu e
Roger. Era o mais próximo de
uma vida normal que conseguiria
alcançar com outra pessoa ao
meu lado. Talvez a aceitação da
Mia
ajudasse a minha própria em
relação ao Roger.

758
Assim que cheguei comecei a
trabalhar tentando colocar tudo
em ordem. Algumas horas
depois Roger entrou em minha
sala. Olhei-o com atenção
enquanto caminhava em minha
direção. Seu
corpo era perfeito. Por que eu
não me sentia atraída
sexualmente por ele?
- Como foi ontem? – Depositou
um beijo rápido em meus lábios
me pegando de surpresa.
- Triste e Bom. Foi difícil assistir
ao enterro da Anna, mas em
contrapartida sempre é muito

759
bom encontrar com minhas
amigas. Elas me fazem muito
feliz. Sinto falta do convívio.
- Imagino que sim – deu uma
olhada na papelada em cima da
minha mesa. – Tudo certo para
mais tarde?
- Sim. Não se preocupe, não vou
fugir nem me atolar de trabalho
para não comparecer.
- Tenho certeza que não.
Assim que ele saiu, comecei a
trabalhar, passando quase todo o
tempo analisando os papéis
que solicitei para bem cedo após
a reunião. Alguns dados tinham
que ser verificados. Pedi para o

760
almoço ser entregue em minha
sala e lá permaneci até o fim do
expediente. Eu havia dado
ordens a
Sandra para me passar apenas
as ligações relacionadas ao
trabalho, e mesmo assim,
somente as que
não poderiam aguardar. Por isso
me surpreendi no final do dia
quando recebi dela uma imensa
lista
de ligações recebidas e
solicitações de entrevistas.
- Parece que a morte da Anna
não significou muita coisa para
esses abutres, não é? –
Perguntei
761
retoricamente.
Eu sabia o motivo das ligações.
Com certeza estavam mais
preocupados com o possível fim
do meu noivado do que com a
morte da minha amiga, ou ex-
amiga.
- Muitos deles tentaram subir, eu
consegui despachá-los sem
muito alarde. Foram dispensados
da portaria mesmo infelizmente
não posso garantir que não
estarão lá fora quando você sair.
- Tudo bem! Eu já estou
acostumada. Só peça aos
seguranças para estarem atentos
a minha

762
saída. Não quero que mais um
acidente seja noticiado amanhã,
não por minha causa.
- Sim, senhora – Sandra recolheu
os documentos para entregá-los
ao malote e saiu
rapidamente. Ela era uma boa
secretária. Discreta, atenta e
muito educada. Eu simpatizava
muito com
ela.
Quando estava de saída, Roger
me chamou na sala dele.
Prontamente atendi.
- Estou indo para casa. É só o
tempo para me arrumar e te
encontrar no restaurante.

763
- Pensei em mudar nossos
planos – olhei para ele sem
entender. – Não conseguimos
ficar
sozinhos nem um minuto nos
últimos dias – enlaçou minha
cintura me levando de encontro
ao seu
corpo. – Pensei em ficarmos por
aqui até a hora de encontrarmos
Mia e Henry.
- Você sabe que não concordo
em me expor desta forma.
Alguns funcionários ainda estão
no
escritório e não quero fofocas
com o nossos nomes.

764
Eu realmente não queria
tivessem motivos para
comentários indevidos as minhas
costas,
contudo sabia que aquela era
mais uma desculpa para não ter
que ficar sozinha com ele. Pensei
no
quanto aquilo era absurdo, afinal
de contas, concordei em namorar
o Roger. Infelizmente por mais
que tentasse, meu corpo ainda
não tinha se adaptado ao dele,
recusando-o veemente.
- Você já ficou várias vezes até
tarde aqui comigo, ninguém vai
perceber que não estamos

765
trabalhando, até porque ninguém
vem a minha sala sem antes ser
anunciado. Com exceção de
você, é
claro! – Roger beijou meus lábios
com delicadeza. Eu permiti.
Nosso beijo foi evoluindo e em
segundos, ele estava consumido
por uma fome que o meu corpo
não desejava saciar então o
interrompi.
- Mesmo assim eu não quero –
ele acariciou meus cabelos.
- Tudo bem. Estou apenas com
saudades da minha namorada.
Parece que todo mundo passou
a

766
sentir a sua falta ao mesmo
tempo, não nos dando sossego –
tive que rir imaginando o quanto
Thomas
deve ter se divertido com tudo
aquilo.
- É verdade – Roger se afastou
voltando a sua mesa e pegando
alguns papéis que estavam
sobre ela.
- Vou ter que viajar amanhã. Foi
meio que emergencial por isso
não foi possível te avisar com
antecedência.
- Algum problema com a
empresa?

767
- Não. É pessoal mesmo. Vou
reso lver alguns assuntos de
família. Estarei de volta em dois
dias.
- Posso te ajudar?
- Apenas ficar aqui me
esperando já é o suficiente para
mim – sorriu de uma forma que
encantaria qualquer mulher.
Olhei-o deslumbrada com a sua
beleza. Tão máscula e angelical
ao mesmo tempo. Como eu
podia não me apaixonar por ele?
Sempre tão gentil, carinhoso,
atento as minhas necessidades,
aos
meus sentimentos. Era o homem
perfeito, porém para o meu
768
coração, era apenas o amigo
perfeito.
- Que seja feita a sua vontade –
sorri de volta e Roger encarou
como um incentivo.
- Venha cá! Sente aqui um pouco
– me indicou o seu colo, o que
deveria ser normal, pois
aquela não era a primeira vez
que eu faria isso, no entanto
senti meus músculos se
retesarem. Escolhi
obedecer. – Você sabe que te
adoro, não é? – Concordei
prontamente. – Cathy, eu tenho
que ser
sincero com você. O tempo
passou e não somos mais
769
crianças como quando
namorávamos.
- Não fomos o tempo inteiro
crianças, chegamos a ser adultos
– fiz graça com o que ele queria
dizer já entrando em pânico.
- Eu fui adulto – piscou,
brincando. Fingi um sorriso fraco.
– Eu sei que você não fez com
Thomas a mesma maldade que
fez comigo durante todos os
anos em que estivemos juntos –
desviei
meus olhos dos seus fixando-os
em minhas mãos sobre o meu
colo. – Não estou cobrando
nada,

770
Cathy, era um direito seu.
Apenas estou te lembrando que
não somos mais os mesmo, e
que agora
você é realmente uma mulher.
Não existem motivos para
ficarmos esperando. Eu não
gostaria de
continuar esperando por tanto
tempo. Seria bastante injusto
comigo, não concorda?
- Roger... – comecei sem saber
como explicar a ele que meu
corpo continuava não o querendo
como homem. – Eu ainda não
me sinto pronta – ele deu uma
risada curta e baixa. – Sei que
não
771
preciso mais deste detalhe...
Preciso de um tempo, porque
ainda não me adaptei ao que
estamos
vivendo... – não queria
desapontá-lo, Roger era especial
para mim, de um jeito diferente,
mas era –
Não fique irritado comigo.
- Vamos para meu apartamento
hoje, depois do jantar, e deixe
que eu te mostre como se sentir
pronta – exigiu por meus olhos.
O observei e fiquei aliviada ao
perceber que ele não estava
irritado.
Sorri.

772
- Não hoje – Roger suspirou. –
Quando você voltar... Eu prometo
– um pouco decepcionado
com a minha resposta, mas já
mais esperançoso, beijou minha
testa, tecendo beijos por meu
rosto
inteiro, me fazendo rir.
- Eu adoro você!
- Eu também – “Mas não da
forma como você quer” pensei
com tristeza.
Capítulo 18
Voar Sem Ter Asas
VISÃO DE CATHY
No horário marcado entramos no
restaurante que havíamos
combinado com Mia e Henry.
773
Antes mesmo que eu
conseguisse sair do carro os
flashes me atingiram. “Que
droga!”, pensei
enfurecida. De nada adiantou
esconder o rosto, os fotógrafos
não se importavam se eu estava
ou não
gostando, eles apenas tiravam as
inúmeras fotos, de cada passo,
de cada gesto...
Roger ficou ao meu lado
segurando na minha cintura de
maneira protetora. Não sabia
como a
imprensa receberia aquelas
imagens. Podíamos passar

774
facilmente por amigos, no
entanto eu tinha
certeza de que não seria assim.
Meu estomago revirou com a
possibilidade de Thomas me
vendo em
várias manchetes com um
possível novo namorado.
Conseguimos entrar no
restaurante, que, para nossa
felicidade, manteve os fotógrafos
do lado
de fora. Ainda tivemos que
aguardar por Mia e Henry
durante algum tempo, não fosse
algum
sacrifício, Roger sempre
conduzia as nossas conversas
775
da melhor maneira possível,
sendo sempre
muito gentil e agradável. Contudo
eu estava preocupada com as
fotos e a sua possível
repercussão.
Sem contar que estava temerosa
com a reação do Thomas. Só de
imaginá-lo sofrendo... Era melhor
não imaginar.
- Eles não vão desistir se você
continuar demonstrando
resistência. É isso o que vende e
é
desta forma que são feitas as
celebridades – ele mantinha um
sorriso amável nos lábios,

776
demonstrando não estar nem um
pouco incomodado com a
invasão a nossa privacidade.
- Só queria descobrir como eles
sabiam que eu viria exatamente
para este restaurante? Como
esses ratos conseguem estas
informações?
- Fique calma! Eles conseguem
com as pessoas que precisa de
um pouco mais de dinheiro.
Uma secretária, um porteiro, o
gerente do restaurante que
verificou as reservas... É muito
fácil –
segurou minha mão, levando-a
aos lábios. – Não deixe que isso

777
estrague a nossa noite. Veja, Mia
e
Henry já estão chegando.
Olhei em direção a entrada e
avistei Mia, que sorria,
visivelmente satisfeita em seu
relacionamento. Todos os seus
gestos confirmavam este
sentimento. Henry caminhava de
forma
segura ao seu lado, a mão na
dela, e em um determinado
instante, eles se olharam e
sorriram
confidentes. Nossa! Eu daria o
mundo para ter aquela sensação
outra vez.

778
Durante o jantar a conversa fluiu
de forma agradável e divertida.
Henry e Roger falavam sobre
diversos assuntos, demonstrando
afinidade, assim como foi com
Thomas, lembrei com pesar do
nosso último jantar juntos. Como
era estranho assistir as pessoas
se adaptarem a minha nova vida
quando eu mesma não estava
conseguindo.
Mia participava da conversa
como uma namorada
apaixonada, porém eu conseguia
perceber
que alguma coisa estava errada.
Não somente pelo fato de não

779
sermos eu, Mia, Henry e
Thomas, mas
porque minha amiga estava
estranha.
No princípio pensei que a
estranha era eu e por isso não
conseguia perceber a minha
amiga
direito, depois entendi havia algo
por trás de toda a sua
empolgação. Mia estava me
escondendo
alguma coisa. Para mim bastou
este pequeno detalhe para me
fazer prestar mais atenção ao
que

780
estava acontecendo. Minha
amiga não apenas me escondia
um fato, ela estava visivelmente
incomodada com algo.
Na tentativa de entender sua
atitude cheguei à conclusão de
que era o seu medo por estar me
apoiando em relação ao Roger
enquanto a história do Thomas
ainda estava sendo investigada e
existia uma grande possibilidade
de ter sido uma armação. Mia
receava estar fazendo a coisa
errada.
Henry também parecia ter
percebido o seu estado de
espírito, pois fazia questão de
dar a ela bastante
781
atenção. Um verdadeiro
companheiro apaixonado, como
era eu e Thomas.
Tentei deixar as comparações de
lado e prestar atenção ao que
eles diziam, apesar disso
sempre me encontrava perdida
em devaneios antes mesmo da
conversa chegar ao meio. Só
percebi
que eles tinham combinado de
sair para dançar quando a conta
foi pedida.
Eu não estava com animo para
encarar uma boate, apesar de
adorar dançar. Além do mais,
não

782
era o lugar mais adequado para
quem lutava contra as
lembranças, afinal de contas, foi
em uma boate
que beijei Thomas pela primeira
vez. Quase enlouqueci naquele
dia. Minha pele ficou arrepiada
no
mesmo instante em que a
lembrança das suas mãos e
lábios em meu corpo invadiu a
minha mente.
- Frio?
Roger estranhou a minha pele
arrepiada. O dia não estava
quente o suficiente para que eu
andasse sem ao menos uma
proteção, todavia não estava frio
783
de forma a me causar aquela
reação...
- Um pouco – menti. Roger me
abraçou passando as mãos em
meus braços para aquecê-los.
- Melhor? – Fingi que sim,
sorrindo timidamente. Era terrível
esconder as minhas emoções o
tempo todo. - Vamos então.
***
Fomos a uma boate muito
badalada, do tipo que eu e Mia
gostávamos. Henry conhecia o
proprietário e não precisamos
enfrentar uma longa fila que se
formava. Entramos e logo fomos

784
encaminhados a uma mesa
vazia, uma área mais reservada
e bastante luxuosa.
A boate era escura, como a
maioria, entretanto havia luz o
suficiente para que pudéssemos
ver
um ao outro. “Muito conveniente”
pensei admirando a decoração.
Esbanjava luxo em tudo o que eu
podia ver.
Algumas pessoas conversavam e
tomavam champanhe enquanto
descansavam em sofás
enormes e confortáveis sem
deixar de ser elegantes. Outras
dançavam na pista que disparava
luzes
785
para todos os lados dando um
movimento próprio ao ambiente.
“Quantas vezes eu estive em
lugares
como este? Esta era a minha
rotina ao lado do Thomas. Nada
mudou, apenas os personagens
principais da história”. O familiar
aperto no peito surgiu, como
sempre acontecia quando
Thomas
invadia os meus pensamentos.
Aquele ambiente me
arremessava a um passado onde
minha vida era perfeita. Eu
amava
música, amava boate, amava
meu trabalho e sobretudo, amava
786
Thomas. O que tinha sobrado?
Nada.
Apenas a dor sufocante que
insistia em me torturar, como se
eu fosse a única culpada pelo
que
aconteceu.
À beira de um ataque de choro,
tentei me recompor. Roger não
merecia passar por este tipo de
constrangimento. Eu aguentaria
algumas horas naquele lugar e
então poderia voltar ao meu
quarto e
chorar toda a minha tristeza, sem
que ninguém precisasse ser
magoado.

787
Estar ali não estava sendo fácil
para mim, mas tentei me distrair
observando as pessoas se
divertirem. Roger sentou ao meu
lado, passando o braço sobre
meus ombros. Rapidamente
recebi
uma taça de champanhe. Beber
poderia ser um problema, ou
quem sabe a solução. Tomei um
longo
gole.
- Gostou daqui – Roger falou em
meu ouvido. Logo depois beijou
meu pescoço, utilizando
bastante da nossa intimidade.
- Sim – bebi outro gole para que
não tivesse que continuar
788
mentindo. Mia me observava
com
atenção. Minha amiga estava
sentada ao lado do seu
namorado, que acariciava seu
braço. A mesma
sensação de que ela estava
incomodada com alguma coisa
continuava me intrigando.
Trocamos um
olhar rápido. Ergui uma
sobrancelha, interrogando-a, ela
apenas negou com a cabeça e
levou a taça
aos lábios. Realmente havia algo
de muito errado.

789
- Roger, venha comigo – Henry
levantou falando um pouco mais
alto. – Vou apresentá-lo ao
proprietário. Com certeza você
vai adorar conhecê-lo. É um
grande homem de negócios,
alguém para
manter em nossa rede de
relacionamentos.
Mia me olhou de maneira
estranha. Rapidamente entendi
que Henry estava apenas
tentando nos
dar espaço.
- Volto logo – Roger me deu um
beijo rápido e seguiu o namorado
da minha amiga. Assim que
saiu, ela pulou para o meu lado.
790
- Qual é o problema? –
Questionou como se eu fosse
realmente a estranha ali.
- Diga você. O que está
acontecendo? Você está
estranha.
- Eu não... – ela olhou para os
lados, visivelmente incomodada.
– Tá legal! Droga! Eu...
- O que está acontecendo, Mia?
- Cathy, Thomas me procurou.
Ele... Ele me pediu para ajudá-lo
a impedir seu namoro com
Roger. É isso – suspirou
pesadamente como se estivesse
tirando um enorme peso das
costas. Sorri

791
verdadeiramente pela primeira
vez naquele dia.
- Eu sabia que ele estava me
cercando, só não imaginei que a
colocaria neste meio.
- Você sabia? Mas como?
- Todos os dias ele fica parado
em minha rua, fiscalizando de
perto – Mia riu, relaxando
visivelmente.
- Thomas é... Intenso.
- Sim. Ele é – minha alegria
temporária começou a esvair.
Toda e qualquer lembrança dele
me
atingia como um soco no
estômago.

792
- E te ama – seus olhos ficaram
tristes. – Cathy...
- Por favor, Mia, não – fechei os
olhos para evitar que a tristeza
me afogasse. – Eu não posso
pensar nisso agora. Roger tem
sido... Incrível!
- Mas você não o ama – abri os
olhos e varri o ambiente
buscando desesperadamente
algo que
me levasse de volta ao teatro
que tinha se tornado a minha
vida, então meus olhos focaram
no que eu
não queria acreditar que estava
vendo.

793
O reconheci imediatamente,
mesmo estando em um dos
pontos mais afastado e escuro
da
boate. Se houvesse como, meu
coração teria saído do peito, de
tanto que acelerou.
Thomas estava na boate.
Questionei meu juízo me
perguntando se, de alguma
forma, eu tinha
voltado ao passado, ou o destino
estava me pregando alguma
peça. Enquanto a tempestade se
formava dentro de mim senti
seus olhos intensos em minha
direção. Foi como ser queimada
viva sem
794
que ao menos alguma dor física
me atingisse. Não sei quanto
tempo demoramos para entender
a
situação. Eu estava em transe,
vidrada no homem da minha
vida.
- Cathy? – Ouvi ao fundo uma
voz me chamando sem conseguir
ser forte o suficiente para me
tirar do estado em que estava. –
Está tudo bem? – A voz estava
mais próxima. Com muito esforço
consegui desviar meus de
Thomas e olhar para Roger, sem
entender o que ele queria. – Está
sentindo

795
alguma coisa? Você está gelada!
– Respirei profundamente voltar
à realidade.
- Não! – Dissimulei a resposta.
Baixei a cabeça e passei as
mãos pelos cabelos para clarear
as ideias.
Queria fugir, gritar para Roger
que era perigoso ficarmos ali.
Que eu não tinha forças para
estar frente a frente com Thomas
sem que a tempestade me
atingisse. Eu era fraca. E por ser
tão fraca,
não tinha como fugir. Desejava,
ansiava por estar ali, olhá-lo,
admirá-lo. Queria estar ao seu
lado.
796
Aquela era a minha realidade.
- Encontrei uns amigos, vamos
cumprimentá-los?
- Claro! – Concordei prontamente
evitando que Roger percebesse
a presença de Thomas, ou
percebesse que este fato me
colocou no transe em que eu me
encontrava.
Olhei para Mia, que estava tensa
ao meu lado. Ela me encarava
demonstrando compreensão.
Levantamos para seguir os
rapazes. Henry, com as mãos em
volta da cintura da minha amiga,
estava
ciente da situação mais do que
constrangedora e perigosa. Ele
797
buscava alguma forma de obter
ajuda
do próprio ambiente, nos
conduzindo para outro local, sem
que tivéssemos que enfrentar
Thomas.
Contudo Roger estava alheio a
realidade e eu não sabia se isso
me confortava ou me
enlouquecia.
Roger segurou minha mão e
juntos, começamos a atravessar
a pista, sem levar em
consideração o percurso que
Henry tinha sugerido. Só então
percebi que seguíamos na
direção de
Thomas.
798
Pensei que não suportaria o que
estava para acontecer. Fitei
Thomas e o vi se afastar do
grupo
de amigos com quem estava.
Reconheci em meio ao grupo,
Dyo e Kendel. Foi como uma
bofetada na
cara. Eles me olhavam com
pesar, na certa já imaginando o
que aquela situação seria para
nós dois.
Aproximamo-nos do grupo e
Roger ficou surpreso ao
reconhecer meus amigos junto
aos

799
amigos dele. “Este mundo é
mesmo pequeno, chega a ser
sufocante” pensei amargurada.
Como Roger estava a minha
frente, me atrevi a olhar para
onde Thomas estava e pude ver
a
sua imensa tristeza, na verdade,
fui golpeada por ela, que passou
por cima de mim sem piedade,
me
atropelando em sua dor
sufocante.
Seus olhos ardiam de dor e os
meus não estavam diferentes. Eu
não devia, mas minha vontade
era largar o meu “namorado” e
confortar Thomas, dizer-lhe que
800
não havia motivos para se
preocupar
e que ainda o amava muito.
O que eu estava pensando? Ele
tinha feito a mesma coisa
comigo. Não, ele fez muito pior,
então merecia passar por tudo
aquilo.
A quem eu queria enganar? Se
existisse em mim um lado
vingativo com certeza este
momento
seria glorioso, no entanto não era
nada além de dor e desespero. E
confesso que vendo o sofrimento
dele, praticamente palpável,
revelado e transmitido através

801
dos seus olhos, todas as minhas
barreiras
foram derrubadas
instantaneamente.
Eu não queria aquela dor, não
queria sentir e nem queria fazê-lo
sentir. A única coisa que
queria é que ela fosse embora, e
levasse com ela todos os
problemas, nosso passado
terrível, e nossa
história tão absurda. Eu queria
acordar do pesadelo que me
dominava e ver que não tinha
passado
disso. Queria abrir os olhos e
enxergar que ele ainda estava ao

802
meu lado e me permitir ser
confortada
por seus braços calorosos.
Porque naquele instante,
assistindo de camarote a sua
dor, percebi que a
minha não era diferente e então
nada mais fazia sentido.
Com os olhos ainda nos dele,
ouvi Roger me apresentar aos
seus amigos, me anunciando, em
voz alta, até demais para o meu
gosto, como a sua namorada.
Então me abraçou e tentou beijar
meus
lábios, o que eu consegui evitar
no último segundo sorrindo sem

803
graça, disfarçando como se
tivesse
sido um ato de timidez.
Na verdade eu precisa evitar
aquele sofrimento como se
fazendo isso evitasse o meu
próprio.
Ao tentar olhá-lo novamente,
percebi que Thomas não estava
mais lá. Um imenso vazio se
apoderou
de mim.A ausência dele tinha
deixado um buraco no seu lugar.
Um túnel negro que fazia com
que a
realidade não mais existisse,
porque como num passe de

804
mágica, o universo se abriu e
uma fenda
imensa surgiu sugando tudo o
que havia ao seu redor. Desejei
que ela me sugasse também. O
que eu
tinha feito? Era o meu adeus a
Thomas, ou o dele a mim?
Angústia era a única coisa que
eu sentia.
- Você está bem? – Roger sorriu
educadamente, falando sem
chamar a atenção dos outros.
Olhei em seus olhos com a
sensação de que daquela vez
seria impossível mentir. Eu não

805
poderia proferir uma palavra que
não fosse reveladora o suficiente
para magoá-lo.
Eu não entendia os meus
sentimentos. Por que estava tão
machucada? Por que justamente
daquela vez, e não nas outras,
estar na presença de Thomas me
fez entender de uma vez por
todas que
nada poderia nos separar? Por
que só naquele momento o
desespero tomou conta de mim?
Porque só naquele momento ele
pôde entender de verdade
minhas palavras quando afirmei
que

806
estava disposta a seguir com
minha vida. Porque só naquele
instante ele se permitiu aceitar
que
realmente tínhamos chegado ao
fim. No entanto era tudo uma
grande mentira. Minha afirmação
era
uma mentira, a aceitação dele
também. Era impossível fugir
daquela constatação, porém,
Thomas
havia ido embora, levando
consigo toda a esperança de um
futuro juntos.
Restava-me apenas a desilusão.
O gosto amargo da perda. Do
fim.
807
- Vou ao banheiro –Roger
esquadrinhou meu rosto, mas
não havia o que contestar, então
apenas acenou com a cabeça e
voltou-se para os amigos.
O que eu realmente queria era
um lugar onde pudesse chorar e
depois me recompor, sozinha,
sem que qualquer pessoa
sofresse comigo. É claro que
Roger sofreria ao me ver
chorando por
Thomas e eu sofreria mais ainda
por fazê-lo sofrer.
Era como um beco sem saída,
onde eu só poderia ter como
companheiros a tristeza e o

808
sofrimento. Quem se
aventurasse naquela caminhada
ao meu lado precisaria suportar o
peso dos
mesmos companheiros.
No mesmo instante que este
pensamento se formou em minha
mente, eu percebi que estava
exatamente em um beco, escuro
e vazio. Era o único caminho até
o banheiro. Que ironia. Caminhei
desolada pelo que parecia ser a
minha vida.
Antes que eu alcançasse a porta
do banheiro uma mão grande e
forte me agarrou tapando minha
boca e me puxando para o que
parecia ser uma sala escura.
809
Senti minhas costas baterem na
parede
fria. Entrei em pânico. Com o
barulho da boate ninguém ouviria
meus gritos.
- O que você está fazendo
comigo, Cathy? – Ouvir a voz de
Thomas foi como morfina em um
corpo despedaçado. Algumas
lágrimas escaparam e eu sorri no
escuro sentindo o conforto tão
desejado dos seus braços. –
Será que eu mereço? – Ele
estava perto o suficiente para
que meu corpo
sentisse o calor que
transbordava do seu.

810
- Thomas! – Falei com satisfação
sentindo suas mãos segurarem
meu rosto. Ele estava bravo e
eu estava aliviada, dominada por
uma satisfação imensurável.
- Você não percebe que agindo
assim vai me destruir? – Seu
rosto muito próximo ao meu e
sua
testa colada a minha era
exatamente o que eu precisava
para me sentir viva outra vez.
Sua respiração
tocava minha pele em uma
carícia suave, que me
transportava a um lugar comum,
confortável e feliz.

811
- O que eu preciso fazer para que
você acredite em mim? Eu...
Não consegui evitar o que fiz. Foi
uma reação involuntária,
infinitamente mais forte do que
eu.
Meu corpo ganhou vida própria
reagindo a Thomas como se
dependesse dele para continuar
vivendo.
Era como uma droga, veneno,
que ao invés de matar, me
curava e viciava, tornando-me
cada vez
mais dependente de mais uma
dose. De repente eu não podia
mais viver sem ela.

812
Com a emoção e o alívio me
dominando, segurei seu rosto e o
beijei. Thomas correspondeu
imediatamente colando sua boca
a minha de maneira feroz
enquanto gemia de prazer entre
meus
lábios que não desejavam mais a
separação.
Eu não sabia onde estava, nem
que desculpa arranjaria para
justificar o que estávamos
fazendo. Desde quando
precisava me justificar por estar
em seus braços? Era tão correto
e tão
perfeito que não havia motivo
para desculpas. Estava tudo
813
como sempre deveria ser: eu e
Thomas,
juntos, completos, únicos.
Thomas me segurou com força
contra a parede. Agarrei seus
cabelos mantendo-o firme em
minha boca, enquanto suas
mãos exploravam meu corpo,
que respondia ao toque familiar
tão
desejado.
Um vulcão entrou em erupção
dentro de mim fazendo-me
esquecer de tudo, menos de
seus
toques, seus lábios, seu corpo
por inteiro. Thomas levantou

814
minha perna pendendo-a em sua
cintura,
sua língua deslizando por meu
pescoço. Gemidos e soluços se
misturavam ao saírem dos meus
lábios
enquanto o prazer de ser tocada
por ele me dominava.
- Que saudade de você, Cathy!
Nossas palavras, movimentos e
gestos se fundiam, não me
deixando distinguir se ele
realmente
estava me dizendo em palavras o
quanto sentia a minha falta ou se
seu corpo me demonstrava em
gestos.

815
Sempre que nossos lábios se
juntavam uma nova onda de
calor percorria meu corpo me
fazendo ofegar enquanto tentava
aproveitar ao máximo possível
tudo o que ele me oferecia.
- Eu te amo, Thomas, não
consigo mais lutar contra esse
amor.
Um gemido alto de prazer
preencheu a sala e eu não sabia
se tinha vindo de mim ou dele,
pois
aconteceu no exato momento em
que começamos a fazer amor.
Saudosos e enlouquecidos de
desejo

816
nos entregamos ao momento
sem pensar em mais nada e
quando o amor realmente se
apossou de
nossos corpos deixamos que o
êxtase nos dominasse.
Ficamos abraçados, extasiados,
enquanto o desejo arrefecia.
Thomas não parou de distribuir
beijos carinhosos por meu rosto
e pescoço como sempre fazia ao
terminarmos de fazer amor,
quando
nossa vida ainda era perfeita.
A emoção ia cedendo para que
eu conseguisse raciocinar
melhor. Não foi como da última
vez,
817
quando a raiva por ter cedido me
dominou, foi muito diferente.
Havia entregado os pontos,
aceitando
que não poderia mais lutar contra
meus sentimentos.
Aceitar que meu destino seria
exatamente o que temi a vida
inteira era muito difícil. Entretanto
chega um momento que
precisamos reconhecer que a
luta é na verdade uma sucessão
de fracassos. Eu
nunca o esqueci. Então arranjar
novas armas seria apenas
prolongar uma guerra já vencida,
pelo

818
inimigo. Não me restava mais
nada a defender.
- Está com raiva de mim outra
vez? – A voz de Thomas rouca
pela emoção quebrou o silêncio
do nosso momento.
Ele, de cabeça baixa, evitava
meus olhos, ou minha expressão.
Era plausível que tivesse
medo. Da última vez minha
reação não foi das melhores.
- Não – admiti. Pelo movimento
do seu rosto, eu pude ver,
mesmo no escuro, que Thomas
sorria, e era em espetáculo.
- Parece que voltamos no tempo,
para quando nos beijamos a
primeira vez. Você lembra?
819
- Claro. Como eu poderia
esquecer? – O calor invadiu o
meu coração com a lembrança.
Tinha
sido mágico! Amor e razão
guerrilhando dentro de mim. - Eu
fugi de você quando percebi que
me
entregaria se permitisse que
avançasse mais um pouco.
- Você não sabe o quanto eu te
desejei naquele dia – riu baixinho
enquanto uma música suave
tocava do lado de fora.
- Não podemos ter esta conversa
aqui. Eu tenho que voltar –
interrompi me dando conta da
realidade.
820
Uma onda de tristeza atingiu o
meu coração que pouco antes
quase transbordou de tanta
felicidade. Eu precisava mesmo
voltar. Meus amigos aguardavam
por mim. Roger aguardava por
mim. Não era certo ficar com
Thomas quando o meu
namorado ainda era outra
pessoa.
- Eu não posso deixar você voltar
para ele, Cathy. Não depois do
que vivemos aqui. Você me
ama, eu te amo, não temos mais
porque fingir...
- Thomas, eu preciso voltar.

821
- Por favor, Cathy! Não faça isso
comigo. Eu não aguento mais,
não vou suportar.
Thomas partiria ao meio se eu o
abandonasse naquele momento,
era fato. O mesmo aconteceria
comigo. Seria extremamente
complicado dar qualquer passo
que me levasse para longe dos
seus
braços. Também não suportaria
machucá-lo mais. Não poderia
abandoná-lo mais uma vez,
muito
menos ficar a noite toda com ele
naquela sala escura.
Porém, definitivamente não
poderia voltar para Roger como
822
se nada tivesse acontecido.
Minha
mente tentava encontrar uma
solução, mas quem decidiria
seria o meu coração, eu já
estava
convencida disso.
- E então o que vamos fazer?
Ficaremos trancados aqui a noite
toda?
- Não. Sairemos pelos fundos.
Vamos para meu apartamento,
para o nosso apartamento.
Eu contestaria se tivesse forças.
Olhando para ele eu sabia que
nunca conseguiria ser forte o

823
suficiente para ir embora. Nunca
mais. Thomas segurou em minha
mão e me senti completa.
De mãos dadas saímos da sala e
fomos embora da boate pelo
portão do fundo. Foi rápido e
não chamamos atenção.
Andamos por uma rua curta,
escura e vazia, mas o carro
estava próximo.
Rapidamente estávamos a
caminho.
Do carro, enviei uma mensagem
para Roger, dizendo que tinha
me sentido mal e que estava
voltando para casa, em seguida
enviei outra para Mia, contando a
verdade, é claro. Eu não mentiria
824
para minha amiga. Depois
desliguei o celular. Era o melhor
a ser feito.
Ao passarmos de carro em frente
à boate pudemos contemplar o
grupo de fotógrafos que se
aglomerava na porta. Céus! Até
quando eles me perseguiriam?
Olhei para Thomas para
comentar o
ocorrido, mas desistir ao sentir
seus olhos fixos em mim. Tão
profundos e amorosos. Tão
intensos.
Eu não estragaria aquele
momento por nada.

825
Entrar no apartamento
novamente me deixou um pouco
triste, porém lutei contra este
sentimento, Thomas estava ao
meu lado e eu precisava ser
forte, deixar tudo passar, como
deveria
ser.
Fiquei surpresa quando
caminhamos em direção ao
quarto e Thomas passou direto
me levando
para o do final do corredor,
destinado a visitas. Confesso que
fiquei satisfeita. Eu tinha dado
um
passo, seguro, mas ainda era
apenas um passo para uma
826
longa caminhada e superar o
nosso quarto
exigiria um pouco mais de mim.
No entanto, inseguranças a
parte, o amor preencheu toda a
nossa noite, e como sempre
acontecia, adormecemos um nos
braços do outro quando o dia
começava a amanhecer. Eu
dormi por
horas seguidas, sem que
nenhum sonho ou pesadelo me
incomodasse.
Minha vida continuaria e não
recomeçaria como sabíamos que
seria.
Capítulo 19
Coisas Estranhas Acontecem
827
VISÃO DE THOMAS
Abri os olhos e dei de cara com
aquelas íris verdes, quase cinza,
me observando. Voltei a
fechá-los, pensando em tudo o
que tinha acontecido no dia
anterior.
- Deus, não permita que eu
esteja sonhando, mas se for um
sonho, não permita que eu
acorde –
ouvi o seu risinho maravilhoso,
deixei que um imenso sorriso se
formasse em meus lábios como
satisfação por tê-la de volta aos
meus braços.
- Desde quando você se apega a
Deus? –Cathy ainda ria.
828
- Desde que você foi embora –
imediatamente seu sorriso se
desfez, mas seus olhos
continuaram nos meus. Passei
as pontas dos dedos lentamente
pelos seus cabelos – Cathy, eu...
- Não diga nada, Thomas, por
favor! Eu estou aqui com você e
isso é o que importa agora.
Meu coração estava tão apertado
que me sufocava. O que ela
queria dizer com aquelas
palavras? Cathy reconhecia que
ainda me amava, o que já era um
grande avanço, mas será que era
o
suficiente para aceitasse voltar?
Ainda não tinha conseguido as
829
provas necessárias para
convencê-la
de que tudo não passou de uma
armação.
Eu conhecia Cathy muito bem
para saber que o que aconteceu
até aquele momento ainda era
pouco para que ela acreditasse
em minha inocência. O silêncio
que imperava no quarto me
apavorava. Cathy sentou na
cama olhando em meus olhos.
Nada bom. Ela iria embora.
- Você vai embora? – Minha
pergunta saiu sufocada pela
constatação.
- Vou.

830
- Cathy... – levantou uma mão
me impedindo de continuar.
- Thomas eu já sei de tudo o que
você tem para me dizer. Você
também sabe tudo o que eu
tenho para falar. A nossa
situação não vai mudar apenas
porque reafirmamos nosso amor.
- Eu nunca tive dúvida dos meus
sentimentos.
- Nem eu. Foi difícil admitir...
Está sendo difícil... – fiz menção
de interrompê-la e ela outra
vez não me deixou continuar. –
Thomas a minha vida mudou
muito depois de tudo o que
aconteceu.

831
Não é mais segredo para você o
meu relacionamento com Roger
– concordei com a cabeça, meu
coração dilacerado. – Não posso
mudar o passado e não sei como
viver o futuro. Eu estou muito
confusa.
- Confusa?
- Sim. Não tenho condições de
apagar de minha mente o que
aconteceu – fez uma pausa
avaliando meu rosto. – Eu quero
acreditar em você. Quero muito!
Seria muito melhor, muito mesmo
se fosse realmente da forma
como você vem me contando.
Mas tudo parece tão fora da
realidade e ao
832
mesmo tempo tão coerente. Não
sei o que pensar.
- Eu ainda posso te provar que
tenho razão.
- Anna está morta, Thomas! –
Bradou num misto de angústia e
impaciência. – Não há mais
nada a ser feito.
- Cathy, você nunca quis ouvir a
minha versão desta história e eu
consigo te entender, até
porque nem eu mesmo
acreditava nela, apesar de tudo.
- Por que apesar de tudo?
- Porque desde que te conheci,
todas as outras mulheres
deixaram de ser atraentes para
mim.
833
Muito antes de te convencer a
me aceitar eu já sabia disso. E
eu conhecia a Anna, convivi com
ela
em diversos momentos de
nossas vidas e posso te garantir
que nunca pensei nela como
mulher. Para
ser bem sincero, ela nem fazia o
meu tipo – Cathy riu
ironicamente. – Eu penso que se
tivesse que me
interessar por qualquer uma de
suas amigas, com certeza a Mia
estaria em primeiro lugar. Ela é
linda, e tão parecida com você na
maneira de pensar e agir, e nem

834
por isso penso nela desta
maneira.
Ou a Daphne, que é tão bonita
que chega enjoa.
- Vamos esquecer essa história.
Ao menos por enquanto – Cathy
levantou da cama. Meu
coração acelerou.
- Para onde você vai? – Segurei
seu braço impedindo que ela se
distanciasse.
- Vou tomar um banho – riu do
meu desespero. – Tenho que
trabalhar – hesitou. – Também
tenho que pensar no que dizer
para Roger, ou melhor, tenho
que inventar uma história. Este é
mais um
835
problema. Não sei como agir com
relação a ele.
- Cathy você não o ama.
- Não. E ele sabe disso. Nossa
relação sempre foi muito sincera
e aberta, Thomas – aquelas
palavras me atingiram uma como
pedrada. – Não sei como contar
a verdade. Ele não merece saber
o
que aconteceu entre nós dois
ontem.
Como se para amenizar meu
desespero, deixei que minha
cabeça caísse derrotada em seu
ombro. Cathy muito
delicadamente acariciou meus
cabelos.
836
- Eu me odeio! – Desabafei. –
Odeio o fato de que por minha
culpa, você agora ter que se
preocupar com aquele
“almofadinha” como se ele fosse
a pessoa mais importante do
mundo – Cathy
riu. - O que você pretende fazer?
Voltar para ele, mesmo depois de
tudo o que vivemos aqui? Mesmo
sabendo que o que sentimos é
tão forte que nos impulsionará
sempre para este mesmo fim? É
assim
que você quer passar o resto da
sua vida?

837
- Eu sei que não posso continuar
com ele, e vou providenciar logo
isso – sorri vitorioso. –
Também não posso ficar com
você – segurei o ar em
desespero. Eu não poderia
perdê-la mais uma
vez.
- Mas...
- Preciso de um tempo para
colocar a minha cabeça no lugar,
resolver o meu problema com
Roger e depois decidir a respeito
de nós dois. Por favor,
compreenda o que estou te
falando.

838
Eu não podia ir contra o que ela
estava me pedindo. Seria o meu
primeiro dever de casa:
aprender a respeitar as decisões
dela. Era fundamental para que
eu pudesse tê-la de volta.
- Tudo bem! – Suspirei. –
Quando vou te ver outra vez?
- Não sei ainda. Eu entrarei em
contato. Agora preciso ir. Preciso
tentar recuperar o dia e
ainda tenho uma explicação para
dar – fez menção de se levantar,
mas hesitou voltando a atenção
para mim. – Ah! Não precisa
mais montar guarda na porta da
minha casa – sorriu timidamente

839
analisando a minha reação.
Admito que me senti
completamente envergonhado.
Era muito infantil o
que eu estava fazendo e ela
havia descoberto tudo. –
Também não precisa mais
mandar os rapazes
para atrapalhar as minhas noites
com Roger. Não é do jeito como
você pensa, Thomas.
Infelizmente o
meu corpo tem vontade própria –
não tive como evitar o imenso
sorriso que dei. Abracei seu
corpo
puxando-a para mim e beijei seu
pescoço.
840
- Obrigado!
- Pelo que?
- Estou agradecendo ao seu
corpo por ele ser fiel a mim –
Cathy riu, mas se afastou,
abandonando a cama e
imediatamente senti a solidão me
dominar.
Era incrível como a vida estava
brincando comigo. Não tinha
mais nada a que me apegar,
quando surge uma possibilidade
de mudança, me desespero, vou
em busca da Cathy, encontrando
o
paraíso em seus braços outra
vez. Em seguida sou

841
arremessado do céu para o
inferno, com a morte da
Anna e o fim de qualquer
esperança de recuperar o amor
da Cathy. Então, como se Deus
estivesse do
meu lado, surge outra
oportunidade e, mais uma vez
sou devolvido no inferno ao ver a
Cathy nos
braços do Roger, o que quase
me fez desistir de tudo, inclusive
da minha vida. Mas eis que surge
outra reviravolta, Cathy mais uma
vez se entrega ao nosso amor e
eu passo a acreditar que todo o
pesadelo acabou, aí ela decide
que ainda não sabe o que fazer
842
em relação a nós dois,
devolvendo-me
ao inferno.
Só podia ser uma brincadeira de
péssimo gosto. Deitei de volta na
cama, derrotado e
esgotado. Puxei o lençol
cobrindo-me por completo,
tentando me esconder do mundo.
Fiquei assim
até ouvir a voz dela de volta ao
quarto.
- Já estou indo – parecia
envergonhada. Tirei o lençol do
rosto e a encarei sem dizer nada.
Seus olhos estavam levemente
avermelhados. Ela tinha chorado.
Eu também choraria, não ali
843
nem naquela hora. Deixaria para
quando estivesse sozinho. Aí eu
me entregaria à depressão e ao
desespero. Cathy, já
completamente vestida e pronta
para partir, caminhou para sair
do quarto.
- Espere! – Respirei fundo
tentando me conter. – Vou levar
você até a porta – ela sorriu,
ainda
triste, mas satisfeita.
Descemos juntos. Lado a lado.
Não nos tocamos nem
conversamos durante o curto
trajeto até a
sala. Havia movimento no andar
de baixo. Olhei pelo canto dos
844
olhos para Cathy, constatando o
seu
constrangimento, mas
demonstrava coragem para
encarar nossos amigos.
- Tudo bem?
- Sim – ela sorriu timidamente,
mantendo a cabeça baixa.
- Se você quiser...
- Está tudo bem, Thomas. Não
quero me esconder.
Suas palavras inflaram o meu
coração. Eram repletas de
esperança e traziam felicidade,
mesmo que ainda a passos
lentos. E assim entramos na
sala.

845
Como eu havia pensado, Dyo e
Kendel já tomavam o café da
manhã, que por sinal já estava
bem atrasado. Deduzi que eles
evitaram voltar cedo para casa,
depois do nosso
desaparecimento.
Cathy, mesmo visivelmente
envergonhada, foi até a mesa
cumprimentar os rapazes.
Graças a Deus,
Kendel não fez nenhum
comentário que piorasse nossa
relação, mas não evitou um
sorrisinho que
entregava seus pensamentos.
Ela fingiu não perceber.

846
- Não vai comer nada? – Dyo
percebeu que eu ainda estava de
pé aguardando e que ela apenas
tinha parado para falar com eles
rapidamente.
- Não, Dyo! Como alguma coisa
no caminho. Estou muito
atrasada e ainda vou passar em
casa
– só então me lembrei de que
Cathy não estava de carro.
Chamei Eric e pedi para que ele
a levasse
em casa. Ela ouviu tudo e não
protestou. Perguntei-me se seria
mais correto eu mesmo a levar,
porém

847
cheguei rapidamente à conclusão
de que seria melhor para ela ir
com o Eric.
- Tudo certo para nosso jantar
hoje? – Dyo me chamou de volta
a realidade, tocando em um
assunto de extrema importância.
Eles tinham combinado de jantar
juntos, para que ela finalmente
pudesse ouvir a versão do
garçom.
- Hum! Melhor não, Dyo. Vamos
marcar para amanhã? Acabei me
atrasando demais e não sei
se vou conseguir resolver tudo o
que tenho para hoje – meu
agente lançou um rápido olhar
em minha
848
direção. Concordei com um gesto
de cabeça, então ele prosseguiu.
.
- Tudo bem. Transferimos para
amanhã?
- Ótimo!
Fomos juntos até a porta, ela um
pouco a frente, eu logo atrás,
inseguro e sem saber o que
fazer. Não queria invadir o seu
espaço, nem sufocá-la com a
minha imensa necessidade de
tocá-la ou
tê-la ao alcance das mãos. A
situação foi muito estranha.
Abri a porta em meio ao
embaraço que estava sendo nos

849
movimentarmos tão próximos um
do
outro. Era hora da despedida e
definitivamente não sabíamos
como agir. Ridículo! Tínhamos
feito
amor à noite toda, como
podíamos estar parados e
indecisos sem saber qual a
melhor forma de nos
despedir?
Eu sabia o que queria, por outro
lado existia a dúvida de como ela
queria que fosse. Foi como
voltar a adolescência. Depois de
um tempo rimos da nossa
situação, o que amenizou o
clima. Um
850
pouco.
- Então... Tchau. – Cathy foi em
direção ao elevador, onde Eric a
esperava.
- Cathy! – Ela virou em minha
direção, por impulso a beijei nos
lábios.
Cathy podia me odiar por isso,
mas eu não conseguiria deixar
que fosse embora como se fosse
qualquer mulher com quem
passei a noite. Ela era a minha
Cathy. O amor da minha vida. E
eu
precisava deixar isso bem claro.
Quando me afastei, ela apenas
sorriu de cabeça baixa e foi
embora. Fiquei parado à porta,
851
olhando o vazio. Repassando as
lembranças e renovando a
esperança.
- Vai ficar o dia todo parado aí? –
Kendel gritou de dentro do
apartamento. Voltei para casa na
mesma hora me dando conta de
que já tinha se passado tempo
demais.
- Dyo já está ligando para Mário.
Vai tentar transferir o encontro
para amanhã –meu amigo me
analisava enquanto falava.
Ele queria saber o que tinha
acontecido. Deixei que chegasse
ao seu limite, não lhe passando
nenhuma informação. Eu iria
contar, é lógico, mas estava
852
sendo divertido vendo-o se
esforçar para
não parecer uma comadre em
busca de fofoca. Era hilário.
Quando Dyo voltou para sala à
conversa
ficou mais fácil. Ele era mais
direto.
- Vocês não voltaram –
constatou.
- Não.
- Mas ela estava bastante
tranquila. O que aconteceu?
- O de sempre – não queria
entrar em detalhes. – Cathy não
sabe como lidar com a nossa
situação. Ela está confusa e
precisa de um tempo.
853
- E você?
- Eu tenho que esperar por ela.
Enquanto isso manteremos
nosso plano. Amanhã vamos
fazer
com que ela escute o garçom e
depois vejo no que vai dar. Se for
de provas que ela precisa, então
é
isso que vou dar a ela.
- Isso é estranho! – Kendel falou
com uma expressão engraçada.
- O que?
- Você. Está muito calmo.
Conformado. Não é o seu normal
– dei risada.

854
- Está ficando mais fácil para
mim, Kendel. Só isso. Ontem,
nós tivemos a certeza de que o
nosso amor ainda é mais forte do
que tudo. Cathy só está muito
magoada ainda. Eu tenho
certeza de
que não vai demorar muito. Só
preciso ter paciência e confiar
mais nela.
- Quanta maturidade!
VISÃO DE CATHY
Eu sabia, e Thomas também,
que era só uma questão de
tempo, embora não tivéssemos
dito. A
certeza de que logo estaríamos
juntos de novo aquecia o meu
855
coração. Mesmo com todas as
dúvidas
e medos. Era mais fácil acreditar
nele e aceitar que separados não
poderíamos mais ficar. No
entanto
ainda existiam muitas coisas
para serem resolvidas, Roger era
uma, as empresas outra.
Primeiro problema a ser
solucionado era terminar meu
relacionamento com Roger. Não
porque eu tinha certeza de que
voltaria com Thomas. Da forma
como a vida vinha nos
surpreendendo
era praticamente impossível
contar com alguma definição
856
para nosso destino, mas porque
ele não
merecia ser traído. Não por mim,
que só tinha recebido dele, amor,
compreensão, amizade...
Eu não tinha como retribuir sua
dedicação, mas poderia evitar
um mal maior. Devia isso a
Roger. Depois precisava resolver
a minha situação dentro das
empresas. Como seria? Não
poderia
saber como seria trabalhar ao
lado do Roger depois de romper
o nosso relacionamento. E se eu
realmente voltasse com Thomas,
como seria estar com ele e

857
trabalhar com Roger? Com
certeza teria
só mais problemas.
Por outro lado o que mais me
incomodava era o fato de que se
eu aceitasse realmente voltar
para Thomas, desejaria a minha
vida toda de volta, não somente
o meu noivo, o meu trabalho
também. Era muita coisa para se
pensar e só poderia resolver uma
de cada vez.
Quando cheguei à empresa,
Sandra me informou que Roger
me aguardava na sala dele. Meu
corpo gelou. Ele não tinha
viajado como tínhamos

858
combinado na noite anterior. Eu
contava com mais
tempo para resolver tudo, no
entanto passei a ter alguns
minutos para elaborar o que iria
dizer.
Entrei em minha sala, organizei
meu material e pedi um café. Era
uma forma de protelar o que
viria. Estava com medo. Muito
medo. Chegava a sentir um
enjoo forte. Um incômodo na
boca do
estômago que não permitia que
eu sentisse prazer em saborear o
café quente em minhas mãos.

859
Deixei-o de lado, puxando o ar
com força, precisava encontrar
coragem. Não precisei.
Roger não esperou que eu
elaborasse minhas desculpas.
Diante da minha demora, foi até
a
minha sala. No primeiro instante
fiquei imóvel. Tive medo do que
ele faria. Eu havia desaparecido
no meio da noite, deixando-o
sozinho na boate. Era
vergonhoso. Eu sentia vergonha
da minha atitude.
Ele permanecia parado, me
analisando. “Será que sabe o
que aconteceu?” Fiquei péssima
com esta
860
possibilidade. Quanto mais ele
me olhava mais eu me sentia
envergonhada.
- Roger eu... – ele andou
rapidamente em minha direção e
me abraçou com força.
- Cathy! – Disse com alívio. –
Fiquei tão preocupado! – Soltei o
ar preso nos pulmões. Ele
ficou preocupado. Então não
desconfiava de nada.
- Pensei que você tinha viajado.
Eu te ligaria mais tarde.
- Eu tinha mesmo que viajar, mas
não podia ir assim, sem saber
como você estava – olhou-me

861
com ternura. Minha vergonha só
aumentou. – Você está bem? O
que aconteceu? Eu liguei várias
vezes, fui até sua casa, mas...
Roger era tão perfeito. O
companheiro ideal para qualquer
mulher. Por que não para mim?
Seria fácil como respirar. Sem
cobranças, sem brigas,
infantilidades... Infelizmente ele
não conseguia
ser o que eu precisava. E não
era ele quem eu amava.
- Eu me senti mal. Tontura, falta
de ar, enjoo... – respondi com a
primeira coisa que veio a
minha cabeça. Roger parou por
alguns segundos, como se eu
862
tivesse dito algo revelador, logo
sua
expressão se desfez. – Não quis
te atrapalhar. Você estava com
seus amigos e... Acho que o
ambiente
me deixou um pouco nervosa –
ele continuava me encarando,
aguardando para saber até onde
eu iria.
– Roger, nós precisamos
conversar – tomei coragem.
Precisava ser forte e acabar logo
de uma vez
com tudo.
- Espere! – Disse de repente. –
Estou aqui te enchendo de

863
perguntas e sei que você tem
coisas
para me dizer, antes me deixe
abusar um pouco da sua
amizade. Na verdade eu não
viajei ainda
porque precisava muito ter você
ao meu lado – seus olhos ficaram
marejados. Pude constatar que
Roger lutava contra as lágrimas
que se formavam.
- O que aconteceu? Trata-se dos
problemas pessoais que você
tinha me dito? – Esqueci-me de
tudo o que precisava dizer e
passei a me empenhar em ser a
amiga que ele precisava, como
Roger
864
sempre havia sido para mim.
- Sim. Cathy, eu estou com medo
– abaixou a cabeça em um gesto
indefeso. – Fico feliz por
você está comigo. Preciso tanto
de você! – Voltou a me abraçar.
Afaguei suas costas, sentindo um
misto de tristeza e ansiedade.
- É minha mãe, Cathy – prendi a
respiração. Roger não tinha
falado nada sobre sua família
desde que nos reencontramos.
Eu vivia tão presa aos meus
próprios problemas que não me
lembrei
de perguntar.
- O que tem sua mãe?

865
Eu lembrava muito bem dela.
Sempre muito amorosa e
atenciosa. Era como uma mãe
para mim
nos nossos primeiros momentos
juntos, mesmo com Roger
distante por causa da faculdade.
Era para
ela que eu fugia quando podia,
para tentar esquecer de todos os
problemas que me oprimiam.
O pai do Roger faleceu dois anos
após ele ingressar na faculdade
e a mãe dele ficou sozinha.
Quando eu também segui meu
rumo, na Califórnia, foi triste ter
que deixá-la, e como eu me
negava a
866
voltar para casa nas férias,
acabamos nos afastando.
- Eu não te contei, mas ela teve
alguns problemas nos últimos
anos. Tem Alzheimer. O caso já
está tão avançado que raramente
ela me reconhece. Tenho feito de
tudo para que tenha uma vida
confortável, se é que existe
conforto para uma vida como a
dela – fez uma pausa respirando
rápido e
profundamente. Roger sempre foi
um ótimo filho. Não havia
dúvidas a respeito do tratamento
que
oferecia a mãe. – Quando eu
ainda estava apenas
867
gerenciando uma das empresas
era mais fácil. Mas
com todos os problemas... Não
tive alternativa. Precisei interná-
la em uma clínica especializada.
Doeu muito! Sempre que posso,
viajo para vê-la. Ontem fui
chamado com urgência porque
ela está
muito agitada. Fica chamando
por mim e acordada a noite toda
pedindo para levá-la para casa
Sei
que faz parte da doença, mesmo
assim me dói muito vê-la deste
jeito.

868
- Eu te entendo – acariciei seu
rosto. – O que posso fazer para
te ajudar?
- Ficar ao meu lado é suficiente.
Você é tão forte! – Sorriu com
tristeza.
Perguntei-me se Roger, de
alguma forma, sabia o que eu
estava prestes a fazer, por isso
estava
ali me pedindo para adiar tudo,
por ele. Mesmo assim, eu sabia
que não poderia ser indiferente
ao
que estava me pedindo. Não
poderia abandoná-lo naquele
momento. Não quando precisava
que eu
869
estivesse ao seu lado. Foi o que
ele fez por mim e era minha
obrigação retribuir. Não foi difícil
tomar a decisão, mesmo já
sofrendo por ter que me afastar
de Thomas.
- Pode ficar tranquilo. Eu estarei
aqui – minhas lágrimas também
se formaram, junto com o nó
na garganta que quase impediu
as palavras de saírem.
- Obrigada, meu anjo! E o que
você tinha para conversar
comigo?
- Nada de importante. Você
precisa viajar para resolver o
problema da sua mãe. Eu vou
cuidar
870
de tudo por aqui enquanto estiver
fora. Quando voltar,
conversaremos – assim eu
esperava.
Roger concordou e se despediu
com um beijo leve em meus
lábios. No mesmo momento as
lembranças da minha noite com
Thomas invadiram os meus
pensamentos. Como um simples
beijo
podia ser algo absurdamente
diferente?
Bastou ele bater a porta para eu
sentir necessidade do café antes
rejeitado. Chamei Sandra,
solicitando outro. Sentei
encarando a mesa diante de
871
mim. Quando pensei que
resolveria um
problema, ganhei mais um:
Thomas.
Como explicar a ele que mesmo
o amando como amava, teria que
desistir de nós dois,
temporariamente, para atender a
um pedido de ajuda de um
amigo?
Deixei meu corpo cair sobre a
mesa sem coragem para levantar
e encarar tantos problemas de
uma só vez.
- Dia difícil? –Sandra havia
entrado com o café e eu não
tinha percebido. Olhei-a
atentamente,
872
ela era uma ótima pessoa.
- Muitas decisões e poucas
alternativas – confessei, pegando
o café que ela estendia em
minha
direção.
- Entendo – ela permaneceu
parada a minha frente. Parecia
indecisa. – Se eu puder ajudar?
- Não acredito que eu tenha
direito a ajuda para estas
questões. Na verdade não existe
uma
decisão a ser tomada. O que tem
que ser feito será. O problema é
que não consigo me conformar.

873
Queria poder escolher, porém
seria um ato de extremo
egoísmo.
- Não quero parecer intrometida,
mas parece mais uma questão
pessoal do que profissional –
sorri sem vontade em resposta a
sua constatação. – Eu acredito
que seja a eterna dúvida que
cerca
todas as mulheres – sorriu
cúmplice.
- Que dúvida?
- Entre o amor e a razão. Você
sabe o que é correto e o que é
justo para a sua vida, mas o

874
coração não está em harmonia
com a sua mente e te leva por
outro caminho.
- Muito perceptiva – admiti
pensativa.
- Mais uma vez me perdoe por
estar me intrometendo. Mas não
pude deixar de perceber que o
seu relacionamento com o
senhor Turner não é o que é
movido pelo coração. E também
sei que até
algum tempo você era noiva de
Thomas Collins. Eu adoro os
filmes dele. – admitiu, sem graça.

Existe uma diferença gritante
entre a maneira como seus olhos
875
brilham ao lado do Thomas e
como
eles ficam mortos ao lado do
Roger – mordi meu lábio inferior.
Ela tinha toda razão. Eu não
tinha
vida ao lado do Roger, apenas
tentava sobreviver à falta do
Thomas. Mas quando eu estava
ao lado
do Thomas minha vida era
completa.
- É. Eu sei.
- Não sei o que aconteceu. Mas
se existe uma dúvida em seu
coração entre voltar a viver o que

876
te faz feliz ou fazer alguém feliz,
eu posso afirmar que não é
egoísmo colocar a felicidade em
primeiro lugar.
- Mesmo quando a outra pessoa
sempre buscou primeiro a sua
felicidade? Seria justo se
colocar em primeiro lugar quando
outra pessoa se dedicou tanto a
você?
- Cathy, não podemos dar aos
outros o que não temos. Você
não pode amar uma pessoa se
você primeiro não se amar. O
mesmo vale para a felicidade.
Você não pode fazer alguém feliz
sendo

877
infeliz. No final será um favor que
estará fazendo a ele. Porque é
muito melhor viver com a
verdade
do que viver em mundo de
mentira, criado apenas para
satisfazê-lo. Este mundo não vai
existir para
sempre. Não é real. Um dia ele
vai ruir, e aí a dor será muito
maior.
O que ela me dizia fazia todo
sentido. Bastava a coragem para
encarar aquilo como verdade
absoluta. Fiquei em silêncio tanto
tempo que Sandra entendeu
como se eu não quisesse mais
ouvir o
878
que estava me dizendo.
- Bom... Tenho muitas coisas
para fazer. Com licença!
- Obrigada! Você tem razão... Em
tudo – ela sorriu satisfeita e saiu
da sala.
O restante do dia, tentei ao
máximo me concentrar no
trabalho. Quando acabou eu já
sabia o
que teria que fazer. Passei em
casa, tomei um banho demorado,
como sempre fazia quando
precisava
de coragem. A noite não estava
fria então escolhi um vestido
preto de alças, justo ao corpo,
com
879
barras de rendas que permitiam
um ligeiro vislumbre de minhas
coxas e uma sandália alta. Soltei
os
cabelos que caíram como uma
cascata em meus ombros.
Peguei uma bolsa, coloquei
algumas coisas
dentro, caso precisasse, entrei
em meu carro e fui em direção a
casa dele. A minha casa.
Capítulo 20
Em Busca Da Felicidade, Ou Do
Que Fosse Possível Encontrar.
VISÃO DE THOMAS
Eu queria muito ligar para ela, ou
simplesmente bater a sua porta,
mas tinha que respeitar o
880
tempo dela. Não seria fácil.
Dyo e Kendel tinham saído. Dyo
avisou que não voltaria para casa
e Kendel disse que estava
entregue a própria sorte. Eu
fiquei em casa, sozinho com
meus pensamentos. Abri um
vinho e tomei a
primeira taça com o pensamento
ainda preso na nossa noite.
Tinha sido perfeita! Escutar dela
o
quanto ainda me amava era
avassalador. Muito mais do que
eu poderia esperar.
A lembrança da textura suave da
sua pele dourada pelo sol, em
minhas mãos, meus lábios, os
881
sons do nosso amor ecoando
noite adentro, da percepção das
suas mãos em meu corpo, da
sensação
quente que era estar dentro dela
mais uma vez, fazia com que eu
me perdesse no tempo por
diversas
vezes. Cathy era
inacreditavelmente maravilhosa.
Ela afirmou que voltaria a me
procurar, mas quando? Ela teria
coragem ou condições de
permanecer muito tempo longe?
Sentei no chão da sala, entre o
sofá e a mesa de centro e acendi
um

882
cigarro. Minha taça estava ao
meu lado, no chão e meus olhos
estavam na varanda, repassando
toda a
nossa discussão naquele dia
fatídico.
Como queria conseguir voltar no
tempo. Evitar que Roger
conseguisse esgotar toda a
minha
paciência. Evitar que Cathy fosse
embora. Evitar tudo o que
aconteceu. Infelizmente era
impossível
apagar o passado. O importante
dalí para frente era buscar
formas de não mais perdê-la.

883
O som da campainha me
arrancou dos pensamentos.
“Quem será a esta hora?”
Levantei sem
muita vontade e fui atender a
porta. Cathy estava lá. Linda!
Não tive como evitar olhar para
seu
corpo escultural desenhado em
um vestido de alças. Ela ficava
perfeita de preto. Não. Ela ficava
perfeita com qualquer coisa, ou
sem coisa alguma.
- Não vai me convidar para
entrar?
- A casa é sua. Não precisa de
convite.

884
Saí do caminho, possibilitando a
sua passagem. Seu perfume ao
passar por mim era
embriagante. Ela andou até uma
parte da sala, então parou
virando em minha direção. Cathy
estava
segura do que estava fazendo,
mas existia algo de errado e eu
não conseguia identificar o que
era.
- Aconteceu alguma coisa?
- Sim. Alguns problemas. Você
está ocupado? – Que pergunta!
Claro que não, e mesmo que
estivesse, nada neste mundo me
impediria de dar atenção a ela.
- Não. Quer beber algo? Vinho?
885
- Vinho – ela respondeu indo
sentar exatamente onde eu
estava antes dela aparecer.
Sorri para a coincidência. Se é
que havia coincidência. Éramos
tão sintonizados que essas
coisas sempre aconteciam
quando estávamos juntos. Servi
uma taça e a entreguei, sentando
na
posição contrária para que
pudéssemos conversar melhor.
- Bebendo sozinho? – Olhou
discretamente para a sala, como
se procurasse alguma coisa.
- Os rapazes saíram – continuei
observando os seus gestos. Ela
passou a mão pelos cabelos
886
cuidadosamente e depois bebeu
um pequeno gole do vinho.
- Sem vontade para curtir a
noite? – Desta vez ela olhou
diretamente para mim. Sorri e
também
tomei um gole do meu vinho.
- Algumas coisas perderam o
sabor para mim – revelei sem
deixar que a tristeza
atrapalhasse
o nosso momento.
- Thomas, eu disse que iria
pensar no que aconteceu entre
nós dois e voltaria a te procurar.
No
entanto hoje aconteceram
algumas coisas que me
887
impediram de fazer como havia
planejado.
- Você não terminou com Roger
– não tive coragem de olhar em
seus olhos.
- Não. Mas também não é como
você está pensando – sorri sem
a menor vontade.
Independentemente de como
seria, era péssimo para mim. Era
angustiante saber que ele tinha
mais
direitos sobre ela do que eu.
- Vou te contar tudo.
Cathy ficou um bom tempo me
contando o que aconteceu e do
pedido que ele tinha feito a ela.

888
Explicou porque se sentia na
obrigação de aguardar que ele
voltasse ou que o problema dele
estivesse amenizado.
Ela falava, mas eu não entendia,
não aceitava, não queria
concordar que ela teria que ser
dele
até que nada mais existisse para
segurá-la ao seu lado. Eu estava
magoado, ferido, derrotado.
Porém
não havia nada que pudesse
fazer. Cathy decidira, assim e eu
teria ser forte para entender e
respeitar
sua decisão.

889
- Confie em mim – e havia
alternativa?
- E o que eu vou fazer durante
este tempo? Sentar e esperar ele
acabar de bancar de seu
namorado? – Cathy não
respondeu. Ela bebeu o seu
vinho em silêncio.
Não voltei a tocar no assunto.
Cathy sofreu muito com tudo o
que aconteceu. Minha parcela de
culpa era enorme, não queria
piorar nada. Não pelo que ela viu
da Anna, aquilo estava mais do
que
claro de que havia sido uma
farsa e sim a minha contribuição
para tornar possível todos os
890
acontecimentos. Eu precisava
confiar nela e aceitar, mesmo
morrendo por dentro.
- Thomas? – Chamou após um
longo tempo em silêncio,
quebrando o meu devaneio. –
Como
era antes de mim?
- Antes de você?
- Antes de você me conhecer.
Não antes de você se apaixonar
por mim, antes de eu entrar em
sua vida. Como você era? Não
precisa me contar que era
galinha, isso eu pude ver com
meus
próprios olhos.

891
- Além de tudo o que você sabe...
– brinquei e ela riu. - Antes de
conhecer você eu achava que
minha vida era perfeita. Nunca
me preocupei se encontraria o
amor, apesar de saber que
aconteceria.
Amava meu trabalho, meus
colegas, amigos, minha família...
- Depois que você me conheceu
sua vida deixou de ser perfeita?
– Havia tristeza em sua voz.
- Você mudou a minha vida como
um todo , Cathy. Mudou minha
forma de ver o mundo. Eu
achava que a minha vida era
perfeita até te conhecer e

892
descobrir que nada era como eu
pensava – ela
me encarou por um segundo e
depois baixou o olhar.
- Isso é bom – bebeu um pouco
da sua taça, olhando para o
chão. – Eu sei como é se sentir
assim, apesar de nunca ter
achado que minha vida era
perfeita. Também não enxergava
as coisas
como elas eram. Eu tinha muito
medo – Cathy pareceu perdida
em pensamentos. - Como você
percebeu? Digo... Como
descobriu que nada era como
imaginava ser?

893
- No exato momento em que vi
você – não precisei pensar.
Aquela era uma das minhas
grandes
certezas. Ela sorriu e eu também.
- Você é um grande mentiroso,
Thomas! Duvido que tenha
pensado desta forma.
- Lógico que eu não percebi de
imediato. Depois, analisando os
fatos, pude entender que
aconteceu exatamente desta
maneira. E você? – Fingi não
estar tão interessado na resposta
dela,
apenas para não parecer uma
pressão desnecessária da minha
parte.
894
- Não sei ao certo. Porém eu
soube que algo estava errado
comigo no momento em que
você
me beijou a primeira vez. Ali eu
tive a certeza de que nada seria
como eu planejava – ela fez uma
pausa para beber seu vinho. – O
que você pensou quando me
viu?
- Você não vai querer saber –
gargalhei.
- Claro que eu quero!
- Bom... – pensei em uma forma
boa de dizer que quis transar
com ela no mesmo instante em
que a vi pela primeira vez. - Eu
pensei no quanto seria bom ter
895
você em minha cama, embaixo
de
mim, envolta nos meus lençóis –
acariciei a sua mão que estava
pausada ao lado do corpo. –
Desculpe! – Ela segurou em
minha mão com delicadeza.
- Tudo bem. Ao menos foi
romântico. Se eu fizesse esta
pergunta ao Kendel , escutaria
um
monte de pornografia – ri
sentindo vergonha de ter sido
exatamente assim que eu tinha
pensado.
- Eu também tive a fase da
pornografia – admiti e desta vez
ela gargalhou.
896
- Foi mágico, não foi? – Seu
sorriso se perdeu em uma leve
tristeza que ela tentava
esconder.
- Foi – sussurrei. Levantei a mão
brinquei com seus cabelos –
Antes eu não acreditava em
conto de fadas. Você me mostrou
que era possível e eu passei a
viver o meu próprio. Não foi só
mágico, foi perfeito! Eu queria
tudo de volta – fechei os olhos e
me concentrei em não estragar o
nosso momento. Cathy inclinou a
cabeça aceitando meu carinho.
- Eu também – ela sussurrou
com a sua voz fraca, embargada
pela emoção. – Como vamos
897
fazer? – Um soluço de dor cortou
sua voz. Segurei seu rosto com
as mãos e fitei seus olhos.
- Vamos fazer da forma como
você decidi r – ela abraçou meu
pescoço e ainda chorando
capturou meus lábios.
Correspondi com vigor. Era o que
eu mais queria. Minha Cathy de
volta aos
meus braços, pela sua própria
vontade – Vai passar a noite
aqui?
- Não sei se devo – me aproximei
ainda mais dela.
- Tire os pés do chão, Cathy! –
Sussurrei quase tocando seus
lábios.
898
- O que?
- Esqueça o mundo, as pessoas.
Esqueça o passado, o futuro.
Esqueça tudo. Seja só você. Seja
só a minha Cathy, a mulher que
eu amo e deixe-me ser apenas o
seu Thomas – levantei
carregando-a
em meus braços até o quarto em
que dormimos na noite anterior.
Naquela noite fazer amor com
Cathy teve um sabor diferente e
especial. Nós não estávamos
apenas nos amando, também
estávamos resgatando tudo o
que tínhamos deixado se perder.
Como se

899
estivéssemos reafirmando o
nosso amor, dando-nos a certeza
de que tudo ficaria bem e que no
final
venceríamos qualquer que fosse
o obstáculo, porque estávamos
juntos.
Pela manhã ficamos um tempo
na cama, conversando sobre
como seria.
- Eu não sei como, nem sei se
vou suportar a culpa por me
permitir viver com você outra vez,
mas admito que não tenho mais
força para continuar lutando
contra meu corpo– ela suspirou

900
levemente escondendo o rosto
em meu peito. Imediatamente
comecei a alisar seus cabelos.
Eu estava feliz. Muito feliz! Cathy
estava comigo, afirmava que não
me deixaria mais e isso
deveria ser o suficiente para me
deixar extremamente satisfeito,
No entanto nem tudo estava
perfeito.
Cathy ainda sofria pela suposta
traição e eu sabia que não
poderíamos ser felizes enquanto
essa
história permanecesse sem
solução. Decidi mudar o que
tinha planejado com Dyo, até
porque não
901
seria mais necessário enrolá-la
para fazê-la ouvir o que Mário
tinha para contar. Iríamos juntos
ao
encontro do garçom.
- Você não vai precisar se culpar
por nada , Cathy. Hoje mesmo
nós vamos tirar esta história a
limpo e nós dois poderemos
continuar de onde paramos –
apertei meus braços em torno
dela com
mais força num reflexo à ideia de
que não nos separaríamos mais.
- E quanto a Roger? Você vai
levar aquela ideia à diante? –
Tentei o máximo possível não

902
parecer aborrecido ou indignado,
apesar de ser exatamente desta
forma como eu estava me
sentindo.
Sabia que não poderia mais ser
tão intransigente com Cathy.
Tinha por obrigação confiar em
suas
decisões. – Você não vai contar
a ele que estamos junto? Nós
estamos juntos, não é?
Fui infantil, mas o medo de
perdê-la de novo me dominou.
Era aterrador não saber o que
esperar depois da nossa noite.
Não queria perder nenhum
momento com ela. Sua
expressão serena
903
conseguiu levar um pouco de paz
ao meu coração. Cathy sorriu e
se aproximou para beijar meus
lábios.
- Eu acho que estamos juntos
outra vez – disse com cuidado,
como se não estivesse muito
certa
do que estava fazendo. – E eu
não posso contar ao Roger ainda
– seus olhos analisaram a minha
reação que consegui disfarçar
com muito esforço ostentando
um semblante tranquilo. –
Thomas eu
preciso que você me entenda e,
principalmente, que assuma que
tudo que nós estamos vivendo é
904
unicamente por culpa sua. Roger
tem sido um grande amigo, o
melhor que eu poderia ter neste
momento. Ele me ajudou de uma
maneira extraordinária quando
tudo ficou muito difícil para mim.
Eu
e o Roger estamos juntos, ou
estávamos até ontem à noite...
Não me sinto a vontade para
terminar
com ele desta forma, preciso ter
uma conversa sincera, com
calma, como ele merece que
seja. E... –
mais uma vez Cathy hesitou
mordendo os lábios. Ela não

905
sabia como me dizer o que
estava pensando.
Passei as mãos pelos cabelos
me preparando para a bomba
que lançaria. -... Eu não posso
contar que
estamos juntos, seria muito
desleal com ele... Não quero
assim.
- E como você pretende fazer? –
Minha voz saiu rouca. Busquei
forças entro de mim para não
deixar escapar nada que
pudesse fazê-la desistir de nós
dois.
- Eu quero terminar com ele,
quando chegar à hora

906
apropriada, além disso, esperar
um tempo
para que possamos ser vistos
juntos outra vez.
- Se você não vai terminar com
ele, e nós estamos juntos, eu me
tornei seu amante? – Cathy
achou graça, dando risada da
situação no mínimo absurda.
- Irônico não?
- Não. É um absurdo eu passar
de noivo a amante, Cathy –
fechei os olhos tentando não ser
mais explosivo do que já tinha
sido.
- Eu sei. Mesmo assim não quero
que nada machuque o Roger.
- Quanto tempo?
907
- Um mês, ou um pouco mais.
Não sei ainda. Como estamos
trabalhando juntos poderei
encontrar o melhor momento
para que ele possa saber que
voltamos.
- Você vai continuar trabalhando
com ele, digo, na empresa?
- Pelo menos durante o tempo
que me comprometi a ficar,
depois poderei decidir o que vai
ser
melhor para mim – engoli meus
questionamentos, ainda não era
o momento adequado.
- Tudo bem, se é o que você
quer, eu entendo – vi quando
seus olhos assumiram um brilho
908
mais vistoso ao absorverem
minhas palavras. Cathy estava
feliz com a minha reação.
- Então... Vou tomar um banho –
Cathy ameaçou levantar, mas eu
a retive para conversar sobre
os meus planos, talvez assim ela
desistisse dos dela.
- Espere um pouco – me inclinei
sobre ela dando-lhe um leve
beijo nos lábios ainda úmidos. –
Sobre o que aconteceu, Anna
não era a única testemunha.
Naquele dia havia eu, Anna e um
garçom
que presenciou todo o ocorrido
no bar. Conversei com ele e

909
descobri que existem alguns
detalhes
que comprovam a minha
inocência. Ele concordou em nós
encontrar hoje e te contar toda a
verdade –
Cathy suspirou e deixou que
seus olhos se perdessem um
pouco nos próprios
pensamentos.
- Não sei se quero continuar
mexendo nesta história. Talvez
seja mais fácil deixar que ela caia
no esquecimento.
- Eu te devo isso, Cathy. Devo a
nos dois, para que possamos
ficar juntos outra vez sem nada

910
que impeça a nossa felicidade –
ela ficou em silêncio e concordou
levantando-se em seguida para
tomar o banho desejado.
Fiquei deitado de costas,
encarando o teto enquanto ouvia
o barulho do chuveiro invadir o
quarto. Pensei em como estava
me sentindo com a volta da
Cathy a nossa casa e o que
deveria fazer
para que ela se tornasse mais
confiante em relação a nós dois.
Eu precisaria, pelo menos neste
primeiro momento, tomar
bastante cuidado com minhas
palavras e atitudes. Não poderia
mais impor a minha vontade,
911
mesmo quando para protegê-la.
No
final das contas, acho que eu
deveria ser mais confiante em
relação à Cathy e as suas
próprias
decisões e atitudes.
No fundo, tinha consciência de
que não existiam motivos para
que duvidasse da sua
capacidade de ser mais sensata
e equilibrada do que eu, em
certas situações. Cathy era forte
e
madura o suficiente para assumir
as rédeas da sua vida sem
precisar de alguém para guiá-la.

912
De maneira inusitada me senti
confortável com esta
constatação. Eu me orgulhava da
pessoa
que ela havia se tornado e do
quanto havia crescido com os
ensinamentos da vida. Fiquei
feliz, pois a
amava e, se era de confiança
que ela precisava, era
exatamente o que teria de mim.
Só percebi que Cathy não mais
estava no banho quando ouvi
sua voz. Ela estava ao telefone,
falando com alguém que
acreditei ser do trabalho, pois a
conversa era num tom bastante
profissional.
913
Observei-a trabalhar, e mesmo
sabendo que desta vez não era
para mim, fiquei satisfeito em
poder
vê-la fazendo isso.
Apoiei o corpo no braço para
melhor admirá-la enquanto ela
emudecia aguardando algo, ou
alguém, do outro lado da linha.
De repente Cathy ficou tensa e
pelo cuidado que estava tendo
entendi
que era com Roger que ela
conversava.
- Oi. Como estão as coisas aí? –
Aguardei pelas suas palavras.
Ela passou um longo tempo em

914
silêncio apenas escutando o que
ele dizia – Entendo. Eu sei como
está se sentindo. Posso fazer
alguma coisa por você? –
Novamente ficou calada. – Não
acho que devia ter ido trabalhar
hoje.
Ninguém estava aguardando por
você no escritório de Los
Angeles, não era necessário... –
Roger
passou um tempo explicando,
deixando-me cada vez mais
impaciente. – Tudo bem então.
Até amanhã
- com um suspiro, desligou o
telefone. Imediatamente a

915
chamei de volta para meus
braços e ela
prontamente me atendeu.
- Está tudo bem?
- Com a mãe dele sim. Parece
que ela se acalmou. Espero que
dê tudo certo para ambos –
encostou a cabeça em meu peito
– Roger está no escritório de Los
Angeles. Não estava
programado,
mas parece que ele encontrou
um problema por lá. Amanhã
vamos ter uma reunião de
emergência.
Todo o conselho administrativo
vai estar aqui. A parte boa é que
vou encontrar com Sam.
916
- E a parte ruim?
- Não poderei passar a noite aqui
com você. Sam vai estar comigo
e Roger com certeza vai
querer passar algumas horas ao
meu lado – sem me olhar nos
olhos, começou a juntar suas
roupas
que ainda estavam espalhadas
pelo chão do quarto – Vou
trabalhar agora. Tenho muita
coisa para
fazer hoje.
- Irei com você, só vou tomar um
banho rápido... – comecei a
levantar da cama, porém Cathy
logo tratou de me dispensar.

917
- Não, Thomas. Se eu ficar te
esperando vou demorar muito
para resolver tudo e vamos
acabar
nos atrasando para o encontro
com o tal garçom. Prefiro
resolver esta parte enquanto
você se prepara
para resolver a outra – Cathy já
estava quase vestida. Ela estava
com presa, eu só não sabia se
era
realmente de resolver tudo ou de
sair dali.
Coloquei uma bermuda e uma
camisa e descemos juntos. Da
escada conseguíamos ouvir a

918
conversa animada dos nossos
amigos na sala. Será que eles
sabiam que Cathy estava lá
comigo?
Senti seus dedos, enroscados
aos meus, pressionarem com
apreensão. Sorri confiante.
Descemos de mãos dadas e
todos pararam ao nos ver
chegar. Era engraçado ver a
reação dos
meus amigos. Dyo e Maurício
apenas sorriram, utilizando
sempre a maneira discreta
própria dos
dois. Eric, como o excelente
profissional que era, nós olhou

919
por alguns segundos e depois se
virou de
volta para a TV, mas Kendel,
como não podia deixar de ser,
deu uma risada sacana que
deixou Cathy
totalmente envergonhada.
- Sem comentários, Kendel –
Cathy fez cara de malvada e ele
que apenas riu mais alto.
- Sem problemas, Cathy, só
queria dizer que é muito bom ter
você de volta – ela sorriu,
abraçando-o.
- Obrigada! Já estou de saída.
Bom dia para vocês.

920
- Não vai nos acompanhar? –
Dyo colocou uma xícara sobre a
mesa, encarando Cathy com
curiosidade.
- Não, desculpe outra vez. Tenho
muitas coisas para resolver.
- Vejo você mais tarde? – Cathy
não respondeu. Ela o encarou
com curiosidade, como se não
soubesse do que Dyo estava
falando. – Nosso encontro.
Esqueceu?
- Dyo! Acabei esquecendo. Eu...
– olhou para mim sorrindo, sem
saber o que dizer.
- Eu explico tudo. Pode deixar –
pisquei para a minha namorada,
com o familiar conforto no
921
peito. Era perfeito tê-la de forma
tão tranquila outra vez.
Cathy se despediu de nossos
amigos com abraços carinhosos
de boas vindas. Caminhamos de
mãos dadas até a porta. Antes
dela sair a abracei forte, sendo
retribuído instantaneamente e
com a
mesma intensidade. Aquele
simples gesto acalmou meu
coração temeroso.
- Estarei esperando por você na
porta da torre, se não se
incomodar – acrescentei antes
que
ela pensasse que eu estaria
cercando-a de cuidados. Cathy
922
sorriu daquela maneira peculiar,
e que
naquele momento eu entendi que
levava luz ao meu mundo.
- Fique dentro do carro, por favor.
E me avise quando chegar –
apertou-se ainda mais em mim,
instintivamente corri minhas
mãos pelas suas costas
prendendo-a. Ela colou seus
lábios aos meus
com um suspiro que quase me
fez desistir de deixá-la ir.
Como eu senti falta daqueles
lábios. Precisaríamos de muito
tempo até que a falta que ela me
fazia fosse amenizada. Cathy
interrompeu nosso beijo e foi
923
embora sorrindo. Olhei para meu
relógio
e comecei a contar os segundos
para tê-la comigo outras vez.
Capítulo 21
Amor, Medo e Confusões
VISÃO DE CATHY
Podia ser loucura, mas eu me
sentia completa novamente. Uma
onda de paz e felicidade
tomava conta de meu corpo me
tornando mais leve. Eu estava
mesmo mais leve. Todo o peso
da
tristeza tinha me abandonado no
instante em que entendi que não
poderia mais manter a distância
entre nós dois.
924
Samantha estava certa quando
dizia que podíamos escolher
entre ser feliz ou não. Eu tinha
finalmente escolhido ser feliz
com Thomas, mesmo que sua
teoria não fosse verdade. Estava
disposta
a esquecer tudo e aceitar o meu
destino ao seu lado. O pior, ou,
melhor de tudo, era que não
sentia
culpa por aceita-lo de volta em
minha vida, apenas alívio.
A pressa de chegar e de sair,
não me impediu de perceber que
a chuva tinha passado, e que o
céu, embora não muito azul,
estava claro. O sol aquecia
925
aqueles que o buscassem.
Fechei os olhos e
senti como se meu próprio
coração estivesse sendo
aquecido, ou seria apenas a
forma como me
sentia em relação à vida?
Parei antes de entrar no imenso
prédio e olhei para cima. Era
realmente alto e imponente, um
orgulho para os americanos.
Uma verdadeira demonstração
do seu poder.
Cheguei apressada no escritório.
Sandra me olhou questionando
toda a minha disposição. Eu

926
apenas sorri em resposta. Estava
muito grata pela nossa conversa
e fiz uma anotação mental:
convidá-la para um almoço em
outro momento. Poderíamos ser
mais próximas.
Entrei em minha sala no mesmo
instante em que meu telefone
começou a tocar. Atendi e era
Roger.
- Oi. Você está ocupada? Já
liguei algumas vezes – perguntou
sem enfatizar nada.
- Não. Você quer alguma coisa?
- Na verdade não estou
conseguindo falar com Betina e
pensei em te pedir para falar com

927
Sandra para organizar os
documentos necessários para a
reunião de amanhã. Mandei tudo
por e-mail
para você.
- Ok. Vou verificar. Acabei de
chegar. Ainda não liguei o
computador. Pode ficar tranquilo
vou providenciar tudo.
- Se atrasou? Aconteceu alguma
coisa? – Pareceu mais atento à
conversa e eu imediatamente
fiquei tensa. O que dizer?
- Dormi até mais tarde. Estava
muito cansada.
- Você deveria checar as notícias
também. Tem você em muitos
lugares hoje. Quer dizer, tem
928
nós dois – fechei os olhos
tentando me concentrar. Os
fotógrafos da noite na boate.
- Paparazzi. São terríveis!
- Não é tão ruim. Cedo ou tarde
as pessoas ficariam sabendo que
você tem um namorado novo.
- Não quero ninguém
comentando a minha vida – fui
ríspida. – Não é da conta deles,
nem de
ninguém.
- Pelo visto te incomoda assumir
o nosso relacionamento.
- Não é isso – respondi
automaticamente. Eu não queria
magoá-lo. – Ainda existe muita
coisa
929
para ser resolvida. Não queria
que esta história virasse
manchete. Você me entende?
- Entendo. Acho que seu
encontro com ele naquela noite
acabou mexendo demais com
você –
ele tinha percebido. Claro!
- Não posso mentir para você,
Roger. Esta história toda é muito
difícil para mim.
- Vocês têm conversado?
Alguma novidade em relação a
teoria dele sobre o que
aconteceu? –
Roger estava alerta e eu não
podia dar nenhum passo em
falso.
930
Meu coração apertou com a
menção ao que tinha acontecido.
Por mais que eu acreditasse que
superaria, o tom que Roger usou
para citá-la me doía.
- Sim. Quer dizer... Estamos
mantendo contato através de Mia
– inventei a desculpa na hora. -
Parece que existe mais uma
testemunha. O garçom que
estava no bar naquela noite – fiz
força para
conseguir falar naturalmente. –
Nós vamos nos encontrar com
ele hoje para que tudo seja
resolvido.

931
- Então você está bem perto de
descobrir a verdade, ou o que ele
acredita ser a verdade –
disse com amargura. – O que vai
fazer depois disso?
- Não sei – menti. – Ainda não
conversamos sobre isso e eu
preciso primeiro ouvir o tal rapaz.
- Cathy, não quero me meter em
suas decisões. Você sabe que,
acima de tudo, me preocupo
com você, e como disse antes,
não acredito que esta história
seja verdadeira. Desculpe, mas
eu
consigo enxergar Thomas por
trás disso tudo apenas para tê-la

932
de volta. Quem poderá garantir
que
este garçom é realmente o que
estava no bar? E se for? Quem
garante que Thomas não pagou
a ele
para contar uma história que
pareça convincente para você
aceitar a versão dele? – Tive que
respirar
longamente para não desabar. E
se Roger tivesse razão? Meu
amor por Thomas seria forte o
suficiente para aceitar?
- Não sei, Roger. Não quero
pensar nisso agora. Quero tirar
minhas próprias conclusões e só

933
poderei fazer isso depois de ouvir
o que o garçom tem para me
contar. Então pensarei em todo o
resto – Roger ficou um pouco
contrariado com a minha
resposta. O que ele não sabia
era que
independente do que
acontecesse, a minha decisão já
estava tomada. Não iria voltar
atrás, mesmo
que isso me custasse a dúvida
eterna. – Roger, eu preciso saber
– falei com honestidade. –
Preciso ir
até o fim. Entender os motivos de
Anna para ter feito o que fez.

934
Entender os motivos do Thomas
para
ter passado pelo que passou.
Preciso descobrir a verdade ou
então nunca terei paz de espírito.
Eu
mereço isso. Mereço ser feliz
outra vez – ele ficou calado,
provavelmente refletindo sobre o
que eu
disse.
- Então eu vou com você. Posso
te ajudar no que for necessário.
Só vou organizar algumas
coisas aqui e pegarei o primeiro
avião...

935
- Não precisa – o interrompi. –
Mia virá me encontrar para irmos
juntas – mais uma mentira.
Eu não podia dizer iria com
Thomas. - E você tem coisas
para fazer. Tem sua mãe e todos
os seus
problemas, não quero que ela
piore por minha causa. Não se
preocupe, amanhã poderemos
conversar
melhor.
- Cathy, preciso fazer uma
ligação agora e resolver algumas
coisas antes do meu embarque.
Quando tiver alguma novidade,
por favor, me avise. Gostaria de
te ajudar no que for necessário.
936
- Claro! – Peguei minha bolsa,
tirando o meu celular de dentro.
Nenhuma ligação. – Vejo você
amanhã – desliguei o telefone
com a cabeça já cheia de
pensamentos que não me
ajudavam em nada.
Aproveitei para colocar minha
agenda em ordem e analisar
alguns documentos. Uma hora
depois meu celular ainda não
tinha tocado. Thomas não me
ligava. Então me lembrei de que
ele não
tinha o meu novo número. Eu
havia cancelado anterior para
que ele não pudesse me
encontrar. Quase
937
gargalhei. Eu estava ali,
angustiada porque não recebia
uma ligação dele, enquanto
Thomas nem
sabia como o fazer.
Aproveitei a desculpa para ligar,
já que estávamos juntos outra
vez, o que lhe dava o direito
de ter o meu novo número. Não
tive como evitar o imenso sorriso
em meu rosto antes mesmo de
ouvir a sua voz.
- Alô? – Ele atendeu no segundo
toque. Obviamente não sabia
quem era.
- Oi.
- Cathy? Oi! – Parecia não saber
como reagir a minha ligação.
938
- Estou ligando para te passar o
meu número. Eu troquei
quando...
- Eu sei – me interrompeu
evitando as lembranças
indesejadas. – Quem bom que
agora tenho
permissão para ter o seu número
novo.
- Mas não abuse. Lembre que...
- Eu sei, eu sei... Roger – falou
impaciente. – Não vou abusar.
- Ótimo! Obrigada! – Achei graça
da sua irritação. – Você me liga
quando chegar, mas fique
dentro do carro. Ultimamente os
fotógrafos estão acampando
aqui. Tudo por uma manchete de
939
primeira página.
- Tudo bem, Cathy. Não vou sair
do carro.
- Ok! Vejo você mais tarde –
fiquei em silêncio sem saber
como finalizar a nossa conversa.
- Estou contando os minutos.
Doido para te ver e te tocar –
absurdamente a minha pele ficou
arrepiada. Era uma reação
exagerada, mas eu me deliciei
com aquilo.
- Isso soa muito bem para mim.
- Eu sei. É por isso que estou
dizendo.
- Vejo você depois.
- Estarei aí. Nada neste mundo
poderá me impedir.
940
Desliguei o celular e voltei ao
trabalho. Com muito mais
vontade de acabar logo. Desta
forma
as horas passaram e eu nem
percebi. Somente me dei conta
quando o meu celular tocou e era
Thomas.
Meu coração acelerou e, como
uma adolescente, senti minhas
mãos ficarem suadas e um
milhão de
borboletas em meu estômago.
- Já cheguei. De quanto tempo
mais você precisa?
- Em vinte minutos estarei aí –
meu coração disparou. Deus
como eu o amava!
941
Fiquei sorrindo para o celular até
que Sandra entrou na sala com
algumas correspondências.
Eram relatórios enviados por
outras filiais para a reunião do
dia seguinte além de documentos
e
propostas para eu analisar.
Passando os papéis achei um
envelope pardo sem nenhuma
identificação.
- O que é isso aqui Sandra? –
Fiquei intrigada com o envelope
sem identificação de emissor
ou destinatário. Poderia ser de
outro setor ou dela mesma que
acabou se misturando aos meus
documentos.
942
- Não sei – franziu o cenho
analisando o envelope em
minhas mãos. – Não estava aí
quando
separei o que iria te entregar –
soltei imediatamente o envelope.
No país em que vivíamos era
muito
arriscado abrir uma
correspondência nessas
circunstâncias.
- Chame a segurança e não
toque neste envelope.
***
Foi uma verdadeira confusão. Os
seguranças optaram por chamar
os bombeiros e os

943
bombeiros chamaram o
esquadrão antibombas. Eu só
conseguia olhar para o relógio e
ficar cada vez
mais angustiada com a demora.
Thomas estava me aguardando e
eu queria mais que a bomba
explodisse logo para acabar com
tudo aquilo para poder estar com
ele outra vez.
Após quase uma hora
aguardando uma resposta, fui
informada que o envelope
continha apenas
fotos. Fotos? Aliviada voltei à
sala, tendo a certeza de que
todos me observavam curiosos,
afinal de
944
contas eu havia recebido a
correspondência e o caos tinha
se estalado em todo o escritório.
Assim que cheguei notei a pilha
de fotos espalhadas sobre a
minha mesa. Quem me enviaria
fotos? Aproximei-me mais para
ver do que se tratava, então
entendi. Eram fotos de Thomas
acompanhado de uma mulher,
que eu constatei, chocada, ser
Mia, minha melhor amiga.
Eles estavam em vários lugares,
juntos. Ela entrando e saindo da
casa dele, eles em um
restaurante. Os dois saindo
juntos do nosso apartamento. O
que era aquilo tudo?
945
Juntei as fotos em uma única
pilha e agradeci a todos pelos
esforços. Sandra me ajudou
facilitando a saída dos policiais,
bem firme, sem ser grosseira,
mas visivelmente agitada. Ela
entendia como eu me sentia
após aquela revelação.
- Não tenho ideia de como foram
parar aí. Não consigo imaginar
como...
- Quem esteve com você em sua
mesa? – Estava chocada com o
com o que tinha visto. Alguém
tentava insinuar que eles tinham
um caso? Não. Não era possível.

946
- Várias pessoas. Recebi estes
documentos ao longo do dia.
Muitos passaram pela minha
mesa. E eu me ausentei algumas
vezes. Não tenho como saber
como elas foram parar aí. Sinto
muito!
Desculpe!
- Tudo bem, Sandra. Não é culpa
sua. Por favor, tome mais
cuidado. Não deixe os
documentos
na mesa quando você não
estiver.
- Vou ser mais cuidadosa.
Precisa de mais alguma coisa?
- Não – coloquei as fotos em
minha bolsa. – Na verdade eu
947
estou atrasada. Tenho que ir –
saí
o mais apressada possível.
Thomas e Mia tinham uma
explicação a me dar e eu
implorava para que fosse
bastante
convincente. Não suportaria
passar por tudo de novo.
Capítulo 22
Novos Acontecimentos
VISÃO DE THOMAS
Parei o carro logo após o world
Trade Center e fiquei observando
a sua imensidão enquanto
aguardava Cathy. Eu não
precisava me preocupar com fãs

948
enlouquecidos cercando o meu
carro, pois
o vidro era tão escuro que seria
praticamente impossível alguém,
mesmo de perto, me reconhecer

dentro.
Os fotógrafos também não me
reconheceriam, eu não usava
muito aquele carro. Olhei para o
relógio ansioso para abraçá-la e
saciar o meu desejo por seus
lábios. As poucas horas que
ficamos
separados estavam quase me
enlouquecendo, por isso,
faltando alguns minutos, sentia-
me tão ansioso
949
pela sua presença que estava
quase descendo do carro para
buscá-la pessoalmente.
Peguei o celular para ligar para
ela de novo, mas parei antes de
completar a ligação. Cathy
precisava do espaço dela e eu
não iria invadi-lo. Tamborilei os
dedos no volante tentando
pensar em
outra coisa, como no caminho
complicado até Harlem e todo o
seu trânsito absurdo.
Enquanto estava aguardando por
ela e absorto em meus
pensamento, não percebi que
outro

950
carro, com os vidros tão escuros
quanto os do meu, estacionava
um pouco adiante. Olhei pelo
retrovisor avistando Cathy saindo
da torre norte e procurando por
mim.
Meu sorriso radiante se
apresentou sem nenhum esforço.
Vi alguns fotógrafos, respeitando
uma
distância mínima, imposta pelos
seguranças do prédio, ou da
empresa, tentando captar o
máximo de
imagens dela. Suspirei sem me
sentir indignado. Eu estava mais
encantado com a presença dela
do
951
que irritado com qualquer outra
coisa. Era a felicidade de volta a
minha vida.
Comecei a me preparar para
recebê-la quando avistei, vindo
em minha direção, o mesmo
homem que encontrei na casa da
Anna.
Não tinha como não o
reconhecer. A garra subindo em
seu pescoço o tornava
inconfundível.
Em sua mão direita estava uma
arma e ele a empunhava em
minha direção sem se preocupar
com as
outras pessoas que andavam
pela rua movimentada. Como
952
reflexo olhei para trás para me
certificar
que Cathy estivesse segura.
Ao perceber que atiraria, engatei
a marcha ré e fui o mais rápido
possível ao encontro dela.
Senti o primeiro disparo atingir o
para-brisa e me encolhi em
defesa. “Graças a Deus mandei
blindar
todos os meus carros depois do
que aconteceu com Cathy”
pensei ao perceber que a bala
não havia
conseguido penetrar no vidro,
caso contrário eu já estaria
morto.

953
Sem reação alguns seguranças
ainda pensavam no que fazer e
sinceramente atirar de volta em
meio a tantos transeuntes era
realmente uma loucura. O pânico
se instalou e as pessoas
correram
tentando se afastar o máximo
possível do alvo, que pelo visto
éramos eu e Cathy. Alguns
seguranças
se reerguiam do chão se
preparando para agir, eu não
podia esperar por eles. Parei
bruscamente ao
lado dela, que ainda em pânico
não sabia o que fazer ao

954
perceber a confusão e estava
petrificada na
calçada.
- Entra, Cathy! – Gritei ao abrir a
porta do carro. – Entra agora! –
Ela se jogou no bando do
carona, imediatamente engatei a
primeira e arranquei com o carro,
passando pelo atirador que corria
em direção ao seu carro,
provavelmente para tentar
cumprir o seu objetivo.
- Meu Deus, Thomas! O que foi
isso? Por que ele estava atirando
no seu carro? O que
aconteceu? – Cathy gritava
desesperada enquanto tentava

955
arrancar de mim respostas que
eu não teria
como dar.
Olhei pelo retrovisor, e como
havia previsto, o carro nos seguia
diminuindo cada vez mais a
distância entre nós.
- Droga! – Pisei no acelerador
tentando ter o máximo possível
de atenção com o caminho e a
movimentação das ruas por onde
eu passava em alta velocidade.
Minha mente trabalhava a mil por
hora sem conseguir achar uma
saída.
- Ele está nos seguindo? Thomas
me responda alguma coisa! –
Seu grito preencheu o carro me
956
fazendo reagir.
- Coloque o cinto de segurança!
– Gritei ao perceber que o carro
se aproximava ainda mais.
- Por que ele está fazendo isso?
O que ele quer? – Ela continuava
a gritar.
- Eu não sei! – Rebati sem
paciência. – Pare de gritar e ligue
para a polícia – no mesmo
instante, diversas balas
açoitaram o vidro traseiro do meu
carro transformando-o em um
mosaico, e
me impedindo de enxergar o que
acontecia atrás de mim. Eu
estava completamente cego para
as
957
ações dele. – DROGA!
Cathy tirou o celular da bolsa e
muito nervosa começou a discar
o número da polícia. Fiz uma
curva a toda velocidade, fazendo
os pneus cantarem sobre o
asfalto enquanto tentava
alcançar a
Quinta Avenida. Cathy explicava
a atendente o que estava
acontecendo e entre lágrimas
descrevia o
nosso percurso.
Percebi, tarde demais, que o
carro do atirador estava
praticamente ao meu lado.

958
- Cathy, segure-se! – Gritei antes
do impacto. O carro dele se
jogou sobre o meu tentando me
fazer bater ou até mesmo
capotar.
Consegui com muito esforço
manter o carro na pista, mas se
continuássemos daquela forma
não conseguiria resistir por muito
tempo. Outra bala atingiu a porta
do carro e depois mais duas
tentaram quebrar o vidro sem
sucesso.
- Ai meu Deus! – Uma Cathy
totalmente desesperada
acompanhava toda a ação. Eu
apenas
queria tirá-la dali.
959
Foi quando ouvi ao longe as
sirenes das viaturas. No mesmo
instante senti que meus
músculos
relaxarem gradativamente. O
som se aproximava e
rapidamente os carros se
aproximavam. Comecei
a diminuir a velocidade, então o
outro carro passou por nós,
lançando mais uma chuva de
balas e
depois seguiu em frente a toda
velocidade com algumas viaturas
em seu encalço.
Diminui a velocidade até parar o
carro e olhei para Cathy. Ela
tremia muito, chorando em
960
pânico. Puxei-a para meus
braços e assim ficamos até que
um policial forçou a porta
pedindo para
que descêssemos.
Assim que consegui descer,
alguns policiais me cercaram
enquanto outros entravam pelo
outro
lado para ajudar Cathy. Ela
estava em choque. Expliquei aos
policiais tudo o que tinha
acontecido
desde o princípio. Omiti apenas a
informação de que já conhecia o
sujeito e que provavelmente ele
estava envolvido com o que tinha
acontecido na noite em que
961
Cathy me pegou na cama com
Anna.
Não sei por qual motivo eu sentia
que aquele ainda não era o
momento. Enquanto conversava,
Cathy se apertava em meus
braços em buscar de segurança.
Ela tremia muito e, exatamente
por este
motivo, procurei me manter
calmo.
Liguei para Dyo. Meu amigo e
agente, era a pessoa mais
indicada para me ajudar a
resolver a
situação. A população se
aglomerava na rua e logo muitos

962
flashes eram disparados em
nossa direção.
- Você precisa sair daí
imediatamente – Dyo estava
tenso. Não era pra menos.
- Os paramédicos estão
atendendo a Cathy. Ela está
muito transtornada – passei as
mãos pelos
cabelos, mantendo a cabeça
baixa e falando apenas o
necessário.
- Droga, Thomas! Esta merda
tem que ser comunicada a
polícia.
- Ainda não. Não é o momento
certo, Dyo. Confie em mim.

963
- Ok. Vou ligar para Raffaello. Ele
o encontrará na delegacia. Tente
manter a calma e traga
Cathy para casa.
- Vou fazer isso.
Como previsto, Raffaello já
estava na delegacia quando
chegamos para prestar
depoimento. A
entrada estava tomada por
repórteres e fotógrafos. Muito
seria falado naquele dia. Mia
chegou um
pouco depois, provavelmente
avisada por Dyo. Ela conseguiu
acalmar um pouco a Cathy.

964
O restante da tarde foi difícil e
cansativo. Eu e Cathy ficamos o
tempo todo de mãos dadas e
repetimos diversas vezes o que
tinha acontecido. Graças a Deus
ela pouco sabia sobre o que
tinha
ocorrido de fato e não era minha
intenção colocá-la a par de tudo.
Não enquanto não tivesse
certeza
de que ela estaria a salvo.
A polícia seguiu o carro do
atirador durante quase vinte e
cinco minutos, porém acabaram
perdendo-o pelas ruas do
Harlem, exatamente para onde

965
nós estávamos indo. Foi quando
me lembrei
do motivo de eu e Cathy
estarmos juntos aquele horário,
nós tínhamos um encontro com
Mário.
Peguei o celular e tentei ligar
várias vezes para ele, mas
chamava e ninguém atendia.
Comecei a ficar
apreensivo. O depoimento dele
era de vital importância.
Ouvi diversas justificativas para
sustentar inúmeras teorias
formuladas pelos agentes.
Nenhuma delas se aproximava
do meu raciocínio, também

966
pudera, eu havia omitido
informações
tanto na morte da Anna quanto
neste incidente. Eu tinha certeza
que existia uma forte ligação
entre o
que aconteceu no bar na noite
em que acabei na cama com
Anna, o seu assassinato e
aquele atentado
eu tinha acabado de sofrer.
Existia um personagem que
estava presente em dois destes
acontecimentos. O homem com a
gigantesca tatuagem e o
cavanhaque de mau gosto.
Infelizmente eu não podia
informar este fato para a
967
polícia ainda, pois corria um sério
risco de que Mário se recusasse
a confirmar o que tinha dito, e
jogar por água abaixo a minha
chance de provar a Cathy que
tudo tinha sido uma armação.
Entender o porquê era a parte
mais difícil. Era óbvio que alguém
nos queria separados. Ou
para me prejudicar ou para
prejudicar Cathy. Só conseguia
pensar em duas pessoas que
poderiam
querer a qualquer custo alcançar
este objetivo: Roger, mas ele não
era um doente a este ponto, por
mais que eu o odiasse nunca o
assimilaria a coisas tão terríveis,
968
principalmente porque ele
sempre
respeitou a vontade da Cathy e,
ao menos para ela, vinha
demonstrando uma grande
amizade.
A outra pessoa era a mais óbvia:
Lauren, mas ela estava
trancafiada em um hospício, e
até
onde eu sabia, não tinha mais
nenhum traço de sanidade
mental. Mesmo assim eu iria me
certificar
assim que estivesse longe da
delegacia e com Cathy bem
tranquila em meus braços. Se
Lauren tivesse
969
algo a ver com aquilo com
certeza seria fácil descobrir.
Fomos liberados e tivemos que
pegar uma carona com Raffaello,
pois meu carro teve que ficar
para ser periciado e quando
fosse liberado iria direto para
uma oficina. Graças a Deus Eric
tinha
convocado mais dois homens
para cuidar da nossa segurança
na saída. Era incrível como
aqueles
caras conseguiam transformar
um problema grave em um
evento.
Vi a mesma repórter
inconveniente da outra vez, já a
970
postos para nos interceptar. Fiz
questão
de mudar a direção para evitar
um confronto direto, contudo a
mulher era mais rápida e muito
mais
perspicaz e não consegui evitar
despejasse as suas perguntas
venenosas, constrangendo
Cathy.
- Cathy, ontem tivemos uma
chuva de fotografias suas com
um novo namorado e hoje
novamente estamos procurando
respostas para mais um atentado
envolvendo você e seu ex-noivo,
Thomas Collins. Você tem algo a
dizer?
971
Cathy ficou tensa. Com os
seguranças ao seu redor, ela
tentava passar pela multidão sem
ser
interceptada e muito menos
obrigada a responder perguntas
tão maliciosas. Ela nada disse,
no entanto
a repórter não se deu por
vencida.
- Thomas, quem é a linda mulher
com quem você tem sido visto
nos últimos dias? De que
forma seus encontros com ela
estão ligados ao seu ex-
relacionamento com Cathy
Brown? – Eu nem

972
sabia do que ela estava falando,
e provavelmente era mais uma
mentira descarada que eles não
cansavam de inventar, porém
fiquei com muito medo de que
pudesse atrapalhar a minha volta
com
Cathy.
Deixei que os policiais cuidassem
de tudo e fui embora com Cathy.
“Sem declarações desta
vez” pensei com ironia e raiva.
Pelo menos, depois de toda
aquela loucura, eu podia ter uma
única
satisfação: todos estavam me
vendo ao lado de Cathy e a

973
história da separação seria
desmentida,
apesar de ser uma verdade.
Fomos direto para o nosso
apartamento, eu tinha voltado a
pensar em minha casa como
nossa.
Cathy pediu a Mia que passasse
em sua casa para pegar algumas
roupas e objetos pessoais, o que
me
deixou extremamente feliz. Tudo
indicava que passaríamos aquela
noite juntos. Na medida do
possível tudo voltava ao seu
normal.
O apartamento estava
movimentado. Toda a minha
974
equipe tentava nos ajudar na
batalha
exaustiva que era acalmar os
amigos e parentes que não
podiam estar presentes, além
das tentativas
irritantes dos repórteres que
ligavam querendo a todo custo
uma notícia. Pelo visto todos os
meios de
comunicação já tinham noticiado
o ocorrido.
- O que devemos dizer? – Kendel
e Dyo já estavam a todo vapor
articulando a melhor maneira
de nos tirar daquela situação
sem nos expor muito.

975
- Sara concordou em dizer que
foi uma tentativa de sequestro. A
polícia vai sustentar esta
versão – Dyo estava de frente ao
computador buscando por todas
as notícias que saíam. Ao fundo
a
TV ligada tinha seus canais
trocados a todo o instante,
enquanto Eric e Kendel viam e
reviam os
noticiários.
- E quanto àquela repórter...
Adriana... Adriana alguma coisa.
Ela não para de tentar encontrar
um furo sobre o relacionamento
deles – Kendel olhou
rapidamente para mim.
976
- Não vamos dizer nada.
Ninguém precisa saber o que
aconteceu realmente e para
todos os
efeitos, nós nunca nos
separamos – Cathy levantou a
cabeça ao ouvir a minha
declaração e sorriu
discretamente.
- Tudo bem... - meu amigo voltou
a olhar a TV enquanto atendia as
milhares de ligações. Os
telefones não paravam.
Passei meia hora com minha
mãe ao telefone repetindo tudo o
que aconteceu e jurando que não
tinha sofrido sequer um
arranhão. Reafirmei a conclusão
977
da polícia: havia sido uma
tentativa de
sequestro, devido a minha fama
e dinheiro.
Claro que Melissa não se
conformaria com apenas um
telefonema. Minha mãe queria a
todo
custo abandonar tudo para ficar
comigo por alguns dias, dizendo
que queria se certificar de que eu
estava realmente bem. Fiz um
enorme esforço para convencê-la
de que não seria necessário e
jurei
que estaria com ela o mais
rápido possível.

978
Além disso me fez prometer que
reforçaria a segurança. Coisas
de mãe! Concordei, até porque
na verdade este era o meu plano.
Quem quer que tivesse
aprontado tudo aquilo, não
estava jogando
para perder. E eu não estava
pensando apenas em minha
segurança, mas principalmente
na da Cathy.
Os três tiros que ela levou da
Lauren foram mais do que
suficientes para me manter mais
do que
alerta.

979
Observei Cathy conversar com
diversas pessoas ao telefone,
dentre elas Samantha e Roger.
Sam estava em pânico e Cathy
tentou a todo custo impedi-la de
viajar para Nova York e não
conseguiu. Ela já estava com as
malas prontas e o jatinho
aguardando para levantar voo.
A conversa com Roger foi mais
curta, ele estava em Los Angeles
e precisava resolver alguns
problemas. Só queria mesmo se
certificar de que ela estava bem.
Estranho para alguém que se
preocupava tanto com a sua
“namorada”, mas não levei nem

980
dois segundos nesta linha de
raciocínio.
Com certeza ele também tinha
nos visto justos e de mãos dadas
em todos os canais.
Sara ligou várias vezes,
passando muito tempo ao
telefone comigo, Cathy, Dyo,
Kendel e até
mesmo Eric. Ela estava muito
assustada. Pelo tempo em
conversamos deu para perceber
que ela
compartilhava minhas ideias. Eu
ainda não queria externá-las e
prometi que ligaria mais tarde
para

981
que pudéssemos conversar com
mais tranquilidade.
A ligação que mais nos
surpreendeu e ao mesmo tempo
alegrou, foi a da Helen. Nós não
tínhamos mais tanto contato
devido à loucura que a minha
vida tinha se tornado desde que
tudo
aconteceu. Até mesmo Cathy
havia conversado com ela
apenas uma única vez nesse
período.
Conversamos não apenas sobre
o incidente, mas sobre a vida
dela e sua filha Sophia. Notei

982
que Cathy ficou mais relaxada
conversando com Helen e que
seus olhos brilhavam enquanto
conversavam sobre a criança.
Deveríamos pensar em filho ou
era cedo demais? Na verdade,
depois
de perdê-la tantas vezes, nada
mais era cedo para acontecer.
- Assim que estiver tudo
resolvido, Helen, eu prometo –
Cathy sorriu e olhou para mim. –
Claro. Nós vamos adorar!
Combino tudo com Thomas.
Quando desligou Cathy levantou
do sofá vindo em minha direção.
Não pensei que ela seria tão

983
explicita, já que estávamos
cercados por nossos amigos, no
entanto ela me abraçou e
afundou a
cabeça em meu peito. Envolvi
seu corpo com meus braços e
beijei o topo da sua cabeça.
- Quer descansar um pouco?
Seria ótimo se você conseguisse
dormir – sussurrei em seu
ouvido enquanto beijava
levemente seu pescoço.
- Não quero ficar sozinha – ela
inclinou a cabeça deitando o
rosto em meu ombro.
- Eu vou com você – Cathy
levantou o rosto me olhando nos
olhos. Aquele olhar dizia tantas
984
coisas ao mesmo tempo.
De repente nada mais existia
além de Cathy, eu e o amor que
sentíamos um pelo outro. Toda a
sala desapareceu levando
consigo o barulho. As pessoas
também se foram e o mais
incrível, foi que
o chão fluidificou. Nós
levitávamos, presos por nossos
braços e olhos.
- Eu amo você – confessei sem
muito esforço. Reafirmar o meu
amor era uma necessidade
premente.
- Eu também.

985
- Vamos subir? – Ela concordou
e sem que precisássemos avisar,
entrelaçamos nossas mãos e
subimos em direção ao quarto.
Tomei o caminho do quarto que
estávamos usando, e quando
chegamos a porta do nosso
quarto
Cathy hesitou. Parei sem saber
ao certo o que ela queria.
Cathy, de cabeça baixa, parada
em frente à porta do quarto onde
tudo tinha acontecido, onde as
lembranças eram as mais
dolorosas possíveis, parecia
sofrer. Então, como se tivesse
tomado uma

986
grande decisão, ela levantou a
cabeça e abriu a porta e entrou.
A princípio pensei que apenas
queria resolver algo com as suas
lembranças, e confesso que
fiquei aterrorizado com a
possibilidade dela desistir de nós
dois, mas Cathy observou
calmamente o
quarto, como se cada detalhe
fosse de extrema importância.
Seus olhos se concentraram na
cama.
Estremeci. Com passos tímidos
caminhou até lá.
- Você trocou a cama? – Sua voz
estava tão baixa que se eu não
estivesse atento a sua reação
987
não teria ouvido.
- Sim.
- Por que?
Puxei o ar, preenchendo os
pulmões, enquanto pensava na
melhor maneira de explicar.
Suspirei.
- De alguma forma eu acreditava
que você voltaria. Não podia
fazer nada a respeito das suas
lembranças, mas poderia
amenizar um pouco o sofrimento
que elas lhe causam. Pensei que
não era
digno de me deitar outra vez com
você naquela cama, ou que ela
não era mais digna de você.
Então
988
troquei.
- Mas você acredita que tudo não
passou de uma armação, então
porque acha que eu sentiria
pesar pelo que vi?
- Porque ninguém pode apagar o
que já viveu. Principalmente a
dor causada por determinadas
experiências.
Independentemente de ser ou
não uma farsa, a tristeza pelo
que viu existe e te machuca
muito. A dor é profunda, eu sei.
Existe também o fato de que
durante muito tempo acreditamos
que o
que aconteceu era a verdade e
sofremos por causa disso. Não
989
dá para simplesmente esquecer
o
quanto doeu. Superar é um
passo importante e complicado,
enquanto esquecer é impossível.
Nunca
vou me perdoar pela dor que lhe
causei... – passei as mãos em
seus cabelos enquanto ela
acompanhava atentamente o que
eu dizia. – Não consigo esquecer
a dor em seus olhos naquele dia.
Era a representação perfeita da
infelicidade. Acredite quando
digo que sua dor também foi
minha.
- Eu acredito! – Sussurrou.

990
De repente seu semblante
começou a modificar. Havia
suavidade e brilho em seu olhar.
A paz
que há muito buscávamos e que
eu julgava termos perdido para
sempre. Ela sorriu naturalmente.
- Se eu estou te aceitando de
volta é minha obrigação deixar
com que as lembranças fiquem
no
lugar criado apenas para elas: no
passado.
Fui tomado por uma urgência
inacreditável. Cerquei seu corpo
com meus braços, puxando-a
para mim. Cobri seus lábios com
os meus num beijo cheio de
991
amor e devoção. A saudade
estava
presente em todas as minhas
células e quanto mais eu
tentasse saciá-la, mais desejava
estar em seu
corpo quente. Naquele momento
nada mais me importava.
Pensei se deveria ou não deitá-la
na cama nova. Ela disse que iria
superar, mas quem pode
entender a cabeça de uma
mulher? Cathy, como se tivesse
ouvido meus pensamentos,
inclinou o
corpo em direção a cama
fazendo com que minha

992
insegurança virasse fumaça.
Sem pensar nas
pessoas que estavam no nosso
apartamento, mesmo que no
andar de baixo, fizemos amor
apaixonadamente e finalmente a
cama foi inaugurada.
Deitada em meu peito, Cathy
ficou pensativa. Não quis
interromper o seu momento, até
porque
precisava do mesmo silêncio
para me ligar em minhas próprias
indagações. Questionava-me se
todas
as pessoas pensavam como eu
quando estavam amando?

993
Porque o sexo tinha um sabor
tão especial,
único, como eu nunca tinha
provado antes. Ou essa
sensação era apenas minha,
devido ao amor que
sentia por ela, que chegava a ser
maior do que o que sentia por
mim?
Deixei que um suspiro escapasse
dos meus lábios chamando a
atenção dela para mim. Cathy
levantou um pouco a cabeça me
encarando. Foi sugado por seus
olhos, conseguindo enfim, entrar
em

994
seu mundo, e me vi feliz nele,
então sorri e fui retribuído de
maneira espetacular.
- Eu também – ela disse
manhosamente. Levantei uma
sobrancelha sem entender do
que ela
queria dizer. – Você está dizendo
que me ama... Com os olhos.
Apenas respondi.
Dei risada. Ela estava com toda
razão. Eu não só dizia que a
amava, eu sentia o amor correr
nas veias e inundar meu
coração, por isso não externei.
Não existiam palavras para
descrevê-lo e um

995
simples “eu te amo” era pouco
para descrever meu sentimento.
Afaguei seus cabelos. A
sensação era maravilhosa após
tanto tempo de separação.
Depois
deixei meus dedos percorrerem
seus braços sentindo a
suavidade de sua pele.
- Preciso de um banho. Será que
Mia já chegou com minhas
coisas?
- Vou verificar. Te encontro no
banho – Cathy me olhou com
aprovação e levantou indo em
direção ao banheiro. Desfilou seu
corpo nu para o meu deleite.

996
- Não demore – disse sem olhar
para trás num tom cheio de
promessas. Sem perder tempo
vesti o primeiro short que
encontrei e desci para verificar se
Mia já tinha chegado.
Meus amigos ainda estavam
reunidos na sala. A tensão no
ambiente me assustou.
- O que foi? – Perguntei e
instantaneamente vi que eles se
entreolhavam especulando quem
deveriam contar. Como sempre
Dyo se adiantou.
- Algo muito sério – colocou as
mãos no bolso. Um gesto que eu
bem conhecia do meu amigo.

997
Ele estava tenso e pelo visto,
sem saber como resolver o
problema.
- Isso eu já percebi. O que
aconteceu?
- Thomas, acabamos de ver nos
noticiários que um acidente
aconteceu em Harlem – pensei
em
Mário na mesma hora.
- Mário está morto – afirmei
entendendo o que tinha
acontecido e Dyo confirmou. –
Como?
- O carro dele explodiu. A polícia
acha que um curto circuito pode
ter causado um incêndio

998
que acarretou na explosão na
hora em que ele deu partida.
Ainda estão aguardando os
laudos da
perícia – Dyo apenas repetia
para mim o que foi dito nos
jornais, no entanto sabíamos a
verdade:
Mário havia sido assassinado. A
sua morte estava diretamente
relacionada ao que vinha
acontecendo
comigo.
- Isso é preocupante e
assustador. Mário era a última
testemunha do meu caso. Se for
verdade

999
o que estamos pensando,
alguém está muito empenhado
em impedir que Cathy descubra
o que
realmente aconteceu.
- Como você vai contar isso a
ela? – Mia, visivelmente
perturbada com os últimos
acontecimentos, entrou na
conversa.
- Não estou mais preocupado
com este fato. Nós dois já
conversamos e nos acertamos
sem
precisar de mais testemunhas.
Cathy acredita em mim e não
vamos mais nos separar – sorri

1000
timidamente, sem querer festejar
em um momento tão delicado. –
Mas precisamos nos atentar para
o
fato de que existe alguém lá fora
muito interessado em nos manter
separados. Duas pessoas já
morreram e hoje eu e Cathy
passamos por momentos bem
difíceis, então estou bastante
preocupado
com a segurança dela.
- E com a sua também. Não
esqueça que esta pessoa pode
estar interessada em te manter
solteiro, ou a Cathy, não
sabemos ao certo quais os

1001
objetivos dela, ou dele – Kendel
me alertou.
- É verdade, Thomas. Você corre
tanto risco de morte quanto a
Cathy – Dyo completou.
- Tudo bem – suspirei
audivelmente - O que vamos
fazer agora?
- O que aconteceu? – Paramos
imediatamente de conversar
quando Cathy irrompeu na
escada.
Não era para ela estar lá, nem
para ouvir aquela parte da
história. Não que eu fosse
esconder dela o

1002
que estava acontecendo, mas
porque já tínhamos vivido
problemas demais para um dia.
Cathy desceu as escadas já
demonstrando medo. Vestia
apenas meu roupão preto que
ficava
enorme nela e tremia, não sei se
pelo frio ou pelo que poderia
descobrir. Eu havia ficado tão
preocupado com o corrido que
acabei me esquecendo de levar
as suas roupas.
Segurei em sua mão
transmitindo-lhe força. Seus
olhos me questionavam,
cobravam a verdade.

1003
Cathy precisava saber de tudo,
pois a sua vida também corria
risco. Sentamos no sofá, com
todos nos
observando, o que só aumentava
a tensão, então comecei a
explicar tudo o que eu pensava e
como os
fatos se encaixavam. Por fim
contei do suposto assassinato do
Mário e dos riscos que
corríamos.
- Não precisa entrar em pânico.
Eu já tenho até um suspeito,
apesar de ser bem pouco
provável.

1004
- Lauren? – Confirmei com um
gesto rápido, observando a sua
reação. – Mas ela continua
internada. Só se... Ligue para
Sara. Peça a ela para descobrir
quem tem visitado Lauren nos
últimos
meses. Alguém pode estar
agindo sob ordens dela – Cathy
ficou pálida. Droga! Era tudo o
que não
precisávamos naquele momento.
– Meu Deus, ela não vai
esquecer!
- Não sabemos ainda se é ela,
Cathy. Vamos pedir esta lista e
só depois poderemos ter certeza

1005
de alguma coisa – ela concordou,
contudo eu sabia que sua mente
estava dominada pelo pavor de
ter
mais alguma experiência
desagradável por causa da
Lauren. – Vai ficar tudo bem. Eric
vai reforçar a
segurança para nós dois.
- Ninguém pode saber que
estamos juntos. Lauren pode
desconfiar, mas se nós formos
discretos poderemos enganá-la
enquanto tentamos chegar até
ela.
- Tudo bem, amor! Vamos fazer
como você quiser – alisei seus
braços passando confiança,
1006
mas olhei sugestivamente para
Mia. Era hora de alguém acalmar
a minha namorada enquanto eu
resolvia a nossa vida.
- Cathy, eu trouxe as suas
coisas. Vamos subir para você se
trocar? – Cathy concordou e
apesar de abatida subiu com Mia
me deixando sozinho com
nossos amigos.
- Precisamos de mais ajuda. Não
podemos ir até a polícia, pois
pode chamar mais atenção
para o caso e acabar vazando.
Assim nunca conseguiremos
pegar o culpado – comecei a
falar assim

1007
que ouvi a porta do quarto
fechar.
- O correto é ir à polícia, Thomas.
Você tem provas suficientes para
que eles comecem a
procurar pelo cara que tentou te
matar hoje – Dyo estava
impaciente. Eu o entendia. Seria
complicado trabalhar sob a mira
de um louco, ou uma louca.
- Não temos provas, Dyo.
Somente a minha palavra e tudo
pode ser interpretado como uma
tentativa de enganar Cathy para
que ela volte para mim. Já
pensou se este caso for parar
nos jornais e

1008
na TV? Cathy não merece ter
sua vida devassada e que todos
pensem que eu a traí.
- Eu entendo seu ponto de vista,
mas se essa pessoa continuar
tentando, vocês estarão correndo
um risco muito grande. Tenho
certeza que Sara vai concordar
comigo.
- Vamos fazer o seguinte... –
Kendel começou a falar
chamando a nossa atenção. –
Tenho um
amigo investigador. Ele pode
manter o caso bem escondido
enquanto busca maiores
informações ou

1009
provas a respeito do cara da
tatuagem que desconfiamos ser
o assassino de Anna e Mário.
- Por mim está ótimo! – Dei um
tapa no ombro do Kendel
demonstrando o quanto estava
satisfeito com a capacidade dele
de enxergar soluções
adequadas. – Agora só falta
convencer Sara a
esperar um pouco mais. Eu
aceito até ficar cercado de
seguranças, se isso a deixar
mais calma.
- E Cathy? Será que ela vai
concordar? Acho que você
deveria primeiro conversar com
ela – a
1010
sensatez do Dyo mais uma vez
me alertou a levar em
consideração a opinião de Cathy.
Realmente era
o mais certo a ser feito.
- Vou conversar com ela . Cathy
tem o direito de decidir como
quer fazer – eles me olharam de
maneira esquisita. Um sorriso
irônico brotou nos lábios do
Kendel.
- Bendito fim de namoro! – Dyo
riu. Fiz cara de quem não
entendia nada. – Se eu soubesse
que
você ficaria tão mansinho, teria
combinado com Cathy para ela te
deixar antes – tive que rir.
1011
- Para de palhaçada – reclamei.
- Esta vai ser a minha mais nova
arma. “Thomas, vai tirar esta
barba ou então mando Cathy de
largar”, “Thomas, nada de
bebidas hoje, ou então a Cathy
vai embora”...
- Esta é melhor: “Thomas, nada
de ficar até tarde nas boates ou
então Cathy vai sumir outra
vez” – Dyo completou rindo. Eles
riam de mim, mas eu não me
importava. Para ter Cathy de
volta eu
iria até o fim.
- Vocês deveriam estar
procurando uma solução para os

1012
meus problemas e não
inventando
moda – eles riram ainda mais. –
Mário foi morto e vocês ficam
brincando? Quanta falta de
consideração – continuaram
rindo. – Dyo, procure a ex-
esposa dele e ofereça pagar o
enterro. O
coitado não sabia a confusão em
que estava se metendo.
- Ok. Vou providenciar. Alguma
coisa mais?
- Dá um pano para ele limpar o
chão que Cathy pisa - Kendel
continuou a brincadeira,
desconcentrando os demais, que
riam sem parar.
1013
- Isso. Melhor limpar o chão dela
do que não ter ninguém para
devotar – arqueei uma
sobrancelha em desafio. – Pelo
menos esta noite eu vou dormir
acompanhado.
- Certo. Parei a brincadeira. Você
é muito sem graça – todos rimos.
- Vou ver como Cathy está.
Deixei meus amigos ainda
discutindo sobre o que
deveríamos fazer e fui ao quarto
conversar
com Cathy. Ela já estava vestida,
sentada na cama com as pernas
cruzadas. Mia, de frente para
minha

1014
namorada, a encarava com uma
expressão séria. Parecia que
estavam tendo uma conversa
que
pertencia apenas a elas. Fiquei
sem graça por interromper, mas
Mia levantou, finalizando o que
dizia
e se despediu, deixando-nos
sozinhos. Sentei próximo a Cathy
sondando as suas reações.
- Você está bem?
- Sim. O que vocês decidiram?
- Eu não quero envolver a polícia.
Acho que se fizermos isso esta
história vai vazar e não

1015
teremos paz – Cathy ficou em
silêncio pensando no que eu
disse.
Seria muito mais difícil para ela
do que para mim se aquela
história vazasse, afinal, ela seria
a
traída e teria a sua vida
estampada em todos os meios
de comunicação.
- E o que pretende fazer? Não
sei se devemos nos preocupar
apenas com as nossas vidas,
sem
fazer algo pela morte da Anna e
do garçom. O responsável isso
precisa pagar.

1016
- Kendel deu uma ideia e eu
achei bastante conveniente para
o momento – relatei a conversa
com meus amigos e Cathy a
princípio pareceu concordar com
a solução encontrada.
- Tudo bem, Thomas, mas
quando ele tiver provas
suficientes nós vamos procurar a
polícia –
concordei. Não poderíamos
manter aquela história em
segredo a vida toda.
- Agora descanse um pouco. Eu
tenho que conversar com Sara.
Quero que ela providencie
logo a lista das pessoas que
visitaram Lauren nos últimos
1017
meses. Vamos ver se
encontramos alguma
novidade.
- Você também precisa
descansar – afaguei seu rosto
com carinho.
- Eu sei. Vou fazer isso assim
que terminar a conversa com
Sara. Mia te deu alguma coisa?
- Um calmante. Ela disse que
seria o melhor, assim eu dormiria
com mais facilidade. Mas eu
não sei. Eu... Que desastre,
Thomas. Só de pensar que tudo
isso está acontecendo por nossa
culpa...

1018
- Amor, não! Não é por nossa
culpa. Nós não podemos nos
culpar pelas atitudes de uma
pessoa desequilibrada. Quem
quer que esteja por detrás disso,
não pode ser normal. Nós não
fizemos
nada.
- Eu sei, mas... – uma lágrima
escorreu em seu rosto. Cathy
mordeu os lábios e abaixou a
cabeça. – Eu me sinto péssima
com tudo o que aconteceu. Anna,
o garçom...
- Não, Cathy! – abracei minha
namorada, confortando-a. – Vai
ficar tudo bem, amor! Não

1019
pense mais nisso. Descanse um
pouco e deixe que eu resolvo
tudo.
Deitei com Cathy em meus
braços e afaguei suas costas até
que ela finalmente foi tragada
pelo
sono, com a ajuda dos
calmantes. Ainda havia uma
lágrima no canto do seu olho e
sua respiração
falhava ora ou outra com a
presença do soluço causado pelo
choro.
Peguei o telefone e saí do quarto
para Cathy poder descansar.
Liguei imediatamente para Sara

1020
que também já tinha formulado
sua própria teoria e conversamos
por um longo tempo. Ela
conseguiria a lista de que
precisávamos e também tentaria
uma gravação, caso alguém
suspeito
tivesse visitado Lauren.
Combinamos que assim que
estivesse de posse das
informações ela entraria
em contato.
Voltei para o quarto onde
encontrei Cathy dormindo, mais
relaxada e em um sono profundo.
Nada mais do choro ou da
tristeza marcava o seu rosto

1021
angelical. A cena me trouxe paz
de espírito,
mesmo em meio a tantas
turbulências. Deitei ao seu lado e
adormeci feliz.
Capítulo 23
Nada Como o Tempo
VISÃO DE CATHY
Depois de tantos problemas,
passamos por dias de
tranquilidade. Com tantos
acontecimentos
eu não podia mais manter a farsa
do meu relacionamento com
Roger. Por este motivo o
convidei para
ir até a minha casa quando a
reunião acabou. Prometi a Sam
1022
que estaria com ela no dia
seguinte para
conversarmos melhor.
Eu precisava realmente dar um
fim naquela história em minha
vida, mesmo que para isso
tivesse novamente que sacrificar
uma pessoa que tinha por mim o
mais puro amor. Não era mais
possível continuar.
Ainda não era seguro revelar que
eu e Thomas estávamos juntos.
Roger não precisava desta
humilhação, muito menos deste
sofrimento, além disso, ainda
existia a ameaça que não
sabíamos de

1023
que lado vinha, apenas que
existia.
Roger chegou ao meu
apartamento logo depois de mim.
Era perceptível que ele sabia do
que
se tratava, e como eu não tinha
mais dúvidas do que queria, não
hesitei. Preferi omitir todas as
vezes
que eu e Thomas não
conseguimos nos conter e
terminamos nos braços um do
outro, contudo contei
que aquela história mexia demais
comigo e que não poderia manter
um relacionamento com ele

1024
enquanto tantas dúvidas estavam
instaladas em meu peito.
Não foi tão fácil quanto eu
esperava.
- Vocês estão juntos? –
Perguntou com aspereza. Ele
não reagia muito bem aos meus
argumentos. Senti-me péssima!
- Não – me apressei em mentir. –
Eu apenas...
- Mas você decidiu voltar para
ele?
- Eu ainda não decidi nada,
Roger. Eu... – senti que as
lágrimas estavam prestes a cair.
– Eu

1025
estou confusa com tudo o que
está acontecendo e preciso
entender.
- Ele está te enganando e você
está se deixando enganar, Cathy
– gesticulou enfurecido. –
Como pode ser tão tola? Como
consegue escolher viver uma
mentira tão absurda como a que
ele está
te contando? Não vê que não
existe a menor possibilidade
desta história ser verdadeira? Ou
você
quer tanto justificar a sua
vontade de voltar para ele que
está aceitando qualquer coisa?

1026
- Você está sendo duro demais
comigo.
- E como você queria que eu
reagisse ao que está me
dizendo?
- Como sempre reagiu.
Compreendendo-me. Apoiando-
me. Sendo meu amigo, como
sempre
foi – não conseguia mais conter
as lágrimas.
- Cathy, eu amo você!
Ele segurou em meus ombros
me fazendo olhá-lo nos olhos.
Foi doloroso assistir ao seu
desespero. Roger sofria e eu
também. Mia tinha razão, era
muito desonesto incentivar o seu
1027
sentimento quando eu sabia que
dentro de mim nunca seria
possível retribuir. Eu errei, mais
uma vez.
- Sinto muito!
Roger soltou meus ombros e
levantou do sofá indo até a
janela. Ficou olhando para a
noite
escura e fria, até conseguir
recuperar a calma. Chorei em
silêncio, sentindo o peso das
minhas
decisões.
- Desculpe! – disse por fim. Eu
nada respondi.

1028
Tive medo de acabar falando
mais do que poderia naquele
momento. Roger caminhou
calmamente, ajoelhando-se
diante de mim. Com um gesto
bastante delicado, acariciou meu
rosto,
limpando a lágrima que caía. –
Sinto muito, Cathy! Não quis te
magoar – sorri deixando outras
lágrimas caírem. Roger era
sempre tão perfeito!
- Eu estou te magoando mais
uma vez e você é quem me pede
desculpas?
- Não perdi a esperança. Não
ainda – olhei-o confusa. Como
não? Eu estava deixando-o, de
1029
novo. Partindo o seu coração. –
Vamos recapitular: você me
disse que não voltou com
Thomas e que
pretende aguardar até descobri
toda a verdade e ter certeza do
que está escolhendo? Ou estava
apenas esperando finalizar a
nossa história para reatar com
ele? – Não consegui pensar duas
vezes
para formular a minha mentira.
- Eu não tenho certeza do que
quero ainda. Só sei que preciso
acompanhar esta história de
perto. Quero descobrir o que
realmente aconteceu para depois

1030
decidir qual será o papel de
Thomas
em minha vida – Roger sorriu
aliviado e eu não me senti
culpada pela mentira, pelo
menos ele não
sofreria tanto.
- Então eu poderei continuar ao
seu lado, enquanto descobre o
que aconteceu e, quando chegar
a hora, você decide o que vai
querer.
- Roger...
- Cathy. Eu só quero continuar ao
seu lado até que tenha condições
de decidir o que realmente
quer. Não estou pedindo que
continue sendo a minha
1031
namorada, eu jamais te pediria
isso sabendo que
está confusa, só estou pedindo
para que você me aceite ao seu
lado até tudo ser resolvido.
Não tinha como negar este
pedido. Não era propriamente
uma traição, nem a ele nem a
Thomas. Era apenas uma
permissão para que meu amigo
continuasse ao meu lado. E
quando eu
conseguisse o tempo e as
respostas necessárias para
admitir o meu amor por Thomas,
ele entenderia,
como sempre entendeu todas as
minhas decisões.
1032
***
Thomas e eu concordamos que
precisávamos ser discretos, por
isso ele não me levava nem
buscava no trabalho. Eu ia
sozinha, sempre com um carro
com dois seguranças me
seguindo. Era
necessário, mas também
irritante.
- Preciso ter eles o tempo todo
comigo? – Questionei Thomas
assim que desci para a sala e
notei os dois rapazes
aguardando.
- Não faça essa cara, Cathy! É
para o seu bem.

1033
- Eu sei que é para o meu bem.
Não estou questionando este
ponto, mas não preciso de
ninguém me seguindo até o
banheiro, contando os meus
passos, proibindo as pessoas de
se
aproximarem...
- Colabore, Cathy! Será por
pouco tempo – suspirei
resignada. – A pessoa eu quer
nos fazer
mal pode estar em qualquer
lugar, inclusive em seu trabalho.
- Não posso trabalhar escoltada.
Vai ser constrangedor.

1034
- Ela tem razão – Dyo interferiu. –
Além do mais, vamos acabar
despertando a atenção se
Cathy aparecer para trabalhar
acompanhada de dois
seguranças.
- E o que você prefere? Ela
chamando atenção ou sofrendo
um novo atentado?
- Thomas! Dyo está sendo mais
sensato do que você – ele ia
responder, mas hesitou e se
conteve. Kendel, sentado no sofá
de costas para o nosso grupo,
deu uma risada cínica. Thomas
se
mexeu incomodado, no entanto
nada disse.
1035
- Podemos fazer assim: Cathy vai
acompanhada pelos seguranças
até a entrada da empresa –
meu amigo olhou para mim
assumindo um tom bastante
profissional. - Eles vão te
acompanhar até a
entrada, inclusive no elevador.
Quando você estiver dentro do
escritório, serão dispensados.
Certo?
– Eu poderia contestar, porém
achei melhor não esquentar
aquela briga. Acabei
concordando com o
absurdo de ter babás dentro do
elevador. Thomas estava de cara

1036
feia, ouvindo tudo o que Dyo
dizia.
- Tenho seguranças na porta do
escritório e ninguém entra em
minha sala sem ser anunciado.
Aliás, ninguém consegue chegar
até a minha secretária sem antes
ser autorizado – olhei
sugestivamente para Thomas
que me encarou resignado.
- Certo, mas quero dois homens
do lado de fora, aguardando –
falou para Dyo e logo voltou a
me olhar com firmeza. – E eles
vão te acompanhar até a porta
de casa. Não aceito nada
diferente

1037
disso – revirei os olhos. Thomas
sorriu e eu acabei aceitando sem
sentir raiva. Ele só queria me
manter protegida.
- Combinado.
E assim meus dias seguiram
essa rotina de ter sempre alguém
de olho em mim. Todos estavam
preocupados e ansiosos, porém
nada acontecia.
Na empresa tudo corria
normalmente. Roger não
demonstrava nenhuma
insatisfação comigo,
muito pelo contrário, estava mais
próximo, mais amigo. Não
conversávamos sobre Thomas,
no
1038
entanto, de tempo em tempo,
perguntava, como se não
estivesse um real interesse se
tínhamos
reatado. E eu mentia, não porque
não confiava nele, mas por não
me sentir segura para contar,
ainda
não tinha coragem de magoá-lo.
Por mais que estivesse reagindo
bem ao nosso rompimento, eu
sabia que Roger ainda gostava
de mim, então evitava qualquer
coisa que pudesse causar-lhe
dor. No fundo eu sentia que ele
já sabia
de tudo, mesmo assim não
confirmava, nem ele me
1039
desmentia. E esta era a nossa
relação no trabalho.
Uma eterna mentira que
provavelmente viraria uma bola
de neve.
Sara havia ligado dois dias
depois afirmando que já tinha
uma lista e que Lauren recebeu a
visita de duas pessoas, dois
homens, até então
desconhecidos para todos nós.
Essas visitas eram
feitas semanalmente. Os
médicos responsáveis não
tinham percebido nada que
ameaçasse a sua
melhora então a família não foi
comunicada, já que não havia
1040
restrições em sua ficha. Sara
solicitou
as fitas de segurança do período
em que essas pessoas
começaram a aparecer até o dia
em que
ocorreu o atentado. Este
processo duraria mais alguns
dias, então teríamos que ser
pacientes.
Kendel conseguiu entra em
contato com o amigo que nos
ajudaria nas investigações. Este
passou a acompanhar as nossas
rotinas e analisar os
acontecimentos. Ele acreditava
que primeiro

1041
precisaríamos encontrar o
homem com tatuado que Thomas
tinha identificado como o mesmo
que
esteve no apartamento da Anna,
no bar e autor dos disparos
contra nós dois.
Combinamos que mais ninguém
poderia saber o que estava
acontecendo para não prejudicar
as
investigações. O agente achou
melhor comunicar o caso ao
chefe de polícia que decidiu
iniciar uma
investigação sigilosa, utilizando
apenas agentes de confiança. Eu
achei ótimo! Era importante
1042
envolver a polícia.
Eu tentava equilibrar a minha
vida entre o trabalho, o caso a
ser solucionado e meu
relacionamento secreto com
Thomas. Assim, me revezava
entre recebê-lo em minha casa
ou passar a
noite na casa dele. E às vezes
receber Roger em casa, o que
era sempre um problema para
Thomas,
já que nesses dias não nos
encontrávamos.
No entanto Thomas estava cada
vez mais carinhoso e atencioso.
Nossas noites eram de muito

1043
amor. Ele não parava de me
elogiar, me cercar de cuidados.
Estava sempre por perto e suas
mãos
estavam sempre em mim,
mesmo que segurando no cós do
meu jeans. Confesso que estava
adorando.
Era muito bom ter minha vida de
volta e melhor ainda, era
acreditar que tudo foi apenas um
pesadelo
e que tinha voltado a sonhar.
Tudo de ruim tinha ficado no
passado. Consegui virar a
página. Sempre que
demonstrava o

1044
meu amor, Thomas ficava
radiante, como uma criança
recebendo um brinquedo novo.
Seus olhos
brilhavam e o imenso sorriso não
saia de seus lábios. Às vezes
sentia medo da minha decisão,
mas
bastava Thomas me olhar como
me olhava para que qualquer
dúvida desaparecesse.
Passei a acordar todos os dias
com uma rosa, de cores
diferentes, ao meu lado na cama.
Algumas vezes tinha um
recadinho dizendo o quanto ele
me amava ou o quanto estava
feliz. Era como
1045
uma injeção diária de amor
diretamente em minhas veias e
eu não conseguia pensar numa
forma de
ser mais feliz.
Faltava muito pouco para que
tudo estivesse realmente
perfeito. Eu precisava terminar
minha
participação na empresa e voltar
a ser a assistente do Thomas,
pois logo começaríamos um novo
trabalho e eu queria muito voltar
a nossa rotina. Neste turbilhão de
felicidade, meu único problema
era encontrar uma forma de
contar ao Roger sem que ele
sofresse.
1046
- Você sabe que por mim esta
parte já estaria resolvida –
Thomas falava enquanto se
barbeava, certa manhã antes de
eu sair para o trabalho. Eu o
encarava pelo espelho sem
saber o que
dizer. – Se você se preocupa
tanto com os sentimentos dele,
então seja honesta com o cara.
O mais
justo seria contar e não deixar
com que ele nutra esta
esperança.
- Você não entende.
- Cathy, ele vai sofrer de
qualquer maneira. Puxe logo o

1047
band aid. Um dia ele vai te
agradecer
por isso. Seria mais leal de sua
parte.
- Não posso machucá-lo. Não é
justo.
- Não é justo comigo também –
ele me encarou captando meus
olhos através do espelho.
Thomas tinha razão. Não era
justo com ninguém.
- Eu vou resolver isso, agora
tenho que ir – dei-lhe um beijo
rápido e saí com o coração na
mão.
Mas não foi naquele dia que
consegui contar. Roger

1048
praticamente ocupou todo o seu
tempo,
não me deixando espaço para
uma conversa adequada. Um
crise estava se instalando nas
empresas e
dentro de mim. Eu não sabia
como resolver nenhum dos dois
problemas.
Alguns dias depois Sara chegou
de Los Angeles com as
gravações e a lista das pessoas
que
tinham visitado Lauren na clínica
onde estava internada. Ficamos
tensos e eufóricos ao mesmo
tempo. Precisávamos esclarecer
toda aquela confusão.
1049
O apartamento do Thomas foi o
local onde nos encontramos para
assistirmos todos juntos.
Ninguém queria perder os
detalhes, menos eu, que só fui
porque meu namorado insistiu
muito,
argumentando que seria bom eu
saber quem era o tal homem
tatuado.
As gravações eram monótonas e
cansativas. Algumas eram
imagens apenas da recepção e
dos
visitantes que passavam por lá,
que não eram muitos. Parecia
que a pessoas esqueciam-se dos

1050
parentes que possuíam algum
grau de insanidade mental. Era
triste, até mesmo para Lauren,
que tinha
tentado me matar e era muito
provável que estivesse tentando
novamente.
Quando eu não estava mais
conseguindo prestar atenção
Thomas se sobressaltou ao meu
lado.
Olhei para a tela e vi a imagem
de um homem se identificando
na recepção.
- É ele! – Thomas afirmou
nervoso. – Este é o homem de
que eu falei – levantou se

1051
aproximando mais da TV. – É
ele. Não tenho duvidas.
- Você tem certeza , Thomas? A
imagem não está tão boa assim
– Sara estava visivelmente
abatida com a possibilidade de
Lauren estar mais uma vez
envolvida em um atentado contra
nós dois.
- Tenho. Olhem a tatuagem e o
cavanhaque. É ele!
- Vamos continuar assistindo –
falou o agente Saunders
enquanto fazia anotações em
uma
agenda. – Esta foi à primeira
aparição dele, estou marcando o

1052
horário para descobrir como ele
se
identificou. Precisamos saber
quantas vezes o sujeito esteve lá
e depois analisarmos as imagens
da
conversa com Lauren para
termos algo mais concreto.
Concordamos em continuar
assistindo e desta vez eu prestei
bastante atenção. Foram várias
visitas. Quando começamos a
assistir as imagens do suspeito
com Lauren observamos que nas
primeiras vezes ela não falava,
apenas olhava para frente
enquanto ouvia o que ele dizia.
Depois da
1053
terceira vez o sujeito foi
acompanhado de outro homem,
alto e forte, de cor branca e com
uma
tatuagem no punho esquerdo
que não deu para identificar,
Lauren parecia responder
animadamente a
tudo o que eles falavam. As
visitas não duravam muito,
depois desta houve apenas mais
uma.
Thomas estava contente com o
rumo das investigações. Ele
acreditava que as imagens
comprovavam que Lauren estava
envolvida com os crimes, mas o
agente Saunders não parecia tão
1054
confiante.
- As imagens comprovam apenas
que os suspeitos estiveram com
ela. Nada podemos afirmar
sobre o seu envolvimento.
Precisamos primeiro comparar as
visitas com os dias em que os
casos
ocorreram, e acredito que eu
deveria visitá-la e fazer algumas
perguntas.
- Não sei se será saudável para
ela agente Saunders – Sara
interferiu. – Eu tenho visitado a
minha sobrinha com frequência,
como pode observar nas
filmagens, e posso garantir que
ela está
1055
realmente louca, apesar de não
agressiva. Não tem falado mais
na Cathy e apenas delira
achando que
Thomas aparecerá para buscá-
la. Acredita que está grávida.
Não consigo pensar em como
Lauren
possa estar envolvida com esta
confusão. Não existe nenhum
traço de sobriedade nela. São só
sonhos
e delírios.
- Entendo. Mas os suspeitos
estiveram com ela. Alguma coisa
sua sobrinha tinha para oferecer.
Eles podem apenas ter se
aproveitado do estado mental
1056
dela para colher informações
relevantes
como rotinas, nomes,
endereços... Vamos fazer o
seguinte: você faz a visita. Eu
apenas te ajudarei a
conduzir a conversa para o que
queremos saber. Posso te
acompanhar e monitorar de
longe.
Gravamos tudo e depois vemos o
que podemos concluir.
- Tudo bem! – Sara concordou, já
bastante cansada para recuar. –
Quando você quiser.
- Ótimo! Mas preciso das
autorizações necessárias e
também comunicar ao chefe as
1057
novidades. Assim que estivermos
com tudo pronto eu entro em
contato.
O agente Saunders se despediu
levando as gravações e suas
anotações. Sara o acompanhou.
Ela não se conformava com o
que estava acontecendo e
sentia-se envergonhada, por
mais que
Thomas tentasse convencê-la de
que ela não tinha culpa.
Temíamos que a relação
profissional ficasse
insustentável.
Ficamos conversando um pouco
especulando sobre as novidades
e aos poucos nossos amigos
1058
foram se despedindo, se
acomodando, ou cuidando de
outras atividades. Eu e Thomas,
continuamos
sentados no sofá, abraçados,
como um casal apaixonado,
conversando baixinho.
- Você acha que ela pode estar
no comando
- Não sei. Nunca fui visitá-la, não
tenho ideia de como está o seu
quadro. Se ela está mesmo
como Sara falou, como pode ter
armado um plano como este? E
de que forma conseguiu contato
com
aqueles homens? Tudo está
muito estranho – ele acariciou
1059
meu braço de maneira metódica
e
programada. Seus olhos estavam
perdidos no nada, como se sua
mente estivesse trabalhando a
todo o
vapor.
- Tenho medo. Lauren conseguiu
enganar todo mundo da outra
vez – ele me abraçou com mais
força.
- Nada vai acontecer. Agora
estamos um passo a frente dele.
Logo este pesadelo acaba –
beijou minha cabeça e depois
levantou meu rosto para beijar
meus olhos, nariz, bochechas,
queixo e
1060
por fim os lábios. Dei risada da
brincadeira, sabia que ele
tentava me distrair. – Vamos
dormir?
- Estou sem sono – seus dedos
adentraram meus cabelos
fazendo uma massagem
relaxante.
- Eu cuido de você – sussurrou
em meu ouvido.
Subimos para nosso quarto. Eu
presa aos meus temores e ele
cheio de planos para a nossa
noite. Ainda estava nervosa pela
confirmação do envolvimento,
mesmo que mínimo, da Lauren.
Só de

1061
lembrar dos seus olhos
enlouquecidos quando disparou
em minha direção, sentia minhas
pernas
fraquejarem. Suspirei. Ao menos
ela seria vigiada mais de perto e
as visitas seriam proibidas, com
exceção da Sara, que nos
manteria informados.
- Não pense mais nisso –
Thomas me abraçou pelos
ombros puxando-me para junto
dele.
- É impossível! Nunca consegui
esquecer da expressão dela
quando atirou em mim. Lauren

1062
queria que eu morresse, e
aparentemente continua
querendo.
- Cathy, Lauren está trancafiada
naquele hospício. Agora
sabemos como controlá-la. Vai
dar
tudo certo. Relaxe! – Abriu a
porta do quarto me dando
passagem.
Entrei e ele me abraçou pela
cintura, alcançando meu
pescoço. Suas mãos faziam
movimentos
leves em minha pele. Era
gostoso, reconfortante, porém
não o suficiente para me fazer
esquecer.
1063
- Relaxe, amor! – Suplicou com a
voz rouca em meu ouvido.
- Não dá. Desculpe!
- Tudo bem. Tente dormir.
Eu estava muito ansiosa para
conseguir dormir, e mesmo com
todas as investidas do Thomas,
também não me sentia a vontade
para fazer amor. Não enquanto
não digerisse o medo que estava
sentindo. Ficamos abraçados,
seus dedos subindo e descendo
em meu braço, em uma carícia
suave
que me embalava. Demorei a
dormir e quando isso aconteceu
um pesadelo apavorante acabou
por me
1064
despertar.
Nele Lauren estava de volta,
mais enlouquecida do que antes,
porém desta vez ela não atirava
em mim, ela me empurrava de
uma janela e eu caia por um
tempo interminável, tendo a
certeza de
que morreria tão logo meu corpo
atingisse o chão.
Acordei com dor de cabeça e
indisposta. Abri os olhos e não
tive nenhuma vontade de sair da
cama. Thomas ainda dormia
sossegado ao meu lado Evitei
movimentos bruscos para não
assustá-lo,

1065
não queria que ele acordasse,
principalmente porque eu não me
sentia bem para conversar sobre
todos os problemas que
vínhamos passando.
Fiquei quieta até ter certeza de
que conseguiria levantar sem
chamar a sua atenção. Peguei
algumas roupas e fui me arrumar
no quarto ao lado. Saí sem ao
menos lhe dar um beijo de
despedida.
Assim que cheguei na empresa
dei de cara com Roger que
estava de saída. Ele veio em
minha

1066
direção e me deu um beijo
carinhoso no rosto. Sorri em
resposta.
- Bom dia, querida! – Reprimi um
riso. Era como se fossemos
casados.
- Bom dia, Roger. Na correria tão
cedo?
- Sim. Tenho coisas para
resolver. Alguma novidade? -
Pensei sobre o que poderia falar.
Não podia dizer que estava
bastante assustada pela
descoberta da participação da
Lauren nos
crimes que haviam me cercado
nos últimos meses. Este era o

1067
acordo que eu tinha feito com
Thomas.
Nenhuma informação deveria ser
passada. Era injusto com Roger
que era tão leal comigo, mas eu
tinha prometido, e cumpriria a
promessa.
- Não. Nenhuma novidade –
deixei que meus olhos fitassem o
chão, evitando o contato direto.
Não me sentia bem mentindo
para ele. Também não me sentia
bem dizendo que estava com
Thomas.
- Está lembrada da nossa
viagem? Semana que vem.
Droga! Com tanta confusão eu
tinha me esquecido
1068
completamente. Teríamos uma
reunião com
o conselho administrativo em Los
Angeles. Nem havia comentado
com Thomas. Aquilo não ia dar
certo.
- Não acredito que esqueceu! –
Disse rindo. – Onde anda a sua
cabeça, Cathy? Como pode
pensar em assumir o seu
patrimônio se esquecendo dos
compromissos? – Ele ria, mas eu
fiquei séria
imediatamente.
Eu não queria mais brincar de
executiva. O retorno de Thomas
trouxe com ele a ânsia pela

1069
minha vida antiga. Eu queria tudo
o que havia ficado parado no
tempo. Queria meu trabalho e a
nossa
louca rotina. Enquanto pensava
nisso, me dei conta que sentia
falta até dos gritos histérico das
fãs
enlouquecidas. Sentia falta dos
meus amigos, que tinham se
tornado a minha família, e sentia
principalmente a falta do contato
constante com o homem que eu
amava. A liberdade para namorar
nas tardes livres e a vontade
louca de voltar para o hotel nas
noites agitadas. Olhei para Roger
e ele
1070
me olhava preocupado.
- Desculpe!
- Você vai abandonar tudo , não
vai? – Seus olhos eram intensos
e me constrangiam. – Cathy,
pense muito antes de tomar esta
decisão. Uma decepção deveria
ser o suficiente para você. Não
jogue tudo para o ar. Thomas
não é tão confiável – prendi a
respiração. Definitivamente não
queria
ter aquela conversa com ele. –
Estas empresas são tudo o que
seu pai deixou. Você tem noção
do
quanto ele lutou para mantê-las
ativas? E Sam? Como ela vai
1071
ficar quando souber que você
não
estará à frente de tudo, como ela
sonha?
- Roger, este não é o momento.
Você precisa sair e eu tenho
coisas para resolver...
- Thomas, não é confiável.
Quantas amigas mais você vai
perder para as luxúrias dele?
Mia?
Qual delas você vai aguardar
para descobrir que está tendo um
caso com...
- Pare! – Supliquei já sentindo
meu coração afundar. Eu não
queria aquela insegurança. –

1072
Preciso ir – comecei a me afastar
quando ele segurou a minha mão
me impedindo.
- Sinto muito! Perdão! Perdão!
Eu... Perdi a cabeça. Não quero
te magoar e sei que no final
vou acabar respeitando a sua
decisão – sorriu de maneira
sincera. – Só não queria ver você
outra vez
do jeito que ficou. Por mais que
eu tente ser otimista, sei que é o
que acontecerá – meu coração
ficou
apertado com as lembranças. Eu
não queria aquela dor de volta.
Estava bem em meu mundo com

1073
Thomas. Havia reencontrado a
felicidade.
- Conversaremos depois, Roger
– soltei a minha mão da dele.
Naquele momento eu precisava
apenas de espaço. O ar parecia
escasso. – Tenho mesmo que ir
– afastei-me rapidamente, vendo
meu
amigo seguir o caminho dele com
uma aparência abatida. Era tudo
o que eu não precisava para
aquela manhã.
Capítulo 24
Insegurança
VISÃO DE CATHY

1074
Entrei correndo no elevador com
o coração martelando. Roger
conseguiu me ferir de uma
maneira irreparável. Os dois
seguranças mantinham-se ao
meu lado, contudo não
despertavam a
atenção das demais pessoas que
ali estavam. Meu celular
começou a tocar e eu já
imaginava quem
era do outro lado da linha. Corri
para alcançar os elevadores,
procurando o celular que insistia
em
tocar e atendi.
- Cathy? – Thomas falou ainda
com a voz rouca de sono.
1075
- Oi! – Fiquei sem graça por ter
saído sem me despedir. Também
ainda estava embargada pela
emoção que as palavras do
Roger tinham me causado.
- Aconteceu alguma coisa? Você
foi embora sem falar comigo –
Thomas mantinha a voz
tranquila, mas eu sabia que um
monte de coisas passava pela
sua cabeça.
- Tenho muito trabalho hoje e
você estava precisando dormir,
preferi não acordá-lo.
- Ok! – Disse depois de um
tempo. – Os seguranças estão
com você?

1076
- E tinha como fugir deles? –
Thomas riu.
- Melhor assim. Estava pensando
em convidar nossos amigos para
jantar conosco hoje à noite.
Vamos ter que ficar aqui mesmo,
o que você acha?
- Na verdade pensei em algo
mais íntimo. Preciso conversar
algumas coisas com você então
pensei em jantarmos só nós dois,
em meu apartamento. Mia vai
viajar hoje, então ele será só
nosso.
- Combinado.
O dia seria cansativo, mas pelo
menos Roger não estaria o

1077
tempo todo ao meu lado me
fazendo
lembrar das partes ruins da
minha vida. Eu sabia que estava
sendo injusta com ele. Roger era
ótimo e
um amigo fantástico, mas ele e
Thomas tinham uma história mal
resolvida, o que complicava tudo.
Eu
entrava no meu ritmo normal de
felicidade e plenitude, então ser
arremessada de volta às
lembranças
tristes era muito difícil e doloroso.
Pelo visto o caminho com Roger
seria esse. Não aconteceria

1078
como eu imaginava. Thomas
tinha razão.
Roger só voltou no meio da
tarde. Eu havia convidado
Sandra para almoçar comigo no
restaurante da torre norte, uma
tentativa de não ficar sozinha, ou
cercada pelas sombras, os
seguranças. Também foi a
necessidade de retribuir o favor
que ela me fez, conversando
comigo no
dia em que decidi ficar com
Thomas
O almoço foi agradável e nós
duas conversamos um pouco
sobre tudo. No final descobri que

1079
tinha uma secretária muito
inteligente e que gostava do que
fazia. Decidi que seríamos mais
próximas.
Roger apareceu em minha sala
tão logo chegou ao escritório.
Estava calmo e falante, como se
nada tivesse acontecido pela
manhã. Para minha felicidade
não conversou sobre a minha
vida
pessoal, apenas sobre alguns
contratos importantes e diversos
outros assuntos que confesso
não
serem muito a minha praia.

1080
O mundo dos negócios não
combinava comigo, a maioria das
coisas que Roger falava ou
explicava não conseguia prender
a minha atenção por muito
tempo. Logo ele me abandonou
para
cumprir com o restante das suas
obrigações.
Aproveitei para conferir como a
imprensa estava tratando os
últimos acontecimentos. Existia
ainda um alvoroço por parte dos
fãs de Thomas, que não se
contentavam com a escassez de
notícias.
Algumas fotos minhas entrando e
saindo do prédio dele, outras
1081
dele saindo com Dyo, mas nada
que
de fato alertasse o possível
assassino, ou assassina, que
tentava nos manter separados.
Um e-mail em minha caixa de
mensagens pessoal me fez
estremecer. A mesma
mensagem de
antes “A vida não é um conto de
fadas” e em seu conteúdo, as
mesmas fotos que eu havia
recebido no
dia do atentado. As mesmas
malditas fotos que atormentaram
a minha cabeça por dias. Mia e
Thomas, como um casal feliz.
Seria possível?
1082
No final do dia, quando decidi
que estava na hora de voltar para
casa e encara de frente os
meus problemas, resolvi passar
na sala do Roger para me
despedir.
- Está com pressa hoje? –
Perguntou sem tirar os olhos do
papel que estava em suas mãos.
- Um pouco – entrei na sala sem
largar a porta que estava aberta.
– Mia vai viajar e eu quero
me despedir antes dela sair.
- Ela vai viajar? A trabalho?
- Sim e não. Sim, ela vai viajar a
trabalho, parece que precisa
organizar um desfile, alguma

1083
coisa deste tipo, e não, ela não
vai só trabalhar. Henry mora em
Los Angeles, então Mia vai
aproveitar muito dessa viagem
para namorar.
- Sorte a dela! – Suspirou
voltando a sua atenção para os
papéis.
- E sua mãe? – Tentei mudar o
rumo da conversa. O clima não
ficou muito bom após o seu
comentário e eu não estava
disposta a ficar me explicando. .
- Está bem. Vou aproveitar a
viagem à Los Angeles para
passar mais algum tempo com
ela.
- Isso é ótimo!
1084
- É sim – continuava interessado
demais nos seus papéis e de
menos em mim. Minha culpa não
me deixou ir embora sem antes
conseguir algo mais dele.
- O que você tem feito? Tem
saído com os amigos ou está
enterrado no trabalho?
Minha única intenção era saber
como ele estava lidando com a
nossa separação. No fundo
desejava que ele me dissesse
que estava saindo e tinha
conhecido alguém interessante.
Eu ficaria
mais satisfeita se fosse assim.

1085
- Tenho tido muito trabalho,
Cathy. É difícil ter uma vida
social quando a profissional é tão
intensa como a minha – mais
uma vez ele respondia de
maneira entediada, como se
estivesse
analisando algo em seus
relatórios e não prestando muita
atenção ao que conversávamos.
- Onde está aquele Roger que
vivia me dizendo que eu
precisava sair mais, me dar
oportunidade...?
- Aquele Roger, tinha tudo o que
ele queria ao alcance das mãos,
não precisava sair

1086
procurando nada – não sabia
como responder. Sua resposta
me pegou desprevenida. Respirei
fundo
para recuperar a postura.
- Desculpe! Eu não queria...
- Cathy, eu estou apenas dizendo
que era muito mais fácil quando
a minha namorada estava
sempre ao meu lado. Eu não
precisava sair para encontrar
alguém legal porque tinha você e
isso me
poupava muito tempo – riu das
próprias palavras. Eu poderia
sentir magoada ou até ficar
ofendida,

1087
mas a mudança de humor dele e
a tranquilidade com que tratava o
nosso rompimento me fez
apenas
sentir alívio.
- Tenho que ir agora, ou então
não encontrarei Mia em casa.
- Boa viagem para ela – desejou
ainda sorrindo e logo voltou aos
papéis, deixando-me sem
graça.
***
Cheguei apressada. Mia estava
terminando de se arrumar. Com
tantos acontecimentos eu não
tive tempo nem cabeça para falar
sobre um assunto tão delicado

1088
quanto aquele que teria que
abordar
com aminha melhor amiga.
As fotos.
Tinha esquecido da existência
delas, que estavam guardadas
no fundo do meu guarda-roupa
enquanto aguardava uma
oportunidade para esclarecer
tudo. Aquele parecia o melhor
momento para
isso. Se Mia viajasse sem que
antes tivéssemos aquela
conversa eu não conseguiria
mais questionála.
Na verdade, desde que havia
recebido aquelas fotos não

1089
conseguia ser a mesma com Mia.
Eu
tentava, mas não obtinha
sucesso e ela havia notado a
sutil diferença na maneira como
eu estava
agindo. Por isso queria chegar
cedo em casa, para poder
conversar com ela e esclarecer
mais aquele
problema. Agradeci por ter
marcado com Thomas em minha
casa, assim poderíamos
conversar sem
que ninguém nos atrapalhasse.
Fui até o meu quarto, peguei as
fotos levando-as até a sala.
Sentei no sofá aguardando Mia.
1090
Observei cada uma das fotos
para eliminar de minha cabeça
qualquer possibilidade. Devo
admitir
que era estranho demais vê-los
juntos numa época em que eu
não queria contato com Thomas.
Ela
sabia disso, me apoiava e me
encorajava a seguir em frente.
Mia entrou na sala exatamente
dez minutos depois de mim.
Toda a minha coragem se
esvaiu.
Seria correto abordar a minha
amiga daquela forma?
- Cathy? Algum problema?

1091
- Mia... Naquele dia... No dia em
que eu e Thomas sofremos o
atentado... – esfreguei uma mão
na outra sem saber como
continuar. Mia era a minha amiga
e eu estava ali cobrando dela
uma
explicação que não deveria.
Imediatamente me arrependi de
iniciar a conversa.
- Alguma novidade? Pegaram o
cara? – Ela estava ansiosa, mas
apontava para uma direção
diferente da que eu queria.
- Não. Não... Está tudo na
mesma. Continuamos
aguardando por Sara – desviei o
olhar.
1092
- Então, o que? – Permaneci
calada. – Cathy, se você não me
disser vou ficar intrigada. Não
poderei adivinhar. Falei hoje
mesmo com Thomas e ele não
me disse nada de novo. O que
está
acontecendo? Não me obrigue a
ligar agora para Thomas e
perguntar... – foi o que bastava
para que
eu continuasse a conversa.
- Ok! Aproveite e pergunta a ele
sobre isso – joguei as fotos sobre
a mesa de centro. Ela olhou
em direção à mesa sem entender
o que eu estava falando, mas

1093
não demorou muito para captar a
minha
mensagem.
- Quem... Como você... O que é
isso?
- Achei que você poderia me
dizer.
Não que eu acreditasse que Mia
tivesse um caso com Thomas,
mas com tudo o que aconteceu,
todo e qualquer problemas
relacionado a este assunto me
desestabilizava. Eu não queria
acreditar.
Não acreditava. Mas precisava
saber. Não podia simplesmente
ignorar. Não depois de tudo o
que vi.
1094
- Nós nos encontramos algumas
vezes, para conversar sobre
você ou sobre o que ele
pretendia
fazer para que você acreditasse
nele. Eu não entendo, Cathy.
Você está pensando que...
- Eu não estou pensando nada –
tentei tirar as fotos de sua mão,
mas ela recuou.
- É claro que está pensando. Ou
então por que... Cathy?
- Eu recebi estas fotos em meu
escritório. Não sei quem as
enviou. Apenas queria entender
porque você escondeu de mim
que estava se encontrando com
ele?
1095
- Não eram encontros! – Disse
exasperada.
- E eram o que? – Eu me exaltei.
Era impossível ficar imparcial em
uma confusão como
aquela.
- Era por você! - Ela levantou do
sofá jogando as fotos nele. –
Thomas me procurou algumas
vezes, me contou sobre o que
ele tinha descoberto e eu aceitei
ajudá-lo a ter você de volta.
Apenas
isso.
- E por que não me contou?
- Porque você estava tão presa a
seu sofrimento que de nada
adiantaria apenas te contar o que
1096
ele havia me contado. Você
estava tão triste! Eu não podia
me recusar a ajudar. E eu te
contei.
Quando ele esteve aqui e vocês
se encontraram a primeira vez
depois de Anna. Eu te disse que
estava acompanhando o
sofrimento dele e que acreditava
em Thomas.
- Você disse que acreditava nele
e não que estava saindo com ele
para confortá-lo – no mesmo
instante em que falei me
arrependi. Havia dito o maior de
todos os absurdos a minha
amiga. – Mia,
eu...
1097
- Não diga mais nada. Esta
conversa chegou ao seu limite.
Pense duas vezes ante de me
dizer
mais qualquer asneira, Cathy. É
a nossa amizade que está em
jogo.
Não havia mais como
argumentar. Mia tinha a razão e
eu era mais uma vez a garota
mimada
que via problemas onde eles não
existiam. Fiquei péssima! Mia
não merecia que eu desconfiasse
dela. Em qualquer outra situação
nunca a faria passar por aquilo,
porém naquele contexto...

1098
- Me perdoe! – Eu disse por fim.
– Mia, me perdoe! Eu não devia
ter duvidado de você. Eu...
Eu nem sei se duvidei mesmo de
você... – escondi meu rosto entre
as mãos.
- Duvidou. Você não confia em
mim – ela foi até o quarto e
depois de alguns minutos voltou

com as malas.
Mia parou de frente a mim, seus
olhos ainda continham algumas
lágrimas que ela com certeza
deixara cair enquanto ainda
estava no quarto. “Que droga!”
pensei com dor. Passei as mãos
por meus
1099
cabelos puxando-os para trás.
Minha angústia era tamanha que
meu estômago revirava e um
forte
enjôo estava à beira de me
dominar.
- Eu tenho que ir.
- Mia...
- Tenho que ir, Cathy. Quando eu
voltar, conversaremos – dizendo
isso, pegou suas malas e foi
embora. Senti minha cabeça
latejar. Fiquei imóvel no sofá sem
conseguir reagir. “O que eu fiz?”
meus pensamentos me
castigavam.

1100
Ouvi a batida em minha porta e
fui atender já aguardando por
Thomas. Ele sorriu para mim, no
entanto seu sorriso se desfez
imediatamente ao perceber o
meu estado.
- Amor, aconteceu alguma coisa?
– Thomas já vasculhava meu
corpo, procurando algum sinal
de violência ou de um novo
atentado. – Onde estão os
seguranças?
- Lá em baixo.
- O que aconteceu? – Segurou
meu rosto com as mãos
trêmulas. Uma lágrima escapou
de meus
olhos.
1101
- Mia... Nós brigamos – pude ver
sua expressão preocupada
relaxar quase que
imediatamente.
Suas mãos antes desesperadas
em meu rosto ficaram menos
afoitas, passando a um carinho,
e seus
olhos ficaram ternos.
- Brigaram? Por quê? – Sua voz
ficou mais doce, confortadora.
Eu não podia repetir cada
palavra que trocamos. Também
não podia confirmar o quanto era
imatura. Então apenas apontei
para as fotos espalhadas sobre o
sofá. Ele olhou curioso para onde
eu
1102
indicava e então me largou indo
em sua direção.
- São fotos minhas com a Mia?
Como você conseguiu?
- Eu as recebi no escritório.
Ninguém sabe como elas
chegaram a mim.
- Uma carta anônima? – Não
desviou sua atenção das fotos.
Depois de examiná-las algumas
vezes, devolveu-as ao sofá.
Thomas suspirou pesadamente e
voltou para meu lado afagando
meu
braço.
- Cathy, você pensou que eu e
Mia estávamos... – não terminou
o que iria dizer.
1103
- Não sei – confessei. – Eu tive
medo do que poderia significar
essas fotos e porque alguém as
mandaria para mim, mas não sei
dizer se acreditei que seria
possível.
- Cathy! –Fez uma pausa
buscando as palavras certas.
Como um adulto que tenta
explicar algo
para uma criança que ainda não
tem discernimento suficiente para
entender. – Alguém está
tentando
nos manter separados.
- Eu sei.

1104
- Você deveria estar preparada
para esse tipo de coisa. Não há
dúvidas de que quem quer que
seja esta pessoa, ela não ela não
tem a menor intenção de perder.
Todas as armas serão usadas.
- Eu sei, Thomas!
- Então por que cobrou uma
explicação de Mia?
- Não sei! – Comecei a chorar
copiosamente.
Thomas teve a capacidade de
enxergar onde eu não conseguia.
Eu havia deixado que minha
insegurança superasse a minha
capacidade de raciocinar de
maneira coerente, com isso
magoei a
1105
minha melhor amiga e eu não
sabia como resolver a nossa
situação.
- Tudo bem! – Thomas me
envolveu em seus braços. – Vai
ficar tudo bem – repetia me
acalmando.
Capítulo 25
O Fim Da História
VISÃO DE CATHY
Thomas decidiu que também iria
para Los Angeles, assim
ficaríamos juntos enquanto eu
estivesse por lá. Optei por não
ficar na casa dele... Nossa casa.
Fiquei no hotel, o mesmo que
todos

1106
os executivos da empresa
ficaram. Seria mais fácil para
mim. Thomas não concordou, é
claro!
Ele achava que eu ficaria mais
próxima do Roger do que dele, o
que meu namorado não
percebia era que eu realmente
passava os meus dias mais
próxima do Roger, fisicamente,
porque os
meus pensamentos estavam com
ele o tempo todo.
Eu pensava que com a nossa
volta, Thomas ficaria mais
tranquilo em relação a Roger. Na
verdade, mesmo tentando
disfarçar, ele ainda nutria um
1107
ciúme exagerado e fazia de tudo
para não me
deixar à vontade com meu
amigo. Ele concordava com o
trabalho, porque não havia outra
alternativa.
Então meu namorado não
conseguia relaxar sabendo que
eu estava no mesmo hotel que
Roger
enquanto ele estava em casa
sozinho.
Ele não entendia o meu lado.
Como iria dizer a Roger que não
poderia acompanhar a todos
porque estava hospedada na
casa de Thomas? O nosso

1108
relacionamento não era ainda um
secreto? Ele
mesmo não havia concordado
em aguardarmos até que tudo
estivesse solucionado? Nosso
objetivo
não era despistar a pessoa que
estava atentando contra nós
dois? Era complicado agradar a
todos e
isso estava me cansando.
Mia, apesar de continuar em Los
Angeles, alegou que estava
muito ocupada com o trabalho.
Nossa amizade estava
estremecida, o que me
incomodava muito, mas como a
minha agenda também
1109
estava lotada, concordei em não
nos encontrarmos.
Foi impossível impedir a solidão
que senti ao estar de volta e não
ter ninguém ao meu lado.
Não como era antes. Daphne
estava viajando, como acontecia
com freqüência nos últimos
meses,
Stella resolveu encarar o
mestrado e não morava mais nos
Estados Unidos, Thomas não
podia estar
abertamente comigo, nem
mesmo Dyo e Kendel não
poderiam me acompanhar.

1110
As reuniões foram chatas e
cansativas. Não conseguia me
concentrar nas longas conversas
sobre assuntos que eu não
dominava e que não tinha mais
nenhuma vontade de aprender a
gostar. A
volta de Thomas a minha vida
tinha causado a falta de interesse
em meu patrimônio, pelo menos
no
que estava ligado a participar de
forma ativa na sua
administração. Não me sentia
culpada, confiava
em Roger para este papel e
estava tranquila para deixá-lo
encarregado pelas minhas
1111
responsabilidades.
No final do primeiro dia, após
todas as reuniões que me
deixaram com dor de cabeça,
inventei
a desculpa de que havia
marcado com as minhas amigas
para não acompanhar Roger e
Sam no jantar
e, assim que consegui me livrar,
corri para a casa de Thomas.
Passaria a noite com ele para
deixá-lo
mais animado.
Cheguei a casa dele quando a
noite começava a surgir. Sentia-
me muito cansada, após longas

1112
horas analisando quadros e
tabelas. Tudo o que eu menos
gostava de fazer. Por isso senti
meu corpo
mais leve ao colocar os pés em
casa. A minha casa com
Thomas.
Confesso que estar de volta era
como abraçar a minha vida. Não
era novidade para ninguém o
amor que eu tinha por aquela
casa. Bastaram os primeiros
passos em seu interior para que
meu
coração começasse a ansiar pelo
amor dele. A sensação era de
“bem vinda ao lar”

1113
Thomas estava na varanda,
encostado no muro, olhando para
o mar. Seu olhar estava perdido,
dando a entender que sua mente
estava longe. Em uma das mãos
segurava um cigarro e na outra
uma
cerveja. Era a visão perfeita de
como tudo era antes de nos
separarmos.
Desde que reatamos ainda não
tivera aquela sensação, mas
olhando para ele tive a certeza
de
que a nossa vida continuava,
como se o tempo que estivemos
separados nunca houvesse
existido.
1114
Esta sensação era rica em mim.
Invadia-me como um tsunami,
carregando todas as dúvidas,
incertezas e medos de dentro de
mim.
Abracei Thomas pelas costas e
só neste momento ele percebeu
minha presença. Mesmo sem
poder vê-lo, tive a certeza do
imenso sorriso que se abriu em
seu rosto. Fiquei na ponta dos
pés para
lhe dar um beijo na nuca, ele se
encolheu carinhosamente com o
contato. Thomas soltou à fumaça
do

1115
cigarro apagando-o em seguida,
para então se voltar para me
abraçar.
- Bebida e cigarro! Não acha um
pouco cedo para esta mistura?
- Estava um pouco tenso –
admitiu. Suspirei pesadamente.
Eu sabia os motivos da sua
apreensão, contudo não queria
entrar naquele assunto.
- Senti tanto a sua falta hoje! –
Desconversei distribuindo beijos
em seu pescoço e orelha. Ele
sorriu e eu acariciei sua nuca
com as pontas dos dedos.
Thomas apertou o abraço em
minha cintura
me puxando para si.
1116
- Eu sinto sempre a sua falta –
enterrou o rosto em meus
cabelos e subiu as mãos por
minhas
costas. – Esta casa perde o
brilho sem você.
- É.
- Hum hum! – Ronronou
enquanto acariciava meu corpo
com as mãos e beijava meu
pescoço.
- Eu senti falta da casa também.
Do quarto, da cama... – Thomas
soltou um gemido leve bem
próximo a minha orelha. Minha
pele arrepiou

1117
- A “nossa” cama... – ressaltou o
nossa. – Ficou gelada sem você
– nossos olhos se
encontraram, deixando-me
assistir a sua tristeza pelas
lembranças.
- Eu te amo! – Um sorriso
magnífico se formou em seus
lábios. Thomas sempre
conseguia
sorrir nas horas certas, como se
fosse programado para isso.
Toda a tensão se esvaiu naquele
momento.
- Como eu senti falta destas
palavras pronunciadas por estes
lábios.

1118
Thomas não esperou pelo que eu
diria. Beijou-me com tanta
intensidade que foi difícil manter
a consciência. Com alguns
passos me prendeu contra a
parede e em poucos segundos
nossos corpos
estavam colados. A fome que
sentíamos um do outro era
inacreditável. Com certeza o fato
de
estarmos de volta a casa
contribuía em muito para o
desejo que sentíamos.
Foi impossível chegarmos ao
quarto. Thomas apenas
conseguiu me levar para dentro
da casa e
1119
me deitou no tapete em meio às
almofadas que estavam
espalhadas pelo chão da sala.
Eu sentia suas mãos tentando
me livrar das roupas. Não
conseguia desviar meus
pensamentos
para nada diferente. Thomas era
o meu desejo, o meu paraíso, a
minha perdição e redenção. Era
o
que existia de melhor e pior em
mim. Era o meu vício. Com ele
descobri coisas que nunca
imaginei
existir em meu íntimo. Naquele
momento eu era a sua mulher,

1120
sua amante, a sua fonte de
desejo e
prazer. Eu era dele e apenas
dele.
Só depois que nos entregamos
ao prazer desenfreado, me dei
conta de que alguém poderia ter
aparecido e nos flagrado no chão
da sala. Fiquei muito
envergonhada enquanto Thomas
apenas ria do
meu constrangimento.
- Não sei de quem é a culpa. Nós
dois sempre nos perdemos um
no outro. É complicado
mesurar hora, espaço,
ambiente... – acariciava minhas

1121
costas enquanto eu tentava
cobrir meu corpo
com a manta do sofá.
- A culpa é sua. Eu sou apenas
um fantoche em suas mãos –
meu namorado encostou os
lábios
em minhas costas, causando
arrepios em minha pele. – Pare!
– O repreendi, manhosa.
- Eu sou um fantoche em suas
mãos. Não vê como os rapazes
estão fazendo comigo? Agora
sou
alvo das brincadeiras do Kendel.
- Então é isso? – Ele riu e
concordou com a cabeça. – Que
absurdo! Eles não conseguem
1122
enxergar que eu não existo sem
você? – Thomas pressionou os
dedos em minha cintura em
resposta a
minha declaração.
- E eu não quero uma vida onde
você não existe. Não me importo
em ser motivo de piada. Para
ter você eu viro até seu escravo.
Pode fazer o que quiser comigo –
virei para meu namorado,
aturdida
e emocionada pelas suas
palavras. Thomas me encarou
sério. Ele não mentia nem
brincava. Estava
colocando a sua vida e destino
em minhas mãos apenas para
1123
que pudéssemos continuar
juntos.
- Eu quero apenas ficar ao seu
lado, Thomas. Quero viver este
amor sem limites, nem
barreiras. Quero ter a nossa vida
de volta – nos beijamos
novamente. Começamos na sala,
mas
terminamos no quarto, na cama
que antes estava fria, ma que
ferveu durante a nossa noite.
***
No dia seguinte saí bem cedo
deixando Thomas ainda na
cama. Havia combinado com
Sam

1124
que tomaríamos o café da manhã
juntas, para conversarmos antes
da reunião. Era impossível
esconder alguma coisa dela,
principalmente depois do seu
papel fundamental quando
precisei tanto
de apoio.
Enquanto eu me servia de uma
xícara de café, Sam permaneceu
calada apenas me observando.
Cuidadosamente sentei a sua
frente e coloquei a xícara na
mesa aguardando pelas
perguntas.
Samantha me encarava, mas seu
olhar não era de reprovação,

1125
como eu já havia previsto. Ela
era
totalmente a favor de Thomas.
- Como está Thomas?
- Bem! – Tomei um gole do café
sem olhar diretamente em seus
olhos.
- Você não vai me dizer o mesmo
que disse ao Roger não é?
- Depende. Do que exatamente
você está falando, Sam? –
Queria esconder a verdade, pois
estava absurdamente
envergonhada por admitir que ela
teve razão o tempo todo.
- Você e Thomas voltaram –
engoli com dificuldade. Sem
olhar diretamente para ela fiz que
1126
sim com a cabeça. - Por que está
tão envergonhada?
- Porque você agora sabe que eu
estou mentindo pro Roger.
- Eu te disse...
- Eu sei, Sam. Eu sei! Mas não
podemos voltar no tempo. Eu já
fiz a besteira e agora tenho que
conduzir tudo da melhor maneira
possível para que ninguém saía
magoado, ou pelo menos não
muito
– Sam suspirou insatisfeita com a
minha resposta.
- Bom, Cathy, você é adulta.
Sabe que deve se
responsabilizar por seus atos,
não é? – Não
1127
respondi. – Tudo bem! Quero
que saiba que estou feliz por
você, aliás, por vocês. Thomas
realmente
te ama e você sabe que eu
sempre acreditei que pelo amor
tudo vale à pena.
- Obrigada! É muito importante
para mim que você esteja de
acordo.
- Eu sei, querida. Mas não
demore para esclarecer esta
situação com Roger. Ele é um
ótimo
rapaz e merece a verdade.
- Não vou demorar. Eu prometo.
Conversamos sobre outras
coisas e em nenhum momento
1128
Sam desaprovou a minha
decisão. Eu
fiquei muito feliz com a nossa
conversa e ansiosa para contar
ao Thomas, mas naquele dia não
nos
encontraríamos.
Após mais reuniões exaustivas,
teríamos um jantar beneficente.
Eu, Roger e Sam, iríamos
comparecer comprovando o
nosso apoio à causa: crianças
vítimas de atentados terroristas
pelo
mundo. Era muito importante a
nossa participação.
***

1129
Chegamos juntos ao jantar.
Roger impecável em um smoker
que caía perfeitamente bem em
seu
corpo, e impressionava quem
quer que o olhasse. Sam estava
maravilhosa num vestido longo
preto e
com joias que completavam e
destacavam a sua beleza. Eu
optei por um longo bege, justo ao
corpo,
com desenhos que corriam pelo
vestido em detalhes vermelhos e
uma fenda na lateral direita da
perna revelando discretamente a
minha coxa.

1130
Os cabelos estavam presos em
um coque bem elaborado com
alguns fios soltos caindo pelo
rosto sem desfazer a beleza do
penteado. Um colar de pedras
pequenas e vermelhas descia
por meu
busto harmonizando todo o
figurino.
- Deslumbrante! – Roger disse
assim que me viu chegar para
entrar no carro que nos
aguardava. Eu apenas sorri.
O jantar decorria muito animado,
várias pessoas compareceram
para apoiar a causa, entre
grandes empresários e artistas
famosos. A decoração, expondo
1131
fotos que comoviam, mas sem
chocar,
oscilava entre o luxo e o simples,
retratando o perfeito contraste
entre os participantes daquele
jantar
e as vítimas que buscavam
apoio.
Envolvida em uma divertida
conversa juntamente com Roger,
Sam e mais algumas pessoas,
demorei a notá-lo. Thomas
estava parado, alguns metros a
minha frente, acompanhado de
algumas
pessoas, a maioria, mulheres
fabulosas que sorriam e

1132
conversavam com ele como se
seu sorriso
fosse o caminho da felicidade.
Ele ofuscava qualquer pessoa
naquele ambiente. Vestindo
smoking preto, com todos os
outros
homens que participavam do
evento, Thomas se destacava
pelo porte perfeito, olhos que
sugavam as
pessoas e um sorriso capaz de
derreter qualquer geleira. Senti
meu sangue sair do corpo.
Foi quando ele olhou para mim e
ficou sério. Discretamente
levantou a taça em sua mão e
me
1133
ofereceu um brinde. Tive vontade
de matá-lo. Então notei que
Roger distraído com a conversa,
havia
colocado a mão em minha
cintura. Respirei fundo. A noite
seria difícil.
Sem desviar o olhar nos
movimentávamos de maneira a
conseguir a melhor visão um do
outro.
Roger percebeu que eu estava
tensa, mas não assimilou a
razão. Sam foi mais esperta e
seguiu o meu
olhar vendo Thomas do outro
lado do salão, acompanhado de

1134
uma mulher que, diga-se de
passagem,
era maravilhosa. Ela conversava
alegremente sem se dar conta de
que ele disfarçava muito mal o
seu
desinteresse.
Aproveitei que Roger estava
entretido demais, para sair de
perto deles com a desculpa de
precisar cumprimentar alguém.
Sam me encarou reprovando a
minha atitude impensada, porém
eu
estava irritada demais para
conseguir controlar meu gênio.

1135
Andei em direção à imensa
varanda, ciente que Thomas me
seguiria. Por sorte a noite estava
fria e as pessoas preferiam ficar
do lado de dentro do salão. Meu
namorado se aproximou
cautelosamente.
- O que você está fazendo aqui?
– Tentei controlar minha raiva,
mas falhei drasticamente.
Thomas estava violando as
próprias regras e me colocando
em uma situação embaraçosa.
Para piorar
tudo, aquela mulher... Linda de
morrer, estava toda derretida
para o meu namorado. Meu
namorado,
1136
droga!
- Eu fui convidado – respondeu
com calma. Parecia realmente
inocente, no entanto eu sabia
que não o era.
- Por que você não me disse?
- Eu não sabia que te encontraria
aqui, Cathy. Você apenas disse
que iria a um jantar
importante para as empresas –
respirei fundo para não gritar
com ele chamando a atenção
das outras
pessoas.
- Quem são essas mulheres? –
Thomas conseguia me levar aos
extremos com um simples

1137
gesto. Ele me olhou com um leve
sorriso nos lábios. Reconsiderei
a hipótese de socá-lo
- Amigas.
- Amigas? – Sentia minha
paciência chegar ao limite.
- Sim. Qual é o problema?
- Qual é o problema? –
Aproximei-me mais dele
encarando-o com raiva. – Elas
estavam
praticamente se jogando em
cima de você, Thomas.
- Ah! – Disse surpreso. - Como
seu amigo? – Estanquei chocada
com o que ele dizia. – Até
onde eu posso me lembrar, ele
estava desfilando pelo salão com
1138
a mão em sua cintura, como se
você
fosse sua propriedade. Nós não
combinamos que esta história
estava encerrada?
- É uma vingança? É isso?
- Não. Só uma infeliz
coincidência.
- Ainda bem que você
esclareceu. Porque se fosse uma
vingança, o certo seria você
esperar eu
ir para a cama com algum amigo
seu, então estaríamos quites –
Thomas mordeu o lábio inferior e
fechou os olhos.

1139
Eu me arrependi imediatamente
das minhas palavras. O que
estava acontecendo comigo
ultimamente? Estava perdendo a
razão? Passei a mão na testa
tentando recuperar o que me
restava de
maturidade para resolver a
situação.
- Thomas...
- Você nunca vai me perdoar ,
não é? Não acredita em minha
inocência. Não acredita que foi
tudo uma armação.
- Eu acredito! Não sei o que me
deu. Fiquei com raiva quando vi
você com aquelas mulheres e

1140
acabei falando bobagem –
Thomas acendeu um cigarro e
fitou o horizonte.
- Cathy? – Ouvi a voz de Roger e
senti meu corpo inteiro congelar.
Era incrível como uma situação
ruim nunca vinha
desacompanhada em minha
vida. Não
bastava eu ter criado aquela
situação com Thomas, era
necessário criar outra com
Roger, ou com
ambos. Aquele definitivamente
não era o meu dia.
Olhei para Thomas, ele
permanecia de costas com os

1141
olhos fechados. Eu sabia que
estava
tentando manter a calma e rezei
para que conseguisse.
- Oi!
- Algum problema? – Ele parou a
alguns passos de nós dois
percebendo de quem se tratava.
Não consegui encará-lo. Thomas
virou para Roger com um sorriso
que só depois entendi depois
percebi ser de triunfo.
- Roger, quanto tempo!
- Ah! Thomas. Então... Quem é
vivo sempre aparece – revidou
com a mesma ironia.

1142
- Pode ser. Eu prefiro pensar que
quem realmente está vivo nunca
desaparece – Thomas lançou
a indireta para Roger e este a
recebeu como um tiro. Vi seus
olhos virarem brasas.
- Será, Thomas? Será que você
está tão vivo assim? Eu quase
não ouvia mais falar em você.
Salvo pelos atentados e as
fofocas das revistas.
- Atentados nos quais Cathy
também estava presente. Então
ela com certeza sabia de mim.
- Parem com isso! –Eu disse,
mas eles nem me olharam.
Estavam presos em sua disputa.

1143
- Ela não é mulher para você,
Roger. Nunca foi. Eu não sou o
culpado disso. Cathy o largou
antes de me conhecer.
- Você que não é homem para
ela, Thomas. Seu egoísmo não
permite que seja.
- O que você sabe do meu amor
por ela, do nosso amor? –
Gesticulou em minha direção. –
Nada. Você nunca existiu. Eu
nunca soube da sua existência
até que você renasceu dos
mortos – era
nítida a mágoa do Roger com
aquela declaração.
- E você deveria permanecer
morto. Cathy estava muito
1144
melhor sem você. Mais leve,
mais
alegre... Você é como um câncer,
Thomas, corrói a pessoa por
dentro até tira dela toda a vida –
foi a
vez de Thomas se magoar.
- Aceite que perdeu, Roger. Saia
disso com dignidade. Com honra.
- A mesma honra que você teve
ao levar a amiga dela para a
cama? – Thomas avançou sobre
Roger e este deu uma risada
sarcástica.
- Foi uma armação.
- Só Cathy mesmo parai acreditar
nisso. Aliás, ela nem acredita,
apenas aceita como uma
1145
desculpa para estar com você
outra vez – senti meu peito
apertar ouvindo aquelas palavras
e fechei
os olhos. – Viu? Ela nunca vai
superar o que aconteceu. Você a
enfraquece.
- Acabou, Roger! Cathy é minha
e você não vai mudar isso.
- Primeiro você vai precisar
provar a sua inocência e só
então ela poderá escolher um de
nós
dois.
- Cathy diga logo que isso não
importa mais para você e acabe
com essa história – comecei a
me sentir tonta e enjoada.
1146
- Chega! – Eu disse um pouco
mais alto do que eles. – Eu não
sou um prêmio. Vocês parecem
dois cachorros raivosos lutando
por um pedaço de carne. Chega!
Eu cansei disso. Thomas, você
não
pode afirmar que sou sua, eu
detesto esta história de dono! –
Thomas olhou para mim
assustado com
a minha reação.
- Roger, você não pode dizer ao
Thomas como eu me sinto em
relação a isso tudo, não é um
direito seu. Só eu posso dizer. Só
eu sei como me sinto – foi a vez
de Roger ficar chocado. – Quer
1147
saber? Se vocês querem se
matar, façam isso, mas eu não
vou ficar para assistir – dizendo
isso dei as
costas para os dois e comecei a
me afastar.
- Cathy, para onde você vai? –
Thomas me alcançou
rapidamente.
- Eu vou levá-la para o hotel –
Roger me alcançou pelo outro
lado.
- Nenhum dos dois – quase gritei.
– Não quero nenhum dos dois
comigo.
- Eu sou seu noivo, Cathy, tenho
o direito de ir com você –
Thomas ficou indignado. Olhei
1148
para ele com raiva. Não era para
dizer aquilo. Roger me olhou
chocado com a revelação.
- Me deixem em paz!
Foi só o que consegui dizer. Saí
correndo pelo salão sem me
preocupar com os demais
convidados. Peguei um taxi, indo
de volta ao hotel. Meu corpo todo
tremia. “E agora? O que eu direi
a Roger? E como vou me
justificar com Thomas?” Entrei
em meu quarto e me joguei na
poltrona
tentando esvazia a cabeça.
Impossível!

1149
Não consegui pensar no assunto
por mais de dez minutos. Logo
comecei a ouvir a voz de
Roger e Thomas discutindo do
lado de fora. “Deus! O que eles
estão fazendo? Vão chamar a
atenção
do hotel inteiro”. Abri a porta a
tempo de impedir que
começassem a se estapear.
Entrei no meio dos
dois como uma muralha.
- Tá legal! Thomas para dentro! –
Falei com autoridade. Ele sorriu
vitorioso. – Roger, vamos
conversar em seu quarto.
- O que? – Thomas não conteve
sua indignação.
1150
- Thomas, você já fez todas as
besteiras possíveis hoje. Vá para
o meu quarto e me espere lá.
Eu tenho que conversar com
Roger e desfazer esta confusão
toda – Roger sorriu para Thomas
e foi
em direção ao quarto dele, que
era no mesmo corredor que o
meu.
Ainda olhei para trás e vi Thomas
indo em direção ao meu quarto.
Fiquei menos apreensiva,
no entanto ainda existia o meu
problema com Roger, esta parte
era muito mais difícil de ser
resolvida.

1151
Assim que entramos, Roger se
virou para me encarar. Seus
olhos me acusavam da pior de
todas as traições. Comecei a
tremer e sem conseguir me
equilibrar direito, sentei no sofá
para
começar a minha explicação.
Contei o que havia decidido em
relação a Thomas, que eu tinha
entendido que não precisa de
nenhuma prova e que nada
poderia nos manter afastados.
Só não contei que tinha tomado
esta decisão
desde o nosso primeiro encontro.

1152
- Sinto muito, Roger! Eu tentei
mesmo impedir que as coisas
acontecerem desta forma. Para
ser bem sincera, eu sei que o
melhor para mim seria deixar a
minha história com Thomas para
trás e
me entregar ao nosso
relacionamento Infelizmente não
podemos enganar o coração e o
meu já tinha
decido por ele muito antes de eu
mesma me dar conta disso.
- Eu não entendo – parecia
decepcionado com o que eu
dizia. – Como você pode
escolher

1153
viver na incerteza ao invés de ter
uma vida estável e segura, ao
meu lado. Cathy, olhe a nossa
história
– segurou em minhas mãos. –
Juntos somos perfeitos! Existe
equilíbrio, calma, harmonia. E eu
te
amo, Cathy! Amo da forma certa,
da forma como você merece, não
como aquele moleque acha que
é
correto, de forma egoísta e
desequilibrada. Eu não entendo
como você pode... – soltou
minhas mãos e
levantou andando pela sala.

1154
- Sinto muito! – Baixei os olhos
sem coragem de encará-lo.
Estava me sentindo péssima!
Mais
uma vez desfazia do amor dele
por mim, e o deixava sozinho.
- Você escolheu por ele, não
pode estar sentindo tanto assim
– disse com raiva.
- Eu não escolhi nada – ele riu
irônico. – Não escolhemos quem
amar, simplesmente amamos.
É... Inexplicável.
- Tudo bem, Cathy. Nada do que
eu disser vai mudar a sua
decisão. Mas tenho certeza que
ele

1155
ainda vai te decepcionar, e muito
– me encolhi com as suas
palavras. – Ele vai te machucar
mais uma
vez, ou várias vezes se você
permitir, porque agora ele sabe
que nada é capaz de o impedir
de ficar
com você. Você se tornou
vulnerável. Aposto tudo o que
tenho como ele a vê como seu
brinquedinho.
É lamentável! Você é uma
mulher esplêndida, inteligente,
merece muito mais do que ele
pode
oferecer. Merece uma vida linda
e eu posso te dar tudo isso,
1156
mas... – deu de ombros. - Estarei
aqui,
Cathy. Quando precisar é só
chamar.
- Roger... – e ele foi embora
batendo a porta com força.
Minha única reação foi chorar.
Era somente o que eu podia
fazer naquele momento. Roger
estava sofrendo, magoado
comigo, sentindo a dor que eu
senti quando deixei Thomas. Eu
não queria
aquilo para ninguém. Menos
ainda para meu grande amigo.
Quando me sentir em condições
de conversar com Thomas voltei
para o meu quarto. A tensão
1157
era grande, ainda tinha mais uma
rodada de conversa com
Thomas. Ele abriu a porta e
pelos seus
olhos vi que não estava
aborrecido comigo, apenas
preocupado, meu coração ficou
mais calmo
apesar de ainda dolorido.
- Foi difícil? – Perguntou
percebendo meus olhos
vermelhos.
- Muito. Não poderia ser
diferente.
- Sinto muito, mas foi melhor
assim. Ele é seu amigo, e por
mais que eu não goste dele, e

1158
acredito não ter motivos para
gostar, eu sei que seria muito
pior viver e acreditar em um
relacionamento que não existe.
- Tem razão. Mesmo assim não
me sinto melhor pelo que fiz.
Você não podia ter dito a ele,
Thomas, não desta forma. Eu te
disse que contaria quando
chegasse o momento – meu
namorado ficou
sério me olhando por um tempo.
- Sinto muito, amor. De verdade!
Mas não sou nenhum santo e
sou um egoísta confesso. Não
vou te incentivar a pensar melhor
no que fez – me puxou para seus
braços. -Nem dizer que me
1159
arrependo do que fiz. Eu estou
muito feliz em ter você só para
mim e a nossa vida de volta.
Thomas falava e distribuía beijos
em meu pescoço, fazendo com
que meu corpo traísse o que
minha mente estava realmente
sentindo. Como num passe de
mágica, toda a tristeza
desapareceu e eu
lembrei do porquê de ter feito
tudo o que fiz. Eu o amava!
- Não sou o homem perfeito que
você procurava, mas eu te amo e
muito.
- Eu não procurava o homem
perfeito, Thomas, eu procurava
você – terminamos nossa noite
1160
como todas as outras, nos
amando.
Capítulo 26
Novas Constatações
VISÃO DE CATHY
Voltar a minha rotina ao lado do
Roger não foi uma tarefa muito
convidativa. Eu me sentia
péssima e muito envergonhada
pelo que tinha acontecido. Não
era fácil causar-lhe aquela dor.
Roger
era um bom amigo, uma pessoa
que eu gostava de ter por perto.
Mas Thomas tinha razão. Eu não
podia continuar com a mentira.
Ele não merecia ser enganado.

1161
Um dia após a confusão, Sam
apareceu cedo em meu quarto
para conversarmos, mas
resolveu
não dizer nada quando viu que
Thomas me acompanhava no
café-da-manhã. Ela apenas
conversou
sobre a noite e se despediu de
Thomas e de mim afirmando de
ainda ter algo a fazer antes da
reunião.
Thomas foi embora logo em
seguida. Na verdade eu o
expulsei. Não queria mais
problemas
com Roger e, caso os dois se
encontrassem no corredor, sabe
1162
Deus o que poderia acontecer.
Prometi
que o encontraria para
almoçarmos juntos. Ele queria
me levar em um restaurante novo
que um
conhecido havia acabado de
inaugurar. Jurou que era discreto
e bem frequentado, então
concordei.
Só encontrei com Roger na sala
de reuniões e ele não falou nada
que não fosse relacionado ao
nosso trabalho. Tenho que dizer
que me senti horrível. Era difícil
para mim admitir que a mágoa o
impedia de ser novamente o meu
amigo.
1163
Praticamente não participei da
reunião. Fiquei sentada vendo as
imagens apresentadas com o
pensamento muito distante. Não
gostaria de perder a amizade de
Roger. Ele tinha sido a minha
força
quando pensei que tudo estava
perdido e se eu estava ali,
acompanhando de perto as
minhas
empresas, ele havia sido meu
maior incentivador. Não era justo
que tudo terminasse daquela
maneira.
Sam notou a minha apatia, por
isso, antes de eu sair correndo
para me encontrar com Thomas,
1164
ela conseguiu me segurar para
uma conversa. Obriguei-me a ter
paciência.
- Como Thomas foi parar naquela
festa?
- Não sei. Estou tão acostumada
com ele sabendo sempre tudo a
meu respeito, e eu dele, que
não me dei ao trabalho de dar
detalhes sobre o meu
compromisso. Ele também não
comentou que
estaria lá, por isso toda a
confusão.
- Estranho! – Falou pensativa.
- Por quê?
- Porque nós tivemos que
confirmar a nossa presença com
1165
quinze dias de antecedência. Se
o
nome de Thomas estivesse na
lista de convidados eu teria te
avisado, mas não estava, tenho
certeza
disso.
- E como ele conseguiu entrar? –
Minha cabeça trabalhava a mil
por hora.
- Não faço à mínima ideia.
- Vou tirar esta história a limpo.
Tenho que ir – beijei Sam no
rosto e saí decidida a confrontar
Thomas. O que ele estava
pensando?

1166
Liguei para ele do caminho para
avisar que já estava chegando.
Entrei no restaurante o mais
rápido possível sem prestar
muita atenção aos detalhes. Ele
estava em uma mesa bastante
discreta e
sorriu quando me viu chegar,
como não sorri de volta, Thomas
ficou sério e preocupado.
- Algum problema? – Beijou meu
rosto.
- Sim – fui categórica. – Pelo que
parece, novos problemas estão
sempre surgindo em nossas
vidas – Thomas passou a mão
pelo rosto, impaciente.

1167
- E qual é o problema desta vez?
– O garçom se aproximou da
nossa mesa para pegar o
pedido. Deixei Thomas pedir por
mim, minha mente não
conseguia assimilar mais
nenhuma
informação. Quando o garçom se
afastou, voltei a falar.
- O que você foi fazer no jantar
ontem?
- Eu já disse. Eu fui convidado,
ajudei na campanha e aceitei
comparecer.
- Quando confirmou a sua
presença? – Thomas não
entendia o motivo das minhas
perguntas.
1168
- Não sei. Não sou o responsável
por minha agenda. Você sabe
muito bem. O que está
acontecendo?
- Sam me disse que quando
confirmou a nossa presença o
seu nome não estava entre os
convidados – ele passou as
mãos pelos cabelos e deu uma
risada fraca.
- E você está pensando que eu
fui até lá apenas para estragar
seu teatrinho com seu amigo –
afirmou. Eu nada disse, apenas
observei a forma como ele
reagia. – Francamente, Cathy!
Você acha

1169
mesmo que eu me prestaria a
este papel? Eu tinha concordado
em deixar você resolver este
problema. Só contei porque perdi
a cabeça, mas não foi nada
planejado.
- Não sei o que pensar. Só sei
que seu nome não estava na lista
e Sam não inventaria uma
coisa dessas.
- Eu não sei se o meu nome
estava na lista, também não sei
quando minha presença foi
confirmada, apenas sei que o
evento estava em minha agenda
e ontem pela manhã Dyo me
avisou que
eu deveria comparecer.
1170
- Ontem de manhã? Que horas?
- Não sei, Cathy! – Disse
nervoso.
O garçom se aproximou e
colocou os pedidos a nossa
frente. Thomas não desviou o
olhar do
prato. Não conversamos
enquanto comíamos, ou
tentávamos comer, porque nem
eu nem ele
estávamos confortáveis o
suficiente para aproveitar aquela
refeição.
Em determinado momento
Thomas simplesmente largou os
talheres e desistiu. Eu ainda fingi

1171
que não havia percebido, mas a
comida estava travando em
minha garganta e se eu
continuasse
tentando fazê-la descer era bem
provável que tudo retornaria,
então acabei desistindo também
e
abandonando meu prato.
O silêncio e a tensão entre nós
era praticamente palpável, além
de constrangedor. Foi muita
sorte não encontrarmos seu
amigo, proprietário do
restaurante, pois seria
desconfortável interpretar o
papel do casal feliz e sem
problemas.
1172
Thomas pagou a conta e fomos
juntos para o carro. Entramos em
silêncio e permanecemos
assim até chegar em casa. Eu já
estava quase gritando para
quebrar o clima quando ele
resolveu fazêlo.
- Você não confia em mim –
disparou. – Não adiantou nada
eu ter te provado que esta
história
toda foi uma armação. Você
continua não acreditando em
mim.
- Eu acredito em você – minha
voz estava bastante fraca. Eu
realmente confiava, mas
conhecia
1173
Thomas o suficiente para saber
do que ele era capaz para
conseguir o que queria. E sabia
que ele
queria muito acabar de uma vez
por todas a minha história com
Roger.
- Não! –Foi curto e grosso. – Seu
amigo tem razão. Você só voltou
para mim porque não
aguentou ficar longe e não
porque acredita em mim. Eu não
quero assim. Não quero deste
jeito. Sei
que não te traí e tenho feito de
tudo para provar que esta dor é
desnecessária. Se você não
acredita
1174
em mim, talvez seja melhor
esperarmos um pouco mais para
ficarmos juntos.
- Não! – Ofeguei. – Você está
terminando comigo? É isso? –
Meus olhos já me traíam
deixando as lágrimas escorrerem
pelo rosto. A dor pelo fim do
nosso relacionamento se
apresentou e
toda a tristeza que eu sentia
quando estávamos separados
voltou com força total. Meu
coração
começou a despedaçar, lenta e
progressivamente.
- Não! – Ele respondeu com o
mesmo desespero. – Eu não
1175
quero terminar com você –
Thomas
me puxou para seus braços e
afagou meus cabelos colando
seus lábios em minha testa. –
Apenas acho
que se você ainda tem dúvidas o
melhor a fazer é respeitar o seu
tempo – seus braços me
apertaram
mais. – Eu te amo, Cathy! Não
quero te perder. Não posso
arriscar tudo o que temos por
causa de
dúvidas. Preciso que você
acredite realmente em mim.
- Eu acredito! – Repeti
desesperada. Mal conseguia
1176
respirar e os soluços irrompiam
me
impedindo de falar.
- Fique calma! – Thomas me
segurou pelo ombro, afastando-
se um pouco e me olhando com
preocupação. – Cathy! – Eu
chorava desesperadamente. A
mínima ideia de terminar o nosso
relacionamento outra vez me
atirava de volta ao inferno. Ele
suspirou e voltou a me abraçar,
acariciando minhas costas. –
Calma! Está tudo bem.
Aos poucos fui recuperando a
calma. Thomas continuava me
abraçando, correndo seus dedos

1177
por minhas costas num
movimento ritmado que me
embalava e tranqüilizava.
- Não quero te ver assim – beijou
o topo da minha cabeça. – Nunca
pensei que te causaria
tanto desespero. Desculpe!
- Não quero te perder. Não posso
mais viver sem você – confessei.
- Eu também não quero. Você
me assustou. O que está
acontecendo? Nunca te vi tão
transtornada.
- Não sei. Esta história deve ter
afetado meu DNA, ou destruído
meus neurônios – ele riu. –
Qualquer coisa me assusta,
causa desespero e me faz
1178
chorar. Não consigo mais
encontrar dentro de
mim aquela Cathy corajosa e
desafiadora.
- A culpa é minha. Eu preciso te
inspirar mais confiança.
Thomas me soltou e retirou o
celular do bolso discando para
alguém. Logo depois atenderam.
Pelo que entendi, Thomas
questionou Dyo sobre o evento,
quando ele tinha recebido o
convite e
quando foi aceito. Ele olhava
para mim enquanto ouvia o que
nosso amigo dizia.

1179
- Você poderia repetir isso para
Cathy? – Passou o telefone para
mim, que atendi constrangida.
- Oi, Dyo!
- O que aconteceu? – Ele ria da
situação. Provavelmente já
planejando mais uma forma de
brincar com meu namorado.
- Thomas precisa me provar que
está dizendo a verdade, mesmo
eu dizendo que acredito nele.
- Ok! Eu disse a ele que o convite
chegou há quase um mês e que
confirmamos a presença dele
há mais ou menos vinte dias –
vinte dias? Mais rápido do que
nossa confirmação, ou seja, o
nome do
1180
Thomas deveria estar em nossa
lista. Fiquei intrigada.
- Tudo bem, Dyo, obrigada! –
Devolvi o telefone a Thomas que
se despediu de Dyo e
desligou.
- Preciso falar com Sam.
- Você já vai? – Eu sentia o
mesmo que ele. Após o estresse
da nossa pequena briga,
queríamos passar um tempo
juntos.
- Não. Vou ligar para ela – peguei
o meu celular e disquei para
Samantha.
- Oi, querida! – Falou
alegremente do outro lado da
linha.
1181
- Oi, Sam! Preciso de um favor
seu.
- Claro! Do que você precisa?
- Da lista que você recebeu com
os nomes dos convidados para o
jantar de ontem.
- Algum problema? –Ela ficou
apreensiva.
- Não – disfarcei a voz. – Apenas
ficamos em dúvida. Dyo
confirmou o recebimento do
convite.
- Bom, querida, com certeza o
documento está em meu
escritório em Nova York, mas
posso
conseguir que seja enviado para
você por fax.
1182
- Ótimo Vou ficar aguardando
então. Obrigada!
- O que você está querendo
fazer? – Thomas ficou curioso.
- É estranho!
- O que é estranho? Sam deve
ter se enganado.
- Não acredito nisso. Sam vem
tomando bastante cuidado para
evitar nossos encontros
desastrados. Ela com certeza
verificou a lista e me avisaria
caso você estivesse nela. Será
que a Sara
ainda tem o documento? Vou
pedir para ela enviar por fax –
enquanto eu falava já estava
discando
1183
para Sara. Ela não entendeu o
porquê do meu interesse, mas
concordou em me enviar.
Sentei no sofá aguardando.
Thomas sentou ao meu lado
ainda sem entender o que eu
estava
pensando.
- Preste atenção. Nós já
sabemos que alguém está
tentando nos separar. – ele
assentiu. –
Primeiro as fotos minhas com
Roger e a repórter insistindo em
deixar claro que não estávamos
mais
juntos, depois as fotos suas com
Mia. Não percebe?
1184
- Sim. Alguém está tentando
minar todos os lados do nosso
relacionamento. Eu te disse isso.
Você quer dizer que alguém
adulterou os documentos para
que você não soubesse que eu
estaria no
jantar, não é isso? – Concordei. –
Se esta pessoa não sabe que
estamos juntos o que ela
pretendia?
Mostrar-me que você estava com
Roger?
- Thomas, quem quer que seja,
sabe muito bem que estamos
juntos – ele me encarou
espantado.

1185
– Perceba os sinais. Eu me
sentiria triste por saber de você e
Mia, mas qual a relevância disso
se nós
estivéssemos separados? E o
jantar? Que importância teria
encontra-lo lá ou em qualquer
outro
lugar? Ele, ou ela, sabe que
estamos juntos e está tentando
quebrar o que existe de mais
importante
entre nós dois agora. Mais
importante até do que o nosso
amor. A nossa confiança um no
outro.

1186
Vi seu rosto se transformar e
demonstrar claramente que ele
concordava comigo.
- Essa pessoa conhece a nossa
rotina, acompanha os nossos
passos. Ela sabe o que nós
pensamos.
- Não pode ser um de nossos
amigos, Thomas. Apenas eles
sabem de tudo o que tem
acontecido.
- Não estou pensando neles.
- Então quem?
- Não sei, Cathy, mas vou levar
esta teoria para o agente
Saunders e ver o que ele vai
fazer em
relação a isso.
1187
- Tudo bem!
- Cathy? – Chamou baixinho.
Uma mistura de ansiedade e
sofrimento em sua voz. –
Precisamos
realmente confiar um no outro.
Não podemos permitir que esta
pessoa consiga nos atingi. – ele
afagou carinhosamente meu
rosto e depois me deu um beijo
rápido, mas doce e delicado.
- Serei forte. Prometo – busquei
seus lábios já saudosa deles.
- Eu te amo!
- Eu te amo! – Repeti suas
palavras com devoção.

1188
Thomas me abraçou e eu desejei
não ter que sair dos seus braços
nunca mais. Ali eu me sentia
completa. Feliz.
***
Voltar para o hotel foi doloroso.
Eu queria poder ficar mais tempo
com Thomas, só que
tínhamos que retornar para Nova
York e não estaríamos no
mesmo voo nem no mesmo
horário.
Despedimo-nos reafirmando o
nosso compromisso de
confiarmos um no outro,
independente da
situação.

1189
Assim que cheguei ao meu
andar, Roger abriu a porta do
quarto dele e veio em minha
direção.
Fiquei apreensiva. O que ele
poderia querer? Como sustentar
mais uma conversa complicada?
Eo
mais importante, como suavizar o
sofrimento do meu amigo?
- Cathy? Podemos conversar?
- Claro – abri a porta e o deixei
entrar.
- Eu tentei falar com você ontem,
mas não consegui te encontrar
no hotel, deduzi que estava
com Thomas – senti vergonha
em admitir, mas não iria mais
1190
esconder o meu relacionamento.
Não
depois de tudo. – Tudo bem,
Cathy! Eu pensei bastante no
assunto e percebi que nada
podia fazer em
relação a vocês dois. Ainda estou
muito magoado, mas você ainda
é a minha amiga e eu ainda te
amo
como tal – ele me olhou com
carinhosamente derretendo meu
coração. Eu ainda o desejava
como
amigo.
- Eu não quis te enganar, Roger.

1191
- Não entendo por que fez
segredo da sua decisão. Por que
permitiu que me iludisse?
- Eu não podia te contar. Existem
ainda alguns problemas, por isso
decidimos não revelar a
ninguém que havíamos reatado.
- Problemas? O que aconteceu?
Pensei duas vezes no quanto
poderia revelar. Havia feito um
acordo com Thomas, porém
Roger era meu amigo, uma
pessoa na qual confiava sem
pestanejar. Decidi que não mais
esconderia
dele o que estava acontecendo,
então revelei a existência do
agente Saunders, falei sobre as
1192
investigações secretas, a
possibilidade do envolvimento da
Lauren e das nossas novas
constatações.
Contei também sobre as fitas e a
busca pelo homem da tatuagem.
Roger ouvia tudo atentamente.
- Meu Deus, Cathy! Como você
pôde me deixar de fora esse
tempo todo? Eu quero ajudar.
Tudo bem que não sou a favor
do seu relacionamento com o
Thomas, mas trata-se da sua
segurança,
da sua vida e o seu bem estar é
do meu interesse também.
Sorri um pouco sem graça.
Lógico que Roger preocupava-se
1193
com a minha segurança. Foi o
que
sempre fez a nossa vida inteira.
Ele me protegeu da minha
própria vida. Cuidou de mim
quando meu
pai não o soube fazê-lo, ficou ao
meu lado quando o marido da
minha tia tentava a qualquer
custo me
fazer a sua amante. Naquele
momento não poderia ser
diferente. E eu não poderia
deixá-lo do lado de
fora.
- Desculpe! Prometo que de
agora em diante o manterei
informado.
1194
- De tudo. Por favor! Ainda
somos amigos.
- Sim. Ainda somos amigos.
Capítulo 27
Só a Felicidade Pode Ter Fim
VISÃO DE THOMAS
Cathy ficou insegura com a
minha presença na festa. É
lógico que senti raiva ao vê-la tão
à
vontade com Roger. Qualquer
pessoa que visse a cena de fora
iria pensar que se tratava de um
casal
feliz. Aquela constatação esgotou
a minha paciência. Eu precisava
por um fim naquela história e o

1195
mais rápido possível. Por isso
aproveitei a primeira
oportunidade para deixar claro
para ele que
estávamos juntos.
Com a raiva que sentia foi fácil
despejar a verdade. Apesar de
ter garantido a Cathy de que
esperaria pelo momento dela não
consegui me controlar. Ouvir o
que Roger dizia foi terrível e eu
nunca fui nenhum santo para
ouvir calado enquanto tinha
cartas que me garantiam a
vitória.
Só quando Cathy nos
interrompeu, percebi que havia

1196
falado demais e que tinha mais
uma vez
estragado o que combinamos.
Deixei que a minha vontade se
sobrepusesse a dela. Dei um tiro
no meu
próprio pé. Por isso corri até o
hotel, eu não poderia perdê-la
novamente, porém minha calma
estava
longe de ser Alcançada,
principalmente depois que
reencontrei Roger. O que ele
queria? Não
bastava ouvir da própria Cathy
que estávamos juntos?
Começamos a discutir e ela logo
apareceu.
1197
Droga! Seria muito complicado
convencê-la a ficar bem comigo.
Quando ela me deixou no quarto
e foi com Roger para o dele
quase me desesperei, então
entendi que Cathy iria apenas
bater o último prego do caixão.
Iria contar toda a verdade. Fiquei
alerta, e também confortável.
Confirmei minhas expectativas
quando minha namorada
retornou e não me evitou, nem
afrontou. Ela estava visivelmente
triste, porém não precisei me
esforçar muito para fazê-la
esquecer
de todos os problemas e se
entregar ao meu amor. Sim eu
1198
sou muito egoísta e não tenho
vergonha de
admitir isso.
Fui embora no dia seguinte com
o coração mais aliviado, mesmo
sabendo que Cathy voltaria
ao lado do Roger. Não tinha mais
medo da influência dele sobre
ela. No entanto o que aconteceu
durante o nosso almoço me
deixou inseguro novamente. Se
Cathy não confiava em mim por
que tinha
voltado? Não que eu não
quisesse, eu estava mais do que
feliz por ela estar comigo, mas
precisava

1199
que confiasse em mim para que
a nossa felicidade fosse
completa.
Ao descobrir que o jantar havia
sido outra armação da pessoa,
ou pessoas, que desejavam nos
separar, me fez entrar em alerta
máximo. De alguma forma a tal
pessoa sabia demais. E o pior é
que
poderia ser qualquer um. O que
me assustava era a constatação
de que se tratava de alguém
muito
próximo. Alguém que
confiávamos. Estávamos em
meio a uma traição.

1200
No dia seguinte Cathy foi embora
antes de mim. Senti sua falta
assim que passou pela porta.
Nos encontraríamos a noite e
recuperaríamos o tempo que
ficamos afastados. Eu também
precisava
pensar melhor em tudo o que
conversamos. Era importante
descobrir quem estava nos
traindo. Quem
estava passando informações a
nosso respeito. Seria uma
grande decepção para Cathy se
descobríssemos que era alguém
que amávamos.

1201
Passei a tarde com o agente
Saunders. Assim que cheguei a
Nova York decidimos em nos
encontrar. Conversamos e
montamos algumas estratégias
que poderiam nos dar alguma
direção. Se o
inimigo estava entre nós,
deveríamos prestar mais atenção
nas informações que dávamos as
pessoas
e observá-las mais de perto.
Eu precisava encontrar Cathy o
quanto antes para combinarmos
o que faríamos. Havíamos
desenvolvido uma estratégia que
seria conhecida apenas por mim,
Cathy e o agente Saunders. Não
1202
era nada fácil deixar Kendel e
Dyo de fora, porém necessário,
ao menos até termos uma ideia
do que
estava acontecendo.
Já era noite quando nos
encontramos. Cathy estava
cansada e queria apenas
esquecer nossos
problemas por algumas horas.
Jantamos e ficamos conversando
abraçados no sofá do
apartamento
dela. Expliquei o que o agente
Saunders tinha decidido e ela
concordou de imediato sem
questionar,

1203
também sem muito interesse no
que estávamos conversando.
- O que você fez o dia todo? –
Mudei de assunto para não
sobrecarregá-la com tantos
problemas.
- Muitas coisas. É muito
complicado comandar empresas
tão importantes. Definitivamente
não
sei fazer isso. Se não fosse
Roger... – ela me olhou confusa,
como se estivesse ultrapassado
uma
barreira proibida.
- Ele te ajuda muito – mantive
minha serenidade. Não queria

1204
que Cathy ficasse tensa por
conta
dos meus problemas com Roger.
E a verdade era que ele
realmente a ajudava.
- Ajuda – encostou a cabeça em
meu ombro e suspirou cansada.
– Se Peter não voltar logo não
sei como vai ser. Sei que Roger
dá conta, mas Sam insiste em
me manter a frente de tudo.
- Tenha paciência. Falta pouco
agora – bocejei. Meus olhos
ardiam de sono e ainda era tão
cedo para dormir!
- Estou tendo, mas esta rotina
está acabando comigo. Hoje, por
exemplo, estou me sentindo
1205
especialmente cansada – fechou
os olhos ficando em silêncio.
- Está na hora de ir para a cama,
princesa, ou então vamos
adormecer no sofá – ela nada
disse.
Sua respiração estava lenta e
profunda. – Cathy? – Sua cabeça
pendeu para o lado. Ela havia
adormecido. Carreguei-a até o
quarto e a deitei cuidadosamente
na cama. Dormi imediatamente.
Acordei com o celular de Cathy
tocando insistentemente. Ela não
levantava para atender.
Nenhum movimento na cama. O
barulho me incomodava,

1206
adentrava meu cérebro e fazia a
minha
cabeça latejar. Minha boca
estava muito seca. Apertei os
olhos com força, incomodado
pela
claridade que invadia minhas
pálpebras.
- Cathy? – Chamei baixinho. –
Meu amor, seu celular –
nenhuma resposta. Abri os olhos,
minhas vistas doeram e eu tive
que aguardar que se ajustassem
a claridade, enquanto o telefone
parava e recomeçava a tocar. –
Cathy? – Chamei mais alto. Ela
não respondia. A cama estava
vazia.
1207
Resolvi levantar e procurá-la pelo
apartamento silencioso. – Cathy?
– Somente silêncio. O aparelho
continuava tocando. Resolvi
atender.
- Alô! – Fiquei desconfortável por
atender a uma ligação que não
era para mim, pelo menos
foi o que imaginei.
- Até que enfim! Pensei que tinha
te dado uma dose maior do que o
necessário – ouvi a voz do
outro lado, mas a sonolência e a
dor de cabeça não me permitam
identificar quem era.
- Quem está falando?

1208
- Seu melhor amigo – deu risada
e eu fiquei ainda mais confuso. –
Roger – como assim? O que
ele queria?
- Cathy não está, Roger, ligue
outra hora – ia desligar, mas ele
foi mais rápido do que eu.
- Ela não vai voltar, Thomas –
sentei na cama sem saber como
reagir ao que ele estava e
dizendo.
- Roger, eu estou com uma dor
de cabeça terrível e sem humor
para piadas, ligue depois,
quando Cathy estiver de volta...
- Eu vou matá-la – sua voz
estava rouca e seu tom

1209
agressivo. – Não estou
brincando. Estou no
apartamento ao lado e sua linda
Cathy está enterrada em algum
lugar de Nova York. Você só tem
uma
escolha. Estou te aguardando.
Não demore. O caixão não tem
ar suficiente para mantê-la viva
por
muito tempo.
Desligou.
Fiquei sentado na cama com o
coração disparado. Eu não sabia
o que fazer. E se fosse
mentira? E se fosse uma
armação para me tirar do

1210
caminho de Cathy? Talvez o
agente Saunders
pudesse me ajudar. Levantei
para tentar encontrar meu
celular. Minha cabeça latejou e
meu estômago
embrulhou.
Se fosse verdade eu poderia
estar colocando tudo a perder. E
se Cathy estivesse realmente
enterrada em algum lugar,
lutando pela própria vida? Sem
pensar saí cambaleante e fui em
direção a
porta. O que eu vestia não me
importava. Precisava chegar ao
apartamento ao lado.

1211
Parei em frente a porta e passei
os dedos pelos cabelos tentando
recuperar um pouco da
lucidez. Tudo parecia um
pesadelo e eu queria muito
acordar.
Nem precisei bater na porta, ela
se abriu e quem estava lá? Para
a minha surpresa, o mesmo
homem com que eu tinha me
encontrado no apartamento da
Anna. O homem da tatuagem
que tinha
participado ativamente de toda
aquela farsa. Meu coração
acelerou. Ele abriu espaço para
que eu

1212
pudesse entrar. Mesmo
desconfiado e com medo, tive
que colocar tudo de lado e
adentrar rumo ao
desconhecido. Cathy podia
realmente estar correndo perigo.
Roger, sentado no sofá que
ficava quase em frente à porta,
sorriu triunfante. Ele estava
vestido
com exuberância, como se
estivesse em uma reunião onde
fecharia o seu contrato mais
importante.
Entendi de imediato o que
pretendia. A sala era ampla como
a de Cathy e na parede ao lado
do sofá
1213
havia um televisor grande, a tela
tomando quase toda a parede.
Quase cai de joelhos quando
percebi que transmitia a imagem
de Cathy dormindo. As mãos
cruzadas no peito, como se
estivesse realmente morta e o
local era pequeno e apertado,
como um
caixão.
- Cathy! – Arfei em pânico. Roger
não estava brincando quando
disse que a mataria.
Em um canto da imagem um
relógio corria marcando o tempo
e me dei conta de que fazia uma
contagem regressiva.
Provavelmente aquele era o
1214
tempo que Cathy ainda teria com
ar. Pensei que
meu coração iria explodir.
- Não se preocupe, Thomas – ele
falou muito calmamente. – É só
entrarmos em acordo e Cathy
ficará bem.
- O que você fez com ela?
Eu não conseguia tirar meus
olhos da imagem na tela. Cathy
ainda respirava normalmente. Eu
podia ver pelo movimento em
seu tórax. Mas sabia que se o
tempo marcado no relógio
estivesse
correto, em breve começaria a
ter dificuldade para respirar. E

1215
dormindo ela não tinha como
segurar a
respiração e prolongar o tempo
para a sua sobrevivência.
- Nada. Ainda não fiz nada que
possa prejudicá-la. Mas posso
fazer – olhei para ele me
esforçando para não piorar a
situação. Seus olhos estavam
contraídos e sua voz
demonstrava que
sentia raiva, apesar de manter a
calma.
- Era você o tempo inteiro –
constatei. – Você armou com
Anna e depois a matou para que
Cathy não descobrisse a
verdade. Matou o Mário também
1216
– minha respiração estava
irregular. Eu
estava com medo, não apenas
por mim, mas principalmente por
Cathy. – Você tentou nos matar
naquele dia do tiroteio – ele riu
sarcasticamente.
- Eu tentei matar você. Cathy
estava no lugar errado, na hora
errada.
- Como pôde? Ela confia em
você!
Sentia a raiva me atingir como
um soco no estômago. Minha
boca estava amarga e eu poderia
matá-lo naquele momento,
porém era preciso prudência.

1217
Cathy estava em algum lugar
desconhecido,
provavelmente era verdade que
ele a enterrara viva. A angústia e
o desespero me sufocavam. Eu
precisava salvá-la.
- Você deveria ter entendido
todos os recados que mandei,
mas não, insistiu neste amor,
insistiu em continuar tirando de
mim o que era meu por direito.
- Você matou, enganou, fez as
coisas mais absurdas, e quer que
eu acredite que fez por amor?
Isso não é amor, Roger. Ela não
merece passar por isso. Não
merecia nenhum dos sofrimentos
que
1218
você lhe impôs. É isso que
chama de amor?
Ele gargalhou alto. Demoníaco.
Era perceptível a sua satisfação
em me ver tão desesperado.
Ele a mataria, eu tinha certeza.
- Quem falou em amor? –
Levantou e começou a andar
pela sala. – Eu não sou como
vocês
dois, tão sentimentais! Tudo para
vocês é essa droga de amor que
os une. Nem a sua suposta
traição a
fez desistir de continuar com
essa bobagem – eu não entendia
aonde ele queria chegar. Se não
era por
1219
amor, então pelo que? Mais uma
vez ele deu risada. – Eu amei
realmente a Cathy, quando ainda
éramos jovens. Tenho que
admitir que ela é uma pessoa
fácil de amar. Mas as coisas
mudaram.
Quando descobri de quem Cathy
era filha, não entendi porque não
exigia o que era seu de direito.
Por
que ela preferia aquela merdinha
de vida que levava? Quando ela
terminou comigo, fiquei perdido.
Eu a amava e tinha planos para
nosso amor. Era simples:
convenceria Cathy a lutar por
seus direitos
1220
e no final todos nós ficaríamos
satisfeitos.
Ele parou e contemplou a
imagem de Cathy naquele vídeo
macabro. Por um segundo
enxerguei
a sua mágoa e um brilho em
seus olhos que parecia...
Devoção.
- Mas ela terminou comigo e
arrancou de mim a oportunidade
de sair da vidinha que eu
levava. Demorei algum tempo
para me recuperar da dor. Foi
mais fácil do que imaginava.
Logo no
primeiro mês, após o término,
consegui um emprego na
1221
empresa do pai dela, e com
algumas
manobras do destino, cheguei
onde estou hoje. Só que não é o
suficiente para mim. O meu plano
era
conseguir chegar ao meu cargo,
então Cathy reapareceu, linda e
assumindo a sua herança. Eu
pensei:
Por que não? Então fui obrigado
a criar toda esta situação e
separar vocês para depois
convencê-la a
se casar comigo. Seria um ótimo
negócio, eu assumiria as
empresas e de quebra teria
Cathy de volta.
1222
Só que você não aceitou com
facilidade e resolveu atrapalhar
meus planos. Seria muito melhor
se
tivesse se mantido distante.
Cathy ainda estaria segura, em
meus braços – olhou para mim e
sorriu.
Era o seu xeque-mate. Ele sabia
que eu abriria mão de qualquer
coisa, até do nosso amor, para
mantê-la viva.
Olhei mais uma vez para a tela
onde a imagem de Cathy estava
exposta e não pensei duas
vezes. Ela precisava voltar.
Precisava ser tirada de lá. Eu
tinha que ser capaz de fazer.
1223
- O que você quer de mim?
- Não percebeu ainda? –
Ironizou. – Quero você longe da
vida dela. Quero que ponha um
ponto final no relacionamento de
vocês. Vá embora. Termine com
ela e desapareça. Em troca eu
garanto que a manterei segura,
como mantive até agora.
Uma porta se abriu e de lá
saíram os dois seguranças que
eu havia contratado para
proteger
Cathy. Estávamos cercados de
traidores. Todos estavam
envolvidos.

1224
A dor que eu sentia era
impossível de ser descrita.
Deixar Cathy era uma realidade
absurdamente dolorosa. Eu me
sentia como se tivesse
atravessado um oceano a nado e
quando
cheguei do outro lado descobri
que meu esforço foi inútil. O que
eu buscava não estava mais lá.
Viver sem Cathy seria terrível, no
entanto não havia outra escolha.
Era isso ou ele a deixaria morrer
enterrada em um lugar qualquer.
Eu poderia levar anos para
encontrá-la ou até mesmo nunca
conseguir. Minha respiração

1225
estava pesada e meu coração
apertado
demais.
- Por que não me matou? Seria
mais fácil – mesmo sabendo que
cada segundo menos tempo
Cathy teria, eu não conseguia
pronunciar as palavras.
- Eu tentei – disse pensativo. –
Tentaria outra vez. No entanto
percebi que Cathy morreria
junto com você. Não literalmente,
você me entende. O amor que
ela sente é mais forte do que a
morte. Com certeza não
suportaria e se não acabasse
morrendo também ela se tornaria
um nada.
1226
Velaria este amor pelo resto da
vida. Nunca aceitaria outra
pessoa. Por outro lado, se você a
abandonar, se admitir que
transou com Anna e que tudo era
verdade, estará machucando-a
tão
fortemente que com certeza ela
aceitará o meu pedido de
casamento – ficamos nos
encarando por um
tempo. – Vamos lá, Thomas! O
tempo dela está correndo.
Decida-se logo – disse com tom
de
brincadeira. Eu sabia que ele não
estava brincando.

1227
Olhei para Cathy e mentalmente
pedi perdão pelo que faria. E
então assenti, concordando com
ele.
- Ótimo! Então devo começar a
organizar a volta da Cathy. –
sinalizou para os seguranças e
estes saíram deixando apenas
eu, ele e o cara da tatuagem,
parados na sala. – Não se
preocupe, ela
estará de volta em segurança e
quando despertar nem vai saber
o que aconteceu. Como você
prefere?
Quer um tempo para conversar
com ela? Devo lhe advertir que

1228
estaremos monitorando a
conversa de
vocês, então não banque o herói
– minha cabeça girava.
- Não. Eu não quero que ela me
veja – forcei as palavras para
fora. – Tenho que pegar
algumas coisas minhas que
estão no apartamento dela e... –
pensei no que deveria fazer. -
Acho que
prefiro escrever, deixar uma
carta.
- Escreva – ele me estendeu uma
folha de papel e uma caneta. – É
lógico que irei verificar o

1229
que escreveu – meus
movimentos eram mecânicos. Eu
não conseguia pensar em nada.
Fui até a mesa de jantar e sentei
com o papel diante de mim.
Permiti que algumas lágrimas
caíssem. Não me sentia um fraco
por isso. Só sentia um medo
terrível. Cathy ficaria nas mãos
de um
louco e eu precisava fazer algo,
mas o que?
- Quer uma ajuda? – Perguntou
impaciente. Com ódio rabisquei
as primeiras palavras.
“Cathy,

1230
Queria conseguir uma forma
menos dolorosa de fazer o que
vou fazer. Infelizmente não
encontrei nenhuma. Sim, admito
que sou um covarde e não tenho
coragem de olhar em seus olhos.
Por
isso optei pela carta.
Cathy, Roger estava certo o
tempo todo. Eu não mereço você
e nem você merece passar pelas
coisas que meu egoísmo te
impõe. Eu sou um fraco e não
aguento mais conviver com isso,
com tanta
mentira. O que aconteceu
comigo e Anna foi real. Eu tinha

1231
dúvida do que realmente queria
para nós
dois e deixei acontecer.
Foi difícil para mim não te ter
mais em minha vida, por este
motivo voltei. Não admitia que
você estivesse com outra
pessoa. É absurdo o que vou
dizer, mas senti meu orgulho
ferido.
Não há mais nada para ser
explicado. Estou saindo de sua
vida desta vez para sempre.
Espero
que seja feliz desta vez. Sei que
não será fácil, mas desejo
realmente que isso aconteça.

1232
Só tenho um único pedido a te
fazer: acredite em mim, em
minhas palavras, sempre,
mesmo
quando lhe parecer impossível.
Lembre-se de nossa conversa
sobre confiança.
Com carinho,
Thomas.”
Não sei quanto tempo demorei
para escrever a carta. Quando
terminei Roger já estava
impaciente. Entreguei o papel
dobrado a ele que o abriu
imediatamente conferindo o que
estava
escrito.

1233
- Muito meloso, mas vocês
gostam, não é? Tudo bem
Thomas, faça conforme
combinamos.
Pegue suas coisas e vá embora.
Vou estar por perto para consolá-
la – não olhei para ele, apenas
passei pela porta já aberta pelo
cara da tatuagem e fui em
direção ao apartamento dela.
Estava derrotado!
Cada passo que dava era como
se estivesse acompanhando o
enterro de alguém que eu amava
muito. O sentimento era bastante
propício. Minha garganta ardia
pelo choro contido e meu peito

1234
tentava reagir à pedra gigantesca
alojada sobre dele. A dor que
sentia impossível de ser descrita.
Entrei no apartamento e me dei
conta do quanto dela havia nele.
Era como se Cathy ainda
estivesse ali, aguardando por
mim.
- Você precisa ser rápido. Ela
chegará a qualquer momento. –
olhei assustado para a porta e
me deparei com a última pessoa
que esperava encontrar.
- Lauren?
Foi como se eu estivesse
sufocando. O que ela fazia ali?
De repente entendi. Lauren havia

1235
ajudado Roger a esquematizar
todo o plano. Olhando-a parada a
porta, tão bem vestida e altiva,
constatei que sua loucura nunca
existiu. Ela estava de volta.
- Assustado? – Levantou a
sobrancelha. – Vamos lá,
Thomas, você me conhece muito
bem para
saber que eu não iria para a
cadeia por causa daquela
coisinha de nada. Fingir que
estava louca me
ajudou por muito tempo. Quando
Roger começou a me visitar a
perspectiva de sair mais rápido
me

1236
impulsionou. Claro que se ele
não tivesse aparecido eu teria
dado um jeito de terminar com o
que
comecei, mas Roger foi bastante
conveniente.
- Não se atreva, Lauren – a raiva
me sufocava. – Você foi longe
demais. Eu não vou permitir
que chegue perto dela.
- Você? – Gargalhou. – Eu podia
matá-la a qualquer momento. O
que me impediu foi o acordo
que fiz com Roger. Não faz mais
parte dos meus planos acabar
com a vida dela – Lauren me
olhou

1237
com ódio. – Quero acabar com a
sua. Assim como você acabou
com a minha.
- O que vai fazer? Vai atirar em
mim também? Atire. Vamos!
Estou esperando.
- Não tão fácil, Thomas! Tirar a
sua vida, neste momento, seria
um alívio para você. Eu
prefiro deixá-lo definhando pelo
amor da Cathy sem poder tê-la
de volta. Dramático, não? – Riu
alto
estreitando os olhos.
- Você vai ser presa , Lauren.
Não pense que vai conseguir
fugir. E quando te pegarem não

1238
conseguirá convencer mais
ninguém de que é louca.
- Hoje mesmo vou embora do
país. Vou ter a minha liberdade
de volta! Roger vai ter o que
quer: as empresas e Cathy e
para você vai sobrar o que? –
Parou pensativa. – Já sei!
Solidão. Para
você restará apenas solidão.
- Eu mato você!
Avancei em sua direção, mas o
movimento na sala desviou
minha atenção. Os seguranças
entravam com o que parecia ser
uma caixa, muito grande. Grande
o suficiente para conter Cathy.
Meu
1239
coração acelerou. Uma imensa
lona negra cobria a caixa.
- Cathy! – Corri em direção a
eles.
- Ah! A bela adormecida chegou
– Lauren disse debochada
batendo palmas como uma
criança
feliz depois de ganhar um
brinquedo novo. – Vamos,
Thomas, seu tempo acabou. Não
se preocupe
com suas coisas, eu já arrumei
tudo em uma mala e mandei
entregar na portaria do seu
apartamento.

1240
Não consegui me segurar.
Lauren mais uma vez conseguia
destruir tudo o que mais quis em
minha vida. Ela novamente
conseguia machucar Cathy.
Rapidamente avancei sobre ela,
segurando-a. Vi seus olhos se
arregalarem com o susto.
Lauren tentava se desvencilhar
de minhas mãos que apertavam
sem culpa o seu pescoço. Eu via
o seu
fim chegar através de minhas
mãos e então fui contido pelos
seguranças. Lauren caiu no chão
desesperada procurando por ar.

1241
-O que temos aqui? – Roger
entrou no apartamento andando
como um rei. Confortável e
seguro. – Thomas! – Disse com
reprovação. – Não sabe mais
como tratar uma dama?
- Abra a caixa! – Ordenei.
- Você disse que não queria
despedida.
- Quero saber se está tudo bem
com ela. Eu tenho este direito.
Fiz um acordo com você. Cathy
tem que estar segura. Como
posso confiar, quando você tem
esta desequilibrada ao seu lado?
- Você não tem direito a nada –
gesticulou impaciente. – Lauren
não é uma ameaça para Cathy.
1242
Não enquanto ela continuar
longe de você – Lauren, ainda no
chão, riu das palavras dele
enquanto
passava a mão no pescoço. –
Mas vou permitir por compaixão.
Abram a caixa.
Assisti angustiado a caixa sendo
aberta. Restos de terra caíram
pelo chão. Pude ver Cathy
deitada no centro, ainda
dormindo, drogada com certeza.
Seu semblante era tranquilo.
Contemplei
seu rosto perfeito e sereno.
Sentir uma imensa tristeza ao
lembrar que em pouco tempo a
mesma dor
1243
que me dominava a atingiria.
Cathy sofreria com a nossa
separação. Não compreenderia e
com
certeza me odiaria.
Retirei a mulher da minha vida de
lá de dentro. Com ela em meus
braços, caminhei lentamente
até o quarto e a deitei na cama.
Sua pele estava fria. Puxei o
cobertor, cobrindo seu corpo.
Todos
estavam em silêncio atrás de
mim. Sentei ao seu lado, acariciei
uma vez mais seu rosto e me
aproximei beijando sua testa
para depois depositar um beijo
rápido em seus lábios.
1244
- Eu te amo! – Murmurei.
- Chega, Thomas! Já constatou
que ela está bem, já se despediu,
agora basta. Vá embora e
cumpra com a sua parte.
Levantei, vesti minha roupa que
estava largada sobre a cadeira
do quarto e fui embora. Antes
de sair do apartamento olhei uma
última vez para Lauren. Ela se
encolheu com o meu olhar. Com
certeza sabia que eu seria o
principal interessado em procurá-
la e quando fosse encontrada,
não
mediria esforços para fazê-la
pagar pelos seus crimes.

1245
Fui embora sentindo minhas
forças se esvaírem. Eu sabia que
desmoronaria a qualquer
momento. Mas precisava pensar
em uma solução. Não podia
aceitar simplesmente entregar
Cathy nas
mãos dele e pronto. Tinha que
arranjar uma forma de reverter a
situação. Tinha que conseguir
uma
prova contra eles. Mas como?
Só fui para casa quando todas as
lágrimas já tinham sido
derramadas. Precisava de um
plano,
mas por mais que tentasse juntar
cada peça, nunca conseguia
1246
relacionar Roger a nada. Não
poderia
contar a polícia o que aconteceu.
Seria apenas a minha história
contra a dele. Principalmente
depois
da carta que eu escrevi. Também
não sabia se queria meus amigos
envolvidos naquela sujeira.
Roger
já havia me mostrado o que era
capaz de fazer para me manter
afastado e se eu insistisse em
continuar com a investigação ele
com certeza faria algo.
Quando cheguei em casa, Dyo
me esperava na sala. Kendel
estava ao seu lado, e ambos
1247
estavam apreensivos.
- O que aconteceu? – Dyo
perguntou assim que entrei.
Fechei a porta e fui até o sofá
mais próximo desabando nele.
Meu silêncio foi respeitado pelos
meus amigos que apenas
permaneceram calados me
observando.
- Eu e Cathy decidimos nos
separar – forcei as palavras a
saírem. A mentira era
necessária.
- Como assim? O que aconteceu
desta vez? – Kendel ficou
nervoso.

1248
- Nada. Eu só pedi um tempo.
Preciso de um pouco de espaço
– levantei do sofá evitando os
olhares atentos dos meus
amigos. – Estou voltando para
Los Angeles.
- O que? E as investigações? E
todo o plano? – Dyo não entendi
e se eu ficasse mais um pouco
na presença deles, acabaria
entregando o jogo.
- Não há mais necessidade. Se a
polícia quiser continuar
investigando, por mim tudo bem,
mas
eu não pretendo mais me
justificar com Cathy – dizer seu

1249
nome era doloroso. Minha
cabeça só
projetava imagens dela deitada
naquele caixão. – Vou subir e
arrumar minhas coisas. Dyo
providencie minha viajem de
volta. Ah, e também um exame
de sangue com urgência.
- O que? Como... – Dyo puxou o
ar com força. - Thomas? Alguém
deixou uma mala com coisas
suas na portaria hoje pela
manhã. Eu a coloquei no seu
quarto – subi sem dar mais
ênfase ao que
tinha acontecido.
Assim que abri a porta do quarto
ouvi meu celular tocando.
1250
Apressei-me em procura-lo
dentro
da mala. Em meu coração eu
queria acreditar que era Cathy,
mas eu sabia que não poderia
atender.
Não podia ouvir o seu sofrimento
e me manter firme. Era pela
segurança dela. Eu precisava ser
frio.
Para minha surpresa não era ela.
Olhei para aquele número em
meu celular, tocando
insistentemente.
Resolvi atender.
- Henry?

1251
- Thomas! – Ele disse eufórico. –
Você não vai acreditar no que
acabei de descobrir, em quem
está por trás dessa confusão
toda.
Parei chocado. Henry tinha
conseguido algo que poderia
mudar todo o curso dos
acontecimentos. Meu coração
acelerou com a possibilidade.
- Como você conseguiu? – Baixei
o tom de voz para não acabar
chamando a atenção dos meus
amigos. Não queria que ninguém
ouvisse o que conversávamos.
- A polícia entregou a Mia o
computador da Anna. Ele estava
completamente destruído por
1252
causa do acidente. Mia esqueceu
de entregá-lo a família e eu tive
curiosidade de tentar recuperar
alguma coisa e também em
verificar se tinha algo que
pudesse ajudar na investigação.
Foi assim que
descobri e-mails que comprovam
tudo e também uma carta que ela
deixou para Cathy. Acho que
Anna sabia que algo poderia
acontecer.
- Henry, escute atentamente o
que eu vou falar. O que quer que
seja que você descobriu, não
conte a mais ninguém, por favor.
Estou voltando neste exato
momento para Los Angeles e me
1253
encontro com você assim que
chegar. Não se esqueça, isso é
sigiloso.
- Certo. Não se preocupe, eu sei
o risco que Cathy está correndo
– disse por fim desligando o
telefone.
Capítulo 28
Sonhos Destruídos
VISÃO DE CATHY
A primeira coisa que senti foi a
boca ressecada. Minha garganta
parecia cheia de terra. Então
meu corpo se deu conta do vazio
da cama e eu abri os olhos.
No lugar onde Thomas deveria
estar só havia o vazio. A

1254
sensação era de completa
solidão.
Sem entender porque, senti meu
coração disparar. Decidi levantar
e procura-lo, mas ao agir fui
atingida por uma forte tontura e
enjoo. Respirei fundo, mesmo
assim precisei correr ao banheiro
rezando para conseguir chegar.
Não sei quanto tempo fiquei lá,
contudo percebi que os
segundos
passavam e Thomas não
aparecia para me ajudar ou para
me apoiar.
Lavei o rosto e a boca com água
gelada e saí do quarto a procura
dele. A casa parecia grande
1255
demais. Meu coração me
alertava que algo estava errado,
contudo eu custava a querer
aceitar. Uma
dor insistente latejava em minha
cabeça. Sem encontrar Thomas,
resolvi voltar para o quarto em
busca de uma aspirina. Foi
quando encontrei a carta.
Não estava na cama, sob o
travesseiro dele, onde costumava
colocar os seus bilhetes quando
precisava sair sem me avisar.
Estava na minha penteadeira,
entre um frasco de perfume que
havia
deixado próximo à beira na noite
anterior, era o perfume que ele
1256
mais amava em mim, leve e
doce, e
uma caixinha de joias, que eu
usava para colocar algumas
peças de menor valor. Segurei o
papel com
as duas mãos. Não queria abrir,
no entanto me forcei a fazê-lo
afirmando para mim mesma que
eu
estava sendo infantil. Abri e li as
primeiras palavras.
“Cathy,
Queria conseguir uma forma
menos dolorosa de fazer o que
vou fazer. Infelizmente não
encontrei nenhuma. Sim, admito
que sou um covarde e não tenho
1257
coragem de olhar em seus olhos.
Por
isso optei pela carta.
Todos os meus medos se
confirmaram. Eram apenas
palavras e inacabadas, mas meu
peito já
sentia o imenso buraco que se
formava e as primeiras lágrimas
já despencavam pelo meu rosto.
Involuntariamente continuei
lendo, como um maníaco, que
sabe que vai doer, mas não tem
como não
se sentir atraído pela dor.
Cathy, Roger estava certo o
tempo todo. Eu não mereço você
e nem você merece passar pelas
1258
coisas que meu egoísmo te
impõe. Eu sou um fraco e não
aguento mais conviver com isso,
com tanta
mentira. O que aconteceu
comigo e Anna foi real. Eu tinha
dúvida do que realmente queria
para nós
dois e deixei acontecer.
Foi difícil para mim não te ter
mais em minha vida, por este
motivo voltei. Não admitia que
você estivesse com outra
pessoa. É absurdo o que vou
dizer, mas senti meu orgulho
ferido.

1259
Minhas pernas tremeram.
Precisei sentar na cama. O enjoo
forte voltou a me atingir, mas eu
não queria ceder. Eu precisava
ler tudo, até o final.
Não há mais nada para ser
explicado. Estou saindo de sua
vida desta vez para sempre.
Espero
que seja feliz desta vez. Sei que
não será fácil, mas desejo
realmente que isso aconteça.
Só tenho um único pedido a te
fazer: acredite em mim, em
minhas palavras, sempre,
mesmo

1260
quando lhe parecer impossível.
Lembre-se de nossa conversa
sobre confiança.
Com carinho,
Thomas.”
Não tenho como descrever o que
senti. Uma espécie de limbo caiu
sobre mim. Foi como se o
mundo deixasse de existir, aliás,
foi como se nada existisse, nem
eu.
Minha mente foi tomada por uma
bolha de nada, vazio, me
impedindo de sofrer, ou de sentir
o
sofrimento, ao mesmo tempo me
impedindo de viver, de sorrir, de

1261
amar. Nunca imaginei que o
nada
fosse tão difícil de suportar.
Fiquei longos minutos sentada na
cama. Poderia ficar o resto da
minha existência. Sem ver a
vida passar, sem sentir falta de
nada, nem de mim. Mas a vida
não é um conto de fadas, ela é
dura e
cruel e como a minha não
poderia ser diferente, eu
despertei para a dor.
Uma dor dilacerante!
Não era apenas meu coração ou
minha mente, era cada célula do
meu corpo me dizendo que a

1262
decisão não era mais minha. Ele
tinha ido embora, me
abandonado. Tinha sido tudo
uma mentira.
Uma brincadeira perversa. E doía
tanto!
Eu havia criado um mundo
seguro para mim, onde as
muralhas altas e resistentes me
mantinham protegida do mundo
lá fora. Era particular, estável e
equilibrado, mas então a vida
tratou
de burlar as minhas regras.
Ela era como uma serpente
rondando meus caminhos me
oferecendo o que tinha de mais

1263
estimulante para ser oferecido: o
risco.
Durante muito tempo eu fiquei
indecisa se deveria ou não abrir
as portas para que ela pudesse
entrar, Aí, como se nada mais
pudesse detê-la, me dominou. Eu
me vi abrindo mão do meu
mundo
seguro e confortável, por causa
do amor. Ora veja só: o próprio
amor, que antes me fez flutuar
pelo
mar de incertezas me fazendo
desejá-lo mais do que tudo, me
atirava no deserto vazio e sofrido
da

1264
traição. Queria voltar para o meu
mundo. Bem que tentei, mas não
havia mais volta. Tudo o que eu
havia construído tinha sido
tocado pelo amor, estando então
proibido para mim. Restava-me
apenas
vagar naquela nova vida vazia e
sem cores.
No nada.
Acredito que um dia inteiro
passou. Quando o meu corpo
não suportou mais, senti a
sonolência
me derrotar aos pouco. Agarrada
à carta, deitei e deixei minha
mente se entregar ao sono, sem
saber
1265
que gradativamente eu me
entregava à morte.
O que aconteceu em seguida eu
não sei descrever. Ouvi vozes,
distantes e irreconhecíveis.
Senti mãos em mim, mas pensei
ser um sonho. Vi paredes
passarem, imagens borradas,
porém nada
que eu conseguisse focar. Eu
oscilava no tempo.
Acordei no hospital. Só depois
soube que fiquei quase dois dias
trancada no apartamento. Não
me alimentei, não bebi nada,
este foi o meu maior problema, e
aos poucos me entreguei a uma

1266
situação quase sem volta. Se
não fosse por Roger e Sam, era
provável que eu estivesse morta.
Confesso que cheguei a desejar
a morte, mesmo em silêncio,
porém eu sabia que esta não
apagaria as lembranças, nem os
sofrimentos, por isso passei a
desejar apenas que o tempo
passasse,
ou que o nada voltasse.
Quando despertei, percebi que
não estava livre da tristeza, nem
da dor que me consumia. Ela
estava presente em todos os
meus poros, em cada
pensamento, em cada
respiração.
1267
Roger estava ao meu lado. O
rosto apoiado nas mãos. Ele me
encarava, aguardando uma
reação. Um amigo fiel, como
sempre foi. Seu amor deveria ser
o suficiente para nós dois,
deveria me
contagiar, me dar esperanças...
Infelizmente eu não conseguia
sentir nada além de gratidão por
ele
estar ao meu lado novamente,
além da extrema vergonha de
encará-lo e confirmar que ele
tinha razão
o tempo inteiro.

1268
Nada dissemos, apenas ficamos
nos olhando. Seus olhos não
eram acusadores, como
deveriam, eles apenas me diziam
em silêncio que nada mais
importava. Roger vagarosamente
tirou
uma mão do rosto e segurou a
minha, que sustentava uma
agulha e um tubo ligado ao soro.
Ele
apertou levemente meus dedos
me passando apoio.
Senti raiva nesta hora. Raiva de
mim, de minha ingenuidade e de
minha cegueira em relação a
Thomas. Tudo em nossa história
me mostrava que terminaria
1269
assim, mas eu estava tão louca
de amor
que não conseguia aceitar.
Tudo o que eu estava passando
era por culpa única e
exclusivamente minha. Eu havia
permitido que ele voltasse a
minha vida, então indiretamente
tinha me permitido ser
machucada
daquela forma devastadora. Tal
constatação me doía mais ainda
do que se eu nada tivesse feito
para
provocá-la. Doía muito saber que
eu era a culpada daquela dor.

1270
Deixei que as lágrimas rolassem,
pois seriam as últimas. Eu iria me
reerguer. Não podia
deixar que Thomas me afogasse
naquele poço. Queimava em
minha garganta o desejo
involuntário de
vingança. A vontade incontrolável
de dar a volta por cima, de
mostrar a ele que eu não era tão
inocente quanto parecia e que
ele não era tão importante em
minha vida quanto acreditava.
Essa seria a maior de todas as
mentiras que minha mente já
contou, porém eu me agarraria
ela

1271
como se esta fosse o único jeito
de sobreviver a minha própria
destruição. Porque foi isso que
aconteceu, fui destruída,
derrotada, despedaçada, mas
sobreviveria, mesmo que fosse
apenas uma
sobrevida, eu mostraria a ele que
não havia mais espaço para ele
dentro de mim.
Sem me preocupar com as
lágrimas que caíam, olhei para
Roger, que me encarava
preocupado, e sorri. Ele retribuiu
o sorriso, apesar de me deixar
perceber que não havia nenhuma

1272
felicidade em seu sorriso. Fechei
os olhos ainda sorrindo e apertei
de volta a sua mão soltando um
suspiro longo e pesado. Eu
tentava expulsar de mim os
sentimentos ruins. Se precisava
recomeçar,
então que fosse naquele
momento.
- Eu estou bem.
- Você não precisa ser forte
agora, Cathy, não para mim.
- Eu sei – voltei a abrir os olhos e
encará-lo. – Desculpe, eu fui
cega, tola...
- Não precisa me dizer nada. Não
estou aqui para isso. Estou
preocupado com você. De
1273
verdade! – Passou as mãos em
meus cabelos.
- Mas eu quero fazer. Quero
dizer o que acho disso tudo,
porque quero enterrar esta
história.
Quero um novo começo, Roger e
para isso eu tenho que dar um
fim ao que sobrou – ele sorriu
orgulhoso de mim e eu me senti
incentivada a falar. – Você tinha
razão o tempo todo. Não
pretendo
ficar me sentindo uma tola, e
com isso deixar a minha vida se
acabar. Thomas deu o passo que
ele

1274
tinha que dar, agora é a minha
vez. Não quero mais ter
nenhuma brecha em minha vida
que me impeça
de ser feliz, que me atrapalhe de
seguir em frente. Eu errei com
você e quero consertar as coisas.
Quero recuperar todo o tempo
que perdi tentando viver um
conto de fadas, sem entender ou
aceitar
que contos de fadas não existem.
Se você puder me perdoar, mais
uma vez... Eu estou disposta a
reconstruir a minha vida ao seu
lado. Agora para sempre – os
olhos de Roger brilharam, mas
ele
1275
hesitou.
- Cathy! Você ainda está muito
confusa para tomar uma decisão
como essa. Eu... – pensou um
pouco no que falar. – Eu e Sam
achamos a carta... – mais uma
vez ele me olhou preocupado em
não
me falar nada que me fizesse
mal. – Eu o quanto você está
sofrendo.
- Não vou sofrer a vida toda,
Roger. Agora eu sei exatamente
quem Thomas é. Só tenha um
pouco de paciência. Eu vou
conseguir – afirmei mais para
mim mesma do que para ele.
Precisava
1276
conseguir. Era uma questão de
honra.
- Mesmo assim. O que vocês
viveram foi forte demais. E se ele
se arrepender como da outra
vez? Cathy, eu te amo! Não
quero ficar me enchendo de
esperança e acreditando em nós
dois para te
perder, e o que é pior, perder
outra vez para aquele... – não
falou o que tinha pensado.
Apenas fechou
a mão em punho e os olhos com
raiva.
- Não vai voltar a acontecer.
Acabou. Não só para ele, para
mim também. Eu preciso me
1277
reerguer. Tenho coisas para
fazer da minha vida. Tenho
planos. Quero voltar a estudar,
quero me
dedicar à empresa e você é a
pessoa certa para estar ao meu
lado neste momento.
- Não vamos conversar sobre
esse assunto aqui, está certo? –
Depositou um beijo em minha
mão. – Sam está lá fora, muito
preocupada. Seria bom você
manter esta carinha de
tranquilidade –
sorri confiante. Esta seria a
minha máscara, até que eu
acreditasse que realmente me
sentia feliz.
1278
Quando Sam entrou, agradeci
mentalmente a Roger por ter me
pedido para manter a
tranquilidade. Ela estava muito
abatida. Seus olhos vermelhos e
as olheiras entregam o nível do
seu
sofrimento. Sua expressão de
tristeza se suavizou um pouco ao
me ver com minha máscara
perfeitamente composta de uma
pessoa calma e equilibrada.
- Posso perguntar como você
está?
- Estou bem. Um pouco cansada,
mas bem.

1279
- Eles acham que você não vai
ter nenhum problema mais grave,
no entanto recomendaram
que... – olhou para Roger
buscando apoio. – Não seria bom
deixá-la sozinha.
- Se você se sente melhor assim.
- Eu vou ajudá-la. Cathy precisa
dos amigos agora – Roger sorriu
tranquilizando Sam. – Tudo
vai voltar a ser como antes.
- Você tem certeza? – Sam me
olhou de uma maneira estranha.
Era como se ela quisesse me
dizer alguma coisa, no entanto
eu não conseguia acompanhar o
seu raciocínio.

1280
- Sim – respondi ainda sem saber
o que realmente ela perguntava.
- Certo. Só quero que saiba que
eu estou aqui para o que você
precisar.
- Eu sei.
Roger a convenceu a voltar para
casa prometendo que ficaria
comigo e que ligaria caso
acontecesse alguma coisa, o que
eu entendi como algo do tipo eu
cair na real e dar uma de louca
psicótica deprimida, se é que
isso existia. Eles não
acreditavam em mim. Ótimo! Era
mais um
estímulo para que eu provasse
que era capaz.
1281
Recebi alta no dia seguinte,
cheia de recomendações
médicas que prometi cumprir.
Bastou
entrar no carro do Roger para
começar a por meus planos em
ação. Deixei ele me levar até em
casa,
onde Mia já me aguardava, e me
despedi dele prometendo
descansar o máximo possível,
mas não era
o que eu pretendia.
Estar com Mia depois de nossa
briga e de tantos acontecimentos
era um tanto estranho e
constrangedor, mas resolvi que
aquele era mais um problema
1282
que eu deveria encarar de frente
e
resolver. Mais uma missão: Não
deixar que minha história com
Thomas destruísse a minha
amizade
com Mia.
Tomei coragem e fui abraçar
minha amiga acabando com
qualquer resquícios da nossa
briga.
Ela retribuiu meu abraço me
confortando. Sorri confiante. Mia
por um momento me olhou sem
entender a minha reação. Ficou
claro que ela esperava uma
Cathy derrotada e infeliz. Essa
Cathy
1283
existia, mas dentro de mim e eu
tentava a todo custo afastá-la.
Não mais me permitiria sofrer por
Thomas.
- Relaxe, Mia! Eu não vou chorar,
sofrer, ou ficar me lamentando.
- Nossa! – Minha amiga me
encarou com olhos arregalados.
- Eu sei. Você já deve estar
sabendo de tudo. Ótimo! Não
preciso contar esta loucura toda.
- O próprio Thomas me contou o
que aconteceu – sondou a minha
reação. Fiquei impactada,
mas não demonstrei nada.
Estava muito segura na minha
decisão de ser uma nova Cathy.
– Nós nos
1284
encontramos em Los Angeles,
por isso eu voltei.
- Obrigada por ter voltado! Senti
a sua falta.
- Então... O que você pretende
fazer? – Mia estava estranha,
desconfiada. Preferi associar sua
atitude como medo da minha
reação. Ela também não
acreditava em mim.
- O mesmo que estava fazendo
antes de permitir que Thomas
voltasse a minha vida. Vou seguir
em frente. Não sou a primeira
mulher a sofrer por amor ou ser
abandonada e com certeza não
serei a
última.
1285
- Exatamente de que ponto
pretende continuar? –
A forma como ela falou chamou a
minha atenção. Alguma coisa
estava errada. Mia sondava,
um tanto receosa, um tanto
misteriosa demais. Perguntei-me
se existia a possibilidade dela
ainda
estar magoada comigo, afinal de
contas, quando nos despedimos
ela partiu colocando em xeque a
nossa amizade. Não achei
correto indagar o que acontecia.
Com o tempo tudo voltaria para o
seu
lugar.

1286
- Exatamente de onde parei – eu
sabia o que ela queria perguntar,
por isso encurtei a conversa.
– Reatei com Roger – Mia me
olhou assustada. Ela parecia
louca para me dizer algo, mas se
censurava. – Eu sei o que você
vai dizer. Desista! Sei o que
quero para a minha vida, não sou
mais
nenhuma criança e Roger é a
pessoa perfeita para mim.
- Ele nunca foi – disse quase em
desespero.
As palavras saíram sussurradas,
com pânico ou suplica. O que
estava acontecendo com a

1287
minha amiga? Será que ela não
conseguiu enxergar que Thomas
tinha me destruído de todas as
formas
possíveis. Que ele brincou
comigo e me atirou no fundo do
poço por duas vezes?
- Cathy, você nunca conseguiu
amá-lo. Vocês nunca sequer
transaram – senti meu rosto
enrubescer. – Por que você
precisa decidir agora? Por que
não espera um pouco?
- Esperar pelo que? Já perdi
muito tempo esperando, Mia.
Você tem razão, eu não amo
Roger,

1288
mas para que serve o amor
mesmo? Ah tá! Lembrei. Para me
fazer sofrer. Para me fazer
acreditar em
quem não me merece. Roger é
um grande companheiro, um
grande amigo, a pessoa ideal
para se
passar a vida, e ele me ama, isso
deveria ser o suficiente.
- Deveria. Você disse certo.
Deveria, mas não é – cruzou os
braços e me encarou. – Cathy! –
Suavizou seu tom de voz, como
se tentasse não causar mais mal
estar, ou como se não quisesse
bater

1289
de frente comigo e acabar
piorando as coisas. – Só acho
que você está muito confusa
ainda. Por que
não dá um tempo nas decisões?
Vamos viajar! Vamos fazer
aquela viagem que sempre
sonhamos, só
nos duas – ri das suas tentativas.
- E seu trabalho?
- Eu me demito. Você levou um
tempão tentando me convencer a
fazer esta viagem, então
vamos? Vai ser muito bom!
- E você não concordou
exatamente porque não queria
pedir demissão. Não queria que
eu
1290
custeasse a viagem. O que
mudou agora?
- Mudou que eu não posso achar
normal uma decisão como essa.
Não agora.
- Se você não entende... –
suspirei derrotada. – Apenas
aceite e fique feliz por mim.
- Eu fico feliz por você, minha
amiga – vi seus olhos ficarem
marejados. – Apenas faça o que
te peço, ao menos desta vez.
- Sinto muito! – Peguei minha
bolsa e fui para meu quarto. Eu
sabia o que queria fazer e iria
fazer.

1291
Peguei um conjunto de calça e
blusa, totalmente negro, e fui ao
closet me trocar. Maquiei-me
com paciência. Escolhi um
scarpin também preto e bolsa na
mesma cor. Coloquei duas
pulseiras
douradas no pulso direito e um
relógio seguindo o padrão no
outro. Escolhi uma argola
comprida,
também dourada e uma
gargantilha de ouro. Após
aprovar no espelho meu visual
totalmente negro,
saí do quarto. Mia olhou me
olhou assustada.

1292
- Vai sair? Para onde vai? Você
deveria estar repousando – ela
se movimentava atrás de mim,
enquanto eu procura a chave do
carro.
- Vou trabalhar , Mia – caminhei
sem dar a ela chance de me
convencer do contrário. – Não
estou doente. Já fiquei muito
tempo afastada e preciso me
inteirar dos últimos
acontecimentos. Não
vou voltar cedo, tá? Acho que de
lá vou fazer alguma coisa com
Roger.
- Cathy você está sendo
precipitada – abri a porta e sorri

1293
carinhosamente para minha
amiga,
enquanto colocava os óculos
escuros.
- Tchau, Mia! Qualquer coisa me
ligue.
Desci pelas escadas. Cheguei ao
carro ainda arfando, mas me
senti feliz por dar continuidade
a minha vida. Não permitiria que
meu corpo parasse. Eu não
perderia nem mais um segundo
por
causa dele. Nunca mais.
Dirigi observando e catalogando
cada coisa que passava por mim.
Uma maneira de impedir

1294
meus pensamentos de me
traírem. Eu não podia me permitir
pensar em Thomas e olhar a
paisagem me
perguntando o porquê de cada
coisa estar em seu devido lugar
era uma forma valiosa de
conseguir
enganar a mente.
Assim que saí do elevador
percebi os olhares sobre mim.
Não me deixei intimidar,
cumprimentando educadamente
cada uma das pessoas com
quem eu trabalhava. Sandra se
sobressaltou quando me viu
chegar e imediatamente

1295
começou a organizar diversos
documentos para
levar a minha sala. Cumprimentei
minha secretária como se nada
tivesse acontecido. Ela me
acompanhou até a sala.
- Desculpe, Cathy! Roger avisou
que você não viria hoje também,
então organizei suas
correspondências junto com as
dele e já passei metade dos
documentos a outra secretária.
Se você
quiser posso solicitar a Betina
que os traga de volta.
- Não é necessário, Sandra.
Preciso mesmo ir até a sala do
Roger. Por favor, providencie um
1296
café bem quente para mim e
mande levar na sala dele, certo?
- Claro. Com licença!
Saímos juntas da sala. Tinha que
comunicar ao Roger que estava
de volta. Caminhei pelo
pequeno corredor sob os olhares
curiosos de alguns funcionários
que passavam entre a minha
sala e a
do meu... Namorado.
Reagir da mesma forma de
antes, cumprimentando a todos.
Respirei profundamente quando
alcancei o meu objetivo, mas não
entrei imediatamente. Precisava
primeiro me recuperar da tensão

1297
que foi ser avaliada por tantas
pessoas, assim como tentar me
sentir mais a vontade com aquele
novo
relacionamento. Bati levemente
na porta e o ouvir mandar entrar.
Roger não levantou os olhos
para
ver quem entrava.
- Betina, estou precisando de... –
parou assustado olhando para
mim. Sorri. – Cathy? O que... –
começou a levantar.
- Eu sei, Roger. Eu deveria estar
descansando. Não sei do que.
Não me sinto cansada. Não
vejo motivos para ficar em casa –
ele riu de minha declaração.
1298
- É bom ter você de volta! – Seus
braços me envolveram com
afeição e eu retribuí. – Preciso
comunicar isso a Sam. Ela está
aqui, tentando organizar a
bagunça que você deixou
quando... – Roger
se calou.
- Estou de volta, então eu mesmo
vou organizar a minha bagunça.
- Eu vou te ajudar, antes vamos
falar com Sam.
***
Fomos até Sam que, apesar de
muito confusa e preocupada, ao
mesmo tempo, demonstrou
satisfação com minha atitude e
disposição. Minha madrasta me
1299
conhecia muito bem para saber
que
havia muita tristeza dentro de
mim, mas não esperava pela
força que eu estava tendo para
não deixar
que esta me dominasse outra
vez.
- Então você quer trabalhar? –
Usou um tom de brincadeira. Fiz
uma careta já sabendo que ela
me entupiria de afazeres. Roger
riu. Meu amigo estava
visivelmente mais animado.
Podia-se dizer
que estava satisfeito. Vitorioso.
- Você sabe que eu não entendo
nada de administração de
1300
empresas, muito menos de
finanças,
mas já que faz tanta questão... –
revirei os olhos teatralmente.
- Eu sou um ótimo professor –
Roger fez cara de indignado,
mas sorriu.
- Ah, claro! Você será meus
braços, minhas pernas e meus
olhos aqui dentro. Não adianta
eu
fingir que entendo esta bagunça.
Ainda bem que temos Roger –
Sam manteve a expressão
serena,
porém eu sabia que ela escondia
algo.

1301
Tudo bem que ela fosse
totalmente a favor de Thomas,
não podia contestar os
pensamentos de
uma pessoa que era movida pelo
amor, por outro lado Samantha
era como uma mãe e como tal
deveria estar bastante magoada
com tudo o que ele havia feito.
Sam apenas desviou o olhar e
sorriu.
- Sim. Ainda bem que temos ao
Roger.
Meu amigo... Namorado...
Também percebeu que alguma
coisa estava fora do seu lugar,
mas

1302
não comentou nada. Apenas
brincou com meu cabelo e me
olhou com carinho.
- Vocês reataram? – Samantha
nunca havia sido indiscreta como
estava sendo naquele
momento. Eu não entendia o
motivo daquela reação. Roger
puxou o ar e riu da pergunta.
- Estamos nos esforçando para
fazer com que dê certo – piscou
ficando ainda mais bonito do
que já era.
- Vamos trabalhar? – Interrompi
aquele momento, sem muita
vontade de discutir as minhas
decisões. Eram minhas, e eu
tinha o direito de sustentá-las
1303
sem ser questionada o tempo
todo.
Sam entendeu que eu não queria
conversar sobre aquele assunto.
Acredito que por isso optou
por parar de questionar. Fiquei
confusa, apesar de tudo. Não
que eu quisesse falar sobre o
ocorrido e
dos motivos das minhas
decisões, mas eu não pretendia
fingir que nada tinha acontecido.
Thomas não
seria um tabu em minha vida, ele
seria o meu passado, nem que
para isso eu tivesse que deixar
de
querer um futuro.
1304
Sem mais complicações. Nos
empenhamos em conseguir
organizar tudo o que tinha ficado
para
trás nos últimos dias. Quando a
noite chegou, Sam se despediu e
foi embora. Ela ainda estaria
conosco no dia seguinte, mas
não aceitou o meu convite para
jantar. Sentia-se esgotada. Roger
não
teve a opção de não aceitar, fiz
questão de fazer um clima de
paquera entre nos dois durante
todo o
dia, estimulando-o concordar
com o meu plano.

1305
Fomos a um restaurante francês.
Um ambiente bastante
sofisticado frequentado por
pessoas de
alto nível. Acomodamo-nos na
primeira mesa que a atendente
nos indicou. Não havia mais
necessidade de privacidade, já
que não pretendia esconder nada
de ninguém.
Roger conversou sobre tudo,
menos sobre mim, Thomas e o
que tinha acontecido. Nem
mesmo
tocou no assunto de nós dois
juntos, aceitando, sem
questionar, que a vida seguisse
aquele curso.
1306
Eu me esforcei ao máximo para
prestar atenção a tudo o que ele
falava, sorrindo bastante,
como uma forma de me lembrar
que deveria ser feliz. Era uma
questão de sobrevivência
representar
aquele papel. Não poderia me
permitir sofrer, pois qualquer
brecha para a infelicidade, seria
um
caminho sem volta.
Roger estava encantado com a
minha reação. Quanto mais eu
correspondia as suas investidas,
mais ele se animava a conversar.
Contudo eu não entendia como
ele podia aceitar tão facilmente?
1307
Sem querer minha mente me
traiu e acabei permitindo que ela
me mostrasse em Roger a
pessoa
que eu era quando estava com
Thomas. Alguém que amava sem
limites ou cobranças. Que
apenas
amava e por isso aceitava
qualquer coisa que vinha dele.
Ficava feliz com qualquer olhar,
sorriso ou
palavra. Roger me amava
independente do que eu tinha a
lhe oferecer. Exatamente como
eu amava
Thomas. Que ironia!

1308
- Cathy? – Chamou preocupado.
– Você está chorando? – Levei
as mãos ao rosto sem acreditar
no que ele dizia e senti a
umidade. Tentei recompor a
minha máscara, voltando a sorrir.
– O que foi?
– Disse baixinho, confidente e
alerta.
- Você.
- Eu? O que eu fiz?
- Você me ama – ele sorriu
desconcertado e pegou em
minhas mãos.
- Amo sim – me olhou com
desejo. – Acho que deveria te
levar para casa – senti meu
sangue
1309
gelar nas veias. Ainda não. Era
cedo para este passo. – Você
precisa descansar um pouco –
sorri
satisfeita e aliviada. Roger era
bom demais para ser verdade.
Capítulo 29
Recomeço
VISÃO DE CATHY
Reatamos o namoro, como eu
tinha planejado, mas ao contrário
do que imaginara, Roger
respeitava todos os meus limites
sem tentar se impor. Claro que
não acreditava que seria sempre
assim e não seria muito justo
também. Aquela barreira era a
mais difícil e complicada de ser
1310
derrubada. Não pelo fato de não
conseguir aceitar que teria uma
vida sexual com outra pessoa,
mas
simplesmente porque meu corpo
continuava se recusando a
relaxar.
Havia também a inevitável
comparação. Esta parte não era
culpa minha. Eu a evitava, lutava
contra com todas as minhas
forças, mas bastava um toque
mais íntimo, um beijo mais
avançado e
logo minha mente estava
povoada de lembranças. Eu
queria a todo custo eliminar de
uma vez por
1311
todas a influência de Thomas, no
entanto, meu corpo não estava
muito disposto a colaborar.
Por isso não fiquei irritada com
toda a interferência de Mia. Na
verdade fiquei até agradecida,
mesmo ciente de que era
infantilidade da minha parte. Eu
precisava de tempo para me
acostumar a
Roger. Minha amiga alegava
tristeza pela ausência de Henry e
com isso estava sempre
presente.
Todas as noites nós jantávamos
juntos, ficávamos na sala
abraçados, conversando e
muitas
1312
vezes nos beijávamos
longamente, como se houvesse
amor entre nós dois. Da minha
parte eu sabia
que não existia, mas fazia o meu
melhor papel, digno de um
Oscar.
Era a noite que minha mente
conseguia me vencer. Quando a
escuridão me cercava e não
havia
ninguém por perto para me
salvar, Thomas e todas as suas
mentiras me oprimiam e
sufocavam. A
tristeza e a dor eram tão
profundas que eu precisava me

1313
esforçar muito para respirar,
tamanho o peso
que sentia no peito.
Eu segurava o choro até o meu
limite, mas quando ele vinha, era
forte e avassalador. Todos os
meus esforços pareciam ser em
vão. Nada o que eu fizesse
mudaria o que realmente estava
sentindo.
Nenhum esforço seria o
suficiente para expulsá-lo de
mim. Thomas era uma chaga
aberta e viva que,
ao invés de cicatrizar, teimava
em continuar sangrando e
doendo. Normalmente o sono
chegava
1314
quando as lágrimas e o
desespero sugavam tudo de
mim, então eu dormia de pura
exaustão.
Quando o dia nascia eu renovava
a esperança de que iria
sobreviver. E quando chegava ao
trabalho e encontrava Roger tão
amoroso, tinha certeza de que
estava no caminho certo. Viver
com
ele era fácil: Bastava apenas que
eu estivesse lá, o resto era
providenciado por meu
namorado,
tornando assim o dia prazeroso,
mesmo com tanto trabalho a
fazer.
1315
Sam voltou para a Pensilvânia.
Nos falávamos todos os dias,
apesar de nunca tocarmos no
assunto. Ela insistia fingir que
estava tudo normal, e eu
colaborava com a farsa
representando o
papel de recuperada. Roger
sempre demonstrava estar muito
satisfeito com tudo o que estava
acontecendo, o que fazia eu me
sentir bem. Ao menos alguém
conseguia se sentir realmente
feliz. Eu
já estava acostumada com a
ideia de que a felicidade não era
um direito meu.

1316
Sandra às vezes parava a minha
frente como se quisesse me dizer
algo, contudo nunca passou
de “Está tudo bem?”, o que eu
sempre respondia com o meu
melhor sorriso. Era fácil fingir que
era
feliz. Quem sabe um dia acabaria
acreditando? Mas ela era a única
pessoa que conseguia me olhar
e
demonstrar que sabia que eu era
uma fraude. Os outros
escondiam de mim esta
percepção. Minha
secretária fazia o meu jogo, e
jogava tão bem quanto os outros.

1317
Os dias passaram seguindo a
mesma rotina e a minha vida foi
se moldando ao que eu
desejava.
Durante o dia eu mergulhava de
cabeça no trabalho, que tinha
descoberto não ser tão ruim. À
noite,
Roger se ocupava de mim, me
envolvendo por todos os lados.
Apenas as madrugadas não
mudavam,
me deixando a cada dia mais
sufocada com as lembranças que
não me deixavam dormir em paz.
Certo dia Roger me convidou
para assistirmos a um musical
que tinha recebido ótimas
1318
críticas. Eu sempre gostei de arte
e o programa era perfeito para
um fim de noite. Não imaginava o
que me aguardava.
Após o espetáculo caminhamos
pelas ruas iluminadas de Nova
York. Estava frio, por isso
estávamos abraçados. Ríamos
muito, comentando coisas do
trabalho ou do musical quando
entramos
no carro. Não percebi que Roger
me levava em direção ao eu
apartamento, pois estava muito
distraída tentando não perder
nada da nossa conversa, como
sempre fazia, evitando assim
deixar que
1319
as lembranças me
atormentassem.
Por causa disso quando me dei
conta de onde estávamos, não
consegui esconder a minha
apreensão. Roger parou o carro,
mas não saiu, apenas esperou
que eu dissesse alguma coisa,
como
não tive coragem de dizer nada,
me concentrando em estabilizar
minha respiração, ele acariciou
suavemente meus cabelos e
depois meu braço.
- Passa a noite aqui comigo? –
Eu não sabia o que responder.
Eu tinha consciência de que em
algum momento aquilo
1320
aconteceria, era o normal entre
dois
namorados, embora ainda não
tivesse conseguido absorver a
ideia. Por outro lado era
conhecedora
de que aquele seria um passo
importante para me livrar de
Thomas e todas as suas
lembranças. Então
assenti. Roger beijou meu rosto e
depois meus lábios. Correspondi.
Então saímos do carro em
direção ao seu apartamento.
- Você está muito tensa, Cathy –
Seus braços envolveram meus
ombros.

1321
- Isso é natural, não é? – Busquei
apoio em seus olhos. Roger
sorriu com certa ironia e beijou
minha testa com carinho.
- Não necessariamente, mas eu
entendo – abriu a porta e me
deixou entrar primeiro. Eu não
consegui dar mais do que três
passos.
- Cathy? – Olhei para Roger,
constatando seus olhar quentes.
Desejei ardentemente que
aquele
calor me alcançasse, porém meu
corpo permanecia gelado.
Não conseguia achar o calor
necessário para viver aquele
momento. Como eu faria para
1322
encontrar em mim a motivação e
o sentimento adequado para
termos aquele tipo de
intimidade? Senti
a confusão tentar me dominar.
Precisava ser rápida ou as
comparações me alcançariam.
Não tinha
noção do grau de intensidade
que as lembranças teriam ao
chegar nem como eu reagiria a
elas.
Roger se aproximou me
beijando, tentando me conduzir.
Até tentei seguir suas
coordenadas,
mas minhas atitudes e gestos
eram tensos e mecânicos.
1323
Ficamos nesta situação por
alguns minutos até
meu namorado compreender que
eu não relaxaria. Cederia, com
certeza. Sabia que era
necessário,
apesar disso não conseguia
relaxar e me entregar. Então ele
desistiu, para meu desespero.
- Não precisamos fazer isso. Não
quero que force a barra apenas
para me agradar – disse meio
desanimado.
- Eu estou tentando! – Forcei um
sorriso que acabou revelando a
tristeza por trás da máscara.
- Você precisa romper de uma
vez por todas esta barreira,
1324
Cathy. Precisa deixar a vida
seguir
o seu curso natural.
Roger não percebia que, se a
vida seguisse o seu curso
natural, provavelmente eu estaria
em
casa, deitada na cama, chorando
toda a tristeza por Thomas não
ser mais meu. Eu não queria
isso,
queria alterar o seu curso para
que seguisse conforme a minha
vontade.
- Eu sei o que quero, Roger. Só
preciso realmente me acostumar
com a situação. Não vejo isso

1325
como um problema, as pessoas
se sentem inseguras quando
estão prestes a ter a sua primeira
relação
sexual.
- Não é a sua primeira relação
sexual – ele jogou a verdade em
minha cara, me fazendo arfar.
A forma como falou não
correspondia a sua compreensão
ou paciência comigo. Era... Rude
e
impaciente. Porém rapidamente
ele sorriu fazendo com que
aquela impressão
desaparecesse.

1326
- Será a minha primeira com
você. Dá no mesmo para mim. –
ele riu e se afastou um pouco
mantendo suas mãos em minha
cintura.
- Ok. Então acho que devemos
deixar você se acostumar com a
ideia. Vamos! – Me puxou pela
mão para o interior do seu
apartamento.
- Para onde vamos? – Não
consegui disfarçar minha
apreensão. O que Roger
pretendia?
- Para meu quarto. Se você
precisa se acostumar, vamos
começar nos acostumando a
dormir
1327
juntos.
Não era nem de longe o que eu
tinha em mente, no entanto
relaxei completamente. Roger
estava
sendo um ótimo amigo...
Namorado. Sua compreensão
me impelia a continuar ao seu
sado e
fortalecia os nossos laços.
Tomei um banho e coloquei uma
camisa dele. Voltei ao quarto
onde ele já me aguardava na
cama. Roger estendeu a mão em
um convite silencioso. Aceitei.
Deitamos juntos, abraçados. Eu

1328
estava com muito medo. Não de
transar com Roger, este passou
a ser um problema secundário.
Naquele momento o meu medo
era de ter o surto de lembranças,
revelando que na verdade tudo
não
passava de uma peça de teatro
muito bem encenado.
Fiquei acordada em seus braços,
tagarelando, tentando impedir
que a tristeza chegasse e
acabei adormecendo de pura
exaustão, sem que ela
conseguisse me alcançar.
Quando acordei e senti um braço
segurando minha cintura, uma
nostálgica me dominou.
1329
Thomas costumava dormir
comigo daquela forma, agarrado
a mim e com o rosto em meu
pescoço.
Sua respiração quente sempre
tocava minha pele me
incentivando a acordar em meio
a uma preguiça
manhosa e sensual.
Por um instante foi como se eu
tivesse voltado no tempo. De
olhos fechados eu me traía e
deixava que Thomas mais uma
vez me abraçasse, tocasse e
amasse.
Roger reagiu como esperado.
Enquanto eu não permitia a volta
da realidade, dividimos
1330
momentos íntimos. Então, num
golpe de consciência
arrebatador, percebi o que
estava acontecendo.
Envergonhada me afastei sem
que ele percebesse que a
realidade balançara todas as
minhas
estruturas. Não era ele quem eu
queria. Não eram aqueles lábios,
nem aquelas mãos... seria
sempre
assim? Eu nunca iria me
recuperar?
Acredito que Roger encarou tudo
como mais uma fuga. Ele sorriu
quando me afastei e me

1331
deixou sair da cama, com a
desculpa de que já estava
atrasada e que ainda teríamos
que passar em
minha casa para trocar de roupa.
Graças a Deus, meu namorado
ficou satisfeito com o pouco que
tinha recebido, não me cobrando
mais nada e nem comentando o
fato de eu ter desistido.
Entrei em meu apartamento
parecendo um furacão. Em parte
por estar realmente atrasada,
também pretendia fugir de Mia e
de seus comentários, afinal de
contas eu havia passado a noite
fora

1332
e com Roger. Minha amiga não
deixaria este detalhe passar em
branco. E foi exatamente isso o
que
ela fez.
Bastou eu entrar e ela apareceu
na porta da cozinha me
sondando com os olhos. Roger
estava
logo atrás de mim, sorrindo
largamente para minha amiga,
que mesmo tentando, não
conseguiu
retribuir. Eu não entendia os
motivos dela. O que Mia queria?
Que ficasse esperando por
Thomas a

1333
vida inteira? Ela era minha
amiga, deveria estar querendo o
melhor para mim.
Mesmo sob seu olhar reprovador,
corri para meu quarto em busca
de roupas limpas. Fui
rápida, mas quando saí do
closet, ela estava em minha
cama, os braços cruzados, como
uma mãe
aguardando uma explicação da
filha.
- Totalmente sem tempo, Mia.
- Vocês transaram? – Seu tom de
voz era acusatório. Será que eu
havia cometido algum crime?
- Eu estaria errada se fizesse
isso?
1334
- Cathy! – Falou indignada sem
conseguir se conter. – O que
aconteceu com você? Eu não a
reconheço mais. Onde está
aquela Cathy que não se
entregava a um relacionamento a
não ser que
fosse seguro para ela? A Cathy
que sonhava com um príncipe
encantado?
Ergui a sobrancelha como se
estivesse mostrando o óbvio.
- Ele não é o certo para você –
suspirou e colocou o rosto entre
as mãos. – Cathy, o que está
fazendo não é justo, nem com
você nem com ele. Você não

1335
ama Roger, não existe nenhuma
chance
deste relacionamento dar certo.
Apenas está fugindo do
sofrimento ao invés de encará-lo
de frente.
- Como eu já disse: totalmente
sem tempo agora, Mia – corri
para me arrumar o mais rápido
que pude.
Coloquei uma calça jeans e uma
camisa de mangas compridas de
seda branca. Meus cabelos
molhados caiam as minhas
costas, mas eu não tinha tempo
de secá-los, fiz o que pude
apenas com a

1336
toalha. A maquiagem ficou
simples, contudo satisfatória e os
acessórios deram o toque
especial.
Beijei o rosto de minha amiga e
fui em direção a sala, sem
falarmos mais nada.
Roger estava na cozinha e assim
que cheguei na sala, com Mia as
minhas costas, ele apareceu
com uma xícara de café. Bebi
bem rápido, tentando fugir de
minha amiga e fomos embora.
***
Consegui ficar relativamente
sozinha durante todo o dia.
Apenas Sandra entrava, quando

1337
necessário. Roger não apareceu.
Eu sabia onde encontrá-lo, em
sua sala, no entanto não me
atrevi a
procurá-lo, pelo visto ele estava
muito ocupado, já que não havia
aparecido nem para o almoço.
Um pouco antes de começar a
arrumar as minhas coisas para ir
embora, Sandra entrou em
minha sala com um buquê de
rosas vermelhas, imensas,
lindas.
Foi inevitável.
A lembrança da noite em que
comemoramos um ano de
relacionamento me invadiu e as

1338
imagens das pétalas de rosas
vermelhas sendo jogadas em
meu corpo fizeram com que
meus pulmões
ficassem impossibilitados de
respirar. Como se essa
lembrança não fosse suficiente,
imediatamente
lembrei das rosas diárias que
Thomas deixava em minha cama
quando reatamos o namoro.
De repente eu estava no chão e
Sandra apoiava a minha cabeça
em seu colo me chamando
apavorada. Roger também
estava lá, muito nervoso,
passando algo, que depois
identifiquei com
1339
álcool, em meus pulsos. Ao longe
pude ver o buquê de rosas
jogado ao chão da sala. Fitei a
imagem
me dando conta de que havia
desmaiado.
- Cathy! Graças a Deus! Não se
preocupe, o médico de plantão
do prédio já está chegando –
Sandra estava bastante
assustada.
- Tudo bem! – Minha voz saiu
bastante fraca. – Só fiquei um
pouco tonta.
- Um pouco? Você ficou vários
minutos desmaiada. – Roger
esbravejou enquanto colocava as

1340
mãos em minha testa, verificando
a minha temperatura.
- Eu levantei muito rápido,
também não me alimentei
direito... eu acho.
- Você não comeu quase nada,
Cathy – Sandra me censurou.
- Eu estou bem agora – levantei
e comecei a arrumar minha
roupa. Depois sentei na poltrona
que havia perto de mim e voltei a
olhar as rosas no chão. Sandra
percebeu e foi recolhê-las.
- Chegaram para você. Eu estava
vindo lhe entregar quando você
caiu.

1341
- Quem enviou? – Tentei
esconder o pânico em minha voz.
Será que Thomas teria coragem?
- Eu! – Roger revelou um pouco
sem jeito. Depois foi até Sandra
pegando o buquê e me
entregando. – Era um convite
para jantar, mas acho melhor
adiarmos – concordei. No
entanto não
permitiria que mais uma vez
Thomas me desestabilizasse.
Manteria minhas decisões.
- Eu estou bem. De fato um
restaurante não seria uma boa
pedida no momento. Meu
estômago
dói e estou um pouco enjoada...
1342
- Deve ser a falta de alimento –
Sandra comentou colocando as
flores ao lado da minha bolsa.
- O médico já deve estar
chegando – Roger continuava
aflito.
- Cancele o médico, Sandra. Não
será necessário.
- Mas... – meu namorado tentou
argumentar, porém eu estava
decidida a sair dali o mais rápido
possível.
- Só preciso ir para casa, comer
alguma coisa e tomar um banho.
Roger concordou em me deixar ir
embora sem ser atendida pelo
médico. Eu realmente estava

1343
me sentindo melhor e com fome.
Combinamos de jantar em meu
apartamento, junto com Mia.
Pedimos uma pizza e comemos
em meio a uma conversa
animada, apesar de Mia não
parecer muito à
vontade. Preferi ignorar seus
olhares. Depois ficamos
sentados no sofá assistindo a um
filme de
época até interessante, porém eu
estava cansada e logo adormeci,
apoiada no ombro do Roger.
Despertei quando o filme já tinha
acabado e Roger tentava me
levar até meu quarto para me

1344
acomodar melhor. Ele me deitou
na cama e cobriu meu corpo,
como se eu fosse uma criança.
Quando
se aproximou para me beijar na
testa o desespero pelo que eu
sabia que viria tão logo ficasse
sozinha. me invadiu. Abracei-o
com força.
- Fique! – Abri os olhos para
encará-lo. – Fique comigo esta
noite – supliquei.
- Mas você está exausta! – Roger
estava cauteloso, apesar das
suas palavras saírem
carregadas de carinho.
- Fique, Roger! Não me deixe
aqui sozinha – baixei a cabeça
1345
escondendo o rosto em seu
peito.
Ele entendeu o meu medo. Sem
dizer nada tirou o sapato,
desabotoou a camisa, retirando-a
e
se deitou ao meu lado. Dormimos
juntos mais uma vez.
No dia seguinte me senti confusa
e envergonhada. Não podia
continuar me escondendo atrás
de
minhas fragilidades, todas elas
diretamente ligadas a Thomas.
Roger acordou e ficou ao meu
lado,

1346
me aguardando acordar. Ele
acariciava de leve meus cabelos
e meu rosto.
- Bom dia! – Falou ao me ver
desperta. Não abri meus olhos,
apenas dei um breve sorriso. –
Não vai acordar?
- Não! - Roger riu.
- Tenho uma coisa importante
para conversar com você.
- É muito cedo para qualquer tipo
de conversa – encolhi-me ainda
mais em seu peito nu.
- E para um pedido de
casamento? – Fiquei tão
chocada que meus olhos se
arregalaram

1347
involuntariamente. Não consegui
pronunciar nenhuma palavra. –
Calma! – Riu da minha reação.
Sentei na cama encarando Roger
que permanecia deitado. Ele não
estava brincando.
- Cathy, se juntarmos toda a
nossa história nós dois já
namoramos tempo demais –
sorriu
largamente. – Eu te amo! Não
tenho dúvidas de que conseguirei
fazê-la feliz, e você precisa se
sentir
segura, amada. Permita-me fazer
você minha mulher – levantou o
corpo se aproximando mais, seus

1348
lábios foram direto ao meu
pescoço, onde depositou vários
beijos leves e carinhosos. Foi
impossível
não sorrir ao ser tratada com
tanto carinho.
- Casamento? – Tentava
desesperadamente relaxar.
- Sim. É uma bela maneira de
romper de vez com todo o seu
passado, sem deixar margens
para
dúvidas sobre o que você
realmente quer.
Entendi o que Roger queria dizer.
Se eu me casasse com ele, não
haveria mais motivos para

1349
ter medo. Além disso, todas as
portas se fechariam para
Thomas, ele não poderia voltar,
mesmo que
se arrependesse. Eu estaria feliz,
ao menos aos olhos dele.
Eu sentia medo e ao mesmo
tempo uma vontade enorme de
romper definitivamente com o
passado. Talvez casar com
Roger fosse realmente uma
ótima solução, afinal de contas,
já estava
mesmo decidida a ficar com ele.
- Não sei se tenho cabeça para
organizar uma festa – confessei
confusa. – Nem sei se quero
uma festa.
1350
- Isso é um sim? – Sorriu em
meus lábios, me puxando para
um beijo.
- Se fosse... Se eu aceitasse...
Você entenderia se eu não
quisesse chamar atenção... – ele
colocou o dedo em meus lábios.
- será do jeito que você quiser.
Eu quero penas um sim – sorri
aliviada.
- Sim.
Capítulo 30
E Se...
VISÃO DE CATHY
Fomos para a sala após
tomarmos banho, separados,
claro! Um pedido de casamento
não
1351
mudava muita coisa. Eu sabia e
Roger também, que a nossa
situação começava a mudar.
Seríamos um
casal de fato e teríamos as
nossas obrigações conjugais.
Roger havia decidido esperar
mais um pouco, para
resolvermos a nossa questão
sexual. Nada
combinamos, no entanto ele não
se aproveitou da minha resposta
para tentar nada. Eu teria mais
algum tempo para me acostumar
com a ideia de dividir a mesma
cama com alguém que não fosse
Thomas. Meus pensamentos me
deixavam envergonhada. Eu já
1352
era uma mulher, e as mulheres
do meu
tempo costumavam ter mais de
um parceiro durante a vida. Não
conseguia entender como eu
podia
pensar com tamanha
naturalidade sobre o assunto, e
ao mesmo tempo me censurar
tanto por tentar
fazer ser assim.
Se Thomas tinha me
abandonado, era natural que
surgisse outra pessoa que, junto
com ela
traria uma vida sexual ativa. Mas
o meu corpo se recusava

1353
terminantemente a aceitar tal
situação.
Pensar tanto sobre o assunto
estava me enlouquecendo.
Mia, como sempre acontecia pela
manhã, estava na cozinha. Ela
precisava sair mais cedo do
que eu para trabalhar, então era
a responsável pela nossa
alimentação matinal. Da sala
dava para
sentir o cheiro do café fresco e
ouvir o barulho de louça sendo
lavada. Ótimo! Significava que
Mia
havia acabado e provavelmente
corria para não chegar atrasada
ao trabalho.
1354
Era inevitável não tentar evitar a
minha melhor amiga. Nos últimos
dias ela discordava de
todas as minhas decisões. Eu
nem queria imaginar como
reagiria à notícia do casamento.
Repeti para
mim incontáveis vezes que
poderia esperar um pouco antes
de contar, ou ao menos até que
estivéssemos sozinhas. Mas não
o que aconteceu. Assim que
entramos na cozinha Roger fez
questão
de contar.
- Tenho cara de homem mais
feliz da face da terra? –

1355
Perguntou sorridente a Mia, que
o
encarou séria por um tempo sem
entender que tipo de vitória ele
estava contando. Depois,
educadamente ela sorriu.
- Tem sim. Posso saber o
motivo?
- Claro! – Ele me enlaçou pela
cintura ficando atrás de mim e
colocando o queixo em meu
ombro. – Cathy aceitou se casar
comigo, o que me faz o homem
mais feliz da face da terra,
apesar
dela não querer um anel de
noivado – baixei os olhos
evitando o olhar da minha amiga.
1356
Senti vergonha da minha atitude.
Eu havia concordado, então
deveria no mínimo parecer
animada. Um silêncio se fez
entre nós três. Ninguém ousava
falar. Tomei coragem e olhei para
minha
amiga. Arrependi-me
amargamente. Ela me encarava
com os olhos arregalados, o que
não era normal
para uma pessoa com feições
tão finas e delicadas como as
dela.
Seus olhos estavam repletos de
pavor e reprovação. Não sei
dizer ao certo como me senti.

1357
Mágoa, medo, vergonha e uma
pouco de raiva por não encontrar
nela o apoio que esperava. Mia
não
compreendia o quanto era
doloroso sofrer tudo o que eu
havia sofrido antes por causa das
infantilidades e
irresponsabilidades de Thomas.
Eu tinha certeza que, se
permitisse, a tristeza me
corroeria até não restar mais
nada. Por isso que me agarrava
a Roger e ao amor que ele me
oferecia.
Por que eu precisava continuar
vivendo.

1358
Assisti sua boca abrir e fechar
diversas vezes, como se
estivesse indecisa se deveria
falar
algo ou não, depois de algumas
tentativas, ela sorriu, um sorriso
completamente falso, que
malmente
escondia o quanto desaprovava
a minha decisão.
- Que ótimo para vocês.
Parabéns! – Com um gesto
rápido ela me beijou no rosto,
saindo da
cozinha. – Estou com um pouco
de pressa. Acho que nos vemos
a noite, Cathy, então poderemos

1359
conversar melhor sobre o seu...
Casamento – pronunciou a
palavra com certa dificuldade.
- Ok! – Agradeci mentalmente
por não ter passado por uma
grande cena.
Mia foi embora o mais rápido que
pôde e eu, mesmo sem apetite, e
um tanto quanto enjoada
devido à situação, tentei fingir
animação aceitando a xícara de
café que Roger me servia. Ele
era
puro entusiasmo.
Fomos trabalhar perdidos em
pensamentos. Roger exibia um
sorriso de satisfação nos lábios,

1360
seu silêncio com certeza era
devido ao tanto de coisas que já
imaginava para o grande
acontecimento. Eu estava imersa
em meus próprios pensamentos.
Assustada com o renascimento
dos
meus fantasmas.
Desde o momento em que disse
sim a Roger, a imagem de
Thomas tinha ressurgido com
tamanha força que embrulhava o
meu estômago. Eu tentava em
vão afirmar para mim mesma que
era
mais uma vez o medo do sexo
com Roger, que me assustava,
mas era impossível me enganar.
1361
Na realidade, o amor que eu
sentia e que tentava matar a
cada dia, estava gritando em
desespero. Lutando para não
permitir que o desprezasse
daquela forma. Thomas estava
de volta ao
meu corpo e isso me
enfraquecia. No entanto não
havia mais como voltar atrás. Eu
não poderia
fraquejar.
Quando já estávamos próximo ao
nosso destino, meu... Noivo...
Recomeçou a falar, como se
nenhum silêncio tivesse sido feito
entre nós dois. Falava como se
não tivesse sido interrompido.
1362
- Podemos morar em meu
apartamento. Ele é bastante
espaçoso e equipado com tudo o
que
você precisa para manter o seu
padrão de vida – não conseguia
olhar para ele. A certeza de que
o
amor que eu sentia por Thomas
ainda era muito forte, tinha tirado
todas as minhas forças para
lutar.
- Não estou preocupada com isso
– fiz um esforço gigantesco para
não ser grosseira. Na
verdade eu pouco me importava
com o local aonde iríamos viver,
desde que me tirasse da tristeza
1363
que me rodeava avisando que
estava voltando.
- Se você preferir podemos
escolher outro.
- Não. Tudo bem. Lá já é o seu
espaço, para mim não faz
diferença.
- Você vai tomar a frente dos
preparativos ou vai deixar para
Sam? – Sorria empolgado sem
perceber a minha aflição.
Suspirei e busquei dentro de mim
por algo que me animasse um
pouco
menos.
- Não pensei ainda como vou
fazer. É muito recente. Não

1364
precisamos correr contra o tempo

Roger ficou em silêncio por
alguns segundos. Seus olhos
vasculharam meu rosto. Era
perceptível o
seu abatimento por minhas
palavras:
- Cathy, não estou te
pressionando, não é?
- Não, Roger! – Sorri forçando
um mínimo de entusiasmo. Ele
merecia que eu demonstrasse
estar feliz. – Só estou meio
aturdida. Fui pega de surpresa.
Tenho que organizar as ideias.
Não é fácil

1365
organizar um casamento e eu
preciso primeiro pensar bastante
para depois decidir como vou
querer
tudo. Mas estou certa do que
quero – coloquei minha mão
sobre a dele, que estava na
marcha do
carro. Senti Roger relaxar,
voltando a sua animação
anterior.
- Tudo bem, querida! Afinal de
contas não é todos os dias que a
gente casa.
***
Perto do horário do almoço Mia
me telefonou. Achei estranho,
afinal de contas minha amiga
1366
nunca ligava em horário de
trabalho. Ela queria que eu a
encontrasse em nossa casa,
disse que
almoçaríamos por lá. Pelo seu
tom de voz percebi que alguma
coisa estava errada, por isso
concordei.
Roger não ficou muito contente,
mas, como sempre, concordou
que eu precisava passar um
tempo com minha amiga e nos
despedimos com um beijo
apaixonado. Ele realmente
estava nas
nuvens com o futuro casamento.

1367
Cheguei em casa preparada para
rebater todos os argumentos de
Mia. Na última hipótese eu
não diria nada, ficaria calada e
depois encerraria o assunto. Não
deixaria que ela me convencesse
a
mudar de ideia. Contudo fui
retirada da minha posição de
defesa quando entrei e dei de
cara com
minha amiga, sentada no sofá, o
rosto entre as mãos que se
apoiavam nos joelhos. Ela sofria.
- O que houve? – Minha amiga
levantou o rosto, mostrando-me
toda a sua agonia. Ela apenas

1368
me olhava, como se tivesse
medo do que poderia revelar. –
Você e Henry...
- Não – respondeu rapidamente
com os olhos em movimento
analisando meu rosto. – Estamos
bem. É sobre você que eu quero
conversar.
Talvez eu estivesse errada. Mia
podia estar sofrendo por
acreditar que eu estava
desistindo da
minha felicidade, ao aceitar me
casar com Roger. Senti meu
corpo voltar automaticamente
para a
posição de defesa.

1369
- Não vou desistir, Mia. Não
importa o que você diga. Eu...
- Lauren fugiu.
Minha respiração parou. Meus
olhos se arregalaram e minha
boca se abriu levemente pelo
choque.
- Ninguém sabe como nem onde
ela pode estar.
Continuei em choque. Em
questão de segundos minha
mente reviveu meus últimos
acontecimentos ao lado da
Lauren. Ela tentara me matar.
Disparou diversos tiros que
quase me
tiraram a vida.

1370
- Cathy? – Mia chamou, mas eu
não conseguia reagir. O pavor de
passar por tudo outra vez, ou
de passar por coisas bem piores,
não me deixava sair do estupor
em que me encontrava. – Ai meu
Deus! – Arfou com medo. Foi
quando percebi que precisava
que dizer alguma coisa.
- Quando? – Minha voz quase
não saía.
- Há alguns dias... No mesmo dia
em que... – Mia me sondou com
tristeza. - Thomas foi
embora. Uma garra forte se
fechou em meu coração e eu
finalmente senti a dor que
deveria ter tomado
1371
conta de mim no momento em
que descobri que Thomas tinha
me abandonado. Fechei meus
olhos
tentando juntar as peças, meus
pedaços, para conseguir
raciocinar sobre a situação.
- Por que não me avisaram
antes?
- Eu quis te contar, mas Roger
conseguiu convencer Samantha
de que não era o momento
oportuno. Você ficou apagada
por dois dias e ele achou que
esta notícia podia fazer com que
você
voltasse àquela situação. – Mia
falava sem parar. Parecia
1372
nervosa por quebrar o pacto de
silêncio
com o qual tinha se
comprometido. – Eu fui contra.
Sabia que era preciso te contar,
porém Roger
disse que manteria os
seguranças e que a polícia já
estava avisada, você não estaria
em perigo. Não
me sentia bem escondendo isso
de você. E agora... Agora que
você está com esta ideia fixa de
casamento... Eu não poderia te
deixar no escuro.
- Não posso me casar agora. É o
que você está querendo me
dizer? – Murmurei incapaz de
1373
raciocinar com eficiência.
- Eu acho que você deveria se
preocupar com a Lauren. Ela já
conseguiu uma vez, e sendo ela
quem é, com certeza tentará
novamente, quantas vezes forem
necessárias.
- Mas... Eu e Thomas... Não era
isso o que ela queria? Já que
não... Estamos mais juntos... Eu
deixei de ser uma ameaça – as
palavras quase não saíam. Era
difícil para meu corpo e minha
mente,
entenderem que não estávamos
mais juntos.
- Você se mpre será uma
ameaça, Cathy! – Seus olhos
1374
pareciam querer me dizer mais,
porém
ela não continuou a expor seu
pensamento. – Não acho que
seja recomendável uma festa de
casamento enquanto ela estiver
solta. Precisamos pensar
primeiro na sua segurança. Ela
pode estar
perto a espreita.
- Você tem toda razão – eu cedi
com mais facilidade do que
imaginava.
Era a desculpa que eu precisava.
Pensei em como eu era covarde.
Na minha incapacidade de
seguir com meus planos e,
principalmente, em como era
1375
vulnerável a Thomas, mesmo
sabendo que
ele não me queria mais. Pensei
em Roger e em como ele reagiria
e, como se nossos pensamentos
estivessem conectados, meu
celular tocou em minha bolsa.
Era ele.
Resolvi ignorar a ligação. Estava
em pânico, o que não ajudaria
em nada para ter uma
conversa sensata com meu...
Noivo. Era difícil pensar nele
assim. Claro que senti raiva por
terem
escondido de mim por tanto
tempo, contudo não havia como

1376
culpá-los. Durante meses eu vivi
como
uma sombra, aceitando que a
vida me conduzisse sem reagir.
Sam sabia que Lauren era o meu
pior
pesadelo e saber que ela poderia
estar em qualquer lugar limitaria
os meus passos, jogando-me de
volta à depressão.
- Vamos almoçar. Você está
pálida, precisa se alimentar.
- Não tenho fome – na verdade
eu sentia muita vontade de
chorar. De deitar na cama e não
levantar enquanto as minhas
forças não voltassem.

1377
- Cathy, até agora está tudo
certo. Lauren não vai tentar nada
enquanto você... – ela parou
como se estivesse dando
informação demais. – Enquanto
você estiver cercada de
cuidados.
- Por que eu acho que você
ainda está me escondendo
alguma coisa? – Mia me olhou
assustada. Por breves segundo
imaginei que ela iria entregar o
jogo, mas ela me encarou séria,
as
sobrancelhas franzidas e com
cara de poucos amigos.

1378
- Deixe de bobagem. Estou te
contando tudo o que sei e o que
penso – rapidamente minha
amiga levantou e foi cuidar da
nossa comida.
Comi sem a menor fome, apenas
para não ficar me justificando
com Mia. Depois voltei ao
escritório. Agradeci quando
percebi o carro dos seguranças
logo atrás do meu, mas não foi o
suficiente para me sentir segura.
A única sensação que eu tinha
era que o perigo me
acompanhava, e
de perto.
Não havia nenhuma
possibilidade de deixar que
1379
aquela informação passasse em
branco. Era
necessário cobrar de Roger fato
dele ter me escondido e mim a
fuga de Lauren. Iríamos nos
casar e
para que o casamento desse
certo, precisávamos impedir que
segredos se fizessem. Eu bem
sabia
onde tudo poderia acabar, caso
permitíssemos a existência de
segredos entre nós dois. Por este
motivo fui até a sua sala tão logo
ficou sozinho.
- Eu tinha o direito de saber –
Roger ainda me olhava chocado
coma descoberta.
1380
- Mia concordou que não era a
hora. Não entendo...
- E quando seria? Quando
Lauren me alcançasse?
- Cathy! – Ele deu um passo em
minha direção e parou. – Não
tive a intenção de magoá-la.
Apenas fiquei preocupado com o
que poderia acontecer caso você
soubesse. Aconteceu no mesmo
dia que...
- Thomas foi embora? Era isso
que você ia dizer? Por que todo
mundo fica agindo comigo
como se eu fosse quebrar a
qualquer momento? Thomas me
abandonou, isso dói, dói muito,
mas não
1381
me mata.
Vi que ele encolheu os ombros
com as minhas palavras. Não era
hora de me preocupar em não
machucar ninguém. Já que
íamos casar precisávamos
colocar tudo em pratos limpos e
não fingir que
nada acontecia.
- Já dei provas demais de que
sou forte o suficiente para passar
por isso. Lauren ameaça a
minha segurança. É a mim que
ela quer destruir, então acho que
devo ser a primeira a saber
qualquer

1382
informação sobre ela – ele me
avaliou por um tempo, depois
soltou o ar e caminhou em minha
direção.
- Você tem razão. Desculpe!
Olhando em seus olhos eu não
pude condená-lo. Roger só
queria o melhor para mim e no
final
de tudo, apenas ele ficou ao meu
lado, para me defender do que
estivesse para acontecer. Acabei
aceitando as suas desculpas,
mas aproveitei o momento para
tentar persuadi-lo a esquecer
temporariamente a ideia do
casamento.

1383
- Não podemos viver com medo
o tempo todo. Tá vendo? Foi por
causa disso que eu queria te
contar. Você ficaria assustada,
não deixaria sua vida voltar ao
seu curso normal – andou
nervoso
pela sala, insatisfeito com meu
argumento.
- Roger, eu não posso me expor.
E se ela consegui r se infiltrar no
Buffet? Ou conseguir entrar
na igreja? Até pior, se ela
conseguir me alcançar antes da
igreja? – Senti meu corpo tremer
em pavor

1384
com estas ideias. – Ela já
conseguiu uma vez. Você não a
conhece.
Minha cabeça girou ao me
lembrar dos olhos da Lauren, a
imagem de uma besta,
enlouquecida
com a possibilidade de acabar
com a minha vida. Roger
percebeu meu medo e se
ajoelhou a minha
frente segurando minhas mãos
com força.
- Ela não vai desistir, Roger!
- Ela não vai conseguir! Eu estou
aqui. Não vou embora, não vou
desistir de você. Tudo o que

1385
está me dizendo é apenas mais
um motivo para eu insistir em
darmos continuidade aos nossos
planos.
- Roger...
- Cathy, se nos casarmos eu
poderei me concentrar na sua
segurança. Você vai estar ao
meu
lado todo o tempo e os
seguranças vão estar conosco.
Eu sei o que estou falando.
Façamos o
seguinte: não precisamos de um
grande acontecimento. Não a
princípio. Podemos nos casar
apenas

1386
com a assinatura dos papéis.
Faremos isso aqui mesmo, num
dia normal de trabalho. Sem
alardes. Só
nós dois e pronto. Vamos juntos
para casa e passamos a viver
como marido e mulher.
- Não precisamos nos casar para
vivermos assim.
- Também não existe motivo para
não casarmos. Podemos fazer da
forma correta, contudo, da
nossa forma. Não precisamos
nos preocupar com Lauren, ou
com qualquer outra pessoa que
possa
atrapalhar os nossos planos. E
não precisamos esperar. Se você
1387
concordar, é só entrar em
contato
com nossos advogados e em
uma semana estaremos
casados.
Analisei suas palavras. Não
havia necessidade para agirmos
com tanta urgência, mas também
não havia motivos para
adiarmos, já que seria um
procedimento simples. Além de
tudo, Roger tinha
razão em relação à segurança.
Seria mais fácil me manter
segura se concentrarmos as
ações em
apenas um lugar.

1388
Em relação ao que viria junto
com o casamento, eu já tinha
passado da hora de amadurecer
e
encarar os fatos. Precisava dar
esse passo. E o daria.
- Tudo bem então. Resolva o que
for necessário com os nossos
advogados e poderemos nos
casar, aqui, em um dia normal de
trabalho, sem muito alarde – o
sorriso dele em resposta foi
encantador.
Roger me abraçou e me beijou
com ímpeto. Eu me sentia feliz
por dar continuidade a minha
vida, porém a felicidade que se
instalava em meu coração era
1389
morna e não parecia real. Não
me
preocupei com este fato, em
poucos dias estaria casada e
teria que me acostumar com esta
nova
etapa.
Capítulo 31
O Grande Dia
VISÃO DE CATHY
Não seria um grande dia, era o
dia do meu casamento.
Ironicamente lembrei que aquele
era o
mês que eu havia escolhido me
casar com Thomas, mas não
seria ele a estar lá.

1390
Acordei sozinha. Tinha
conseguido fazer com que Roger
fosse para a casa dele, ou a
nossa
casa, como seria, para que eu
pudesse organizar o que faltava
para a mudança. Mia tirou o dia
de
folga para me ajudar com o que
fosse necessário. Ela estava
nervosa e apreensiva. Preferi
fingir que
não percebia.
Foi difícil convencer Mia de que o
casamento era a melhor solução.
A princípio ela foi
totalmente contra, tentou o
máximo possível me convencer a
1391
voltar desistir, quando percebeu
que não
conseguiria e passou o restante
dos dias que faltavam muito
apreensiva. Bobagem dela. Eu
me
sentiria muito mais segura após o
casamento, do que da forma
como estava.
Sam também foi convidada para
a cerimônia, que, na verdade, de
cerimônia não teria nada,
seria apenas a assinatura de
documentos que nos tornariam
casados. Ela não foi contra, nem
a favor,
o que me deixou seriamente
preocupada.
1392
Sempre acreditei que Sam
gostava muito do Roger, e que
aprovava o nosso
relacionamento,
apesar dela ser completamente a
favor do Thomas. Pedi que
estivesse presente, além de Mia,
é claro,
mas não tinha certeza se ela
compareceria. Por isso fiquei
surpresa naquela manhã quando
a
campainha tocou e minha
madrasta entrou em meu
apartamento. Era cedo ainda.
Mia havia saindo

1393
para buscar o vestido que
comprei para a ocasião e que
precisou ser ajustado.
- Sam?! – Abracei minha
madrasta sentindo meu coração
inflar. Ela era minha única
referência
de família. E estaria presente em
meu casamento.
- Posso ter alguns minutos do
seu dia tão precioso? – Sorriu
largamente. Não senti nenhum
tipo
de ameaça em sua voz. O que
me deixou mais tranquila.
- Claro! Já tomou café da
manhã? Eu ainda não. Na

1394
verdade eu ia começar... –
tagarelei sem
saber como agir.
- Podemos fazer isso juntas.
Seria um imenso prazer.
Fomos para a cozinha. Mia havia
preparado uma mesa completa,
com bolo, pães, frutas e
sucos. De acordo com ela, aquilo
era o máximo que poderia fazer
como despedida de solteira: um
café da manhã com a minha
melhor amiga.
Sentamos e nos servimos,
enquanto Sam comentava sobre
o sol que finalmente aparecia em

1395
Nova York. Apesar de ser ainda
muito cedo, dava para perceber o
quanto o dia estava realmente
lindo.
- Acho que é um bom sinal - eu
disse alegremente tentando
colocar um pouco de entusiasmo
em meu coração.
- Acho que sim – Sam respondeu
me olhando diretamente nos
olhos. Naquele instante eu
percebi que havia algo mais
naquela visita.
- Estou feliz por você estar aqui,
Sam.
- Eu também, minha querida. Só
gostaria que fosse em um

1396
momento mais adequado – sorri
sem
vontade.
- Pensei que gostasse do Roger.
Seria mais “adequado”, não é?
Afinal de contas ele não me
faz sofrer.
- E isso importa?
- Claro que importa. É muito
importante para mim que você
goste da pessoa com quem eu
vou
casar – ela sorriu. Um sorriso
materno.
- Não é disso que estou falando,
minha querida – sua voz era tão
tranquilizadora que não me

1397
permitia ficar tensa com a
conversa. – Sei que minha
opinião importa e eu aprovaria
qualquer
decisão sua, desde que você
estivesse realmente feliz.
- Eu estou feliz, Sam!
- Não, não está – me encarou
séria. – Roger é uma pessoa
incrível. Um excelente amigo –
enfatizou a palavra “amigo”
destacando-a mais do que as
outras. Permaneci calada, sem
saber como
continuar com aquela conversa.
– Você não o ama. Não acredito
que isso seja justo.

1398
- Ele sabe dos meus sentimentos
e concorda que seja assim.
- Mais uma vez, não é disso que
estou falando. Não contesto as
decisões dele. Não acho justo
com você.
- Eu não estou a procura de
amor. Não mais.
- Então você deveria aguardar
um pouco mais – ficou calada e o
silêncio permaneceu até que
eu não tive mais coragem de
encará-la e desviei o olhar. –
Cathy? A vida não tem graça se
você se
tornar uma pessoa incapaz de
amar. Sinceramente? Até os

1399
piores corações não conseguem
evitar que
o amor aconteça. Se até as
plantas conseguem nascer nos
concretos, se do lodo surgem as
ostras e
com elas as pérolas, o que o
amor é capaz de fazer nos
corações? Você acha que com o
casamento e
a presença constante do Roger
ao seu lado, Thomas vai deixar
de existir? Eu não acredito nisso.
Comecei a soluçar deixando as
lágrimas rolarem pelo meu rosto.
Era impossível não chorar,
mesmo sabendo que aquela
deveria ser a última vez. Sam
1400
colocou o dedo em minha ferida
e sem dó
nem piedade, arrancou o cascão
que levou muito tempo se formar.
- Isso tudo não importa agora. Só
quero que você pense, será que
o fato de estar casada, vai
realmente conseguir manter
Thomas longe, inclusive dos
seus pensamentos? Quando ele
voltar, e eu
acredito que isso vai acontecer,
nada, nem ninguém vai impedi-lo
de estar com você – meu
coração
afundou no peito.

1401
- E o que eu faço com isso? Acha
mesmo que eu devo me agarrar
a existência dele e ser infeliz
pelo resto de minha vida? É
errado tentar ser feliz? É errado
optar por alguém que pelo menos
me
quer ao seu lado? Thomas foi
embora! Ele desistiu de mim,
desistiu de nós dois. Assumiu
que foi
uma brincadeira, uma birra de
criança mimada. Ele disse... – as
palavras saíam com dificuldade,
lutando contra os soluços que
insistiam em derramar minha
tristeza. – Ele confessou que
tinha
1402
dormido com Anna...
- Você leu o que ele escreveu
naquela carta? – olhei para ela
sem entender o que queria dizer.
Como assim eu não tinha lido? Li
tantas vezes que gravei na
mente cada palavra. – Ele disse:
acredite em mim, em minhas
palavras, sempre, mesmo
quando lhe parecer impossível.
Lembre-se da
nossa conversa sobre confiança
– meu coração diminuía a cada
palavra que ela citava.
- É o que eu tenho feito. Estou
acreditando nele, nas palavras
que ele me escreveu. Acredito

1403
em tudo o que Thomas me
confessou. É por isso que fiz
estas escolhas. Thomas não me
ama mais e eu
tenho obrigação de seguir com a
minha vida.
- Não te parece estranho que ele
tenha ido embora, justamente no
dia em que a Lauren fugiu?
- Não. Não acho estranho.
Thomas permaneceu comigo em
situações piores, não seria esta
que
o tiraria do meu lado. Por favor,
não tente me convencer do
contrário! Eu não tenho como
voltar

1404
atrás, e também não quero. Eu
vou me casar com Roger,
independentemente de qualquer
coisa.
- Cathy, Thomas pediu que
confiasse nele. Ambos sabiam
que alguém tentava separar
vocês
dois e, de repente, Lauren foge.
O que você acha que aconteceu?
Não passa pela sua cabeça que
ele
tentou te proteger enquanto
buscava por algo mais concreto?
Não havia pensado sob esta
ótica, porém naquele momento
não poderia me permitir sequer

1405
pensar em acreditar no que ela
dizia. Eu não podia esperar pelo
impossível, não no dia em que
iria
me casar com outra pessoa.
- Não vou deixar que suposições
interfiram em minha decisão,
Sam. Eu já me decidi e vou até
o fim – Sam suspirou derrotada.
- Espero sinceramente que você
possa mudar de ideia antes de
assinar os papéis.
Neste momento Mia entrou na
sala. Estava eufórica. Trazia nos
braços o embrulho que deveria
conter o meu vestido. Colocou no
sofá e falou com certa urgência.

1406
- Cathy, eu preciso trabalhar
agora. Sei que prometi ficar ao
seu lado, mas aconteceram
alguns
imprevistos... – olhou para Sam e
eu quase achei que elas
trocavam alguma informação. –
Preciso ir.
Vou tentar estar lá no horário.
Amo você!
Mia foi embora tão rápido quanto
entrou.
Sam sorriu e levantou para ir
embora.
- Preciso resolver algumas coisas
também. Não se preocupe,
estarei lá independente de qual

1407
seja a sua decisão – seu olhar
assumiu um brilho especial. Eu
estava enxergando coisas, só
podia ser
isso.
- Estarei lá e vou assinar aqueles
papéis. Pode contar com isso.
Ela partiu deixando-me sozinha
em meu desespero. Tudo bem.
Era melhor assim, mesmo que
significasse não ter ninguém para
me dizer que o vestido era lindo
e me ajudar com o cabelo e a
maquiagem.
No entanto bastou ouvir o
barulho da porta fechando, para
o enorme buraco que há muito
eu
1408
controlava em meu peito
assumisse uma proporção
descomunal. Ele se tornou tão
grande que me
dominou por completo, e na
mesa da cozinha, ainda com a
xícara de café a minha frente,
praticamente
intocada, deixei que a maior crise
de choro da minha existência me
dominasse.
Era tão forte que eu não
conseguia contê-la, então desisti
e me entreguei por completo. Os
soluços saíam com tanta força
que me sacudiam. Não sei por
qual motivo, mantive as mãos no,
como
1409
se quisesse esconder a minha
vergonha por ser tão fraca.
Chorei por vários, e vários e
vários minutos, sem saber ao
certo o motivo do meu
desespero.
Tudo estava correndo conforme
planejei. Menos o fato de não
desejar ninguém menos do que
Thomas
como marido. Como poderia
continuar amando-o tanto? Como
ele podia ainda ser tão forte em
mim
depois de tudo?
Eu tentei em vão não permitir
que as palavras de Sam

1410
ecoassem em minha cabeça,
mas a
verdade é que no fundo eu
queria muito acreditar que
Thomas tinha ido embora para
me proteger e
não por ter deixado de me amar.
Esperei que toda a tristeza se
acomodasse, trazendo de volta
ao menos o domínio das minhas
emoções. Decidi reconstruir
minha máscara e seguir em
frente com o planejado. Peguei a
caixa com
o vestido e fui para meu quarto.
Não tinha escolhido nada
parecido com um vestido de

1411
noiva, afinal de contas nós
iríamos
apenas assinar os papéis e
depois o dia transcorreria como
qualquer outro dia de trabalho.
Era
apenas um vestido branco, um
pouco mais elegante do que os
que eu costumava usar para
trabalhar,
mas sem nenhum atrativo
especial.
Justo ao corpo sem ser muito
sensual, o vestido apenas
deslizava insinuando as minhas
curvas.

1412
Tomara-que-caia, comprido até
os joelhos. Tive medo de fazer
frio, mas a temperatura estava
agradável colaborando comigo.
Uma segunda pele, transparente,
bem leve, caía sobre o primeiro
vestido. O mesmo tecido subia
pelo busto, formando uma única
alça que passava pelo ombro
direito.
Um laço, seguindo o mesmo
padrão, bem discreto, marcava a
cintura, o que destacava, sem
tornar
vulgar, os meus quadris.
Coloquei o scarpin branco,
fazendo figura única com as
meias da mesma
1413
cor.
Puxei meus cabelos para trás,
formando um coque muito bem
arrumado, ao menos foi o que
pensei, já que não teria ajuda
para tentar colocá-lo como
queria. Prendi tudo com uma
pinça prateada
com alguns brilhantes,
contornando o seu desenho. No
braço usei um conjunto de
pulseiras finas
também com alguns brilhantes
discretos.
A maquiagem era em tons de
rosa e marrom. Mantive o padrão
suave como me maquiava para

1414
trabalhar. Como estava com os
cabelos presos, ressaltei um
pouco mais meus olhos. Encarei-
me no
espelho e tentei sorrir. Era
praticamente impossível, porém
era preciso tentar.
Conferi as horas, 7:50 da manhã,
tão cedo e eu já me sentia muito
cansada. Peguei a bolsa, o
sobretudo branco que me
manteria aquecida até chegar ao
escritório, e saí do quarto. Olhei
mais uma
vez para a sala do meu
apartamento, minhas malas
estavam próximas à porta, para
serem levadas a
1415
minha nova casa. Puxei o ar
enchendo os pulmões e tomei
coragem para ir embora.
Não dirigi naquele dia. Roger
insistiu que os seguranças me
levassem até o escritório, mais
uma medida cautelosa. Eu não
lutei contra, que mal poderia
haver nisso?
Durante todo o trajeto não pude
deixar de pensar nas palavras de
Sam. E se fosse verdade?
Não. Eu não podia pensar
naquela possibilidade. Não
enquanto estava a caminho do
meu casamento.
“Isso deveria estar acontecendo”
pensei apreensiva.
1416
De repente não conseguia mais
respirar. A sensação de que o
carro se fecharia em mim estava
me deixando em pânico. Minha
mão automaticamente foi para
meu pescoço e comecei a
ofegar.
- Algum problema? – O
segurança... Nunca me dei ao
trabalho de saber o seu nome...
Perguntou do banco da frente.
Olhei para ele sem saber o que
responder. Ele continuou virado
para
trás, me encarando.
- Pare o carro! – Ordenei com
muito esforço. – Vou fazer o
restante do trajeto andando.
1417
Não estávamos distantes, assim,
andar um pouco não me
atrasaria. Eu ainda tinha muito
tempo.
Mas o motorista não parou. O
segurança que ainda me
encarava confuso nada falou.
- Pare o carro! – Falei um pouco
mais alto, utilizando a minha
autoridade.
- Desculpe! Temos ordens do Sr.
Turner para não parar sob
nenhuma circunstância. Temos
que
levá-la a qualquer custo até o
escritório.
- O que? – Continuava a
sufocando. – Pare o carro agora
1418
ou não respondo por mim –
grunhi
com raiva.
Roger estava preocupado com a
minha segurança, mas isso não
lhe dava o direito de passar
por cima das minhas vontades.
Os dois passageiros se olharam
e o que estava no banco do
carona tirou um celular do bolso
e
discou alguns números. Estava
ligando para Roger, com certeza.
- Quero falar com o Sr. Turner –
ele me olhou rapidamente e
assentiu.
- Só um momento senhor – me
entregou o telefone.
1419
- Cathy?
- O que está acontecendo?
Como pôde dar uma ordem como
esta? Eu exijo...
- Calma Cathy! O que está
acontecendo? – Ele ficou
apreensivo e sua voz estava
alterada.
- Ordene a eles eu pararem o
carro agora. Agora! Entendeu?
Você não pode me impedir de
fazer o que eu quero.
- Cathy! – Ele gritou do outro lado
da linha fazendo-me parar. – É
para a sua segurança.
- Mande. Agora! – Gritei em
resposta. O ar faltava,
sufocando-me por completo.
1420
- Ok. Passe o telefone para o
Klaus – assumiu seu tom
habitual, sem se alterar.
- Quem diabos é Klaus?
- O segurança. Passe o telefone
para ele – fiz o que me pediu.
O carro parou em um sinal e,
sem perder tempo, abri a porta e
desci. Comecei a andar pela
calçada olhando as lojas que
ainda estavam fechadas. As
pessoas caminhavam
apressadas para seus
trabalhos e nada indicava que o
dia estava apenas começando.
Olhei para trás, assustada
demais e

1421
ainda me sentindo sufocar. O
segurança seguia atrás de mim,
mas pelo visto eu não seria
importunada. Então em pouco
tempo esqueci a sua presença e
voltei a pensar em minha vida.
Thomas tinha me deixado. Suas
palavras na carta confirmavam
todos os absurdos que ele tanto
lutou para me provar que eram
mentiras. Estava desaparecido
desde então. Era motivo de
sobra para
que eu tivesse certeza de que
estava fazendo o correto. Por
outro lado e se Sam estivesse
com a
razão?
1422
Lauren fugiu no mesmo dia. Nós
tínhamos experiências de sobra
para saber que ela iria atrás
de mim. Estremeci com esta
possibilidade. E se Thomas
estivesse ganhando tempo? Se
estivesse
novamente tentando enganar
Lauren? Ele tinha feito isso uma
vez, deixando-a acreditar que
havia
apenas me usado. Seria
possível? Não.
Ele não me magoaria desse jeito.
Mas ele me magoou quando a
beijou em minha frente
afirmando não me amar. Eu
acreditei nele naquele dia.
1423
Thomas pediu para que eu
acreditasse nele,
sempre, mesmo quando fosse
impossível. O que queria dizer
com isso?
Parei de frente ao prédio, World
Trade Center, Torre Norte. Olhei
para o céu limpo e claro. O
que eu deveria fazer? Deveria ter
procurado Thomas. Ter
questionado a sua atitude. Ter
buscado
mais informações. Se eu tivesse
feito, saberia ao certo o que
deveria fazer. Teria uma visão
melhor

1424
da realidade. Mas não. Eu
simplesmente deixei que a raiva
me dominasse e me atirei
desesperadamente num
relacionamento com Roger.
Agarrando-me a ele como se não
houvesse outra
opção.
Eu fui tola!
Entendi naquele momento que
existe uma linha muito tênue
entre o amor e o ódio. Era como
virar a esquina, e ele estava lá,
pronto para te servir.
Alimentando sua mente de
mágoas, até que você

1425
não encontre mais motivos para
amar. Foi isso o que aconteceu
comigo. Eu fiquei cega de tanto
sofrimento. Podia ser tudo
realmente verdade, ou não, mas
era minha obrigação esperar e
verificar,
até descobrir o que realmente
aconteceu.
Entrei no prédio conseguindo
pegar rapidamente o elevador.
Um rapaz segurou a porta
quando
me viu correndo em sua direção.
Agradeci e olhei mais uma vez
para meu relógio de pulso, 8:17
da

1426
manhã, eu continuava adiantada,
mas sentia urgência em chegar.
Não sabia o que era ou não
verdade,
mas já tinha uma certeza: eu não
poderia me casar.
Capítulo 32
O Desenrolar Dos Fatos
VISÃO DE CATHY
Entrei no escritório
apressadamente. Depois que
decidi não realizar o casamento,
passei a me
sentir patética vestida daquela
maneira. O escritório estava
vazio, ainda era cedo para que
todos

1427
estivessem por lá, mas já havia
um bom número de funcionários
circulando pelos corredores,
visitando algumas salas e
batendo papo com alguns
colegas em suas mesas.
Passei por todos tentando ser o
mais breve possível, mesmo
assim, captei alguns olhares em
minha direção. Cheguei a minha
sala, onde Sandra conversava
animadamente com uma amiga.
Ela
não me aguardava tão cedo. Seu
sorriso não conseguiu me deixar
definir ao certo se era educação,
constrangimento ou pena. Ou na
verdade eu mesma me sentia
1428
mal e acabava acreditando que
as
outras pessoas também
achavam isso.
- Roger já chegou?
- Ele não está na sala, mas vi
quando saiu e disse a Betina
para informá-lo quando você ou
os
advogados chegassem.
Decidi que o melhor a ser feito
era ir direto para a sala dele.
Precisávamos conversar o mais
rápido possível. Eu sabia que
estava prestes a fazer uma coisa
horrível, que o magoaria muito, e
era

1429
bem provável que desta vez não
me perdoasse, porém não havia
como continuar com o que
havíamos
combinado.
Entrei na sala vazia e me distraí
olhando os móveis impecáveis,
característica de um
escritório refinado, moderno.
Combinava perfeitamente com
ele, aliás, Roger combinava
perfeitamente com tudo ali,
menos comigo.
Conferi mais uma vez para meu
relógio 8:25, o tempo estava se
arrastando. Olhei pela janela
da sala, e me perdi ao constatar
o quão alto eu estava. Roger
1430
entrou logo em seguida. Seus
olhos
encontraram os meus. Os dele
estavam cautelosos.
- Não faça mais isso! – Falei sem
saber como começar a conversa.
- Cathy...
- Não faça. Nunca mais passe
por cima da minha vontade – ele
me encarou, mas não rebateu.
Andou pela sala, colocando
sobre a mesa os papéis que
levava nas mãos. Arrumou dois
livros
já perfeitamente alinhados,
colocou uma das mão no bolso e
quando voltou a me olhar toda a
tensão
1431
havia se esvaído. Seus olhos
estavam cheios de expectativas.
Até... Alegres, eu poderia dizer.
Os meus estavam aterrorizados.
Um misto de pânico e enjoo, que
combinavam perfeitamente
bem entre si, reviravam meu
estômago. Roger me analisou
com olhos desejosos.
- Você está magnífica! – Baixei a
cabeça torcendo os dedos.
Precisava encontrar uma forma
de
fazer sem magoá-lo. Infelizmente
não era possível. - Nervosa?
- Bastante – admiti. – Na verdade
eu precisava mesmo conversar
com você antes...
1432
- Aconteceu alguma coisa? Você
parecia tão nervosa. Os
seguranças me avisaram que
não se
sentiu bem e que fez uma parte
do percurso a pé – fechei a cara
para a situação. Era como se eu
estivesse em uma prisão sem
grades, sendo vigiada o tempo
todo. Tal pensamento fez com
que a
sensação ruim voltasse. Não
conseguia encontrar ar suficiente
para respirar. Voltei para a janela
e
fechei os olhos.

1433
- Não gosto de ter a minha vida
controlada. Nem meus passos
limitados – ouvi sua respiração
acelerada em desaprovação.
- Nós já conversamos sobre esse
assunto. É para a sua segurança
– a voz de Roger estava
calma, mas eu tinha certeza que
ele estava em estado de alerta.
Decidi que não podia mais adiar.
- Roger, eu não posso fazer isso
– não tive coragem de olhar em
seus olhos. – Não posso me
casar – uma onda de tristeza e
angústia me invadiu. Eu tinha a
certeza de que o estava
destruindo. –

1434
Pelo menos não agora – tentei
amenizar.
- O que? – A surpresa em sua
voz me impactou. – Cathy,
você...
- Me perdoe! Por favor, me
perdoe! – Sentia o ar faltando e
comecei a ofegar. - Eu só não
posso fazer isso agora. Eu...
- Você não tem nenhum histórico
em sua vida que a faça ser esta
garota mimada – a rispidez
em sua voz me assustou. – O
que você está pensando? Acha
mesmo que pode desistir de um
casamento no dia? Acha que
pode fazer isso comigo? O que

1435
deu em você? – Roger estava
furioso.
Como uma perfeita covarde,
chorei. – Preste atenção, Cathy,
eu já passei por coisas demais
para
ficar ao seu lado e não vou
permitir que você me humilhe
mais uma vez. A qualquer
momento nossos
advogados estarão aqui com os
papéis e você vai se comportar
como a mulher madura que é, e
concordar com nosso
casamento.
Levantei os olhos e vi que ele
andava nervoso pela sala. Não
senti raiva, apenas pena. No
1436
fundo ele estava com a razão em
tudo, apesar disso, eu ainda não
encontrava força para continuar
com o planejado. Ouvi meu
celular tocar dentro da bolsa, que
estava largada na poltrona em
frente à
mesa dele. Ambos olhamos em
sua direção, mas eu não
consegui me mexer para atender,
até que ele
parou de tocar.
- Você só está nervosa – sua voz
se suavizou um pouco, assim
como sua expressão. – É
normal, principalmente em um
caso como o seu – meu celular
voltou a tocar insistentemente. –
1437
Atenda o celular, eu ainda tenho
algumas coisas para resolver – e
saiu da sala apressadamente.
Meu celular parou de tocar.
Fiquei alguns minutos sem me
mexer analisando a reação de
Roger e o que eu deveria fazer
quando, mais uma vez, o celular
tocou. Era irritante. Fui até a
bolsa e
o retirei de lá tentando identificar
quem estava ligando.
Era Mia. Na certa para me dizer
que não poderia comparecer. Eu
sabia que ela não iria
compactuar com tudo aquilo.
- Oi, Mia!

1438
- Cathy! Ai que bom que você
atendeu. Eu já estava quase
subindo para te encontrar.
- Então você vem?
- Você já assinou os papéis? –
Mia parecia bastante nervosa, no
entanto eu não conseguia
pensar em mais nenhum
problema.
- Não. Os advogados ainda não
chegaram. Você vem? Preciso
tanto de você aqui! – Revelei
lamentando a minha situação.
- Cathy, quero que você preste
muita atenção no que vou te
dizer. Você está sozinha agora?

1439
Seu tom era conspiratório.
Instantaneamente senti um
calafrio e as pontas dos meus
dedos gelaram.
- Sim.
- Ótimo! Preciso que você desça
e me encontre na frente do
prédio. Não diga nada a
ninguém,
apenas desça. Quando estiver
aqui eu te conto tudo – Mia havia
enlouquecido?
- Mia eu não posso. Você
esqueceu q ue estou prestes a
me casar? – As palavras saíram
como

1440
quase “prestes a ser enterrada”.
– Eu não posso sair daqui...
Roger não vai permitir – fiquei
incomodada com a afirmação,
mas a julgar pela reação dele a
minha decisão eu sabia que era
verdade.
- Cathy, eu não estou brincando.
Preciso mesmo que você desça.
Faça isso o mais rápido
possível.
- Sinto muito, mas não é hora
para exigir o meu ombro amigo,
eu tenho um compromisso e não
posso me ausentar agora. Ainda
preciso terminar uma conversa
que estou tendo com Roger.

1441
- Meu Deus! Como você é
cabeça dura! – Gritou – Você não
pode se casar, não importa o que
está passando pela sua cabeça.
Confie em mim e venha me
encontrar.
Mia não estava de acordo com o
meu casamento, mas isso não
significava que eu tinha que
fazer o que ela achava melhor
para mim, apesar de ter certeza
de que não queria mais me
casar.
Contudo ainda precisava
convencer Roger, e para isso era
imprescindível falar com ele
antes que
todos chegassem.
1442
- Você pode esperar, Mia – e
desliguei o telefone, ainda
chocada com a minha própria
atitude.
Precisava encontrar Roger para
resolvermos logo aquele detalhe
incômodo. E que detalhe!
Dei apenas dois passos em
direção à porta e meu celular
tocou. Mia outra vez.
O que ela queria? Eu não podia
atender a um capricho seu e sair
sem dizer nada a Roger,
muito menos ainda sem
convencê-lo a esquecer aquela
ideia do casamento, apenas para
que ela me

1443
diga o que eu já sei: que não
posso me casar porque não amo
Roger.
Olhei para o celular na minha
mão e resolvi atender. Eu tinha
que dizer a minha amiga que ela
teria que esperar até que tudo
estivesse resolvido.
- Mia, por favor! Eu não posso...
- Cathy? – A voz do outro lado da
linha me atingiu como uma
flechada.
- Thomas! – O nome saiu em um
sussurro. Eu não podia acreditar.
- Cathy, eu sei o quanto é difícil
para você entender, mas, por
favor, desça.

1444
- Você foi embora –
involuntariamente cobrei dele.
Não era o mais certo a fazer,
mas eu não
consegui impedir que as palavras
saíssem de minha boca.
- Eu sei e posso explicar tudo. Só
preciso que você desça, agora –
minha cabeça trabalhava
como louca.
Senti raiva de tudo. Como ele
tinha coragem de me procurar no
dia do meu casamento? Tudo
bem que eu não queria mais
casar, mesmo assim ele não
tinha esse direito. Thomas não
podia entrar e

1445
sair da minha vida quando bem
entendesse. O que ele queria?
Destruir-me? Se bem que não
restava
muito para isso.
- Não! – Foi o que eu consegui
dizer. – Você não tem este
direito. Eu vou me casar e você
não
vai conseguir impedir. O que foi?
Não está satisfeito com todo o
estrago que já fez em minha
vida?
Apareceu para que? Para
conferir o que restou de mim?
Pois bem. Eu não vou permitir
que você
volte – e desliguei.
1446
Como uma criança, me sentia
impelida a continuar com o
casamento. Estava com tanta
raiva
que precisava afrontar Thomas e
me casar com Roger seria uma
excelente maneira de mostrar a
ele
que nada do que fizesse o traria
de volta a minha vida. Mesmo
que para isso, precisasse passar
por
cima da minha própria felicidade.
Outra vez o telefone tocou. Era
ele ligando do próprio telefone.
Que absurdo!
- O que você quer?

1447
- Cathy, eu entendo a sua raiva,
mas você não pode se jogar de
cabeça em um casamento com
um crápula como o Roger só
para me afrontar. Eu só preciso
que você me escute durante um
minuto.
Um minuto, Cathy! E depois você
pode fazer o que bem desejar –
ele dizia com raiva também.
Ótimo! Seria mais fácil.
- Você tem um minuto e eu já
estou contando – avisei.
- Roger é o responsável por tudo
– ri. – Cathy, eu não estou
brincando. Você está ao lado de
um psicopata. Ele pagou a Anna
para armar aquele circo e a
1448
matou, quando percebeu que ela
o
entregaria. Também matou Mário
e foi o responsável pelo atentado
contra nós dois. Ele te
sequestrou
enquanto dormíamos, aliás, ele
nos dopou e depois te
sequestrou e te enterrou em
algum lugar que eu
não faço a mínima ideia de onde
seja, só para me obrigar a
abandoná-la. E conseguiu. Eu
não tinha
como provar estes fatos, mas ele
teve a ajuda da Lauren, eu estive
com ela. Agora consegui tudo o

1449
que precisava para comprovar o
que estou te falando, inclusive
um exame de sangue
comprovando a
existência da substância no dia
em que fui embora.
- Que absurdo! Você é mesmo
inacreditável, Thomas! Como
você tem a coragem de acusar
Roger? Ele foi a única pessoa
que esteve ao meu lado o tempo
todo. Estava lá quando você
cansou
de brincar comigo e foi embora.
- Era exatamente isso que ele
queria que você pensasse. Será
que você não consegue
enxergar?
1450
– Gritou do outro lado da linha.
- Eu não acredito. Você age
como se a vida fosse um roteiro
de filme. Fantasia demais. Cria
demais. Não é a toa que é um
excelente ator. Deixa eu te contar
uma coisa: a vida não é um conto
de
fadas – desliguei o telefone e saí
da sala a procura de Roger. Eu o
diria que ele tinha razão e que
poderíamos continuar com o
casamento. Desta vez Thomas
não conseguiria.
Passei pelo corredor e vi Betina
conversando com um
funcionário. Ela me olhou e me
senti
1451
desconfortável com a forma
como o fez. Havia algo de ruim
em seu olhar, algo que lembrava
inveja e
rancor, que depois ela disfarçou
com um sorriso amável. A
sensação de frio voltou a me
dominar.
Estava sendo um dia bem
estranho.
Fui em direção às escadas do
prédio procurando por Roger, ele
não estava em lugar nenhum.
Meu telefone tocou de novo.
Thomas. Ele não desistiria.
Atendi, mas não consegui dizer
nada.

1452
A minha frente, contudo bastante
distante, estava Roger
conversando com uma pessoa.
Bastou
olhar para entender de quem se
tratava. O homem que Thomas
tantas vezes descreveu como o
responsável pelos
acontecimentos. O mesmo que
estava com Anna, e o mesmo
que atirou contra nós
dois. Thomas tinha razão.
-... Então por que você não
desce e me acerta uns socos?
Seria uma forma mais prazerosa
de

1453
se vingar de mim – não consegui
sentir graça. Eu estava em
pânico.
- Você tem razão – sussurrei com
medo de ser vista por eles. – Ele
está aqui.
- Roger?
- E o cara da tatuagem. Preciso
desligar. Estou descendo –
desliguei antes que Thomas
dissesse mais alguma coisa.
No momento em que me virava
para voltar e arrumar um jeito de
sair de lá, Roger me viu.
- Cathy? Vai a algum lugar? – Ele
estava surpreso. Senti medo,
mas sorri.

1454
- Vou encontrar Mia lá embaixo.
Imagine só, ela está com medo
de subir sozinha e me pediu
para buscá-la – que ridículo!
Minha desculpa foi tão
esfarrapada quanto a minha cara
tentando
parecer tranquila.
- Mia pode subir com as outras
pessoas que estão subindo neste
exato momento. Não vejo
motivo para que você saia agora
que os advogados já chegaram –
Roger estava visivelmente
nervoso.
Todo o cuidado que ele sempre
tinha quando falava comigo,
desapareceu. Sua voz chegava a
1455
ser ríspida. Entendi o recado. Ele
não me deixaria descer. Se havia
mesmo feito tudo o que Thomas
me relatou, o que ele seria capaz
de fazer para me obrigar a
assinar aqueles papéis?
- Roger, eu realmente preciso
descer. Não se preocupe, estarei
de volta em poucos minutos –
tentava não demonstrar o meu
pavor enquanto mentia. – Mia só
quer um pouco de privacidade
para
conversar comigo, mas
estaremos aqui o mais rápido
possível – seus olhos estavam
duros. Ele não

1456
acreditou em mim. Claro que não
acreditaria. Com certeza sabia
que Thomas estava de volta e
que eu
procurava uma desculpa para me
livrar dele.
- Você não vai a lugar algum.
Nós dois vamos volta r agora
mesmo e assinar a droga do
documento que nos tornará
casados – segurou com força em
meu braço e praticamente me
arrastou
em direção a sua sala.
Meu coração acelerou. Senti um
desespero aterrorizante. Olhei
para a área dos elevadores e

1457
não havia ninguém a quem eu
pudesse gritar por socorro. Nem
sabia se teria coragem de fazê-
lo. Mas
não poderia assinar aqueles
papéis.
- Solte-me Roger. Você está me
machucando – tentei puxar meu
braço, porém ele me segurou
com mais força.
- Você nem imagina o quanto eu
posso te machucar se continuar
insistindo em desistir do nosso
casamento – virou-se para mim
ameaçador.
Não havia nele nenhum resquício
do amigo apaixonado e
carinhoso. Roger me olhava com
1458
desprezo, com raiva. Como
alguém podia mudar tão rápido?
Como conseguiu me enganar
durante
todo este tempo?
Roger ainda me segurando com
força, mas sem demonstrar estar
me agredindo, levou-me de
volta a sala dele. Assim que
fechou a porta, me liberou
rudemente. Não tive coragem de
enfrentá-lo.
Analisando a minha situação, se
fosse tudo verdade, Roger seria
capaz de qualquer coisa para
conseguir o que queria de mim.
O frio assolava meu corpo,
fazendo-me tremer. Sentia uma
1459
necessidade desesperadora de
sair daquela sala, de fugir para
bem longe dali, mas ele
bloqueava a
porta.
- Preste bem atenção, Cathy.
Não faça nada de errado quando
os advogados chegarem aqui.
Você vai simplesmente assinar
os papéis e se comportar como a
noiva apaixonada que fingiu ser
este
tempo todo – falava com os
dentes trincados e as palavras
escorregavam entre eles. Era
assustador.
- Por que isso?

1460
- O que você pensou? Que após
todos estes anos eu ainda
rastejaria aos seus pés? Que
continuaria sendo aquele garoto
apaixonado, que daria a própria
vida para te proteger? Quanta
inocência! – Riu. – Pensei que
você tivesse amadurecido com o
tempo e as experiências que
adquiriu
– meu pânico era visível. Meu
rosto não conseguia encontrar
uma máscara que pudesse me
ajudar a
persuadi-lo naquele momento. –
O que foi? Ah, vamos lá, Cathy!
O Fato e eu estar interessado em

1461
seu dinheiro não é tão mal assim.
Thomas estava interessado em
seu corpo o tempo todo e nem
por
isso você o olhava desta forma.
- Thomas me ama – rebati ainda
sem reação.
- Sim, ele te ama. É um perfeito
idiota apaixonado. Mas não
soube ser homem o suficiente
para
enfrentar isso. Eu sou. Eu sou o
único que te fará amadurecer de
verdade. Encarar a triste
realidade
da não existência do faz de
conta.

1462
De repente, e forma inacreditável
e, como se estivéssemos em
uma cena de filme, todo o
prédio começou a tremer. Ainda
consegui olhar para Roger que
me olhava atordoado sem saber
o
que estava acontecendo. E então
aconteceu uma grande explosão.
Foi aterrorizante.
Capítulo 33
11 De Setembro De 2001
VISÃO DE CATHY E THOMAS
VISÃO DE CATHY
Não podia ser verdade o que
estava acontecendo. Estávamos
no 89° andar e o prédio todo

1463
tremia como se fosse desmontar
a qualquer momento. Com o
impacto, fui jogada contra a
parede,
recebendo uma chuva de
estilhaços. As janelas explodiram
de maneira teatral.
Incrível como um segundo pode
parecer uma eternidade em uma
hora como aquela. Consegui
captar o olhar de Roger, que tão
aterrorizado quanto eu, havia
sido lançado contra a sua mesa
parando alguns metros depois de
mim, a minha esquerda. Se o
prédio se inclinasse um pouco
para

1464
meu lado, eu seria arremessada
para fora pelo buraco onde antes
eram janelas de vidro. O barulho
da
explosão era ensurdecedor.
Minha primeira reação foi tentar
me agarrar em alguma coisa. Era
patético. Eu estava em um
chão liso, encostada em uma
parede lisa, ou seja, não havia
nada que pudesse impedir a
minha queda.
Separados pela porta da sala, eu
e Roger assistimos uma labareda
lamber o vazio em direção
ao fundo, e então, tão rápido
quanto surgiu, ela desapareceu,

1465
se recolhendo ao seu ponto de
impacto,
que era algum ponto logo acima
de nós dois.
Não tinha ideia do que havia
acontecido, e no momento eu
nem pensava em especular,
apenas
queria sentir a estabilidade do
chão para começar a correr. Foi
quando percebi a fumaça negra.
O
teto acima de nós estava
pegando fogo. O incêndio que
atingira os andares de cima
descia ao nosso
encontro. Em questões de
minutos tudo iria poderia ruir.
1466
Respirei fundo buscando forças
para me levantar, mas fui
atingida pela fumaça negra que
rapidamente tomava conta do
local. Cambaleante, tomei
coragem e me levantei para abrir
a porta.
Lancei meu corpo para fora,
alcançando o corredor. A
imagem que vi era apavorante.
Pessoas jaziam jogadas no chão,
inertes. Havia fogo e fumaça
para todos os lados. Eu ainda
podia ouvir o barulho do fogo
crepitando, queimando tudo que
alcançava. Também conseguia
ouvir,

1467
ao longe, pessoas gritando por
socorro.
Meu primeiro pensamento foi
para Sam. Ela disse que estaria
ali. Pensei em correr até a sua
sala, mas era um dos pontos
mais atingidos e já cobertos pela
fumaça. Dei dois passos e
identifiquei,
embaixo de uma mesa que
estava virada para baixo, as
pernas de Sandra. Ela não se
movia.
Constatei chocada.
Sem saber como ou de onde
vinha, fui arremessada contra a
parede novamente. Roger surgiu

1468
diante de mim. Seus olhos
raivosos sobre os meus
assustados.
- Você não vai se livrar tão fácil
assim.
- Roger! – Quase não consegui
falar.
A fumaça dominava o ambiente e
o fogo se alastrava rapidamente.
Eu sabia que o prédio não
resistiria, pelo menos a parte em
que estávamos com certeza logo
desmontaria. Precisávamos sair
dali o mais rápido possível.
- Assine os papéis – ordenou de
maneira bestial.

1469
O encarei confusa. Que papéis?
Como ele poderia pensar em
casamento, dinheiro, vingança,
quando o mais importante
naquele momento era salvar
nossas vidas? Se não saíssemos
logo nenhum
papel teria valor e, sinceramente,
não acreditava que haveria algo
para se lutar depois daquilo. No
entanto ele não me largava,
obstinado em sua loucura.
- Assine os papéis! – Gritou em
meu rosto.
- Roger, temos que sair daqui
enquanto ainda temos tempo.
Veja, o fogo está quase nos

1470
alcançando. Precisamos sair –
ele não enfraqueceu o aperto em
meu braço.
- Não! Assine logo os papéis.
- Que papéis? – Gritei em
resposta. Estava apavorada. Não
sabia o que estava acontecendo.
Poderia ter sido uma bomba, e
outras poderiam explodir ainda.
Eu não queria estar lá para
constatar. Em vão me debati
para conseguir me livrar. Sua
força aumentou em meus braços.
– Você
está louco, nós dois vamos
morrer.

1471
- Você vai morrer. Eu ficarei
viúvo e milionário – ele me
lançou com mais força contra a
parede, então tentou me arrastar
de volta para o que tinha restado
da sala.
A fumaça negra bloqueava a
nossa visão. Se não saíssemos
imediatamente, morreríamos
sufocados. Minhas forças
estavam se esvaindo e eu não
conseguia me livrar dele.
Constatei que mais
uma vez eu estava entre a vida e
morte e, de novo, por causa de
pessoas que não sabiam o
significado
do amor.
1472
Lauren tentou me matar por
acreditar que Thomas merecia
sofrer porque ele não
correspondia
ao seu amor, e naquele
momento, Roger queria se vingar
por se sentir injustiçado em
relação ao
nosso rompimento. O amor era
uma armadilha para quem não o
conhecia.
- Meu plano era perfeito. Se
Anna não tivesse voltado atrás e
eu estaria com você e com tudo
o que queria em muito pouco
tempo, mas aquela idiota se
arrependeu. Eu tive que matá-la.
Menos
1473
mal. Ela não servia para nada
mesmo. Era péssima de cama –
riu perdido em seu delírio
enquanto me
puxava de volta. – Então Thomas
passou a ser o problema. Eu
tentei matá-lo, mas ele parece ter
a
capacidade de se safar de tudo.
Uma verdadeira pedra em meu
caminho que eu nunca consigo
retirar.
Para que ele voltou? Para assistir
a sua morte? Eu não vou permitir
que ele interfira em meus planos.
Claro que eu desejava mais,
você continua linda e desejável,

1474
mas não se pode ter tudo em
meio a um
inferno como esse, então só a
sua fortuna está de bom tamanho
– voltou a rir. – Pensou que
poderia
me fazer de idiota, dormindo com
Thomas enquanto fingia ser a
minha namorada? Você nunca foi
melhor do que a sua mãe. Tão
vagabunda quanto ela!
Ainda resistindo aos puxões que
ele me dava tentando me levar
de volta à sala, eu conseguia
detê-lo, só não sabia por quanto
tempo, ou se valia à pena, pois
as nossas chances eram
mínimas. Eu
1475
nem sabia se havia algum jeito
de escapar daquele inferno, caso
conseguisse me livrar de Roger,
que
percebendo a minha resistência
se voltou em minha direção e me
esbofeteou.
Foi um tapa forte, dado com toda
a sua raiva acumulada. Fraquejei
com a pancada e senti
minhas pernas cederem. Eu
estava caindo, ele agilmente me
levantou me empurrando contra
a parede,
sua mão apertava meu pescoço,
impedindo que o pouco ar que
ainda existia conseguisse chegar
aos
1476
meus pulmões.
- Posso terminar com tudo agora
mesmo, Cathy. Todos sabiam do
nosso noivado. Posso dizer
que os papéis queimaram junto
com seu corpo.
Eu não conseguia mais respirar e
nem entender o que ele queria
me dizer com aquilo tudo. A
única coisa que pesava pela
minha cabeça era como poderia
me salvar. Como me livrar das
mãos
dele e, principalmente, como
conseguir mais ar.
Foi quando milagrosamente
meus pedidos foram atendidos.

1477
As mãos de Roger
desapareceram
de meu pescoço. Senti meu
corpo livre do dele, e o ar, o
pouco que ainda restava,
alcançar meus
pulmões. Não me preocupei em
descobrir o que havia acontecido,
apenas fechei os olhos e me
entreguei à sonolência que me
abraçava. Talvez, e seria mesmo
ótimo se fosse assim. Se eu
estivesse
morrendo.
VISÃO DE THOMAS
Cathy desligou o telefone sem
querer me ouvir. Eu imaginava
que seria assim. Ela era mesmo
1478
uma cabeça dura, além disso,
estava muito ferida. Pudera!
Depois do que aquele louco
aprontou, ela
só poderia me odiar. Entreguei o
celular a Mia que me olhava
apreensiva.
- O que faremos? – Ela
perguntou com os olhos
arregalados. – Não podemos
deixar Cathy
entregar tudo nas mãos dele.
E não podíamos mesmo! O
casamento poderia ser desfeito,
sem que ele sequer tocasse nela,
bastava esperar que o agente
Saunders aparecesse com o

1479
mandado de prisão e Cathy
estaria livre de
toda aquela armação.
O problema era que conhecendo
Roger, como passei a conhecer,
era muito provável que ele
conseguisse fazer Cathy assinar
alguns documento dando a ele o
controle de toda sua herança.
Não
poderíamos permitir.
- Eu vou até lá – falei já me
preparando para sair do carro.
- Você enlouqueceu? – Mia ficou
agitada. – Se Roger descobri o
que está para acontecer, ele
pode fazer alguma coisa contra
Cathy.
1480
- Mia tem razão, Thomas. Vamos
esperar mais um pouco. A polícia
deve estar a caminho, é
uma questão de minutos e tudo
estará resolvido – Henry tentava
me controlar. Peguei meu próprio
telefone e liguei outra vez para
ela.
- O que você quer? – Ela
atendeu com raiva.
- Cathy, eu entendo a sua raiva,
mas você não pode se jogar de
cabeça em um casamento com
um crápula como o Roger só
para me afrontar. Eu só preciso
que você me escute durante um
minuto.

1481
Um minuto, Cathy! E depois você
pode fazer o que bem desejar –
falei no mesmo tom que ela, ao
menos assim saberia que eu não
estava brincando e que o que
tinha para falar era realmente
sério.
- Você tem um minuto e eu já
estou contando.
Respirei fundo e comecei a falar.
Expliquei de maneira mais
resumida possível tudo o que
tínhamos descoberto e o que
havia acontecido no dia em que
eu tive que deixá-la. Era certo
que ela
não acreditaria em mim, mas eu
precisava pelo menos ganhar
1482
tempo ou colocar alguma dúvida
na sua
cabeça, qualquer coisa que
fizesse com que ela atrasasse
aquela loucura de casamento.
- Que absurdo! Você é mesmo
inacreditável, Thomas! Como
você tem a coragem de acusar
Roger? Ele foi a única pessoa
que esteve ao meu lado o tempo
todo. Estava lá quando você
cansou
de brincar comigo e foi embora–
me acusou com a voz repleta de
tristeza e rancor. Como eu
imaginei.

1483
Cathy podia ter fingido ser forte
durantes os últimos dias em que
acreditou ter sido
abandonada, mas ela poderia
enganar qualquer um, menos a
mim. Eu a conhecia como ela
realmente
era e não como tentava parecer.
- Era exatamente isso que ele
queria que você pensasse. Será
que não consegue enxergar? –
Gritei em resposta. Eu precisava
gritar para que ela ficasse um
pouco chocada e acreditasse que
eu
também estava com raiva.

1484
- Eu não acredito. Você age
como se a vida fosse um roteiro
de filme. Fantasia demais. Cria
demais. Não é a toa que é um
excelente ator. Deixa eu te contar
uma coisa: a vida não é um conto
de
fadas – ouvi Cathy desligar o
telefone e tive a certeza que se
algo de muito importante não
acontecesse ela se casaria
naquele minuto, só para me
contrariar. Só para me mostrar
que era mais
forte do que eu.
- Droga de mulher cabeça dura! –
Reclamei enquanto discava
novamente o número dela.
1485
Eu não desistiria. Antes mesmo
que Mia e Henry pudessem me
impedir, abri a porta do carro e
saí em direção ao prédio. Eu iria
subir, desse no que desse, mas
Cathy não se casaria naquele
dia, ou
em nenhum dia se não fosse
comigo.
Liguei mais uma vez e comecei a
falar no exato momento em que
ela atendeu.
- Não entendo por que você
prefere se agredir a agredir ao
outro. Fui eu quem te magoou,
aliás, se você não fosse tão
cabeça dura, saberia que não

1486
haveria a menor possibilidade de
eu te
abandonar se não fosse por um
único motivo: salvar a sua vida.
Cathy você acredita tão pouco
assim
no meu amor?
Ela não respondeu. Eu podia
ouvir os barulhos do ambiente,
então ela ainda estava na linha.
Ótimo! Eu conseguiria retardá-la
mais um pouco.
- Só não entendo por que você
vai se machucar casando com
um psicopata, idiota, só para me
machucar, aliás, eu não entendo
por que não desconta em mim, já

1487
que acha acredita que eu
mereço.
Então porque você não desce e
me acerta uns socos? Seria uma
forma mais prazerosa de se
vingar de
mim.
- Você tem razão – ela sussurrou
e eu, não sei por qual motivo,
não gostei da forma como
estava falando. – Ele está aqui –
ela estava em perigo? Era o que
queria me dizer?
- Roger? – Perguntei acelerando
os meus passos.
- E o cara da tatuagem. Preciso
desligar. Estou descendo – ela
desligou não me dando nenhuma
1488
chance de falar.
Para ser sincero, senti muito
medo do que poderia acontecer
até eu não conseguir chagar lá
em
cima. Era inacreditável que
Roger estivesse tão confiante
que teve a coragem de levar o
cara da
tatuagem para o escritório.
Fui até os elevadores e tive a
sorte de conseguir um
imediatamente. Contrariei todas
as regras
de etiqueta, se bem que ninguém
parecia muito atento a este fato,
apesar de algumas pessoas se

1489
virarem para me encarar, na
certa me reconhecendo, e fiz
mais uma ligação, não para
Cathy, mas para
Henry.
- Henry, agora mais do que
nunca preciso que a polícia
chegue, o cara da tatuagem está
no
escritório com Cathy, não sei o
que poderá acontecer, pelo amor
de Deus, faça alguma coisa daí
porque eu estou subindo.
Algumas pessoas me olharam
curiosas. O elevador fez
inúmeras paradas e eu não
conseguia

1490
evitar bater os pés com aflição.
Cada segundo era precioso
demais para eu perder dentro de
um
elevador. Em determinado andar,
que não tive paciência para
verificar qual, provavelmente
entre o
60º e 70º, desci e rapidamente
corri para as escadas. Subi
vários degraus ao mesmo tempo
correndo
o máximo que podia quando, de
repente, uma enorme explosão
ecoou fazendo com que o prédio
inteiro parecesse feito de
gelatina.

1491
Não tive tempo de pensar em
nada. Com a explosão fui
arremessado para baixo caindo
em um
corredor e colidindo com a
parede que me deteve. Foi só o
tempo de olhar para cima e ver a
bola de
fogo que escorria lambendo as
escadas, Joguei-me para o lado
e me abaixei o máximo possível
rezando para não ser atingido e
então nada mais.
Olhei para o alto e o fogo, denso
com sua fumaça negra, se
concentrava alguns andares
acima.

1492
Pude ver em diversos lugares a
destruição deixada pelo que quer
que tenha colidido com o prédio.
- Um avião! – Ouvi alguém gritar.
Não consegui acreditar que era
possível. Os gritos ecoavam
e as pessoas passavam correndo
tentando descer e salvar as suas
vidas. Eu não podia segui-las.
Olhei para cima, mais uma vez,
tentando identificar a quantos
andares acima teria sido o
começo daquele inferno e não
consegui descobrir. A única coisa
que pensava era que Cathy
estava

1493
lá, em algum lugar e eu
precisava encontrá-la a qualquer
custo.
Eu estava com medo, era lógico
que estava! Meu instinto de auto
preservação gritava avisando
que poderia estar subindo em
direção ao meu fim, porém, o
medo de deixar Cathy sozinha,
me
impulsionou, eu iria em frente
nem que para isso tivesse que
abraçar a morte.
Subi os degraus indo contra as
pessoas que desciam cada vez
mais rápido. Vi pessoas
sangrando, algumas ajudando
outras e muita gente
1494
desesperada. Algumas estavam
sujas de fuligem e
poeira. Logo entendi que estas
vinham dos andares superiores
próximos de onde tudo tinha
acontecido.
- De que andar você está vindo?
– Gritei segurando pelo braço um
rapaz assustado. Ele me
olhou atordoado
- Do 85º. Consegui sair, mas tem
muita gente machucada lá em
cima.
- Sabe me dizer em que ponto
fica impossível passar?
- Eu sei que tem gente descendo
dos andares acima do meu,
então acredito que deva haver
1495
mais alguns antes do incêndio –
disse se soltando e seguindo o
caminho.
Continuei subindo, tentando ser
rápido, o que era impossível
quando se tenta enfrentar uma
correnteza. Algumas pessoas me
olhavam sem entender o que
estava fazendo. Eu fazia questão
de
olhar para todas, Cathy poderia
estar no meio delas. Talvez eu a
encontrasse enquanto subia.
Mas ela
poderia estar no elevador quando
tudo aconteceu. Ela disse que
estava descendo.

1496
Como uma resposta aos meus
pensamentos, ouvi claramente
uma pessoa dizer que os
elevadores tinham caído e que
viu quando uma imensa bola de
fogo subiu, ou desceu, ela não
soube
afirmar, pelo fosso. Entrei em
pânico e subi ainda mais rápido.
A fumaça era cada vez mais
densa e aliada ao meu esforço
para subir rápido diversos
andares,
o ar começava a faltar. Não sei
dizer se eu chorava de
desespero ou se meus olhos
lacrimejavam por

1497
causa da fumaça. Só sabia que
meu coração estava tão apertado
que tive que lutar contra ele para
continuar tendo esperança.
Contudo, quanto mais conseguia
subir, mais a perdia. Em todos os
lugares só havia tristeza e
destruição. Vi corpos, pessoas
desmaiadas sendo apoiadas por
outras e constatei que o incêndio
se
propagava cada vez mais.
Quando, finalmente, consegui
chegar ao 89° andar, quase não
acreditei que havia conseguido.
E também não acreditei no que
meus olhos viam. Não existia
quase nada. Somente o caos e
1498
destruição. O andar estava
sendo dominado pelo fogo. Papel
espalhado alimentavam as
chamas e
diversos móveis retorcidos e
revirados. Também pude ver
alguns corpos espalhados e
fiquei
horrorizado ao constatar que
teria que verifica-los, pois um
deles poderia ser... Fui incapaz
de
completar o pensamento em
minha mente. Não poderia ser
verdade.
- Cathy! – Gritei, mas minha voz
estava embargada, parte pela
fumaça, parte pelo cansaço e
1499
parte pelo horror.
Era impossível alguém continuar
vivo em meio a àquele inferno.
Caminhei me desviando do
fogo e dos móveis, mas não seria
possível avançar muito mais.
Pela inclinação do prédio, podia
sentir que ele desabaria. pelo
menos aquela parte iria
despencar.
- Cathy! – Gritei mais uma vez.
Nenhuma resposta.
Um movimento repentino
chamou a minha atenção. Havia
alguém lá, mas a fumaça me
impedia
de identificar quem era.
Encorajado pela nova
1500
perspectiva, avancei mais um
pouco, protegendo meu
rosto.
Ao me aproximar mais, percebi
que uma pessoa parecia puxar
outra. Por um momento
acreditei que as duas tentavam
se salvar daquele inferno e fui
em direção a elas, então percebi
que
uma delas puxava a outra na
direção do fogo. Fiquei chocado
ao constatar que esta mesma
pessoa
agredia fisicamente a outra. E
então ouvi:

1501
- Posso terminar com tudo agora
mesmo, Cathy. Todos sabiam do
nosso noivado. Posso dizer
que os papéis queimaram junto
com seu corpo.
“Cathy?”
Demorei alguns segundos para
reordenar os pensamentos. Era
Roger em estava com Cathy e
tentava matá-la. Percebi
desesperado que ele realmente
não iria desistir. Eu precisava
agir, mas
como?
O fogo que nos separava era
assustador e eu estava
fisicamente exausto para entrar
em uma
1502
luta corporal. No entanto, Cathy
estava lá, viva, ainda. Eu
precisava fazer alguma coisa, e
rápido.
Segurei os pés de uma cadeira
que estava revirada ao meu lado
com encosto já começando a
pegar
fogo e atirei na direção deles
com toda a força.
Cathy estava encostada à
parede, seu corpo parecia estar
desfalecendo. Aproveitei o
ângulo e
fiz o melhor que pude. Deu certo.
A cadeira atingiu Roger com
força e ele caiu com o impacto.
Cathy,
1503
escorregou de suas mãos como
uma boneca, totalmente sem
vida. Dei alguns passos para trás
e corri
em direção ao fogo passando
para o outro lado sem danos
aparentes, parando bem próximo
a ela.
Ela não abria os olhos, nem se
mexia, assim como Roger,
distante de nós dois. A barra de
sua
calça começou a pegar fogo.
Olhei para Cathy e depois para
Roger. Senti um tremor forte no
chão e
meu coração disparou.
Precisávamos sair de lá. Mas
1504
como salvar os dois? O fogo
atingiria Roger
enquanto estava desmaiado, por
outro lado Cathy não poderia
esperar enquanto eu o salvava.
Também não conseguiria voltar
para buscar quem ficasse. Mais
uma vez o chão tremeu,
rapidamente segurei Cathy em
meus braços e dei impulso para
passar outra vez pelo fogo. Do
outro
lado, não voltei a olhar para trás.
Talvez um dia eu me sentisse
culpado por ter deixado Roger
entregue a própria sorte, mas

1505
naquele momento apenas
agradecia por ter conseguido
encontrá-la.
Ainda teríamos que enfrentar a
descida. Eu estava fraco e Cathy
desmaiada em meus braços.
Tudo estava pegando fogo e
tremendo. Alcancei as escadas,
descendo o mais rápido possível.
Não
sei dizer quanto tempo demorei
para sair do prédio, nem qual
força me manteve de pé e alerta
segurando-a até que os
bombeiros nos encontraram, na
metade do caminho.

1506
Fora do prédio estava tudo tão
estranho quanto dentro. O perigo
ainda existia. Constatei, sem
conseguir acreditar, que os dois
prédios estavam em chamas e
que toda a rua estava tomada
pelo
desespero e destroços que
caíam das alturas. Os bombeiros
trabalhavam sem cessar em
busca de
sobreviventes. A chuva de cinzas
era constante e a cena era como
a de um filme de terror. Cada
olhar
demonstrava isso.

1507
Cathy foi levada para uma
ambulância, que atendia a outra
pessoa, também ferida, e
imediatamente a colocaram no
oxigênio.
- Ela respirou muita fumaça – o
bombeiro ao meu lado gritou
para o paramédico que a atendia.
- Precisamos levá-la daqui. A
coisa só está piorando cada vez
mais. Há muitos componentes
poluentes no ar – o paramédico
alertou.
- Não podemos transportar todos
os feridos e esta ambulância
precisa permanecer aqui.

1508
Vamos levá-la até o final da rua.
Outras ambulâncias estão lá para
fazer o transporte dos feridos até
os hospitais – falou diretamente
para mim. Tentei me manter
lúcido. Apenas sinalizei que sim.
E eles
imediatamente iniciaram a
transferência de Cathy para o
hospital.
Procurei por meu carro, era
impossível reconhecer qualquer
coisa na rua. Era impossível
reconhecer qualquer rosto
coberto pela máscara negra
como luto que estava em todos
nós. Eu estava

1509
muito atordoado para raciocinar.
Então apenas segui os
bombeiros e paramédicos até a
outra
ambulância e acompanhei Cathy
até o hospital.
Ainda tive tempo para olhar para
trás e ver a cena mais
inacreditável da minha vida.
Inesperadamente, vi a primeira
torre ceder e desmoronar.
Totalmente fora da realidade.
Assim como
o barulho ensurdecedor e a
nuvem devastadora de poeira,
fumaça e cinzas que levantou
com a sua
queda.
1510
O sentimento de derrota era
inevitável.
Capítulo 34
Recomeçar. Definitivamente
VISÃO DE THOMAS
Cathy se mexia inquieta, mas
ainda não havia acordado. Ela
estava suja e machucada. Seu
vestido branco, assim eu
imaginei, tornou-se cinza escuro.
As meias estavam rasgadas.
Seus cabelos
estavam grudado, como o
vestido, muito sujos. As
enfermeiras tinham limpado seu
rosto e parte do
corpo tentando fazer o melhor,
mas o caos continuavam lá.
1511
Mesmo assim, ela estava linda.
Adorável.
O hospital estava lotado, mesmo
sendo o melhor de Nova York, e
também o mais caro. Todos
tentavam ajudar da maneira
como podiam. Cathy estava em
um quarto individual, sendo
atendida
pelos melhores médicos, que já
tinham me garantido que não
havia nada de errado com ela.
Apenas o
choque e o tempo que ficou
inalando a fumaça, além de
alguns cortes superficiais.
Diversos exames

1512
foram feitos, eu ainda esperava
pelos resultados, assim como
aguardava pelo momento em que
ela
abriria os olhos.
Enquanto esperava fiquei
sabendo da queda da outra torre
e também dos outros prédios que
faziam parte do complexo World
Trade Center, que que tiveram
sua estrutura abalada com a
queda
dos outros dois.
Assisti a comoção nacional
enquanto tudo ia sendo
esclarecido. Não demorou para
que

1513
descobrissem que quatro aviões
foram sequestrados e dois deles
arremessados contra as torres.
Todos os canais repetiam a cena
diversas vezes. Mais tarde fiquei
sabendo que os outros dois
também foram direcionados a
alvos que abalariam o governo
norte americano. Foi um ataque
terrorista.
Desisti de acompanhar as
notícias. Não fosse por Cathy eu
estaria completamente infeliz,
juntamente com toda a
população. Eu sabia que Mia e
Henry estavam seguros em
algum lugar, longe

1514
de toda aquela loucura e que
Dyo e Kendel com certeza
estavam desesperados
procurando por nós
dois. Nada podia fazer além de
aguardar.
Os telefones não funcionavam.
Eles teriam que procurar por nos
dois de hospital em hospital,
contudo eu não acreditava que
eles demorariam a nos encontrar,
pois sabiam que eu não daria a
Cathy nada menos do que o
melhor.
Sentei ao seu lado, analisando o
seu lindo rosto e então ela
começou a despertar. Primeiro
se
1515
mexeu com mais intensidade,
como se estivesse tendo um
pesadelo. Depois passou a
procurar pelo ar
com mais vontade. Isso me
assustou um pouco. Quando
comecei a levantar para buscar
ajuda, Cathy
despertou. Seus olhos fixaram o
teto. Ela não sabia onde estava.
Fiquei curioso e aguardei.
Cathy mexeu a mão, onde estava
o soro e olhou-a curiosa. Depois
seus olhos percorreram o
quarto e finalmente me
encontraram. Olhamo-nos por
um tempo. Ela sem entender
como tinha parado
1516
ali, e eu intenso, feliz e saudoso
daquele olhar.
- Como... – tentou falar, mas sua
garganta estava muito seca e ela
engasgou.
- Calma! Está tudo bem agora –
me observou atentamente. Vi
duas lágrimas escorrerem de
seus olhos.
- Roger...
- Eu o impedi de te machucar.
Não tive escolha. Era ele ou você
– admiti. Eu ainda não me
sentia culpado por tê-lo deixado
para trás, mas não iria dizer.
Cathy deixou mais algumas
lágrimas
escaparem.
1517
- Sam?
- Sam? – Repeti. – Ela estava lá?
– Cathy chorou desesperada.
Meu coração se partiu diante
daquela possibilidade. – Cathy,
quando eu cheguei tudo já
estava tomado pelo fogo. Não
tive muito
tempo e não havia mais ninguém
por lá além de vocês dois.
Neste momento o médico entrou
no quarto acompanhado de uma
enfermeira que imediatamente
tratou de examinar Cathy e
verificar o Soro. O médico, que
levava alguns papéis, ficou em
silêncio

1518
observando Cathy e analisando
as informações do seu
prontuário.
- Como está se sentindo?
- Com dor de cabeça e garganta
– pigarreou para tentar amenizar
a secura da garganta. -
Também estou com muita sede –
completou insegura. Algumas
lágrimas ainda rolavam de seus
olhos.
- Sente dor em mais algum lugar
além da cabeça?
- Não.
- Por que está chorando?
- Algumas pessoas que ela
gostava muito estavam no prédio
doutor. Não temos notícias deles.
1519
Ela está um pouco nervosa – me
apressei a responder enquanto
acariciava a mão dela.
- Entendo. É realmente
lastimável. Estamos todos sem
notícias ainda. Fique calma. No
seu
estado não é recomendado
emoções tão fortes e olha que já
foram muitas – ele sorriu
encarando a
mulher da minha vida. - É
realmente estranho ver a vida
sob esta ótica – nos olhamos
sem entender
do que ele estava falando. - Veja
bem, hoje perdemos com certeza
inúmeras vidas, e no meio disso
1520
tudo descobrir que uma vida em
especial, conseguiu se manter
firme, apesar de tão frágil, tão
vulnerável.
- Desculpe, doutor... - ela falou
confusa. – Do que está falando?
- Da sua gravidez – ele
respondeu tranquilamente. –
Você passou por momentos tão
difíceis e
mesmo assim, não há nada de
errado com o bebê – senti meu
coração acelerar. Uma onda de
calor
subiu por minhas veias. Cathy
olhava para o médico aturdida.

1521
- Como disse? – Perguntei. –
Desculpe, mas você está dizendo
que ela... Eu... Grávida? – O
médico sorriu.
- Vejo que estou dando a notícia
em primeira mão. Parabéns! A
senhora está grávida. Uma
gestação normal, de
aproximadamente cinco ou seis
semanas – Cathy continuou
imóvel.
- Aconselho procurar seu médico
para iniciar os procedimentos
corretos para o
acompanhamento da sua
gestação. No mais, apesar de
tudo, está tudo perfeito. Vou te
dar alta antes
1522
que os repórteres consigam
invadir o hospital. Mesmo com
tanta comoção eles ainda se dão
ao
trabalho de conferir se existe
algum famoso sendo atendido
aqui. Creio que vocês devessem
entrar
em contato com alguém a ajuda
ajudá-los – disse enquanto
assinava alguns papéis e depois
saiu do
quarto nos dando privacidade.
- Grávida? – Pensei alto. Um
turbilhão de emoções bagunçava
a minha cabeça. Passei as mãos

1523
várias vezes pelos meus cabelos
enquanto arrumava as minhas
ideias.
- Como eu... Como você
conseguiu me encontrar? –
Cathy falava devagar e seus
olhos não
focavam nada.
Ela estava tão surpresa quanto
eu com a notícia, a diferença era
que eu estava feliz, apesar de
tudo, e também temeroso, pois
não sabia como ela iria encarar
uma gravidez em um momento
tão
delicado, principalmente com nos
dois numa situação tão

1524
desconfortável. Cathy ainda não
havia
reagido a informação.
- Eu subi atrás de você. Queria
ter a certeza que estava tudo
bem. Foi um avião – comecei a
explicar antes que ela fizesse as
perguntas que eu sabia que
viriam. – Um atentado terrorista.
Quando
você voltar para casa poderá
acompanhar melhor. Os
noticiários não falam de outra
coisa – os olhos
dela se arregalaram, porém não
pareceu estar em choque. Cathy
tinha vivenciado de perto, assim

1525
como eu, momentos mais
difíceis. Ela ficou pensativa e
depois recomeçou a falar.
- Você tinha razão... Ele me
contou tudo... Ele... – respirou
profundamente e pareceu sentir
dor.
– Ele tentou me matar! – As
palavras soaram como uma
surpresa, e realmente era. Cathy
jamais seria
capaz de imaginar que aquilo era
possível. Roger soube
representar muito bem o seu
papel de
apaixonado.

1526
- Tem muita coisa que você
precisa saber. Mas este não é o
momento nem o lugar. Temos
outra coisa mais importante para
resolver – ela ficou ainda mais
tensa com as minhas palavras.
- Eu sei! – Cathy parecia
lamentar.
- Você não está feliz.
- Não sei o que pensar. Minha
vida mudou completamente em
poucas horas. Minha cabeça está
tão confusa e que não consigo
me decidir se lamento ou não
pelo Roger – ela realmente
parecia
confusa, perdida em um turbilhão
de emoções. – Preciso saber se
1527
Sam estava no escritório
quando...
– engoliu com dificuldade. – Eu vi
Sandra morta – novas lágrimas
brotaram de seus olhos. – Foi tão
horrível!
- Sinto muito! Sinto muito
mesmo! Os telefones não estão
funcionando direito, então não
tenho
como procurar por ela agora e
ainda não existem informações a
respeito das vítimas, é muito
cedo.
Os olhos dela se arregalaram
com a possibilidade de Sam ser
uma das centenas de vítimas.

1528
Meu coração também estava
apertado. Sam foi o que tive mais
próximo de sogra, e ela foi ótima
neste papel.
Dois dias antes de tudo
acontecer, consegui conversar
com ela sobre o que tínhamos
em mente
e Sam prontamente concordou
em me ajudar com Cathy, por
isso eu sabia que ela estava no
prédio.
Não tive coragem de contar, não
naquele momento, pois não
havia como saber se ela
conseguira sair
de lá, já que muitas pessoas
conseguiram. Era lastimável
1529
perdê-la da forma tão trágica e
Cathy
lamentaria muito a sua morte.
Limitei-me a acariciar gentilmente
seus dedos, que continham
alguns
ferimentos.
- Então... – demonstrou cautela.
– Você voltou?
- Hum, hum!
- E eu estou grávida – Cathy não
me olhava nos olhos.
- Está – um leve sorriso se
formou em meus lábios. Eu me
sentia confortável com a
novidade.
– Parece que desta vez é pra
valer – falei lembrando de
1530
quando acreditei que ela
estivesse grávida e
da felicidade que senti na época.
- Você está... Feliz?
- Muito! – Apoiei meu rosto na
mão que não estava acariciando
a mão dela e recostei na cama.
Meus olhos procuravam os dela
querendo encontrar algum sinal
de como ela se sentia.
- Por que? – Perguntou depois
de um breve tempo em silêncio.
Ela chorava. Passei meus
dedos em seu rosto captando
uma lágrima.
- Por que não existe nada mais
maravilhoso do que ter um filho
com você.
1531
- Mas... Você falou... – não
conseguiu terminar.
- Eu sei. Não tive escolha. Nunca
a deixaria se houvesse outra
forma. Na verdade apenas fiz
com que Roger acreditasse que
estava te deixando, para que ele
não te machucasse. Na verdade
estava reunindo as provas
necessárias pra poder voltar. Foi
meio que uma investigação
secreta – dei
uma risada fraca. – O agente
Saunders esteve à frente o
tempo todo e eu fui obrigado a
permanecer

1532
em Los Angeles até a hora certa
de voltar, que foi esta
madrugada.
- O que você descobriu?
- O que já te falei. Roger foi o
responsável por tudo o que
aconteceu. Lauren o estava
ajudando enquanto fingia ser
louca. Ela fugiu, não temos
certeza de para onde foi. Talvez
o Brasil. A
polícia está à procura dela. Anna
deixou uma carta para você,
explicando todo o ocorrido, como
Roger a encontrou, o porquê dela
ter aceitado e como estava
arrependida. – Cathy me olhou
com
1533
cautela. Buscava a verdade.
Ela voltou a ficar calada. Eu
sabia exatamente o motivo do
seu silêncio. A pergunta que ela
queria fazer e não tinha coragem.
- Eu te amo! – Eu disse
observando a sua reação. –
Cathy ficou imóvel por alguns
segundos,
depois seus olhos se fecharam e
um sorriso, fraco se formou em
seus lábios.
- Eu também! – Respondeu me
pagando de surpresa. Não
esperava ser perdoado com tanta
facilidade, se é que posso dizer
que foi fácil depois de tudo o que
passamos.
1534
- Que bom! Por que eu não
suportaria viver longe de vocês.
- E você acredita mesmo que eu
seria capaz de criar um filho seu,
sozinha?
- Por que não?
- Por que com certeza ele será
como você – brincou.
- Duvido muito. Ele é tão
pequenino, já passou por tantas
coisas e mesmo assim foi forte o
suficiente para continuar
conosco. Acho que ele se
parecerá mais com você – ela
abriu um lindo
sorriso me encantando.

1535
- Tudo bem, não me importo que
ele se pareça comigo, é até mais
do que justo, já que sou eu
que vou engordar e carregar o
peso dele durante nove meses.
Essas coisas – minha alegria não
tinha
tamanho. Levantei um pouco
meu corpo, pois estava sentado
ao lado da cama dela e beijei
seus
lábios. Cathy retribuiu, passando
a mão pelo meu pescoço.
- Ah, que bom! Vejo que não
precisamos mais nos preocupar.
Cathy está mais do que bem –
ouvi a voz de Kendel e me
afastei de Cathy sem vontade.
1536
Nossos amigos estavam lá. Mia,
Henry, Kendel, Dyo e Maurício.
Faltava apenas Sam e essa
era a minha única tristeza. Pela
forma como Cathy olhava os
recém chegados percebi que
pensava a
mesma coisa. Tratei de animar o
ambiente.
- Vocês estão atrapalhando meu
momento íntimo com a minha
família – observei Kendel e Dyo
sorrirem, sem perceber do que
eu falava, mas Mia captou o que
eu dizia e seus olhos se abriram
assim como sua boa que foi
coberta pelas suas mãos.

1537
- Meu Deus! Você... – cambaleou
até a cama em que Cathy estava.
– Vocês... Mas... – lágrimas
caíam dos seus olhos já
inchados pelo choro da tragédia
antes vivenciada. – Como?
- Sua mãe nunca te explicou de
onde vêm os bebês? –Brinquei e
todos entenderam do que
estávamos falando. Cathy sorria,
sem muito entusiasmo, com
certeza abalada ainda por causa
de Sam.
- Quando vocês souberam? Por
que não me disseram nada? Eu
sou a tia, aliás, eu sou a
madrinha. Cathy nem se atreva a
não me convidar para ser a
1538
madrinha, eu não vou te
perdoar... –
Cathy revirou os olhos de
maneira teatral.
- E quem mais seria? Nem
precisei pensar - Mia se jogou
nos braços de Cathy fazendo-a
gemer.
- Ai meu Deus! Eu te machuquei?
Você está bem? – Ela parecia
desorientada com tantas
emoções.
Logo em seguida uma enfermeira
entrou no quarto avisando que
deveríamos nos preparar para
ir embora. Cathy tomou um
banho rápido, apenas para tirar

1539
do corpo o tanto de pó e cinzas
que ainda
cobriam algumas partes. Eu
apenas lavei os braços e o rosto,
mas desejei ardentemente uma
banheira
com água morna e de
preferência com a mulher de
minha vida me acompanhando.
Olhei para a minha
imagem no espelho do banheiro
do hospital e apenas me senti
feliz.
Completo, outra vez.
Capítulo 35
Conto De Fadas
VISÃO DE CATHY

1540
Não vi o que tinha atingido
Roger, nem o que aconteceu
depois. Apenas agradeci por não
estar
mais naquele inferno. Também
não sabia onde estava, pois
parecia apenas que adormeci.
Um sono
sem sonhos, também sem dor ou
tristezas. Quando despertei não
tive coragem de abrir os olhos,
pois
tudo o que aconteceu antes de
desmaiar voltou a minha mente,
me torturando. Mas era preciso
acordar e encarar o que sobrou
de minha vida. Não foi fácil.

1541
Entender toda a história absurda
e digna de um roteiro de filme
ainda era uma missão quase
impossível, mas meu coração
sabia que era verdade. Foi fácil
reconhecer o amor de Thomas
por
mim, apenas ao olhar para ele. E
o simples fato dele ter subido
para me salvar, mesmo sabendo
que o
prédio era uma sentença certa de
morte, foi o suficiente para
eliminar todas as minhas
dúvidas.
Descobrir a minha gravidez foi
outra experiência surreal. Não
que eu não estivesse feliz, mas
1542
também me sentia confusa e
sofrida, bombardeada por um
milhão de informações e
situações
dolorosas, como a provável
morte da Sam, que corroía meu
coração com tamanha
intensidade que me
impedia de respirar. A felicidade
pela gravidez teve que esperar
um pouco enquanto eu pranteava
a
minha amada madrasta.
Não posso negar que sofri pela
morte do Roger. Era impossível
não sofrer. Eu nem tive tempo
de odiá-lo, nem de acusá-lo
pelas coisas absurdas que havia
1543
feito, então, só conseguia sentir
pela
perda de um amigo.
A mudança drástica da minha
rotina me assustou um pouco,
me deixando perdida. As
empresas
tinham sofrido um gigantesco
baque com o atentado às torres
gêmeas, assim como a maioria
das
empresas norte-americanas e em
pouco tempo reduzimos em
muito nossas atividades. Eu, é
claro, me
afastei de tudo, devolvendo a
responsabilidade ao Peter, que

1544
aceitou reassumir seu cargo e
sua parte
da herança. Fiquei apenas com
as lembranças, as histórias e os
sentimentos.
Também não voltei a trabalhar
com Thomas. Eu realmente
precisava de um tempo para
digerir
tudo o que havia acontecido.
Nem voltamos a morar juntos,
porém decidimos nos casar o
mais rápido
possível.
Thomas estava impossível com a
ideia de ser pai. Confesso que
adorei a forma como ele

1545
assumia a situação. Tão forte,
carinhoso, atencioso e
cuidadoso, aliás, cuidadoso até
demais. Mia
completava o quadro com seus
ataques de super-madrinha que
queria fazer tudo de todas as
formas e
ao mesmo tempo.
Algumas vezes eu precisava me
trancar no banheiro para ter meu
momento de paz e nestas
horas sentia a falta que Sam
fazia e lamentava o fato dela não
estar presente em um momento
tão
sublime que é a chegada de um
filho, o neto dela.
1546
Só conseguimos voltar para Los
Angeles quatro semanas após os
atentados. Fiquei feliz por
estar de volta. Los Angeles tinha
um significado especial para mim
e para a minha história com
Thomas. No entanto decidi voltar
para meu antigo apartamento, na
3rd Street Promenade, em Santa
Mônica, ao menos até o
casamento.
Mia adorou, mas Thomas
detestou.
Porém eu estava decidida e
ninguém contestou a minha
decisão. Voltei para meu antigo
quarto,

1547
minha antiga cama de solteira,
que conseguiu abrigar a mim e a
Thomas em várias noites, e senti
que
aos poucos minha vida voltava
aos eixos, apesar da ameaça
constante que era o sumiço da
Lauren.
É claro que tivemos que anunciar
a gravidez, mas o casamento
fizemos questão de manter em
segredo, para que fosse algo só
nosso, restrito apenas aos que
amávamos que, com certeza,
estariam
presentes de corpo ou de alma.
Mia e Melissa, a mãe de
Thomas, se encarregaram de
1548
tudo. E no dia eu apenas precisei
me
arrumar.
O vestido que escolhi era o mais
adequado para a forma como me
sentia. Era branco neve,
tomara-que-caia, com uma longa
saia bufante, repleta de
camadas, no perfeito estilo “E o
vento
levou,” exatamente como eu
queria.
Prendi a parte da frente dos
meus cabelos, deixando uma
franja um pouco desfiada jogada
de

1549
lado. O restante deixei solto, com
cachos caídos pelas costas. A
maquiagem foi por conta de Mia,
que fez um trabalho
deslumbrante. Após todos os
detalhes, fomos juntas no carro
em direção à igreja.
No meio do caminho meu celular
tocou. Mia estava com ele, mas
passou para mim assim que
identificou quem era. Thomas,
pela milésima vez ao dia.
- Fala amor!
- Onde você está? – Estava
apreensivo, desde a hora em que
acordou. Eu não deixei que
dormisse comigo e isso o
incomodou.
1550
- Indo ao seu encontro – ampliei
o meu sorriso radiante.
- Cathy, você está atrasada! Eu
estou nervoso! – Ouvi Melissa
dizendo algo do outro lado e
deduzi que ela pedia para ele se
acalmar. – Os seguranças estão
com você? – Claro que estavam.
Thomas não permitia que eu
desse um passo sem eles por
perto, mais um problema deixado
pela
Lauren.
- Estão, Thomas! Está tudo bem,
eu já estou no caminho da igreja
e você não tem motivos para
estar nervoso. Não há nada em
um casamento que não
1551
tenhamos vivido. Já enfrentamos
até mesmo a
separação, agora nos resta
apenas a felicidade – ele deu
risada relaxando um pouco.
- Nem tudo. Nosso filho ainda
não nasceu, então vamos passar
pela experiência de sermos
pais – instintivamente passei a
mão pela barriga que continuava
reta. – Por falar nisso, você está
bem? Sentiu enjoo hoje? Tomou
suas vitaminas? Ah não, eu
tenho certeza que esqueceu, eu
sabia que
deveria ter ficado com você esta
noite – Thomas tagarelava

1552
nervoso enquanto eu ria da sua
confusão.
- Thomas! Calma! – Eu disse
ainda rindo. – Acordei ótima!
Nada de enjoo e tomei todas as
vitaminas – olhei para Mia que ria
da minha conversa.
- Ok! Vou te aguardar então.
Falta muito ainda?
- Não!
- Cathy? Você não está usando
saltos altos, não é? – Mordi meu
lábio inferior.
- Estou.
- Cathy! – Esbravejou. – Não
acredito que Mia não te impediu.
Eu falei com ela...

1553
- Thomas é o meu casamento.
Meu vestido está fantástico, não
poderia estragá-lo com
sandálias baixas. Você sabe o
quanto eu adoro saltos.
- É pelo bebê, Cathy. É
arriscado.
- Não é não. Você ouviu o que a
médica disse. Eu só preciso de
cuidado para não cair, no
mais tá liberado.
- Você é impossível! E se você
cair?
- Não vou cair.
- Como pode saber?
- Você vai estar ao meu lado.

1554
- Tudo bem! – Suspirou
resignado. – Não tem outro jeito
mesmo. Estou te esperando.
- Eu te amo! – Respondi
emocionada.
A gravidez, a perda da Sam e o
casamento estavam acabando
com minha capacidade de conter
meus sentimentos. Se eu já era
uma chorona antes disso tudo,
imagine como fiquei.
- Eu também.
Assim que paramos na porta da
igreja, meu coração disparou.
Era o momento. Dentro do carro
eu olhava para a porta e sentia
finalmente entraria no lugar que

1555
sempre sonhei, que sempre
desejei.
Eu estava entrando em meu
conto de fadas.
Desci com cuidado e aguardei
enquanto Mia arrumava meu
vestido. Ouvi a música que
escolhi
anunciar a na minha chegada e
subi cada degrau feliz e decidida
a continuar. Não havia nenhum
resquício de dúvida em mim.
A igreja era pequena e estava
lotada com os nossos amigos e
parentes, os de Thomas pelo
menos, mas a primeira pessoa
que vi, parado ao fundo, com os

1556
olhos tão marejados quanto os
meus,
com o sorriso mais sincero que já
vi em alguém, e com certeza com
o coração enlouquecido quanto o
meu, foi Thomas.
Lindo! Perfeito e majestoso em
seu traje. De forma alguma ele
fugia do protótipo do príncipe
encantado, e naquele momento
era exatamente o que ele era.
Enquanto ele me observava,
levantei um pouco a barra do
meu vestido, arrastando no chão,
e
mostrei a ele meus pés
descalços. Thomas riu e

1557
balançou a cabeça, como um pai
reconhecendo a
traquinagem de um filho. Depois
colocou as duas mãos para trás
e estufou o peito, sinalizando que
aguardava por mim.
Andei vagarosamente pelo
pequeno corredor. Olhei nos
olhos de todos os meus amigos.
Stella
e Daphne compareceram
especialmente para a ocasião.
Elas estavam morando longe,
mas fizeram
questão de estar presentes, e me
olhavam com tanto amor e
carinho que não tive como não
retribuir.
1558
Eu amava as minhas amigas.
Mais adiante estavam Dyo,
Maurício, Henry, Raffaello e
Kendel, que piscou fingindo me
paquerar no momento em que
passei por ele. Revirei meus
olhos, divertida.
Havia outras pessoas, mas eu
podia sentir com muita clareza a
presença de meu pai e Sam e
sabia que eles estavam muito
felizes por mim. Também senti a
presença de Anna, Eu a
perdoara
completamente, era fácil voltar a
sentir amor pela minha amiga e
espera sinceramente que ela

1559
estivesse bem, aonde quer que
estivesse.
Os irmãos de Thomas, Calvin e
Randy, pareciam entediados e
estavam dando um jeito, todo
deles, de tornar as coisas mais
interessantes. A frente estavam
Michael, o pai de Thomas, junto
com
Melissa, muito emocionada, e
próximo a eles estavam Tony, o
padrasto do meu futuro marido. E
Thomas.
Respirei fundo e sorri. Pensei em
como era possível haver pessoas
que não acreditavam em
contos de fadas? Como podiam
não acreditar na existência de
1560
um príncipe encantado, que
chegaria
em seu cavalo branco e que
venceria o dragão para salvar a
princesa da torre?
Thomas tinha me salvado, não
apenas da torre, mas da minha
própria vida, do vazio de uma
existência sem amor. Com ele eu
me sentia forte, completa, feliz
sem restrições. Com ele eu podia
ser verdadeiramente Cathy e eu
sabia que comigo ele podia ser
apenas o meu Thomas.
Pois bem, eu sou a prova viva de
que contos de fadas existem, ou
alguém poderia dizer que eu

1561
não estava vivendo o meu
próprio conto de fadas?
Toda história, por mais triste, ou
mais feliz que seja, necessita que
suas páginas sejam viradas.
Eu estava virando mais uma
página da minha vida. Sabia que
à frente havia outras em branco,
aguardando para que eu
continuasse a escrever a minha
história. Cabia a mim escolher a
forma de
escrevê-la.
Eu escolhi começá-la contando
que então o príncipe subiu a torre
e enfrentou o dragão para
salvar a sua linda princesa, e
eles viveram felizes para sempre.
1562
AGRADECIMENTO
É muito bom saber que eu posso
agradecer a várias pessoas pelo
apoio que tive para escrever
este livro. Agradeço a Sandra,
Thaisa, Tarsila, Igor e Ivan, meus
irmãos, pela força e ansiedade
que
me motivava a continuar
escrevendo.
Ao meu irmão Igor e minha irmã
Thaisa, pela imensa capacidade
profissional que sempre
acrescenta na finalização da obra
tornando-a mais atrativa.
A minha mãe, Maria das Graças,
fã incondicional dos personagens
e melhor crítica que já
1563
pude ter.
Ao meu marido, Adriano, pelo
carinho e perseverança que me
ajuda a não desistir nunca.
A meu amigo Mário Bastos,
maior incentivador que uma
escritora pode ter, me fazendo
sempre acreditar que pode ser
possível.
As minhas amigas da velha
guarda, Tatiana Mendonça,
Marla Costa, Sueli Coelho,
Adriana
Gardênia e Renata Pereira que
nunca deixaram de estar na
arquibancada torcendo para que
tudo
acabe bem.
1564
As Amigas da nova guarda,
Aliciene, Roberta, Tatiana
Cabral, Allane Mágila, Kelli,
Márcia e
todas as outras que transformam
meu dia em luz, paz e amor.
A Vitor Hugo Ribeiro e Fernanda
Terra, amigos escritores que me
deram a mão e me
fortaleceram nesta caminhada.
A Mariza Miranda, amiga,
companheira e revisora, que
transforma tudo o que escrevo
em
amor.
As minhas pequenas vidas,
Diogo, Daniel, Bia e Ben, que me
fortalecem a cada dia trazendo a
1565
certeza de que a vitória é
possível. Amo todos vocês.
Obrigada!__

1566

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