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Juliana Dantas
Copyright © 2018 por Juliana Dantas
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia,
gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito
do autor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros
usos não comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.
Annalise
Sumário
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
“A vítima está sempre alheia ao mal”.
Friedrich Nietzsche
Prólogo
Foi a sombra de uma garota encolhida dentro do carro na estrada escura que fez o guarda
parar a viatura.
Com a lanterna ligada, ele caminha até o veículo e ilumina o interior.
A garota não está desacordada. Através dos longos cabelos e do casaco, seu corpo treme.
Ele bate no vidro, mas a moça não reage. Intrigado, o guarda abre a porta sem dificuldade
e a toca.
– Ei, moça, algum problema...? – Estende a mão e a move. E então ele vê.
Há sangue em suas roupas. Hematomas no seu rosto.
Lágrimas amargas em seu rosto abatido.
– Ei, moça... O que aconteceu? Quem a machucou...?
O choro silencioso é sua única resposta.
O guarda fica alerta e volta a viatura, chamando a emergência e um reforço policial.
Quem quer que seja que tenha cometido aquela violência contra a garota pode continuar
por perto.
– Provável vítima de espancamento. – Avisa, antes de desligar e voltar à moça.
Ela está ainda mais encolhida e os soluços cortam o ar.
– Está tudo bem – a conforta, mortificado – A emergência já está a caminho. Está segura
agora. Se puder me dizer o que aconteceu...
Ela sacode a cabeça negativamente.
– Quem fez isto com você? – Insiste.
Ela levanta os olhos. Inchados. Vermelhos.
Sangue.
Seus lábios tremem.
– Meu namorado.
Capítulo um
– Você está bem? O que aconteceu? A enfermeira disse que caiu... – minha mãe abre o
portão pra mim toda preocupada.
– Não foi nada, só caí na aula de lacrosse e machuquei o joelho.
– Só isso? E por que pediu pra sair?
– Estava meio tonta...
– Então pode ter sido sério, sim! E como veio pra casa? Eu podia ter ido buscá-la.
– Um colega me deu carona.
– Será que não é melhor irmos a um médico?
– Não, mãe, sério! Estou bem. Vou só entrar e me deitar um pouco, ok?
– Tudo bem. Me chama se precisar de alguma coisa!
– Pode deixar!
Eu subo pro meu quarto e me atiro na cama, olhando o teto.
E penso em Daniel.
Penso em suas mãos em mim. Eu seus lábios soprando meu joelho.
Fecho os olhos e respiro fundo.
Preciso parar imediatamente com aquilo. Estou delirando já.
Então me levanto e me troco, disposta a parar de pensar em Daniel Beaumont.
Mas, enquanto eu leio o livro para nosso trabalho de literatura, é impossível não pensar
nele de novo e em como é que eu vou conseguir me comportar normalmente tendo que fazer um
trabalho com ele.
– Ei, Anna.
Levanto o olhar do livro e me deparo com Tyler Davis.
A tarde finda na beira da piscina e eu sorrio, colocando o livro de lado.
– Oi, Tyler.
Tyler Davis é meu amigo de infância, que estava morando em Seattle há alguns meses
com sua irmã Maria, que fazia faculdade na cidade.
E eu tinha grande influência sobre isto, afinal, eu o ajudei a conseguir uma bolsa num
colégio bem melhor que o que ele estudava em Olímpia. E toda semana ele ia na minha casa para
ajudar minha mãe em alguns serviços e ganhar um dinheiro extra, como limpar a piscina, o que
ele ia fazer agora.
– Por que está lendo em vez de estar de biquíni aproveitando a piscina?
– Você me conhece bem, não é Tyler? Acha mesmo que eu estaria feliz torrando na beira
da piscina?
– E como foi o primeiro dia de aula?
– Bom... – de novo minha mente se volta para Daniel.
Queria poder falar dele pra Tyler, mas me calo.
– E sabe como é, já tenho trabalho – mostro o livro.
– Anna, telefone pra você – escuto minha mãe gritar e me levanto. – Melhor eu ir.
– Sim e eu tenho trabalho a fazer também.
Minha mãe está ocupada fazendo um arranjo de flores sobre a mesa, um de seus hobbies,
e aponta o telefone.
– É a sua amiga Jena.
– Oi, Jena.
– Me conta tudo! Verdade que Daniel Beaumont te levou pra casa?
– Sim, mas foi só uma carona, Jena.
– De Daniel Beaumont? E ele nem precisava ter ido! Ele está interessado em você.
– Duvido, isto é ridículo.
– Eu não acho! Ficou todo mundo comentando depois que vocês foram para a enfermaria.
– Ah, que ótimo, era tudo o que eu queria!
– Não seja chata! Devo dizer que vocês são a fofoca da vez!
– Não está rolando nada.
– Ainda!
– Jena, preciso desligar.
– Achei que a gente podia se encontrar hoje e aí você me contava...
– Não tem nada pra contar e eu não posso sair hoje.
– Por que não?
– Tenho um compromisso com minha mãe e Tom...
– Tudo bem, então. Mas amanhã você não escapa.
Minha mãe me encara, confusa quando desligo.
– Achei que não queria ir neste jantar do clube.
– Eu não queria mesmo, mas... – agora eu preciso urgentemente de alguma distração para
não ficar com a mente ociosa pensando em uma certa pessoa.
Minha mãe sorri.
– Que ótimo que vai com a gente! Tom ficará feliz.
– Ah, claro – disfarço uma careta enquanto me afasto para o quarto.
Eu realmente havia falado sério sobre aquele jantar maçante. Eu não queria ir.
Haveria muitos fotógrafos chatos loucos para tirar uma foto de Tom Miller, o novo
queridinho dos esportes e de quem estivesse por perto.
E eu odiava aquele tipo de atenção.
Agora não tinha alternativa, eu dissera a minha mãe que ia e teria que ir.
Pelo menos estaria ocupada a noite inteira. Nada de Daniel Beaumont na minha mente.
**************
Como imaginara, o jantar estava muito enfadonho e eu só comecei a me sentir aliviada
quando Tom subiu ao palco para fazer um discurso. Isto significava que em breve poderíamos ir
embora.
– Mãe, vou ao banheiro antes de a gente ir – sussurro no ouvido de Stella e me levanto,
quando olho para trás eu vejo alguém conhecido: Violet Beaumont.
Ela estava de pé no fim do salão, lindamente trajada com um vestido preto justo e longo e
olhava fixamente para o palco, como as outras pessoas.
Eu realmente não esperava encontrar alguém como Violet ali, embora tivesse muita gente
rica e importante naquele jantar e, sinceramente, não tenho a menor vontade de falar com ela e já
estou me afastando em direção ao banheiro, quando vejo outra pessoa conhecida se aproximar e
colocar a mão em seu ombro: Daniel.
Ele sussurra algo no ouvido de Violet e ela se vira pra ele e sussurra algo em seu ouvido
também. Naquele momento Daniel levanta o olhar e me vê.
Meu primeiro impulso é me afastar, mas meus pés se negam a se mexer, como se chumbo
os prendesse ao chão. Violet também se vira e me vê.
Finalmente eu consigo me mover e quase corro para o banheiro, ao mesmo tempo em que
escuto os aplausos indicando que o discurso de Tom terminou.
O que Daniel e Violet estavam fazendo ali? Era irônico que eu o encontrasse, quando
estava ali pra não pensar nele. E ele me vira.
Será que quando eu saísse do banheiro, ele ainda estaria ali? Será que eu devia falar com
ele?
Quando eu saio do banheiro e volto ao salão, não há sinal de Daniel ou de Violet em
lugar algum. E eu chego a duvidar se eu realmente os vi ou se imaginei.
***************
– Bom dia, mãe – eu sorrio ao descer na manhã seguinte e ver Stella já acordada. – Que
milagre é este? Caiu da cama?
– Não seja engraçadinha. Hoje eu tenho yoga.
– Ah, claro. – Eu sirvo café quando o telefone toca e com um bocejo, Stella se levanta
para atender.
– Alô? Alô... Alô.
Ela dá de ombros e desliga.
– Que esquisito, ninguém falou nada.
– Vai ver era engano. – Escuto a buzina lá fora e pego meu material, me apressando para
encontrar uma Jena quicando de curiosidade.
– E aí?
– E aí o quê?
– Você sabe o que quero saber, sobre Daniel Beaumont.
– Já te falei que não tem nada demais pra contar.
– Mas...
– Sem mas. Ele foi legal me dando uma carona só isto.
Eu sei que Jena quer insistir, então eu ligo o rádio e aumento o volume e apenas vejo-a
bufando de contrariedade até chegar à escola.
E quando saímos do carro, eu me apresso a ir pra aula, sem nem mesmo olhar para os
lados.
Joshua está na minha aula de biologia e senta ao meu lado, de novo com a mesma
conversa sobre irmos ao cinema e eu acabo concordando, apenas para ele me deixar em paz.
E na hora do intervalo, Jena senta na minha frente me perguntando incrédula se eu aceitei
mesmo sair com Joshua.
– Não é um encontro, ele não te chamou também?
– Sim, algo do tipo “eu ia te chamar pra ir ao cinema comigo e com a Anna, você não tem
que ir se não quiser”. Claro que ele quer ir sozinho com você.
– Mas você vai com a gente, não é?
– Sinceramente? Não! Não vou ficar segurando vela pra você e o Joshua; Seria esquisito.
– Não é um encontro, quantas vezes tenho que dizer e...
Eu paro de falar ao ver os Beaumont entrando no refeitório.
Charlotte com seu namorado Owen, Violet, Elton e, claro, Daniel Beaumont.
Ele parece ainda mais lindo esta manhã, se é que isto é possível e seus olhos dourados
varrem o refeitório e param em mim.
Eu desvio meu rosto vermelho e Jena está rindo maliciosamente.
– E o Daniel? – Jena pergunta quando eles saem da nossa vista se sentando numa mesa
afastada. – Achei que ia sair com ele.
Eu respiro fundo.
– Nem vou responder.
– Tudo bem então. Saia com o Joshua se é isto que quer...
Eu quero argumentar de novo que não tenho o menor interesse em Joshua, mas deixo pra
lá.
Jena começa a falar sobre outra fofoca e esquece o assunto.
E eu me pergunto se Daniel vai voltar a falar comigo. Se podemos nos classificar como
amigos agora. Ou nem isto?
Jena dissera que ele estava interessado em mim, obviamente era um delírio dela.
Mas eu não posso negar a mim mesma que estou um pouco decepcionada por ele nem ter
me dito um oi pelo menos.
Naquela noite eu saio com Joshua, não sem antes implorar a Jena no telefone que fosse
conosco, como ela não concorda mesmo assim, eu me vejo sentada no carro de Joshua no fim da
noite, depois de ver um filme bobo de comédia me perguntando que diabos estou fazendo ali.
– E aí, o filme foi legal, não achou? – Ele pergunta, enquanto toca uma música romântica
no rádio.
– Sim, eu gostei.
O assunto acaba aí.
Se ele me beijasse? Se eu fosse para o banco de trás com ele, será que seria bom?
Eu sinto um arrepio de asco só de pensar nesta possibilidade e nem sei porque cogito isto.
Talvez pelas críticas de Jena de que eu devia estar me divertindo em vez de ser tão careta.
Eu não quero me divertir com Joshua Nelson, quero?
E se fosse com Daniel Beaumont?
E lá estava ele de novo em meus pensamentos.
– Joshua, eu preciso entrar, já está tarde e amanhã temos aula cedo.
– A gente pode sair de novo?
– Claro. Quem sabe a Jena possa ir junto da próxima vez. – Respondo com um sorriso
forçado e saio do carro antes que ele tente um beijo de boa noite, ou algo assim.
E estou entrando em casa tentando não fazer barulho, quando escuto o telefone tocando e
me apresso a atender.
– Alô? – Ninguém diz nada. – Alô?
Apenas uma respiração.
Eu desligo me perguntando se é a mesma pessoa que ligou de manhã.
Por que não diz nada? Será que a linha está com problema?
Subo para meu quarto rapidamente e me troco para dormir. Ao fechar a janela, vejo um
carro parado em frente a casa.
Será que ainda é Joshua? Está escuro e não consigo ver que carro é, seja quem for, dá
partida e desaparece na noite escura em seguida.
E, antes de dormir, eu me pergunto se devo dar uma chance a Joshua. Talvez ele seja um
cara legal. E pelo menos está a fim de mim, ao contrário de Daniel Beaumont. Suspiro, irritada
comigo mesma e fecho os olhos com força.
E quando durmo, sonho com Daniel Beaumont.
E acordo pior que antes. Mas, mais do que nunca, disposta a acabar de vez com aquela
obsessão ridícula.
O fato de eu estar obcecada por um cara que não tinha nada a ver comigo só queria dizer
que Jena tinha razão. Eu preciso sair mais. Me divertir mais. Fazer coisas que uma garota da
minha idade faz.
E deixar sonhos impossíveis pra lá.
***************
Acordo com um raio de sol entrando através das cortinas e sorrio, pulando da cama
entusiasmada.
Encaro meus olhos no espelho. E penso em Daniel Beaumont. Toco meus lábios por um
momento, me lembrando de como os deles se encaixaram ali. E me pergunto se eu os sentirei de
novo. Apenas a imaginação já deixa meu rosto, naturalmente pálido, corado com o calor.
– Anna, já acordou? – escuto minha mãe batendo a porta e volto à realidade.
– Sim, vou tomar um banho e já desço.
– Não demora, está em cima da hora.
– Pode deixar.
Eu entro correndo no chuveiro e tento, sem muito sucesso, tirar Daniel dos meus
pensamentos.
Não posso deixar que ele vire uma obsessão. É ridículo.
Enquanto desço as escadas, já totalmente arrumada, dou uma olhada no meu horário de
hoje e estremeço.
Hoje tem literatura.
– Inferno – resmungo pra mim mesma e escuto uma risada.
Tom está passando, subindo as escadas.
– Com problemas?
– Não, nada... Cadê a mamãe?
– Ela não me parece de bom humor hoje.
Eu franzo a testa. Stella de mau humor? Isto era uma novidade.
Eu a encontro na cozinha e realmente ela parece meio tensa.
– O que foi, mãe?
Ela dá de ombros, enquanto coloca um prato de cereal na minha frente.
– Nada, coma rápido, Jena já deve estar passando.
– Não, está acontecendo alguma coisa, você está estranha.
Ela para e respira fundo.
– São estes malditos telefonemas.
– Telefonemas?
– Sim, ficam ligando e não falam nada... Mas sei que tem alguém na linha! Isto é tão
irritante.
– Por que não manda colocar um identificador de chamadas? Assim pode ligar de volta e
ver quem é que está fazendo isto. Pode ser algum fã sem noção do Tom, vai saber.
– Sim, tem razão – ela sorri, menos tensa agora. – Por que não pensei nisto antes?
– Sabe que quem pensa em coisas práticas aqui sou eu!
Ela ri, concordando, e escuto a buzina de Jena na porta.
– Tchau, mãe!
Para minha sorte, Jena não fazia ideia de que eu tinha ido à casa de Daniel na noite
passada, então se limita a tagarelar sobre outros assuntos.
Há uma parte de mim que tem vontade de contar o que aconteceu, de me abrir com
alguém. Certamente eu tenho a noção de que se decidir mesmo contar pra alguém, este alguém
não pode ser Jena e sua boca grande.
E ao chegar ao colégio estou com as mãos suando de nervoso. Pelo simples fato de que
em pouco tempo estarei numa sala de aula com Daniel Beaumont.
Talvez eu deva inventar alguma súbita doença... Pedir para ir embora, ou cabular a aula
de literatura quem sabe.
Mas eu sei que não posso fazer nada disto. Não tem como evitar Daniel pra sempre.
E qual o problema, afinal?
Nós tínhamos nos beijado, e daí? Não era o fim do mundo. Ou o começo de algo...
E aí está um dos meus problemas. Eu não faço ideia do que se passa na cabeça de Daniel.
Do que a noite passada significou. Se é que significou alguma coisa.
Será que devo pedir para conversarmos sobre o assunto? Ou devo ignorar?
Enquanto caminho para a sala de aula como se estivesse indo para a forca, decido pela
segundo opção.
Vou fingir que nada aconteceu.
No final das contas é bem provável que Daniel também faça o mesmo.
Caminho até minha carteira olhando para baixo e, para meu alívio, ele ainda não havia
chegado.
Talvez falte. E enquanto os minutos passam e a sala vai enchendo, me vejo ansiando para
que ele não apareça. E desejando que apareça.
Eu era um poço de contradições pronto pra explodir. Isto não era nada, nada bom.
– Bom dia, senhor Beaumont, que bom que decidiu se juntar a nós.
Eu levanto o olhar quando escuto a voz do professor e lá está ele.
A razão do meu tormento.
Seus olhos varrem a sala e param em mim, e um sorriso de lado se forma em seus lábios
perfeitos.
Lábios que eu beijei.
Que quero beijar de novo. Muito.
Mexo meu corpo ansioso na cadeira e desvio meu rosto vermelho para algum ponto além
dele.
Daniel se senta ao meu lado. É incrível como a simples presença dele perto de mim tem
poder de me afetar tanto. Eu mal consigo respirar direito.
– Oi, Anna.
Sua voz baixa e rouca chega aos meus ouvidos, me causando arrepios por dentro.
– Oi – sussurro, sem encará-lo.
O professor começa a falar e eu foco a atenção nele.
– Espero que todos estejam preparando seu trabalho, não estão?
Alguns murmúrios de “sim, claro” ressoam pela sala.
– Certo, vou acreditar em vocês. Então hoje eu passarei alguns conceitos na lousa para
que façam um trabalho também em dupla e podem usar a mesma dupla do trabalho anterior.
E antes que eu sequer pense no que isto significa, escuto a carteira de Daniel se mover em
direção a minha e num segundo estamos tão próximos que seu ombro quase encosta no meu.
Seus olhos risonhos fitam os meus, assustados, enquanto escuto o barulho das cadeiras se
movendo pela sala.
À frente o senhor Lewis começa a escrever freneticamente.
Eu desvio os olhos de Daniel e abro meu caderno, começando a copiar, embora não tenha
a menor noção do que estou fazendo.
– Está tudo bem? – Daniel pergunta baixinho e eu dou de ombros.
– Claro - relanceio os olhos pra ele e sorrio amarelo, logo voltando a atenção ao meu
caderno.
O escuto fazendo o mesmo.
Então é isto. Nada sobre ontem à noite.
Como eu imaginara ia ser esquecido. E pronto.
Agora éramos apenas colegas de classe fazendo um trabalho juntos e...
Dou um pulo de susto na cadeira ao sentir uma mão sobre minha coxa.
As pessoas ao redor me encaram curiosas.
O Senhor Lewis olha pra mim.
– Algum problema, Senhorita Nicholls?
Eu estou com o rosto queimando. Meu coração está disparado.
A mão continua na minha coxa.
E Daniel escreve no seu caderno como se nada tivesse acontecendo.
– S...Sim. – gaguejo e, quando a atenção de todo mundo se desvia de mim, eu olho pra
Daniel.
– O que pensa que está fazendo? – consigo perguntar.
Ele sorri, ainda olhando pra suas anotações.
– Shi... Vai atrapalhar a aula de novo.
E sua mão acaricia minha pele.
E por Deus, aquilo estava me excitando. Demais.
Na sala de aula.
Eu respiro rapidamente várias vezes, minha mente dando giros em direções contrárias.
Me afastar e tirar a mão dele de mim era o que eu deveria fazer. Porém meu corpo traidor
pensa diferente.
Meu corpo está adorando a mão se imiscuindo por baixo da minha saia xadrez, subindo
numa leve carícia e tudo o que eu desejo é que ele não pare.
Então escuto uma risadinha vinda de algum lugar. Sei que não tem nada a ver comigo ou
com o que Daniel está fazendo, mas serve para me fazer voltar à realidade e com um safanão,
empurro sua mão para longe de mim e me levanto.
– Senhor Lewis, posso ir à enfermaria?
Ele me encara preocupado.
– Não se sente bem?
– Anna – escuto Daniel me chamando e o ignoro.
– Não, por favor.
– Claro – o senhor Lewis responde e eu saio quase correndo da sala.
Não vou para a enfermaria e sim para o banheiro feminino, e sentando sobre um vaso,
escondo a cabeça entre as mãos.
Certo. Eu estava fugindo, mas, quem se importa?
Eu estava completamente louca por deixar Daniel me tocar daquele jeito numa sala cheia
de gente!
E por que diabos ele tinha feito aquilo?
Isto queria dizer que a noite de ontem não fora um mero acaso?
Eu não saberia dizer.
Me sinto completamente perdida.
Não sei quanto tempo permaneço ali até me acalmar e poder sair.
– Ei, Anna. – Jena me chama no corredor e me entrega meu material. – Você está bem?
Porque Daniel Beaumont me trouxe seu material perguntando se eu sabia onde estava, já que
deveria estar na enfermaria, onde ele foi te procurar, mas não te encontrou.
– Ah, nada demais. Eu não me senti bem, e realmente pedi para ir à enfermaria, mas fui
pro banheiro, lavei o rosto e me senti melhor.
– Sério?
– Sério, agora vamos logo, não quero me atrasar para a próxima aula.
– Está animada para aula de Educação Física, é?
Eu gemo ao me lembrar.
Meu joelho ainda guardava as marcas da famigerada última aula de educação física.
Me lembrar do tombo e do que aconteceu depois, só faz meu rosto ficar vermelho e me
pergunto se verei Daniel nesta aula também. Ou qualquer uma de suas irmãs estranhas e que
parecem me odiar sem motivo algum.
– Eu acho que Violet e Charlotte Beaumont me odeiam – comento com Jena quando
saímos do vestiário.
– Por que pensa isto?
Dou de ombros, não querendo explicar toda a situação com Daniel.
Como eu posso explicar o que nem eu entendo?
– Sei lá... É só uma impressão.
– Espero que seja impressão mesmo, qualquer um nesta escola deseja ser amigo dos
Beaumont e não inimigos.
– Inimigos é uma palavra muito forte, Jena - eu rio.
Enquanto nos aquecemos para a aula, juntamente com as Beaumont em questão, eu sinto
claramente uma hostilidade latente em minha direção, porém não ouso olhar na direção delas.
Os garotos Beaumont estão do outro lado do campo, entretidos em sua própria aula e eu
me esforço para me manter em pé, sem comer grama e passar vergonha de novo.
E naquele dia não há tombos, ou salvamentos seguidos de sopros inconvenientes no
joelho.
É um alívio voltar pra casa depois de tanta tensão. Realmente não estava sendo nada fácil
fugir da presença de Daniel Beaumont.
Depois da aula de Educação física, eu inventei uma desculpa e fiquei todo o intervalo na
biblioteca, lendo. Na saída, eu passara por entre os carros até chegar a Jena sem levantar o olhar
do chão.
E eu me pergunto até quando terei que agir assim?
E se eu estivesse sendo exagerada? O fato de Daniel haver me beijado na cama dele, e
colocado aquelas suas mãos em mim na aula de literatura não era motivo para pirar, ou era?
Imagino o que Jena diria se soubesse. Provavelmente ela diria para eu ir em frente e
deixar Daniel colocar todos seus dedos em mim de novo e muitas vezes.
E eu gostaria disto, não gostaria?
Sim, sim, sim.
Todos meus hormônios subitamente alvoroçados estão gritando tanto que posso quase
ouvi-los em minha cabeça confusa.
No entanto há uma pequena parte de mim que hesita.
Aquela pequena parte sensata que acha muito estranho um cara como Daniel Beaumont
estar interessado em alguém como eu.
– Tom deixou dois ingressos para um jogo hoje à noite. – Stella me tira dos devaneios ao
bater na porta do meu quarto.
Eu levanto o olhar do livro que finjo ler enquanto me debato sobre meus recentes
problemas com Daniel Beaumont.
– Não sei se estou a fim. Você vai?
– Não, terei outro compromisso. Pensei que podia convidar o Tyler pra ir com você.
Eu franzo a testa.
– Tyler?
– Sim, por que não? Você costumava sair muito com ele quando ficava lá em Olímpia,
não era?
– Sim, verdade... – comento, pensativa. Realmente, eu nunca tinha saído com Tyler
depois que ele se mudara para Seattle.
– Ele está aí, por que não vai lá embaixo e vê se ele quer ir?
– Sim, boa ideia.
Pulo da cama e desço as escadas à procura de Tyler. Sair com ele vai me fazer bem. Parar
de pensar em uma certa pessoa vai me fazer bem.
Tyler está terminando de limpar a piscina e sorri ao me ver.
– Olha quem apareceu.
– Oi, tudo bem?
Ele se aproxima e me abraça.
– Está a fim de ver um jogo hoje?
Ele levanta a sobrancelha e eu lhe dou um soco de brincadeira no ombro.
– É sério, quer ir? Podemos sair mais cedo, comer e depois ir ao jogo. Diversão, huh?
– Diversão, claro que sim. – ele olha o relógio. - Já está anoitecendo, e eu vim sem
carro...
– Não tem problema, posso finalmente dirigir um dos carros do Tom, já que você estará
junto.
– Devo ficar com medo?
– Um pouquinho! Vou subir e trocar de roupa e podemos ir, pode ser?
– Ok, eu te espero.
Eu subo correndo e me troco rapidamente e aviso minha mãe, ao passar pela cozinha, que
dirigirei hoje.
– Finalmente, hein?
– Só porque estou com Tyler e me sinto mais segura. Realmente morro de medo de
estragar um dos carros do Tom.
– O carro é seu, Anna!
Eu rolo os olhos e vou ao encontro de Tyler.
– Uau, este é potente - ele comenta ao entrarmos no carro.
– Quer dirigir?
– Não, você precisa perder este seu medo bobo.
– Se eu estragar este carro Tom não achará nada bobo. – eu dou partida e abro os portões,
quando estamos saindo, eu paro, jogando o pé no freio com tudo ao ver um carro parando em
frente à minha casa.
Um sedan preto.
Meu coração vai à boca ao reconhecer Daniel Beaumont dentro dele.
– Visitas? – Tyler pergunta.
Eu mordo os lábios com força, sem saber o que fazer.
Daniel sai do carro e vem em nossa direção.
– Só um minuto, Tyler – saio do carro também e o encaro.
– Daniel... o que faz aqui?
Ele olha de mim para dentro do carro.
– Está saindo? – pergunta por fim.
– Sim, eu...
Escuto a porta do carro se abrir e Tyler se aproxima rapidamente, se postando ao meu
lado.
Os dois se encaram com estranheza.
– Daniel, este é Tyler Davis... – eu respiro fundo. – Tyler, este é Daniel. Ele estuda
comigo.
Por um momento nada acontece, até que Tyler estende a mão e Daniel a segura por um
breve momento. Mas seus olhos estão presos em mim.
Olhos cheios de perguntas.
– Então, Daniel, o que faz aqui? Eu e Tyler estamos saindo... Para ver um jogo.
Ele levanta a mão e vejo um DVD.
– Ontem não terminamos de ver o filme, achei que poderíamos terminar hoje... o que
começamos ontem.
Meu rosto queima ao pensar nas implicações do que ele propõe.
Ver filme? Duvido muito!
E o pior é que eu sinto todo meu corpo se agitando apenas com as possibilidades...
Não! Definitivamente eu não podia fazer aquilo.
– Sinto muito, Daniel, Tyler e eu já temos um compromisso – digo com a voz mais casual
possível.
– Quando então? – seus olhos queimam em mim, inquisidores. Exigentes.
Oh Deus.
Engulo em seco.
Nunca? Mais tarde?
Eu nem sei o que responder.
– Deixe o DVD comigo – acabo dizendo. – Eu posso ver mais tarde. Você já assistiu, não
é?
Sim, eu sou uma covarde. Ou não.
Depende do ponto de vista.
O rosto de Daniel está impassível e eu me pergunto o que ele faria se Tyler não estivesse
ali.
Por fim, ele me entrega o DVD, sem dizer nada.
Eu sinto um certo desapontamento.
– Obrigada.... – digo, algo se debatendo dentro de mim.
A certeza de que eu estava fazendo o certo acabando com aquele flerte sem sentido... A
vontade de voltar atrás...
– Te vejo na escola amanhã – ele diz simplesmente e se afasta, entrando no carro e dando
partida.
Eu respiro uma longa golfada de ar.
– Vamos? – entro no carro e Tyler me segue.
– Então, quem é este? – Tyler pergunta depois de alguns minutos de silêncio, enquanto
dirijo pela via expressa.
– Eu te disse, um colega de escola ...foi na casa dele que você me levou naquele dia.
– Ah... Por um momento ele pareceu... algo mais.
Eu fico vermelha.
– Impressão sua. Somos apenas parceiros neste trabalho, Nem amigos somos. A família
dele é muito estranha na verdade.
Tyler não diz mais nada e eu fico aliviada.
Nós comemos pizza e depois assistimos ao jogo, jogando conversa fora e é como
antigamente.
E consigo esquecer por alguns momentos meus recentes problemas com garotos.
Ou um garoto pra ser mais específica.
Eu tinha esquecido como é sair com um garoto apenas por ele ser seu amigo. Apenas
porque era divertido e pronto.
– E aí, foi divertido? – Pergunto, jogando meu ombro contra o dele ao sairmos no meio
da multidão em direção ao estacionamento.
Tyler ri e segura minha mão.
– Estava com saudade de ficar assim com você, Anna.
Eu o fito com um sorriso.
– Eu também. Temos que fazer isso mais vezes...
E então tudo muda. Na fração de um segundo o mundo vira do avesso quando meu amigo
de infância se inclina e me beija.
Por um momento eu não consigo me mover, tamanha é minha surpresa.
E é Tyler quem termina o beijo, me encarando com uma pergunta muda no olhar.
Eu sinto vontade de chorar.
– Tyler... Não. – consigo dizer por fim.
Ele suspira e me solta.
Nós ficamos em silêncio por um instante.
– Me desculpe, eu... eu pensei. – ele solta um palavrão. - Sinto muito, Anna, eu fui um
idiota.
– Não, foi apenas...
– Apenas achei que este seu convite pra gente sair significava mais da sua parte.
– Você realmente pensou isto? – pergunto, extremamente surpresa que ele pensasse em
mim nestes termos.
– Sim, eu pensei.
Mordo os lábios, tentando organizar meus pensamentos. Tentando um jeito de não o
magoar.
|Não podia deixá-lo pensar que eu podia sentir algo mais por ele além de amizade.
– Tyler, você é meu amigo.
– Eu sei.
– Me desculpe... Mas... Eu gosto de você apenas assim.
– Tudo bem – ele força um sorriso.
– Está tudo bem de verdade? Eu me sinto horrível agora, eu não queria... magoar você.
– Eu vou superar.
Isso não muda o fato de que eu continuo me sentindo horrível.
Ele ri e passa os braços a minha volta, me levando para o carro.
– Ei, deixa disto, Anna, ainda sou eu, o velho Tyler. Nada vai mudar.
Eu o encaro, querendo saber se ele está dizendo a verdade.
E ele fica sério de repente.
– Você é importante demais pra mim para que eu estrague tudo tentando algo que você
não quer.
– Eu sei. – murmuro.
Nós entramos no carro e eu dirijo até a casa dele.
– Podemos marcar de sair mais vezes – ele diz. – Sem beijos roubados, prometo – sorri e
eu o acompanho, deixando a tensão de lado.
– Podemos sim.
–Tem certeza que se sente segura pra dirigir sozinha até sua casa?
– Sim, já estou craque!
– Então boa noite!
– Boa noite, Tyler!
Eu dou partida e ligo o rádio, enquanto entro na via expressa em direção a minha casa.
Penso no que aconteceu naquela noite com Tyler e me pergunto se a gente vai continuar
sendo amigo como antes. Eu realmente não gostaria de me afastar de Tyler. Mas, se ele estivesse
de alguma maneira apaixonado por mim...
Eu esperava que não. Que fosse apenas uma paixonite, uma atração causada por
hormônios e nada mais.
Assim como esperava o mesmo da minha atração por Daniel Beaumont.
Óbvio que eu não estava apaixonada por ele. Como poderia?
Eu o conhecia há dois segundos.
E ele tinha me beijado como nenhum garoto antes.
Ou depois.
Porque não havia nem comparação com o beijo de Tyler.
Com Daniel senti... fogos de artifício explodindo sob meus poros.
Suspiro desalentada, ao ver o DVD jogado no banco de trás.
Talvez eu devesse chegar em casa e ligar pra ele. Dizer que poderíamos sim ver o filme.
Terminar o que começamos...
De repente volto à realidade ao quase perder a entrada para a rua da minha casa e viro
rápido. E estranho ao ver um carro bem atrás de mim fazer o mesmo.
Olho pelo retrovisor e, enquanto percorro a rua, o carro me segue de perto.
Me seguindo?
Sinto um pouco de apreensão ao parar defronte ao meu portão e fico à espera.
Até que o carro passe por mim seguindo em frente.
Eu devo estar paranoica.
No dia seguinte está chovendo e acordo com meu celular tocando. O número de Jena
pisca pra mim e eu atendo bocejando.
– Jena. – resmungo.
– Adoro ter amiga famosa.
– Hum... está falando do quê?
– Ainda não viu? Acabei de ver você numa revista!
Eu abro os olhos totalmente desperta.
– Revista?
– Sim, e nem são estas notinhas que saem sobre seu padrasto e por acaso sai alguma foto
sua e da sua mãe, não! É uma matéria sobre você.
– Mentira, Jena! – Jogo as cobertas para o lado e me levanto, horrorizada.
– É sério. Algo sobre filhas de homens poderosos, ou algo parecido.
– Ah não! Que ridículo!
– Não seja boba, está o máximo! Espera, acho que é o Joshua na outra linha!
– Jena, não...
Ela já havia me deixado falando sozinha.
Eu me arrasto até o chuveiro e desço totalmente desanimada.
Minha mãe sorri empolgada com uma revista na mão e eu sei bem o que é.
– Diz que a Jena exagerou.
– Não sei o que a Jena disse, mas estou delirando de orgulho, olha isto.
Eu sento à mesa e vejo a revista.
É um pesadelo.
Uma foto minha que nem lembro quando foi tirada. Eu estou com o uniforme da escola e
eles falam várias coisas sobre mim. Onde estudo. O quão boa aluna eu sou. E de como Tom se
orgulha de mim: “ela é como uma filha pra mim”. Segundo suas próprias palavras.
– Eu odeio isto – gemo, fechando a revista.
– Ah, não exagera! – minha mãe ri.
– Odeio sim! Não sou famosa e nem quero ser! Por que têm sempre que me colocar no
meio disto? Eu acho...
– Anna, pare de reclamar! – minha mãe me repreende subitamente séria. – Sabe que o
Tom não faz por mal. Ele adora você, o que ele disse à revista é verdade. Ele a trata como filha.
Eu luto para não revirar os olhos.
Certo. Eu gostava do Tom. E tenho certeza de que ele gostava muito de mim também.
Só acho que tinha mais a ver com sua relação com a minha mãe do que comigo.
Eu tinha um pai, e ele morava em Olímpia. Simples assim.
Tom era apenas o marido da minha mãe.
Então por que sempre ficava parecendo que éramos uma espécie de família perfeita e
feliz de comercial de margarina?
Minha mãe suspira, passando a mão nos meus cabelos.
– Isto faz parte da vida do Tom agora, querida. Apenas seja paciente. Nada é pra te
prejudicar. Trata-se apenas de um pouco de publicidade. O time quer isto, faz bem pra carreira
dele.
– Sei...
Ela para de falar quando Tom entra na cozinha e ele lhe dá um sonoro beijo.
– E aí, Anna, já viu a matéria?
Eu forço um sorriso.
– Sim, acabei de ver.
Ele senta de frente pra mim.
– Eu fiquei muito orgulhoso. E sua mãe também.
Eu luto pra manter o sorriso no rosto, até que ele coloca uma caixa retangular na minha
frente.
– Pra você.
– Pra mim? É meu aniversário ou algo assim? – indago incomodada.
Minha mãe me lança um olhar de advertência.
– Apenas para você saber como é importante sua mãe e eu que esteja aqui.
Eu abro a caixa e vejo um colar de pérolas.
– Sua mãe escolheu.
– Obrigada – murmuro, tentando conter a onda de rejeição.
Eu odeio presentes. Minha mãe sabe muito bem. Então por que fazem isto?
Ignorando meu desconforto, ela fica sorrindo toda feliz quando Tom coloca o colar em
mim.
– Ficou lindo, Anna.
– Sua mãe me disse que ontem saiu com o carro. – Tom falou e eu dou de ombros.
– Estava com Tyler.
– Aquele seu amigo de Olímpia, ou devo entender que é mais que seu amigo?
Eu fico vermelha.
– Não, ele é só meu amigo mesmo.
Escuto a buzina de Jena e aproveito para fugir.
Jena arregala os olhos quando entro no carro.
– Uau, que colar é este?
– Eu ganhei do Tom – respondo.
Jena ri, deliciada.
– Isto só melhora a cada instante. E vai ficar ainda melhor, mal posso esperar pra te
contar.
– Jena, o que está aprontando?
– Quando chegar na escola eu te conto. Joshua vai querer estar junto.
Eu olho o tempo nublado pela janela, preocupada. O que poderia ficar pior naquele dia?
Quando estacionamos e saímos do carro, vejo que sim, podia piorar.
Daniel Beaumont está ali. Parado ao lado de seu carro.
E sinto seu olhar fixo em mim, enquanto eu passo, segurando meu material fortemente
contra o peito até o interior seguro da biblioteca, que é onde Jena me leva.
Joshua está lá junto com Fiona, outra amiga nossa, e eles acenam quando nos
aproximamos.
– Então já falou com ela, Jena? – Fiona pergunta e Jena sacode a cabeça negativamente.
– Falar o quê? - indago curiosa.
– Sabe que hoje é o dia em que nos inscreveremos para concorrer à presidência do
grêmio, não é? – Joshua fala.
– Hum... lembro de algo assim.
– E sabe também que eu estou tentando há dois anos e nunca consigo ganhar, não é? –
Jena continua.
– Acho que me falou algo a respeito... o que isto tem a ver comigo?
– Tem a ver que agora nós temos a candidata perfeita! – Fiona revela animada e eu não
entendo por um momento. Os três ficam sorrindo na minha direção até que finalmente cai a
minha ficha.
– Não, nem pensar...
– Claro que sim! – Jena insiste. – Está todo mundo comentando de você! É filha de um
jogador famoso e...
– Ele é meu padrasto!
– Que seja! Enfim, finalmente nossa chapa tem alguém que pode concorrer e ganhar, e
você tem que ajudar a gente!
– Não, Jena, sabe que odeio estas coisas, falar em público e tudo mais... Nem pensar!
– Por favor, Anna. – Fiona segura minha mão. - Sabe que a nossa campanha é a melhor!
Queremos realmente tornar a escola um lugar melhor e você pode nos ajudar.
– Não vai dar certo, Fiona.
– Isto vai contar muito no seu currículo escolar! Não quer tanto ir pra Yale? Isto vai ser
perfeito pra você, confie em mim.
Sim, eu sabia que este tipo de atividade era muito importante para um currículo, mas...
Eu? Annalise Nicholls? Presidente de grêmio estudantil?
– Eu não poderia fazer isto...
– Nós vamos te ajudar, claro. – Joshua falou. – Jena tem tudo preparado.
– Não sei...
– Você vai aceitar e pronto! - Jena foi enfática. – Joshua tem razão, eu até tenho tudo
preparado, você só vai ter que sorrir e fazer o que a gente manda! Não se preocupe com nada.
E eu não sei como aconteceu, só sei que saí da biblioteca como uma das candidatas.
E como o mundo não poderia ficar pior, acompanho Jena, Joshua e Fiona até o local da
inscrição e me deparo com ninguém menos que Charlotte Beaumont se inscrevendo.
– Charlotte Beaumont é minha concorrente? – sussurro pra Jena, chocada, e ela dá de
ombros.
– Ouvi dizer que ela ia se inscrever.
– E você acha que eu tenho alguma chance concorrendo com Charlotte Beaumont?
– Não seja boba! Ela não saiu numa revista! - e ela me puxa quando Charlotte se afasta
com seu namorado bonito. – Vem, nossa vez.
Naquele dia nós fomos dispensados das aulas e ficamos na biblioteca debatendo nossos
“planos eleitorais”.
E eu fico mais horrorizada ainda ao saber que, depois do intervalo, todos os candidatos
serão apresentados aos alunos no auditório.
– Você não me disse que eu teria que fazer um discurso, Jena!
– Já está pronto, não fique apavorada – ela me passa uma folha. – É só ler.
– Eu não deveria ter deixado vocês me meterem nisto...
– Deveria sim! Vai dar tudo certo! Agora vamos comer.
Nós vamos para o refeitório e eu congelo ao ver Daniel Beaumont parado na nossa frente.
– Oi, Anna.
– Oi - respondo, ciente do silêncio curioso de Jena, Joshua e Fiona.
– Será que podemos conversar um minuto? Sobre o trabalho de literatura.
Eu hesito. Mas, de alguma maneira sei que teria que conversar com ele sobre isto uma
hora, não é?
– Sim – concordo. - Eu encontro vocês lá dentro, ok? – digo a meus amigos boquiabertos
e os vejo entrando no refeitório.
Subitamente, eu e Daniel estamos sozinhos no corredor.
Ou quase. Estudantes continuam passando por nós.
– E então, o que precisa falar? – pergunto com a voz firme.
– Vem comigo. – ele segura minha mão sem aviso, me obrigando a segui-lo pelo
corredor.
– Eu não acho que...
– Você acha demais, Anna.
– Eu?
Ele ri e olha pra mim por sobre o ombro.
Lindo.
– Posso saber aonde estamos indo? – pergunto, ainda com um resquício de sanidade na
minha cabeça.
– Para um lugar onde eu possa conversar com você sem que fuja.
E assim, pela segunda vez na vida, eu me vejo dentro de um armário de material
esportivo com um Beaumont.
Capítulo cinco
Meu coração está quase saltando pela boca, quando escuto a porta se fechando no
pequeno espaço e Daniel me encara na semiescuridão.
Parece tão íntimo estar ali com ele. E tão... Perigoso.
E tão... Perfeito.
Mas muito, muito errado.
– Daniel... Não deveríamos estar aqui – fico aflita.
– Calma, Anna.
Sua voz está serena e ele sorri. Se pelo menos ele não fizesse isto...
Cruzo os braços sobre o peito e tento me manter calma.
Não há motivo para pânico. Ou medo.
Ou excitação.
É apenas uma conversa civilizada entre colegas de classe.
– O que de tão importante tem para falar comigo?
– Quem era aquele cara com você ontem?
Eu franzo a testa, confusa com a pergunta.
E também porque Daniel parece subitamente sério. Como se não fosse fazer aquela
pergunta e ela tivesse saído da sua boca do nada.
– Meu amigo.
– Estavam saindo pra um encontro.
Eu mordo os lábios, desviando o olhar pensando se minha saída com Tyler caracterizava
um encontro.
Eu não estava pensando assim na hora.
Mas ele havia me beijado.
– Somos apenas amigos – respondo por fim. – E eu achei que você queria falar comigo
sobre o trabalho de literatura.
– Sim, o trabalho que poderíamos ter dado prosseguimento ontem, se não tivesse saído
com seu... amigo.
– Eu não fazia ideia de que era esta sua intenção.
– Se soubesse, teria desmarcado com ele e ficado comigo?
– Ficado com você? – pergunto.
– Para fazer o trabalho? – sua voz agora está baixa. Íntima.
Seus dedos brincam com uma mecha do meu cabelo distraidamente.
Sinto-me deslocada com sua proximidade.
Seu hálito doce varre meu rosto, respiro mais rápido. Nossas respirações se movem juntas
no ar.
– Como fizemos na sua casa? – Há um quê de acusação em minha voz, embora esteja tão
baixa quanto a dele.
– Quer que eu peça desculpas por ter beijado você?
Me desconcerto. Eu quero desculpas?
Eu quero mais?
– Não vai acontecer de novo – me vejo dizendo, embora uma parte bem louca dentro de
mim grite o contrário.
Ainda há muito da Anna sensata no comando. A Anna que intui que precisa colocar um
basta naquele jogo de Daniel Beaumont.
Porque algo pode estar muito errado.
– Não posso te beijar de novo? – suas palavras são acompanhadas pela incursão dos
dedos mornos de meus cabelos para meu rosto, até meus lábios, que se entreabrem.
Mal posso respirar.
Estou queimando.
– Não faça isto... – imploro.
Sei que estou me perdendo facilmente.
Aquela parte louca dentro de mim está nocauteando a parte sensata.
Ele ri. E sua risada só piora tudo.
Fecho os olhos e mordo os lábios pra não gemer, esquecendo que seu dedo está ali, e
acabo mordendo-o.
E é ele que geme.
Abro os olhos.
– Me desculpe – balbucio.
E ele ri novamente.
– Você é tão absurda – ele agora acaricia meu rosto. – E eu amo este seu rubor, é tão... –
ele se inclina e beija minha bochecha. – Lindo.
Engulo em seco.
Esfrego minhas coxas uma na outra para conter o calor que irradia dali. É
constrangedor... É insano!
Estou toda derretida porque Daniel Beaumont está beijando meu rosto.
Minhas mãos estão torcendo a saia nervosamente e luto num fervor mudo para não as
erguer e tocá-lo.
Porque eu quero muito, muito isto. É quase uma necessidade.
Respiro fundo tentando manter o resto de sanidade.
Ele tem um cheiro tão bom...
– Daniel, por favor – sussurro. - Se não tem nada mais pra me dizer, acho melhor sairmos
daqui, eu tenho um discurso e...
Ele se afasta um pouco.
Eu quase fico aliviada. Mas estou mais é decepcionada.
– Como está seu joelho? – ele pergunta do nada e eu o fito, confusa.
– Joelho?
– Sim, está melhor? Esqueci de perguntar...
E então ele está se abaixando, o vejo ajoelhado diante de mim.
As mãos em minha perna. Ele levanta levemente meu joelho.
Perco o ar. Para em seguida começar a ofegar como se tivesse corrido uma maratona.
– Daniel, por favor – gemo, entre o constrangimento, a consternação e a mais pura
excitação.
Ele levanta o olhar.
Verdes. Dourados. Famintos.
Oh Deus.
– Por favor, o quê? - sua voz parece veludo e acaricia minha pele como se as próprias
mãos estivessem passando em mim.
Enfraqueço.
Minha garganta se fecha e eu não consigo responder.
Só sei que meus olhos imprimem algum tipo de mensagem que vai além do meu
consciente.
E estou à beira de um ataque cardíaco quando ele abaixa a cabeça e beija meu joelho.
Eu fico olhando, incapaz de desviar o olhar, hipnotizada.
Meu coração está disparado no peito.
Suas mãos estão uma em cada perna e sobem por minha coxa. Sobem minha saia.
Tocam as laterais da minha calcinha.
Não. Não. Não.
Isto não está acontecendo, está?
Sim, está.
Daniel Beaumont está deslizando minha calcinha para baixo e eu fecho os olhos.
Deixando de pensar de vez quando ele respira em mim.
Bem ali, onde eu estava queimando. Ansiando.
Desejando.
Então ele me beija.
Intimamente. Perversamente.
E as sensações explodem dentro de mim.
Lábios. Língua. Dentes.
Uma vez. Duas.
Paro de contar.
Algo está sendo construído dentro de mim, aumentando.
Assim como o ritmo da minha respiração e do meu coração.
Assim como os gemidos em minha garganta.
Por um momento abro os olhos e vejo os cabelos castanhos entre minhas pernas e a
realidade do que está acontecendo bate em mim como um chicote.
Mas é tarde demais. Eu estou além.
Tão perto, tão perto...
Eu fecho os olhos e me deixo ir.
Meu corpo inteiro estremecendo em mil espasmos que começam onde Daniel me toca e
se espalham como fogos de artifício em minha pele, explodindo minha mente.
É a sensação mais perfeita do universo e eu desejo por um instante que não termine
nunca.
Infelizmente termina.
E eu fico ali, suada e ofegante e abro os olhos. Horrorizada, fascinada vendo Daniel
Beaumont ajeitando minha roupa no lugar e se levantando.
Ele sorri.
E acaricia meu rosto.
– Por que fez isto?
– Por que você pediu.
– O quê?
– Seus olhos dizem tanta coisa, Anna, é quase como ler sua mente.
– Eu não, eu...
Mas sei que seria uma mentira.
Eu não podia imaginar o que ele ia fazer, que eu quisesse algo sequer parecido.
Porém... de alguma maneira eu queria alguma coisa.
Isto era fato.
Meu rosto se tinge de vermelho escarlate.
Daniel me beija delicadamente.
E então se afasta.
– Acho que tem um discurso a fazer.
Ele abre a porta e eu saio cambaleante.
– Ei Anna, onde se meteu?
Jena segura minha mão e me puxa.
– Estamos atrasadas!
De repente estamos entrando no auditório. Vários rostos se viram para nós.
Jena me encara pela primeira vez.
– Que diabos aconteceu com você?
– O quê?
– Parece que foi atropelada. – Joshua comenta.
E eu olho vagamente para minha imagem no vidro e arregalo os olhos de horror.
Estou toda descabelada. Minha saia amarrotada.
Meu rosto vermelho.
– Annalise Nicholls, sua vez! – o diretor chama.
– Que seja, não temos tempo pra te arrumar agora. – Jena me empurra. Tropeço ao subir
os poucos degraus do palco.
Caminho desejando estar em qualquer lugar menos ali, minha mente ainda girando em
pensamentos desconexos quando me coloco em frente ao púlpito e encaro os alunos.
Escuto umas risadinhas na primeira fila e lá estão os Beaumont.
Eles estão rindo de mim?
Por um momento insano acho que eles sabem exatamente o que aconteceu naquele
armário, mas rapidamente volto à razão.
Claro que eles não sabem, como poderiam?
Escuto a porta do auditório se abrir e vejo Daniel entrar, mas desvio rapidamente os
olhos.
Não posso sequer olhar pra ele, porque eu me lembraria e... Eu não consigo desviar o
olhar, enquanto ele vai se aproximando e senta ao lado dos irmãos.
Ele sorri pra mim.
Sim, eu me lembro agora. O auditório se cala com uns “shis” do diretor e todos me
encaram à espera.
Olho pra folha na minha frente, as palavras dançam desconexas.
Ainda sinto o toque de Daniel.
A boca de Daniel...
– Anna? – Jena sussurra de algum lugar. – Anda logo!
Eu respiro fundo e me obrigo a ler o discurso.
Se me perguntassem depois o que foi que eu falei, eu não teria a mínima ideia.
Meus pensamentos estavam em outro lugar.
Estavam em Daniel Beaumont.
E eu temia que iam ficar por lá um longo tempo.
***************
Aparentemente tudo continua na mais perfeita normalidade quando desço para tomar café
na manhã seguinte. Tom está por ali, como na maioria dos sábados que não tem treino.
– Bom dia! – Eu lanço um olhar curioso dele pra minha mãe, tentando ver se ainda há
algum resquício da discussão de ontem à noite, os dois parecem relaxados e sorriem.
– Bom dia, querida, dormiu bem? – Stella pergunta.
– Sim, dormi – embora não fosse bem verdade. Eu passara a noite sonhando com Daniel,
me sentindo ansiosa sobre o dia de hoje.
Ainda agora sinto tremores de expectativa traspassar minha espinha e um frio na barriga
só de imaginar o que irá acontecer.
– Está sol, podemos sair e ir ao clube. – Tom diz e Stella sorri animada.
– Sim, acho perfeito!
– Eu não posso – digo rápido.
– Por que não?
– Eu vou sair hoje à tarde. Tenho que fazer um trabalho de escola.
– Podemos ir agora de manhã, depois almoçaríamos juntos e deixamos você onde
precisar.
Tento pensar numa desculpa para recusar, não encontro nenhuma.
– Tudo bem – respondo, tentando soar animada.
Pelo menos terei alguma coisa pra me ocupar até a hora de encontrar Daniel. Se ficasse
ali, corria o sério risco de passar a manhã me contorcendo de ansiedade e dor de estômago,
sonhando acordada com mil possibilidades rondando minha mente.
– Certo, vou subir e trocar de roupa então.
– Coloque algo fresco, hein? Nada de jeans neste calor. – Stella avisa.
Eu troco de roupa mil vezes, pensando o que seria adequado para ir ao clube e depois
fazer um trabalho na casa de Daniel. Obviamente eu tenho muitas roupas que nunca foram
usadas. Todas compradas por Stella ou presentes de Tom. Eu sempre opto por usar
constantemente roupas simples e informais, jeans e camisas bem comuns quando não estou com
o uniforme da escola. Eu já disse muitas vezes para minha mãe que todas aquelas roupas são um
exagero, ela não costuma me dar ouvidos. Porém, hoje abro o guarda-roupa e procuro algo
interessante.
Nada parece ser o certo. Não quero me arrumar demais e fazer Daniel pensar que estou
vestida daquele jeito de propósito. O que é bem contraditório, já que minha mente tem sérios
propósitos para hoje, embora eu continue tentando manter o foco no trabalho.
Daniel me convidou para ir até sua casa porque somos colegas de turma e precisamos
concluir um trabalho de escola. Eu preciso manter isto em mente.
Mas, e se acontecer alguma coisa...
– Para com isto, Anna – repreendo a mim mesma, tirando o décimo vestido e jogando de
volta dentro do armário. Então meus olhos passam por uma saia do uniforme jogada por ali e
sem pensar muito eu a coloco. E mesclo com uma mini blusa branca.
Talvez isto me faça entrar nos eixos e parar de pensar besteira.
Enquanto me verifico no espelho ao prender meus cabelos, mordo os lábios ao me
lembrar das mãos de Daniel subindo minha saia do uniforme naquele armário e me pergunto se
teria a mínima chance de algo assim acontecer hoje de novo.
Coro violentamente ao me dar conta dos rumos dos meus pensamentos. Não consigo
afastá-los das infinitas possibilidades enquanto passo as horas com Stella e Tom naquela manhã.
Horas se arrastam, sem sentido, meu pensamento longe e minha cabeça nas nuvens.
– Está distraída hoje, querida. – Stella comenta enquanto estamos saindo do restaurante.
Tom está ocupado tirando foto com alguns fãs.
– Estou? – Pergunto evasiva. Agora eu estou ansiosa de novo. Falta pouco para estar com
Daniel.
E qualquer coisa pode acontecer.
– Claro que sim! – Stella insiste, me encarando especulativamente.
E antes que eu consiga pensar numa resposta coerente, meu celular vibra e eu olho a
mensagem, prendendo a respiração.
“Posso ir te buscar? Daniel”
– Quem é? – Stella indaga, curiosa.
– Um colega da escola – estou corando e sei disto.
– Com quem vai fazer o trabalho hoje?
– É sim.
– E este colega chama Daniel?
– Sim, ele mesmo – respondo, dando de ombros e digitando uma resposta rapidamente,
sem encarar Stella.
“Não. Eu estou almoçando com minha mãe e ela me leva na sua casa depois. Devo
chegar em meia hora”
– Sei... – Eu sei que ela quer fazer muitas observações, felizmente sou salva pelo retorno
de Tom.
– Eu acabei de receber uma ligação. Terei que voltar ao clube para uma entrevista. Vocês
podem ir sem mim?
– Agora? – Stella parece contrariada, o que não é do seu feitio e eu me pergunto se tem
algo a ver com a briga de ontem.
–Sim, eu sinto muito, foi algo de última hora.
Ela respira fundo, mas sorri.
– Tudo bem.
– Fiquem com o carro, eu pego um táxi – ele passa a chave pra Stella.
Nós nos despedimos e eu entro no carro com Stella.
– Está chateada, mãe? – pergunto delicadamente e ela me lança um olhar surpreso.
– Claro que não.
– Mas ficou quando Tom disse que teria que ir ao clube.
– Oras, Anna. Fiquei um pouco sim. Afinal, hoje é sábado e íamos ficar juntos, enfim,
são ossos do ofício. Onde fica a casa do Daniel?
Eu digo a ela como chegar lá, e fico esperando as perguntas e recomendações. Elas nunca
vêm. Stella parece ter o pensamento mais longe do que o meu. E se não fosse eu estar tentando
conter minha ansiedade, teria insistido para ela me contar qual era o problema.
– Que horas venho te buscar? – Pergunta quando para o carro em frente à casa de Daniel.
– Não precisa, eu pego um táxi.
– Tudo bem. Se precisar me liga. E não volte tarde.
– Pode deixar. – Eu pulo do carro e toco a campainha. Meu coração parece que vai saltar
no peito quando a porta se abre e lá está ele.
Tão perfeito como nos meus sonhos.
Perco o ar por alguns instantes.
– Olá, Anna.
– Oi – respondo entre envergonhada, ansiosa e feliz por finalmente estar ali.
Com seus olhos verdes sobre mim, me medindo com uma indolência curiosa, enquanto
faz um sinal para eu entrar.
– Seus irmãos estão em casa? – Questiono timidamente, torcendo para que a resposta seja
negativa.
– Não. Eles saíram – responde evasivo, fechando a porta atrás de nós e fazendo um sinal
para segui-lo.
Eu caminho atrás dele pelos corredores banhados levemente pelo sol da tarde e pergunto
se estamos sozinhos na sua casa. Se ele vai me levar pra seu quarto.
Se vai me beijar como estou sonhando desde que ele saiu da minha cama ontem.
Se...
Saio do meu estado fantasioso quando ele abre a porta de um cômodo desconhecido e se
afasta pra eu entrar.
Estamos numa espécie de biblioteca. Ou escritório. Há estantes cobertas de livros de cima
a baixo e uma mesa de escritório num canto.
Definitivamente não é seu quarto.
Eu sinto um desapontamento instantâneo.
– Podemos fazer o relatório aqui – ele puxa uma ceira estofada para eu me sentar.
Eu afundo na cadeira junto com minhas esperanças tolas, enquanto Daniel senta do outro
lado.
Ele parece sério e distante.
– É muito bonita essa... sala – digo, sem saber o que fazer. Ou o que pensar.
Estou muito confusa.
Nada está saindo como planejado.
– Sim, é bem tranquila. Vamos poder fazer o trabalho sem problemas.
Ah claro. O trabalho.
Quem liga pra esta porcaria de trabalho? Tenho vontade de perguntar, mas me contenho.
Foco. É disto que eu preciso agora.
– Certo. Eu posso escrever e você me diz o que está pensando – falo, com a voz
impessoal pegando um bloco de anotação.
Daniel abre um laptop.
– Será mais fácil se fizermos direto no editor de texto.
– Certamente – Fecho o bloco com um safanão, porém, continuo segurando o lápis que
bato na mesa impacientemente. – Então, por onde começamos?
Daniel começa a falar, eu não escuto nada. Estou fervendo por dentro. Estou furiosa.
Eu estava sendo ridícula o tempo inteiro.
Obviamente as minhas expectativas não eram as mesmas de Daniel para aquela tarde.
Enquanto eu estava enchendo minha mente de fantasias bobas, ele estava pretendendo mesmo
fazer um relatório.
Como se aquela cena no armário da escola nunca tivesse existido.
Mas existiu. E eu não posso esquecer.
– Por que fez aquilo lá no armário? – as palavras saltam da minha boca antes que eu
consiga contê-las e Daniel me fita surpreso com meu ataque.
Eu deveria estar mortificada, mas, que se dane.
Estou cansada de Daniel Beaumont bagunçando minha cabeça.
– Eu disse – ele responde simplesmente, me lembrando de sua resposta quando fiz a
mesma pergunta lá mesmo, no armário.
– Sabe que não é disto que estou falando... – eu bufo. - Você me confunde, Daniel! –
Explodo – Uma hora está todo sedutor e outra... age como se não tivesse o menor interesse em
mim.
– Minha vida seria muito mais fácil se eu não tivesse nenhum interesse em você – ele
responde por fim.
“A minha também, acho que temos algo em comum.”
– Por quê? – pergunto.
– Você não quer saber. – ele fecha o laptop com um toque irritadiço e se levanta, ficando
de costas pra mim, olhando para o jardim além da parede de vidro.
Eu me levanto também.
Um silêncio tenso recai sobre nós.
Eu quero parar. Quero fugir. Sumir e esquecer de Daniel Beaumont e seus sinais
confusos.
Mas já fui longe demais pra desistir.
– Eu queria saber o que quer de mim.
Ele se volta e me encara.
– E o que você quer de mim?
Sim, o que eu quero? Pergunto a mim mesma, mergulhando no seu olhar atormentado.
E sei que não posso mais fugir.
É tarde demais pra mim.
– Quero me beije – confesso.
Ele não se mexe, mas seus olhos se estreitam com um novo brilho.
– Quero que paremos de fingir que estamos fazendo este trabalho estúpido – vou em sua
direção, como se um imã invisível me puxasse para ele. - Quero que ponha as mãos em mim.
Quero que faça de novo o que fez naquele armário, quero...
Não termino de falar, sua boca esmaga a minha.
E eu gemo em seus lábios. Derreto em seus braços que me levam pra ele.
Meus próprios braços o cingindo com força, meus dedos indo direto para seu cabelo
glorioso, ao mesmo tempo em que sua língua ia direto para a minha.
Nós dois gememos. O contato fazendo uma fogueira se acender entre nossos corpos.
Exulto quando ele me coloca em cima da mesa e escuto tudo indo ao chão.
O beijo se torna voraz, faminto. Assim como nossas mãos, que amassam, procuram,
afagam.
Meus dedos puxam seus cabelos.
Seus dedos desfazem meu rabo de cavalo.
Minhas pernas cingem sua cintura.
E eu me excito inteira com o contato estreitado entre nós. Não é suficiente. Nada parece
ser suficiente, e eu estou ansiosa e frustrada quando finalmente ele interrompe o beijo, sem me
soltar, para que possamos respirar.
Ao contrário, suas mãos descem num toque ansioso por minhas costas até meus quadris,
me apertando mais contra ele.
Eu gemo contra a sua boca, que respira quente em mim.
– Deus... Anna, você me deixa louco – ele rosna, mordendo meu lábio inferior e eu me
contorço em seus braços. – Você não faz ideia de como eu quero pôr minhas mãos em você...
– Então põe – ofego, perdida. - Ponha suas mãos em mim, Daniel – exijo.
Meu corpo inteiro pulsa numa vibração quente, úmida e eletrizante.
Com um gemido rouco, ele volta a me beijar com força.
Mas como se viesse de muito longe eu escuto uma batida na porta e Daniel interrompe o
beijo resmungando um palavrão baixo.
– O quê... – eu abro os olhos, aturdida e só tenho tempo de pular da mesa quando Daniel
se afasta e a porta se abre.
Uma mulher muito bonita está nos encarando com um sorriso curioso.
– Não me avisou que estava com visitas, Daniel - sua voz é doce e carinhosa, apesar do
tom de recriminação.
Daniel passa a mão pelos cabelos bagunçados e tarde demais eu me pergunto como
devem estar os meus próprios cabelos.
E coro de vergonha.
– E devia nos apresentar – a mulher continua me encarando. – Eu sou Lydia Beaumont,
mãe de Daniel, embora ele pareça ter perdido toda a educação e não tenha nos apresentado.
– Mãe, esta é Anna – ele diz e parece contrariado.
Será que não queria que eu conhecesse a mãe dele? Ou está só irritado porque fomos
interrompidos?
– Olá Anna – Lydia sorri pra mim. – O que estão fazendo?
Eu desvio o olhar, mais vermelha que um pimentão ao me lembrar exatamente o que
estávamos fazendo antes de ela entrar.
– Um relatório para a escola – Daniel responde.
E então escutamos vozes próximas.
– Seus irmãos chegaram - Lydia conclui e eu olho pra Daniel. Ele parece ainda mais
contrariado.
– E nós já vamos – ele diz.
– Mas... – eu o encaro sem entender.
– Não vamos conseguir fazer nada com eles por aqui – conclui e eu me pergunto se está
falando do relatório ou do que estávamos fazendo antes...
– Bom, vocês que sabem. – Lydia me encara antes de sair. – Muito prazer em conhecê-la,
Anna.
– Vou te levar para casa. – Daniel se abaixa para pegar algumas coisas que estavam no
chão.
– Mas nós não...
Ele não responde, apenas pega minha mão me puxando para fora. Nós não encontramos
seus irmãos no caminho, indo direto para a saída e depois até o carro de Daniel.
E estou mais confusa do que nunca.
Eu pensei que estávamos finalmente nos entendendo.
Quer dizer, pelo menos eu estava sendo sincera ao mostrar o que eu queria dele até sua
mãe nos interromper.
Agora Daniel parecia tão frio como antes.
– Por que exatamente me trouxe pra casa? – pergunto, quando ele estaciona em frente a
minha casa. – Achei que íamos fazer um relatório.
Ele ri.
Eu me arrepio.
– Anna, você mesmo disse que era para pararmos de fingir. Não estávamos fazendo
relatório nenhum.
Eu desvio o olhar, corada.
– Eu...
– Diga – ele pede e eu o encaro. – Diga o que quer dizer. Achei extremamente...
estimulante sua eloquência no meu escritório.
Eu respiro fundo, sentindo subitamente o ar rarefeito dentro do carro.
E limpo a garganta pra falar.
– Estávamos nos beijando. E sua mãe nos interrompeu. E agora você está agindo como se
nada tivesse acontecido.
– E isto te irrita.
– Isto me magoa.
Minha voz sai mais queixosa do que deveria, mas eu não consigo evitar este surto de
sinceridade que me acomete.
– Estou magoando você – ele parece surpreso.
Parece aturdido.
– Apenas quando age assim. Me confundindo.
– Talvez eu também esteja confuso.
Daniel Beaumont confuso? É difícil de acreditar.
– E o que vamos fazer?
– O que você quer fazer? – ele devolve a pergunta como fez na casa dele.
– Talvez devêssemos deixar tudo como está – respondo sensatamente, mas, só de pensar
em deixar Daniel, sinto uma dor oprimindo meu peito.
– É o que realmente quer?
– Eu já disse o que quero lá na sua casa - falo corajosamente.
E meu pulso acelera quando sinto seu olhar em minha boca e ele levanta a mão e traça
meus lábios com o dedo. Derreto lentamente.
“Beije-me Daniel. Beije-me muito e sem parar” é o que eu quero gritar.
– Eu queria ter forças para ficar longe de você... – ele diz se aproximando e sinto seu
hálito em minha língua. Seguro sua mão e beijo seus dedos.
– Eu digo o mesmo - murmuro e espero.
O beijo ainda está pairando no ar quando escuto um carro se aproximando.
Eu me viro e reconheço o carro de Tom.
– Droga – me afasto de Daniel que segue meu olhar.
– Quem é? – ele pergunta.
– Deve ser minha mãe... Eu preciso ir.
– Você quer ir? – ele pergunta e eu prendo o fôlego.
– Inferno... Não!
Então sem falar nada, ele dá partida no carro e sai cantando pneus.
E só quando estamos longe da minha rua que eu me permito respirar.
– Tudo bem? – Daniel pergunta quando para num farol vermelho.
E eu solto um riso nervoso.
– Sim, tudo bem – respondo, ele sorri pra mim e só me resta a opção de sorrir de volta.
E de repente estamos rindo sem parar.
E seus dedos se entrelaçam nos meus, quando ele dá partida de novo.
– Aonde vamos? – pergunto.
– Qualquer lugar que queira ir.
Me sinto no paraíso.
Capítulo oito
Olho para seus dedos entrelaçados com os meus e mordo os lábios para não suspirar alto.
Para onde você quiser, ele disse e, por um momento louco, eu quero pedir para ele me
levar de volta pra sua casa. Para seu quarto.
Não há nada que eu queira mais do que ficar sozinha com ele. Me beijando. Me tocando.
Me amando.
A palavra amor surge na minha mente e me assusta.
O que eu sei sobre amor? Nada.
E Daniel?
Por um momento louco eu quero perguntar o que ele sente por mim. Se sente algo tão
louco quanto aquela quase obsessão que eu sinto. A vontade compulsiva de sentir sua boca e
mãos em mim. Talvez seja cedo para usar qualquer rótulo. Eu mesma nem sei o que sinto, além
daquelas borboletas sobrevoando meu estômago pelo simples fato de ele estar segurando minha
mão.
E neste momento eu estou delirando de ansiedade e exultação.
Então o que importa para onde vamos? Eu quero estar com ele.
– Anna? – ele me chama, me tirando dos devaneios e eu sorrio timidamente.
– Não importa – digo por fim.
Ele sorri lentamente. Lindamente.
E me pergunto de novo se há alguma possibilidade de ele me levar pra sua casa
novamente.
Será que é isto que eu quero? Encarar de novo os outros Beaumont?
Porém, minutos depois, eu sou surpreendida quando Daniel para o carro em frente a praia
de Alki Beach, em West Seattle.
Eu nunca estive naquela praia, embora seja um lugar conhecido na cidade. Turistas
caminham pela areia cinza aproveitando a tarde de sol e eu encaro Daniel quando saímos do
carro.
– Nunca estive aqui – digo, ele sorri e segura minha mão.
– É um dos meus lugares preferido em Seattle.
E eu posso entender. É realmente bonito, embora esteja bastante cheia àquela hora.
Mesmo assim, enquanto caminhamos em direção ao píer, não me importo com nada. Daniel
segura minha mão e torna qualquer lugar perfeito.
– Por que nunca veio aqui?
– Não sou a maior fã de praia e geralmente chove o tempo todo. Na verdade eu moro em
Seattle há pouco tempo, não tive oportunidade de conhecer quase nada.
– Bom, podemos corrigir isto hoje – ele diz, sorrindo pra mim. E eu sorrio de volta,
deslumbrada com sua beleza e perfeição.
E não me oponho quando pegamos um daqueles táxis aquáticos com os turistas,
admirando a vista da cidade com Daniel do meu lado falando sobre pontos importantes.
E eu bebo suas palavras, tão embevecida com sua voz perfeita que, em dado momento,
nem reparo que estou ajeitando seus cabelos castanhos com meus dedos impacientes, reparando
que na verdade eles adquirem um tom quase dourado a luz do sol, até que ele ri e segura minha
mão, levando aos lábios e depositando um beijo no meu pulso subitamente acelerado.
Eu estremeço.
– Está com frio? – ele passa sua blusa a minha volta também e eu rio o encarando.
E parece muito normal que eu fique na ponta dos pés e o beije, totalmente alheia às
pessoas a nossa volta.
É um beijo diferente daquele trocado na sua casa, cheio de paixão e ansiedade. É quase
casto em sua simplicidade, apenas um roçar delicado de lábios. Mesmo assim faz meu corpo
aquecer, só que de uma forma diferente.
Me aconchego a ele ao sentir seus braços me rodeando e enterro meu rosto em seu
pescoço, aspirando seu cheiro único e delicioso.
Eu poderia ficar assim pra sempre.
Presa no momento em que percebi que estou me apaixonando irrevogavelmente por
Daniel Beaumont.
Já anoiteceu quando Daniel estaciona em frente a minha casa. E eu ainda sinto que não
quero me separar dele.
Ele continua segurando minha mão.
É estranha esta necessidade de estarmos sempre em contato.
– Quer entrar? – pergunto na esperança de ele aceitar.
– Seus pais estão em casa?
Eu poderia mentir, mas do que adiantaria?
– Na verdade eu não sei, provavelmente sim...
– Eu queria ficar sozinho com você – seus dedos acariciam a palma da minha mão.
Minha pulsação acelera.
– Me leve aonde você quiser – digo, sabendo que eu realmente iria a qualquer lugar com
Daniel Beaumont. Para fazer qualquer coisa. Na verdade eu estava ansiando por isto.
A tarde que passamos juntos tinha sido emocional demais pra mim. Mas agora eu sinto de
novo aquele frêmito de ansiedade em meu íntimo.
As possibilidades... A vontade...
Sua mão aperta a minha.
– Você é perigosa, Annalise Nicholls.
– Eu?
– Você é sedutora demais para seu próprio bem.
– Eu não sou... – refuto, ficando vermelha.
– Eu poderia te convencer disto agora. Não vou pois eu prometi a mim mesmo que não ia
mais te seduzir hoje.
Eu o encaro, surpresa.
Como é?
– Não entendi.
– Não queira entender – ele parece contrariado e fico confusa quando solta minha mão e
desvia o olhar.
Eu cruzo os braços em frente ao peito, olhando a noite escura pela janela.
Um silêncio tenso se instala entre nós. Por que diabos ele fazia aquilo comigo?
– Anna? – ele me chama e não respondo. – Anna, fale comigo. O que está pensando?
Eu respiro fundo e olho pra ele.
– Você está me confundindo de novo. Por que estamos aqui, Daniel?
Seus dedos apertam com força o volante e ele sussurra um palavrão baixo.
– Você deveria querer que eu ficasse longe de você.
– É isto que você quer? Ficar longe de mim? – dói quase fisicamente pensar que ele me
queira longe.
– Não, eu não quero ficar longe. Neste exato momento eu estou lutando para não te
colocar no meu colo e beijar você.
Eu ofego, suas palavras causando um rebuliço dentro de mim.
– Não lute – eu falo. - Eu desejo o mesmo. Eu quero que você me beije.
E então, com um gemido rouco, sua mão rodeia minha nuca e ele me puxa para perto, os
lábios amassando os meus.
Solto um gemido e derreto nele, a intensidade do beijo me deixando fraca e trêmula.
E não ofereço resistência quando ele me puxa para seu colo.
Suas mãos estão em meus cabelos, torcendo. As minhas estão em seu peito. E sinto seu
coração batendo acelerado como o meu, que parece querer saltar do peito, enquanto beijos
molhados enchem minha boca, numa mistura frenética de línguas, lábios e saliva. Minha mente
gira, como se eu estivesse intoxicada e solto pequenos gemidos, que fazem eco com os dele e
isto intensifica ainda mais o que sinto.
E o que eu sinto é uma vontade insana de me fundir com ele, nossos corpos colados não é
suficiente, sua boca devorando a minha não é o bastante.
E nem suas mãos que começam a deslizar afoitas pelas minhas costas abranda ou diminui
aquela necessidade fremente que eu sinto eu meu íntimo. É a mesma necessidade que eu senti
naquele armário com sua boca indecentemente em mim.
O mesmo pulsar incandescente que me faz pressionar os quadris contra os dele. E nós
dois gememos quando sinto entre surpresa, confusa e maravilhada, que ele tem uma ereção.
Quase posso ver o meu rosto corando entre constrangida e excitada.
O beijo é interrompido e nos fitamos ofegantes. Nossos quadris se roçando. Nossas
respirações se misturando.
E tudo o que eu quero é terminar o que nós inegavelmente começamos.
De repente uma luz se acende e escuto o portão se abrindo.
Eu pulo para o banco do passageiro no exato momento em que vejo minha mãe
aparecendo.
– Anna?
– Droga – praguejo e abro a porta, saltando antes que fique pior.
– Oi, mãe.
– O que faz aqui na porta? Por que não entrou? – ela olha além de mim, com a expressão
curiosa, e eu percebo que Daniel também saiu do carro. – Ah, olá Daniel.
– Eu já vou entrar - respondo constrangida.
– Certo. Entre logo então, não gosto que fique na rua, é perigoso.
– Eu sei, estávamos apenas terminando um assunto... sobre o trabalho.
– Sei... Podem terminar lá dentro então.
E ela entra, deixando o portão aberto, num claro sinal para eu entrar logo.
Eu encaro Daniel.
– Me desculpe por isto.
– Tudo bem, é melhor eu ir.
– Não – eu me vejo pedindo meio apavorada. – Ouviu minha mãe, você pode entrar.
Ele olha para minha casa e passa a mão pelos cabelos, parece tenso.
– Anna, não devo...
Eu seguro suas mãos.
– Por favor, Daniel... – sei que estou implorando, não me importo nem um pouco.
Estou além de qualquer pensamento coerente.
Eu ainda me sinto pulsar por ele.
Daniel me encara e vejo a luta sendo travada dentro dele, até que ele relaxa.
– Tudo bem. Como posso dizer não pra você, Annalise Nicholls?
Eu respiro aliviada e lanço a ele um sorriso trêmulo de satisfação, enquanto o levo pra
dentro.
Como o esperado, minha mãe está na sala e sorri ao nos ver.
– E então, como foi a tarde de vocês? Fizeram o trabalho?
Eu coro ridiculamente ao pensar que não fizemos trabalho algum.
– Estamos quase concluindo – escolho dizer – Na verdade eu e Daniel precisamos rever
alguns trechos. Então nós vamos subir, tudo bem?
– Claro, não quero que fique com nota baixa por falta de dedicação.
– Exatamente – eu concordo, já sentindo meu coração disparar com a possibilidade.
– Ei, aí está você.
Eu escuto a voz de Tom e me viro ao vê-lo entrar.
Ele sorri, mas seu olhar recai curioso sobre Daniel.
– Tom, este é um colega da Anna, Daniel. – Stella explica.
Tom estende a mão para Daniel.
E eu sinto uma tensão estranha no ar. Daniel parece muito sério. Quase... furioso. Mas
cumprimenta Tom sem dizer nada e eu penso que imaginei aquilo.
Talvez ele esteja apenas nervoso por estar na minha casa e cumprimentando meu
padrasto.
– Vai jantar com a gente? - Tom passa os braços em volta de Stella.
– Eles vão subir pra terminar um trabalho. Mas podiam jantar com a gente antes, o que
acha, Daniel?
– Não, obrigado senhora. Eu quero apenas terminar... meu trabalho com Anna e depois
preciso ir.
– Que pena. – Tom fala sorrindo cordialmente. – Peça para Anna te convidar para jantar
conosco qualquer dia. Talvez assistir um jogo, posso conseguir algumas entradas.
– Certo, pode deixar. – eu corto aquele papo. Sei que Tom está apenas sondando que tipo
de relacionamento eu tenho com Daniel. E tudo o que eu não quero neste momento é ele posando
de pai ciumento. – Nós vamos subir, senão fica tarde.
– Tudo bem. – Stella concorda e, enquanto nos viramos para subir, vejo Tom beijando-a
carinhosamente.
Rapidamente minha mente se desliga deles e eu apenas me concentro na doce ansiedade
dentro de mim, que aumenta e esquenta ao percorrermos as escadas e depois o corredor, até
finalmente entrarmos no meu quarto.
Então, ao encarar Daniel, ele parece com a cabeça a milhas dali, com a expressão grave e
pensativa.
– O que foi? – indago, subitamente insegura.
– Não esperava ver seu padrasto.
– Oh... Não ligue pra eles. Estão apenas especulando o que você é.
Daniel solta um riso irônico que eu não entendo, enquanto caminha até a minha janela,
olhando a noite lá fora, de costas pra mim.
– O que eu sou...
– Realmente não deve se preocupar – insisto, agora com um medo súbito que ele ache um
erro estar ali, com minha mãe e meu padrasto lá embaixo.
– Eles parecem um casal perfeito – comenta de repente e eu não posso ver sua expressão,
mas definitivamente não quero mais falar da minha mãe e Tom.
– Eles são. Mas eu não te trouxe aqui para falar sobre eles – digo e Daniel se vira.
Ele me fita e, por um momento, parece outro cara.
Ou melhor, ele se parece com o Daniel que me levou àquele armário, com os olhos
brilhando de malícia.
Eu começo a ofegar.
– E o que viemos fazer aqui?
Sem falar nada, caminho até minha porta e a fecho, trancando-a.
E rezo para que minha mãe esteja mesmo ocupada com seu jantar com Tom que não
pense em vir nos verificar.
Me viro e caminho até Daniel, seguro sua mão, puxando-o até a frente da minha cama e
me sento.
Com minhas mãos trêmulas, tiro minha camiseta.
E meu sutiã.
E com os olhos de Daniel me queimando, eu me deito sobre a cama.
Esperando. Desejando.
Ele solta um palavrão baixo, antes de se inclinar sobre mim.
Mas não faz nada por alguns instantes. E eu espero com meu coração aos pulos e o corpo
se contorcendo de ansiedade, enquanto ele paira ali, me fitando com os olhos verdes insondáveis.
– Porra, você sabe o que faz comigo? – suas palavras enrouquecidas vêm junto com sua
mão em meu rosto, os dedos passando por meu lábio inferior.
Eu ofego.
– Eu tentei o dia inteiro ficar longe de você e para quê?
– Não quero que fique longe de mim...
– E o que você quer? – Pergunta introduzindo o dedo em minha boca.
E juro por Deus que é a coisa mais erótica que eu já vi até hoje.
Eu gemo quando ele retira e passa o mesmo dedo molhado sobre um mamilo.
Eu perco o ar. O prumo. A voz.
– Me diz Anna, o que você quer? – Insiste contra minha boca, mordendo de leve meu
lábio.
– Você... eu quero você.
– Porra... – ele geme e me beija.
E estou perdida para sempre.
O beijo dura pouco e eu choramingo quando Daniel afasta os lábios dos meus cedo
demais. Paro imediatamente de pensar quando ele desliza a boca por meu rosto, até meu pescoço,
chupando minha pele sensível e me contorço embaixo dele.
Sua outra mão desce para meu seio e os aperta, o bico entre o polegar e o indicador e
antes que eu possa pensar o quanto aquilo é bom, ele desce e abocanha um seio, chupando a pele
sensível do meu mamilo, fazendo uma dor aguda traspassar meu ventre diretamente para o meio
das minhas pernas que eu afasto para dar espaço para ele no meio delas.
– Nossa... – gemo com os dedos torcendo seus cabelos, quando ele muda para o outro
seio, causando o mesmo estrago.
Os espasmos de prazer se espalham rapidamente por minha pele e se concentram num
pulsar latejante e úmido entre minhas coxas abertas e eu me esfrego nele arquejando em busca de
algum alívio para aquela tortura.
– Daniel, por favor... – peço desconexamente e ele desliza uma mão entre nossos corpos e
me toca bem ali, onde eu estou necessitando.
E seu toque é como ferro em brasa, me queimando e eu perco o ar, ofegando, enquanto o
pulsar em meu íntimo se torna mais exigente e intenso.
– Daniel, eu... Oh Deus... – soluço, meus dedos agora enfiados em seu ombro e ele se
ergue de joelhos me fitando com os olhos que dardejam necessidade em minha direção.
É quase tão excitante quanto suas mãos em mim.
– Eu sei, Anna... Eu também quero. – Diz roucamente e tira a camiseta pela cabeça.
Arquejo com a visão de seu peito. Meus dedos coçam para tocá-lo.
Ele é tão lindo que chega a doer.
E então suas mãos se imiscuem embaixo da minha saia e começam a retirar minha
calcinha.
Seus olhos se prendem em mim, enquanto a peça desliza por minhas pernas até sumir em
algum lugar no chão.
– Você é linda. – Murmura, os dedos subindo por minha coxa, enquanto se inclina de
novo, me fazendo sentir o doce roçar morno de seu peito em meus seios, o atrito me arrepiando.
– Eu quero você demais.
Ele deposita mil beijos em meus lábios entreabertos e eu abro as pernas para senti-lo no
meio delas, o atrito do seu jeans me estimulando.
– Por favor... – imploro, enquanto ele roça os quadris em mim e eu quase grito.
– Não hoje, não aqui.
Eu quero arrancar os cabelos de frustração.
Ele não pode estar fazendo isto... Não agora...
– Daniel... Por favor... – meus dedos puxam seus cabelos.
– Em breve, eu prometo – Sussurra em meu ouvido.
Choramingo, me negando a soltá-lo.
– Mas...
– Se encontre comigo amanhã...
Sua voz é como uma droga, todas as partes sensíveis do meu corpo estão gritando em
contato com o dele.
– Diz que você virá... – ele me beija devagar. – E não vamos parar...
– Oh Deus, sim. – Concordo com um gemido entrecortado, quando ele pega meu joelho e
passa em volta de seu quadril. O pulsar se torna insuportável e eu sinto que estou à beira do
abismo. – Sim, Oh, Daniel, sim... – rosno sentindo que não consigo segurar mais. – Acho que eu
vou...
– Tudo bem – ele diz contra meus lábios. – Eu quero ver você gozar de novo...
E é o que basta para me fazer explodir em mil espasmos deliciosos, me contorcendo
embaixo dele, que me beija com força, a língua invadindo minha boca, engolindo meus gemidos,
até que meu corpo finalmente se acalma.
E eu estou tão perdida que nem consigo me mexer quando ele se afasta, arrumando minha
saia no processo. Quando abro os olhos, já está vestido e fora da cama. Estende minha camiseta.
Eu a pego, a vestindo, meio constrangida. E agora? Eu não faço ideia de como agir neste
momento.
– Eu vou embora.
– Sim... – eu saio da cama e abro a porta.
Nós saímos e eu rezo para não encontrar ninguém no caminho.
E minhas preces são atendidas quando consigo chegar incólume ao carro de Daniel.
Eu o fito, incerta.
– Nos falamos amanhã – ele diz simplesmente e entra no carro.
E eu fico ali, confusa e chocada com sua frieza súbita.
Que diabos está acontecendo?
Capítulo nove
Eu ainda estou em pleno estado de confusão mental enquanto entro em casa minutos
depois da partida de Daniel e escuto Stella me chamando.
– Anna, Daniel já foi? – ela praticamente grita da cozinha.
– Sim, acabei de levá-lo até o portão.
Ela aparece no corredor.
– Vem jantar, então.
– Estou sem fome.
– Não vai ficar sem comer, Anna.
– Eu já comi... – eu ia acrescentar que comi no Space Needle, mas me calo já que Stella
não faz ideia de que eu não estava fazendo trabalho algum e sim passeando por aí feito turista. –
Na casa do Daniel – minto.
– Tudo bem então.
– Eu vou subir...
– Já vai dormir? Está cedo...
– Deixa a garota, Stella – escuto a voz divertida de Tom.
– Está certo, vá descansar.
Assim que me viro, aliviada por conseguir me livrar de minha mãe e seu possível
interrogatório, escuto o som da campainha tocando e meu coração dispara no peito.
Será que Daniel voltou?
Praticamente corro para o interfone, mas não é a voz de Daniel que eu escuto, e sim de
Tyler.
– Oi, Anna...
– Tyler? O que faz aqui?
– Desculpa vir esta hora, mas eu queria conversar com você.
Eu suspiro, me debatendo entre a vontade de arranjar uma desculpa e mandá-lo embora
ou atendê-lo.
A segunda opção vence.
Tyler é meu amigo mais antigo e não tem culpa da confusão que estou metida.
– Tudo bem, entra – eu aperto o controle para o portão abrir e o aguardo no hall.
Ele parece ressabiado quando me vê e eu sorrio para tranquilizá-lo, me aproximando e o
abraçando.
– E aí, tudo bem?
– Tudo...
– E o que de tão importante tem pra me dizer num sábado à noite?
Ele coça os cabelos, meio sem graça.
– Eu acho que não deveria ter vindo assim sem avisar, mas...
– Tudo bem, não tem problema. Como vê, estou em casa sem fazer nada – digo um pouco
amargurada, Tyler não faz ideia dos meus motivos.
– Então será que a gente pode dar uma volta?
Hesito, pensativa. Da última vez que saí com Tyler, acabou com ele me beijando. E
realmente não estou a fim de mais problemas com garotos no momento.
– Tyler...
Ele ri.
– Anna, não vou tentar ficar com você de novo, eu te garanti isto, não? Só estou te
convidando pra gente sair e conversar.
– Tudo bem – me pego dizendo. Pelo menos eu não ficaria em casa remoendo as atitudes
bizarras de Daniel Beaumont.
Ou o fato de que eu concordei em encontrar com ele amanhã.
“E não vamos parar”.
Sinto um frio na barriga só de me lembrar de suas palavras.
Mas, por que então ele foi embora como se nada tivesse acontecido depois de...
Eu bufo, já me irritando com o caminho tortuoso dos meus pensamentos. Sim, sair com
Tyler seria perfeito.
– Eu vou subir e trocar de roupa e a gente já vai, tá?
– Certo. Eu te espero.
Eu troco a saia e blusa por um jeans e camisa e desço rápido. Apenas passo na cozinha e
aviso Stella e Tom que vou dar uma volta com Tyler
– Não volta tarde – Stella pede e eu rolo os olhos.
– Pode deixar.
Tyler está de moto e eu sorrio, empolgada, enquanto ele me passa o capacete.
– Como adivinhou que uma volta de moto era tudo o que eu precisava hoje? – digo,
montando atrás dele.
– Sabia que ia gostar – ele ri e dá partida. O motor roncando embaixo de nós. – Segura!
Eu agarro sua cintura e saímos a toda velocidade pelas ruas escuras.
É realmente estimulante sentir o vento cortando minha pele, e a velocidade faz a
adrenalina disparar em meu sangue. E por muito tempo eu não penso em nada, apenas deixo o
vento zunir no meu ouvido.
Acabamos parando num restaurante mexicano para comer tacos e eu encaro Tyler com
expressão indagadora depois de fazer nossos pedidos.
– E então, o que de tão importante tem pra me dizer?
– Eu estou voltando para Olímpia.
Arregalo os olhos, confusa.
– Como é?
– Isto mesmo que ouviu.
– Por quê?
– Minha irmã vai casar.
– Maria? Eu nem sabia que ela tinha um namorado!
Ele ri.
– Nem eu! Parece que ela já está há uns bons meses com Paulo.
– Por que eles estavam namorando escondido?
– Ela tinha medo do meu pai. Por causa da fama de encrenqueiro do Paulo.
– E agora eles vão casar? E seu pai?
– Meu pai deu um sermão nos dois, não pelo namoro e sim por manterem escondido. Mas
gostou que ele a pediu em casamento.
– E ela vai largar a faculdade?
– Vai sim. E eu vou embora com ela pra Olímpia.
– Vai largar sua escola? Tyler, não precisa fazer isto...
– Anna, não posso ficar morando sozinho aqui na cidade...
– Vem morar com a gente então! Tenho certeza que minha mãe concordaria e Tom
também.
– Não, eu não poderia fazer isto de jeito nenhum.
– Mas, Tyler...
– Eu sei que você me incentivou a vir pra cá e me ajudou a conseguir a bolsa e tudo mais,
mas não acho que isto seja pra mim.
– Eu pensei que você queria entrar numa faculdade.
– Anna, vamos encarar. Acho que era mais um sonho seu do que meu. Eu acho que
acabei concordando por causa da sua insistência.
Sim, eu insistira com ele por muitos meses para se mudar para Seattle. E achara que seria
bom pra Tyler, estudar numa escola legal e conseguir entrar numa faculdade. Era meio
decepcionante saber que ele só aceitou vir porque eu queria. E me pergunto se tinha a ver com o
fato de ele, no fim das contas, ter sentimentos por mim.
– Sim, era por isto também – ele confessa, adivinhando o rumo dos meus pensamentos e
eu desvio o olhar, cheia de culpa.
– Eu sinto muito, Tyler...
– Não se sinta culpada. Eu assumi os riscos.
– Se é por isto que deseja ir embora, não acho justo...
– Não é por isto. Eu juro. Eu realmente pensei muito e acho melhor voltar pra casa. Ficar
com meus pais e fazer minha vida lá.
– Não vou conseguir fazer você mudar de ideia, não é? – pergunto desanimada e ele sorri.
– Não.
Eu suspiro alto.
– Está certo.
Nós conversamos sobre quando ele vai voltar e sobre o casamento de Maria, até que
Tyler me olha estranhamente.
– E você?
– Eu o quê?
– Devo acreditar que o tal Daniel Beaumont é mais que um colega?
Eu fico vermelha feito pimentão e penso em negar, mas acho que a verdade está
estampada no meu rosto ruborizado.
– Bem... mais ou menos...
– Como assim?
– As coisas estão meio estranhas... – dou de ombros. – A gente fica junto e... não é nada
oficial, ou melhor, eu não sei onde isto tudo vai dar. Se é que vai dar em algum lugar... – eu
brinco com as migalhas de pão na mesa, externando meus medos mais profundos.
– Por que pensa assim?
– Eu o conheço há pouco tempo, não sei direito o que está acontecendo.
– Está se apaixonando por ele.
– Tyler...
– Apenas responda, Anna – ele pede subitamente sério.
– Acho que sim – confesso.
– E ele está por você.
Esta é a questão. Como posso saber dos sentimentos de Daniel por mim?
E será que eu tenho o direito de cobrar algum sentimento? A gente se conhece há muito
pouco tempo.
O que eu sei é que quando estou com ele é tudo tão intenso e perfeito que não consigo
pensar em mais nada a não ser em me entregar completamente àquele sentimento.
Como não quero dizer nada daquilo a Tyler, apenas dou de ombros.
– Não sei. Ele parece gostar de mim também.
– Espero que ele a trate bem.
Eu sorrio.
– Não banque o irmão protetor, por favor.
E nós dois rimos.
– Você merece um cara legal, só isto.
Eu seguro sua mão por cima da mesa.
– Obrigada, Tyler, por ser meu amigo. Eu não mereço você.
Ele aperta meus dedos sorri de volta.
E isto basta.
***************
Eu tenho certeza que os anos iriam passar e que eu nunca me lembraria com exatidão o
que aconteceu nas horas que antecederam meu encontro com Daniel naquela noite.
Eu sei que passei muito tempo tentando decidir o que vestir. Algo sexy? Sofisticado?
Ou simples e despojado?
Eu não fazia ideia do que vestir para ir transar com um cara.
E quis desesperadamente ter uma amiga com quem eu pudesse me aconselhar sobre o
assunto.
Eu poderia ir como eu mesma. Como eu me sentiria mais à vontade.
Ou seja: o bom e velho jeans. Afinal, o intuito era tirar a roupa, não é mesmo?
Mas Daniel Beaumont era extremamente sofisticado. Seus irmãos eram todos ícones de
moda e elegância.
E ele marcara um encontro comigo num dos hotéis mais caros de Seattle. Acho que jeans
e camisa não combinariam com a ocasião.
Então eu acabei encontrando, em meio à infinidade de roupas que Stella comprava pra
mim, um vestido preto, que eu provavelmente já teria usado em algum evento com Tom.
Naquele momento não me lembrava onde e, para completar, eu vestia, não sem meu rosto corar
de um certo constrangimento, um conjunto de lingerie rosa da Victoria’s Secret, que Stella
comprara para me provocar há alguns meses e nunca fora usado. E eu achava mesmo que nunca
iria usar. Até aquele dia.
E por fim, eu desço as escadas, sentindo minhas pernas meio trêmulas, rezando para não
cair do salto ridículo e torcendo para que minha mãe acredite na história que eu vou inventar.
– Aonde vai? – ela me mede de boca aberta quando me vê.
– Uma festa com a Jena.
– E só agora me diz?
Eu dou de ombros.
– Me desculpe, sabe como é, eu nem ia, mas Jena me ligou há pouco e insistiu...
– Certo... quer que eu te leve?
– Não, eu vou dirigindo.
Ela levanta as sobrancelhas.
– Vai dirigir, é?
– Sim, você mesma diz que eu preciso perder o receio.
– Tudo bem. Não vá chegar muito tarde, hein?
– Pode deixar.
– E leve o celular.
– Ok.
– Divirta-se.
Eu coro com suas palavras, com a ideia insana de que ela sabe o que eu vou fazer, o que é
ridículo.
E eu não sei como dirijo até o hotel. Tudo passa como um borrão por mim.
Minha mente se desligando do resto do mundo e deslizando para uma doce e agonizante
expectativa.
Quando estaciono em frente ao hotel, começo a sentir um nervoso atordoante, como um
princípio de pânico até que meu celular vibra.
E na mensagem está apenas o número do quarto.
Respiro fundo várias vezes e saio do carro. Indo ao encontro de Daniel Beaumont, em
algum lugar daquele hotel.
Meus pés afundam no carpete macio enquanto eu caminho no corredor e finalmente paro
em frente ao quarto.
Quase posso ouvir o som das batidas frenéticas do meu coração quando a porta se abre e
lá está ele.
– Anna. – Ele diz meu nome e eu me deslumbro uma vez mais com sua perfeição,
enquanto ele sorri lentamente e estende a mão pra mim.
Eu a seguro sem hesitar, adorando sentir seus dedos se entrelaçarem nos meus.
Até o fim da noite estaremos entrelaçados de todas as maneiras possíveis. E este
pensamento faz minha mente girar e meu corpo esquentar.
Entro na suíte e Daniel fecha a porta atrás de nós.
Olho em volta, com olhos curiosos e paro em frente às grandes janelas do teto ao chão e a
vista é de tirar o fôlego.
– Lindo – exclamo e olho para Daniel.
Meu pulso acelera ao vê-lo olhando pra mim de uma maneira tão íntima e intensa que me
tira do prumo e me faz lembrar porque estou ali.
Meu estômago se revira.
Nervoso e ansiedade se debatendo dentro de mim.
Ele se aproxima e suas mãos enquadram meu rosto.
Sinto seu hálito delicioso em minha língua.
– Eu me perguntei o dia inteiro se você viria.
– Eu disse que viria.
– Não, não disse – ele acaricia meu rosto e eu percebo que ele tem razão. Eu não
respondera nada depois da mensagem.
Mas ele sabia, não sabia?
Eu não poderia fugir dele de maneira alguma.
– Eu estou aqui – digo e ele sorri lentamente.
E há algo perverso naquele sorriso lindo.
Perversão que faz meu ventre se contrair e um pulsar ritmado se instalar no meio das
minhas pernas.
Ofego.
E quando ele se inclina e sinto meu lábio inferior entre seus lábios, solto um gemido
rouco.
E então finalmente ele me beija. A língua se enroscando na minha, enquanto seus dedos
se infiltram nos meus cabelos, puxando.
Eu fico na ponta dos pés e colo meu corpo trêmulo ao dele, e seu gemido dentro da minha
boca, faz mil agulhas espetarem minha pele febril. Me deixo levar, me apertando contra ele,
ansiosa e querendo mais contato do que apenas nossas bocas. E ele para o beijo, mordendo meus
lábios quando nossos quadris se roçam, excitados.
Todo meu corpo está gritando “Sim, isto”.
– Eu quero você. – Seu sussurro rouco sai por entre seus lábios que depositam mil beijos
em minha boca inchada, as mãos descendo pelas minhas costas, apertando meus quadris contra
os dele e eu sinto sua ereção pungente. - É isto que você quer?
Eu gemo, meus dedos puxando seus cabelos.
– Sim... sim... por favor...
Ele geme e me beija com força e eu não sei dizer como, mas, no minuto seguinte, estou
sem o vestido e Daniel me fita com um olhar extasiado.
– Você é tão linda! – Seus dedos cingem a renda do meu sutiã, apertando, e eu mordo os
lábios. - Eu sonhei em te ver nua desde o dia em que te conheci. - Agora seus dedos entram na
renda, apertando meus mamilos e eu arquejo. – Me deixe te ver nua...
– Sim...
Com um gemido, ele me leva pra cama, tão rápido que eu mal vejo ao meu redor. Fico
ali, ofegante e trêmula, enquanto Daniel Beaumont paira sobre mim, a boca descendo por meu
pescoço, mordiscando até chegar ao meu seio e dar um chupão forte, molhando a renda.
Eu me contorço.
Ele se afasta e tira rapidamente a lingerie de mim, e em segundos estou nua.
Ele me fita passando a língua sobre os lábios e eu mal consigo respirar de ansiedade.
Tudo dentro de mim está em movimento. E está esperando por ele.
E ele começa a se despir, sem parar de olhar para mim. Eu apenas consigo pensar que ele
é o cara mais perfeito do mundo, quase sobre-humano em sua perfeição.
E eu estou apaixonada por ele. Tanto que dói.
Tenho vontade de dizer isto, quando o vejo pegar um preservativo e colocar nele mesmo
e deitar sobre mim, retirando os cabelos revoltos do meu rosto, enquanto abre caminho em meio
a minhas pernas, com um olhar de pura determinação.
E eu grito quando sinto uma dor aguda me rasgar por dentro.
Ele para, ofegante e me encara.
Eu sinto lágrimas quentes inundando meu rosto.
–Eu te machuquei. – ele diz por fim e se afasta.
Eu fecho os olhos, me sentindo vulnerável, dolorida e envergonhada.
Não consigo fazer nada a não ser chorar. E escuto Daniel murmurar um palavrão antes de
sentir seus dedos em meu rosto.
– Anna, por favor, não chora.
Eu soluço ainda mais e ele me abraça.
Enterro o rosto em seu pescoço e choro até me controlar. Não sei de onde veio todo
aquele choro descontrolado. Talvez da tensão das últimas horas ou da grandiosidade do
momento.
– Anna, eu não queria machucar você, Deus... – ele parece realmente horrorizado e eu
finalmente consigo me afastar um pouco e enxugo meu rosto.
– Tudo bem, está tudo bem.
– Não, você está chorando - ele me encara muito sério. – Eu te machuquei.
– Sim, mas... É normal, não é? Quer dizer, para uma primeira vez.
– Sim... – ele diz desviando o olhar, e eu não sei o que está pensando.
Só sei que está se afastando. Talvez até esteja arrependido.
E eu não quero isto.
– Daniel, está tudo bem. Me desculpe por ter chorado deste jeito, nem foi tanta dor
assim... acho que eu estava tensa, agora está tudo bem...
– Acho que talvez devamos parar por aqui
Eu me assusto. Parar? Como assim a gente nem tinha começado!
– Eu não acho – digo firmemente.
– Anna...
Eu passo meus braços a sua volta e beijo seu queixo, me apertando contra ele.
Daniel geme e fecha os olhos.
Eu o trago pra cima de mim de novo, roçando meus quadris no dele num claro convite.
– Por favor... – eu sussurro em seu ouvido. – Eu quero sentir como é ter você dentro de
mim de novo...
E então não há mais resistência, e ele me beija, a língua invadindo minha boca e eu o
sinto me penetrando de novo.
Desta vez não há tanta dor, apenas um leve desconforto, que não é nada comparado ao
doce prazer que se aloja em forma de um pulsar quente em meu íntimo, enquanto ele se move,
num ritmo preciso, que vai aumentando, juntamente com as ondas dentro de mim. E eu abraço
seus ombros e fecho os olhos, me movendo junto com ele, até ouvir seus gemidos de gozo em
meu ouvido e eu me desmanchar embaixo dele.
– Está tudo bem? – abro os olhos ao ouvir sua voz e sorrio, levantando a mão e ajeitando
uma mecha de cabelo suado em sua testa.
– Muito bem – sussurro, mas ele permanece estranhamente sério e eu sinto um tremor de
desconforto. – Daniel, está tudo bem mesmo, espero que não esteja encanado com meu choro
idiota... estou ótima agora. De verdade... – digo quase atropelando as palavras.
– Nunca quis machucar você – ele diz de repente.
– E não me machucou desta vez... na verdade foi ótimo agora... – digo, corando.
E de repente ele me beija.
E quando volta a me encarar ele sorri. Um sorriso sexy. Deslumbrante.
– Você é absurdamente deliciosa.
E é minha vez de gemer e beijá-lo, mas ele se afasta antes que comece a ficar bom,
quando escuto um celular vibrar.
Torço para que não seja o meu. Seria muito constrangedor minha mãe me ligando para
me checar agora.
Daniel se afasta e eu o observo pegar seu celular no bolso da calça e olhar a mensagem.
E não parece ter gostado nada do que lê.
– Tudo bem? – pergunto insegura, e ele pega sua roupa no chão.
– Eu vou me trocar, acho que deveria fazer o mesmo. Precisamos ir.
E sem mais ele se fecha no banheiro.
O que será que tinha na mensagem para ele mudar tão de repente?
Ele volta ainda silencioso para o quarto e é minha vez de me trancar no banheiro. Queria
tomar um banho, mas no momento não acho que Daniel queria esperar, então só me limpo da
maneira que posso e me visto.
Quando saio do banheiro, ele se aproxima e toca meu rosto. Parece que vai falar algo,
mas se cala no último momento.
– Vem, vou te levar até seu carro.
Ele segura minha mão e eu o sigo pelo corredor, no elevador até fora do hotel.
E o encaro na porta do carro.
– Nos vemos amanhã? – pergunto.
Ele sorri, me beija rapidamente e abre a porta pra mim.
– Sim, na escola, claro.
Eu entro e ele espera eu dar partida para se afastar de volta ao hotel.
Realmente é uma pena que aquela mensagem tenha nos interrompido. Eu daria tudo para
ficar mais tempo com ele.
Estou mais apaixonada do que nunca agora. E sinto que isto é só o começo.
O mundo me pertence, porque Daniel me pertence.
E eu mal posso esperar pelo dia seguinte, quando o verei de novo.
Capítulo dez
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Eu acordo devagar no dia seguinte.
Abro a janela e está um dia cinzento. Mesmo assim, eu tento me animar.
Eu vou pra escola. Eu vou ver Daniel.
Me troco e ao descer, nem Tom nem Stella estão por ali.
Não é segredo que minha mãe curte dormir até tarde, e como ela estava doente ontem,
pode estar descansando agora.
E Tom deve estar treinando.
Ainda está cedo para Jena aparecer, então eu passo um recado para ela e informo que vou
de carro, que ela não precisa me dar carona.
Dirijo até a escola e como sempre faço, ao sair do carro, eu olho pelo estacionamento.
Não vejo o carro de Daniel. E nem de sua irmã Violet.
De novo penso nos telefonemas. Estou ansiosa pra falar com Daniel sobre isto também.
Entro na escola e vou direto para a sala, por causa da chuva fina que cai. Hoje tem aula
de literatura. E eu espero que Daniel não falte.
Eu espero em vão. Ele não aparece. Deixo um recado no intervalo da aula seguinte.
Também não há resposta.
Não tem aula de Educação Física por causa do tempo. Eu consigo me desvencilhar de
Jena e Fiona e tento ligar pra ele o tempo inteiro, trancada num banheiro. E quando me dou
conta, já deve ser hora do intervalo, porque algumas garotas enchem o banheiro.
Eu ainda continuo tentando passar mensagens, mas escuto uns cochichos e levanto o
olhar.
É impressão minha ou todas elas estão me olhando? Algumas também têm um celular na
mão e olham para alguma coisa neles e depois olham pra mim.
Eu saio do banheiro aturdida e o corredor está cheio.
E, de repente, parece que todo mundo resolveu olhar pra mim.
Eu caminho escutando uns cochichos e risadas, sem entender, até que Fiona e Jena se
materializam na minha frente.
Fiona está pálida feito um fantasma e Jena vermelha como se fosse explodir.
– O que deu em todo mundo?
– Onde estava? Deus, estávamos loucas atrás de você! – Jena quase grita.
– O que foi?
– Ela ainda não viu. – Fiona diz e então Jena coloca um tablet na minha mão.
E eu arfo horrorizada ao ver uma sucessão de fotos minhas.
E de Daniel.
No quarto dele.
Na tarde anterior.
Fazendo sexo.
Eu nunca me lembrarei com exatidão do que eu fiz depois que vi aquelas fotos e me dei
conta de que era o que todos estavam olhando em seus celulares.
Eu não consigo respirar.
Olho em volta, o rosto das pessoas em mim. Uns chocados, outros rindo. Alguns garotos
faziam piadas sujas. Faziam propostas.
Algumas garotas me chamavam de vadia. De suja.
E era exatamente assim que eu estava me sentindo.
Suja.
Eu estou suja e cheia de horror.
Como aquelas fotos existiam?
Só eu e Daniel estávamos naquele quarto. Era um momento íntimo.
Ou eu achava que era.
Eu luto para respirar.
– Anna, como isto aconteceu? – Jena perguntava. – Você transou com o Daniel e o
deixou tirar fotos? Estava louca? E agora está tudo na internet! Que horror! Com certeza acabou
com sua campanha do grêmio.
– Cala a boca! – Fiona murmura. – Anna, sinto muito...
As vozes ao meu redor vão aumentando. Se misturando.
Eu já não escuto ninguém
Então eu corro. Eu fujo.
Eu empurro as pessoas tirando-as do meu caminho.
E já estou no estacionamento quando vejo Violet Beaumont.
E atrás dela estão os outros Beaumont.
– Onde está o Daniel? – pergunto.
– Está longe daqui – ela reponde simplesmente.
– Estas fotos... – eu mal consigo falar. – Ele sabe destas fotos?
– Se ele sabe? Foi ele quem armou tudo, não percebeu ainda?
Eu sinto que vou desmaiar.
– Está mentindo!
– Não estou.
– É mentira... Ele não faria isto... Por que ele faria isto...
– Porque eu pedi.
– O quê?
– Anna, filha! – escuto a voz da minha mãe e a vejo saindo do carro e vindo na minha
direção. Pela cara dela, ela sabe.
Eu quero morrer naquele momento.
Então ela olha pra Violet e fica ainda mais pálida.
– Você?
– Olá, Stella, e nos encontramos de novo.
– Vocês... Vocês se conhecem? – pergunto assustada.
Violet sorri maldosamente.
– Conte a ela, Stella, conte como nos conhecemos.
– Foi você que fez isto com a minha filha! – Stella grita. – Como pôde?
– Como eu pude? Eu não fiz nada. Você viu bem, ela estava bem feliz de se deixar
seduzir por meu irmão.
– Então ele é mesmo seu irmão?
– Sim, depois que minha mãe se matou por sua causa, os Beaumont me adotaram.
– Do que está falando? – eu pergunto atordoada.
– Pelo jeito sua mãe não te contou nada, não é?
– Contou o quê?
– Anna, vamos embora. – Stella tenta me puxar, mas eu me nego a ir.
– Contou o quê? – insisto.
– Que o seu querido marido Tom me seduziu há três anos. Quando eu tinha apenas
quatorze anos. Que ele também se envolveu com a sua preciosa mãezinha e a pediu em
casamento. Que quando eu contei que estava grávida, ele me espancou, até que eu perdesse meu
bebê e ficasse estéril pro resto da vida.
Eu escuto aquilo horrorizada.
Meu mundo inteiro está desabando.
– E sabe o que é pior? Ele era namorado da minha mãe. Ele a tinha pedido em casamento
e depois me seduziu! Minha mãe descobriu tudo quando me encontrou no hospital. Eu era a
queridinha dele assim como você. Só que ele não tinha a sorte de ser tão rico como é agora!
– Isto é verdade? – pergunto sem acreditar.
– Sim, a mais pura verdade.
– Mas minha mãe não tem nada a ver com isto...
– Não tem? Sua mãe sabia de tudo. A polícia foi atrás dele. Ela o defendeu. Disse que ele
estava com ela. Ela lhe deu um álibi. E ele saiu impune. E eu saí como mentirosa!
– Não pode ser... Mãe... – eu encaro Stella. A verdade está em seu rosto.
– Vamos embora, Anna.
Mas eu precisava ouvir até o fim.
– E o que o Daniel fez tem a ver com isto?
– Eu não podia deixar sua mãe e Tom impunes depois de tudo. Posando por aí de casal
perfeito... Enquanto eu ainda tenho pesadelos e marcas no meu corpo! Ele podia estar
apodrecendo na cadeia se não fosse ela. Agora ela sabe como é ter a filha seduzida e humilhada.
Sabe o que minha mãe passou, se sentindo tão culpada por ter colocado aquele canalha nas
nossas vidas que se matou semanas depois. – Ela encara Stella. – Agora você sabe. O que eu fiz
com sua filha foi pouco em vista do que fizeram comigo, agradeça por isto!
– Vamos embora. – Elton puxa o braço de Violet por fim.
Charlotte me encara com um olhar grave.
– Eu disse pra ficar longe do meu irmão. Eu avisei você.
– Onde ele está? – pergunto.
Eu não consigo nem dizer seu nome.
– Ele foi para Los Angeles, com a Eloise
– Eloise Parker?
– Sim. Ela também é mais uma marionete da Violet nesta história.
– Já chega! – Stella finalmente consegue me puxar e me põe no carro.
Eu estou adormecida.
Minhas emoções estão petrificadas, enquanto Stella dirige pela chuva.
– Eu sinto muito, Anna, meu Deus, como eu sinto... – ela murmura entre soluços. –
Aquela garota é louca... Eu deveria ter desconfiado... Estava tudo muito esquisito nestas
semanas... Mas eu não podia imaginar...
– É verdade a história que ela contou?
– Não foi bem assim.
– Pelo amor de Deus, mãe. Me conte a verdade.
– Foi ela quem seduziu o Tom. Você a viu! Ela é capaz de tudo! Provavelmente a mãe
dela se matou de desgosto...
– Ela tinha 14 anos! O Tom era noivo da mãe dela!
– Por isto mesmo, uma coisa horrível!
– Ele a espancou. Ela estava grávida.
– Ela o provocou. Ela o estava ameaçando. Não queria deixá-lo ficar comigo. Ele já tinha
terminado com a mãe dela, que não tinha causado nenhum problema. Ele queria ir embora
comigo!
– E a senhora acha que isto justifica o fato de ele espancá-la até ela perder o bebê?
– Ela exagera...
– Não acho que seja exagero se ela guardou tanto rancor por quase quatro anos a ponto de
pedir para o irmão...
Eu não consigo terminar. Eu não quero pensar nisto.
Não quero pensar na traição de Daniel.
Simplesmente não consigo lidar com isto ainda.
– Por que o defendeu?
– Eu o amava. Como podia deixá-lo ir pra cadeia, por causa de uma garota daquelas?
Eu fecho os olhos com força.
O mundo inteiro está do avesso agora.
Tudo o que eu conheci como certo. Tudo desmoronou.
Tom. Minha mãe.
Daniel.
Nós chegamos em casa e o inferno está instalado.
Há paparazzi por todos os lados enfiando câmeras em nossas caras.
– Anna, como se sente com suas fotos íntimas na internet?
– Você sabia que seu padrasto estava tendo um caso com uma adolescente?
Encaro minha mãe e ela não diz nada, enquanto finalmente consegue colocar o carro
dentro de casa.
Corro para dentro, não para fugir da chuva, para fugir de tudo.
Quero ficar sozinha e remoer minha dor.
Mas Tom está lá.
Ele grita ao telefone e resmunga algumas palavras, para ao me ver e desliga.
– Como pôde aprontar algo assim, Anna?
– Eu?
– Sim! Se deixar flagrar naquele tipo de foto...
– Eles armaram pra mim! E por sua culpa! Por isto ficou daquele jeito ontem... Quando
eu falei de Daniel e de Violet, você os reconheceu.
– Eu lembrava vagamente que ela tinha sido adotada por uma família Beaumont...
– Não vamos mais falar deste assunto. – Stella entra. – O que estes abutres estão fazendo
aí fora?
– Eles estão querendo minha carcaça! – Tom grita. – Eu já liguei para os advogados! Isto
não vai ficar assim.
– A culpa é sua! Como se não bastasse aquela louca envolvendo minha filha nisto, você
ainda teve outro casinho!
– O quê? – digo aturdida.
– Anna, sobe pro seu quarto – Stella pede.
– Não! Já chega de me manter de fora! Como assim um caso? Você está tendo um caso?
– Isto não é da sua conta – ele resmunga.
Então eu entendo.
Eloise estava com Tom ontem.
Ele perguntando se ela era algo mais de Daniel.
Charlotte dizendo que Eloise era mais uma marionete de Violet. Tudo se encaixa.
– Você percebeu isto ontem, não é? Violet armou pra você. Eu era a vingança contra
minha mãe. E Eloise era a sua.
–Você foi um idiota. – Stella grita. – Eu te defendi uma vez! Acha que vou te defender
novamente? Você prometeu que nunca mais ia aprontar! Nós éramos felizes! Eu te dei tudo!
Confiei em você!
– A culpa não foi minha! Você ouviu! Violet armou tudo com a amiga dela! Os
Beaumont armaram pra mim! Para acabar com a minha carreira!
– Quem se importa com carreira? Eu me importo com nosso casamento!
– Minha carreira é o que nos sustenta! Eu sou um jogador! Trabalhei duro pela minha
reputação! Não vou deixar aquela vadiazinha destruir tudo!
– Ela já destruiu – eu falo e me arrasto para meu quarto.
Sim, Violet acabou com tudo.
Exatamente como planejara.
O ódio que ela sentia por mim desde o início fazia sentido.
O interesse de Daniel Beaumont em mim fazia sentido agora.
Eu me sento, sem forças, e luto contra a dor no meu peito. É como uma faca sendo
torcida.
Tudo o que Daniel fez.
Era tudo uma mentira.
Eu era apenas um instrumento de vingança. Alguém que ele usou. Para colocar aquelas
fotos horríveis na internet.
Fotos que estariam pra sempre por aí. Seria uma humilhação eterna.
Nunca seria esquecido.
E isso não foi o pior.
Ele fizera eu me apaixonar por ele.
Para nada. Ele não sentira nada.
Escuto a porta abrir e quero gritar para seja quem for ir embora.
– Anna?
Abro os olhos e vejo Tyler.
Ele se aproxima e me abraça.
E então, eu finalmente choro.
Por todas as mentiras que me foram contadas.
Por todos os erros cometidos por Tom. Por minha mãe.
Pelos seus erros que eu tive que pagar.
Pela minha inocência perdida.
Por um amor que nunca foi real.
– Vai ficar tudo bem, Anna... – ele murmura.
– Tyler... Me leva pra casa... me leva pra Olímpia.
†
Livro II
Daniel
Sumário
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
“Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem”.
Friedrich Nietzsche
Prólogo
O crepúsculo cai sobre nós, mas o tempo está parado enquanto fico ali, sem conseguir me
mexer.
Eu havia imaginado inúmeras vezes em todos aqueles anos, como seria encontrá-la
novamente. Se ela ainda seria a mesma. Se eu seria o mesmo.
E agora está acontecendo.
Ela está parada a uns dois metros e não me vê. Os cabelos castanhos ainda são longos e
ainda dançam em volta de seu rosto pálido. Um casaco preto veste seu corpo até os joelhos e eu
me lembro de como ela era de uniforme.
De como meus olhos se prenderam nela há tantos anos e nunca mais a deixaram. Pois
podia fazer muitos anos que eu não a via, porém nunca a esqueci. E agora ela está aqui. Eu posso
dar alguns passos e tocá-la.
Esta constatação me enche de vida e expectativa.
Eu chego a dar um passo à frente, meu coração disparado de ansiedade. Eu posso me
aproximar e dizer... O quê?
Eu me detenho.
O que Annalise Nicholls poderia querer escutar de mim depois de tanto tempo?
Minha presença em sua vida nunca lhe trouxe nada de bom. Muito pelo contrário. Apenas
dor e sofrimento.
E eu ainda tinha que conviver com a culpa. Esta seria eterna.
Então, com o coração desacelerando até quase parar, eu vejo um táxi parar e ela caminhar
alguns passos, abrindo a porta e desaparecendo dentro dele.
Eu ainda estou parado no mesmo lugar muito tempo depois de o carro sumir de vista.
A vibração do celular em minhas mãos me tira do estupor paralisante para ver mais uma
mensagem preocupada de minha mãe.
A noite caiu por inteiro agora é um manto escuro cobre o céu.
Eu caminho através da rua apinhada de pessoas, forçando os passos.
Tentando esquecer que eu acabara de ver Anna Nicholls.
E que de novo ela fora embora.
Como há oito anos.
– Achei que tinha fugido.
Eu só me dou conta que estou em frente ao restaurante quando vi Elton parado à porta me
encarando com um sorriso.
– Não que eu te culpasse se o fizesse. Mamãe me obrigou a ir atrás de você, me poupou
uma caminhada. Onde se meteu?
– Trabalhando, o que acha? – Respondo meio irritado, decidindo manter o episódio do
encontro com Anna só para mim.
Annalise Nicholls não era um assunto habitual na nossa família há muito tempo.
Elton me escolta para dentro e cinco pares de olhos se prendem em nós.
Charlotte bate palmas, sorridente ao me ver e Owen ao seu lado acaricia seu ombro. O
sorriso da minha mãe é de alívio. Meu pai logo desprende o olhar de mim e volta sua atenção ao
bip em sua mão e eu me pergunto se de novo ele nos deixará mais cedo por causa de alguma
emergência.
E Violet revira os olhos.
– Achei que ia dar o bolo também no seu próprio jantar de comemoração.
Eu me sento ao seu lado pegando o cardápio.
– Se sinta feliz se eu não te der o bolo no seu casamento.
– Você não se atreveria – ela sibila arrancando o cardápio da minha mão e eu rio.
– Não, Violet, eu não me atreveria. O que eu me pergunto é, porque sou eu que tenho que
te ajudar com as malditas flores, se quem vai casar com você é Elton?
– Elton tem a sensibilidade de um elefante.
– Ei, eu estou aqui. – Elton resmunga.
– Vai se casar com ele, então por que reclama? – Continuo.
– Ela vai se casar comigo porque eu tenho outras partes que parecem de um elef...
– Elton, para com isto. – Papai interrompe a piada boba de Elton deixando o bip de lado.
– Caleb, querido, algum problema? – Mamãe pergunta preocupada e ele sorri pra ela,
levando sua mão aos lábios e a beijando.
– Nada que não possa ser resolvido sem mim. Ou pelo menos até que acabemos de jantar.
–Vamos pedir então, já que o convidado de honra chegou? – Owen como sempre prático
chama o garçom.
– Se você não queria ir escolher as flores comigo, podia ter falado quando eu pedi. –
Violet continua o assunto.
– Como se fosse fácil dizer não pra você.
Charlotte dá um risinho irônico.
– Você podia estar bem tranquila agora se me deixasse organizar tudo...
– Nem pensar. Já falamos sobre isto! O casamento é meu e eu quero organizar tudo.
– Quero só ver como vai ser... Depois não diga que não avisei...
– Você está com inveja porque vou casar antes de você.
– Como se eu me importasse!
– Meninas, não briguem. – Mamãe põe fim às desavenças fraternais de Charlotte e Violet
e me encara. – Me diz, querido, como estão as coisas no seu novo cargo?
– Não é um cargo novo, mãe. Na verdade, nada mudou muito ainda. Agora tenho uma
estagiária só pra mim, se posso chamar isto de mudança.
– Hum, gostosa? – Elton pisca pra mim levando uma cotovelada de Violet.
– Ela precisa ser eficiente e não gostosa – digo laconicamente, me lembrando dos olhares
lânguidos de Lucy.
– É por isto que a Violet quer que você escolha as flores. Você é um gay. – Elton provoca
e eu não me importo.
A mesa se ocupa temporariamente em fazer os pedidos e enquanto o assunto resvala para
o cardápio de casamento de Violet, eu deixo minha mente se afastar.
Eu ainda penso em Anna parada na calçada.
E, mesmo quando eles me colocam de novo na conversa, participo rindo quando preciso
rir. Mas minha mente continua bem longe dali. E é com alívio que o jantar finalmente termina e
nos despedimos prometendo nos vermos novamente no domingo, exatamente dali a uma semana
no almoço semanal com nossos pais.
Eles continuam morando na mesma casa, embora todos nós tenhamos nos mudado depois
da faculdade.
Obviamente, Violet e Elton foram morar juntos, assim como Owen e Charlotte decidiram
também dividir um teto e eu moro num apartamento na cidade. Sozinho.
E é para onde eu vou naquela noite, ainda meio entorpecido, quando entro no
apartamento vazio e não acendo as luzes. Eu sigo para a enorme varanda que circunda a sala.
Dali eu vejo toda a cidade e ao longe o Space Needle.
Meu celular vibra no bolso e eu o pego. Sorrio ao ver a mensagem de minha mãe,
perguntando se podemos almoçar amanhã. Eu respondo que sim, mesmo sabendo que embora ela
tenha se abstido de fazer qualquer indagação hoje, ela iria fazer amanhã.
Ela sabe que há algo errado. E eu me pergunto se terei coragem de contar.
Claro que depois de todo o escândalo das fotos de Anna e também do envolvimento de
Eloise e Tom, meus pais ficaram sabendo de nossa participação em tudo depois que voltaram da
África. Viagem providencial e muito incentivada por Violet na época, porque ela sabia que
estaríamos em maus lençóis quando Caleb e Lydia descobrissem o que fizéramos.
E nós ficamos mesmo, mas, quando a verdade chegara até eles, era tarde. Já fazia dois
meses e a poeira já tinha baixado. Mesmo assim, a decepção deles foi grande e nem as
explicações de Violet amenizaram. Felizmente nós éramos seus filhos e eles eram pessoas boas
demais para ficarem contra nós para sempre. Talvez de alguma maneira eles entendessem.
E o tempo passara e a vida havia continuado.
Até agora.
Olho para o celular na minha mão e em vez de desligar, eu vou até onde há algumas
imagens. Não é o mesmo celular de oito anos. Era o mais novo de muitos que passaram em
minhas mãos, mas algo sempre permanecia.
As fotos daquela tarde no Space Needle.
E por um longo momento, eu viajo no tempo daquelas fotos...
Oito anos antes
Quão irônico seria estar num grupo de trabalho de literatura com Annalise Nicholls
sobre Ligações Perigosas?
É o que eu me pergunto ao me trocar no vestiário naquela manhã após uma aula de
literatura muito interessante ao lado da criatura em questão.
Ela é ainda mais fascinante do que eu imaginara. Os grandes olhos castanhos eram
expressivos e quase me deixavam ver o que ia em sua mente.
E em sua mente havia interesse.
Eu quase posso dar socos no ar como Elton comemorando um gol ao imaginar Annalise
Nicholls tão interessada em mim como eu estou nela.
As possibilidades dançavam em minha mente enquanto eu a observava compenetrada na
aula de literatura, enchendo minha mente de fantasias nada inocentes envolvendo Anna e
aqueles lábios que ela mordia o tempo inteiro sem perceber.
E eu me perguntava quando é que eu teria a oportunidade de torná-las realidade.
– É verdade?
Eu levanto a cabeça que estava baixa amarrando meu tênis, e vejo Violet em seu
uniforme de lacrosse me encarando.
Eu me encaminho para a saída do vestiário
Meu estômago se contrai quando Violet segura meu braço quando eu passo por ela.
– Então é verdade mesmo? Vai seduzir Anna?
– Vejo que El já falou com você. – Me incomoda ter Violet me interrogando. Faz-me
lembrar dos reais motivos pelos quais eu preciso seduzir Anna Nicholls.
E por um momento desejo que ela seja outra pessoa. Que não seja a enteada de Tom e
filha de Stella.
Que eu pudesse me aproximar dela como um cara qualquer e simplesmente conquistá-la,
pelo simples fato de que eu a queria. E não por causa de uma vingança.
– Ele falou sério então? Mudou de ideia?
– Sim, eu mudei – confirmo contrariado, me perguntando se não deveria voltar atrás.
Violet sorri e me abraça, encostando a cabeça em meu peito.
– Obrigada... – sussurra e eu fecho os olhos.
Sim, posso voltar atrás e dizer que não vou fazer o que ela quer.
Posso me afastar de Anna Nicholls para sempre. E deixar que Elton faça no meu lugar.
Porque eu sei que Violet não vai desistir.
Respiro fundo e a afasto de mim um pouco.
– Violet... Você tem certeza mesmo disto?
– Claro que sim! Será perfeito agora sendo você.
– Por que tem ciúme de Elton com a garota?
– Não. Eu sei que Elton me ama. E ele faria apenas por mim. Porém, ele é um trapalhão,
sabe disto. Tinha medo de ele pôr tudo a perder. Mas você... Você é tão sensato... tão
meticuloso! Annalise Nicholls não vai ter saída com você.
– Por que acha isto? – Indago incomodado com o quadro que ela pintava de mim
mesmo.
– As garotas sempre pularam em cima de você e você sempre as manteve a uma distância
segura. Mesmo Eloise... Você nunca gostou dela de verdade.
– O que está querendo dizer, que eu não sou capaz de gostar de ninguém de verdade?
Ela me brinda com um sorriso cheio de sabedoria.
- Você é aquele tipo de cara que está esperando ‘aquela’ garota, sabe? Aquela que será
diferente de todas. E ela provavelmente não dará a menor bola pra você e isto o fará se
apaixonar perdidamente e se arrastar por ela. – Ela sorri quase consigo mesma. – Eu vou
querer ver isto. – Ela dá de ombros. – Então eu sei que nenhuma destas meninas
impressionáveis que se deslumbram com você têm alguma chance.
– O que te faz pensar que Annalise Nicholls se deslumbrará por mim?
– Ela vai. Acredite – ela diz saindo no vestiário e eu a sigo. – Agora vamos para a aula.
Sabe que a querida enteada do Tom está na minha aula, não é?
– Está? – Eu fico alerta.
– Sim, quer uma ajuda com ela? Quer que eu faça algum comentário sobre você, eu
posso...
– Não! Fique longe – respondo rispidamente.
– Mas, Daniel...
– Estou falando sério, Violet. Eu vou fazer sozinho.
– Certo. Se você diz. – ela se afasta em direção ao campo cheio de meninas e eu sigo em
frente, não sem antes meus olhos varrerem as garotas reunidas e pararem numa em especial.
E seus olhos estão em mim também, quando ela cora e desvia o rosto para a amiga do
lado que continua olhando para mim embasbacada.
Deslumbrada. Eu viro o rosto, aborrecido.
Em vez de jogar, fico de fora do primeiro time formado e aproveito para observar as
garotas jogando.
E, meu Deus, Annalise Nicholls é a pessoa mais descoordenada que eu já vi. Isto em vez
de depreciá-la, apenas me faz achá-la ainda mais encantadora e diferente. E eu estou me
divertindo com sua falta de jeito quase engraçada quando vejo Violet empurrando-a com força
por trás.
E não foi por acaso.
Eu corro na direção do campo sem pensar, afastando as pessoas do caminho e
resgatando Anna do chão.
– Ei, você está bem? Anna?
– Oh... Sim, estou... Foi só um tombo. – Seus olhos envergonhados se desviam dos meus
enquanto ela tenta ficar de pé, mas solta um gemido de dor.
– Parece que machucou o joelho – eu examino rapidamente seu joelho coberto de sangue
e terra.
– O que está acontecendo? – A professora se aproxima. – Está machucada?
– Não...
– Sim. – Respondo por ela - Ela machucou o joelho.
A professora pede que ela se encaminhe à enfermaria e eu não perco tempo em colocá-la
no colo e levá-la do campo.
– Não precisa fazer isto, eu posso andar... – Anna murmura e eu tenho vontade de sorrir
de seu rosto muito vermelho, enquanto passa os braços em volta do meu pescoço, para se
equilibrar.
E de repente eu já não estou bravo com a imprudência de Violet. Porque ter Annalise
Nicholls tão perto está compensando. Por um momento louco, eu desejo que aquele caminho até
a enfermaria dure a eternidade, para poder ficar assim com Anna Nicholls pra sempre.
– Melhor não arriscar. Diga-me onde é, não faço ideia.
Finalmente adentramos a enfermaria e a enfermeira nos lança um olhar curioso.
– Ela caiu. – Me apresso a dizer colocando-a sentada sobre uma maca.
– Me deixa ver. – a enfermeira se aproxima colocando os óculos e olhando seu joelho. –
Hum, vamos limpar e colocar um curativo, não é nada.
– Eu sei que não é. – Anna sussurra enquanto a enfermeira se afasta para pegar o
antisséptico. E ela me encara. – Obrigada por me trazer, está tudo bem, já pode ir para aula.
– Não, vou esperar você. – Não haveria nada que faria me afastar dela naquele
momento.
– Realmente não precisa...
– Eu posso estar querendo cabular uma aula, Anna. Não seja chata. – Rebato, sentando
sobre uma cadeira e cruzando os braços.
A enfermeira volta, limpando o machucado.
– Pronto, vou só buscar um curativo e estará nova em folha, meu bem.
Ela se afasta novamente e eu escuto vozes na sala de espera.
Mais um aluno chegou por ali.
Olho para Anna ainda sentada sobre a maca.
– Está doendo? – Pergunto.
– Arde um pouco.
– Me deixa ver...
Eu sorrio e me ajoelho diante dela, segurando sua perna. Seu machucado está limpo
agora, e me pergunto se ficarão marcas em seu joelho. Por culpa de Violet. Pensar nisto me
causa uma onda de raiva, mas eu jogo o sentimento ruim para longe.
Não vale a pena pensar em Violet agora. Porque eu me dou conta de que estou muito
próximo de Anna. Tocando sua pele macia. E desejo que as circunstâncias fossem outras.
Que eu não estivesse tocando nela por causa do seu machucado e sim porque ela pedira.
Um dia ela vai pedir. E somente este pensamento me enche de um tesão repentino e
voraz.
Respiro fundo.
Bem, eu a tenho aqui agora.
– Quando eu era pequeno e caía, minha mãe assoprava para parar de doer. – E eu
abaixo a cabeça e faço exatamente isto. Assopro seu joelho. Uma, duas, várias vezes. Sinto-a
estremecer e olho para cima.
Ela tem os olhos fechados e está mordendo os lábios. Minha pulsação acelera.
Eu quero soprá-la inteira.
– Prontinho.
A voz da enfermeira me faz parar e Anna abre os olhos, prendendo-os em mim. Ela
ofega. Eu quero subir e beijar sua boca.
Em vez disso me afasto dando lugar à enfermeira que termina seu curativo.
– Está se sentindo bem para voltar à aula? Eu posso dispensá-la, se quiser – a
enfermeira pergunta ajudando-a a descer da maca.
– Não...
– Sim, ela quer – respondo em seu lugar.
Anna parece confusa, mas não retruca, e nós ficamos ali, esperando a enfermeira ligar
para sua mãe e conseguir a dispensa.
– Eu posso levá-la pra casa – digo, quando saímos da enfermaria.
– Não, claro que não.
– Meus pais nos deram autorização para sair quando quisermos.
– Que legal pra vocês... Mas realmente não precisa.
– Você veio de carro? – Ela hesita e eu torço para que a resposta seja negativa. - É só
uma carona, Anna.
– Tudo bem, vou pegar minhas coisas.
Ela se afasta em direção ao vestiário feminino e eu me troco rapidamente também
quando estou saindo, Violet está esperando por mim.
Ela sorri, mas seu sorriso se desfaz ao ver minha expressão de desagrado.
– O que pensa que está fazendo?
– O que foi?
– Por que derrubou a Anna?
– Ah isto? Não foi nada, apenas uma brincadeira.
– Ela se machucou.
– Não tenho culpa se ela é uma molenga que cai com um vento que passa!
– Você não vai mais chegar perto dela, entendeu?
– Nossa, não precisa falar assim! Eu só vim saber como vai nosso plano, no fim das
contas, o tombo foi providencial para você se aproximar dela, e aí, o que rolou?
– Não rolou nada, eu apenas a levei para fazer um curativo.
– Só isto? – Ela me mede. – E por que trocou de roupa?
– Vou levá-la pra casa.
Violet abre um sorriso satisfeito.
– Aí sim... Me diz, o que você vai fazer?
– Não é da sua conta, Violet.
– Como não? É nosso plano, Daniel!
– Eu não vou fazer nada se ficar em cima de mim enchendo saco, entendeu?
– Não entendo, não! Você concordou em seduzir a Anna pra gente se vingar, claro que
eu quero saber tudo!
– Pois não vai saber nada!
– O que quer dizer com isto? Como posso saber como anda o plano, se não sei o que está
rolando?
– Deixa comigo. Você saberá o que for preciso. – Escuto os passos de Anna se
aproximando. – Anna está vindo. Peça desculpas a ela.
– Não...
– Violet, faça o que estou pedindo. Anna tem que confiar em mim. Não acho que ela vai
querer alguma coisa comigo se a minha irmã a agride sem mais nem menos.
– Tudo bem.
Ela sorri quando Anna se aproxima.
– Eu vim pedir desculpas. Eu realmente não quis machucá-la.
– Tudo bem, eu sou propensa a acidentes mesmo.
– Diz isto ao meu irmão. Ele está bravo comigo porque eu a machuquei.
– Violet é propensa a fazer as coisas sem olhar quem está machucando.
– Ah, Daniel, que senso de humor. Bom, vou voltar pra aula. Tchau, Anna.
Eu levo Annalise até em casa e simplesmente não tento nada.
O peso do que vou fazer está sobre meus ombros, me puxando para baixo.
Mas agora as engrenagens já foram ligadas.
Não posso voltar atrás.
Capítulo três
Eu volto ao presente e desligo o celular. Dando uma última olhada na noite escura. Sinto
o frio açoitando minha pele, mas não me importo.
O peso do que fiz ainda está sobre meus ombros.
A manhã seguinte começa com uma desagradável surpresa.
– Lucy? -Não posso acreditar no que estou vendo. Eu havia acordado de uma noite mal
dormida, atormentado por pesadelos envolvendo certa garota que reencontrara ontem, além
disso, peguei um transito infernal para vir trabalhar devido à chuva que caía sem parar em
Seattle.
E hoje era dia de uma audiência importante para a firma, não era um caso meu, eu estava
ajudando Adam.
Tudo isto embaçava minha mente cansada e agora, como se não bastasse, eu entro na
minha sala e vejo Lucy saindo do banheiro contíguo abotoando sua camisa aberta, me deixando
ver seu sutiã meia taça creme.
– Daniel! – Ela parou arregalando os olhos numa imitação perfeita de surpresa,
esquecendo convenientemente de abotoar a blusa aberta.
– O que está fazendo? – Indago, tentando manter a calma.
– Oh meu Deus, que vergonha! Eu estava trocando de blusa porque deixei cair café na
minha... Eu achei que estava sozinha...
– Então acabe de se vestir – digo friamente lhe dando as costas e saindo da sala, eu vou
direto à sala de Adam.
– E aí, preparado? – Pergunto, sentando a sua frente.
Ele não se parece nada com o cara despreocupado de ontem à noite e sei que está
compenetrado no julgamento de logo mais.
– Sim, estou lendo os últimos relatórios. Que bom que está aqui, podemos acertar alguns
detalhes... – ele retira os óculos que usa para ler, passando os dedos pela testa. – Eu cheguei até
mais cedo hoje porque o Taylor me ligou ontem e torrou meu saco com isto. Tive que cancelar
meu encontro.
Eu rio.
– Sinto muito.
Ele ri também e juntos repassamos os autos do processo até que alguém bate na porta nos
interrompendo.
– Sim, Lucy? - Adam pergunta e eu me viro ao ver Lucy parada indecisa perto da porta.
Graças a Deus ela está vestida.
– O carro já chegou.
– Nós já vamos descer.
– E a nova estagiária chegou. Eu já mostrei os escritórios para ela como pediu. Ela virá
conosco para o fórum?
– Sim, claro. Traga-a aqui, eu vou apresentá-la ao Daniel.
Lucy se afasta e Adam me encara.
– Algum problema? Você ficou tenso quando a Lucy entrou.
– Não está funcionando muito bem nossa parceria
Ele levanta a sobrancelha.
– Não? Achei que ela era a estagiária mais eficiente.
– Sim, ela é eficiente, e eu não gosto de dizer isto, acho que é mais uma questão pessoal.
- Eu hesito em dizer a Adam o meu verdadeiro problema com Lucy.
– Taylor disse que a nova estagiária podia trabalhar comigo, podemos fazer um arranjo e
trocá-las então.
– Se não for inconveniente para você... – eu quase respiro aliviado.
Adam sorri.
– Claro que não... Aí vem ela.
Eu me viro e fico paralisado pela segunda vez em menos de 24 horas.
Diante de mim está Annalise Nicholls.
E ela me encara como se tivesse visto um fantasma, o rosto mais pálido do que eu me
lembrava.
Eu não posso acreditar. Anna é a nova estagiária.
A estagiária que eu acabei de concordar que irá trabalhar comigo.
– Olá Anna, espero que não tenha sido problema para você começar hoje em vez da
próxima semana como tínhamos combinado. – Adam dá um passo em sua direção segurando sua
mão, alheio à tensão no ambiente.
Anna pisca e desvia o olhar de mim para Adam.
– Não, não é...
A voz. A mesma voz que atormentou meus pesadelos durante oito anos.
– Bom, deixa eu te apresentar Daniel Beaumont. Ele é o mais novo sócio do escritório.
– Daniel, esta é Annalise Nicholls, ela gosta de ser chamada de Anna, não é?
É claro que eu sei que ela gosta de ser chamada de Anna. E Adam não faz ideia do
porquê.
Nós dois hesitamos e, por um momento, eu acho que ela vai nos dar as costas e sair
correndo.
Eu sondo seu olhar. Ela está chocada. Está aturdida.
Assim como eu. Ela não fazia ideia que ia me encontrar, suponho.
Claro, se ela soubesse provavelmente nunca teria vindo trabalhar ali, penso amargamente.
E quem poderia culpá-la?
E o que eu posso fazer agora? Revelar a Adam e Lucy que nos espreita ao lado de Anna,
que eu já a conheço? E dizer o quê? Algo superficial do tipo “estudamos juntos no High School”
ou mais pessoal do tipo “estivemos envolvidos no tempo de escola”. Ou eu posso optar pela
verdade nua e crua “eu me aproximei dela para me vingar da sua mãe e padrasto”.
E é este o motivo pelo qual agora ela me encara como se estivesse em choque.
De repente sua expressão muda e eu perco o prumo por um momento, ao ver um olhar de
fria cordialidade, enquanto ela estende a mão.
– Muito prazer, senhor Beaumont.
Eu hesito alguns segundos, mais chocado do que antes, mas, vendo os rostos curiosos a
nossa volta, eu pego sua mão cumprimentando-a.
Ela está gelada.
– Me chame de Daniel – digo automaticamente, enquanto ela puxa a mão da minha.
Ninguém percebe que foi rápido demais. – E seja bem-vinda ao nosso escritório.
Dois podiam jogar aquele jogo, afinal.
– Obrigada... Daniel – ela diz, desviando o olhar para Adam. – Lucy me disse que
estamos indo a uma audiência.
– Sim, nós vamos agora. Sei que não poderá fazer nada, afinal, nem começou ainda, mas
quero que vá com a gente para se familiarizar com tudo.
– Claro.
Ela e Lucy se afastam e Adam me lança um olhar curioso, enquanto pega todo o material
sobre a mesa.
– Que foi isto? Por um momento me pareceu que já conhecia a Anna de algum lugar. Até
ia perguntar, aí vocês se cumprimentaram e eu achei que estava viajando. Foi bem esquisito.
Eu passo os dedos pelos cabelos, pensando numa resposta coerente.
– Sim, por um momento eu pensei que a conhecia... Ela se parece com alguém que
estudou comigo, há muitos anos. Mas não é a mesma pessoa.
Adam sorri maliciosamente, enquanto vamos para o elevador.
– Uma antiga namorada, suponho?
– Mais ou menos.
– Posso imaginar. Eu também tenho algumas ex que se aparecessem aqui, eu pularia pela
janela.
Eu rio, sem o menor humor.
Eu vejo Annalise e Lucy entrando no elevador em nossa frente.
Adam fala sobre o processo.
Eu me seguro para não virar a cabeça e olhar para Anna. Ainda estou surpreso demais
com sua presença.
Nós atravessamos o saguão e o motorista abre a porta da limusine para entrarmos. Anna e
Lucy entram primeiro e nós as seguimos. Adam senta ao lado de Lucy e a mim não resta outra
opção a não ser me sentar ao lado de Anna.
Ela não olha para mim. Seu rosto rigidamente virado para o vidro do carro que começa a
se movimentar pelas ruas de Seattle diz que ela não está tão tranquila quanto quer aparentar.
– Anna, onde se formou? É seu primeiro estágio? – Lucy pergunta.
– Em Yale e este é meu primeiro estágio – ela responde.
– Está bem longe de New Haven, é de lá ou daqui mesmo?
– Anna já morou aqui na cidade – Adam responde.
– Sua família é daqui? – Lucy continua seu interrogatório.
– Não mais.
– Está sozinha na cidade então?
– Eu estou morando com uma amiga.
– Faz tempo que voltou?
– Não. Eu voltei somente porque me chamaram para esta entrevista.
– Nossa, que sorte que conseguiu então. Sabe que é uma das firmas mais conceituadas do
país, não é? Muitas morreriam para ter a nossa sorte.
– Sim, eu sei – ela responde, voltando o rosto para a janela novamente.
Eu me sinto invisível.
O carro para em frente ao fórum e nós saltamos.
Anna e Lucy seguem atrás, Lucy ainda exaltando as qualidades do escritório, o que me
faz pensar que ela quer puxar o nosso saco.
E eu me pergunto se Anna vai sobreviver naquele emprego até o fim do dia.
Adam chama a minha atenção quando entramos e eu tento me concentrar no processo que
vamos enfrentar, mas minha atenção está toda em Annalise Nicholls a alguns passos de distância.
Até que eu a vejo se afastando.
– Onde está Anna? – Pergunto para Lucy.
– Ela foi ao toalete.
Eu e Adam voltamos a falar e então somos chamamos para entrar, a audiência já vai
começar.
Adam segue a frente com nosso cliente, e eu sigo com Lucy me perguntando onde está
Anna.
– Lucy, vá entrando. Eu vou fazer um telefonema.
– Tudo bem. Se vir Anna por aí, avise que já estamos lá dentro.
– Claro.
É esta minha intenção quando sigo pelo corredor, me perguntando se Anna não fugiu
correndo da minha presença, quando a vejo saindo de uma porta à direita.
Sim, ela estava mesmo no toalete.
E ela para ao me ver. Seu olhar é impassível, enquanto ela segura a bolsa com força.
– Anna, preciso falar com você.
Oito anos antes
Eu volto ao presente.
Por um momento até o ar parece estar estático enquanto ficamos ali, parados.
Ela está a dois metros de distância. Tão perto e tão distante.
Eu mal respiro esperando sua resposta. Me pergunto o que se passa em sua mente naquele
momento.
Será que ela está odiando ter me reencontrado? Estará tão abalada quanto eu? Será que
pensa no absurdo da situação, depois de tantos anos e agora tendo que trabalhar juntos?
Será que ela conseguirá? Será que eu consigo?
Se tudo o que eu quero é romper o espaço entre nós e...
E o quê?
O que eu quero falar com ela? O que eu posso falar?
Minha garganta está fechada naquele momento.
– Sim. – Diz por fim e eu solto a respiração lentamente. Ela está falando comigo. – Em
que posso ajudá-lo... Senhor Beaumont?
Senhor Beaumont?
Eu sinto como uma bofetada no estômago.
Seu olhar chocolate é impassível. Sua postura é profissional e distante.
Então vai ser assim? Ela vai me chamar de senhor Beaumont e fingir que somos apenas
advogado e estagiária?
Meu estômago se revira.
Eu ainda reluto naquela nova condição.
– Anna. – Eu vou insistir. Ela não poderá fingir eternamente.
Inferno, como ela pode estar parada ali como se fossemos meros conhecidos quando eu
sinto todo meu mundo se desintegrando?
Respiro fundo, tentando buscar coerência e calma em minhas palavras.
Antes que consiga falar qualquer coisa, ouço passos.
– Daniel? - Lucy nos interrompe.
Com muito custo eu desvio os olhos de Anna e pouso na minha estagiária.
– Sim?
– Adam precisa de você.
– Certo – passo a mão pelos cabelos, hesitando. Eu preciso voltar à realidade.
– Claro. – Eu lanço um último olhar a Anna que continua parada no mesmo lugar como
uma estátua de sal e vou ao encontro de Adam.
Quando volto a ver Lucy, o julgamento já começou. Eu olho ao redor dela procurando
Anna e não a vejo.
Eu me aproximo de Lucy que sorri, se aprumando ao me ver.
– Onde está Anna? – Pergunto baixinho.
– Ela foi embora. Não passou muito bem – ela responde no mesmo tom.
Eu franzo a testa.
– O que aconteceu? – Indago, mil coisas passando pela minha mente numa fração de
segundos.
– Acho que é algo com seu estômago. Não sei bem. Ela pediu desculpas e disse que
precisava ir embora. Eu disse que não tinha problema... Ou tem? Eu fiz mal? Ela está em apuros?
– Lucy interpreta mal minha expressão.
– Não, claro que não. Ela não iria ajudar muito mesmo. Estava aqui apenas como
observadora.
– Sim, foi o que pensei.
Nós voltamos nossa atenção à audiência e eu me obrigo a ficar focado em no caso.
É praticamente impossível e eu dou graças a Deus por não ser um caso meu, senão
estaríamos em sérios apuros.
Por que Anna foi embora de repente? Era demais pensar que foi apenas uma
coincidência.
Obviamente tinha a ver com aquele reencontro.
E o que eu podia fazer? Seria fácil conseguir seu telefone. Ou até mesmo endereço com o
departamento pessoal. Mas eu deveria?
Talvez eu devesse dar-lhe espaço. Eu estava perturbado. Era normal que ela estivesse
perturbada também.
A nossa conversa teria que esperar. Seria apenas questão de tempo, afinal.
A audiência termina e nós seguimos para o escritório. Uma mensagem de texto da minha
mãe me faz lembrar que eu tenho um almoço marcado com ela.
– Daniel, podemos almoçar juntos, o que acha? – Lucy pergunta com um sorriso
convidativo quando saímos do carro, eu permaneço sério.
– Me desculpe, Lucy, tenho um almoço com a minha mãe.
– Oh, sua mãe? Que adorável. Tenho muita curiosidade em conhecê-la.
Eu finjo não perceber a deixa e apenas olho o relógio.
– Nos vemos à tarde.
Ela sorri amarelo.
– Claro. Bom almoço.
– Ei Lucy? – Eu a chamo, antes que ela entre no prédio. – Pode ligar para Annalise
Nicholls? Apenas para se certificar que ela está bem – eu falo rápido, tentando soar ao mais
profissional possível.
– Claro. Pode deixar.
Almoçar com minha mãe sempre me faz bem.
Não naquele dia. Ela me recebe com o sorriso adorável de sempre e a princípio nossa
conversa gira em torno do casamento iminente de Violet, que acontecerá em menos de dois
meses. Depois, como eu já esperava, ela me encara com seus olhos conhecedores de mãe.
– Você está estranho desde ontem.
Eu passo a mão pelos cabelos e sorrio de sua sagacidade.
– E não adianta sorrir deste jeito. Eu sei que tem alguma coisa te incomodando.
Por um momento eu penso em dizer a verdade. Penso em contar sobre meu reencontro
com Anna.
Mas me calo.
Ainda não estou pronto para dividir aquela informação com a minha família.
– Não é nada, mãe.
Ela me encara incrédula.
– Apenas questões do escritório – insisto.
– Tem certeza que não tem nada a ver com garotas?
Eu rio abertamente agora. Ela estava bem perto da verdade.
– Ah, eu sei que tem a ver com alguma mulher. – Ela diz com um sorriso sábio e eu
gostaria de saber onde, em minha postura, eu deixei transparecer isto.
– Tudo bem, se quer saber, tem realmente a ver com uma mulher. Eu trabalho com uma
estagiária chamada Lucy.
– Hum...
– E ela parece querer um pouco mais de mim do que o necessário numa relação
profissional – resolvo expor a situação de Lucy.
– Oh... Vai me dizer que tem uma garota te assediando, querido?
– Isto não é engraçado, mãe – eu fico vermelho.
– Ela é bonita?
– Muito bonita.
– E é problema pra você? Resistir?
– Eu não diria que seja um problema. Ela é muito bonita, mas não me atrai em especial.
Apenas... É... cansativo lidar com todos os olhares e segundas intenções, quando deveríamos
estar trabalhando.
– Bom, você deve deixar bem claro para ela os limites.
– Sim, eu sei. Eu estava evitando um confronto direto. Não quero constrangimentos.
– Eu entendo. Tente ser indireto então.
– Eu pedi para trocá-la – de repente eu paro.
Trocar Lucy significaria trabalhar com Anna.
Meu estômago dá uma volta ao pensar nisto.
– Sim, pode dar certo. Acredito que tenha outra moça que possa ajudá-lo.
– Sim, temos uma estagiária nova – digo, me mexendo incomodado.
– Então troque. E tudo ficará mais tranquilo.
– Sim, vou pensar no assunto...
Ela sorri e segura minha mão.
– Estou muito feliz com o homem que se tornou, Daniel. Está sendo muito correto.
Eu respiro fundo, desviando o olhar.
Eu sei do que ela está falando. Está falando do meu comportamento há oito anos.
Eu a decepcionei também, afinal.
Eu sorrio de volta e beijo sua mão.
– Vamos pedir a conta?
***************
As horas passam em reuniões com Taylor e os outros sócios para falar sobre o caso de
Adam, que vencemos. O que ajuda a não pensar em Anna.
Eu retorno à minha sala ao fim do expediente e Lucy ainda está por ali.
– Ainda aqui, Lucy? Está tarde, pode ir.
– Sim, eu estava te esperando.
– Certo, então já pode ir.
– Eu liguei para Anna – ela diz, entrando na sala atrás de mim e eu me volto rápido
demais.
– E?
– Ela me pareceu bem, disse que foi apenas um mal-estar.
– Você acha... que ela virá amanhã? – Pergunto, verbalizando meu maior medo.
De que Anna não fosse voltar ao escritório nunca mais.
– Bom, creio que sim, não é? Não pareceu algo tão sério.
– Toc, toc. – Nós nos viramos e Adam está na porta. – Vamos sair pra beber? Acho que
podemos comemorar, afinal.
Eu penso em recusar. Mas, o que eu iria fazer em casa?
Ficaria remoendo sobre Anna?
– Sim, vamos. - Eu concordo e Adam olha pra Lucy. – Está convidada também, Lucy.
Ela sorri, entusiasmada.
– Claro! Vamos nos divertir.
Eu quase me arrependo.
Para meu alívio, Adam chamou outras pessoas do escritório para se juntar a nós num bar
próximo e a noite foi tranquila, ficamos jogando conversa fora e bebendo.
E eu bebi um pouco mais do que costumo beber. Tentando não pensar numa certa
estagiária.
Será que ela voltaria amanhã?
Eu me debato entre desejar que ela desapareça e tudo volte ao normal e ansiar por vê-la
de novo.
Todos os dias. Todas as horas.
E como é que eu ia lidar com isto?
Como nós lidaríamos?
– Tem alguém que não para de olhar pra você!
Eu escuto a voz estridente de Hannah, a recepcionista do escritório, do meu lado.
Ela ri apontando para Lucy.
E sim, Lucy está do outro lado da mesa, seu olhar está quase paralisado em mim.
E se Hannah percebeu, quem mais está percebendo?
Eu me sinto meio sóbrio agora.
– Ela deve estar bêbada.
Hannah ri mais ainda.
– Deve estar mesmo. E provavelmente espera que você fique também para acabarem a
noite transando naquele seu carrão!
– Ok, já chega – eu me levanto, antes que a conversa fique pior.
– Já vai? – Adam pergunta, também já meio alterado.
– Sim, nos vemos amanhã.
E sem mais delongas, saio do bar, ignorando o olhar decepcionado de Lucy.
***************
O choque percorre meu próprio corpo ao constatar exatamente o que Anna deveria estar
vendo.
Eu e Lucy nos beijando depois do expediente.
Que inferno!
– Anna... – Lucy murmura e, se tem algo que posso dizer em seu favor, é que ela pelo
menos se afastou, se dignando a parecer envergonhada.
Anna continuava parada na mesma posição.
Eu me levanto e dou dois passos em sua direção.
– Anna, eu...
Ela dá um passo atrás saindo do seu estupor.
– Me desculpem. Voltei só para buscar meu casaco. Já estou de saída.
E ela se vira, se afastando. Eu penso em segui-la pensando em me explicar.
Do que adiantaria? E eu tenho um problema maior agora para resolver com Lucy.
Eu a fito com severidade.
– Melhor ir embora também, Lucy.
– Daniel, eu... Sinto muito por Anna ter nos visto... acho que ela é discreta e não...
– Lucy, por favor, será que não entendeu? Eu não tenho o menor interesse em você. Não
vamos ter um caso e sua insistência é totalmente inapropriada. E está fazendo com que
trabalharmos juntos seja impossível.
– O que quer dizer?
– Eu vou falar com Taylor amanhã.
– Vai pedir para me demitir?
– Não. Eu vou pedir para que seja transferida. Não pode mais trabalhar comigo - ela
parece magoada. Eu me sinto culpado. - Eu sinto muito, é melhor ir embora.
Ela finalmente me dá as costas e desaparece porta afora.
Eu afrouxo a gravata e olho pela janela de vidro, vendo a cidade iluminada na noite
escura.
Nada é tão ruim que não possa piorar. Esta frase nunca fez tanto sentido pra mim.
No dia seguinte eu encontro meu escritório vazio quando chego. Já passa das nove e Lucy
deveria estar ali.
Será que ela não virá trabalhar? E onde estaria Anna?
Sinto uma pontada em meu estômago ao imaginar todos os desdobramentos funestos da
cena de ontem.
Intrigado, deixo minha pasta e meu casaco na minha sala e vou dar uma volta pelo andar.
Não sei se devo ir conversar com Taylor diretamente ou se é melhor esperar Lucy chegar antes.
Que diferença vai fazer? Talvez o melhor seja resolver logo aquela situação.
Então me dirijo à sala de Taylor, no caminho, passo pela sala de Adam e meu peito dá um
salto ao avistar uma moça de longos cabelos castanhos inclinada sobre sua mesa, enquanto Adam
lhe mostra algo.
Anna.
O alívio que sinto ao vê-la ali é quase tão grande quanto a apreensão sobre o seu parecer
sobre o ocorrido com Lucy.
Provavelmente ela acha que sou um canalha sedutor de estagiárias agora, além de
enganador de estudantes inocentes, claro.
Ela ainda não me viu, apenas sorri de algo que Adam diz. Seus cabelos soltos roçam no
paletó do advogado e eu imagino que ele deve estar sentindo o cheiro de seu perfume de jasmim.
Sentimentos ruins como inveja, ciúme e raiva explodem em mim como urticárias e eu
respiro fundo para conter a vontade insana de invadir a sala e afastá-la de lá.
Adam escolhe aquele momento para levantar a cabeça e me vê.
– Ei, Daniel!
Anna se apruma ao me ver. Seus olhos são insondáveis.
– Oi, Adam – eu consigo dizer educadamente. – Anna...
– Bom dia – ela responde simplesmente.
– Por acaso viram a Lucy? – Na mesma hora que a pergunta sai da minha boca eu quero
trazê-la de volta. Obviamente para Adam, é apenas um chefe perguntando pela funcionária. Para
Anna com certeza não é.
Relanceio o olhar em sua direção, nervoso. Ela continua com os olhos fixos nos papéis na
mesa de Adam, que prontamente me responde, alheio a minha tensão.
– Ela está com o Taylor.
– Taylor? - Que diabo Lucy estaria falando com Taylor?
– Sim, eu a vi entrando em sua sala há uma meia hora... Por que, precisa de ajuda? Estou
passando algumas instruções pra Anna, posso dispensá-la para ajudá-lo caso precise de algo
urgente.
– Não – respondo rápido. Anna continua olhando os papéis.
– Tudo bem, então – Adam dá de ombros.
Com algum custo eu os deixo sozinhos e volto a minha sala. Lucy ainda não estava lá.
Isto significa que continua com Taylor?
Eu começo a desconfiar que a conversa de Lucy com Taylor é sobre a noite passada. Não
poderia ser, obviamente. Lucy não faria isto. Não sem se prejudicar. E não teria motivo algum.
Mesmo assim, eu ainda estou preocupado quando sento à minha mesa, ligando o
computador e tentando começar a trabalhar.
Eu sinto o cheiro antes de ouvir os passos e levanto a cabeça aspirando e é quase uma
visão ver Anna Nicholls adentrando minha sala alguns minutos depois.
– Anna? – Estou ciente que minha voz é só um murmúrio e que possivelmente eu a esteja
encarando realmente como se estivesse defronte a uma visão.
– Taylor o chama na sala dele – ela diz firmemente e se vira para sair.
– Anna, espera – eu me levanto, chamando-a.
Ela se volta. O mesmo olhar impassível que já está começando a me irritar.
– Eu quero conversar com você... Sobre ontem à noite.
– Eu acho que o Taylor disse que era urgente. - Ela diz simplesmente e continua se
afastando.
E, sem pensar, eu vou atrás dela e com poucos passos, já fora da minha sala, eu seguro
seu braço.
Por um momento é como se nenhum dos dois acreditasse no que estava acontecendo.
Ela me encara. Seus olhos já não estão impassíveis. Estão irritados.
Eu gosto disto. Eu me regozijo com isto.
Qualquer sentimento, mesmo a mais genuína raiva, é melhor do que sua frieza comigo.
Como se não nos conhecêssemos.
Mas nós nos conhecemos sim. Ela poderia agir como se o acontecido oito anos atrás não
existisse, só que o passado estava ali, quase como uma entidade viva, lutando para gritar entre
nós.
Ou ao menos era assim que eu me sentia.
Se passaram apenas milésimos de segundos? Eu não sei dizer.
Então sinto seu cheiro único e embriagador invadir minhas narinas, enviando mensagens
subliminares a minha memória olfativa. Eu quase me vejo passando o nariz por sua pele nua...
– Senhor? – Sua voz é um sussurro. Mas não é suave. É um sibilar entre os lábios como
se estivesse sem respirar.
Saio do torpor para encarar seus olhos chocolate imensos e chocados. Seus lábios
apertados numa linha fina de indignação.
O braço embaixo dos meus dedos está tenso.
– Senhor? – Ela repete com mais firmeza agora e seus olhos começam a dardejar em
minha direção.
E um sorriso de distende dos meus lábios.
Sim, Annalise. Sinta raiva de mim. Fale comigo.
Grite comigo.
Pode até cuspir na minha cara ou me dar alguns empurrões.
Solto uma risada divertida e um tanto histérica e isto a desconserta.
– Daniel? – Agora sua voz é cheia de irritação e vem com um puxão no braço que eu
seguro.
Eu a deixo ir.
Meus dedos parecem estranhamente sem função agora que não estão nela.
Ela respira fundo, quase bufando, dando um passo atrás e alisando o terninho preto que
usa.
Ela está elegante e jovem. Toda de preto.
Eu passo a língua sobre os lábios, ao deixar meus olhos vagarem por sua figura mignon,
passando pelas pernas envolvidas em nylon escuro. Pernas que já estiveram em volta da minha
cintura. Enquanto eu estava dentro dela...
É minha vez de respirar fundo e lutar contra a ereção muito inconveniente que desponta
dentro das minhas calças.
– Algum problema? Posso ajudá-lo em algo? - A voz dela, tanto quanto sua postura,
voltam à impassibilidade profissional de antes.
Sim, você pode me ajudar com algo, Anna. Minha mente subitamente libidinosa está
cheia de ideias de como ela poderia me ajudar se voltássemos para minha sala e a trancasse lá e...
De repente uma porta bate no corredor me fazendo voltar à realidade e eu pisco, soltando
um palavrão baixo e passando os dedos pelos cabelos, num gesto de frustração nervosa.
Anna ainda me encara à espera de resposta.
– Eu quero conversar com você – digo por fim, o mais sério que consigo. Mas minha voz
sai cheia de ansiedade.
Não surte nenhum efeito nela.
– Acho que Taylor está te esperando, senhor – ela diz e se afasta, entrando na sala de
Adam.
Desta vez eu não a sigo.
Taylor está sozinho quando entro em sua sala.
– Pediu para falar comigo?
Taylor me encara muito sério, fazendo um gesto para eu fechar a porta pedindo para me
aproximar.
– Sente-se, Daniel, o que tenho para falar não será nada agradável.
– Algum problema? - Um alarme soa na minha mente, enquanto eu tento me manter
calmo, ao me sentar na elegante cadeira.
– É exatamente o que eu quero esclarecer - ele tira os óculos e me encara. - Lucy é sua
estagiária?
– Sim, estamos trabalhando juntos há alguns dias, desde minha promoção - sim, como eu
temia tinha a ver com Lucy.
– Daniel, esta moça acabou de sair daqui da minha sala. E ela o está acusando de assédio
sexual.
– O quê?
Assédio? Lucy esteve a manhã inteira na sala de Taylor me acusando de assediá-la,
quando ocorrera justamente ao contrário?
– E o que quero saber é o que há de verdade nas acusações dela. – Taylor diz muito sério.
Eu respiro fundo. Uma raiva cega me tomando.
– Não é verdade.
– Não? Então o que exatamente está acontecendo, Daniel? Esta moça entrou na minha
sala hoje e disse que você fez propostas para ela ontem à noite e que ameaçou demiti-la caso não
cedesse. E ela disse que tem testemunha, uma estagiária nova chamada Annalise Nicholls.
– Nada aconteceu como ela está descrevendo – eu tento manter a calma.
– Então como aconteceu?
Eu respiro fundo e conto a Taylor o que vem rolando com Lucy desde que começamos a
trabalhar juntos. Todas suas insinuações e tentativas de sedução culminando com o episódio da
noite passada.
– E o que ela diz que a senhorita Nicholls viu?
– Eu não sei o que Anna, quer dizer, a Senhorita Nicholls viu. E nem o que ela pode ter
interpretado.
– Eu estou tentando acreditar em você, Daniel. Sabe que eu o tenho como um possível
sucessor nesta firma. Em poucos meses você venceu muitos casos e se mostrou um ótimo
advogado, por se tornou sócio tão cedo. Realmente seria lamentável destruir tudo isto por causa
de uma garota.
– Eu não fiz nada. Jamais me aproveitaria de uma estagiária ou de quem quer que seja
nesta firma. Por isto eu já havia inclusive pedido a Adam para trocarmos de estagiária. E depois
do episódio de ontem, eu disse a Lucy que não podíamos mais trabalhar juntos.
– Se é verdade a maneira imprópria que ela agiu, devia tê-la demitido.
– Não passou pela minha cabeça que ela fosse inventar algo desse tipo.
– Bem, vamos chamar a senhorita Nicholls aqui e ver o que ela tem a dizer sobre isto –
ele aperta o interfone. – Hannah, chame Annalise Nicholls aqui, por favor.
Eu sinto o suor frio em minhas mãos.
O que Anna irá dizer? O que Anna viu ontem à noite afinal?
E, de repente, eu me pergunto se este será finalmente o gosto de vingança que ela terá
contra mim.
Agora eu estou em suas mãos.
– Acho melhor sair, Daniel. Não quero que sua presença aqui a influencie de alguma
maneira.
Eu quis protestar, mesmo sabendo que ele tinha razão.
Eu me levanto e saio da sala e, ao passar pela recepção, eu vejo Anna entrando.
Ela apenas me lança um olhar frio ao passar por mim, direto para a sala de Taylor,
fechando a porta atrás de si.
Eu volto à minha sala e enterro o rosto em minhas mãos.
Não sei quanto tempo passa até que escuto o telefone da minha mesa tocando e a voz de
Hannah dizendo que Taylor me chama de volta a sua sala.
Eu caminho apreensivo, me perguntando se ainda tenho um emprego.
Me perguntando se isto não é uma vendetta tardia do universo pelas minhas atitudes de
oito anos atrás.
Talvez eu mereça isto, afinal. Perder meu emprego e ter minha carreira manchada por
assediar uma garota.
E meu carrasco seria justamente Annalise Nicholls.
Os céus estavam rindo de mim agora, certamente.
Eu entro na sala de Taylor e Anna ainda está lá. Ela e Taylor estão na mesa de reuniões
de mogno e ela me fita brevemente, antes de desviar o olhar. Não há expressão nas suas feições.
Ao me aproximar percebo que há mais alguém. Lucy está do outro lado da mesa. Seu
rosto vermelho está molhado de lágrimas. E ela me lança um olhar ressentido, antes de abaixar a
cabeça, enxugando o rosto com um lenço de linho.
Dissimulada. Vadia. Mentirosa.
Vários adjetivos nem um pouco agradáveis passam pela minha mente.
– Sente-se, Daniel. - Taylor pede e eu obedeço. Ele se vira para Annalise Nicholls -
Annalise, conte a Daniel e Lucy o que viu na noite passada.
Ela olha para as mãos e depois mira em Taylor.
Eu mal respiro. E percebo que Lucy também tem o mesmo tipo de apreensão.
– Eu voltei ao escritório para buscar meu casaco que tinha esquecido. Ao passar pela sala
de Lucy, eu vi suas coisas ainda por ali e ouvi vozes na sala do Senhor Beaumont - eu me
remexo incomodado quando ela usa um tratamento formal. - Eu comecei a procurar meu casaco,
como a porta da sala estava aberta... eu escutei a conversa, mesmo sem querer - ela faz uma
pausa e é onde eu me pergunto o que ela ouviu. Ou o que ela vai dizer que ouviu. - Lucy estava
dando em cima do Senhor Beaumont. - Lucy solta um soluço indignado, arregalando os olhos e
parando de chorar no mesmo momento, Anna continua. - Aparentemente ele a tinha chamado
para conversar e ela estava se insinuando.
– Qual era o teor da conversa? - Taylor pergunta.
– Daniel a elogiou e disse que não gostaria que nada atrapalhasse o trabalho deles juntos.
E Lucy disse sabia que o medo dele era que, se eles se tornassem íntimos, poderia atrapalhar.
Então o senhor Beaumont disse que a chamou para lhe dizer que não, que nada iria acontecer.
– E o que aconteceu a seguir?
– Eu não sei bem. Estava apenas ouvindo, só ouvi o senhor Beaumont dizendo não e
pedindo para ela se afastar. Acho que Lucy sussurrou alguma coisa que eu não entendi. Foi então
que eu decidi entrar na sala.
– Por que fez isto?
– Porque eu simpatizei com Lucy e percebi o que estava acontecendo. Sabia que ela
estava colocando o emprego dela em risco agindo assim. E não pensei direito, apenas entrei na
sala e... eles estavam se beijando.
– Daniel estava consentindo?
– Não, ele a estava empurrando e pedindo para ela parar.
– E o que aconteceu depois?
– Eu fiquei constrangida. Percebi que não devia ter me metido. Não era da minha conta.
Então eu fui embora.
Um silêncio opressor recaiu sobre a sala por alguns instantes, até que Taylor resolveu
falar.
– Em algum momento a senhorita achou que o senhor Beaumont estivesse assediando
Lucy?
– Não, me pareceu que foi o contrário, na verdade.
– Certo, Senhorita. Muito obrigada, pode sair.
Anna se levanta e sai da sala, sem lançar sequer um olhar em minha direção e eu solto o
ar, percebendo só agora que não estava respirando.
– E o que tem a dizer sobre isto Senhorita Lucy. Annalise Nicholls mentiu? - Taylor
pergunta. - Devo lembrá-la que se insistir com sua história, teremos um caso de assédio grave
aqui e farei questão de ir aos tribunais. Está disposta a manter sua versão? Por que, se estiver
mentindo, é melhor que diga agora e será apenas demitida. De outra maneira será processada.
Ela solta um soluço.
– Eu fiquei com medo. - Diz numa voz sumida. - Eu achei que ele fosse me demitir... eu
só dei em cima do Daniel porque achei que ele gostava de mim...
– Eu nunca lhe dei a entender isto, Lucy - eu digo, tentando conter minha ira.
– Bom, será demitida agora. - Taylor diz firmemente. - Seu contrato será rescindido
imediatamente. Pode sair. Pedirei que alguém a acompanhe até o departamento pessoal.
Lucy saiu quase imediatamente, provavelmente aliviada por estar apenas perdendo o
emprego.
Taylor me encarou.
– Bom, tudo resolvido afinal.
– Fico aliviado que a verdade tenha vindo à tona.
– Sim, graças à senhorita Nicholls. Senão estaria em maus lençóis, seria sua palavra
contra a dela.
– Lucy não foi profissional ontem e hoje me acusar injustamente, acabou com tudo de
vez.
– Nos livramos dela a tempo, então. Acho que por enquanto você e Adam podem dividir
a senhorita Nicholls.
Eu me mexo incomodado com aquela expressão. Eu e Adam dividindo Anna.
– Tudo bem para você?
– Claro, sem problemas - minto e me levanto para sair da sala de Taylor.
E ao chegar na minha sala, Adam já está lá e espera um relatório completo, pois acabou
de ver Hannah acompanhando Lucy ao departamento pessoal.
Eu conto tudo a ele que fica de boca aberta.
– Mas que cobra!
– Pois é. E eu ainda fiquei com pena ontem.
– Não que ela não seja uma gostosa...
– Adam, fala sério!
– Estou brincando. Eu sei muito bem o que pode implicar quando nos envolvemos neste
tipo de coisa, fica tranquilo. Quer dizer agora que vamos dividir a Anna?
Eu respiro fundo, ainda não gostando nem um pouco daquela expressão.
– Por enquanto, é melhor verificar no departamento pessoal a contratação de mais
alguém.
– Claro, não seria bom sobrecarregá-la – ele se levanta. – Enfim, eu vou pedir pra Anna
vir para cá à tarde para ajudá-lo no que for preciso.
Eu penso em recusar. Ainda não sei como farei para lidar com Anna, mas não falo nada.
Felizmente, pouco antes do almoço, Taylor me diz que Lucy foi embora sem problema
algum e eu respiro aliviado.
Eu saio para almoçar com um cliente e quando volto eu mal posso conter minha
ansiedade.
Anna estará ali. Me esperando.
A tarde inteira à minha disposição.
Seria tortura e agonia.
Mas seria Anna.
E ao entrar no escritório, eu paro ao vê-la. Só que não está sozinha. Adam está do seu
lado, inclinado sobre ela que está sentada à mesa que era destinada a Lucy. A mão dele está
sobre seu ombro.
Sinto pela primeira vez como seria bom ter uma motosserra para cortar as mãos bobas de
Adam fora.
– Ei, Dany - Adam sorri ao me ver. - Estava ajudando a Anna a entender alguns
processos...
– Certo, pode deixar comigo agora – digo, tentando não soar possessivo.
– Claro. – Adam leva numa boa e se afasta. - Eu vou pra minha sala. - Antes de sair ele se
vira. - Então podemos contar com você, não é Anna?
Ela sorri pra ele.
Pra ele ela tinha sorrisos então?
– Pode sim.
– Contar com o quê? – eu franzo a testa.
– Não leu o e-mail? O pessoal do escritório vai fazer um Happy Hour hoje num bar aqui
perto. Você vai?
Eu penso no e-mail que recebi de Violet na hora do almoço, perguntando se podia ir
jantar na minha casa. Eu dissera que sim.
Que se danasse. Não iria deixar Anna sozinha com os abutres.
– Claro.
Adam sorri e acena.
– Nos vemos mais tarde!
Então ficamos sozinhos.
Eu, Anna e a tensão que pode ser cortada com uma faca.
Ela parece bem ocupada com os papéis na sua frente.
Eu dou alguns passos em sua direção, mas recuo.
Não, não ali.
Eu vou pra minha sala e me acalmo.
Então eu pego o telefone e disco seu ramal. Ela atende no primeiro chamado.
– Annalise Nicholls?
Eu fecho os olhos me deliciando com sua voz.
– Pode vir a minha sala, por favor?
E desligo. Ela não tem como recuar agora.
Nós finalmente iremos ter nossa conversa.
Eu espero impacientemente, ouvindo seus passos se aproximando com meu coração
batendo mais rápido, até ela surgir na porta.
A mesma expressão de jogadora de pôquer. A mesma postura profissional, segurando um
bloco de notas e uma caneta.
– Por favor, feche a porta.
Ela hesita. Eu quase sorrio. Anna está com medo?
Em seguida ela fecha a porta e se aproxima.
– Sim?
– Sente-se, por favor.
– Estou bem de pé.
Eu respiro fundo.
– Até quando vamos fingir que não nos conhecemos?
– Como assim?
Deus, ela não ia recuar!
– Anna, chega de joguinhos. Devo dizer que foi um choque ver que era você a nova
estagiária. E acho que foi um choque pra você também.
Ela não responde.
Certo, eu continuo.
– Bom, provavelmente você não sabia que eu trabalhava aqui, senão teria passado bem
longe, concorda?
Pela primeira vez no dia vejo um lampejo de alguma emoção diferente em seu olhar.
– Eu não te culparia, claro, se resolvesse fugir correndo para bem longe de mim, afinal,
foi o que fez há oito anos.
Silêncio.
Eu passo a mão pelos cabelos, exasperado e frustrado com sua postura.
– É assim que você quer? Quer agir como se fossemos estranhos e pronto?
– Não somos estranhos – ela diz por fim. – Trabalhamos no mesmo escritório.
– Nos conhecemos há oito anos. Ou vai negar? E, por favor, responda antes que eu vá até
aí e a obrigue a falar!
– Sim, nos conhecemos há oito anos. E não nos vemos faz oito anos.
– E sobre o que aconteceu? Está disposta a falar? – Me inclino para a frente, minha voz
agora é um sussurro suave.
Anna fecha os olhos.
Inferno, ela sofre.
Por segundos, sua máscara cai, revelando todo o sofrimento que deve estar ali há anos.
Ou que ressurgiu depois deste tempo inteiro sem nos encontrar.
– Anna... – eu faço menção de me levantar.
Eu quero ir até ela, eu quero...
Então ela abre os olhos. Duros e implacáveis.
Não há mais frieza.
Há ressentimento.
Eu sinto um baque no peito.
A velha mão da culpa esmagando meu coração.
– Fique onde está. Não se aproxime de mim – sibila. – E não ponha suas mãos em mim
como fez hoje, não se quiser que eu me arrependa de ter te defendido hoje cedo.
– Vai me acusar de assédio também?
– Está me assediando?
Eu me lembro dos meus pensamentos nada inocentes quando a toquei de manhã.
Se Anna soubesse com certeza teria qualquer júri a seu favor.
– Não, claro que não – respondo. – Eu não assedio funcionárias.
– Esqueci que sua preferência são as adolescentes.
Eu solto um palavrão.
Sim, o tempo inteiro eu busquei por isto. Sua admissão sobre o que acontecera entre nós
no passado.
E agora eu tinha.
E já não tinha certeza se o melhor não seria ter deixado tudo enterrado.
Fingir que nada aconteceu, como Anna estava fazendo.
Eu respiro fundo tentando organizar meus pensamentos.
– Eu sinto muito – são as palavras que me vêm à boca.
As palavras que eu esperava a oportunidade para dizer há oito anos.
Anna não esboça reação. Ela está na minha frente, os olhos dardejando fogo em minha
direção.
Raiva, ressentimento e dor num coquetel perigoso.
E como posso culpá-la?
Eu certamente não consigo me perdoar.
– Acredita realmente que um pedido de desculpas resolve alguma coisa? – pergunta e sua
voz embarga.
Minha garganta se fecha no mesmo instante.
De repente eu quero falar tudo.
Quero ter o direito de me explicar o que eu não tive há oito anos.
– Anna, eu... – eu tento levantar de novo, ela me para com um gesto de sua mão.
– Não. – Ela respira fundo algumas vezes mirando o chão, e quando volta a me fitar, é
quase a Anna fria de hoje cedo. – Não quero explicações. Não quero desculpas. Nada vai mudar
o que aconteceu. Sim, eu não fazia ideia que você trabalhava aqui. E sim, eu teria fugido para o
outro lado do país se fosse preciso para não ter que olhar para você. Mas eu estou aqui agora. E
eu quero este emprego. E decidi que não vou embora. Se eu tenho que conviver com você, que
seja. Eu posso fingir que tudo aquilo não aconteceu. Eu passei todo este tempo fingindo. Você
não vai atrapalhar minha vida. Não tem o poder de me destruir de novo. Porque agora você não é
nada. Nada além do meu empregador.
O silêncio recai pesado depois de suas palavras.
Eu sinto o peso delas me esmagando, até me sentir como uma barata no chão, esmagada
por seus saltos agulha.
– Sim, tem razão – eu finalmente consigo recuperar minha voz. – Você é apenas minha
estagiária. Eu não vou importuná-la mais com qualquer assunto referente ao que aconteceu,
passado é passado. Claro que você também é livre para decidir se quer mesmo continuar
trabalhando aqui – eu tento dizer.
Finalmente eu começo a entender o tamanho do problema que eu estava me metendo ao
ter que conviver com Annalise Nicholls.
– Eu já disse que pretendo manter este estágio – ela diz firmemente.
– Certo. É uma escolha sua – eu remexo nos papéis da minha mesa, sem nada ver. – Pode
ir.
Ela se vira para sair, então eu a chamo.
– Anna?
– Sim - ela se volta me encarando.
– Por que me defendeu em relação à Lucy? Podia ser perfeito para você se vingar de
mim.
– Talvez eu não ache que valha a pena perder meu tempo me vingando de você – sua voz
está carregada de ironia e algo mais que eu não sei definir. - Ou talvez eu ache que um simples
caso de assédio seja pouco para pagar o que fez...
E com estas palavras ela sai da sala, fechando a porta atrás de si, deixando um rastro de
jasmim e dor para trás.
***************
***************
– Anna? – Digo seu nome para me certificar que não estou tendo alguma alucinação
causada pelo álcool que com certeza ainda corre pelo meu sangue.
– Esperava outra pessoa? – Ela responde, com a voz carregada de um sarcasmo frio.
Eu franzo os olhos e passo os dedos pelos cabelos, tentando desesperadamente me
lembrar como aquilo era possível. Minha mente com ressaca se recusa a cooperar.
– Que diabos está fazendo aqui? – Pergunto por fim, cansado de tentar fazer minha
cabeça funcionar.
– Não se lembra? – Pergunta ainda parada no mesmo lugar. Daquele mesmo jeito frio que
ela havia parado na minha frente no escritório.
Maldita postura dos infernos.
Eu quero dizer que sim, claro, que eu me lembro. Seria uma mentira deslavada.
Eu estava bêbado demais ontem.
Na minha memória apenas trechos desconexos.
Eu estou andando pela rua sozinho, talvez indo em direção ao meu carro? Dois garçons
dizendo que podiam chamar um táxi. E o cheiro de jasmim...
Sim, eu me lembro de Anna Nicholls muito perto, dentro de um carro. Seu cheiro em
meu nariz. Seus cabelos muito próximos...
E mais nada.
– Você me trouxe pra casa.
– Isto é meio óbvio.
– E...?
Anna respira fundo, como se estivesse perdendo a paciência. Ou alguma outra coisa que
não consigo definir com minha percepção detonada do jeito que está.
Ela perde um pouco da postura distante e fria, enquanto desvia o olhar, os dedos
passando pelos cabelos e os dentes mordendo o lábio inferior.
Cabelos que estão muito emaranhados como se tivesse dormido com ele molhado.
Sinto um frio no estômago.
Que diabos tinha acontecido naquela noite?
Por que ela ainda estava ali? E vestindo o que eu desconfio ser nada embaixo do roupão
branco?
Meus próprios cabelos estão no mesmo estado.
Eu não estou mais vestindo as mesmas roupas que estava ontem.
– Certo – falo devagar, tentando formular as questões na minha mente. Com medo das
respostas.
Será possível que eu tenha transado com ela e nem me lembre?
Meu estômago gira com esta possibilidade.
Porque, embora seja uma droga que eu tenha feito algo tão bêbado que não me lembro de
nada, se ela deixou que acontecesse...
Eu paro de respirar.
– O que aconteceu nesta noite, Anna?
– O que eu te falei. Você estava bêbado. Tão bêbado que não se lembra que eu te
coloquei num táxi e trouxe pra casa, embora haja uma pequena parte nada misericordiosa de mim
que ache que você merecia ter ficado caído na calçada pra algum cachorro lamber sua boca.
Sua voz é ferina.
– E por que ainda está aqui e usando um roupão?
– Você vomitou em mim. E eu tive que te colocar embaixo do chuveiro de tão chapado
que estava.
– E você tirou minhas roupas?
Ela fica vermelha. Eu quase rio.
– O que está insinuando? Que eu queria tirar sua roupa ou algo assim? Acha que sou
algum tipo de pervertida que curte ver caras bêbados e vomitados, pelados? Foi deprimente,
Daniel! – Ela faz cara de nojo e agora sou eu que fico vermelho imaginando que tipo de bêbado
imbecil eu tinha sido ontem.
E mesmo assim ela havia ficado e cuidado de mim.
Inferno, de repente eu tenho uma imagem maluca de mim mesmo atravessando o
corredor e a puxando para mim, abraçando e beijando seus cabelos enquanto murmuro:
“obrigado por ter ficado e cuidado de mim. Eu sinto muito por ter sido um idiota”.
Bom, provavelmente ela me empurraria ou cuspiria em mim algum palavrão bem feio e
baixo.
– Então foi só isto? Eu fui um idiota e vomitei em você obrigando você a... tomar um
banho? - A meço de cima a baixo, tentando imaginar de novo se ela está nua.
Anna nua no meu chuveiro.
Será que ela se despira enquanto eu ainda estava lá? Será que tomamos banho juntos?
O quão imbecil um cara pode ser perdendo uma oportunidade como esta?
O tipo de imbecil embriagado que eu era ontem.
– Sim – Responde simplesmente e eu me pergunto se ela está sendo monossilábica para
não falar do que aconteceu.
Minha mente se infesta de possibilidades, uma mais sacana que a outra.
Respiro fundo para voltar ao foco.
– E você colocou esta roupa em mim? – Meus olhos se estreitam, imaginando...
– Não. Você pareceu ter melhorado um pouco depois da água fria e foi para seu quarto
com seus próprios pés e colocou sua roupa, desabando na cama e desmaiando.
Ah, que pena.
Ainda restava uma questão.
– E por que ainda está aqui?
Ela cruza os braços em frente ao peito em defensiva.
– Minha roupa estava suja. Eu a coloquei na sua máquina, espero que não se importe.
– Por isto está vestindo este roupão?
– Queria que eu vestisse o quê?
“Poderia ficar nua”.
– Poderia ter colocado qualquer roupa minha, eu não me importaria.
– Não queria usar nada seu.
– Está usando este roupão.
– Que não é seu.
Sim, eu me lembro agora. O roupão que ela usa é de um tamanho pequeno, mais
apropriado para uma mulher.
E eu me pergunto o que ela deve estar pensando.
– Estou usando a roupa de sua namorada? – Indaga friamente.
– Não. Está usando uma roupa de Violet.
Na mesma hora eu percebo meu erro.
Anna faz uma cara de desagrado tão grande que temo que ela vá tirar o roupão e jogar em
mim.
Felizmente, ou infelizmente, dependendo do ponto de vista, isto não acontece.
Ela recupera rápido a compostura.
– Sua irmã mora com você?
– Claro que não. Às vezes elas ficam aqui sim. Se não se lembra tenho outra irmã.
Charlotte. Se procurar, deve achar alguma coisa de Charlotte também.
Ela dá de ombros.
– Isto não me interessa.
– Certamente – digo com ironia. Era óbvio que Anna odiava a mim e a minha família
ainda. - Mas já amanheceu. E você ainda está aqui.
– São pouco mais de seis da manhã. Deve fazer umas três horas que saímos do bar. Eu
estava indo ver se minha roupa secou. E então eu vou embora.
– Certo... – passo os dedos pelo cabelo de novo. Sem saber mais o que dizer. Lamentando
de alguma maneira que tenhamos esclarecido tudo e agora ela possa ir embora. – Anna, eu...
lamento muito tudo isto. Eu fui um bêbado idiota.
– Sim, você foi.
Eu sorrio a contragosto.
– Obrigado por ter me trazido em casa e não me deixado para os cachorros.
Ela dá de ombros.
– Faria isto por qualquer um.
– Claro que sim – resmungo meio irritado. Mas o que eu queria? Eu sabia que Anna me
odiava e o que ela tinha feito até muito, dada às circunstâncias.
– Eu vou... pegar minhas roupas – ela diz por fim e dá meia volta.
Eu fico parado por um instante no corredor vazio.
Anna Nicholls está no meu apartamento. A constatação bate em mim como uma lufada
quente de ar. Causando um furor em meu íntimo.
É simplesmente surreal, inimaginável.
Incrível.
Eu caminho com o corpo e a mente subitamente energizados pelo meu apartamento
cheirando a jasmim.
Ela está em algum lugar por ali. Ela caminhou durante a madrugada por aqueles
cômodos.
O que será que tinha feito enquanto eu estava desmaiado em meu quarto?
Será que teria vasculhado cada cômodo com curiosidade feminina aguçada? Teria
mexido nas minhas coisas?
Talvez deitado ao meu lado, me vendo dormir... Ok, agora eu estava claramente
delirando.
Eu rio de mim mesmo e entro na cozinha ligando a cafeteira.
Annalise Nicholls, objeto do meu desejo e vingança há oito anos, ex-amante numa
adolescência longínqua.
Minha estagiária.
A garota que agora está deixando seu cheiro inconfundível e inesquecível por minha casa
que nunca mais será a mesma.
Que mesmo me odiando, está me desafiando e desafiando a si mesma, aceitando trabalhar
comigo no mesmo escritório.
A garota que tinha me trazido quase inconsciente pra casa e cuidado da minha bebedeira.
Bom, ela ao menos merece um café decente como agradecimento.
Eu abro a geladeira e pego alguns ovos.
Ela retorna quando estou colocando ovos com bacon no prato.
Para na porta, indecisa e confusa. Está vestindo sua saia preta e uma regata que deveria
estar por baixo da camisa branca ontem.
Parece cansada e desarrumada.
Parece perfeita pra mim.
Coloco o prato na mesa e lhe estendo uma xícara de café.
– Eu fiz café pra você – digo, me sentindo inseguro.
Por um momento desconfio que ela vá pegar a xícara e despejar na minha cabeça.
E pior é que talvez eu mereça.
– Não precisava –Responde por fim.
– Por favor. É o mínimo que posso fazer em agradecimento. - Deixo a xícara ao lado do
prato e puxo a cadeira.
Ela hesita e eu espero ansioso e receoso até que, para meu alívio, ela entra na cozinha e se
senta.
Eu me viro para que ela não veja meu sorriso bobo de satisfação.
– Espero que goste de ovos.
– Sim, eu gosto – sua resposta é inexpressiva.
Mas ela está comendo.
Me sirvo de uma xícara também e me viro.
É delicioso vê-la comer. Poderia ficar assim por horas, vendo sua boca vermelha se abrir
e fechar...
– Pare de me encarar – Pede irritada e eu rio sem conseguir me conter.
– Me desculpe. É que... – Coço os cabelos, me aproximando da mesa. – É muito surreal
ter você, na minha casa, desfrutando um prosaico café da manhã.
– Não pedi para fazer café da manhã para mim – Diz na defensiva.
– Calma, Anna. Não estou procurando briga – tento manter um tom despreocupado na
voz para que veja que pode fazer o mesmo.
Ela desvia o olha para o prato.
– Pra mim também é surreal. – Murmura tão baixo que eu temo não ter ouvido direito.
E eu quero estender a mão, tocar seu queixo e obrigá-la a me encarar. Mas não ouso.
Ela está falando. Não algo para me desafiar, ou algo profissional e frio.
Ela está dizendo como se sente. Algo se remexe dentro do meu peito.
E fico à espera que diga algo mais. De repente fantasiando que poderia sentar diante dela
e que começaríamos uma conversa franca e adulta.
A quem estou enganando?
Anna continua a comer em silêncio.
Eu busco algum assunto na minha mente.
– Quer mais café? – Pergunto segurando a cafeteira, ao ver que ela acabou de tomar todo
o conteúdo de sua xícara.
– Não, obrigada.
– Eu posso fazer um suco para você? –Vou até a geladeira olhando toda a comida que
Violet colocou ali no começo da semana. – Do que gosta? Laranja? Posso acrescentar...
– Não, Daniel, eu não quero mais nada.
– Não será trabalho algum... - Reviro a geladeira atrás das malditas laranjas. Eu podia
jurar que tinha. Faço um lembrete mental para falar com Violet sobre comprar mais laranjas.
– Não seja insistente, parece minha mãe! – Ela resmunga e eu desisto, fechando a
geladeira e a encarando.
Ouvi-la citar a mãe me faz lembrar de oito anos atrás e eu sinto um desconforto.
– Anna, eu... Talvez pudéssemos aproveitar e conversar sobre...
– Não. – Ela me para com um olhar duro. – Eu já falei que não quero tocar neste assunto.
Estou tentando não me lembrar o tipo de pessoa que você é.
– Que eu era – eu me inclino sobre a mesa, enfatizando minhas palavras. Uma
necessidade fremente de fazê-la entender que eu não sou mais aquele Daniel do passado. – A
pessoa que eu era.
Por um momento apenas nos fitamos sem ninguém falar nada, a tensão tomando conta do
ambiente.
Até que ela desvia o olhar, dando de ombros.
– Que importa...
Eu me afasto e encho minha xícara de café para me acalmar. Não será atacando ou
acuando-a, que vou convencê-la.
– Como está sua mãe? – Pergunto casualmente, me virando.
Anna parece desconfortável com a pergunta. Não é por menos, não é?
Eu quero pegar minha indagação de volta.
– Ela mora em Miami agora.
– Ela não está mais casada, não é?
– Está bem informado. Deve saber que ela se divorciou de Tom depois... – ela respira
fundo e empurra o prato, se levantando em seguida. – Já chega. Eu não deveria estar aqui... – ela
calça os sapatos no chão.
– Anna, espera... Não precisa ir assim... Não precisamos falar de passado, família... Não
precisamos falar de nada que você não queira.
– Eu não quero estar aqui, é exatamente o que não quero.
Suas palavras me atingem como um soco e eu dou um passo atrás.
Ela dá meia volta e sai da cozinha. Eu não me movo por um instante.
A vontade de ir atrás dela e fazê-la me ouvir duelando com a sensatez de saber que ela
pode e deve ir.
Eu deveria querer distância de Anna Nicholls. No entanto, quero exatamente o contrário.
E tenho certeza que este será apenas o começo dos meus inúmeros problemas.
Na sala, a porta bate.
Anna foi embora.
Eu caminho pelo meu apartamento subitamente vazio demais e penso em abrir todas as
janelas.
Acabar com aquele cheiro que me deixa depressivo agora. Mas eu não quero fazer isto.
Eu não quero que a presença dela desapareça ainda.
Eu sou um puta de um masoquista, mas não me importo.
Eu mereço sofrer.
Entro no meu banheiro e enquanto faço a barba, tentando me lembrar dos acontecimentos
da noite passada, nada me vem à mente.
Amnésia alcoólica era uma droga.
Estou arrumado quando escuto a porta se abrir. Olho o relógio. São pouco mais de sete
horas e somente uma pessoa ousaria aparecer uma hora destas.
E enquanto eu vou ao seu encontro na cozinha, me pergunto que desastre teria sido se ela
tivesse aparecido meia hora antes.
Violet está colocando várias sacolas sobre o aparador e me fita com um sorriso afetado,
retirando os óculos escuros.
– Bom dia.
– O que faz aqui?
– Não é obvio? Vim trazer sua comida! – Seus olhos recaem sobre o prato ainda sujo
sobre a mesa e as duas xícaras.
Seus olhos se arregalam para depois se estreitarem, desconfiados.
– Tem companhia? – Levanta as sobrancelhas.
Eu solto um palavrão baixo.
Ela sorri maliciosamente.
– Uau, e fez até café e ovos! Que cavalheiro! A noite deve ter sido muito boa pra ela
merecer tanta atenção!
– Isto não é da sua conta, Violet.
Ela continua a rir e começa a se afastar da cozinha.
– Cadê ela? Ainda está aí? Eu conheço? Deixa só eu contar pra Charlotte! – Ela entra na
sala, procurando.
– Violet, pare com isto, não tem ninguém aqui.
–Ah, conta outra! Olha este cheiro! É perfume feminino!
– Ela já foi embora, ok?
– Ah, já?
– Sim – eu respondo. Era melhor que Violet pensasse que eu simplesmente havia trazido
alguma mulher para casa ontem para transar, do que saber que fora Anna Nicholls quem estivera
ali.
E de repente eu me pergunto o que ela pensaria da volta de Anna a minha vida.
Se é que poderia ser chamado assim.
– Está bem então. Vamos tomar um café e você me conta sobre sua noitada! Acho que até
te perdoo por ter me dado o bolo ontem – ela ri e serve duas xícaras de café.
– Violet, eu acabei de tomar.
– Deixa de ser chato! Fez sexo e continua de mau humor? E fala sério, há quanto tempo
você não saía com ninguém? Charlotte já estava até tramando de apresentar uma amiga para
você...
Eu rolo os olhos pegando o café.
– Vocês deviam se meter com a própria vida!
– Você é nosso irmão e a gente quer que você encontre sua alma gêmea! – Ela brinca,
apertando minha bochecha e eu lhe dou um safanão, o que a faz rir mais. – Hum, bem que fiquei
com vontade de comer ovos também...
– Nem tenha ideias, não vou fazer nada para você.
– Tudo bem, eu faço. Então café da manhã é só para garotas com quem trepa, entendi.
– Pare com isto! – Resmungo, começando a me irritar.
Eu não tinha feito sexo.
E provavelmente nunca mais ia fazer. Não com Annalise Nicholls.
Violet prepara o seu ovo, começando a tagarelar sobre o “inferno de se escolher o vestido
das damas de honra”, se esquecendo momentaneamente de me atazanar sobre minha fictícia
noite de sexo.
Ela se senta no mesmo lugar que Anna estava antes.
– Então, está bem difícil sabe? Antes eu queria muito o azul, agora não sei se rosa não
ficaria melhor, é mais tradicional...
– Violet, você ainda pensa em Annalise Nicholls? – A pergunta sai da minha boca sem
que eu pense no que estou fazendo. Quando percebo, já saiu.
Violet para de comer imediatamente, me fitando com olhos arregalados.
– Por que está perguntando? Não falamos sobre isto – sua pele está pálida e eu sei que
devo parar. Annalise, Tom e Stella são tabus nas nossas vidas.
Mas eu não consigo.
– Você nunca pensa no que teria acontecido com ela todos esses anos? No que ela teria se
tornado?
– Por que me interessaria? Ela foi apenas o instrumento para que o Tom e aquela mãe
dela pagassem o que fizeram comigo.
– Ela não era apenas um instrumento, Violet. Ela era uma pessoa com sentimentos.
Seus olhos se estreitam perigosamente.
– Por que está tendo este ataque de consciência agora, tantos anos depois? Achei que
fosse assunto encerrado.
E agora? Eu posso falar que o assunto Anna não está encerrado, porque o cheiro de
mulher que Violet sentiu ali pertence a ela?
Me calo. Não quero que Violet saiba de Anna.
Não quero que aquele assunto volte a atormentá-la. Ela está feliz e vai se casar.
Os sonhos já não a atormentam mais. Ela está finalmente seguindo com sua vida.
Colocar Violet e Anna frente a frente vai reabrir velhas feridas que devem ficar fechadas.
E agora eu não me preocupo apenas com as feridas de Violet.
Eu me preocupo com as feridas de Anna. Aquelas que eu não posso ver. Que ela não quer
que eu veja, mas que eu sei que devem existir por baixo de toda aquela frieza.
Anna e Violet juntas é simplesmente impossível.
– Nada. Apenas divagando – desconverso, colocando minha xícara dentro da pia e
olhando as horas. – Preciso ir. Tenho muito trabalho hoje.
– Deve estar um lixo depois da noite mal dormida – ela comenta maliciosamente,
deixando o assunto Anna de lado, o que me alivia.
Eu ignoro sua malícia.
– Vai ficar aí?
– Não, eu tenho que ir também. Ainda tenho um encontro com o responsável pelos
convites... – ela se levanta.
Nós descemos juntos e então eu me lembro que estou sem carro.
– Droga.
– O que foi? – Violet me encara pegando as chaves do seu BMW.
– Estou sem carro.
– Como assim?
– Ficou no escritório, eu vim de táxi para casa, estava meio bêbado.
Ela ri.
– Ah, você podia mesmo me contar os detalhes da noite.
“Ah, se eu ao menos me lembrasse, Violet...”
– Vem, te dou uma carona.
Quando entro no escritório, não há sinal de Anna. Me sinto ao mesmo tempo aliviado e
preocupado.
Talvez ela esteja trabalhando com Adam?
Eu sento na minha mesa e verifico meus e-mails e então escuto os passos na sala
contígua. Meu interior se agita imaginando se ela chegou.
Pego alguns documentos e vou até lá, e como imaginava, ela está na sua mesa,
verificando alguma coisa na tela do computador.
Os cabelos escuros estão presos num rabo de cavalo e ela parece mais pálida do que o
habitual. Uma onda de culpa me invade ao ver as olheiras embaixo dos seus olhos bonitos.
Ela não deve ter dormido nada por minha culpa.
– Olá, Anna.
Ela levanta o olhar para mim, por um momento vejo alguma emoção ali. Não sei definir o
que é, mas não me parece algo bom.
Rapidamente ela veste sua máscara de impassibilidade.
– Sim?
– Você está bem? Vejo que se atrasou.
– Me desculpe pelo atraso. Não vai se repetir.
– Não estou dando bronca em você por isto, Anna. Apenas me preocupei se está tudo
bem, afinal, não deve ter dormido nada depois que...
– Eu agradeceria se não falasse sobre isto aqui – ela diz muito séria. – Não quero que as
pessoas saibam o que aconteceu.
– Sim, tem razão. Também não quero nenhum falatório.
Eu já me perguntava o que estariam falando sobre a saída repentina de Lucy. Se alguém
além de mim, Taylor, Anna e Adam, sabia sobre sua falsa acusação.
Então é melhor que eu não caia na boca do povo por passar a noite, mesmo que
desmaiado, com a nova estagiária.
– Fique tranquila – asseguro. – Vamos esquecer este assunto.
– Obrigada... O senhor precisa de alguma coisa?
– Sim, preciso que tire uma cópia destes documentos. Preciso deles para uma reunião
com Taylor às dez.
– Claro, farei isto agora – ela se levanta e eu vejo que veste um vestido cinza, de gola alta
que vai até seus joelhos. É um vestido sóbrio, embora marque discretamente cada curva do seu
corpo.
Ela estende a mão e eu lhe dou os papéis.
– Obrigada.
Fico olhando-a se virar e sair da sala, meus olhos presos nos movimentos de seus quadris.
Passo a língua sobre os lábios. Ela está sexy.
E eu estou mais ferrado do que nunca.
Caminho até a janela e abro, respirando o ar frio da manhã de Seattle.
Como um drogado se desintoxicando.
Ela bate discretamente na porta e entra, caminhando até minha mesa e colocando os
documentos.
– Estão todos aí.
– Obrigado. Você tem algum trabalho com Adam hoje?
– Não, ele pediu que eu ficasse com você... – ela para e tenho certeza que suas palavras
não pareceram ter um duplo sentido só pra mim.
Eu disfarço um sorriso.
– Lucy não deixou nenhuma instrução, então, espero que me diga o que precisa ser feito.
– Claro. No momento estamos cuidando de alguns casos de incorporação, eu lhe passarei
todos eles para que se inteire. E gostaria que estivesse na reunião com um cliente hoje às 15h,
tudo bem?
– Sim, eu consigo estar preparada até lá. Mais alguma coisa?
– Não, pode ir.
E eu fiquei olhando de novo os movimentos do seu quadril.
Ah, Anna, você está muito sexy.
A manhã passa rapidamente com a reunião com Taylor.
– Como está a nova estagiária? – Ele pergunta ao fim da reunião.
– Tudo bem - respondo casualmente. – Ela parece competente.
– Espero que esta tenha a cabeça no lugar e não seja como a outra.
– Eu acho que não corremos este perigo.
“O perigo sou eu perder a cabeça e não ela”.
– Eu tenho que dar apenas alguns telefonemas e podemos ir almoçar. Aproveitamos para
falar sobre algumas empresas que irão precisar de nossos serviços e eu quero que você cuide de
tudo. É meu cara de confiança agora, Daniel. Ninguém lê as pessoas como você, rapaz.
– Claro, eu vou só deixar estes papéis na minha sala e nos encontramos no saguão.
Anna está no corredor quando eu passo. Ela segura sua bolsa com força contra o peito.
– Estou indo almoçar, tudo bem? – Questiona.
– Claro que sim.
E eu fico ali, me perguntando se ela aceitaria almoçar comigo.
Claro que apenas para que eu pudesse conversar com ela sobre trabalho, então vejo Adam
se aproximar todo sorridente e se postar ao seu lado.
– E aí, Daniel, ficou mal ontem hein? Não sabe beber tequila não?
Eu coço a testa com um riso amarelo.
– É, acho que passei dos limites ontem.
– Conseguiu chegar em casa inteiro?
– Sim, eu tive um anjo que me guiou – respondo e Anna se vira, apertando o botão do
elevador quase furiosamente.
– Hum, mulher? – Adam dá um risinho, percebendo a presença de Anna pigarreia. – Quer
dizer...
O elevador chega e Anna entra.
– E aí, está indo almoçar com a gente também? Vamos ao Metropolitan Grill. Anna
precisa comer uma boa carne, está muito magrinha - ele ri e aperta a cintura de Anna, brincalhão.
Eu sinto o instinto de mil samurais assassinos corroer minha mente.
Anna está vermelha, mas não se afasta.
– Só vocês dois? – Pergunto, tentando parecer casual.
– Eu chamei o Dominic, ele desmarcou de última hora. Você pode vir com a gente.
Eu me xingo mentalmente por ter aceitado almoçar com Taylor.
Mas ele é o chefe. Não posso voltar atrás agora.
– Não, estou indo com Taylor.
– Daniel é o queridinho do chefe, Anna. – Adam brinca, mas eu sinto uma certa ironia em
suas palavras.
Nem posso culpá-lo. Se fosse ele em meu lugar eu também sentiria inveja.
No entanto é ele que está indo almoçar com Anna, podendo apertar sua cintura e fazer
piadinhas.
Quem tem inveja de quem agora?
O elevador está cheio quando voltamos do almoço. Por isto Anna e Adam não nos veem
quando correm e entram pouco antes do elevador se fechar e começar a subir.
Os dois riem de alguma coisa, Anna esta corada e alguns fios de cabelo se soltam do seu
rabo de cavalo enquanto olha pra Adam.
Ela está rindo, enquanto ele conta uma piada que já ouvi umas dez vezes naquele ano.
Para Anna é novidade e ela está achando graça.
O som do seu riso atravessa meu coração, como uma flecha envenenada, drenando
minhas forças.
Eu não quero que ela ria das piadas de Adam.
Ela nem sorria para mim. Quanto mais gargalhar como faz agora. Os dedos pequenos e
brancos se seguram por um instante no braço do advogado.
Meus dedos se fecham em um punho com força.
O elevador para no nosso andar e saltamos.
Vejo Adam entregar a bolsa dela com um galanteio. Por que diabos ele estava segurando
a bolsa dela? Quão ridículo era isto? Eles estavam no colegial?
Anna segue em direção ao toalete feminino e eu vou atrás de Adam.
Nós nos encontramos no banheiro.
– E aí, como foi o almoço com Taylor? Ele fez você pagar a conta?
– Sabe como ele é.
Adam ri.
– Muquirana!
– E seu almoço?
– Uma beleza. O Metropolitan nunca decepciona.
– E Anna gostou?
– Ela come como um passarinho, cara. Me pareceu satisfeita sim.
Anna satisfeita. Adam satisfazendo Anna.
Eu sacudo a cabeça para voltar a pensar racionalmente.
– Ela é uma ótima companhia. - Adam comenta, arrumando a gravata e meu estômago
embrulha.
– Adam, você por acaso não tem nenhum interesse nela, não é?
Ele me fita com os olhos franzidos.
– Não me leve a mal. Só acho que tem que tomar cuidado. Ela é nossa estagiária.
Misturar trabalho com outras atividades nunca dá certo. Viu o que aconteceu com a Lucy.
– Mas aí foi a Lucy que foi sacana, Anna não é assim.
Ah, ele já estava defendendo-a?
– Ela é uma boa garota – ele continua.
“Você não sabe de nada! Você não sabe de como ela se jogava em cima de mim, oito
anos atrás, me enlouquecendo justamente com sua carinha inocente, porém sempre pronta a fazer
qualquer coisa que eu quisesse”
– Lucy também parecia uma boa garota.
– O que está insinuando? Que Anna é uma sacana feito a Lucy?
Adam parece ofendido.
OK, desde quando ele era defensor da moral de Anna?
– Não disse isto – respondo. – Apenas estou te aconselhando a tomar cuidado.
– Eu sei o que estou fazendo. Anna é apenas uma garota doce que é nova na cidade. E
sim, eu sei que ela é nossa estagiária - e então ele pisca. – Mas não será estagiária pra sempre,
não é?
E com estas palavras que pra mim soam mais como ameaça, ele sai do banheiro. Me
deixando com vontade de quebrar todos os espelhos.
Anna está pronta para a reunião quando eu passo por sua sala e se levanta, me
acompanhando.
Me pergunto o que ela acha de Adam. Será que tem algum interesse nele também?
Esta questão me atormenta quando entramos na sala de reunião, onde estão três homens,
empresários responsáveis pela empresa que estaríamos representando. Eu apresento Anna e
começamos.
E sou surpreendido por ver que ela fez a lição de casa direitinho, estando a par de todo o
caso.
Ao termino da reunião, acompanho nossos clientes até o elevador e quando volto, ela está
na sua mesa.
– Você se saiu muito bem – eu a elogio.
E ganho meu dia quando ela sorri de leve.
Um sorriso de orgulho de si mesma.
Sim, ela poderia ter orgulho de si mesma hoje.
E eu sorrio também, rapidamente ela já está séria de novo, voltando a atenção para o
computador.
– Eu vou preparar o relatório da reunião.
– Claro, deixe na minha sala quando terminar.
– Eu posso mandar por e-mail?
“Não Annalise, eu quero ver seu lindo corpinho desfilando pela minha sala. ”
Mas eu me calo, óbvio.
– Pode ser.
Eu me viro e entro na minha sala, meio contrariado. Deveria era estar aliviado. Estamos
ali para trabalhar. E não para eu tarar a estagiária.
Que inferno eu estou pensando?
Afrouxo a gravata ao sentar na minha mesa. Talvez Violet tenha razão. Faz tempo demais
que eu saí com alguém. Estive tão envolvido com minha ascensão desde que entrei nesta firma
que perdi qualquer interesse em companhia feminina, me focando na minha carreira.
Eu queria mostrar para meus pais que podia ser alguém e não viver do dinheiro deles, que
era muito, e com certeza eles não se importariam de me sustentar a vida inteira, mas eu queria
mais.
Não era uma questão de dinheiro. Era de orgulho e dignidade.
Talvez uma parte de mim ainda esteja envergonhada pelos acontecimentos de oito anos
atrás que decepcionaram tanto Lydia e Caleb.
E agora aquele mesmo passado havia me alcançado.
E tinha nome, sobrenome e um traseiro incrível... Solto uma imprecação.
Eu preciso urgentemente mudar meus pensamentos. Ou melhor, direcioná-los para outro
lugar.
Anna era proibida pra mim. Por milhões de motivos.
Era minha estagiária num escritório onde eu já estive envolvido em problemas por causa
de uma estagiária que queria mais do que trabalhar.
E principalmente era aquela que eu magoei no passado e que nunca mais iria querer
qualquer coisa comigo. E eu tinha sorte de ela se dignar a trabalhar do meu lado.
Ou podia chamar de falta de sorte também.
Respiro fundo e pego meu celular, ligando pra Charlotte.
Violet dissera algo sobre uma... amiga?
Já passa das seis quando recebo o e-mail de Anna e eu o imprimo para ler.
Está perfeito e nem precisa de revisão. Ela é boa. Escreve muito bem, com coerência e
precisão. Infelizmente eu nem posso chamá-la na sala para pedir para arrumar algum errinho.
Ah, Daniel, pare com isto!
Irritado comigo mesmo, me levanto e pego meu casaco.
Ao passar por sua sala ela levanta o olhar.
– Eu recebi seu relatório, está perfeito.
– Precisa de mais alguma coisa?
– Por hoje é só. Eu estou indo embora. Você pode fazer o mesmo.
– Eu vou passar na sala do Adam, acho que ele tem uma tarefa pra mim.
Eu tenho vontade de proibi-la, mas não posso, claro. Por isto engulo minha insatisfação,
resmungo uma despedida e vou embora.
Vou para minha casa vazia. Que não tem mais o cheiro delicioso dela.
Infelizmente a tal amiga que Charlotte tem pra me apresentar está fora da cidade, mas
Charlotte me garante que é linda e que falou maravilhas de mim pra ela, que voltará à cidade em
duas semanas.
Assim, eu praticamente tenho um encontro em duas semanas e o que vou fazer até lá para
aguentar a tortura?
Sair e caçar alguma garota desconhecida num bar? Não, eu não estou com a menor
paciência.
Então decido gastar energia com atividade física. Coloco um agasalho e saio pra correr.
Correr e pensar em Anna. Em seu riso fácil, mas não pra mim.
Em sua eficiência que me deixara um tanto orgulhoso, embora eu não tivesse nenhum
mérito nisto.
Em seu cheiro gostoso que ficava impregnado no escritório o dia todo. E que eu jamais
sentirei direto de sua pele, com meu nariz colado nela, deslizando, aspirando...
Eu desisto de correr e volto pra casa. Atividade física pra esquecer não estava adiantando,
afinal.
Tomo um banho frio, mas se esfria meu corpo, não funciona da mesma maneira com
minha mente. Anna esteve ali, nua e com a água deslizando por ela inteira.
E eu estava tão bêbado que nem pude me aproveitar desta visão. Idiota. Idiota. Idiota.
Irritado, saio do chuveiro. Talvez devesse beber até desmaiar de novo, cogito, enquanto
pego minhas roupas sujas para colocar na máquina de lavar.
Penso em abrir a garrafa de uísque escocês que ganhei de Owen no último Natal. Talvez
seja forte o suficiente... Mas o que diabo é isto?
Ao abrir a máquina para colocar minhas roupas lá, ela não estava vazia. Em minhas mãos
há algo preto e de seda.
Um par de meias 7/8. De seda transparente que termina em rendas.
Só podem ser de uma pessoa.
Ela estava usando isto ontem, por baixo do respeitável terninho. Ela as usara ali, na
minha casa. Será que desfilara com elas e somente com elas?
Eu tenho uma ereção dolorida e instantânea ao imaginá-la.
Ah, Anna.
Calmamente coloco minhas roupas na máquina e a ligo, voltando para meu quarto.
O uísque não iria me ajudar agora.
Eu teria que ajudar mim mesmo.
****************
Os dias passam arrastados.
E, em vez da minha tortura diminuir, ela só aumenta.
Todo dia eu chego e sou saudado por seu cheiro de jasmim inconfundível e delicioso. Ela
me cumprimenta com um “bom dia, senhor” impassível.
Eu chamara sua atenção para aquilo, na frente de Adam, para ver se parava com aquela
coisa ridícula de me chamar de senhor, mas ela ficara sem graça e na frente de Adam concordara
em me chamar de Daniel, porém sempre que estávamos sozinhos, voltava a me chamar de
senhor.
E o pior é que até aquele tratamento me excitava.
Ferrado. Ferrado. Ferrado.
Eu não havia devolvido as meias. E tão pouco Anna perguntara sobre elas. Talvez não se
lembrasse. Ou não queria passar pelo constrangimento de pedi-las de volta.
Eu as guardara na minha gaveta de cuecas. Ficava imaginando se toda vez que ela usava
meias, se seriam como aquelas e desejava mais do que nunca ter a oportunidade de vê-las com
ela. O que era um sonho bem impossível.
E ela era eficiente. E talentosa. Até Taylor a tinha elogiado. E como Adam tinha previsto,
talvez tivéssemos outro prodígio no escritório e logo, ela deixaria de ser uma estagiária para ser
uma de nós.
Eu ansiava e rejeitava isto.
Afinal, ela deixaria de estar na sala ao lado.
E daí que eu vivia com uma ereção quase constante? E daí que minha família estava me
acusando de estar mais mal-humorado do que nunca?
Eu era um filho da puta masoquista e não estava preparado para me livrar do meu
carrasco. Esta era a verdade.
E tinha Adam. Eu ainda a dividia com ele, então ela passava parte dos dias comigo e
alguns com ele.
Eu morria de ciúme das horas que eles estavam juntos. Porque eu sabia que eles riam e se
divertiam um com o outro. E comigo ela era apenas fria e profissional.
E eu não podia fazer nada. Havia coisas demais entre nós para que fosse fácil superá-las e
começar do zero.
Tentar ser amigos seria impossível.
Amigos? A quem eu queria enganar?
Amizade não ia sanar aquela vontade que eu tinha de fodê-la com força, muitas vezes, de
várias maneiras, por horas a fio. Eu já não escondia de mim mesmo meus segredos sujos.
Se passaram oito anos e Anna Nicholls continuava sendo o objeto do meu desejo.
E em pouco mais de duas semanas trabalhando com ela, este desejo tinha crescido de
forma assustadora.
Então eu entro no escritório naquela manhã fria, me perguntando que roupa ela estará
usando hoje e fantasiando que tipo de meias serão, e a vejo no telefone.
Ela está sussurrando e não consigo ouvir. Parece algo bem íntimo porque ela sorri e juro
por Deus que é um sorriso cheio de malícia, como se o assunto fosse sexual.
Meu corpo se agita com este pensamento, instantaneamente eu congelo. Com quem ela
está falando?
Um namorado? Um amante?
Adam?
De repente ela levanta a cabeça, notando minha presença. E para meu desespero, cora
violentamente, murmurando algo desligando o telefone rapidamente.
– Bom dia, senhor.
– Por que inferno não me chama de Daniel? – Questiono irritado.
Ela se encolhe, surpresa com o ataque.
– Cansei desta sua palhaçada, Anna. De agora em diante eu sou Daniel. Se me chamar de
senhor eu te demito, entendeu?
Ela engole em seco. Vejo que procura argumentos, então acaba se recolhendo.
– Como preferir... Daniel.
– Quem era ao telefone? – Pergunto no mesmo tom irritado.
Ela está corando de novo?
– Seu namorado? – Insisto.
– É proibido falar com namorados nesta empresa, senhor, quer dizer, Daniel?
Eu respiro fundo, minhas narinas inflamando.
– Você tem um namorado?
– Não preciso responder esta pergunta. O que faço fora daqui não tem nada a ver com
esta firma.
– Tem, se fica fazendo sexo por telefone com ele.
Ela arregala os olhos, chocada e eu temo ter ido longe demais.
– Toc-toc – nós dois viramos para a porta ao ouvir a voz de Adam. Ele olha de um para
outro. – Algum problema?
– Não – respondo rápido. – Estou passando algumas instruções pra Anna.
– Ah sim, e eu vim roubá-la de você. Temos uma audiência agora cedo e vou precisar da
ajuda dela.
– Poderia ter avisado – eu digo contrariado.
– Me desculpe, achei que tivesse te informado. Falando nisto, precisamos realmente
arranjar outra estagiária, estamos com muito trabalho e pode ficar pesado pra Anna. Vou falar
com o departamento pessoal.
– Tudo bem – concordo, vendo Anna se levantar e pegar sua bolsa.
Ela está vestindo a mesma saia preta daquele dia que dormiu na minha casa. E meias
pretas.
– Até mais, Daniel – Adam coloca a mão casualmente nas costas dela a conduzindo para
fora.
Anna ainda se volta, lançando um olhar para mim por cima de seu ombro.
Eu sustento aquele olhar.
E me pergunto se haverá retaliação daquela nossa discussão.
Naquela tarde eu tenho um almoço com um cliente que se estende pela tarde e quando
volto, há apenas um e-mail de Adam dizendo que dispensou Anna mais cedo, pois ela trabalhara
até mais tarde com ele no dia anterior.
Espera, como assim eu não ficara sabendo disto?
O que eles ficaram fazendo no escritório sozinhos? O ciúme toma proporções gigantescas
fazendo-me projetar todo tipo de imagem imprópria envolvendo Anna e Adam na minha mente.
Eu iria matar Adam se ele tivesse ousado pôr as mãos nela.
Meu celular toca me tirando dos devaneios assassinos.
E eu me acalmo ao ver que é Charlotte.
– Oi, Charlotte.
– Olá! Que tal jantar comigo e Owen hoje?
– Hoje? Eu não sei... – do jeito que estava meu humor eu não seria uma boa companhia.
– Sim, Claudia está de volta à cidade.
Claro, Claudia, a amiga que ela queria me apresentar.
Talvez não fosse má ideia, afinal.
– Sim, tudo bem, então.
– Ótimo!
Nós marcamos no restaurante preferido de Charlotte às 20h e eu rezo para Claudia ser no
mínimo interessante o suficiente para tirar uma certa estagiária da minha cabeça.
Sim, Claudia é uma moça interessante, de cabelos castanhos curtos e simpática.
E só.
Ela não desperta nenhum interesse em mim enquanto jantamos com Charlotte e Owen, e
fico sabendo que eles a conheceram na faculdade.
– Claudia viaja muito a trabalho. – Charlotte explica.
– Você é de Seattle? – Pergunto educadamente.
– Atualmente não sou de lugar nenhum – nós rimos. – Vivo de hotel em hotel mesmo. É
gostoso e desgastante.
– E de onde você é?
– De Boston. Mas acho que se for me estabelecer, eu gostaria de ficar em Seattle.
– Gosta de Seattle então?
– Acho uma cidade fascinante, embora não conheça muitas coisas... Acredita que nunca
fui no Space Needle?
– Jura? – Charlotte indaga surpresa. – Não acredito, tem que ir!
– Sim, dá pra ver toda a cidade, vale muito a pena – Owen completa.
– Daniel, você podia levá-la amanhã! É sábado. – Charlotte sorri para mim cheia de
intenções. Minha primeira reação é dizer não, como fazer isto sem ser mal-educado?
– Claro.
Charlotte bate palmas, satisfeita. E assim, eu tenho um encontro no Space Needle com
uma garota.
O problema é que eu já estive lá com uma garota antes. E estar lá de novo, numa espécie
de encontro, é quase estranho.
E naquela manhã, enquanto espero Claudia descer em frente ao hotel que ela está
hospedada, abro meu celular e vejo as fotos antigas.
Seu sorriso radiante contra a paisagem é lindo. Me faz lembrar de como ela está tão perto
de mim e ao mesmo tempo tão distante. Isto me deixa triste.
Será que as coisas poderiam ser diferentes se eu não tivesse seguido com os planos de
Violet?
Eu nunca saberia.
– Oi – Claudia entra no carro.
– Oi, você está ótima - eu a elogio sinceramente e ela sorri.
Dou partida me perguntando por que não me apaixono por alguém como Claudia. Sem
um passado onde eu a usei e a magoei, estragando qualquer chance de um futuro para todo o
sempre.
– Está tudo bem? – Eu escuto sua voz doce me perguntando quando estamos lá em cima,
vendo a paisagem da cidade ao longe.
E eu percebo que estou com os pensamentos longe. Ou melhor, perto só que em outro
tempo. Com outra pessoa.
Eu sorrio tristemente.
– Me desculpe. Acho que não estou sendo uma boa companhia.
Ela sorri de volta.
– Parece estar com o pensamento longe.
– E estou, me desculpe.
– Tudo bem. Eu quero te contar uma coisa. – Ela para e então me encara. – Eu tenho um
namorado. Quer dizer, eu tinha...Nós terminamos há uns dois meses. Nós namoramos desde a
faculdade. Na verdade, fomos apresentados por Charlotte e Owen. O nome dele é Peter. Então
acho que por isto eles armaram este encontro entre nós. Acho que se sentem culpados por minha
tristeza. Me desculpe por isto.
– Não peça desculpas. Eu sei como Charlotte pode ser – eu quase me sinto aliviado agora.
– Eu ainda gosto dele.
– E por que terminaram?
– Por causa das viagens. Ele também viaja muito sabe. Ele é do Texas e disse que ano
que vem quer voltar pra lá. Eu me assustei. Esta coisa de compromisso e tudo o mais. E a gente
brigou e foi o fim. Agora eu estou arrependida e não sei como consertar as coisas.
– Sempre há um jeito.
– Eu não sei.
– Procure-o e diga como se sente.
– Acha que devo fazer isto?
– Nunca saberá se não tentar.
Ela sorri e segura minha mão.
– Obrigada. Foi o melhor conselho que recebi até agora. – Eu acaricio sua mão e ela sorri,
me beijando no rosto. – Que tal irmos comer no tal restaurante fantástico?
– Ótima ideia – agora que não estamos mais num “encontro”, eu me sinto mais à vontade
e aliviado.
Quando estamos entrando no restaurante eu os vejo, paralisando-me no lugar.
Anna e Adam estão saindo do restaurante.
Ele tem uma mão em suas costas, casualmente, e eles conversam animadamente enquanto
caminham em direção aos elevadores. E não me veem em seu caminho.
***************
Eu chego para trabalhar na segunda-feira como uma bomba prestes a explodir.
O resto do meu fim de semana depois daquela cena no Space Needle foi um inferno.
Apenas a presença de Claudia me impediu de segurar Adam pelo colarinho e jogá-lo
precipício abaixo para depois colocar Anna nos meus ombros e levá-la para algum lugar aonde
ela finalmente iria ouvir tudo o que eu tinha para dizer.
Como eu ainda era um homem educado e não iria fazer nenhuma cena com Claudia que
era uma pessoa tão bacana e estava magoada com o fim do seu namoro.
Então, engolira meu ciúme fermentado com ódio e indignação e seguira com Claudia
para o restaurante. E só depois a levara de volta ao seu hotel, lhe desejando sorte com seu
relacionamento.
Porque sorte era algo que eu definitivamente não tinha mais.
Anna e Adam. Que diabos significava aquilo?
Eles estavam juntos? Romanticamente? Sexualmente?
Ou apenas amigavelmente?
Como alguém conseguia ficar com Anna e ser apenas seu amigo?
Eu não conseguira há oito anos e estava penando para manter as mãos longe dela agora.
E Adam agindo nas minhas costas! Isto não iria ficar assim. Não mesmo.
Entro no escritório e ela está ali, como sempre. Me encara impassível e friamente.
– Bom dia, Daniel – diz meu nome com um certo desdém, percebo.
O que apenas aumenta minha raiva.
– Na minha sala. Agora! – Ordeno rispidamente, passando por ela e entrando na minha
sala.
Ela entra segundos depois. Não parece assustada.
Apenas um tanto curiosa e na defensiva.
Será que ela imagina o que tenho a dizer?
– Feche a porta – ordeno e ela se apressa em fechar.
– Sim? Algum problema? – Pergunta friamente.
– Está transando com Adam?
Ela arregala os olhos, surpresa com o ataque.
– O quê?
– Eu os vi no Space Needle sábado. – Eu dou dois passos em sua direção. - Que diabos
pensa que está fazendo, Anna? Vamos, me diga!
Ela dá um passo atrás, a mão no peito, respirando forte, os olhos enormes estão primeiro
cheios de choque e depois de indignação.
Ela respira fundo.
– Que diabos pensa que está fazendo, você, Daniel? – Ela me encara com uma ira
contida. – Está dizendo que eu estou transando com Adam porque nos viu no Space Needle?
Eu recuo, passando os dedos pelo cabelo nervosamente.
– Eu estou perguntando o que está acontecendo entre vocês – digo o mais calmamente
que consigo.
– E por que isto seria da sua conta? – Ela pergunta com os olhos flamejantes dando um
passo na minha direção, até estarmos nos encarando com uma raiva muito antiga.
Inferno. Mil vezes inferno.
– Porque eu ainda sinto algo por você – grito, dando um passo em sua direção. – Porque
eu ainda quero você – a segunda confissão sai num sussurro do fundo da minha alma cheia de
culpa.
O tempo para enquanto ela empalidece mortalmente.
Oito anos atrás
Eu estou obcecado por Annalise Nicholls.
É a constatação que chego quando fico observando ela passar no estacionamento
naquele fim de aula, como um caçador observando sua presa.
O vento sopra em seus cabelos escuros, sua cabeça está baixa enquanto ela caminha
com pressa até desaparecer no carro da amiga Jena. E eu me pergunto se ela está fugindo de
mim.
O que não é por menos. Eu fui um idiota tocando-a na aula. Com certeza eu a assustara
com minha mão boba.
A culpa era dela. Desde a tarde passada, quando nos amassamos na minha cama, eu não
pensava em outra coisa a não ser em pôr as mãos nela de novo. Sentir se sua pele branca seria
tão macia como eu imaginava.
– Ela é uma coisa mesmo, hein?
A voz de Elton me tira dos devaneios hormonais e eu me irrito por ter sido pego em
flagrante secando Annalise Nicholls.
Eu não deveria ter nenhum interesse nela. Seria muito mais fácil se não houvesse. Se ela
fosse apenas a filha de Tom talvez não houvesse nenhum receio dentro de mim em seduzi-la e
expô-la.
Ou eu poderia fazer aquilo que bem no fundo eu sabia ser o certo. Eu pularia fora
daquela vendetta de Violet e deixaria o trabalho sujo para Elton.
Para Elton ser aquele que colocaria as mãos em Annalise Nicholls.
Não, eu não ia permitir.
– Vamos embora – resmungo ao ver que Violet e Charlotte chegaram no carro.
Elton solta uma gargalhada, mas pelo menos não diz mais nada.
Naquela tarde eu me esgueiro para fora de casa com o DVD de Ligações Perigosas.
Apenas um pensamento em mente: terminar o que começamos ontem.
Eu e Anna num quarto escuro. Eu mal posso esperar.
Ela não está sozinha quando eu chego no portão da sua casa. Ela está na direção de um
carro com um cara do lado.
– Daniel... o que faz aqui? – Ela pergunta ao sair do carro.
Meus olhos estão presos no cara dentro do carro. Quem é aquele imbecil?
– Está saindo? – Pergunto.
– Sim, eu...
Escuto a porta do carro se abrir e um cara musculoso se aproximar rapidamente, se
postando ao seu lado. A postura possessiva é clara.
Eu cerro os punhos ao lado do corpo.
– Daniel, este é Tyler Davis... Tyler, este é Daniel. Ele estuda comigo.
Então eu sou apenas o cara que estuda com ela?
E ontem à tarde em meu quarto, eu quero perguntar? O Tal Tyler Davis estende a mão,
embora me encare com desconfiança. Eu o cumprimento secamente.
– Então, Daniel, o que faz aqui? Eu e Tyler estamos saindo... Para ver um jogo.
Eu lhe mostro o DVD, sentindo uma frustração crescente por ver meus planos sendo
destruídos. Por aquele tal cheio de músculos.
– Ontem não terminamos de ver o filme, achei que poderíamos terminar hoje... o que
começamos ontem. – Digo, fitando-a nos olhos, tentando transmitir exatamente o que estou
pensando.
E ela entende. Eu vejo pelo súbito rubor em seu rosto.
Tome isto Tyler Davis!
– Sinto muito, Daniel, Tyler e eu já temos um compromisso – ela responde e eu começo a
sentir ganas de estrangular o tal Tyler.
– Quando então? – Pergunto sem me preocupar se estou sendo ansioso demais.
Ela hesita. Eu sonho naqueles segundos que ela irá dispensar o Mister América e
segurar minha mão, me levando para seu quarto, e então...
– Deixe o DVD comigo. Eu posso ver mais tarde. Você já assistiu, não é?
O quê?
Mantenho meu rosto impassível, porém por dentro estou desmoronando.
Eu lhe entrego o DVD.
– Obrigada...
– Te vejo na escola amanhã – eu digo simplesmente e entro no carro.
Me afastando de Anna Nicholls e de seu amigo bombado.
Se é que eram só amigos. Inferno! Esmurro o volante várias vezes soltando mil palavrões
furiosos.
Então ia ser assim? Eu tinha certeza que ela estava querendo o mesmo que eu. Talvez eu
tenha me enganado.
Ou talvez ela fosse como Violet a pintava. Nós ficamos ontem e agora ela está partindo
para outra conquista. Ou Tyler Davis era conquista antiga?
Eu chego em casa irritado e me tranco na sala de piano, tocando as músicas mais
funestas possíveis.
– Posso saber por que está aqui maltratando as pobres teclas do piano? - Não sei por
que não me surpreendo ao ouvir a voz de Violet.
Eu paro de tocar e a encaro.
– Você ficaria chateada se eu não conseguisse seduzir Anna Nicholls?
Ela se aproxima com um olhar flamejante.
– O que quer dizer? Vocês estavam se pegando ontem! Aliás, perdeu uma boa
oportunidade de acabar logo com isto!
– Você me atrapalhou ontem.
– Me desculpe! Eu estava curiosa, só isto.
– Não sabia que era voyeur – resmungo, voltando a tocar.
Ela segura meu braço.
– O que quis dizer?
– O que você ouviu.
– Está desistindo.
– Não disse isto, apenas... – passo os dedos pelo cabelo, me sentindo meio idiota ao
contar a Violet que talvez Anna não estivesse mais interessada em mim. – Talvez as coisas não
estejam saindo como planejei.
– E o que foi aquele beijo no seu quarto ontem?
– Foi o que viu, apenas um beijo.
Ela fica me encarando. E eu me pergunto o que se passa por sua cabeça.
De repente ela solta o ar e senta ao meu lado.
– Vamos lá, desembucha. O que foi que aconteceu? Você sumiu agora à tarde, achei que
tivesse ido se encontrar com ela, ou estou errada?
– Está certa.
– E o que aconteceu para voltar tão irritado?
– Ela estava com outro cara.
– Oh. – Violet arregala os olhos surpresa, então começa a rir. – Eu te falei, esta menina
é muito rápida! Acho que mais rápida do que eu imaginava!
– Isto não tem graça! Achei que quisesse que ela ficasse comigo.
– Ei, eu quero que você a seduza e a exponha! Não precisa de uma grande história de
amor, por favor!
Sim, Violet tinha razão. Então por que eu estava irritado?
Por que sentia vontade de matar o tal Tyler marombado só de imaginar ele passando
aqueles braços cheios de esteroides em volta de Anna?
E por que eu sentia aquele vazio por imaginar que nunca mais ela ia olhar para mim do
jeito que olhara ontem à tarde?
Violet finca suas unhas rosa em meu braço.
– Então, deixa de ser idiota, volte lá amanhã e faça o que combinamos! Aquela garota é
uma vadia? E daí? Será mais fácil! Você a seduz, filma uma maldita fita e está tudo acabado!
Eu encaro as teclas a minha frente.
Era o momento de dizer a Violet que eu estava desistindo, mas via pelo seu olhar
determinado que ela não iria desistir.
E eu queria desistir? Queria nunca mais beijar Anna? Nunca mais tocar nela?
Eu respiro uma longa golfada de ar.
– Sim, tem razão. Amanhã terá acabado.
Ela sorri e me beija no rosto, se levantando.
– Assim é que se fala.
– Agora me deixe em paz.
– Com prazer!
Ela se afasta e eu volto a tocar. Agora não são mais melodias terríveis.
Meu humor não está melhor, está apenas determinado. Focado num único objetivo.
Annalise Nicholls de novo à minha mercê.
***************
– Você não manda em mim! – Charlotte está quase gritando quando chega à mesa de
café na manhã seguinte.
– Você é uma sonsa e está fazendo isto porque está contra mim! – Violet rebate.
– Fala sério, o mundo não gira em torno de você! - Charlotte rebate.
– Você pensa que eu não sei o que pensa realmente disto, não é?
– Eu não estou contra você! Eu só acho que...
Owen segura a mão da namorada.
– Amor, chega.
Charlotte respira fundo.
Eu olho para Elton tentando entender o motivo da briga, ele resmunga um “fique fora
disto”.
– Bom dia – digo por fim, me sentando.
As duas não respondem. Charlotte abre uma revista.
– Por que estão brigando desta vez? – Pergunto curioso e Elton bate o pé em mim por
baixo da mesa.
Violet bate a xícara de chá na mesa ao me encarar.
– Charlotte está se candidatando a presidente do grêmio!
– E daí?
– E daí que, sabe quem é a outra candidata, Annalise Nicholls.
Agora elas têm minha atenção.
Eu encaro Charlotte.
– O que quer dizer, Charlotte?
Charlotte revira os olhos.
– Você também? Está ficando igual a Violet! Eu quero ser presidente do grêmio, nem
sabia que Anna Nicholls era candidata também!
– E como você sabe, Violet? – Pergunto.
– Eu sou amiga de Joshua Nelson.
–Amiga, sei! - Charlotte intervém. – Você se aproximou dele para saber sobre a Anna...
Violet ignora o comentário de Charlotte e continua.
– E ele me contou que aquela amiga tagarela deles vai insistir com a Anna sobre isto
hoje.
– E o que isto tem a ver com Charlotte?
– Não quero que ela se meta com a Anna.
– E acham que eu faria o quê? – Charlotte resmunga.
– Talvez nos impedir de desmoralizá-la?
– E eu faria isto tendo-a como adversária na disputa pelo grêmio? Hello, acho que seria
o contrário, não é?
– Charlotte tem razão, amor. – Elton comenta, com a boca cheia de pão. – A tal Anna
sendo presidente do grêmio vai nos ajudar! Quanto mais alta a escada, mais alto o tombo.
– É exatamente o que eu quero! Que a Anna ache que vai ganhar! Quero ela confiante!
Com uma Charlotte Beaumont na disputa não dá!
– Obrigada pela parte que me toca! – Charlotte resmunga e então par. – Olha quem está
aqui! A vítima de vocês!
Ela joga a revista pra Violet que olha o que Charlotte mostra.
– Não fala assim, Charlotte – peço, incomodado.
Charlotte crava os olhos impiedosos em mim.
– E você a chamaria do quê?
– “Ela é uma filha para mim”. Era isto que ele dizia para minha mãe também. Que nojo.
– Violet resmunga jogando a revista na minha direção e se levantando. Elton a segue.
Eu olho a revista e entendo o que Violet viu.
Me lembro de Violet toda machucada. Física e emocionalmente. De como ela ainda é
assim. Tudo por causa daquele cara.
Talvez fosse muito mais fácil resolver tudo com uma surra bem dada naquele canalha.
Em vez disto eu estou seduzindo sua enteada.
Sinto meu estômago se revirando enquanto penso nisto dirigindo para a escola. O peso
do que estou fazendo debatendo dentro de mim com a vontade de prosseguir. Então eu a vejo.
Linda e sedutora caminhando com seus amigos pelo estacionamento. Meus olhos a seguem
ávidos, sequiosos.
Me lembro dela com Tyler Davis. O que teria acontecido ontem entre os dois? Ele teria a
beijado? Tocado seus seios? Tocado algo mais?
Ido até o fim?
De repente eu estou cansado de ir devagar. Eu preciso estar perto dela de novo.
Ela está com seus amigos no refeitório quando eu a intercepto.
– Oi, Anna.
– Oi.
– Será que podemos conversar um minuto? Sobre o trabalho de literatura.
– Sim. – ela se vira para os amigos que estão paralisados ao seu lado. - Eu encontro
vocês lá dentro, ok?
Eles concordam e entram no refeitório. Estamos sozinhos no corredor.
Mas ainda não é suficiente.
– E então, o que precisa falar?
Falar? Quem disse que eu quero falar?
– Vem comigo – eu seguro sua mão e a puxo pelo corredor.
– Eu não acho que...
– Você acha demais, Anna.
– Eu?
Eu me viro rindo dela, achando lindo seu rosto corado e confuso.
– Posso saber aonde estamos indo?
– Para um lugar onde eu possa conversar com você sem que fuja.
Eu parabenizo a mim mesmo por me lembrar do indefectível armário de esportes onde a
encontrei com Elton.
– Daniel... Não deveríamos estar aqui.
– Calma, Anna.
Ela cruza os braços sobre o peito, preocupada.
Eu não a quero preocupada. Eu a quero excitada.
Sinto minha pulsação acelerar apenas com a sua proximidade. As possibilidades...
–O que de tão importante tem que falar comigo?
– Quem era aquele cara com você ontem? – Pergunto. Quero tirar o fantasma bombado
do meio de nós.
– Meu amigo.
– Estavam saindo pra um encontro.
Ela morde os lábios, desviando os olhos.
Estaria pensando numa desculpa? Numa mentira plausível?
E de repente eu sei que aquele tal de Tyler é sim algo mais do que um amigo.
Um coquetel de sentimentos me toma de assalto. Fúria, ciúme.
Pesar.
Respiro fundo. Seu cheiro de jasmim invade minha narina inflamada de raiva.
– Somos apenas amigos – ela continua.
Mentira.
– E eu achei que você queria falar comigo sobre o trabalho de literatura.
–Sim, o trabalho que poderíamos ter dado prosseguimento ontem, se não tivesse saído
com seu... amigo. – Minha voz sai cheia de ironia.
– Eu não fazia ideia que era esta sua intenção.
– Se soubesse, teria desmarcado com ele e ficado comigo?
– Ficado com você? – Balbucia.
E eu me dou conta das implicações do “ficar”.
– Para fazer o trabalho? - Insisto muito baixo, meus olhos deslizando por ela inteira.
Estávamos numa semiescuridão, mas eu conseguia vê-la.
Lindamente tentadora em seu uniforme escolar.
Minha imaginação corre solta. Como ela seria sem ele?
Estendo a mão e seguro uma mecha de seu cabelo castanho.
Me aproximo o bastante até que nossas respirações se movam juntas.
Ela tem um hálito delicioso. Doce. Único. Me faz querer beijá-la.
– Como fizemos na sua casa? – Há um quê de acusação em sua voz, embora esteja tão
baixa quanto a minha.
– Quer que eu peça desculpas por ter beijado você?
– Não vai acontecer de novo.
Ah Anna, vai acontecer de novo sim...
– Não posso te beijar de novo? – Deslizo meus dedos por seu rosto macio, até seus
lábios, que se entreabrem.
Excitação apunhala meu sexo.
– Não faça isto... – ela implora num sussurro, seus olhos dizem algo completamente
diferente.
Eu rio muito satisfeito. Anna está na minha, sim.
Ontem pode ter havido Tyler Bíceps Davis. Mas hoje, aqui, nesta sala escura, ela é
minha.
Meu pulso acelera de antecipação quando ela fecha os olhos, sua respiração saindo
rápida em meus dedos que ela morde sem querer. E eu solto um gemido, a dor no meu dedo indo
direto para dentro das minhas calças subitamente apertadas.
– Me desculpe – balbucia, pousando os maravilhosos olhos chocolate em mim.
– Você é tão absurda. – Eu acaricio seu rosto vermelho. – E eu amo este seu rubor, é
tão... – eu me inclino e beijo sua bochecha. – Lindo.
E aproveito para inalar de novo seu cheiro único.
– Daniel, por favor. – Ela sussurra - Se não tem nada mais para me dizer, acho melhor
sairmos daqui, eu tenho um discurso e...
Eu sorrio contra sua pele e me afasto um pouco.
Ela pode dizer um monte de bobagens para me afastar, porém o jeito como ela move as
coxas, inquieta, seus dedos torcendo a saia xadrez, o rubor em seu rosto quente... Seu corpo diz
algo completamente diferente.
É quase como se eu lesse seus pensamentos... seus desejos...
Meu próprio desejo se torna o seu desejo agora.
– Como está seu joelho? - Indago.
– Joelho?
– Sim, está melhor? Esqueci de perguntar... – e eu me abaixo com a mentira mais
deslavada do mundo, segurando sua perna.
O joelho machucado está cicatrizando. Ela treme em minhas mãos.
– Daniel, por favor, – seu gemido sai constrangido e ao mesmo tempo excitado. Me
incitando a continuar.
Eu levanto o olhar.
– Por favor, o quê?
Será que ela sabe que seus olhos imprimem algum tipo de mensagem que vai além do seu
consciente?
Que eles pedem, exigem, imploram?
Sua respiração sai por arquejos e eu também estou ofegante quando abaixo a cabeça e
beijo a pele macia do seu joelho.
Minhas mãos sobem sua saia.
Tocam as laterais de sua calcinha.
E os minutos seguintes são os mais incríveis, excitantes e surreais da minha vida.
E eu sei que poderá se passar uma vida e eu ainda continuarei ouvindo o som perfeito
dos gemidos de Annalise Nicholls em meu ouvido, no momento em que ela estremeceu em mim.
É quase tão perfeito como se eu mesmo estivesse gozando. E aqui e agora, eu prometo a
mim mesmo que escutarei este som de novo.
E eu levanto os olhos para vê-la suada e ofegante.
Linda.
E ajeito suas roupas no lugar, sorrindo, muito satisfeito comigo mesmo.
Quer dizer, não tão satisfeito, uma parte da minha anatomia reclama, isto com certeza
estará acabado em breve.
Eu acaricio seu rosto, ao me levantar.
– Por que fez isto?
– Porque você pediu.
– O quê?
– Seus olhos dizem tanta coisa, Anna, é quase como ler sua mente.
– Eu não, eu...
Seu rosto se tinge de vermelho escarlate e eu a beijo delicadamente, me afastando.
Preciso sair dali, urgentemente. Antes que termine o que começamos.
E não é assim que eu quero que seja.
Não num armário sujo onde qualquer um pode nos interromper.
Quando eu começar com Annalise Nicholls, eu não vou querer mais parar.
– Acho que tem um discurso a fazer. - Abro a porta a deixando sair.
Escuto a voz de sua amiga chata a chamando, dizendo que estão atrasadas e fico ali um
pouco ainda, penso no hino nacional americano ou qualquer coisa que me estabilize de novo e
tire Anna da minha mente e do meu corpo.
Só então eu saio e vou para o auditório.
Ela está discursando. Ou tentando. Eu sinto uma onda de culpa mesclada com
divertimento ao vê-la toda desarrumada.
Desarrumada por mim.
E quando nossos olhares se encontram eu sei que ela está pensando o mesmo que eu.
Quando o discurso termina e Anna some com seus amigos do auditório, Violet me
cutuca.
–Até imagino o que rolou naquele armário para ela estar deste jeito.
Eu a encaro irritado.
– Eu vi vocês entrando lá – ela dá uma risadinha. – Devo entender que ela está na sua de
novo?
–Cuide da sua vida. – Eu resmungo e me levanto, querendo fugir de Violet e seus
lembretes de que Anna e eu não éramos só uma casualidade.
Era uma vendetta.
Mas, quando estou encostado no meu carro, vendo-a vir na minha direção, eu já não
penso em mais nada.
Capítulo sete
Tenho certeza que estou numa palidez de morte enquanto digiro minha confissão
impulsiva.
O ar saindo com dificuldade da minha garganta enquanto meu coração bate num ritmo
alucinado no peito. Quero puxar as palavras de volta para dentro de mim, mas, para quê?
Um sentimento de inevitabilidade me toma enquanto nos encaramos quase sem respirar
naquela sala.
Sim, eu ainda sentia.
E eu ainda queria.
De que adianta negar? Eu estava negando a mim mesmo desde que ela voltara a minha
vida. Atolado na culpa e no tormento que era tê-la tão perto e tão distante.
Sabendo que me odiava e aceitando isto como culpado que sou.
Eu daria de bom grado o chicote para ela desferir em minhas costas, contando que depois
ela beijasse minhas feridas me perdoando.
Isto nunca vai acontecer. Mesmo assim, eu sei que, no fundo, é o que eu almejo. No lugar
mais escondido e profundo do meu coração.
Era o meu segredo mais sombrio.
E estava começando a se revelar para ela agora.
E como um pecador depois da confissão, espero minha punição.
Ou redenção.
Então a porta se abre, trazendo o mundo além de nós à sala.
– Anna, está pronta?
Adam está parado à porta.
Anna se vira. Nós dois fitamos Adam.
Eu desejo empurrá-lo porta afora e continuar com Anna só para mim.
– Sim, estava... avisando ao Daniel que estamos saindo.
Ela não me encara, enquanto dá alguns passos em direção a Adam que olha de um para
outro, agora com a testa franzida.
– Algum problema? Desculpa por não ter avisado antes, trata-se de um chamado fora de
hora do Juiz...
– Não, não tem problema – balbucio, vendo Anna cada vez mais perto de Adam.
Cada vez mais longe de mim.
“Não vá. Fica comigo”.
– Eu vou dar uma passada no toalete, nos encontramos no elevador – ela diz e sai da sala
com seus passos rápidos.
Adam volta a me fitar, parece ainda em dúvida.
– Estava brigando com ela?
– Por que está dizendo isto? – Pergunto, meio irritado.
Adam dá de ombros, cruzando os braços em frente ao peito.
– O ambiente estava tenso quando entrei. Parecia que estavam tendo uma discussão.
Cuide da sua vida, eu quero dizer. E talvez dar alguns socos em sua cara bonitinha. E
pedir que não se meta com Anna de novo.
No entanto, apenas assumo uma atitude casual, enquanto volto para trás da minha mesa.
– Anna estava me contando que foram no Space Needle.
Uma pequena mentira jogada ao vento. Vamos ver o que vou colher.
Adam fica vermelho como um colegial pego em flagrante.
Eu fecho os punhos com força.
– Sim, estávamos trabalhando sábado de manhã e decidimos almoçar lá. Ela deve ter te
falado – responde rápido.
– E foi só isso?
– Está insinuando o que, Daniel?
– Nada, apenas, que se forem vistos por alguém, juntos fora do escritório, pode parecer
outra coisa.
– Nós somos amigos. E trabalhamos juntos. Não tem nada demais.
– Espero que mantenha isto em mente – resmungo.
– Sim, eu estou mantendo isto mente. – Adam sai da sala, me deixando uma leve
impressão que “manter isto em mente”, estava sendo um certo sacrifício para ele.
E será mesmo que não está rolando nada entre eles? Poderia confiar nas palavras de
Adam? Eu teria feito papel de idiota em frente a Anna agora a pouco confessando que ainda a
queria para nada?
Respiro fundo, me levantando e encostando o rosto no vidro frio.
Estou numa enrascada tão grande que não faço ideia de como sair dela.
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Ela se enrosca em mim em seu sono, enquanto o filme continua a rolar na TV.
Acaricio seus cabelos e aspiro seu cheiro único. Jasmim.
Eu esperei muitas coisas daquela tarde, mas não esperei desejar que as coisas fossem
diferentes.
Nunca poderemos trocar impressões literárias. Nunca conhecerei seu pai. Nem a verei
aflita para decidir para qual faculdade ir.
Ou quem sabe mais além.
As horas estão contadas. Horas roubadas em que a seguro morna e compassiva contra
meu corpo, não com o tesão louco que eu sinto, apenas porque estou apreciando mais do que
devia o simples fato de ela estar perto.
E enquanto estou ali, roubando seu sono, percebo que gostaria que as coisas fossem
diferentes para poder me apaixonar por Anna Nicholls.
Mas eu não posso.
Eu não devo.
E não vou.
Sua respiração muda sutilmente e ela se mexe em poucos segundos, me fitando com os
olhos pesados e confusos de sono.
Linda.
– Eu dormi?
– A maior parte do filme – eu rio e acaricio suas costas.
– O que perdi?
– Ele se apaixonou por ela no final – digo baixinho.
– Ele morre no final.
– Sim, ele morre. Acha que foi um castigo por seus atos?
“Você me perdoará pelo o que vou te fazer, Anna? ”
– Talvez...
– Não acha que o fato de ele se apaixonar por ela justifica alguma coisa?
“E se eu me apaixonasse por você? ”
– Não sei... E as outras seduções? Estas não têm justificativa.
– E se fosse somente ela?
“Eu nunca quis me apaixonar por ninguém, como eu quero por você”
– Mesmo assim seria errado, não é? Quando ele se apaixonou podia ter rompido com a
Marquesa de Merteuil, ele preferiu continuar fiel a ela. E magoou Madame de Tourvel.
– Ela morre também. Acha possível alguém morrer de amor?
– Ela não morre de amor. Morre de decepção. Ela não consegue conviver com a traição
de Valmont.
– Então acha que ela nunca deveria perdoá-lo?
“Por favor, Anna. Me perdoe”
– Ele não pede perdão. Ele vai embora a deixando destruída e arrasada. Ele merecia
morrer mesmo. Só que eu no lugar dela não teria morrido.
– E o que você teria feito?
– Eu teria me vingado.
Eu rio, retirando uma mecha rebelde de cabelo de seu rosto pálido.
Vendetta por Vendetta.
Se Anna aplicasse os mesmos métodos de vingança que eu estava aplicando nela, eu
seria uma vítima de bom grado.
Capítulo oito
Por um momento desconfio de que ainda estou na minha cama, dormindo e sonhando
com Annalise Nicholls enfiando sua língua em minha boca enquanto me prensa contra a parede
do elevador.
Porque somente em meus sonhos mais absurdos eu acharia possível de algo assim
acontecer.
Mas está acontecendo. E por um instante eu nem consigo reagir, tamanho é meu choque.
Rapidamente a realidade me atinge como um soco no estômago e minha mente processa
todas as nuances perfeitas daquele momento.
O cheiro de jasmim em meu nariz.
O gosto de menta matinal de seus lábios que se movem quase com fúria sobre os meus.
E o gemido rouco que sai de sua garganta quando sua língua encontra a minha.
Meu coração dispara como se tivesse levado uma injeção de adrenalina, que bombeia
energia explosiva por meu sangue e ativa todas as células do meu corpo subitamente desperto.
Pedaços de felicidade explodem em mim.
Desejo, em sua forma mais crua e intensa, dispara mensagens de júbilo por meus
membros, que reagem, vivos e ávidos por mais.
E, com um gemido de prazer, subo meus braços para tocá-la com o único intuito de trazê-
la pra mim, enquanto a beijo de volta com igual intensidade.
Com saudade.
E estou abraçando o infinito.
De repente sua boca se arranca da minha com um safanão de suas mãos em meu peito e
em segundos sou transportado de volta ao elevador, agora parado no nosso andar, quando abro os
olhos completamente atordoado.
Anna me fita ofegante e com as faces vermelhas.
Olhos dardejando fúria em minha direção da mesma maneira que seus lábios corrompiam
os meus há poucos segundos.
Foram realmente poucos segundos?
Eu não sei.
O que sei é que com certeza o momento acabou.
A tensão está de volta.
Mesmo assim eu espero. Ela me beijou e tudo mudou.
Por um instante maluco, me vejo puxando-a de volta para meus braços, sussurrando em
seu ouvido que tudo vai ficar bem, enquanto aperto o botão do elevador para descer.
E em poucos minutos estaremos longe dali.
Que se danasse o resto. Ambos seríamos demitidos talvez, quem se importa com
trabalho?
E chego a levantar a mão começando a articular seu nome em meus lábios, porém ela se
vira e sai do elevador, se afastando de mim como se nada tivesse acontecido.
Como na hora do beijo, demoro alguns segundos para sair do torpor, quando saio, corro
atrás dela, começando a me irritar.
– Anna, espera!
Ela continua sua fuga pelo corredor.
– Oi, Anna! – Hannah surge do nada sorrindo e Anna é obrigada a parar.
Mas, o que eu posso fazer na presença da recepcionista?
– Oi, Daniel. - Ela sorri ao me ver também, olhando de mim pra Anna. – Nossa, que
pressa vocês estão! Estão atrasados?
– Não – Anna responde rápido. - Quer dizer, eu preciso... Ir ao banheiro.
– Eu vou com você – Hannah segue atrás de Anna.
As duas me deixando plantado com cara de idiota.
Derrotado, vou para meu escritório, me ocupando em ligar o computador e soltando
imprecações irritadas, até que escuto os passos inconfundíveis na sala ao lado.
Eu não perco tempo em armar um plano de ação, apenas vou até lá pronto para confrontá-
la.
Anna está ligando seu computador com cara de poucos amigos.
Ótimo, somos dois irritados então.
E de quem é a culpa?
– Que diabos foi aquilo no elevador? – Me inclino em sua mesa. Ela continua a bater nas
teclas do computador.
– Não vou falar sobre isto.
– O diabo que não vai! – Bato na mesa com força, lançando algumas canetas ao chão.
Ela pula, um tanto assustada, e eu me arrependo na mesma hora.
– Me desculpe, eu... droga, Anna! Você me atacou naquele maldito elevador e agora está
agindo como se nada tivesse acontecido!
Ela me encara finalmente.
– Por favor, não quero falar sobre isto aqui – fala com a voz controlada e então revira os
olhos. – Inferno! Olha sua boca – resmunga, abrindo uma gaveta e tirando alguns lenços de papel
de lá.
– O quê?
Sem aviso, ela me puxa e começa a passar o lenço em minha boca.
Eu fico sem reação nos poucos segundos que dura a limpeza e, de repente, ela afasta as
mãos, vermelha, jogando os lenços no lixo.
– Estava sujo de batom – diz com a voz sumida.
Eu respiro fundo, repentinamente mais calmo.
Talvez ela tenha razão.
Ali não é o lugar para falarmos sobre o que aconteceu. Não quando qualquer um pode
ouvir e tirar conclusões apressadas.
Mas não necessariamente errôneas.
Todavia, seria um desastre, com certeza.
– Eu tenho uma reunião – ela se levanta, juntando um caderno de anotação e caneta ainda
evitando meu olhar. – Estarei na sala do Adam toda a manhã.
E sem mais ela sai da sala.
Deixando seu rastro de jasmim e confusão para trás.
***************
Como nenhum infortúnio vem sozinho, Charlotte aparece na hora do almoço insistindo
em me levar para almoçar.
– Onde está ela? – Pergunta quando passamos pela sala de Anna, que agora dou graças a
Deus pelo fato de ela não estar lá.
– Ela quem?
– A estagiária.
– Qual seu interesse nisto? – Pergunto desconfiado, apertando o botão do elevador
quando chegamos ao corredor.
Ela sorri.
– Mamãe me disse que esteve em casa ontem pedindo para fazer uma sopa para a sua
nova estagiária.
– Ah, isto – resmungo, puxando-a para o elevador.
Infelizmente minha mente reage cheia de lembranças de outra pessoa comigo naquele
lugar.
Alguém que havia me beijado.
A estagiária em questão.
– E então, cadê ela? Estou curiosa.
– Posso saber por quê?
– Porque nunca vi você se preocupando assim com uma colega de trabalho... – seu sorriso
é cheio de malicia, enquanto saímos para a rara tarde ensolarada em Seattle.
– Não é o que está insinuando.
– Ah não? Não está paquerando a estagiária então?
– Não fale assim, Charlotte. Ela é minha estagiária.
– E daí? Ela é bonita?
Eu solto um palavrão.
– Isto é um sim ou um não? - Ela ri, segurando meu braço, enquanto caminhamos até o
restaurante japonês que escolheu.
– Você só veio almoçar comigo hoje só por isto, não é?
– Você me conhece, – ela pisca – isto, e também para pedir desculpas pela desastrosa
apresentação de Claudia.
– Não precisa se desculpar por isto. Devo admitir que não deu em nada. Embora seja uma
garota legal ela ainda gosta do namorado.
– Em outras circunstâncias teria ficado com ela?
Eu penso por um momento.
Eu teria? Teria conseguido tirar Anna do pensamento e começar algo com outra mulher?
– Ou será que prefere uma tal estagiária.
Eu solto um palavrão irritado e Charlotte ri mais ainda.
– Se está tão irritado e se nega a falar sobre a garota, aí tem coisa!
– Charlotte, por favor, esquece este assunto – peço, bem sério. – Não quero que se meta
nisto, entendeu?
– Nossa, eu...
– Você nada! Espero que tenha entendido, fui claro?
–Está bem, credo! Não está mais aqui quem falou.
Nós entramos no restaurante e ela começa a falar sobre a chatice de Violet com os
preparativos de casamento, esquecendo meus problemas amorosos.
À tarde eu volto para o escritório e aqueles mesmos problemas continuam rondando
minha mente.
Anna não aparece.
Eu me corroo de vontade de ir atrás dela, de ver se está mesmo ocupada com Adam ou
simplesmente me evitando.
Me seguro. Coagir Anna não é o caminho.
Deduzi disto porque deixei a decisão nas mãos dela ontem à noite e hoje de manhã ela
havia me beijado.
O fato de ela estar fingindo que nada aconteceu é um problema. Nós só precisamos
conversar. Anna não ia jogar o assunto para debaixo do tapete. O beijo não tinha surgido do
nada. Ele estava pairando sobre nós desde que nos reencontramos.
O ressentimento e a culpa também estavam lá junto com o desejo.
E eu me pergunto se há uma maneira de passar por cima dos dois primeiros para
concretizarmos o terceiro.
O dia está terminando, quando finalmente ouço passos se aproximando da sala.
Me levanto, de novo com o intuito de confrontá-la.
Não que eu pretenda fazer isto ali, a convidarei para jantar comigo.
Sim, será perfeito. Eu posso levá-la para minha casa e finalmente teremos a conversa que
devíamos ter tido desde que nos reencontramos naquele escritório.
E depois eu não me defenderia caso ela me atacasse de novo.
A excitação me domina com as possibilidades enquanto vou atrás dela.
Paro ao ver que Hannah também está ali, enquanto Anna desliga o computador e arruma
sua mesa.
– Oi, Daniel – Hannah sorri. – Estou esperando a Anna.
Anna nem olha para mim, pegando seu casaco e bolsa.
– Sim, percebo – resmungo irritado.
Claro que Anna chamara Hannah de propósito.
– Se não se importa, preciso dar uma palavra com Anna na minha sala antes de ela ir
embora.
– Desculpa, Daniel – Anna finalmente se digna a me olhar. – Eu e a Hannah vamos ao
cinema e a sessão começa em vinte minutos. Pode ser amanhã? – Pergunta já seguindo para o
lado de Hannah.
Sim, ela planejara direitinho, tudo bem.
Amanhã não tardaria a chegar. E ela não poderia inventar desculpas para sempre.
– Claro, sem problemas. Não quero atrapalhar o cinema de vocês. O que vão assistir?
Hannah fala o nome de um drama que acabara de estrear.
– Parece ser bom, vou querer ver também.
– Sim, por que não vem com a gente? - Ela sorri animada sem perceber o olhar
horrorizado de Anna. – A gente vai ao cinema que fica na rua de trás, nem precisa pegar o carro.
– Sim, por que não? – Respondo, quase rindo da cara de choque de Anna. Um pouco do
próprio veneno, afinal. – Me esperem no saguão, vou só pegar meu casaco.
Minutos depois, eu encontro uma Hannah empolgada ao lado de uma Anna relutante no
saguão do prédio.
– Prontas?
Hannah sorri e eu lhe dou o braço quando saíamos à rua, que ela pega sem cerimônias,
então eu faço o mesmo com Anna. Ela me lança um olhar de fúria contida em resposta ao meu
sorriso cordial e falsamente inocente. Mas segura meu braço assim como Hannah.
– Você gosta de filmes dramáticos, Daniel? - Hannah questiona.
– Sim, eu gosto.
– Eu prefiro comédias. Porém Anna me convenceu a assistir este, disse que estava louca
para ver e que não poderíamos perder.
– Ah é? - Eu olho pra Anna, que tem o olhar fixo a sua frente.
Parece linda para mim deste ângulo também, mesmo com a carranca a lhe franzir as
feições.
– Então gosta de drama, Anna?
– Quem não gosta – ela rebate rápido.
– Eu prefiro rir do que chorar – Hannah diz. – Hoje vou seguir a indicação de Anna,
quem sabe não vira um gênero interessante para mim.
Eu duvido seriamente que Anna esteja tão interessada assim em ver este filme, mas não
digo nada. Em vez disto, decido abusar mais um pouco da sua paciência.
– Se quer ficar por dentro de bons filmes de drama, deveria assistir “Ligações Perigosas”.
– Digo casualmente, e sinto Anna se afastando instantaneamente como se, de repente, eu tivesse
lepra.
E, quando a encaro, vejo tanta dor em seu rosto que me arrependo imediatamente de ter
citado aquele filme.
– Do que se trata este filme? - Hannah pergunta, alheia à nossa tensão.
– Esquece... Depois eu te falo.
– Não, fala agora. Fiquei curiosa.
– É sobre dois nobres nojentos que jogam com a vida dos outros por vingança e diversão,
não importando quem vai sair magoado no final - a voz de Anna se ergue entre nós,
surpreendendo-nos.
Eu engulo em seco. Agora estamos parados em frente ao cinema.
Hannah ri.
– Você conhece este filme também?
– Infelizmente - Anna resmunga. - Então, vamos logo comprar esta droga de ingresso? -
Continua andando a nossa frente até a bilheteria.
– Nossa, o que deu nela? - Hannah pergunta.
– Não sei, vamos?
– Sim, senão vamos nos atrasar.
Hannah arrasta uma Anna mal-humorada para o banheiro e eu entro sozinho na sala
escura, antes de o filme começar.
Propositalmente eu sento na poltrona do meio, o que obrigará Anna a ficar do meu lado.
Sei que é um comportamento infantil e idiota, não consigo evitar.
As vejo se aproximando e me pergunto se ela estará de bom humor.
Talvez até estivesse, mas, ao ver onde terá que se sentar, seu rosto se veste de irritação de
novo. Por um momento penso que ela vai pedir para trocar de lugar, então as luzes se apagam
completamente agora e na tela começam os trailers. Hannah se senta à esquerda, não deixando
alternativa a Anna, a não ser se sentar à minha direita no cinema lotado.
A sala está em silêncio quando o filme começa. Eu, é claro, não estou prestando atenção
no filme. Eu estou totalmente ciente da presença de Anna ao meu lado.
Será que ela sente a mesma tensão?
Lanço um olhar de soslaio em sua direção e ela está com a expressão compenetrada no
filme, o que me deixa um pouco decepcionado.
Eu mal consigo respirar, ou pensar, com ela do meu lado.
E ela parece estar a milhas de distância, com o olhar fixo na tela.
Sem raciocinar, decido seguir meus instintos e eles dizem para eu levantar a mão e pousá-
la em sua perna.
Um leve tremor e um engasgar suave denunciam sua perturbação. Ela se vira, me
encarando com certeza, chocada e furiosa, eu fico olhando para a frente, contendo à vontade
olhar para ela e sorrir.
Isto se parece demais com o dia em que a toquei por debaixo da carteira oito anos atrás.
E sei que a qualquer momento ela me dará um safanão, mas me aproveitando do seu
estupor arrasto meus dedos por sua pele, infelizmente coberta por meias, me perguntando cheio
de um tesão súbito, se ela está usando meias 7/8 como aquela que esqueceu na minha casa.
Meus dedos se imiscuem no interior da sua saia, ávidos para descobrir esta informação.
O safanão que eu esperava finalmente surge, na forma de suas mãos geladas me
empurrando para longe.
– Que foi? – Hannah, percebe algo errado e sussurra a pergunta, se inclinando.
– Nada - digo no mesmo tom baixo.
E não ouso mais colocar minha mão em Anna.
Quando o filme termina, nós saímos junto com a multidão para a noite fria.
– E aí, gostaram? - Hannah pergunta. – Eu achei bem triste.
– Sim, é um bom filme – respondo casualmente, na verdade não acho nada.
Afinal, passei o filme inteiro pensando em meus problemas com Anna e em como iria
resolvê-los.
– E você, Anna? – Hannah cutuca Anna, que está em um silêncio taciturno.
– Esperava mais.
– Hum, está de mau humor hoje, hein? E aí, quer ir jantar comigo? O que acha, Daniel?
Podemos ir nós três.
– Não – Anna responde rápido. – Eu tenho que ir para casa. Fiona está me esperando.
– Tudo bem, que pena.
– Sim, eu também preciso ir embora. – Respondo. – Querem carona?
– Não, vamos de metrô, não é, Hannah? – Anna segura o braço de Hannah, que tenho
certeza abriu a boca para dizer um “sim, nós queremos”, mas Anna já a arrastava rua abaixo, não
lhe restando alternativa a não ser segui-la, me lançando um tchau de longe.
Eu as vejo se afastar cheio de pesar.
Continuo na estaca zero.
E me pergunto se um dia sairei daquela marca com Anna.
***************
No dia seguinte coloco cuidadosamente um envelope sobre sua mesa, com seu nome
escrito nele.
Ela ainda não chegou, posso perceber pela total ausência do cheiro de jasmim. Caminho
até minha sala e ligo o computador, esperando.
Alguns minutos se passam até que escuto o som dos saltos altos no chão de madeira. O
arrastar de sua cadeira. Seus movimentos matinais normais.
E então ela está abrindo minha porta, caminhando até a minha mesa e jogando o envelope
em mim.
– Que diabos significa isto?
– São suas meias que esqueceu na minha casa - respondo simplesmente. - Estou
devolvendo.
– Devolvendo? – Suas palavras são cheias de mal contida fúria. – Você está me
provocando!
– Estou? – Me levanto, rodeando a mesa. – Não sou eu que provoco aqui, senhorita
Nicholls.
– Ah, você está brincando comigo! Está querendo me irritar porque me recuso a entrar no
seu joguinho! –Grita.
– Bom, já que vamos partir para os gritos, melhor trancar a porta. - Caminho até a porta e
a tranco.
– Abre esta porta – Ordena com os olhos arregalados de medo.
– Não. Não quero que alguém nos flagre tendo uma discussão. Ou quer que todos saibam
como nos conhecemos há oito anos?
– Nunca!
– Foi o que pensei. Então melhor continuarmos nossos assuntos com a porta fechada.
– Não quero ter nenhum assunto com você!
– Eu quero. Você acabou de me acusar de fazer joguinhos, quando sabemos muito bem
quem está jogando.
– Você não sabe de nada! - Sibila com a voz cheia de tensão e dor e tenta passar por mim,
eu a seguro pelos ombros, impedindo-a de passar.
– Então me explica.
Seus olhos nublados se prendem em mim.
Eu mergulho neles em busca de respostas. Desejando ser um leitor de mentes para saber
seus pensamentos mais profundos e escondidos.
Será que estou preparado?
– Me solta agora! - Ela intima, respirando rápido.
Seu hálito doce me alcança. Aspiro como um asfixiado em busca de ar.
– Não – sua voz é quase um sussurro no momento em que ela percebe que a tensão
mudou.
Agora está cheia de eletricidade quente e densa.
Meu corpo sente o choque e minha pulsação se agita.
– Não – ela nega agora com a voz mais forte.
Mas é muito tarde.
Arrasto uma de minhas mãos até seu cabelo e seguro sua cabeça ali, para abaixar minha
boca até sua garganta exposta, traçando um caminho até sua orelha.
– Eu vou foder você, Annalise Nicholls. Agora. Na minha mesa.
Ela protesta num gemido que chega até mim como um aperto em minha ereção súbita.
Então minha boca cobre a dela num beijo impulsivo, punitivo.
E eu não puno apenas ela.
Eu puno a mim mesmo.
Mas isto já não importa. Porque ela está me beijando de volta, como naquela manhã no
elevador, nossas línguas se buscando em movimentos frenéticos, acendendo um desejo quente
em mim.
Não há tempo para ponderações.
Eu preciso dela. Aqui e agora.
Já passei tempo demais resistindo. Tempo demais aguentando aquela tortura, quando
tudo o que eu mais queria era estar assim, engolindo seus gemidos com meus beijos.
E gemendo também, desço as mãos até seus quadris, trazendo-a pra perto, esfregando
nela todo meu desejo, sentindo seus dedos puxando meus cabelos com força. E a ergo no ar, a
levando rapidamente até a minha mesa.
Aparto nossos lábios e nossos olhos se encontram.
Algo dentro de mim diz que eu não devo dar tempo a ela para fugir e acabar com tudo.
Mas eu quero isto. Quero que ela tenha tempo de cuspir na minha cara e pedir para tirar minhas
mãos dela.
Porque se ela ficar, será uma vontade mútua.
O tempo parece suspenso no ar. Enquanto nossas respirações se misturam. Ergo uma mão
e toco seus lábios inchados pelos beijos, enquanto a outra se infiltra dentro da sua saia, tocando a
meia de seda, que acaba em renda na sua coxa.
Sim. Ela tem outras meias 7/8.
Minha ereção dói em minha calça e com um gemido rouco, eu ataco sua boca de novo.
Puxo seus cabelos e ela suspira.
Mordo sua garganta e ela arqueja.
Escovo meus dedos em sua calcinha e ela grita alto.
Eu seguro seu queixo e a obrigo a me fitar. Ela parece deliciosamente fora de controle.
– Última chance de dizer não, Anna – digo, respirando com dificuldade.
Sim, de novo eu estou brincando com o destino.
Não consigo que seja de outro jeito.
Não posso coagi-la mais.
Então ela desvia o olhar e desce da mesa. Meu coração para.
– Inferno, sim – ruge e eu rosno, beijando-a de novo, meus dedos torcendo seus seios por
cima da blusa.
Eu queria ter tempo para desnudá-la e apreciá-la, porém sei que não consigo.
Desço minhas mãos para a barra de sua saia erguendo-a, de repente, Anna se vira.
– Eu quero assim.
O quê? Eu me atrapalho um pouco, o que dura quase nada. Estou ocupado, descendo sua
calcinha e abrindo minha calça, enquanto a empurro em direção a mesa tomando-a, por trás.
Gememos em uníssono enquanto estou batendo dentro dela. Entrando e saindo em
movimentos frenéticos e impulsivos.
Rápido e com força. Meus pulmões explodindo com o esforço. Meu sangue bombeando
forte em minhas veias. Meu corpo inteiro está conectado com o dela nesse momento.
Seus gemidos causam arrepios em minha espinha. Aumentando o prazer que já se
avoluma dentro de mim, prestes a explodir.
Eu a puxo, meus dedos apertando, se imiscuindo dentro de sua blusa para apertar seus
mamilos. Ela choraminga, seus músculos internos apertando minha ereção e sinto seu orgasmo
explodir enquanto eu também explodo dentro dela. Fechando os olhos e deixando os espasmos
de prazer se esvaírem.
Não sei quanto tempo ficamos ali, esperando nossas respirações voltarem a sair
normalmente de nossos pulmões.
Então a realidade cai em mim como uma rocha.
E nela também, pois sinto seu esfriamento em meus braços.
– Pode me soltar? – Ela pede.
Quase impassivelmente.
Eu a deixo ir, dando um passo pra trás e arrumando minha roupa, enquanto a vejo fazer o
mesmo, ainda de costas pra mim.
– Anna, eu... Sinto muito.
Ela se vira, as mãos ocupadas em arrumar os cabelos, sem me fitar.
– Sente mesmo?
– Sim. Eu sinto – eu a analiso enquanto acaba de ajeitar as roupas. – Eu queria você é
verdade só não queria que fosse assim... Da próxima vez...
Ela me encara.
Friamente.
– Não vai haver próxima vez.
Eu a encaro quase em choque.
O que ela está dizendo?
– O que está querendo dizer, Anna?
– O que você ouviu. Não haverá próxima vez.
Ela caminha até a porta destrancando-a e me encara.
– Não se preocupe. Não vou processá-lo por assédio.
E sem mais, ela sai da sala.
Eu fico ali. Paralisado pelo choque.
Irritado.
Frustrado.
Até que escuto uma voz conhecida do outro lado da porta.
– O que você está fazendo aqui?
Violet está ali.
E ela havia acabado de ver Anna.
Oito anos antes
***************
***************
– Por que exatamente me trouxe pra casa? - Ela pergunta quando estaciono defronte à
sua casa, depois de decidir levá-la embora quando fomos quase pegos pela minha mãe, nos
atracando no escritório. - Achei que íamos fazer um relatório.
Eu rio.
– Anna, você mesmo disse que era para pararmos de fingir. Não estávamos fazendo
relatório nenhum.
Ela desvia olhar, corada.
– Eu...
– Diga. Diga o que quer dizer. Achei extremamente... estimulante sua eloquência no meu
escritório.
E eu espero.
Quero que ela diga de novo que quer ficar comigo.
Para que eu sinta que toda a decisão foi tirada de minhas mãos sujas.
Estamos aqui porque ela quer.
– Estávamos nos beijando. E sua mãe nos interrompeu. E agora você está agindo como
se nada tivesse acontecido.
– E isto te irrita –concluo.
– Isto me magoa.
Sua voz queixosa quebra meu coração.
– Estou magoando você.
Não é uma pergunta.
Até aquele momento eu realmente não tinha me dado conta de que ela estaria sendo
magoada de alguma maneira pelo meu comportamento.
Ela simplesmente parecia bastante disposta a tudo o que eu quisesse fazer.
– Apenas quando age assim. Me confundindo.
– Talvez eu também esteja confuso.
Agora ela poderia perguntar por quê. E eu teria de novo a chance de dizer a nossa real
situação, porém ela toma outro caminho.
– E o que vamos fazer?
– O que você quer fazer? – Devolvo a pergunta novamente.
– Talvez devêssemos deixar tudo como está.
– É o que realmente quer?
– Eu já disse o que quero lá na sua casa.
Meu pulso acelera e eu levanto a mão e traço seus lábios com o dedo.
“Beije-me Daniel. Beije-me muito e sem parar”, é o que seus olhos enormes dizem.
E eu nunca quis tanto algo na minha vida como responder “sim” para eles.
Me aproximo, sentindo seu hálito doce em minha língua.
– Eu queria ter forças para ficar longe de você... – ela segura minha mão e beija meus
dedos.
– Eu também.
Era o que eu esperava e temia.
No entanto, já não estou me importando com nada, quando ela fecha os olhos e eu me
inclino para finalmente beijá-la como gostaria. O beijo ainda está pairando no ar quando escuto
um carro se aproximando.
– Droga. – Pragueja se afastando.
– Quem é?
– Deve ser minha mãe... Eu preciso ir.
– Você quer ir?
– Inferno... Não!
Então sem falar nada, dou partida no carro e saio cantando pneus.
E só quando estamos longe da sua rua que eu a encaro.
– Tudo bem?
Ela solta um riso nervoso.
– Sim, tudo bem.
E de repente estamos rindo sem parar.
– Aonde vamos? – Pergunta.
– Qualquer lugar que queira ir.
Ela sorri, confiando em mim.
Eu me viro para o trânsito, sentindo um pequeno tremor de culpa, que é facilmente
esquecido quando seus dedos se entrelaçam nos meus.
E eu me esqueço de quem ela é. E quem eu sou.
Quero apenas curtir aquele dia com Anna.
Minha Anna.
Capítulo nove
***************
Eu estou ansioso quando volto ao escritório. Está tudo claro como água.
A discussão com Violet me fez ver o que eu quero.
E eu quero Anna.
Como quis há oito anos e não pude ter. Quero consertar as coisas entre nós. Quero fazer o
que não pude fazer naquela época.
Quero pedir perdão.
E quero seguir em frente. Com Anna.
Quando entro na sala, ela não está lá. Sinto um princípio de pânico.
E se pus tudo a perder com o que aconteceu na minha sala? Eu me xingo mentalmente.
Não deveria ter deixado acontecer. Como sempre, em se tratando de Annalise Nicholls, eu não
estava pensando racionalmente.
E depois tinha Violet. Claro que Anna não deve ter gostado nada de ver Violet.
– Inferno! – Praguejo, entrando na minha sala, e então vejo o bilhete colado na minha
mesa, em um post-it.
“Estou numa audiência com Adam. ”
Apenas isto.
Nada de “beijos, Anna”.
Eu rio de mim mesmo. Onde eu pensava que estava? Ela era minha funcionária.
Ainda havia limites, mesmo que estivessem um pouco embaçados depois do sexo sobre a
mesa.
Que, aliás, havia sido um sexo maravilhoso.
Eu passo um tempo me recordando de todos os detalhes, desejando que ela estivesse ali,
ao meu alcance.
Para que pudesse arrastá-la para qualquer lugar que tivesse uma cama e onde eu pudesse
estar dentro dela de novo, e de novo...
Não. Eu não podia fazer isto, me corrijo.
Não antes de colocar todas as cartas na mesa.
De termos uma conversa séria sobre o passado e, o mais importante, sobre o que
queríamos no futuro.
– Ei, Daniel – eu volto à realidade com Hannah na minha porta sorrindo.
– Oi, precisa de algo?
– Anna pediu que viesse te alertar de algumas coisas que tem que fazer hoje à tarde.
– Ah sim, entre.
– Ela deixou sua agenda comigo, espero que não se importe.
– Claro que não. Sente-se.
Ela senta diante de mim e nós repassamos a agenda para aquela tarde.
– Então é isto, acho que está tudo certo – ela fecha a agenda.
– Sim, está tudo certo. Bom trabalho. – Hannah era uma garota muito competente. –
Devia estudar Direito, assim podíamos tê-la como estagiária também.
Ela ri.
– Ah não, isto não é pra mim.
– Por que não? Acho que tem competência pra tanto. O que pensa para sua carreira?
Ela dá de ombros.
– Não quero uma carreira. Sou mais uma garota de encontrar um garoto que vá colocar
uma aliança no meu dedo e ter alguns bebês.
– Ah... entendi. – Eu rio. – Talvez encontre algum advogado por aqui então.
Ela pisca.
– Estou contando com isto! E você, Daniel, já encontrou uma garota pra pôr uma aliança
no dedo e fazer alguns bebês?
Por um momento desconfortável eu desconfio que Hannah está dando em cima de mim,
mas ela ri.
– Oh meu Deus, não estou dando em cima de você! – Exclama divertida e eu acabo rindo,
aliviado.
– Eu não achei isto, claro – digo meio sem graça.
– Eu só perguntei por que acho que você tem um interesse numa certa estagiária.
Eu fico sério.
– Hannah, não é nada disto...
Ela abaixa a voz.
– Oh, não se preocupe, eu sou discreta! Acho uma graça que você esteja ficando com a
Anna!
– Como sabe disto? – Indago incomodado, enquanto algo se passa pela minha cabeça. –
Anna te falou alguma coisa?
Ela dá de ombros.
– Anna ficou toda vermelha igual você depois que brinquei com ela sobre sua boca estar
manchada com o batom dela! Não se preocupe, eu não contei pra ninguém. E nem vou contar.
Sei do rolo com a Lucy...
– Eu não tinha nada com a Lucy.
– Claro, eu sei. Lucy era uma cobra! E Anna é um doce.
– E Anna te disse... algo sobre mim?
E de repente me sinto como um colegial tentando arrancar informações de Hannah.
– Não, ela não disse. Não somos amigas íntimas pra ela me contar estas coisas ainda.
– Sei... – resmungo, decepcionado.
– Então você gosta mesmo da Anna?
– Sim, eu gosto – confesso.
– Fico feliz em saber. E se quer um conselho, a Anna parece meio arredia, como se
alguém a tivesse magoado muito no passado. Ela nunca me fez confissões, mas é o que parece,
pelo jeito dela.
Eu me mexo incomodado com o rumo da conversa. Hannah estava entrando num terreno
perigoso.
– Acho que deve conquistá-la devagar. Seja paciente. Seja gentil. Mulheres gostam de
gentileza e um pouco de romantismo - ela sorri.
– Entendi, muito obrigado, Hannah – dou a conversa por encerrada e ela se levanta, indo
embora.
Hannah não faz ideia de quem magoou Anna no passado. E eu temo que isto não possa
ser consertado com alguns gestos românticos.
Se bem que, o que eu tenho a perder?
***************
Eu só queria ficar sozinho e lamber minhas feridas, porém, assim que entro no meu
apartamento, dou de cara com meus irmãos e Owen.
Tenho vontade de dar meia volta e desaparecer. Me embrenhar em algum bar e beber até
cair.
E não ter que encarar minha família que com certeza já está sabendo sobre Anna. Com
certeza Violet se encarregou de contar e este é o motivo de eles estarem ali me encarando com
cara de enterro.
Suspirando alto, entro e tiro o paletó, afrouxando a gravata.
– Até que enfim – Charlotte sorri. Ela está escrevendo rapidamente numa agenda rosa
com os pés em cima da mesinha de centro.
– Parece cansado, mano, quer uma bebida? – Elton pergunta, do bar onde serve um copo
de whisky pra si mesmo.
Owen está quieto e sério. Violet tem os braços cruzados sobre o peito e uma expressão de
desagrado no rosto.
– Posso saber a que devo a visita? Parece mais uma santa inquisição – resmungo, tirando
a gravata. – Aceito a bebida Elton. Acho que vou precisar.
– Onde estava? – Violet indaga desconfiada.
– Não é da sua conta – respondo friamente e Elton assovia, me passando o copo. – E acho
que o motivo de estarem aqui é que Violet já foi fofocar com vocês sobre Annalise Nicholls.
Violet bufa, revirando os olhos.
Elton passa os braços em volta dela, lhe dando um beijo estalado no rosto, ela se afasta,
tensa.
– Eu só vim acertar os detalhes da sua festa de aniversário! – Charlotte diz sorrindo e
mostrando a agenda. – Não esqueceu que é daqui uma semana, né?
É minha vez de revirar os olhos.
– Não esqueci e sabe que não dou a mínima para os detalhes da sua festa e todos sabemos
que só há um motivo para estarem aqui hoje. E eu sinceramente não estou a fim de conversar
sobre isto.
– Então é verdade? – Elton pergunta. - Achei que Violet estivesse delirando...
– Cala a Boca, Elton! Acha que eu ia mentir sobre algo tão sério? – Violet exclama e me
encara. – Eu trouxe seus irmãos para me ajudarem a colocar um pouco de juízo na sua cabeça!
– Eu acho que vocês não têm nada a ver com a minha vida!
– Veja bem Daniel, eu concordo com a Violet. Você não tem nada que se meter com
Anna Nicholls de novo, lembra da confusão que foi da primeira vez. – Charlotte diz, cautelosa.
– Sim, confusão por causa de Violet!
– Eu? Foi só eu, não é? Fui eu que a seduzi? Não me venha com esta agora, Daniel! Você
adora jogar toda culpa em cima de mim, sendo que eu não te obriguei a nada! Fez por que quis!
Porque desde aquela época ela já virava sua cabeça!
– Cala sua boca, não sabe de nada!
– Ei, parem com isto, vocês dois. – Elton pede, segurando Violet. – Não viemos aqui pra
brigar, Daniel. Só estamos preocupados e com razão. O que aconteceu há oito anos deve ser
esquecido. Serviu a um propósito e acabou.
– Pra vocês é somente isto, não é? Anna nunca passou de joguete na mão de vocês!
– Olha quem fala! – Violet quase cospe as palavras! – Você fez pior do que todos nós! Eu
disse que não precisava levá-la pra cama e o que você fez? Tudo teria sido muito mais fácil se
tivesse deixado o Elton resolver!
– Tudo teria sido mais fácil se tivesse cumprido o que prometeu no final!
– Sabe muito bem o que aconteceu! E quer saber, eu achei foi bom! No fim, eles pagaram
e pronto! E a gente tinha que esquecer. E estaria tudo esquecido se Annalise Nicholls não tivesse
surgido do nada e ido trabalhar justamente no seu escritório! Que conveniente!
– O que está insinuando? Que não foi uma coincidência?
– Vai saber. Não acha esquisito? Eu no lugar dela teria saído correndo se visse você lá.
Mas não. Ela ficou. E agora está virando sua cabeça!
– Anna não sabia que eu trabalhava lá. Eu tenho certeza. Ela passou até mal depois que
me viu!
– Que seja! Mas você tem que a demitir! Acabar logo com isto antes que seja tarde
demais!
– Não, Violet, eu te disse. Isto está fora de cogitação. Anna irá embora se quiser.
– Daniel, pense bem. – Charlotte continua, eu a paro com um gesto de mão.
– Não, chega! Se vieram aqui pra me convencer a demitir a Anna, perderam o tempo de
vocês.
– Então é verdade o que disse a Violet? Que está apaixonado por ela? – Charlotte
pergunta cautelosamente.
Eu passo a mão pelos cabelos e aceno positivamente com a cabeça.
– Sim, é.
Elton solta um palavrão.
Charlotte segura a mão de Owen como se tivesse recebido a notícia que alguém iria
morrer de câncer.
– Mas, não se preocupem com isto. Anna já deixou bem claro o que pensa de mim. Ela
nunca vai me perdoar. Não a este ponto – digo amargamente.
– Ela te disse isto? – Violet pergunta.
– Sim, satisfeita agora?
– Eu te disse... – ela começa, Elton a cala.
– Amor, não.
Ela para e morde os lábios.
Sei que quer jogar tudo na minha cara, mas entende que irá me magoar.
– Eu sinto muito – ela diz por fim. – Embora não acredite, eu sinto por você. Foi melhor
assim. Não existe futuro para a história de vocês, Daniel. Esquece. Acho que agora pode demiti-
la mesmo.
– Não. Não posso fazer isto. Ela é uma ótima funcionária. Não vou deixar o que
aconteceu entre nós influenciar...
– Daniel tem razão – Owen diz e se levanta. – Bom, acho melhor nós irmos.
Eles vão saindo um a um.
Charlotte me abraça.
– Vou te encher o saco esta semana sobre o aniversário, hein?
Eu sorrio sem a menor vontade, beijando seu rosto.
De nada ia adiantar falar que não estou com clima pra festa.
Violet também me abraça e não fala nada.
Eu sinto alívio quando eles se vão.
Encho meu copo de novo. Mais álcool para me amortecer.
Sento na sala escura e pego celular.
As fotos ainda estão ali. Eu penso em apagá-las. Todas elas.
No último segundo, eu desisto.
Não vai fazer diferença mesmo.
***************
No dia seguinte, eu chego mais cedo. Tomo duas aspirinas para dor de cabeça e ligo
direto para o DP.
Primeiro passo foi dado.
Depois vou até a sala de Taylor. Para minha sorte ele chega mais cedo do que todo
mundo. E quando saio de lá, minha missão está cumprida.
O cheiro de jasmim chega ao meu nariz antes que eu a veja sentada em sua mesa.
Ela me olha cautelosamente.
Friamente.
– Bom dia, Anna - digo cordialmente profissional e passo para minha sala.
E só percebo que estou sem respirar quando relaxo na minha cadeira.
Adam me liga alguns minutos depois e sei que Taylor já deve ter falado com ele sobre o
meu pedido. Nós conversamos brevemente e ele ainda parece indeciso, no fim acaba
concordando.
Anna entra na minha sala um pouco antes do almoço.
– Eu vou almoçar, tudo bem?
– Claro. À tarde tenho alguns compromissos fora, fique com Adam, ele vai precisar de
você toda a semana.
– Mas... e você?
– Não se preocupe. O departamento pessoal está contratando outra estagiária. Ela deve
começar amanhã.
Por um momento ela parece chocada. Alguns segundos depois, sua máscara de frieza é
colocada no lugar e ela apenas acena e sai da sala.
Eu volto a respirar de novo.
A nova estagiária se chama Kate e aparece para a entrevista comigo e com Adam naquela
tarde.
Nós a aprovamos, embora o tempo inteiro eu pense que ela não chega aos pés da
competência de Anna.
Mesmo assim, combinamos de ela começar no dia seguinte.
Quando estou passando pelo corredor guiando Kate até o elevador, vejo Anna passando
com Hannah, provavelmente voltando do almoço. Ela olha de mim pra Kate e depois desvia o
olhar.
Penso em chamá-la para apresentá-las, depois penso, amanhã Adam pode se encarregar
disto.
Quando volto à sala, ela já não está mais, provavelmente está com Adam.
Eu sinto um enorme vazio.
E digo a mim que tenho que me acostumar com isto.
Os dias passam e a sexta feira chega sem que eu praticamente não a veja.
No dia seguinte à contratação de Kate, eu a vi com ela em sua sala, passando todas as
atribuições.
Eu cumprimentei as duas brevemente e rumei para minha sala.
Kate era um tanto confusa, eu não podia culpá-la, afinal, era sua primeira semana de
trabalho e provavelmente ela iria melhorar.
De certa forma era um alívio poder respirar livremente sem sentir cheiro de jasmim. Kate
cheirava a patchouli. Me fazia espirrar às vezes, mas tudo bem.
Pelo menos não lembrava sexo ardente em minha mesa.
Não que eu houvesse esquecido, claro. Eu me recordava mais do que era permitido.
E me perguntava se um dia iria esquecer.
Enquanto isto, Anna andava pra cima e pra baixo seguindo Adam.
Pelo menos isto estaria com os dias contados, penso, com satisfação, olhando o relógio e
me dirigindo à sala de Taylor naquela tarde.
Anna está lá com Taylor e parece apreensiva quando me vê.
– Entre, Daniel, faltava você. Feche a porta.
Eu me sento na cadeira vaga ao lado de Anna.
– Algum problema? - Ela pergunta.
Taylor sorri.
– Você está aqui pois foi indicada por um dos sócios, no caso, o Daniel, para ser
contratada.
Ela arregala os olhos.
– Eu? Só trabalho aqui há um mês.
– Daniel passou de advogado a sócio em menos de um ano. Confiamos em sua avaliação.
Este garoto sabe ler as pessoas como ninguém!
Anna me encara com choque e desconfiança no olhar.
– Sim, trabalha conosco há pouco tempo, Anna, como está tendo um ótimo desempenho
acreditamos que será muito melhor aproveitada. Tem conhecimento demais para ser apenas uma
estagiária.
– Daniel tem razão, e Adam concorda. Então, a partir de segunda-feira, terá sua própria
sala e já tenho alguns casos para te passar, tudo bem?
– Claro... Tudo bem – ela balbucia e Taylor nos dispensa.
Ela me encara no corredor.
– Por que fez isto?
– Porque merece.
– Parece mais que queira se livrar de mim.
– Podia me livrar de você a demitindo e não a promovendo.
– Ainda acho estranho.
– Não tem nenhum interesse escuso, Anna. Você é competente e merece.
– Ei, olha a nova advogada! – Adam surge no corredor e a abraça.
E eu me dou conta que ele não tem mais nenhum motivo para se manter afastado dela.
Sinto a primeira ponta de ciúme bater em meu estômago.
– Ei, precisamos comemorar!
– Desculpa, Adam, hoje não posso...
– Não, não aceito um não como resposta! Vamos...
– Juro que não posso! Tenho um compromisso já marcado.
Eu me pergunto se este compromisso é com outro cara, me calo, o ciúme me martelando
sem dó achatando meu estômago.
– Tudo bem, mas faço questão de te levar pra jantar amanhã. Não aceito recusa.
Ela sorri, vencida.
– Ok, está marcado!
Adam faz um sinal de vitória e ela se afasta.
Eu vou pra minha sala. Estou enjoado.
– E aí, ela não deveria parecer mais animada com a promoção? – Adam pergunta me
seguindo.
– Ela foi pega de surpresa.
– Achei que já tivesse conversado com ela.
– Não, deixei Taylor contar as novidades.
– Certo... Bom, eu estou aliviado, ela não é mais nossa “estagiária”!
Eu o encaro.
– Está a fim dela, não é?
Ele coça a cabeça.
– Sim, cara. Estou.
Eu fecho as mãos em punho. Quero socá-lo. Quero pedir que não se meta com ela porque
é minha. Sempre foi.
Não posso, pois, é uma mentira.
– Boa sorte então. – Digo, pegando meu casaco e as chaves do carro. – Eu preciso ir.
Eu me afasto como se estivesse fugindo do diabo.
Inferno. Mil vezes inferno.
Em que dimensão eu achei que aquilo ia ser fácil?
Como péssimo perdedor que sou, vou para casa e me encharco de whisky até apagar.
Eu acordo com minhas irmãs em cima de mim.
Elas cantam parabéns muito alto, enquanto colocam uma bandeja em meu colo, que
cheira a ovos e bacon.
Eu tento sorrir e não vomitar.
– Meu Deus, está horrível – Violet resmunga.
– Está com cara de quem vai vomitar – Charlotte resmunga com uma careta.
– Andou bebendo? – Violet indaga desconfiada e eu coloco a bandeja de lado e saio da
cama.
– Sim, Violet, eu bebi – respondo.
Ela revira os olhos indo atrás de mim.
– Pois é melhor se recuperar! Lydia vai te levar pra almoçar e não seria nem um pouco
legal ela te ver assim.
Ah sim, minha querida mãe sempre me levava pra almoçar no dia do meu aniversário.
Se eu pudesse dispensaria isto. Mas é minha mãe. Está fora de cogitação.
– Eu sei. Vou tomar um banho – e fecho a porta na cara de Violet.
Quando saio do chuveiro, me sentindo um pouco humano, apenas Violet está ali. Está
sentada na minha cama e tem meu celular na mão.
Meu estômago volta a embrulhar quando vejo seu olhar de acusação.
– Bonitas fotos.
– Me dê isto.
– Claro – ela continua a mexer e então me devolve, se levantando da cama. - Você é
patético.
– Não me importo com o que você pensa – resmungo procurando as fotos.
Elas desapareceram.
– Por que fez isto?
– Está na hora de esquecer.
– Violet...
– Tudo bem, vamos parar, ok? É seu aniversário e realmente não quero brigar.
– Então pensasse antes de mexer naquilo que não é da sua conta.
– Precisa crescer, Daniel. Talvez esta seja uma boa data pra isto – ela pega sua bolsa. -
Charlotte já foi. Foi resolver alguma coisa pra festa. E eu também já vou. Tenho cabeleireiro
daqui a meia hora. E Lydia vai passar pra te pegar em uma hora, não esqueça.
– Vocês contaram alguma coisa a eles?
– Acha que somos malucos? Nem Caleb ou Lydia sabem de nada do que anda rolando.
– É melhor assim – concordo com um certo alívio.
Violet vai embora e eu abro meu notebook.
Não é difícil achar as velhas fotos e passar de novo para meu celular.
Violet tem razão. Eu sou patético.
***************
– Eu queria ficar sozinho com você – confesso, meus dedos acariciam a palma da sua
mão.
Sei que estou seguindo por um caminho perigoso. A tarde inteira eu pensei em estar
sozinho com ela. Nas coisas que eu queria fazer com ela.
Também pensei em como eu estava feliz simplesmente por estarmos juntos.
– Me leve aonde você quiser.
Minha excitação acelera. É bem difícil manter qualquer convicção de ficar longe dela
quando diz coisas assim.
– Você é perigosa, Annalise Nicholls.
– Eu?
– Você é sedutora demais para seu próprio bem.
– Eu não sou... – Refuta, ficando vermelha.
– Eu poderia te convencer disto agora, não vou, pois, eu prometi a mim mesmo que não
ia mais te seduzir hoje.
Ela parece surpresa e desapontada.
– Não entendi.
– Não queira entender – solto sua mão e desvio o olhar.
Um silêncio tenso se instala entre nós. Ela parece a milhas de distância agora e isto me
angustia.
– Anna? – Eu a chamo. – Anna, fale comigo. O que está pensando?
– Você está me confundido de novo. Por que estamos aqui, Daniel?
Sim, por que estou aqui exatamente?
Para acabar o que comecei?
Para ajudar Violet?
Para deixá-la ir?
– Você deveria querer que eu ficasse longe de você.
– É isto que você quer? Ficar longe de mim? - O desapontamento transparece em sua
voz.
– Não, eu não quero ficar longe. Neste exato momento eu estou lutando para não te
colocar no meu colo e beijar você.
– Não lute. Eu desejo o mesmo. Eu quero que você me beije.
É o suficiente para acabar com meu frágil autocontrole e, no segundo seguinte, estou
fazendo o que desejo.
Ela está no meu colo e eu a encho de beijos.
O controle se esvai rápido, dando lugar ao puro desejo.
O beijo é interrompido e nos fitamos ofegantes. Nossos quadris se roçando. Nossas
respirações se misturando.
Ela me deixa louco e deve saber. E eu não me importo.
Tudo o que eu quero é terminar o que nós inegavelmente começamos.
De repente uma luz se acende e escuto o portão se abrindo.
Ela pula para o banco do passageiro no exato momento em que Stella aparece.
– Anna?
– Droga – pragueja, saindo do carro. - Oi, mãe.
– O que faz aqui na porta? Por que não entrou? – Ela olha para mim quando salto atrás
de Anna. – Ah, olá Daniel.
– Eu já vou entrar. – Anna responde constrangida.
– Certo. Entre logo então, não gosto que fique aqui na rua, é perigoso.
– Eu sei, estávamos apenas terminando um assunto... sobre o trabalho.
– Sei... Podem terminar lá dentro então.
E ela entra, deixando o portão aberto, num claro sinal para Anna segui-la.
– Me desculpe por isto. – Ela diz.
– Tudo bem, é melhor eu ir.
– Não! Ouviu minha mãe, você pode entrar.
Eu olho para a casa, me sentindo tenso.
Me sentindo tentado.
Eu deveria dar o fora o mais rápido possível.
– Anna, não devo...
Ela segura minhas mãos.
– Por favor, Daniel... – Deus, será que ela sabe o poder que tem sobre mim quando fala
deste jeito?
Estou além de qualquer pensamento coerente.
E eu perco facilmente a luta que está sendo travada dentro de mim.
– Tudo bem. Como posso dizer não pra você, Annalise Nicholls?
Ela sorri e eu a sigo para dentro.
– E então, como foi a tarde de vocês? Fizeram o trabalho? - Stella pergunta, interessada.
Anna cora.
– Estamos quase concluindo – sábia escolha de palavras, penso. – Na verdade eu e
Daniel precisamos rever alguns trechos. Então nós vamos subir, tudo bem?
Eu esperava e temia por esta sugestão.
– Claro, não quero que fique com nota baixa por isto.
– Claro. – Anna responde rápido.
– Ei, aí está você.
Um homem se aproxima e eu me reteso no lugar.
A febre de hormônios dando lugar à tensão e a repulsa.
E lá está Tom. Marido de Stella. Padrasto de Anna.
Algoz de Violet, minha irmã.
O cara indiretamente responsável pela minha presença aqui hoje.
E enquanto ele sorri e abraça sua esposa, como se fossem o casal mais perfeito e
reputação mais ilibada do mundo, eu me lembro de todas as noites que passei com Violet
chorando pelo que tinha sofrido nas mãos dele.
Violência pelas quais Stella havia lhe fornecido um álibi para protegê-lo da justiça.
E me lembro dos motivos de estar ali.
Vendetta.
– Tom, este é um colega da Anna, Daniel – Stella explica.
E Tom estende a mão para mim.
Eu o cumprimento, apesar da minha aversão.
– Vai jantar com a gente? - Tom pergunta com sua voz charmosa.
Um falso charme que esconde a personalidade de um canalha.
– Eles vão subir pra terminar um trabalho. Mas podiam jantar com a gente antes, o que
acha, Daniel? – Stella diz.
– Não, obrigado senhora. Eu quero apenas terminar... meu trabalho com Anna e depois
preciso ir – minha voz soando perfeitamente clara apesar da minha tensão.
– Que pena. – Tom fala sorrindo cordialmente. – Peça para Anna te convidar para
jantar conosco qualquer dia. Talvez assistir um jogo, posso conseguir algumas entradas.
– Certo, pode deixar. – Anna corta o assunto. - Nós vamos subir, senão fica tarde.
– Tudo bem. – Stella fala e, enquanto nos viramos para subir, vejo Tom beijando-a
carinhosamente.
Meu estômago se embrulha, com nojo, não só de Tom, daquela mulher que mesmo
sabendo o cafajeste que ele é ainda assim o ama e protege.
– O que foi? – A voz de Anna me tira de meus devaneios furiosos e eu me dou conta de
que estamos em seu quarto.
– Não esperava ver seu padrasto.
– Oh... Não ligue pra eles. Estão apenas especulando o que você é.
– O que eu sou... – Eu sorrio ironicamente.
Sim, ele não faz ideia do que eu sou. Do que eu vou fazer.
– Realmente não deve se preocupar. – Ela insiste.
– Eles parecem um casal perfeito. – Comento sem saber por quê. Talvez queira que ela
comece a tirar os esqueletos do armário e expor o casamento de sua mãe.
Anna apenas dá de ombros, desinteressada.
– Eles são. Mas eu não te trouxe aqui para falar deles – diz com um brilho malicioso no
olhar.
Meu corpo reage a isto automaticamente.
– E o que viemos fazer aqui? – Pergunto, já sabendo a resposta.
E agora eu não temo esta resposta.
Eu sinto a adrenalina da raiva percorrendo meu sangue.
E quero e preciso extravasá-la nela.
Em Annalise Nicholls.
De repente estou de saco cheio de lutar contra aquilo.
Aquele desejo insano que sinto por aquela garota que agora senta em sua cama, os olhos
chocolates presos em mim com um convite sedutor, enquanto tira a blusa, mostrando os seios
brancos e perfeitos.
Meu pulso acelera.
Com os olhos incríveis queimando em mim, ela se deita sobre a cama.
Se oferecendo.
O destino está selado quando solto um palavrão baixo e me inclino sobre ela.
Caio na tentação.
Me entrego à vingança.
Me rendo a Annalise Nicholls.
***************
***************
***************
– Daniel, o que vamos fazer? – Charlotte retorna antes que eu tenha tempo de fugir.
– Nada.
– A Violet disse que devemos expulsá-la!
– Vocês não vão fazer nada disto, não seja absurda.
– Mas... Está um clima esquisito...
– Você queria o quê?
– A Anna é corajosa de entrar aqui...
– Ela veio como acompanhante do Adam.
– Eles são mesmo só amigos?
– Eu não sei, ok? Agora volte para a festa e, pelo amor de Deus, diga a Violet para não
chegar perto da Anna. Peça pra Elton ficar de olho.
– Sim, Violet é louca e capaz de armar um escândalo! Aí lá se vai à festa. Por que você
mesmo não diz isto a ela?
– Porque eu tenho que conversar com papai e mamãe.
Eu me afasto à procura de meus pais e os encontro na cozinha.
Eles me encaram muito tensos.
– Daniel, acho que precisa nos explicar o que está acontecendo. – Caleb fala gravemente.
– Sim, eu sei.
– É verdade que Anna está trabalhando no seu escritório? – Lydia indaga.
– Sim.
– E como isto é possível, Daniel?
– É possível como todas as pessoas conseguem emprego: Elas mandam currículo, passam
por uma entrevista e são contratadas.
– Não seja irônico com a sua mãe – Caleb me corta. – Você sabe o que ela quis dizer.
– Sim, eu sei. Eu fiquei chocado quando descobri que a nova estagiária era Anna
Nicholls, claro.
– E ela sabia que você era sócio?
– Não, não sabia.
– E quanto tempo faz isto?
– Pouco mais de um mês.
– E ela continuou lá? Vocês continuaram trabalhando juntos como se nada tivesse
acontecido? – Minha mãe está perplexa.
– Não está sendo fácil.
– E vocês conversaram sobre sete anos atrás? – Meu pai pergunta com cuidado.
– Não. Eu tentei... – passo a mão pelos cabelos, cheio de angústia. - Ela disse que não
quer saber. E que também não iria embora, porque eu não tinha o poder de magoá-la de novo.
Eles ficam em silêncio digerindo minhas palavras.
– Isto é inesperado – mamãe fala por fim. – E ela aqui hoje... Seus irmãos sabiam?
– Eles descobriram há alguns dias.
– Violet...?
– Ela acha que devo me afastar de Anna. Demiti-la.
– Talvez eu concorde com o conselho de se manter afastado – Caleb diz. – Mas não pode
causar mais nenhum mal a esta moça, Daniel. Demiti-la não seria certo.
– E quer que eu faça o quê? Que saia do meu trabalho? – Retruco mais alto do que
deveria.
Minha mãe toca meu braço.
Eu tento me acalmar por ela.
– Não estamos falando nada disto, apenas... Não vejo como uma relação entre vocês
possa dar certo.
– Não há nenhuma relação entre nós.
O que não é mentira. Também não é exatamente verdade.
Cenas de nós dois no escritório sobre minha mesa vêm à minha mente, eu as rechaço
imediatamente.
– Uma relação de trabalho... Ou até mesmo coleguismo, Daniel – ela explica. – Depois de
tudo...
– Eu sei, mais do que ninguém eu sei.
– O que fazem aqui? – Violet aparece. – Ah, pela expressão de vocês é uma reunião de
emergência sobre a penetra!
– Violet, não começa – resmungo.
– O quê? Ela não deveria estar aqui, é um abuso.
– Violet, chega – papai a corta.
– Sim, Caleb tem razão – minha mãe apoia – Você vai voltar para a festa e chega deste
assunto.
– Vamos ter que aguentá-la aqui?
– Sim, ela veio com um dos convidados e agora é colega do Daniel no escritório. Seja a
moça educada que eu a ensinei a ser.
Violet parece querer insistir, mas sabe que perderá a luta contra meus pais.
E, se Violet respeita alguém nesta vida, estas pessoas são Lydia e Caleb.
Então, rolando os olhos, ela sai da cozinha.
– Devemos fazer o mesmo e voltar para a festa também – papai diz.
Eu volto para a festa. As pessoas se aproximam, conversam comigo, eu agradeço suas
felicitações, rio das piadas, participo dos assuntos sugeridos, o tempo todo, meus olhos os
perseguem.
Sempre juntos.
As mãos de Adam sempre em algum lugar do seu corpo.
Em seus ombros, seus cabelos, sua cintura.
Eu sinto um ciúme corrosivo me percorrer, me cegando para tudo o mais.
Até que em determinado momento, eu vejo Adam sozinho.
Ele está conversando com Hannah num canto.
E nada de Anna.
Eu murmuro uma desculpa para o grupo com quem converso e saio à sua procura.
Será que foi embora? Ela não iria sozinha, iria?
Percorro as salas cheias de gente e música, até que sinto o cheio de inconfundível de
jasmim e o sigo.
E a encontro na biblioteca. Por um momento ela não me vê. Sentada sozinha numa
poltrona, ela está com a cabeça baixa, digitando algo no celular.
– Anna?
Ela levanta o olhar, assustada com minha intromissão.
Eu fecho a porta atrás de mim.
Ela se levanta, guardando o celular dentro de sua pequena bolsa.
Suas mãos estão trêmulas.
– O que faz aqui, Anna? – Pergunto em face de seu silêncio.
– Não é uma festa? – Ela dá de ombros.
– Sabe o que quis dizer. Nunca imaginei que viria de livre e espontânea vontade em uma
festa na minha casa.
– Oh, acha que estou curtindo estar aqui? – Suas palavras são cheias de sarcasmo.
– Por que veio então? Para me afrontar? Para me provocar?
– Não seja idiota! Acha que tudo o que eu faço é para atingir você? Você não é tão
importante assim, Daniel!
– E que importância eu tenho para você então?
– Não sei qual a relevância desta pergunta.
– Eu quero entender o que faz aqui. Num lugar cheio de gente que odeia.
– Que eu odeio? Acho que seria o contrário, não é? Sua família que me odeia. Ainda não
sei como não chamaram a polícia para me expulsar!
– Não seja absurda, nós nunca faríamos isto.
– Aposto que a ideia passou pela cabeça de sua querida irmã.
– Se tinha certeza que não a queríamos aqui, por que veio?
– Adam pediu.
– Ah sim, seu namoradinho Adam – eu não posso evitar o ciúme em minha voz, mas não
me importo.
Ela deve saber que me mata vê-lo com outro.
– Ele não é meu “namoradinho”.
– Já dormiram juntos?
– Não é da sua conta! – Ela grita.
– Ele sabe que fizemos sexo na minha sala?
– Disse bem, sexo. Que não significou nada!
– Nada, talvez ele não pense assim...
– Teria coragem de contar a ele? Você é muito baixo, aliás, eu deveria esperar este tipo
de coisa de você, não é Daniel?
– Não fale assim... Eu...- passo a mão pelos cabelos, irritado e frustrado. Por que estava
fazendo aquele tipo de ameaça a ela?
Obviamente eu não queria que Adam ficasse sabendo, queria?
Sim, eu queria que de alguma forma ele soubesse que ela era minha.
– Não falar assim? Você é um idiota, Daniel. E tem razão, eu não deveria estar aqui, neste
lugar, com sua família desprezível...
De repente a porta é aberta e Violet aparece.
– O que está acontecendo?
– Vá embora, Violet – exijo entredentes.
Violet não está me ouvindo, sua atenção está toda voltada para Anna.
– Você é muito cara de pau mesmo, não é? Ter a coragem de aparecer na minha casa e...
– E o quê? Manchar sua mansão intocável com a minha presença? – Anna afirma irônica.
– O quê? Está colocando as garrinhas de fora? Veio nos provocar? Ou é uma destas
garotas masoquistas que gostam de ser maltratadas e veio implorar para o Daniel te comer de
novo?
Eu vejo apenas o movimento, como se fosse em câmera lenta, tudo acontece em poucos
segundos.
Num instante, Violet está dizendo impropérios a Anna, no outro a mão de Anna fechada
em punho está no rosto de Violet com tal força, que ela cai para trás com o golpe.
Escuto o grito, não sei se de Violet ou meu.
– Oh! Sua... – Violet está caída no chão com a mão no olho. Estupefata e furiosa.
Anna paira em cima dela com os cabelos revoltos e o rosto em fúria.
Por um momento eu acho que ela vai continuar a socar Violet e a seguro pelos ombros.
– Ei, pare, Anna – digo, tentando acalmá-la.
Ela se desprende das minhas mãos.
– Me solta!
– Sua... Vadia! – Violet cospe as palavras passando a mão pelo rosto que com certeza terá
uma mancha roxa muito em breve.
– Cala a boca! – Anna vocifera. – Meu Deus, você é ridícula, é... patética e digna de
pena! Você merece isto e muito mais, mas, não vou perder meu tempo com alguém como você!
– Então some da minha casa!
– Com prazer!
Anna passa por nós e sai da biblioteca, enquanto Violet se levanta.
Eu quero ir atrás dela, Violet me segura.
– Você vai deixar? Vai deixá-la me bater?
Eu respiro fundo a encarando friamente.
– Você mereceu, Violet.
Ela perde o ar por uns momentos.
– Não diga isto! Retire o que disse! – Agora seu olhar é cheio de dor e eu me lembro
tarde demais que a única vez que Violet foi agredida foi por Tom.
– Me desculpe, mas você não podia ter dito aquelas coisas a Anna. Não pode culpá-la por
ter ficado furiosa.
– Ela que não tem o direito de estar aqui! Na minha casa! E vocês todos a aceitando como
se fosse normal! Ela é filha daquela mulher e...
– De Tom? – Violet se encolhe. O nome dele não é proferido na nossa casa há muitos
anos.
E eu vejo no olhar de Violet o mesmo rancor de sempre.
Um rancor que eu julgava morto depois de sua tão sonhada vendetta.
Mas ele continua ali. Nunca iria embora, eu vejo agora.
Aquela dor estava enterrada em Violet tão fundo que nenhuma vendetta seria capaz de
tirar.
E eu me pergunto se é o mesmo tipo de rancor que Anna sente por mim agora.
Meu coração se dilacera ao pensar nisto. O quanto de mal eu fiz. Com o intuito de
corrigir um mal eu acabei causando outro tão ruim e grande quanto.
– Violet, me desculpe, eu tenho que ir...
– Vai atrás dela? – Ela cospe as palavras, uma lágrima rola de seu olho.
Eu me volto a encarando.
– O nome dela é Anna. E sim, eu vou atrás dela. Porque qualquer sofrimento que ela
tenha por estar aqui é responsabilidade minha!
– Claro, sempre o Daniel protetor, não é? Agora vai se sentir eternamente culpado por...
Ela sabe a verdade? Sabe o que realmente aconteceu?
– Não. Isto importa?
– Deveria se é tão importante para você a opinião dela. Muito me admira que não tenha
contado tudo...
– Isto é problema meu.
– Sim, tem razão. Assim como é problema seu esta paixão que inventou por ela e que não
vai dar em nada! Afinal, seu amigo Adam já a pegou primeiro...
Eu seguro seus ombros com força e ela me encara assustada.
– Cala a boca, Violet! Já estou cansado destas suas palavras sem noção, entendeu? Eu
sempre te protegi e cuidei de você. Te apoiei até naquela sua maldita vendetta!
– Apoiou? Você pulou fora quando se apaixonou por ela!
– E a culpa de tudo ter dado errado foi sua!
– Não, foi sua – ela diz devagar.
Eu a solto. Violet tem razão.
– Sim, foi minha. E agora eu quero consertar. E você não vai me impedir de novo.
Eu saio da sala e encontro Elton no corredor.
– Ei, o que está rolando? – Ele percebe minha tensão.
– Cuida da Violet – digo e vou à procura de Anna.
As pessoas me interceptam pelo caminho, enquanto perambulo pelas salas tentando
encontrá-la.
– Viu Anna? – Pergunto, quando vejo Charlotte uma meia hora depois.
– Eu a vi conversando com Adam, já faz algum tempo... E você viu Violet e Elton? Eles
sumiram.
– Acho melhor esquecer deles – respondo, voltando a procurá-la.
E tenho a impressão que mais de uma hora se passou quando finalmente a encontro.
Ela está sozinha, sentada nas escadas em frente à casa.
Eu vou em sua direção, vendo-a encolhida, os cabelos em volta do rosto abaixado. Seus
sapatos estão abandonados do seu lado.
– Anna?
Ela levanta o olhar. Estão vermelhos.
– Inferno, Anna – eu sento e seguro seu rosto gelado, obrigando-a a me encarar.
Ela ri.
E então eu sinto seu hálito. Ela bebeu.
E pela risada não foi pouco.
– Daniel...
– Anna, você está bêbada.
Ela sorri e se afasta um pouco e então vejo um copo de champanhe em sua mão, que ela
leva a boca.
– A bebida é boa, pela menos isto nesta festa...
– Cadê o Adam?
– Não sei...
– Como não sabe? Ele te deixou sozinha assim?
– Acho que ele foi embora – ela franze a testa. – Parece que ele ficou bravo comigo.
– Bravo com você? – Agora eu que estou bravo com Adam.
Como ele pôde ter abandonado Anna sozinha daquele jeito?
– Eu contei a ele sobre nós...
– Contou?
Ela dá de ombros.
– Ele estava começando a ficar desconfiado... quem se importa? Sabia que ele transava
com a Hannah? Acho que eles foram embora juntos...
Eu amaldiçoo Adam por seu comportamento e ao mesmo tempo há alívio em mim.
Ele sabe de nós. Seja lá o que Anna tenha contado.
E parece estar com outra pessoa agora.
Nada mais de suas mãos em cima de Anna.
Eu quase sinto o ar mais leve ao meu redor. A noite não estava sendo um total desastre,
afinal.
– Por isso bebeu tanto? – Pergunto preocupado e tentando não ficar com ciúme por ela ter
ficado chateada por ter brigado com Adam.
– Não. Eu nem sei por que eu estou bebendo. – Ela ri, passando a mão pelos cabelos e
olhando a taça vazia entre os dedos. – Pode me arranjar mais?
Eu rio.
– Não, já bebeu demais.
Ela suspira.
– Certo, acho que é melhor eu ir embora... – diz, se levantando.
Eu levanto justo a tempo de segurá-la quando se desequilibra. O vento sopra seus cabelos
em minha direção. Seu cheiro é tão bom, familiar e necessário, que me intoxica.
Aspiro, como um drogado.
Minhas mãos a seguram firme, enquanto ela prende os olhos chocolates em mim.
E sem aviso, ela me beija.
É rápido, leve e quase casto.
Eu me excito mesmo assim. O fato de ela ficar me olhando enquanto passa a língua por
sobre os lábios como se estivesse sentindo meu gosto só piora um pouco mais a situação.
Minhas mãos a apertam um pouco mais.
– Acho que estou realmente bêbada... porque eu quero que você me leve para casa. –
Murmura abaixando a cabeça para apoiá-la em meu ombro. – Me leva para casa, Daniel?
Eu poderia dizer que fui um cara íntegro e a coloquei num táxi que a levou direto para
casa em segurança.
Em vez disto, eu a ponho em meu carro e a levo para casa.
Para minha casa.
Que se dane o bom senso, ou o senso de integridade.
Já não me importa que ela está bêbada e pode se arrepender amanhã.
Esta pode ser a minha única e última chance de ficar com ela.
Me pergunto se aquilo teria um gosto de déjà vu quando a carrego sonolenta para meu
apartamento, afinal, há algumas semanas estávamos exatamente aqui, só que quem estava
bêbado era eu.
Não que eu me lembre de algo, infelizmente.
Será que Anna também terá uma amnésia alcoólica amanhã, me pergunto, quando entro
com ela no quarto.
Eu a coloco no chão e ela abre os olhos, me fitando com os olhos desamparados.
– Droga, Anna – eu suspiro, sabendo que eu não teria coragem, afinal. Não com ela deste
jeito.
Não era assim que eu queria.
Ela continua me olhando meio ausente.
– Por que está bravo? – Pergunta aturdida e eu rio, me aproximando e colocando uma
mecha de cabelo atrás de sua orelha.
– Estou bravo comigo mesmo, não com você.
– Ah... – ela suspira pesadamente e boceja. – E eu estou com sono.
– Tudo bem, vamos pôr você para dormir.
O celular toca no meu bolso e eu solto um palavrão ao pegá-lo e ver que a ligação é da
minha casa.
Eu me afasto dela pra atender.
– Daniel, é Owen.
– Oi.
– Onde se meteu?
– Estou na minha casa.
– Foi embora do nada sem se despedir de ninguém? Charlotte está pirando! Primeiro
Violet e Elton somem e depois você também...
– Eu tive que sair...
– Lydia está preocupada também.
– Diga que está tudo bem.
– Daniel, o que está acontecendo? Diga que não tem nada a ver o fato de Annalise
Nicholls também ter sumido da festa...
– Sim, ela está comigo.
– Daniel, Daniel... – eu quase vejo seu rosto preocupado.
– Não fala nada, ok?
– Tudo bem. A vida é sua. Eu vou tranquilizar Lydia e Charlotte. Até mais.
Ele desliga e eu volto para o quarto.
E paro surpreso ao ver Anna deitada de bruços em minha cama só de calcinha,
ressonando.
Eu caminho para dentro do quarto e tropeço no seu vestido. Me abaixo e o pego,
colocando numa cadeira, e puxo um lençol para cima dela.
Depois retiro minhas próprias roupas eu me deito.
Eu não queria dormir, porém devo ter apagado, pois acordo devagar em algum momento
da noite, com o quarto na penumbra e grandes olhos castanhos me fitando.
Por um momento nenhum de nós diz nada.
Ficamos ali, presos naquele instante onde não há nada entre nós.
Nem passado nem futuro.
Nem erros nem lembranças.
Apenas nós.
E o que eu daria para que o universo nos mantivesse sempre assim?
Que fosse possível ao menos...
Eu abro a boca para falar, então ela se ergue e toca meus lábios com os dedos mornos.
– Não fala nada – sua voz não passa de um sussurro.
E eu obedeço.
Seguro sua mão e beijo seu pulso.
Ela fecha os olhos.
Seu pulso acelera.
Eu estico a outra mão e enterro em seus cabelos, trazendo seus lábios para mim.
E estamos perdidos num beijo.
Que se multiplica em muitos, enquanto ela enrosca seu corpo morno de sono em mim e
nós dois gememos quando eu a puxo pra mais perto, minhas mãos descendo por suas costas,
cingindo seus quadris, a encaixando em minha ereção.
É perfeito.
É desejo puro e incandescente.
E tudo se transforma em inferno: quente, quase insuportável em sua intensidade.
Meus dedos estão no elástico de sua calcinha a tirando do caminho.
Os dedos dela estão dentro da minha cueca, deslizando por minha ereção com uma
torturante carícia.
– Anna, eu quero você – digo contra seus lábios.
– Eu sei... Eu também. – Ela concorda e então estou a ajudando a se livrar das últimas
peças de roupa que nos separam e nossos corpos nus estão se roçando, se procurando, como
velhos conhecidos.
Ela enfia os dedos nos meus cabelos e segura minha cabeça, me obrigando a fitá-la.
–Você tem preservativo?
Eu respiro fundo. Claro, como podia estar esquecendo disto?
Eu a largo um instante para abrir a gaveta do criado mudo e retirar de lá um pacote
dourado.
Ela retira da minha mão e o abre rapidamente.
– Deita. – Pede, e eu me deito, vendo-a, fascinado e quase explodindo de excitação, ela
desenrolar o preservativo em mim.
Então, ela vem. Os cabelos castanhos cobrem parcialmente seus seios, enquanto monta
em mim, me levando para dentro dela e eu sinto como se ela estivesse me possuindo e não o
contrário.
Talvez seja exatamente assim. Eu abro os olhos e observo seus movimentos. Seus lábios
entreabertos, seus gemidos doces, lascivos, seus olhos cerrados enquanto se move, construindo
um prazer alucinante para nós dois.
E nossos dedos se entrelaçam e os movimentos se tornam mais urgentes.
Estou quase lá e sinto que ela também.
– Abre os olhos, Anna – peço suavemente e ela os abre.
Doces, puros, atordoantes olhos de chocolate quente.
Eu explodo no orgasmo mais alucinante de todos mergulhado em seus olhos.
Depois, tudo parece fora do ar.
Eu estou de olhos fechados, ofegante, acabado.
Mais sinto do que vejo, ela se afastando e se deitando ao meu lado. Eu me movo apenas
para me livrar do preservativo e volto para a cama.
Ela está ali, de olhos fechados, mas não parece dormir. Eu quero falar, quero perguntar
mil coisas e dizer mil coisas.
Acabo apagando novamente num sono sem sonhos.
E quando acordo, estou sozinho na cama.
Eu me levanto atordoado. Onde ela está?
Será que foi embora?
– Anna? – Eu a chamo, apavorado. Numa rápida olhada para a janela, enquanto visto a
cueca rapidamente, vejo a chuva caindo.
Eu saio do quarto e meu coração volta a bater ao vê-la sentada no meu sofá.
Ela veste a camisa que eu estava na noite anterior e tem os joelhos contra o peito,
enquanto olha a chuva cair.
– Achei que tivesse partido – digo me aproximando.
Ela me encara rapidamente e não vejo nada.
Isto desacelera meu coração um pouco. Dói.
Aquela Anna inalcançável me deixa apavorado.
Eu prefiro a Anna furiosa, ou a irônica, ou até mesmo a rancorosa.
Esta, silenciosa e fria, me deixa sem chão.
– Anna, tudo bem? – Pergunto.
– Está chovendo – ela diz simplesmente, voltando a olhar a janela.
Eu passo a mão pelos cabelos, parando onde estou. Ela parece a milhas de distância,
embora esteja a apenas dois metros de mim.
– Você quer ir embora? Está arrependida? Está com raiva de mim por ontem à noite?
Ela morde os lábios e me encara.
– Na verdade eu estou com fome.
Eu não sei se rio ou se a sacudo e mando-a parar com aquilo.
Por ora, eu sinto alívio por ela não ter fugido correndo.
– Eu vou preparar algo para você comer.
Sem dizer nada, ela me segue até a cozinha e senta à mesa.
Eu preparo ovos como da outra vez e a sirvo.
Ela come ainda distante.
E agora? Eu me pergunto quando termina.
Ela vai querer conversar? Estará aberta a alguma conversa sobre o passado?
Ou sobre nosso futuro?
– O que quer fazer agora? – Pergunto com cuidado.
Ela empurra o prato.
– Acho que preciso de um banho.
– Certo.
Ela levanta e se afasta.
Eu suspiro pesadamente, pegando o prato e colocando na lavadora.
Como eu poderia entender Annalise Nicholls? Eu queria poder ler seus pensamentos
agora.
Ia me evitar muitos problemas.
Mas não estou bravo.
Porque, apesar de tudo, ela está ali. E ainda não deu sinais de querer me deixar.
Já é alguma coisa.
Eu caminho para o quarto e escuto o chuveiro ligado. Meu celular está tocando e eu o
pego, vendo que é uma ligação de Elton, desligo e o jogo em qualquer lugar.
Não vou perder tempo tentando explicar algo a minha família hoje.
Hoje Anna está comigo.
E é só o que me interessa no momento.
Com este pensamento, eu caminho para o chuveiro e tiro a roupa, entrando no boxe.
Ela abre os olhos e me encara. A água escorre por seu corpo nu e eu me sinto endurecer.
Ela é perfeita e eu a quero demais.
Tanto que acho que esta vontade nunca vai passar.
– Posso? – Pergunto com um sorriso e adoro vê-la ofegar, como se um imã nos ligasse,
ela se move em minha direção e no minuto seguinte, estou distribuindo beijos molhados por seus
lábios, por seu rosto, seus ombros, ouvindo-a suspirar e gemer, os dedos se agarrando em meus
cabelos.
Encaixo minha boca na sua e engulo seus gemidos, quando desço as mãos e puxo seus
mamilos.
– Isto – digo, mordendo seus lábios e agora descendo meus dedos por seu ventre até o
meio de suas pernas e a acaricio longamente, deixando meus lábios vagarem por seu pescoço. –
Quero fazer amor com você aqui – digo em seu ouvido, mas ela se afasta.
– Não...
Eu a encaro confuso.
– Não?
– Não aqui...
Eu de repente entendo.
– Claro, não sem preservativo. Tem razão – falo e me aproximo de novo, segurando seu
rosto e a beijo devagar e depois desligo o chuveiro e a levo para fora.
Nem perco meu tempo nos enxugando. Eu a levo direto para a cama e deito sobre ela,
espalhando beijos por seu corpo molhado, meus dentes castigando seus mamilos, descendo por
seu ventre, contornando seu umbigo, lambendo sua umidade intoxicante entre as pernas enquanto
ela se agarra a meus cabelos e se contorce embaixo de mim, me puxando para cima.
– Agora...por favor.
– Sim.
Eu pego um preservativo e o coloco rapidamente, mergulhando nela em seguida. Nossos
corpos ainda molhados se encaixando facilmente.
Rápido e com força. Várias vezes. Ela grita embaixo de mim e eu me deixo levar, até um
orgasmo alucinante me tirar do ar, me fazendo gemer seu nome baixinho em seu ouvido e
desabar em cima dela, ofegante.
Eu levanto a cabeça e a fito.
Ela está de olhos fechados.
– Anna?
Ela abre os olhos.
–Tudo bem?
– Sim – responde.
Não parece mais tão distante agora, também não está totalmente ali.
Inferno! O que é que eu posso fazer?
De repente algo me acomete.
– Anna, nós não usamos preservativo no meu escritório.
– Não. – Ela concorda.
Seu olhar está preso no meu e finalmente eu entendo.
Ainda é chocante demais para eu conseguir racionalizar.
Saio de cima dela e vou até o banheiro. Quando volto, ela puxou o lençol sobre si.
Seus olhos estão cheios de tormenta.
– Existe alguma possibilidade de você poder estar... grávida?
Ela dá de ombros.
– Acho que sim, não é? É um risco – diz, mordendo os lábios nervosamente.
Eu fico parado ali por um momento.
E então minha mente clareia.
E eu estou calmo quando caminho até a cama, sento à sua frente e miro seu rosto pálido e
apreensivo.
– Anna, quer casar comigo?
Oito anos antes
– O quê? – Anna pergunta depois do que pode ter sido segundos ou horas. Eu não sei.
O momento parece estar suspenso no tempo. Ou nós podíamos estar em alguma fenda no
tempo e espaço, onde nada importa mais.
Nem passado. Nem Presente. Nem futuro. Nem ninguém.
Apenas nós.
Ou pelo menos eu gostaria que fosse assim, que nós estivéssemos em algum lugar ou
tempo em que aquela proposta parecesse ter sentido.
Ou ser possível.
Eu precisava disto.
Anna me encara com os olhos arregalados, o rosto mais pálido do que o habitual num
misto de surpresa e horror.
– Casa comigo – repito e agora até pra mim mesmo as palavras parecem sem sentido,
desconexas.
Mas elas já foram ditas.
E agora estão rodopiando no ar entre nós.
– Você está louco? - Sua voz está repleta de repugnância.
Bate em mim e dói.
Algo dentro de mim grita “recue, ela tem razão, você enlouqueceu”.
Mas não é mais forte do que as primeiras palavras desencadearam.
Por isto, eu a encaro nos olhos, muito sério, e repito.
– Estou falando sério, Anna.
Ela desvia os olhos. Coloca o rosto entre as mãos. Por um momento angustiante eu temo
que esteja chorando. Rapidamente percebo que ela sequer respira.
Eu não sei o que é pior.
De repente ela pula da cama, a mão no peito, o ar voltando a seus pulmões num entrar e
sair contínuo.
– Por que está fazendo isto? É... Absurdo! É... sem sentido... Eu e você... casamento! –
Ela praticamente cospe as palavras.
– Há muito sentido. Se você estiver grávida, nada mais importa, Anna.
– Não disse que estava grávida!
– Você disse que era uma possibilidade.
– Sim, uma possibilidade! E não uma certeza pra você vir com esta ideia de casamento!
– E se você estiver?
– Não estou!
– Você disse que há possibilidade!
– Pare de falar isto! Eu não estou grávida! Não posso estar! Seria... – ela anda em círculos
como se tivesse falando consigo mesma.
– Seria uma segunda chance para nós.
Ela se vira lentamente pra mim. Como se eu tivesse falado a maior insanidade do mundo.
Para mim nada parece tão certo agora.
– Segunda chance? – Ela repete – Não há segunda chance para nós, Daniel! Nunca houve
nenhuma chance!
– Sempre pode haver...
– Não! Acha que simplesmente vamos esquecer o que aconteceu há oito anos e nos casar
e tudo vai ficar bem?
– Eu acho que sim.
– Você não se lembra do que eu disse dias atrás? Nunca vai rolar nada entre nós!
– E o que está acontecendo? O que aconteceu ontem à noite? O que aconteceu hoje de
manhã, ou no meu escritório?
– Para! – Ela tapa os ouvidos com as mãos. – Chega!
– Você pode até dizer que não há nada entre nós, mas há tudo, Anna. Nós não estamos
aqui à toa. E se você estiver grávida, não posso deixá-la ir. Nós já perdemos tempo demais. Oito
anos, Anna...
– E de quem é a culpa?
– Minha, eu sei. Acha que eu não me atormento todo dia?
– E no meu tormento, você não pensa?
– Sim, eu penso. E eu sinto muito.
– Desculpas nunca vão apagar o que aconteceu.
– Podemos recomeçar. Eu quero recomeçar, Anna. Eu quero você... Eu amo você.
– Não.
– Sim, eu amo.
Ela me encara sem falar nada e eu fico ali, querendo que minhas palavras entrem nela e
não batam em sua armadura fria e voltem pra mim como um soco no rosto.
Mas, é exatamente o que eu sinto quando ela fecha os olhos e os abre novamente.
Anna amarga se foi.
No lugar dela está a Anna impassível e fria novamente.
Eu perdi.
– Eu vou embora.
Eu quero impedi-la. Quero prendê-la até convencê-la, embora saiba que esta não é a
maneira correta.
Não se consertam oito anos de erros e rancor em tão pouco tempo.
E agora eu sei que é isto o que eu quero.
Quero consertar as coisas com Anna.
Quero realmente me casar com ela. Ter filhos com ela.
Quero ficar com ela pra sempre.
Para isto, eu tenho que deixá-la ir.
Eu caminho até a porta.
– Sua roupa está no banheiro. Eu vou levá-la para casa.
– Não, só chame um táxi.
Eu não discuto.
Alguns minutos depois ela sai do quarto. Usando a mesma roupa de ontem, vestido preto
e os sapatos nas mãos. Para a alguns metros de mim, mirando os próprios pés descalços.
Eu abro a porta.
– O táxi já está esperando.
Ela passa por mim sem dizer nada. Eu a sigo até o elevador.
O tempo parece se arrastar e ao mesmo tempo passa muito rápido. Penso no que poderia
dizer para convencê-la a ficar.
Para convencê-la a dizer sim.
Então apenas a deixo ir quando a porta do elevador se abre.
Ela me fita pela primeira vez depois de tudo.
– Adeus, Daniel.
– A gente se vê amanhã – eu respondo antes de as portas se fecharem e ela desaparecer.
Minha família inteira parece ter algo muito importante para me dizer pelo resto daquele
dia, eu ignoro todas as suas tentativas de fazer contato.
E porque sei que não vai demorar para alguém, ou todos eles, dependendo do que sabem
sobre eu ter saído da festa levando Anna Nicholls, apareça na minha porta. Eu desapareço de
casa até tarde da noite.
Passo a tarde caminhando a esmo pela praia. A mesma que levei Anna tanto tempo atrás.
E me pergunto se um dia voltarei a andar com ela ali, segurando sua mão, enquanto
nossos pés afundam na areia.
Desejo desesperadamente que isto seja possível.
E temo que não seja.
****************
***************
Depois que transamos, eu a deixo dormir. Não quero que vá embora ainda.
Meus irmãos devem chegar a qualquer momento. Preocupado, ligo para Charlotte, é
Owen quem atende e descubro que estão almoçando no centro da cidade.
– Por favor, será que podem arranjar alguma desculpa e não voltar pra casa agora?
– Qual o problema, Daniel? – Ele pergunta, entre desconfiado e preocupado.
– Por favor, Owen. Eu te explico depois.
– Tudo bem. Charlotte disse mesmo que queria fazer compras.
Eu desligo mais aliviado e fico olhando-a dormir.
Como será quando eu contar tudo a ela? Será que vai me odiar? Vai me perdoar?
Será possível algum relacionamento entre nós?
Talvez eu devesse esperar e ter essa conversa quando voltasse de Los Angeles.
Tudo estaria mais tranquilo, ou pelo menos eu esperava que estivesse.
Quando ela acorda algumas horas depois, me encara com olhos sonolentos.
Eu me aproximo e sento diante dela. Meus dedos penteiam seus cabelos.
– O que foi?
– Precisa ir. Está tarde – recolho as mãos.
– Que horas são?
– Quase seis.
– Já? Eu não avisei minha mãe que não ia pra casa... ela deve estar pirando. Devia ter
me acordado.
– Sim, eu sei. Então é melhor se arrumar.
Aponto para uma pilha arrumada de roupas na cadeira e saio do quarto.
Antes que eu faça a besteira de pedir para ela ficar.
Quando retorno para a buscar, vejo com espanto Eloise conversando com ela no
corredor.
Que diabos Eloise está fazendo aqui ainda? E desde que horas?
– Eloise, o que faz aqui?
– Ora Daniel, que educação. Estava me apresentando pra sua... amiga.
– Então some.
Ela parece não se importar e sorri.
– Prazer conhecê-la, Anna – ela se afasta e eu seguro a mão de Anna e a puxo escada
abaixo até o carro.
– Quem é esta garota? – Ela indaga curiosa,
– Ninguém.
– Como assim ninguém, ela estava na sua casa. É uma parente ou algo assim?
– Ela é... Uma amiga da família.
– Ela mora na cidade?
– Ela mora em Los Angeles.
– Quem vai pra Los Angeles?
– O quê?
– Eu ouvi Violet conversando com Elton na escola, e ela estava brava porque alguém
combinou algo com ela e agora ia pra Los Angeles.
– O que mais você ouviu? – Pergunto preocupado ao parar o carro em frente à sua casa.
E me pergunto se devo contar a ela agora que vou viajar.
– Não me lembro direito. Ela estava brava e Elton pedia para ela se acalmar. Do que
Violet estava falando, afinal?
– De nada.
– Não me pareceu nada.
– Nada que seja da sua conta, Anna! – Respondo rispidamente, me arrependendo em
seguida vendo seu olhar assustado. – Me desculpe.
– Tudo bem. Tem razão. Não é da minha conta. Eu só fiquei curiosa.
– Eu não devia ter sido ríspido, me desculpa.
– Daniel, tem alguma coisa errada? Você parece... tenso.
– É melhor nem saber.
– Tudo bem.
Um silêncio carregado enche o carro.
No rádio está tocando uma música triste que combina com meu estado de espírito.
– Anna. Há algo que eu quero que saiba... – começo, sem saber bem o que vou dizer.
Então escuto uma moto estacionando e, olhando para fora, reconheço Tyler Davis.
Sinto ciúme e inveja ao mesmo tempo.
Talvez a chegada de Tyler Davis fosse um sinal.
Um sinal de que deveria deixar o caminho livre para ele.
– Eu preciso ir – ela diz.
– Sim, estou vendo.
–É apenas Tyler. Nós nos falamos?
– Sim. – Eu ligo o carro.
Ela sai do carro e eu dou partida cantando o pneu.
A última coisa que vejo é Anna e Tyler juntos.
Meu coração afunda no peito.
Quando chego em casa, meus irmãos e Owen estão na sala assistindo TV. Menos Violet.
– Finalmente deu o ar da graça – Charlotte brinca.
Owen me encara com uma pergunta muda no olhar, mas não fala nada.
– Cadê a Violet? – Pergunto.
– Saiu – ele dá de ombros, com o controle remoto nas mãos.
– Para onde? – Insisto. – Por acaso Eloise foi com ela?
– E com quem mais? Nós chegamos e Eloise estava aqui toda sorridente. As duas se
trancaram no escritório, depois de um tempo, ambas saíram.
– Não iam viajar hoje? – Charlotte pergunta.
– O voo sai no começo da madrugada.
– Entendi. E você e Eloise estão voltando ou algo assim?
– Não estamos voltando nem nada assim – resmungo. – Vou para o meu quarto fazer as
malas. Quando Eloise e Violet chegarem, me avisem.
– Tudo bem.
Eu faço as malas sem a menor empolgação e já me pergunto se estou fazendo o certo
indo com Eloise pra Los Angeles. Ela ainda pensa que há uma chance de voltarmos e não pode
estar mais errada.
Mesmo que eu nunca fique com Anna, jamais voltarei com ela.
Owen bate na minha porta um tempo depois.
– Podemos conversar?
– Não sei se estou a fim, Owen.
– Quero apenas entender o que está rolando. Você pediu para eu afastar todo mundo
daqui hoje. Estava com Anna Nicholls?
– Sim.
– Eu achei que tinha desistido da vingança.
Owen era novo em nosso círculo, mas já era como da família. E eu intuía que ainda o
teríamos por ali por muito tempo, se levasse em consideração o quanto Charlotte estava
apaixonada por ele.
E eu não via nenhum problema nisto. Owen era um cara centrado e eu gostava de saber
que ele cuidaria da minha irmã de mente avoada
– Eu desisti – confesso por fim
– Então...
– Eu gosto dela, Owen – confesso baixinho. – Sei que não devia. Sei que nada entre nós é
possível, mas não pude evitar.
– E o que vai fazer agora?
– Vou com Eloise pra Los Angeles. Vou tentar ajudar Violet a se livrar desta obsessão. E
vou ter que contar tudo a Anna.
– E acha que é possível ela confiar em você novamente?
– Eu não sei.
– Talvez devesse deixar tudo como está. Acha que Violet vai aceitar que isto aconteça?
Mesmo que ela tenha desistido desta vendetta, acredita realmente que vai ser possível você
trazer para sua casa a filha do tal Tom e Violet ficar de boa?
Sim, Owen tinha razão. Mas eu não falo nado.
Eu não tenho mais ideia do que é possível naquela confusão toda.
Ele se levanta quando escutamos um carro estacionando.
– Acho que Violet e Eloise chegaram.
Eu pego minha mala e desço as escadas, Violet e Eloise estão entrando.
Eloise está arrumada como se estivesse numa festa.
– Que roupas são estas, Eloise? – Elton pergunta.
Ela dá de ombros.
– Estava numa festa, se quer saber.
– E Violet estava onde? – Ele pergunta desconfiado.
– Estava esperando a Eloise no hotel dela, amor – ela se aproxima e beija seu rosto. – E
aí, estão prontos? Eu levo vocês no aeroporto.
– Ainda não entendi esta história de festa e você esperando.
– Aí, chega, Elton. Não tem nada demais.
– Sim, foi apenas uma passada rápida na festa de um amigo. – Eloise diz. – Vamos,
Daniel? Minhas malas já estão no carro de Violet.
Violet e Elton nos levam ao aeroporto e Violet me abraça.
Parece estranhamente serena.
Isto mais me preocupa do que tranquiliza.
Sinto um presságio estranho.
– Tudo bem? – Eloise pergunta quando entramos no avião.
– Tudo... O que aconteceu com você e Violet hoje?
– Como assim?
– Elton disse que ficaram trancadas no escritório e depois saíram. E agora esta tal de
festa que só você foi.
– Nada importante. Precisava ver um amigo antes de viajar. Então Violet ficou me
esperando no hotel pra me levar pra sua casa.
Eu não pergunto mais nada e ela também não tenta conversar comigo durante o voo
Quando o avião pousa, nós seguimos pelo desembarque e Eloise diz que precisa ir ao
banheiro.
– Tudo bem, eu vou te esperar naquele café.
Ela se afasta e eu peço um café. Está amanhecendo lá fora. De repente meu celular toca.
É Charlotte.
– Daniel, está acontecendo – ela diz aflita.
– O quê?
– Eu achei que tivesse desistido desta maldita vendetta.
Eu sinto um arrepio de medo.
– Do que está falando?
– Das fotos horríveis na Internet.
– O quê?
– Vai dizer que não viu ainda? Se provavelmente foi você e Violet que aprontaram isto?
– De que fotos está falando?
– Fotos suas e de Anna... você sabe... transando no seu quarto. Está tudo num site na
Internet.
Eu mal consigo respirar. Como assim fotos minhas e de Anna na Internet?
Eu não tirei nada. Não havia ninguém na casa.
Um alerta soa na minha mente.
Tinha alguém na casa.
Eloise.
– E também está todo mundo comentando do caso do Tom com a Eloise! Está horrível,
Daniel...
– Charlotte, fique calma. Cadê Violet?
– Ela está com Elton no quarto. Os dois discutiram. Acho que Elton não sabia de nada
também... Como puderam fazer isto?
– Eu não fiz nada! Violet fez estas fotos sem eu saber.
– Meu Deus!
Eu vejo Eloise se aproximando.
– Charlotte, preciso desligar.
– Owen está perguntando o que pretende fazer? E o que a gente faz?
– Não façam nada. Agora é tarde. Não se envolvam nisto. Eu estou voltando pra Seattle.
Eu desligo e encaro Eloise.
– O que você e Violet fizeram?
O sorriso no rosto dela se desfaz.
Capítulo doze
Charlotte correra direto para meus pais para contar a novidade e eu recebi a visita de
Lydia e Caleb naquela noite em casa.
– É verdade? - Papai indaga.
– Sim e, por favor, não queiram me convencer do contrário.
– Nós não vamos fazer isto – minha mãe garante. – Só estamos preocupados com o
óbvio...
– Violet?
– Claro – Caleb diz.
– E ela apareceu? Charlotte disse que ela tinha sumido ontem.
– Ela apareceu sim. Não disse onde esteve, mas estamos aliviados que ela tenha voltado e
esteja bem.
– E ela já sabe?
– Não sei. Elton ficou incumbido de contar a ela – meu pai diz.
– Então devo esperar tempestade em breve – afirmo cansadamente.
Estava cansado demais de brigar com Violet, mas sei que não teria outro jeito.
– Infelizmente sim – mamãe concorda. – Nós vamos embora, nos procure se tiver
problema.
E por problema, ele queria dizer Violet surtando.
Depois que eles vão embora eu ligo para Elton.
– Oi, Elton.
– Daniel? Cara... você está maluco?
– Não começa...
– Tudo bem. Nem vou começar mesmo, porque ainda nem sei como contar a Violet.
– Não conte. Eu estou indo para aí.
Elton abriu a porta para mim, parecia aliviado e preocupado.
– Amor, quem é? – Violet apareceu na sala usando um pijama de seda. Seu rosto se fecha
ao me ver. – O que está fazendo aqui a esta hora?
– Vim conversar com você.
Elton se afasta.
– Eu estarei no quarto.
Quando Elton desaparece, eu encaro Violet.
– Eu e Anna vamos nos casar.
Ela fica em silêncio.
Não parece surpresa.
– Acho que eu já devia desconfiar, não é?
– Eu queria te contar pessoalmente.
Ela sorri ironicamente.
– Que consideração.
– Não seja irônica.
–Quer que eu seja o quê? Este casamento não vai acontecer, Daniel.
– Vai sim, Anna já aceitou.
– Ela está fazendo isto para me punir, não percebeu?
– Está louca? O mundo não gira ao seu redor.
– Eu já estive obcecada com uma vendetta e reconheço uma de longe. Ela não te perdoou.
Ela nunca vai perdoar nenhum de nós. Ela quer nos ver assim, brigando. Quer acabar com a
nossa família. Como acabamos com a dela.
– Está dizendo um monte de bobagens.
– Não são bobagens! Você precisa acordar e acabar com este absurdo agora!
– Não. Eu vou me casar com a Anna, quer goste ou não.
– Não pode fazer isto! – Grita. – Não pode trazer esta mulher para dentro da nossa
família! Uma pessoa que nos odeia! Filha daquela mulher horrível...
– Chega deste assunto, Violet! Não pode ficar culpando a Anna por ser filha de Stella
para sempre!
– Mas ela é!
– Será que o que fez há oito anos não foi suficiente? Não é capaz de esquecer?
– Não sou! Nunca vou ser! E acho que a Anna nunca vai esquecer também!
– Está enganada - eu não concordo, apesar de saber que no fundo talvez ela tenha razão.
Não sei se Anna esqueceu o que aconteceu há oito anos.
Ela me disse que nunca ia esquecer, mas concordou em casar comigo. Por quê?
Esta dúvida me assola o espírito, só que Violet não precisa saber disto.
– Está cometendo um grande erro!
– Já chega, Violet! Você me fez escolher uma vez. E eu fiquei do seu lado. Agora não
posso mais. Se pedir para eu escolher, eu escolho Anna.
– Então vai ser assim? – Ela está chorando agora.
– Eu sinto muito. Eu te amo. É minha irmã. Só não posso mais colocar você na frente do
que eu sinto pela Anna. Ela é a mulher da minha vida, é quem eu amo e com quem quero passar
o resto da minha vida. E não vai ser você ou qualquer outra pessoa que vai impedir isto.
Violet enxuga o rosto.
– Talvez ela mesma que impeça, lembre-se disto – diz, se afastando.
Elton volta para a sala, ressabiado.
– Bom, pelo menos ela não quebrou nada.
Eu queria dizer que Violet quebrou meu espírito, mas me calei.
– Eu sinto muito por tudo isto... Eu entendo a Violet, entendo você... quero que tudo volte
a ficar bem entre vocês.
– Eu também – respondo desanimado e me despeço, indo embora.
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***************
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†
Livro III
Annalise
Sumário
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
“Você pode se vingar do mal, sem se tornar parte dele?”
Coringa
Prólogo
Oito anos depois estou fazendo o mesmo caminho de volta pra casa.
Estou voltando para Olímpia.
Como da outra vez, Tyler dirige seu velho carro.
E como da outra vez, estou com o coração partido.
– Ann? – A voz de Tyler é um misto de preocupação e pesar.
– O quê?
– A vingança é tão boa quanto previu?
Eu não respondo. Estou ocupada demais lamentando não ter saído correndo daquele
escritório quando encontrei Daniel Beaumont.
Capítulo um
Fiona pediu pizza e fez margueritas quando chego em casa. Está sendo realmente ótimo
morar com ela.
Ela fora a única pessoa com quem mantive contato depois de fugir de Seattle há oito
anos. Nunca fez julgamentos ou cobranças. Apenas foi minha amiga.
E estava sendo novamente.
– E aí, me conta como foi! – Ela pergunta animada, nos servindo mais margueritas.
– Foi bem tranquilo, eu estava um pouco nervosa, claro, mas o Adam...
Ela levanta a sobrancelha.
– Adam?
– Adam Brody, o advogado que me entrevistou, ele foi bem legal e me deixou mais
segura.
– Hum, e como é este Adam-muito-legal?
– Você quer saber se ele é bonito? – Eu deduzo, divertida.
– Ele é? Oh meu Deus, ele é gato? É jovem ou um coroa bonitão?
– Sim, ele é jovem e sim ele é gato, mas...
– Sem mas! Você é uma sortuda! Já começa num emprego novo com um cara lindo e
legal! E eu tenho que aguentar meu chefe rabugento, gordo e careca! Não é justo!
Eu rio até engasgar.
– Eu sou uma estagiária, Fiona! Não vou dar em cima de um advogado da firma, o que
iriam pensar de mim?
– Oh, então já pensou nisto? Pensou nas possibilidades com Adam...
– Para com isto! – Eu fico meio vermelha.
Sim, Adam era bonito e charmoso. E tinha sido mesmo ótimo comigo. Estava contente
por trabalhar com ele, daí achar que ia rolar algo entre nós, era um grande caminho.
Eu não estava à procura de um namorado.
– Não, não pensei em nada disso – respondo, e de repente, não me sinto com vontade de
rir.
Fiona fica séria e parece muito interessada nos farelos de pizza na mesa.
– Anna... Posso te perguntar uma coisa?
Eu me remexo incomodada.
Não, ela não pode perguntar o que sei que ela quer perguntar.
Mas ela é Fiona, minha amiga mais antiga. Posso até dizer melhor amiga naquela cidade,
ou a única, na verdade.
– Sim.
– Você realmente superou tudo, não é? Toda aquela história com o Daniel...
Eu me levanto, como se algo tivesse me picado e me viro para que Fiona não veja a
expressão em meu rosto.
– Oh Meu Deus, Anna, me perdoe... eu não deveria ter tocado neste assunto, nossa. Eu
sou uma pessoa horrível.
Eu me volto para ela e dou de ombros, tentando fazer meu rosto relaxar, assim como toda
a tensão súbita em meu corpo.
– Claro que sim. Não precisa ficar cheia de dedos comigo. Pelos motivos óbvios eu não
gosto de falar sobre esse assunto, quem iria? Mas... está tudo bem agora. Já se passaram oito
anos, não é?
– Sim, fico feliz em saber – ela concorda estudando meu rosto, como se quisesse ter
certeza que eu não estou blefando.
– Bom, a noite está ótima, mas estou exausta! Vou para a cama – digo.
Ela se levanta pegando os copos e pratos na mesa.
– Eu também. Tenho reunião logo cedo. Pelo menos você vai ter esta semana para se
adaptar antes de começar a trabalhar.
– Sim, tem razão. Quer ajuda com isto? – Pergunto, ao vê-la equilibrar tudo para levar até
a cozinha.
– Não, eu me viro, vai dormir, teve um dia cheio!
– Tudo bem, amanhã eu lavo a louça, ok?
– Combinado.
Eu vou para o quarto e visto um pijama. Meu celular está sobre a mesa de cabeceira e eu
vejo as ligações perdidas. Uma de meu pai. Três de Tyler.
Uma de Miami.
Meu estômago embrulha. Eu apago aquele número e digito um recado para o meu pai e
depois ligo pra Tyler.
– Achei que já tivesse esquecido dos amigos da cidade pequena – ele brinca e eu rio.
– Você poderia ter vindo comigo.
– Eu pensei seriamente, pode acreditar.
Eu suspiro. Tyler ainda era meu melhor amigo. A pessoa que eu mais confiava no mundo.
E eu gostaria mesmo que ele tivesse voltado para Seattle comigo.
Atualmente ele tinha outros interesses em Olímpia. Não posso negar que isto me deixava
um tanto enciumada, o que era ridículo. Para não dizer egoísta.
– E como está Ellen, ainda me odeia?
Ele ri com vontade.
– Ellen não te odeia.
– Ah Tyler, odeia sim. Deve ter adorado eu ter saído de Olímpia de vez.
– Ok, ela tem ciúme de você, não posso negar.
– Por que acho que isto te deixa meio satisfeito? Por acaso é alguma coisa de macho alfa
sendo disputado por todas as garotas?
– Você está na disputa?
– Claro que não! Embora Ellen ache que sim, por isto vive me hostilizando desde que
começaram a namorar.
– Ela tem que aceitar que você é minha melhor amiga.
– Espero que deixe bem claro para ela que sou somente isto mesmo. Não quero ser
motivo de discórdia entre vocês.
– Não se preocupe, briga por ciúme sempre acaba em reconciliação com muito sexo.
– Ai meu Deus, não quero ouvir! – Ele ri mais ainda e eu acabo rindo também.
– E me conta como foi seu primeiro dia aí?
– Foi bom, consegui o estágio.
– Uau, meus parabéns. Acho que te farei uma visita em breve.
– Nem pense nisto, Ellen me mataria.
– Eu posso levá-la também.
Eu faço uma careta que obviamente Tyler não pode ver. A verdade é que eu e Ellen não
nos damos bem mesmo. Eu tentei uma aproximação, mas, todos os anos que Tyler havia passado
apaixonado por mim, o que todo mundo em Olímpia parecia saber, não contribuíram para ela me
aceitar bem.
E eu acho que até a entendia.
– Tyler, preciso dormir, foi um dia longo.
– Ok, vá descansar. E Anna...
Seu tom de voz muda e eu sei o que está por vir.
– está tudo bem mesmo por estar aí?
Eu mordo os lábios com força. Sei que posso confessar a Tyler meus medos mais
sombrios, também sei que não quero preocupá-lo.
– Sim, eu estou bem. Boa noite, Tyler.
E, antes que ele faça mais alguma pergunta, eu desligo e apago a luz.
O sono chega logo e com eles os pesadelos...
Estou de volta oito anos atrás. Minha cama está gelada como se eu estivesse nua sob a
neve, apesar de todas as cobertas com que meu pai me cobrira.
Por mais que meu corpo esteja quente, minha alma está gelada.
E dói.
Eu mal consigo respirar, enquanto as punhaladas no meu coração não findam.
– Estou preocupado com ela... – a voz de Michael atravessa a névoa de dor. – Não sei
mais o que fazer... já faz duas semanas e ela não quer sair do quarto, só come se eu obrigar
mesmo assim quase nada, apenas chora e não dorme. Quando dorme tem pesadelos e acorda
gritando... me mata vê-la desse jeito.
Ninguém responde a sua lamentação e eu desconfio que ele está falando no telefone.
De repente sua voz não está mais queixosa e sim, furiosa
– Quer que eu faça o quê? A culpa é toda sua! E daquele seu marido! Se não fosse o
canalha que é, nunca teriam feito mal a Anna!
Eu tampo meus ouvidos para não ouvir mais nada e rezo para adormecer.
Por outro lado, também tenho medo da inconsciência, porque com ela vêm as
lembranças...
E o pior não são as recordações ruins. As fotos horríveis, humilhação...
O pior são as boas.
São as lembranças de Daniel...
Daniel...
Eu acordo suando e com calafrios. Respiro por arquejos quando abro os olhos e
reconheço meu quarto em Seattle. Estou segura. Estou longe daquela época terrível.
O alívio adormece um pouco minha dor antiga e escuto meu telefone tocar.
Eu o pego e reconheço o telefone da firma. Ainda é muito cedo, mal passa das oito da
manhã.
– Alô?
– Anna? É Adam.
– Oi. – Eu me sento, passando a mão pelos cabelos, como se ele estivesse me vendo
descabelada depois de um pesadelo!
– Me desculpe acordá-la, ou ligar assim do nada.
– Não, tudo bem.
– Escuta, eu sei que te disse que começaria na próxima semana, mas, será que seria
possível começar hoje?
– Hoje? – Eu fico alerta.
– Pode responder não, se for impossível. Nós realmente precisamos de ajuda com um
caso, e seria interessante sua presença para ficar a par de tudo.
– É.… tudo bem. Eu vou.
– Tem certeza?
– Sim, eu estarei aí o mais breve possível.
– Não precisa se apressar. A audiência começa no fim da manhã.
– Certo. Eu estarei aí.
Eu desligo o telefone e pulo da cama.
Felizmente eu consegui me arrumar em tempo recorde e são pouco mais de nove, quando
sou recebida pela recepcionista Hannah que me leva até a sala de uma moça chamada Lucy.
– Olá, seja bem-vinda – ela me mede com um sorriso estudado que não chega aos olhos e
percebo na hora que está se perguntando se sou uma concorrente.
Eu não gosto disto e a cumprimento disfarçando meu descontentamento com um sorriso
educado.
– Olá.
– E aí, vai trabalhar com Adam, não é? Ele é um fofo, vai adorá-lo.
– Sim, eu o achei ótimo em nossa entrevista.
– E é lindo – pisca com um sorriso malicioso. Eu não retribuo.
Se ela percebe meu desconforto, não demonstra.
– Vou levá-la a um tour rápido pelo escritório e depois pra Adam.
– Ele me disse que iríamos ao fórum.
– Ah disse? Bom, vou confirmar com ele depois.
Lucy me leva pelo escritório e depois de volta à sua sala.
– Fique à vontade, eu vou ver se Adam já chegou.
Ela se afasta e eu aproveito para ver minhas mensagens no celular. Fiona está fazendo
alguma piadinha sobre meu “chefe gato” e eu rindo enquanto digito uma resposta, quando Lucy
retorna.
– Vamos lá?
Eu a sigo pelo corredor elegante até a sala de Adam, ele me vê pela parede de vidro, se
levantando. Há um homem de terno de costas, sentado diante dele.
– Aí vem ela.
Nós entramos na sala ao mesmo tempo em que o homem de terno se vira.
E meu mundo para de girar quando me vejo frente a frente com Daniel Beaumont.
E, por um momento, eu me pergunto se estou presa em um dos meus mais terríveis
pesadelos.
Capítulo dois
– Olá Anna, espero que não tenha sido problema para você começar hoje em vez da
próxima semana como tínhamos combinado. – Adam dá um passo em minha direção segurando
minha mão, alheio à tensão no ambiente.
As minhas lembranças me alcançaram, afinal. Em forma daquele advogado parado ali na
minha frente.
Daniel Beaumont.
Eu mal consigo respirar e temo desmaiar a qualquer momento.
Mas, alguma força nascida do desespero, me mantém de pé e impassível diante daquela
realidade perversa.
Eu desvio o olhar dele e encaro Adam. O que me ajuda a voltar à realidade.
Adam. Meu estágio.
– Não, não é... – respondo.
– Bom, deixa eu te apresentar Daniel Beaumont. Ele é o mais novo sócio do escritório. –
Adam confirma minhas suspeitas. – Daniel, esta é Annalise Nicholls, ela gosta de ser chamada
de Anna, não é?
Eu sou obrigada a fitá-lo de novo. E sou atingida pela enxurrada de sentimentos que
borbulha bem no fundo das minhas lembranças.
Aquele é mesmo Daniel Beaumont. O mesmo cara que me enganou há oito anos.
Que junto com a irmã, foi capaz de planejar e executar uma vendetta contra mim.
Vendetta que definira anos da minha vida.
O cara por quem eu fui apaixonada um dia.
Ele é meu novo empregador.
A realidade bate em meu estômago, o afundando no peito.
Nos poucos segundos em que o encaro, e ele me olha como se eu fosse um fantasma
surgido de um passado distante para assombrá-lo, mil possibilidades passam pela minha mente.
A mais sedutora delas, a de me virar e fugir correndo daquele escritório sem olhar pra
trás.
Porém, outro sentimento também surge dentro de mim.
Raiva.
A força dela me atinge poderosamente também, me dando uma força estranha e bem-
vinda.
Oito anos se passaram. Eu sobrevivi.
Não sou mais aquela garota que ele conheceu, seduziu e enganou.
Ele não me conhece mais. Não mesmo.
Então eu posso fingir que não o conheço também.
– Muito prazer, senhor Beaumont – digo o mais profissional possível.
Me sinto quase como uma atriz digna de Oscar quando percebo que ele esperava por
tudo, menos isto.
Sinto um pequeno regozijo.
Então, depois de um momento de hesitação, ele segura minha mão.
Eu engulo em seco com o choque de minhas mãos frias contra as suas, mornas e fortes.
Mãos que me tocaram com toda intimidade um dia...
Eu fecho meus punhos com força ao lado do corpo, com uma súbita vontade de lavar com
ácido os lugares onde ele havia tocado.
– Me chame de Daniel – ele diz. – E seja bem vinda ao nosso escritório.
Ainda a mesma voz. Linda. Perfeita.
A voz de um mentiroso enganador.
Ele está todo profissional agora.
Dois podiam jogar aquele jogo, afinal.
– Obrigada... Daniel – respondo no mesmo tom, desviando o olhar para Adam. – Lucy
me disse que estamos indo a uma audiência.
– Sim, nós vamos agora. Sei que não poderá fazer nada, afinal, nem começou ainda, mas
quero que vá com a gente para se familiarizar com tudo.
– Claro.
É a deixa para eu e Lucy sairmos e a sigo para fora da sala.
Mal consigo andar, tamanha a tontura que sinto. Como se toda minha energia tivesse sido
drenada lá dentro.
E, de certa forma, foi o que aconteceu. Eu precisei utilizar toda minha energia para me
manter forte perto Dele.
Deus do Céu, como eu iria conseguir me manter sobre minhas pernas o restante do dia?
Sigo Lucy para dentro do elevador e Adam e Daniel entram em seguida.
Eu foco os olhos em sua figura alta e esguia.
Ele não mudou nada. Continua aquele mesmo cara perfeito que me deslumbrou há oito
anos.
Que me enganou há oito anos.
O elevador chega ao térreo e saltamos para a rua, onde uma limusine nos espera.
Alguém notaria se eu saísse correndo?
Adam senta ao lado de Lucy e a mim não resta opção, a não ser me sentar ao lado de
Daniel.
Alguém lá em cima me odiava mesmo. Travo a respiração por um momento ao sentir seu
cheiro. A memória olfativa era uma merda mesmo.
Prendo meu olhar no vidro, vendo Seattle passar por nós rapidamente.
De novo eu me pergunto como irei sobreviver.
– Anna, onde se formou? É seu primeiro estágio? – Lucy pergunta.
– Em Yale e este é meu primeiro estágio – respondo educadamente.
– Está bem longe de New Haven, é de lá ou daqui mesmo?
– Anna já morou aqui na cidade – Adam responde por mim.
– Sua família é daqui? – Lucy continua seu interrogatório.
– Não mais.
– Está sozinha na cidade então?
– Eu estou morando com uma amiga.
– Faz tempo que voltou?
– Não. Eu voltei somente porque me chamaram para esta entrevista.
– Nossa, que sorte que conseguiu então. Sabe que é uma das firmas mais conceituadas do
país, não é? Muitas morreriam para ter a nossa sorte.
– Sim, eu sei.
E é só por isto que ainda não saltei desta limusine em movimento e estou aguentando este
interrogatório curioso.
Sinto os olhos de Daniel presos em mim, mas continuo com a atenção voltada para a
janela.
O carro para em frente ao fórum e nós saltamos.
Eu e Lucy seguimos atrás dos dois homens e a moça começa a falar sobre as vantagens
do nosso emprego, mas não consigo registrar nada.
Estou passando mal. Realmente mal. Fisicamente.
A tensão guardada dentro de mim está cobrando seu preço.
– Lucy, vou ao banheiro, tudo bem?
– Claro.
Eu me afasto e me tranco dentro do banheiro vazio. Jogo água fria no rosto e miro minha
imagem no espelho.
Estou com uma aparência doentia. Eu me sinto doente.
Deus, como posso continuar com essa farsa ridícula?
Eu mal posso respirar o mesmo ar que Daniel Beaumont sem me sentir exatamente como
há oito anos.
A mesma humilhação, a sensação esmagadora de ter sido enganada, manipulada, usada!
O ressentimento ameaça me sufocar.
Eu preciso ir embora. Agora.
Segurando minha bolsa com força, forço a porta com o ombro e saio para o corredor.
E Daniel está ali me esperando.
– Anna, preciso falar com você.
Oito anos antes
Dizem que o tempo cura todas as feridas. Mas eu não faço ideia de quanto tempo se
passou.
Podem ser dias, semanas, meses. Não faz diferença pra mim.
O tempo não cura nada. Porque todo dia eu acordo para me lembrar. Para sofrer.
E durmo para sonhar. E sofrer de novo.
Às vezes eu preferia estar morta.
– Ann? - a voz do meu pai ultrapassa a barreira do cobertor e chega aos meus ouvidos.
Abro os olhos na escuridão.
Sinto sua mão em minhas costas. Me encolho.
Não quero ser tocada. Não posso ser tocada.
– Filha, está me deixando verdadeiramente assustado. Já se passaram duas semanas e
você mal come. Não sai do quarto... Precisa reagir. Por favor.
Eu sinto a dor em sua voz e fecho os olhos com força. É difícil aceitar que meu pai está
sofrendo por minha culpa.
E que culpa ele tem em tudo aquilo?
Respiro fundo e abro os olhos, me virando e o encarando.
Ele parece cem anos mais velho.
– Eu sinto muito, pai – murmuro.
– Eu sei, querida. Por favor, ... Tem que reagir.
Eu faço um esforço para me sentar. Tudo parece muito difícil, até me mexer.
– Eu não tenho... vontade de reagir.
– Você devia ter me deixado ir atrás daquele filho da puta! Aquela gente sem escrúpulos!
– Não. – eu digo enfaticamente. Desde que cheguei em Olímpia e Tyler o colocou a par
dos acontecimentos, porque eu simplesmente não tinha forças pra contar, meu pai estava
revoltado e queria denunciar de alguma maneira os Beaumont para fazê-los pagar pelo que
tinham feito.
Eu não queria nada disto.
Eu queria somente me enfiar debaixo das cobertas e esquecer.
– Anna... Aquele canalha seduziu você pra ajudar a irmã numa vingança pela qual você
não era responsável e nem tinha nada a ver!
Escutar aquilo do meu pai doía pra caramba e eu sinto um pouco de falta de ar, tamanho
é o aperto no meu peito.
– E você quer que eles fiquem impunes? Qualquer juiz ficaria do nosso lado!
– Não, pai - nego cansadamente. – Não quero fazer nada, não posso... me colocar na
frente dele... deles... de novo. Não posso...
Ele passa a mão por meus cabelos.
– Tudo bem, tudo bem. Se é o que deseja... pelo menos saia deste quarto. Volte a viver.
Não posso mais vê-la assim... Está me matando, Anna.
Concordo com a cabeça.
– Certo... eu vou tentar.
Michael parece satisfeito por hora e quando ele sai do quarto, eu me levanto.
Praticamente me arrasto até a janela. Está chovendo. Um dia cinza.
Assim como minha vida.
Entro no chuveiro e tomo um longo banho. Choro mais um pouco.
E quando saio me sinto, se não melhor, um pouco menos morta.
E faço isto apenas pelo meu pai. Ele não merece sofrer porque a filha foi uma idiota se
apaixonando por um mentiroso.
Pensar nisto faz tudo doer de novo.
Meus ossos doem. É quase físico. Eu engulo em seco e visto uma roupa, descendo para
sala.
Quando estou na escada, escuto uma voz estranha e paro.
– Como eu falei, não estou aqui procurando mais confusão. Vim para pedir desculpas e
tentar remediar esta situação.
– Acha que desculpas fazem alguma diferença? – a voz de Michael é colérica. – Nada vai
apagar o que seus filhos fizeram, o que aquele crápula do seu filho fez com minha filha...
Eu tapo a boca com a mão para conter um grito.
Seu filho? Aquela voz é do pai do Daniel?
Minhas pernas ficam bambas e eu não consigo me mover nem pra frente nem pra trás.
– Eu sei. - a voz agora parece pesarosa. – Mais do que ninguém eu sei.
– E por que não fez nada? Se achava errado, por que permitiu que chegassem tão longe?
Que tipo de pai permite isto?
– Eu não sabia de nada. Nem eu nem minha esposa. Se Soubéssemos... Enfim, eu estava
na África a trabalho e voltei há alguns dias quando fiquei sabendo... Eu realmente sinto muito
por tudo e se pudesse falar com Anna...
– Não acho que ela vai querer algum contato. Minha filha está acabada! Está sofrendo e
humilhada!
–Eu sei. Quanto às fotos, já estamos num processo para retirar todas da internet...
Meu pai faz um barulho de descaso.
– Eu sei que não apaga o que sua filha passou. Eu... Estou tentando resolver os
problemas da minha família agora...
– Olha, não me interessa os problemas da sua família! É minha filha que está pagando
pelos erros deles!
– Por isto estou aqui. Quero fazer algo para tentar consertar todo o infortúnio...
Infortúnio? Sinto a bile subindo por minha garganta.
Caleb Beaumont chamava o que me fizeram de infortúnio?
– Daniel está... – ele continua, a simples menção de Daniel faz a bile na minha garganta
saltar para boca e eu subo correndo as escadas e, entrando no banheiro, vomito o pouco
conteúdo do meu estômago.
Depois fico agachada no chão, lutando para respirar, até que escuto o som de um carro
se afastando.
Me levanto e vou até a janela. Um carro desconhecido se afasta pela rua.
Me sinto aliviada.
Desço as escadas e encontro meu pai na cozinha tentando fazer algo no fogão. O que,
com certeza, não está obtendo sucesso.
Ele me olha rapidamente.
– Finalmente desceu. Estou fazendo um macarrão.
Eu me aproximo e tomo a panela de sua mão.
– Deixa que eu faço – estou feliz de minhas mãos estarem firmes.
Eu mexo a massa na panela e respiro fundo para falar.
– Eu escutei Caleb Beaumont – confesso.
Meu pai solta uma série de impropérios.
– O que você ouviu?
Eu dou de ombros.
– Muito pouco. Não consegui ficar... – decido não contar pra ele que tinha passado mal.
– Ele veio pedir desculpas - meu pai solta uma risada irônica. – Acha que pedir
desculpas resolve alguma coisa! Devia tê-lo levado pra delegacia! Que pague no lugar dos
filhos pela merda que...
– Pai!
– Ok, parei. Eu o escutei. O que posso fazer? Pelo menos ele teve alguma decência vindo
se retratar e disse que estão tirando as fotos do ar.
Mordo os lábios com força.
As fotos...
As malditas fotos voltam à minha mente...
Luto contra a tontura.
Porque me lembro de como aquelas fotos foram tiradas. Do que eu estava sentindo. Na
confiança que eu tive naquele momento para fazer o que fiz. Porque eu acreditava que tudo era
de verdade.
Nada foi verdade. Nada.
Luto para não correr e me esconder de novo.
– Eu falei que de nada adianta agora. Você já foi humilhada! Eu disse a ele que não
queria sair de casa de tanta vergonha.
“Ah, se fosse somente a vergonha, pai.”
– Ele se propôs a pagar uma indenização.
– Não – eu me viro rapidamente.
– Anna, é o mínimo que eles podem fazer! Se os processássemos, com certeza teriam que
pagar muito mais...
– Eu não quero dinheiro deles – minha voz sai baixa e rouca.
– Eu sei. Também mandei ele enfiar o dinheiro dele onde o sol não bate, porém... Ele
disse que isto podia ajudá-la; que você poderia sair do país. Fazer um intercâmbio, algo assim.
– Não quero sair do país – murmuro, tirando o macarrão do fogo e escorrendo a água
na pia.
Sair do país não mudar nada. Sair de Seattle não tinha.
– Eu desconfio que sair do planeta não vai ser de nenhuma ajuda. – digo por fim.
– Mas, filha...
– Não, pai. Não insista.
Eu tento comer, mesmo sem apetite algum e depois sento com meu pai na sala.
O telefone toca e fico tensa quando meu pai atende.
– Oi... Ela está aqui... Está melhor... – ele me olha e coloca a mão no fone. – Sua mãe
quer falar com você.
Eu me levanto e saio da casa.
– Acho que ela ainda não quer falar com você – escuto Michael dizer antes de fechar a
porta atrás de mim.
A tarde está fria e eu cruzo os braços em frente o corpo, enquanto começo a caminhar.
Não posso falar com minha mãe.
Simplesmente há uma parte minha que a culpa por tudo. Por ter casado com Tom mesmo
sabendo o canalha que ele era.
Se ele não estivesse nas nossas vidas, nada disto tinha acontecido.
Nenhuma vendetta.
Eu nunca teria conhecido Daniel.
Paro de repente, respirado com dificuldade por andar tão rápido e pelo frio cortante.
Daniel.
O nome dele invade minha mente, minha alma. Percorre meu sangue como um veneno,
matando tudo por onde passa.
Drenando minha vida.
A cada dia que passava, em vez de diminuir o efeito, apenas piorava.
Eu me sentia mais envenenada pela dor, pelo ressentimento.
Tudo mentira.
Ele só me usou.
Fez eu me apaixonar para me usar numa vingança.
Fecho os olhos com força.
Preciso sair dali. Preciso ver gente. Ficar sozinha não está me fazendo bem. Está me
fazendo lembrar...
Volto pra casa e meu pai saiu para a loja, deixando-me um bilhete. Pego a chave da
velha pick-up de Michael e saio de novo.
Dirigir até a cidade, com o vento batendo no meu rosto, me faz bem.
Saio do carro e entro numa loja qualquer. É uma mercearia e eu pego uma cesta.
Comprar algumas coisas para o jantar e fazer uma comida pra Michael, irá me distrair.
Estou escolhendo algumas verduras quando escuto uns sussurros.
– Você viu as fotos? - uma garota diz.
– Sim, eu vi. A filha do Michael, hein? Até que ela é gostosa – um garoto diz rindo
maliciosamente.
Eu me sinto enjoada. Paralisada.
– Ai credo, ela é uma vadia isto sim! Deixar tirar aquelas fotos? Pelo amor de Deus, é
nojento!
– Estão dizendo que ela voltou pra cidade, será que aceita sair comigo e fazer algumas
daquelas coisas... – as vozes se aproximam, mas eu não consigo me mexer.
– Ei, Anna. – uma voz conhecida chega até mim antes que braços reconfortantes me
amparassem no mesmo instante que os dois adolescentes me viram e pararam estupefatos.
– Anna Nicholls! – a menina exclama e o garoto me mede.
Deus, eu ia morrer.
Eu queria morrer.
– Vem, Ann. – Tyler está ali. Eu o encaro com olhos assustados.
Ele praticamente me arrasta pra fora da loja e me coloca dentro do carro.
– Você está bem?
Eu sacudo a cabeça negativamente. Não consigo parar de tremer.
Ele solta um palavrão e dá partida.
Uma lágrima solitária rola em meu rosto.
Sim dor. Sinto vergonha.
Sinto desgosto.
E raiva.
Seguimos em silêncio até minha casa e, lá chegando, Tyler entra comigo.
– Como me encontrou? – pergunto.
Ele dá de ombros.
– Foi um acaso. Acho que cheguei bem na hora.
Eu me encolho no sofá, abraçando meu próprio corpo.
– Foi horrível... Eu não deveria ter saído de casa...
Ele senta do meu lado.
– Ann, eu sei que gostaria de se esconder, de nada vai adiantar. Isto é o assunto do
momento, com o tempo as pessoas vão esquecer e voltar a cuidar de suas próprias vidas.
– Nesta cidade? Eu tinha esperança que estas malditas fotos não fossem notícia aqui...
– Isto vai ser esquecido...
–Caleb Beaumont disse que pediram pra tirar do tal site.
Tyler franze a testa.
– Caleb Beaumont?
– Ele esteve aqui – conto a Tyler sobre a visita de Caleb e ele parece indignado.
– Pelo menos aquele riquinho maldito não veio junto.
Eu fecho os olhos. Não conseguia nem imaginar como seria ver Daniel de novo.
Seria dor demais. Eu não suportaria.
– Nunca mais eu quero vê-lo – digo abrindo os olhos e pronunciando estas palavras com
mais força do que eu julgava capaz.
– Está fazendo o certo. E ele que não apareça aqui, senão...
– Não quero mais falar disto, Tyler – digo cansadamente.
Ele aperta meus ombros com carinho.
– Tudo bem, só acho que seu pai tem razão. Você podia mesmo viajar.
– Com o dinheiro dos Beaumont?
– E daí? Eles te devem muito mais do que isto pelo que fizeram.
Eu reluto, se bem que, depois do vexame na mercearia, ficar em Olímpia, voltar ao
colégio na cidade, não me parece uma ideia plausível.
Com certeza todos sabiam. Todos iriam me julgar.
Era humilhante demais.
Por outro lado, usar dinheiro vindo da família Beaumont não me agradava em nada.
– Talvez tenha razão, mas eu não queria nada deles...
– Se tivesse deixado seu pai dar queixa, eles teriam que te indenizar, Anna. Este dinheiro
é para seu próprio bem. Se ele não pode apagar o que aconteceu, pelo menos vai te ajudar a
esquecer bem longe daqui, até que tudo se acalme e seja esquecido.
Eu o deixo me abraçar e tento me convencer que é melhor assim. Partir pra bem longe.
Longe de Olímpia. Das insistentes tentativas de contato da minha mãe.
Longe dos Beaumont. E das minhas lembranças.
Capítulo três
Por um momento até o ar parece estar estático enquanto ficamos ali, parados.
Ele está a dois metros de distância.
Eu mal respiro pensando no que fazer em seguida.
Dizer que tudo aquilo é um engano, pedir demissão e desaparecer pra sempre, me parece
a opção mais atraente no momento.
No entanto há algo em mim que se rebela contra aquela opção.
Eu não fiz nada de errado para ser eu a fugir.
Então, vestindo o olhar mais frio e impassível que consigo, o encaro.
– Sim, em que posso ajudá-lo... Senhor Beaumont?
Vejo na hora que ele não esperava por isto. De novo sinto aquela fagulha de satisfação
em mim.
Se penso que venci, mudo de ideia no segundo seguinte.
– Anna.
Infelizmente meu nome em seus lábios acende um fogaréu de lembranças dentro de mim.
Me dá vontade de chorar. Vontade de gritar.
Vontade de agredi-lo e deixá-lo tão dolorido como eu fiquei há oito anos com sua traição.
Mesmo assim, enquanto me desintegro por dentro, me mantenho fria por fora.
E o vejo respirar fundo com um olhar entre confuso e furioso.
Antes que consiga falar qualquer coisa, ouço passos.
– Daniel? - Lucy nos interrompe.
– Sim? – ele olha pra estagiária.
– Adam precisa de você.
– Certo – ele passa a mão pelos cabelos, hesitando.
Eu rezo silenciosamente para que ele se vá e me deixe aqui. Antes que seja tarde demais.
– Claro – responde por fim e me lança um último olhar antes de se afastar.
Eu finalmente relaxo.
– Algum problema? – Lucy me encara desconfiada e eu me sinto incomodada.
– Na verdade tenho um problema sim, eu ia dizer a Daniel que eu não estou passando
bem e preciso ir embora.
– Sério? Está tão mal assim?
– Me desculpe, sei que é horrível passar mal no primeiro dia de trabalho, mas eu
realmente preciso ir. Pode avisar ao Adam, por favor? – abraço a bolsa com força e passo por
Lucy antes que ela faça mais perguntas que me impeçam de sair.
Só me sinto aliviada quando estou dentro de um táxi indo pra casa.
***************
Estou no inferno. Um lugar bem parecido com aquele que estive quando cheguei em
Olímpia oito anos atrás.
Como o destino pode ser tão cruel comigo me colocando na mesma empresa em que
trabalha Daniel Beaumont? O que eu fiz pra merecer este castigo?
Eu estava em Seattle justamente pra esquecer e provar a mim mesma que tinha superado
todo o sofrimento do passado. E encontro justamente o causador de tudo.
Fecho os olhos e me dobro toda na cama em posição fetal.
O passado havia me alcançado me provando que nunca nada ia ficar bem de novo.
Eu não tinha conserto. Eu era como um vaso quebrado, que alguém tinha colado e que
nunca mais seria o mesmo. As marcas sempre estariam ali, visíveis para um observador mais
atento.
E junto com aquela dor antiga e perpétua, vinha também a raiva.
Não era justo. Eu só queria seguir com a minha a vida, e o universo conspirava contra
mim me colocando frente a frente com meu algoz.
E o que eu posso fazer agora? Fugir? Ou enfrentar, sussurra uma vozinha tímida bem no
fundo da minha mente.
Abro os olhos e respiro fundo várias vezes, deixando o ar entrar em mim. E junto com ele
um sopro de esperança e sanidade.
Sim, por que eu tenho que fugir? Só provaria que continuo sendo aquela garota fraca e
boba que ele enganou e traiu há oito anos.
Não, não quero mais ser aquela Anna.
Quero ser a Anna forte, fria e que não se importa nem um pouco com quem Daniel
Beaumont é hoje.
Eu quero que ele não seja nada pra mim. Apenas uma lembrança desagradável do
passado.
Sim. Era isto.
Eu iria provar a mim mesma que eu sou mais forte do que aquela vendetta.
E eu iria provar a Daniel Beaumont.
Na manhã seguinte vejo Fiona me encarando com um olhar apreensivo quando pego
minha bolsa pra sair.
– Anna, tem certeza do que está fazendo?
Reviro os olhos. Eu contara tudo a Fiona ontem, que me escutara bem consternada. O que
a deixou mais chocada foi eu dizer que iria continuar trabalhando lá.
Se tenho certeza? Não, eu não tenho.
Mas eu preciso ter forças. Disto depende toda a minha vida.
– Não se preocupe comigo, Fiona. Tenho tudo sob controle.
Percebo pela sua expressão que ela não acredita em mim. Sorrio e saio do apartamento
rumando para o escritório.
Estou estranhamente serena quando chego lá e vejo a sala vazia.
Aproveito para ir ao toalete onde encontro Hannah.
– Oi, tudo bem? – ela sorri pra mim pelo espelho enquanto se maquia. – É Anna, não é?
– Sim, Anna – eu sorrio de volta. Hannah parece ser uma garota bem legal.
– Por que não foi com a gente ontem?
– Ontem?
– Ah, esqueci! A Lucy me disse que você saiu mais cedo, o que aconteceu? Estava doente
algo assim?
– Uma leve indisposição, nada demais – respondo, passando batom.
– Que bom!
– O que aconteceu ontem?
– Fomos beber! Foi bem divertido. Você vai ver que tem um pessoal aqui bem legal. E
tem uns advogados muito gente fina, como Daniel, o Dominic, o Adam.
– Então todos foram, hein? – eu tento não parecer curiosa, é impossível.
– Sim, da próxima vez você irá também. Aposto que vai se divertir... Ou tem namorado?
– Namorado? O que isto tem a ver? Por acaso este encontro de vocês é para...?
– Não! – Hannah ri. – Quer dizer... Nada impede, não é? Eles são interessantes, não posso
negar.
– Eu sou estagiária, tenho certeza que não seria nada legal eu me envolver com algum
deles.
– Bom, A Lucy não pensa como você.
– Lucy?
Hannah se aproxima, como se fosse contar uma fofoca e até abaixa o tom de voz.
– Ela está louca pra pegar o Daniel.
Eu engulo em seco.
Lucy e Daniel?
Não estou preparada de maneira alguma para aquela pontada dentro de mim.
E muito menos para analisar o que ela significa.
– Sério? – exclamo desinteressada, fechando minha nécessaire.
– Ah, ela mal se contém perto dele!
– E você acha que rola algo entre eles? – indago casualmente, ajeitando o cabelo.
– Bem que ela gostaria, mas acho que ainda não! No que depender dela, não vai
demorar...
Nós saímos do banheiro e nos despedimos no corredor e eu sigo para a sala de Lucy.
Então Daniel era dado a ficar com estagiárias?
Lucy está ali e sorri ao me ver, pedindo pra eu sentar do seu lado.
– Estou de ressaca – ela diz, tomando um longo gole de café.
– Hannah me disse que saíram pra beber ontem.
– Sim, e estou um caco hoje, mas, vamos ao trabalho.
– É... Daniel já chegou?
– Ainda não, já já ele chega.
Enquanto ela começa a falar do trabalho, eu fico com vontade de perguntar sobre ela e
Daniel, mas obviamente não posso.
Na verdade eu não deveria ter nenhum interesse nisto!
– Bom dia, garotas! – Adam entra na sala sorrindo. – E aí Anna, como está? Melhor hoje?
– Sim, obrigada por perguntar.
– Fiquei realmente preocupado – ele para ao meu lado colocando a mão nas minhas
costas.
Por um momento fico em dúvida se é um gesto casual ou algo mais. Antes que consiga
definir, ele se afasta
– Anna, por enquanto você fica com a Lucy para que ela lhe deixe a par de toda a rotina
de trabalho, ok?
– Claro.
– E que tal almoçarmos juntos? Assim eu posso te contar sobre alguns casos nos quais
estou trabalhando.
– Quem sabe? – digo educadamente e ele sorri satisfeito, se afastando.
Por um momento fico bem aliviada por saber que trabalharei diretamente com Adam e
não com Daniel.
Isto sim seria um desastre.
Meu alívio dura pouco, quando minutos depois, ele chega no escritório.
– Ei, Daniel – Lucy o cumprimenta e eu percebo seu entusiasmo exagerado.
Sim, definitivamente há interesse ali.
Ela está deslumbrada. E, por um momento aquela Lucy toda sorridente e derretida, me
faz lembrar dolorosamente de mim mesma oito anos atrás.
Eu também fui assim por Daniel um dia.
Pobre Lucy!
– Olha quem está entre nós, nova em folha – Lucy brinca, me cutucando com o lápis.
– Bom dia... Anna. – ele diz me encarando diretamente. Eu luto quase mortalmente pra
me manter impassível e não desviar o olhar.
– Bom dia, senhor Beaumont.
– Por favor, Daniel – ele diz. – Costumamos nos tratar sem formalidade aqui.
– Se o senhor prefere assim – respondo evasiva.
– Daniel, o Adam pediu que eu familiarizasse a Anna com as questões do escritório,
espero que não seja problema, se precisar de mim...
– Não, pode ajudá-la, claro. Se eu precisar de algo, eu a chamo.
Eu volto a atenção aos papéis na minha frente, o ignorando, e apenas escuto seus passos
se afastando.
E um suspiro ridículo de Lucy antes de ela voltar a passar o trabalho pra mim.
Eu mal presto atenção. O que será que Daniel está pensando?
Será que esperava que eu não fosse aparecer hoje? Certeza que sim.
Sorrio intimamente. Ele estava muito enganado. Eu não iria fugir com o rabo entre as
pernas como uma criminosa.
O criminoso aqui era ele e não eu.
E eu estava ali para ficar.
Eu estava pronta para a guerra.
A manhã transcorre sem tropeços, ainda mais que Daniel está em reunião com Taylor e
eu posso ficar menos tensa enquanto aprendo o trabalho com Lucy.
Um pouco antes da hora do almoço, Hannah aparece e diz que Adam pediu pra avisar que
não poderá sair pra almoçar comigo, pois terá que ir com Taylor e Daniel.
– Tudo bem, obrigada por avisar.
– Quer almoçar comigo? Conheço um restaurante de massas fantástico aqui perto.
– Claro.
Lucy declina do convite e eu me pergunto se ela tinha planos pra almoçar com Daniel,
pois parece decepcionada.
Bom, perder um almoço não é nada perto do que pode te acontecer saindo com Daniel,
queridinha, penso ironicamente.
Almoçar com Hannah é bem divertido e eu chego a esquecer por um momento meus
problemas, até que, ao chegar no escritório me deparo com Daniel de novo.
Eu e Lucy estamos na sala de café e ela tenta me ensinar sem sucesso a manusear e
cafeteira do último modelo. E minha falta de jeito faz nós duas rirmos.
– Não é possível que você não consiga mexer nisto, Anna!
– Eu te disse, sou uma negação para estas coisas.
De repente Lucy se vira.
– Oi, Daniel!
Eu paro de sorrir.
– Algum problema? – ele pergunta seriamente.
– Nenhum, estou tentando ensinar a Anna como lidar com isto! – Lucy ri. - A gente pode
te servir um café, você quer?
– Claro, eu espero na minha sala.
Ele se afasta e Lucy termina ela mesma de fazer o café enquanto cantarola.
Eu quase sinto pena.
– Eu vou levar o café do Daniel – ela diz. O telefone toca e eu atendo Adam, que pede
pra falar com Lucy.
– Coloca Lucy na linha, é urgente. Tenho uma dúvida...
– Lucy, é Adam, ele diz que é urgente.
Ela rola os olhos, irritada, e pega o telefone.
– Leva o café do Daniel antes que esfrie, então – pede, me passando a xícara.
Eu tenho vontade de dizer que não fiz quatro anos de faculdade mais três de escola de
direito para servir café, mas me calo.
Respirando fundo, eu entro na toca do leão.
Ele está distraído ao telefone. Ótimo. Eu posso entrar, colocar a xícara na mesa e sair
despercebida.
– Eu achei que já tinha escolhido a igreja – ele diz para a pessoa na linha. - Padres são
todos iguais, casamento é tudo igual – continua.
Casamento?
Meu estômago se revira horrivelmente.
Ele ri com vontade de algo que a pessoa diz.
– Querida, se tem tanta urgência em escolher o padre do casamento hoje, vá sozinha...
Não, não insista. Não vai me convencer hoje.
Ele está sorrindo ao dizer isto, então olha para cima, notando minha presença.
Seu sorriso se desfaz.
– Certo, nos falamos depois então – termina ligação, colocando o telefone no gancho.
Mas continua olhando pra mim. Que continuo petrificada na porta.
Daniel vai casar? A pessoa na linha era sua noiva?
– Continue Anna, o café vai esfriar. – Lucy surge atrás de mim.
Eu finalmente saio da letargia e caminho em direção à mesa, estou tão atarantada que me
vejo tropeçando nos meus próprios pés e, só por um milagre, não caio com a xícara na mão.
– Nossa, você é mesmo descoordenada! - Lucy ri e pega a xícara da minha mão. - Deixa
que eu leve antes que caia!
– Você está bem? – Daniel pergunta cravando o olhar no meu rosto vermelho feito
pimentão.
– Sim, estou – respondo, juntando o resto da minha dignidade.
Poderia ter sido pior. Eu poderia ter caído na frente dele. Como naquela vez na quadra da
escola quando Violet me empurrou e ele me carregou para a enfermaria. E assoprou meu joelho.
Oh, inferno, por que eu estou lembrando destas coisas?
Eu dou meia volta e saio da sala com passos firmes. E não tropeço desta vez.
Lucy retorna alguns minutos depois e senta do meu lado.
– Daniel está noivo? – pergunto, como quem não quer nada e Lucy me encara divertida.
– Não! De onde tirou isto?
Eu sinto um estranho alívio.
Não quero analisar o que significa.
– O escutei falando sobre um casamento no telefone.
– Ah, isto. A irmã dele vai casar. Violet.
Meu estômago se revira ao escutar o nome da irmã de Daniel.
A irmã pela qual ele fora capaz de me usar.
Então Violet ia se casar? Eu tento sentir alguma raiva ou ressentimento por aquela moça
que foi a razão de eu ter sido enganada.
Descubro com algum assombro que não sinto nada.
Eu mal me lembro do rosto de Violet Beaumont.
Queria que fosse assim também com Daniel. Mas, bem lá no fundo, eu sei que eu nunca
esqueci nada sobre ele.
Muito pelo contrário, apesar de todo o esforço que eu fazia para esquecer, parecia que me
recordava cada vez mais.
O universo realmente não era justo comigo. Se todo meu ressentimento se direcionasse
pra Violet Beaumont, talvez as coisas fossem mais fáceis.
Mas não foi Violet que se aproximou de mim com falsas promessas. Que me envolveu
num joguinho sujo de sedução, enquanto eu acreditava que era amor.
Não foi com Violet que eu vivi os momentos mais intensos da minha vida para logo em
seguida descobrir que tudo não havia passado de uma grande e suja mentira.
Eu sinto uma dor quase física no peito mesmo agora. Oito anos depois.
E me pergunto se um dia deixarei de sentir.
Eu preciso parar.
Não posso mais manter aquela faca perfurando meu coração. Oito anos era tempo
demais.
E, ficar trabalhando com Daniel, que passa a toda hora por nossa sala, me fazendo
lamentar a hora que decidi ficar naquele emprego, seria a solução?
Sinceramente eu não sei.
Só sei que não quero fugir. Porque tenho certeza que passarei o resto da vida fugindo
dele, e das lembranças.
Eu preciso enfrentar e me curar.
Para sempre.
– Bom, por hoje é só – Lucy diz quando são quase sete horas. – Amanhã de manhã
Daniel quer ter uma reunião com você.
O quê?
– Está marcada para nove horas, não se atrase.
– Certo – afirmo aturdida.
Amedrontada.
Até agora Daniel não tinha dado amostras de que queria conversar sobre o passado.
E eu acho que deixei bem claro que não queria falar sobre esse assunto.
Eu não poderia. Nunca.
Já era demais pra mim.
Mas, aquela reunião...
Eu me levanto, me despedindo de Lucy e pego minha bolsa saindo do escritório ainda
remoendo meus medos, quando percebo assim que o frio da tarde me atinge, que deixei meu
casaco lá em cima.
Irritada, subo de novo e Lucy não está na sala. Procuro o casaco e também não o
encontro.
Onde eu o deixei?
De repente escuto a voz de Lucy na sala de Daniel vou até lá.
E paro na porta com a cena que se desenrola na minha frente.
Lucy está beijando Daniel.
Eu fico ali, paralisada de choque nos poucos segundo que duram a cena, até que Daniel a
empurra pelos ombros.
– Não, Lucy, chega. Isto não pode acontecer.
– Mas...
– Eu queria conversar com você justamente para dizer que nada vai acontecer entre nós,
não vamos ter um caso Lucy.
– Por que não? Eu sei que você é todo certinho Daniel e, acredite, eu acho isto um tesão,
não tem com o que se preocupar, vai ficar tudo entre nós – ela avança novamente e, desta vez,
devo ter soltado um suspiro de horror, pois os dois param e olham na minha direção.
Lucy está vermelha.
Daniel está pálido.
E eu só quero fugir dali.
Oito anos antes
Eu ainda não tenho certeza se estou agindo certo, quando fecho minha última mala.
Amanhã estaria me mudando para Londres. Tyler finalmente me convencera que aceitar
o dinheiro dos Beaumont era o certo.
Eu ainda não tinha certeza sobre isto, mas precisava desesperadamente fazer alguma
coisa.
Só não sei se a mudança de país vai operar algum milagre dentro de mim. Pelo menos
estarei deixando meu pai mais tranquilo.
Eu desço para preparar seu jantar antes que ele chegue, e tomo um susto ao me deparar
com minha mãe parada no meio da sala.
– Anna, querida – ela se aproxima com o rosto angustiado.
Eu também sinto angústia, não pelos mesmos motivos que ela.
– Mãe, o que faz aqui? – pergunto num fio de voz.
Ver Stella... Me faz lembrar do que aconteceu.
De todo o horror.
– Eu precisava ver você! Estava morrendo de preocupação, seu pai disse que não queria
falar comigo... Tem noção do que está fazendo comigo, Anna? – ela começa a chorar e eu me
sinto mal.
Respiro fundo contendo minhas próprias lágrimas. Afinal, aquela ainda era minha mãe
– Mãe, não chore, por favor. Eu estou bem... Agora. – É uma grande mentira, mas eu
preciso acalmá-la. – Venha se sentar.
Ela se senta e eu sento na sua frente. Ela se acalma e me encara.
– Seu pai disse que ficou muito mal...
– Queria o quê? – digo rispidamente.
– Eu sei, claro. Do jeito que tudo aconteceu... Aquela Violet Beaumont é uma cobra... E
aquele irmão dela que te usou.
– Mãe, não – eu a paro. – Por favor, não vamos falar sobre esse assunto.
– Mas precisamos falar! Eles humilharam você! Te usaram! Não tinha nada a ver com o
que aconteceu com Violet...
– Mas aconteceu, não é mãe? – digo amargamente. – Tom foi um canalha.
– Não! A culpa foi dela! Ela o seduziu! Ele me disse que...
– Não interessa! Ela tinha 14 anos! E ele namorava a mãe dela, pelo amor de Deus!
– Isto não foi empecilho para ela seduzi-lo.
– Ele bateu nela, mãe! Ele a espancou e ela estava grávida!
– Talvez tenha merecido! Ela queria que ele terminasse comigo!
– A senhora que deveria ter terminado com ele! E não aceitado um cara que transa com
a enteada, engravidando-a!
– Eu já disse, a culpa foi dela...
– E a senhora ainda o protegeu! Mentiu pra polícia pra ele sair impune!
– Eu não podia deixá-lo ir pra cadeia por causa daquela fedelha...
– Mãe, a senhora errou! Tom deveria ter pagado por seus crimes! Se tivesse sido punido
os Beaumont nunca viriam atrás de mim! E nada disto teria acontecido!
– Está me culpando?
– Não, eu não preciso te culpar para a senhora ser culpada, mãe.
– Está sendo tão injusta, Anna.
– Injusto foi o que fizeram comigo – retruco. – Agora eu só quero esquecer.
– Sinto muito por tudo... Tom e eu também estamos sofrendo, aquela maldita família quer
acabar com nosso casamento, mas não vão conseguir.
– O quê? Mãe, o Tom te traiu com aquela Eloise!
– Foi armação pra ele! Eles armaram pro Tom.
Não posso acreditar que minha mãe está dizendo isto.
– E agora o nome dele está na lama! O time já avisou que não vai renovar o contrato
que vence no mês que vem... Não sei o que vai acontecer.
– O Tom está pagando por seus erros, mãe. E você devia se afastar dele.
– Como pode dizer isto? Ele é meu marido.
– Ele é um canalha!
– É apenas humano. E está arrependido.
– Mãe, por favor...
– Não, Anna. Eu não posso deixá-lo quando ele mais precisa de mim. Vamos permanecer
juntos. Os Beaumont não vão conseguir nos separar.
Eu vejo sua resolução e me encho de pesar.
– É melhor você ir embora, mãe – digo, me levantando.
Stella me encara sentida.
– Anna, querida, não pode achar que estou errada...
– Sim, eu acho. E, se você prefere ficar com o Tom, infelizmente não posso fazer nada. Só
não posso aceitar.
– Anna, não faça isto. Olha, pode ficar aqui o tempo que quiser. É até melhor por
enquanto, até toda a poeira baixar. Acho que eu e Tom vamos voltar pra Miami depois que o
contrato terminar. Você pode ir com a gente.
– Eu estou indo para a Inglaterra amanhã.
– O quê?
– Vou passar um tempo lá.
– Mas...
– Já está decidido, o Michael cuidou de tudo. Vai ser melhor assim.
– Bom, não posso dizer que não será, mas eu vou sentir sua falta.
Ela me abraça.
– Me ligue sempre. Estou rezando para que esqueça tudo, quando voltar tudo vai estar
bem, você vai ver. O tempo cura tudo.
Stella me dá mais um abraço e se vai.
Eu vejo o carro dela se afastar e enxugo uma lágrima solitária.
Não, nada vai ficar bem. Não enquanto minha mãe estiver com um canalha feito o Tom.
Isto só poderá acabar muito mal um dia.
Capítulo quatro
***************
Na manhã seguinte estou um tanto insegura ao entrar no escritório. Não há sinal de Lucy
ou Daniel e eu sigo pra sala de Adam que me recebe com um sorriso.
– Olá, bom dia!
– Bom dia – eu sorrio de volta.
– Venha aqui, quero te mostrar algumas notas...
Eu me aproximo ficando ao lado dele.
– Hum, muito bom este seu perfume – ele brinca segurando meu cabelo e eu mordo os
lábios, sem graça, ele percebe e ri ainda mais. – Nossa, você cora! Temos uma moça tímida aqui!
Eu sorrio, ainda sem graça e então Adam olha para a porta.
– Ei, Daniel!
Eu me aprumo imediatamente como se tivesse sido flagrada fazendo algo errado.
O que era absolutamente sem noção.
– Oi, Adam... Anna... – os olhos de Daniel sondam os meus.
– Bom dia – respondo simplesmente voltando a atenção para os papéis na mesa de Adam.
– Por acaso viram a Lucy? – Daniel pergunta.
– Ela está com o Taylor – Adam responde alheio à minha tensão.
– Taylor?
– Sim, eu a vi entrando em sua sala há uma meia hora... Por que, precisa de ajuda? Estou
passando algumas instruções pra Anna, posso dispensá-la para ajudá-lo caso precise de algo
urgente.
–Não – sua resposta é quase seca.
–Tudo bem, então. – Adam dá de ombros.
Daniel se afasta e eu volto a respirar normalmente.
Adam me explica o que significam os documentos e depois me dispensa.
– Acho melhor ir verificar se o Daniel precisa de algo e depois fique com a Lucy, se ela
já tiver voltado para a sala dela.
–Tudo bem.
Estou voltando para a sala quando encontro Hannah.
– Está indo para a sala do Daniel?
– Sim.
– Pode pedir para ele ir à sala do Taylor agora?
– Peço sim.
– Obrigada!
Eu entro na sala de Daniel me perguntando qual assunto que Taylor teria com Daniel
estando Lucy lá e sinto um pressentimento ruim.
Daniel me encara surpreso.
– Anna?
– Taylor o chama na sala dele – digo rápido e me viro pra sair.
– Anna, espera.
Eu me viro, ele está de pé.
– Eu quero conversar com você... Sobre ontem à noite.
– Eu acho que o Taylor disse que era urgente – digo simplesmente e continuo me
afastando.
E, já estou me considerando segura fora da sala dele, quando sinto uma mão em meu
braço.
Por um momento é como se nenhum dos dois acreditasse no que estava acontecendo.
Não posso acreditar no que está acontecendo. Daniel tão perto. Com sua mão em mim.
Paro de respirar e minha mente voa através do tempo e espaço. Para oito anos atrás. E, de
repente. eu não sou mais a Anna advogada de vinte cinco anos que odeia este cara.
Eu sou a Anna adolescente e ingênua que está apaixonada por ele.
Que sente todo o sangue subir para o rosto, corando de prazer enquanto o corpo derrete
numa sinuosa letargia. Seu toque é tudo o que eu quero. Tudo o que eu preciso.
Tudo o que senti falta desesperadamente nestes oito malditos anos.
Aqueles sentimentos batem em mim como um soco na cara e eu solto o ar dos pulmões
juntando toda minha raiva.
Raiva de Daniel. Raiva de mim mesma.
– Senhor?
Ele me encarar sem se mover um centímetro.
– Senhor? – repito com mais firmeza agora reunindo toda minha indignação em meu
olhar furioso.
E um sorriso de distende em seus lábios.
Eu me desconcerto. Ele está sorrindo.
E por que diabos ele tem que ser tão lindo sorrindo? Eu tinha me esquecido disto.
Inferno! Mil vezes inferno.
– Daniel? – puxo meu braço com força, alisando minha roupa para ter algo que fazer com
as mãos. Porque estava bem disposta a agredi-lo e tirar aquele sorriso presunçoso do seu rosto.
E quando volto a fitá-lo, ele está me medindo com franco interesse.
Eu luto contra a raiva dentro de mim. Luto contra o calor dentro mim.
– Algum problema? Posso ajudá-lo em algo? – indago friamente.
Seu olhar intenso continua em mim por alguns segundos intermináveis até que uma porta
bate em algum lugar do corredor e ele pisca, soltando um palavrão baixo e passando os dedos
pelos cabelos.
– Eu quero conversar com você – diz por fim.
– Acho que Taylor está te esperando, senhor – respondo e me afasto.
Indignada.
Irritada.
Deslumbrada.
Eu ainda estou tentando me recuperar quando Lucy entra na sala.
E ela está chorando.
– Lucy?
– Ah Anna, está sendo horrível.
– O que aconteceu?
– Eu tive que denunciar o Daniel.
– O quê?
–Por assédio, claro. Não poderia ficar calada.
Como é? Lucy tinha acusado Daniel de assédio? Se tinha alguém sendo assediado ontem,
este alguém era Daniel!
– Por que fez isto?
– Acha que deveria deixá-lo sair dessa impune? Ele foi um canalha.
– Lucy, o Daniel não estava te assediando!
– Claro que estava! Você nos viu ontem.
– Eu vi você beijando-o e ele dizendo que não ia rolar nada entre vocês!
– Ele agiu assim porque te viu lá! Você não sabe de nada! Daniel é um idiota e vai ter o
que merece!
Eu fico olhando chocada Lucy enxugando o rosto com expressão de ódio, enquanto sai da
sala rumo ao banheiro.
Ela está furiosa com Daniel. E o que eu disse? Se envolver com Daniel só pode dar nisto
mesmo, penso sombriamente.
Bem lá no fundo eu sabia que este ódio de Lucy é mais por Daniel não ter caído na sua
sedução do que qualquer outra coisa.
E será que ela ia conseguir prejudicá-lo?
Será que Taylor acreditou nela e está neste momento demitindo Daniel?
Eu deveria me sentir feliz com isto, não?
Talvez Daniel estivesse pagando tardiamente por ter sido um canalha comigo. Mas seria
justo nesta situação? Eu não conseguia me decidir.
De repente Hannah entra na sala.
– Anna, Taylor está te chamando na sala dele.
– Eu?
– Sim, você. E ele parece bem tenso hoje hein, se eu fosse você não enrolava e ia logo!
Eu me levanto e me dirijo rapidamente à sala de Taylor, antes de chegar lá, eu já
desconfio do que se trata.
Daniel está saindo com um olhar sombrio. Taylor pede que eu entre e feche a porta.
E como eu desconfiava, ele quer que eu diga exatamente o que eu vi na sala de Daniel
ontem.
Por alguns segundo eu hesito. Poderia concordar com a versão de Lucy. E Daniel seria
demitido.
Vendetta. A palavra feia passa pela minha cabeça por um momento e sinto uma espécie
de satisfação.
Também sinto minha consciência pesando.
Quando eu começo a falar, digo a verdade.
Taylor parece satisfeito quando pede pra chamar Daniel e Lucy na sala.
– Eu tenho que ficar aqui? – pergunto incerta.
– Sim, vamos colocar tudo em pratos limpos.
Sinto-me tensa quando Lucy entra com o rosto vermelho de chorar e parece surpresa por
me ver ali. E logo em seguida Daniel entra.
Eu me pergunto muitas vezes na hora que se segue, como é que eu me meti naquilo,
enquanto sou obrigada a repetir tudo o que disse a Taylor.
Até que finalmente ele pede que eu saia, ficando apenas com Lucy e Daniel na sala.
Hannah me para no corredor e pergunta o que está acontecendo, eu desconverso, indo pra
sala de Adam.
Ele parece não notar nada de estranho enquanto me passa alguns trabalhos.
Está quase na hora do almoço quando Hannah entra na sala. Adam tinha saído para uma
reunião com um cliente.
– Já ficou sabendo? Lucy foi demitida!
– Sério? – eu me sinto mal por ela.
De certa forma eu a entendo. Como culpá-la por se deslumbrar por Daniel?
Eu mesma já estive na mesma situação. E tudo acabou terrivelmente mal. Pobre Lucy.
– Você sabe o que aconteceu?
– Olha Hannah, acho que é melhor não ficar comentando sobre isto. Deve ter sido algum
problema relacionado ao trabalho. Eu realmente não posso ficar comentando.
Ela parece decepcionada, mas não insiste.
– É, melhor eu ficar na minha antes que sobre pra mim!
– É o melhor que faz mesmo – concordo.
– E aí, vamos almoçar?
– Vamos sim.
Eu pego minha bolsa e sigo Hannah para fora do prédio.
E, para minha surpresa, Lucy está ali me esperando.
– Ei Lucy, fiquei sabendo da sua demissão, que pena... – Hannah começa a dizer, para
abruptamente ao ver o olhar frio de Lucy.
– Anna, posso falar com você?
– Eu te espero no restaurante – Hannah diz rapidamente e se afasta.
Eu encaro Lucy.
– Lucy, eu sinto muito...
– Sente? Sente? Acha que eu acredito! É tudo culpa sua!
– Minha?
– Sim! Você me ferrou!
– A culpa não foi minha, eu só disse a verdade.
– Você queria se livrar de mim! Queria o Daniel pra você.
– Claro que não!
– Queria sim! Ou melhor, quer! Acha que não percebi? Você pode enganar os outros, a
mim não engana! Já saquei seu jogo! E Daniel está caindo, não é? Fica se fazendo de difícil, de
fria, e está deixando ele maluco! Eu vejo como ele olha pra você! Eu teria conseguido ficar com
ele se não você não tivesse aparecido!
– Lucy, está dizendo um monte de bobagens...
– Pode negar! Deve estar adorando eu te sido demitida.
– Você provocou sua demissão!
– Isto não vai ficar assim! Entendeu? Quando menos esperar, vai ouvir falar de mim de
novo!
Ela coloca os óculos escuros e se afasta rapidamente. Eu fico ali parada, chocada com seu
ataque, até que meu celular vibra com uma mensagem de Hannah perguntando se está tudo bem.
Me encaminho para o restaurante e consigo despistar Hannah e sua curiosidade, dizendo
que Lucy queria somente desabafar.
Quando voltamos para o escritório, Adam me espera e diz que eu devo passar a tarde com
Daniel, já que Lucy foi demitida.
Ele anda comigo até a sala.
– Nossa, eu fiquei surpreso com esta demissão da Lucy.
– Eu também – digo evasivamente.
– E você foi a salvadora da pátria, não é? Daniel me contou o que aconteceu e como Lucy
estava mentindo.
– Eu não fiz nada. Simplesmente contei a verdade.
– Você é uma moça incrível Anna, temos sorte de tê-la – ele diz me fitando intensamente
e eu desvio o olhar, vermelha.
Ele parece perceber minha tensão, pois desvia o olhar e sorri jovialmente.
– Hoje vamos todos num bar aqui perto, está convidada, claro.
– Eu não sei...
– Tem que ir, vai ser divertido beber e acabar bem o dia – ele insiste, e é neste momento
que Daniel entra na sala.
– Ei, Danny – Adam sorri – estava ajudando a Anna a entender alguns processos...
– Certo, pode deixar comigo agora – é impressão minha ou ele parece um tanto
possessivo?
Como é?
– Claro. Eu vou pra minha sala – Adam responde se afastando, antes de sair, ele se vira. –
Podemos contar com você, não é Anna?
Eu sorrio para ele.
– Pode sim – Daniel que fosse pro inferno.
– Contar com o quê? – Daniel olha de um pro outro, confuso.
– Não leu o e-mail? Um pessoal do escritório vai fazer um Happy Hour hoje num bar
aqui perto. Você vai?
– Claro.
Já começo a me arrepender de ter aceitado o convite, quando Adam acena e se vai, alheio
à minha tensão.
– Nos vemos mais tarde!
Então ficamos sozinhos.
Eu, Daniel e a tensão que pode ser cortada com uma faca.
Finjo estar ocupada com os papéis na minha frente.
Sinto Daniel hesitando e mal respiro, até que ele finalmente vai pra sua sala.
Meu alívio dura pouco.
Não demora para o telefone tocar.
– Annalise Nicholls? – atendo. Um sexto sentido me alerta.
– Pode vir a minha sala, por favor?
Eu fecho os olhos e quase gemo em desalento.
Ele desliga não me dando chance de encontrar uma desculpa para fugir do confronto
anunciado.
Parece que chegou a hora da verdade.
Enquanto caminho até sua sala, por mais que odeie ter que me confrontar com o passado,
eu sei que aquele momento era inevitável.
E não foi por isto que eu decidi ficar? Para enfrentar meus demônios de frente?
Eu paro e o encaro quase hesitante.
– Por favor, feche a porta.
Eu faço o que ele pediu e me aproximo.
– Sim?
– Sente-se, por favor.
– Estou bem de pé.
Ele respira fundo.
– Até quando vamos fingir que não nos conhecemos?
– Como assim?
– Anna, chega de joguinhos. Devo dizer que foi um choque ver que era você a nova
estagiária. E acho que foi um choque pra você também.
Eu não digo nada. Não vou dar a ele o gosto de saber que eu fiquei apavorada quando o
vi.
– Bom, provavelmente você não sabia que eu trabalhava aqui, senão teria passado bem
longe, concorda?
– Eu não te culparia, claro, se resolvesse fugir correndo para bem longe de mim, afinal,
foi o que fez há oito anos.
Continuo impassível como um bloco de gelo. Se eu abrir a boca, talvez vomite em cima
dele.
Daniel passa a mão pelos cabelos parecendo exasperado. Não me abalo com isto.
Pelo contrário. Há um pequeno regozijo em mim.
– É assim que você quer? Quer agir como se fôssemos estranhos e pronto?
– Não somos estranhos. Trabalhamos no mesmo escritório.
– Nos conhecemos há oito anos. Ou vai negar? E, por favor, responda antes que eu vá até
aí e a obrigue a falar!
– Sim, nos conhecemos há oito anos. E não nos vemos há oito anos.
– E sobre o que aconteceu? Está disposta a falar? – ele se inclina pra frente, a voz agora é
um sussurro suave.
Eu fecho os olhos, fugindo do seu olhar. Da sua voz.
Das malditas lembranças.
Isto me enche de dor e raiva.
– Anna...
Eu abro os olhos e o vejo fazendo menção de vir até mim.
E quando eu o encaro, desta vez estou transbordando de sentimentos ruins.
– Fique onde está. Não se aproxime de mim. E não ponha suas mãos em mim como fez
hoje, não se quiser que eu me arrependa de ter te defendido hoje cedo.
– Vai me acusar de assédio também?
– Está me assediando?
– Não, claro que não. Eu não assedio funcionárias.
– Esqueci que sua preferência são as adolescentes – afirmo ironicamente.
Ele solta um palavrão, irritado.
– Eu sinto muito.
Ele está pedindo desculpas?
Ele acredita que vai adiantar alguma coisa pedir desculpas?
– Acredita realmente que um pedido de desculpas resolve alguma coisa? – pergunto com
um nó fechando minha garganta.
Estou começando a desmoronar. A me desintegrar.
Preciso sair dali.
– Anna, eu...
Eu o paro com um gesto de mão.
– Não. – respiro fundo algumas vezes mirando o chão, buscando de novo a força dentro
de mim para me manter impassível quando estou morrendo por dentro. – Não quero explicações.
Não quero desculpas. Nada vai mudar o que aconteceu. Sim, eu não fazia ideia que você
trabalhava aqui. E sim, eu teria fugido para o outro lado do país se fosse preciso para não ter que
olhar pra você. Mas eu estou aqui agora. E eu quero este emprego. E decidi que não vou embora.
Se eu tenho que conviver com você, que seja. Eu posso fingir que tudo aquilo não aconteceu. Eu
passei todo este tempo fingindo. Você não vai atrapalhar minha vida. Não tem o poder de me
destruir de novo. Porque agora você não é nada. Nada além do meu empregador.
Um silêncio opressivo recai sobre a sala enquanto as minhas palavras pairam sobre nós.
– Sim, tem razão – ele diz finalmente. – Você é apenas minha estagiária. Eu não vou
importuná-la mais com qualquer assunto referente ao que aconteceu, passado é passado. Claro
que você também é livre para decidir se quer mesmo continuar trabalhando aqui.
– Eu já disse que pretendo manter este estágio – reafirmo, apesar de uma vozinha
apavorada estar gritando dentro de mim pra fugir dali enquanto é tempo.
– Certo. É uma escolha sua – ele remexe nos papéis da mesa. – Pode ir.
Eu quase respiro aliviada quando me viro pra sair, então ele me chama.
– Anna?
– Sim.
– Por que me defendeu em relação a Lucy? Podia ser perfeito para você se vingar de
mim.
– Talvez eu não ache que valha a pena perder meu tempo me vingando de você. Ou
talvez eu ache que um simples caso de assédio seja pouco para pagar o que fez...
E sem mais, eu saio da sala fechando a porta atrás de mim.
Caminho calmamente até minha mesa e me sento, começando a trabalhar freneticamente.
Minhas mãos sobre o teclado estão trêmulas. Meu corpo inteiro está doendo, assim como
minha alma.
No entanto, há uma parte de mim que se sente bem. Se sente forte por estar enfrentando
meus maiores pesadelos.
Mas eu sei que venci apenas um round contra eles.
A guerra ainda será longa e árdua.
Eu estou no banheiro, me preparando para ir embora quando Hannah entra toda animada.
– E aí, pronta?
– Pronta?
– Esqueceu? Vamos beber!
– Ah, isto – penso numa desculpa que seria convincente, rapidamente desisto.
Por que eu não deveria ir?
São meus colegas de trabalho e eu tenho tanto direito quanto Daniel, de sair para me
divertir com eles.
E, talvez se eu tiver sorte, ele tenha desistido de ir.
– Claro! Estou mesmo precisando beber – digo, começando a me maquiar.
Hannah ri.
– Sim, vamos nos divertir! Quer usar este batom?
Algum tempo depois rumamos para o elevador junto com outras garotas do escritório e
encontramos Adam e outros colegas.
Eu ignoro a presença de Daniel entre eles.
Seguimos a pé para o tal bar que fica realmente na esquina e entramos, o grupo de
advogados fazendo grande barulho.
“Casualmente”, eu escolho um lugar bem longe de Daniel, rodeada por Hannah e outras
garotas. As rodadas de bebidas começam e eu relanceio o olhar para ver que Daniel bebe um
copo atrás do outro como se fosse água.
Sempre que percebo que estou olhando demais pra ele, desvio o olhar e tento me divertir,
rindo e conversando com todo mundo.
Eu preciso disto. Preciso de álcool pra amortecer minha mente desgastada com toda a
tensão que venho acumulando naqueles dias.
Enquanto bebo, rio e converso, sinto o olhar dele sobre mim. Me queimando mais que a
bebida que desce por minha garganta.
E já não sei se a leve tontura que sinto é do álcool ou de seu olhar.
Em determinado momento, Daniel atende o celular.
– Violet! Violet – sua voz sai enrolada.
Ele já está completamente bêbado.
E está falando com sua irmã ao telefone.
–Violet, preciso desligar, beijos.
Ele desliga e joga o celular no bolso, virando mais uma dose.
Então ele me flagra o observando e ri, acenando pra mim.
Como se fôssemos velhos amigos numa mesa de bar.
Nós não somos amigos. Não somos nada.
– Ei Anna, vamos dançar! – Hannah me chama e eu a acompanho até onde uma banda
toca.
A música é boa e eu já estou alta, então é quase fácil fechar os olhos e seguir o ritmo,
esquecendo de tudo.
Alguns rapazes se juntam a nós e não me importo, rio e flerto com eles.
O tempo inteiro eu sei que alguém me observa.
E é justamente por causa desta pessoa que não consigo relaxar quando um dos caras me
prende pela cintura, sussurrando que gostaria de me beijar.
Eu me sinto travar na mesma hora e me afasto, murmurando uma desculpa qualquer e
volto pra mesa.
Não há qualquer diversão pra mim naquele momento.
Eu me sinto horrível. Velha e cansada.
Amarga e sem vida.
Em que tipo de pessoa eu havia me transformado?
Eu pego um copo de whisky abandonado ali e o tomo, o líquido forte fazendo minha
garganta e olhos arderem. Alguém ri e eu disfarço as lágrimas nos meus olhos com a ardência
pela bebida.
Ninguém faz ideia de quem eu sou. Do que estou sentindo.
Eu sou uma fraude.
– Cadê o Daniel? – alguém pergunta.
– Foi embora. Ele estava travado – Adam diz rindo e não está muito diferente.
Noto que ele e Hannah estão sentados bem próximos agora e ela sussurra algo em seu
ouvido.
– Acho que eu já vou também – ele diz e no fim todo mundo acaba se levantando e indo
pagar a conta.
Eu me sinto aliviada por ir embora.
Quero ir pra casa. Me trancar no quarto escuro e chorar.
Todos se despedem na calçada. Adam e Hannah sumiram de vista. Um dos advogados
pergunta se quero uma carona.
– Não, eu vou esperar um táxi – digo e ele não insiste.
Eu estou sozinha, na rua fria, quando de repente escuto passos vacilantes e, ao me virar
para a porta do bar, vejo Daniel.
– Daniel, o que faz aqui? Não tinha ido embora?
Ele ri, passando a mão pelos cabelos e se encostando na parede.
– Eu devo estar muito bêbado ou no paraíso para ver duas de você.
– O que está dizendo? – eu me aproximo.
Daniel está tão bêbado que mal consegue ficar de pé.
– Tão linda... – ele sussurra de repente e toca meu rosto.
Eu o afasto com um safanão.
– Deus, você está caindo de bêbado!
Ele ri ainda mais.
– Sim, estou...
– Mas que inferno hein? Eu devia te deixar aqui para os cachorros lamberem sua boca! –
digo irritada e, mesmo sabendo que vou me arrepender, o coloco dentro de um táxi.
Sete anos antes
Eu caminho pela marina com o vento batendo em meu rosto me sinto em paz.
O tempo inteiro que estive fora, eu sempre imaginava como seria voltar para Olímpia.
Nos primeiros meses eu sentia um misto de saudade e alívio, permeados sempre com a dor
contínua que era minha companheira.
Eu acordava todos os dias, estudava e seguia com a minha vida. Mas à noite, quando
fechava os olhos, eles vinham. Os pesadelos. As recordações.
E eu acordava com aquela sensação de que meu sofrimento nunca teria fim.
– Não acho justo que tenha voltado pra ficar tão pouco tempo – Tyler diz.
Eu me viro pra ele sorrindo.
– Eu estou aqui há quase um mês!
– Depois de ficar um ano fora? Michael está arrasado.
– Michael? – eu levanto a sobrancelha e desta vez nós dois rimos.
– Ok, eu também.
E alguma coisa no jeito que ele diz isto, me olhando intensamente, me deixa incomodada.
E agora não é apenas porque aquele é Tyler, meu amigo mais antigo.
É a reação que eu tenho quando qualquer garoto me olha daquele jeito. Querendo algo
de mim que eu não sou mais capaz de dar.
Tyler toca meu rosto.
Eu me esquivo.
– Ann, me desculpe - ele diz depois de um momento de silêncio tenso.
– Não, tudo bem, é só...
– É que... Eu amo você, sabe disto, não é?
– Tyler... – eu sinto meu coração afundando.
Se antes eu estava fora do alcance de Tyler, agora eu estou fora do alcance de qualquer
um.
Daniel Beaumont tinha me traumatizado.
– Não, escuta – ele insiste. – Eu sempre vou amar você. É minha melhor amiga. Como eu
já falei pra você, eu entendo perfeitamente que não se sinta atraída a ter nada além de amizade
comigo. E nunca iria te forçar a nada. Você é uma garota incrível e linda. E eu sou apenas um
cara que escorrega às vezes. – Ele faz uma cara engraçada de culpado arrancando um sorriso
triste do meu rosto.
– Você precisa de uma namorada.
– Eu tive algumas... Até agora nenhuma é igual a você.
– Você me idealizou. Não sou esta pessoa perfeita que pensa. Eu estou quebrada, Tyler.
– Isto não está certo. Por acaso você namorou alguém neste tempo que esteve fora?
Eu sacudo a cabeça negativamente.
Como eu poderia? Eu havia feito algumas amizades superficiais na escola e alguns
garotos tentaram se aproximar de mim.
Mas eu estava blindada contra qualquer paixão.
– Sabe que não pode viver assim pra sempre, não é? Mesmo que não seja eu... Uma hora
vai ter que abrir seu coração pra alguém, Anna. Pense nisto.
Capítulo cinco
****************
O sábado amanhece quente e ensolarado e Fiona está cheia de sorrisinhos maliciosos pra
mim enquanto espero Adam.
– Fiona, pare com isto.
– O quê? Não falei nada.
– Você sabe muito bem! Eu já falei que Adam e eu somos apenas amigos.
– Muitas histórias de amor começam assim, da amizade...
– Não vai começar nenhuma história de amor aqui, não viaja.
– Por que não?
– Porque ele é meu chefe, pra começar.
– E daí? Não vai ser pra sempre. Você mesmo disse que está indo super bem, com certeza
logo será efetivada.
– Pode demorar muito ainda.
– Vocês podem namorar escondido, é até mais gostoso!
– Fiona, para de fantasiar. Eu gosto do Adam, ele é ótimo, mas nada vai rolar.
Ela fica séria.
– É por causa do Daniel, não é?
– Claro que não - eu desvio o olhar.
Eu havia contado a Fiona sobre a noite com Daniel e ela concordara comigo de que eu
devia esquecer.
– Eu acho que é por ele sim. Talvez aquela noite...
– Aquela noite foi um erro.
– Mas aconteceu. E se aconteceu é porque alguma coisa você sente...
– Foi sexo. Apenas sexo. Não quer dizer nada. Eu ainda odeio o Daniel e ponto final.
– Odeia? Eu achei que agora trabalhando com ele, não estava mais com tanta raiva.
– Eu só o suporto. Não tenho como esquecer o passado, Fiona. Acha que eu já não tentei?
Eu queria muito dizer que não o odeio. Queria desprezá-lo, queria não sentir nada. Infelizmente
não é assim. Eu passo a maior parte do tempo tentando fingir que ele não é nada. E, às vezes,
quase me convenço que consegui. Então a noite, os pesadelos vêm para me lembrar, o quanto ele
me enganou, o quanto eu fui idiota por ter me apaixonado e dado tudo de mim a ele. Para nada!
Estou sem fôlego quando termino minha confissão.
Fiona me encara com pesar.
– Eu sinto muito, Anna. Eu achei que... tivesse melhorado.
– Quem dera – eu respiro fundo me levantando e pegando minha bolsa. – Vou descer e
esperar lá embaixo.
Eu já não sinto a menor vontade de sair com Adam agora, porém o que posso fazer?
– Tudo bem. Tente se divertir pelo menos, tá?
Eu sorrio para tranquilizá-la e saio.
E eu realmente consigo me divertir, jogando para o fundo da mente meus ressentimentos
por Daniel, até que Adam para o carro em frente ao Space Needle.
Eu congelo.
Achei que hoje seria um bom dia para almoçarmos aqui! – ele diz, já saindo do carro.
Eu tento encontrar uma desculpa para não ficar, como não encontro nenhuma, sou
obrigada a segui-lo.
– Tudo bem? – ele pergunta quando entramos no restaurante giratório.
Eu estou com vontade de chorar.
As lembranças se amontoando dentro de mim como caixas velhas e sem uso, contendo as
memórias mais especiais.
Agora eu sei que não havia nada de especial. Que eram somente mentiras.
Naquele dia com Daniel, eu não sabia.
E dói demais pensar nisto.
– Estou com uma dor de cabeça chata.
-– Nossa, quer ir embora?
– Não, tudo bem. Vamos comer primeiro. Depois prefiro ir pra casa.
Nós almoçamos calmamente e eu tento relaxar e sorrir, sem muito sucesso. Pelo menos
eu posso atribuir meu mau humor a tal dor de cabeça, e Adam não contesta quando peço pra ir
embora.
Ele me deixa em casa e eu me tranco no quarto, aliviada por Fiona não estar em casa.
Quero ficar sozinha com minha dor.
Até quando o que Daniel tinha feito iria atrapalhar e estragar tudo na minha vida?
cinco anos antes
***************
Eu chego em casa à noite e finjo para Fiona que está tudo bem, porém minha capacidade
de sorrir e mentir está bem abalada hoje e, murmurando uma desculpa sobre estar cansada, vou
dormir mais cedo.
E sou atormentada por pesadelos.
Pesadelos que me fazem acordar com o estômago embrulhado e vontade de vomitar.
E Fiona me encontra caída no banheiro nas primeiras horas da manhã, me obrigando a ir
a um hospital, onde passo a manhã tomando soro e sentindo pena de mim mesma por ser tão
idiota.
– Vai me contar o que está acontecendo? – Fiona pergunta quando voltamos pra casa.
– Estou doente.
Ela sorri.
– Há um motivo para estar mal. Escutei você gritar, Anna. Achei que não tivesse mais
estes pesadelos...
Eu dou de ombros.
– Eles voltaram junto com Daniel Beaumont.
– Ah. Por que não me surpreendo?
Abraço meu próprio corpo, olhando fixamente para o chão.
– Acho que não vou conseguir, Fiona – murmuro. – Eu pensei que conseguiria, mas...
Não está dando.
Fiona senta ao meu lado.
– Então larga este emprego. Você pode conseguir outro.
Eu a encaro.
– Não quero ser fraca. Não quero ser aquela Anna que foge e se esconde.
– Não há vergonha nenhuma em voltar atrás. Esta tensão constante está acabando com
você.
– Estou cansada de deixar ele me vencer. – Eu odeio o tremor na minha voz e as lágrimas
nos meus olhos.
– Você ainda o odeia tanto assim?
Eu engulo o nó grosso em minha garganta.
– Eu vou dormir – me levanto sem responder.
Como posso dizer a Fiona o que não confesso a mim mesma: que seria bem mais fácil se
todos meus problemas com Daniel fossem somente ódio.
Eu acordo no começo da noite e tomo um banho quente. Me sinto um pouco melhor.
Ligo para Tyler e é bom jogar conversa fora com meu melhor amigo. Embora o tempo
inteiro eu me segure para não começar a chorar feito uma criança e pedir que ele venha me
buscar.
Me salvar dos terríveis Beaumont, como fez da outra vez.
Eu resisto bravamente. Ainda não estou certa de que fugir é a melhor saída.
Tampouco sei se terei forças para ficar.
Escuto a voz de Fiona conversando com alguém na sala quando desligo o telefone e me
levanto indo até lá, curiosa.
E estaco ao ver que quem está ali é Daniel Beaumont.
– Oi, Anna.
Eu sinto toda minha frágil tranquilidade desmoronar ao vê-lo ali.
O que Daniel está fazendo na minha casa? Eu olho pra Fiona e ela dá de ombros com um
olhar de “também não faço ideia”.
– O que faz aqui? – pergunto na defensiva.
– Ele trouxe o jantar – Fiona diz como se isto explicasse tudo.
O quê?
– Eu queria saber se estava bem. Me disseram que estava doente e sem comer – ele
explica.
– Eu estou bem.
– Não parece.
Mordo os lábios, desviando o olhar. Por que diabos ele tem o poder de me desarmar deste
jeito? Como eu posso ter ódio quando ele me encara com um olhar que parece conter
preocupação verdadeira comigo?
Mais mentiras? Mais enganação?
Com qual intuito?
– É... entre Daniel – Fiona diz por fim e ele entra na nossa sala, olhando em volta.
– Bonito lugar – diz educadamente e Fiona sorri satisfeita.
– Eu também gosto.
Um silêncio embaraçoso recai sobre nós. Avalio as minhas alternativas de fuga.
Ao mesmo tempo em que uma curiosidade mórbida se instala dentro de mim. O que
Daniel queria afinal?
– Bom, me dê isto. – Fiona pega a sacola da sua mão. – Será que precisa esquentar?
– Acho que não. Eu acabei de pegar – ele me encara. – Espero que goste de sopa.
– Eu não consigo comer nada.
– Mas precisa tentar. – Fiona diz, pegando um prato e colocando em cima do balcão da
cozinha.
Me arrasto até o sofá, revirando os olhos. Sei que estou agindo como uma criança
birrenta, não me importo.
– Por que não se senta, Daniel? – Fiona diz educadamente.
E eu tenho vontade de dar uns tapas nela. De que lado ela está, afinal?
– O que aconteceu com você? – Daniel pergunta com um olhar incisivo.
– Eu liguei avisando.
– Sim, Hannah me falou que ia faltar porque não estava se sentindo bem.
– Está aí sua resposta.
– Eu liguei à tarde, Fiona me falou que foi ao médico, o que ele disse?
– Por que quer saber?
– É tão difícil assim acreditar que me preocupo com você?
Ele estava brincando, né?
– Você trabalha pra mim, Anna. Claro que eu me preocupo – ele continua.
– Vai até a casa de todas suas estagiárias levar sopinha quente? Fazia isto com a Lucy
também? – eu sei que não deveria estar atacando. Não era uma boa estratégia. Mas não consigo
me conter.
– Sabe que não.
– Então talvez seja melhor ir embora.
– Não quero que pense que é alguma coisa imprópria.
– Está preocupado com isto? Agora? – digo, cheia de sarcasmo, e ele sabe que eu não
estou me referindo a agora e sim à sua confissão no escritório ontem.
E no mesmo momento eu me arrependo de trazer este assunto à tona.
Daniel recua por um momento, parecendo analisar o que vai dizer em seguida.
– Nós precisamos conversar.
Eu desvio o olhar.
– Anna, venha comer – Fiona aparece me puxando pelas mãos.
Eu me sento a contragosto no balcão que divide a cozinha da sala e começo a comer.
E, para minha grata surpresa, a sopa está deliciosa.
– Acho que ela gostou. – Fiona diz satisfeita.
– Cala boca, Fiona – resmungo baixo.
– Eu experimentei e está ótima, Daniel. – Fiona diz. - Onde comprou?
– Eu pedi para minha mãe fazer.
Eu paro de comer na hora, surpresa.
Eu estava comendo a sopa feita pela mãe de Daniel? O quão bizarro isto poderia ser?
– Ela sempre fazia quando eu estava doente.
– Você disse pra sua mãe que era pra mim? – indago, sem me voltar.
– Disse que era pra minha estagiária.
Ah, então os Beaumont não sabem de mim.
Ainda.
O telefone toca de repente e Fiona atende.
– Alô? Oi.... – ela morde os lábios nervosamente abaixando a voz. – Não, ela está bem
agora...
– Fiona, quem é? – pergunto desconfiada.
Fiona tapa o fone e olha pra Daniel e depois pra mim.
– Você sabe... Devia atender.
Claro. Só podia ser uma pessoa.
Minha mãe.
Hoje definitivamente eu não estou nem um pouco a fim de falar com ela.
Na verdade, eu não atendi suas ligações a semana inteira.
– Não.
– Anna, por favor.
– Pode desligar, Fiona.
Irritada, paro de comer e saio da sala, me refugiando na varanda.
Mil vezes inferno!
Como se não bastassem meus problemas com Daniel, ainda tenho que pensar na minha
mãe.
Em minha doente e frágil mãe. Enxugo as lágrimas doídas que caem por meu rosto.
Eu sinto falta dela. Uma falta terrível.
Uma falta que já dura quase oito anos. Desde que ela ficou do lado do Tom.
Não é só o que os Beaumont me fizeram que me machuca até hoje. A traição da minha
mãe ainda dói do mesmo jeito.
A porta de vidro da varanda se abre e eu sinto a presença de Daniel atrás de mim.
– Devia ir embora.
A cidade fervilha ao nosso redor e, ao longe, eu consigo ver o Space Needle.
Uma dorzinha aperta meu peito.
– Por que não fala com a sua mãe?
– Não é da sua conta. Não vou conversar sobre isso com você.
– Mas, eu quero falar com você.
– Eu não quero.
– Quero me desculpar pelas acusações que te fiz na minha sala ontem.
– Já pediu, agora pode ir.
– Então me perdoa?
Eu o encaro.
– Acha que merece perdão? – minha voz está perigosamente cheia de rancor.
Rancor antigo.
– Não – ele responde por fim.
Ele sabe que não estamos falando apenas do que aconteceu na sua sala ontem.
Assim como eu sei que estou entrando em terreno proibido e mesmo assim, não consigo
recuar.
De repente seu celular vibra e ele o pega, irritado.
O nome de Violet aparece no visor e eu desvio o olhar com uma expressão enojada.
Ele desliga sem atender.
– Me diz uma coisa Daniel, sua irmã consegue dormir tranquila depois do que fez? –
indago, sem conseguir me conter.
Os anos passaram, e eu ainda não consigo entender como Daniel foi capaz de fazer o que
fez comigo só porque sua querida irmã pediu.
Que tipo de poder ela exercia sobre ele a ponto de fazê-lo participar daquela vendetta
absurda?
Eu até entendo Violet Beaumont. Entendo seu ódio. O rancor por ter sido enganada e
humilhada. Eu mesma não o sentia em toda sua força?
Aquela vontade insidiosa e quase insana de infligir dor àquele que fora nosso algoz?
Só que eu não era a responsável e nem tinha nada a ver com sua dor.
Eu era inocente.
– Violet não tem nada a ver com o fato de eu estar aqui agora.
– E você, dorme tranquilo? A vingança valeu a pena? – as palavras voam pela minha
boca sem controle.
Eu quase não consigo respirar tamanha é a dor no meu peito.
– Achei que não quisesse falar disto.
Ah claro. Ele está recuando. Não quer ser confrontado.
Que covarde!
Luto contra o veneno dentro de mim. Que corrói e me enche de sentimentos ruins.
Me sinto quase sufocar.
Se Daniel fosse esperto, ele daria o fora dali. Naquele momento eu entendo perfeitamente
as pessoas que comentem crimes passionais.
– Então por que está aqui? Acha que pode entrar na minha vida de novo e que eu serei
fácil como antes?
Lá está. Finalmente o assunto que paira entre nós desde que nos reencontramos.
– Você acha que eu sou aquela garota, que abria as pernas só com um olhar seu? Porque
se é o que você pensa, se é este o motivo para estar aqui, pode sumir!
– Não é o que eu penso de você...
– Então o que quis dizer na sua sala ontem?
– Eu disse que queria você. Porque é verdade. Eu queria realmente que fosse diferente,
mas não consigo mais lutar contra meus sentimentos. Eu não tenho mais forças para ficar longe
de você.
Não. Não. Não.
De novo não.
Ele não está dizendo aquilo de novo.
Toda aquela bobagem sobre querer e precisar...
Não é verdade. Ele está mentindo. Como mentiu há oito anos.
E eu quero agredi-lo, pedir que pare, mas não consigo respirar, quanto mais me mover.
Porque eu faço a bobagem de encarar seus olhos. E o que vejo me deixa sem fôlego.
Eu vejo verdade. Eu vejo nós dois oito anos atrás. Eu me vejo há oito anos. Acreditando,
ansiando. Desejando.
É como se o tempo tivesse parado e depois voltado.
E cá estamos nós. Tão perto. Sua respiração em mim.
Fecho os olhos, tentando impedir aquela conexão. É muito tarde.
As lembranças já estão agindo sobre meu corpo traiçoeiro. E de novo eu sou aquela
garota que anseia por ele como o ar que respira.
Tão perto...
O beijo paira entre nós como uma entidade viva enquanto meu coração dispara no peito.
Vivo.
Vivo como há oito anos.
Não, não como há oito anos. E sim como naquela madrugada no chuveiro...
Eu abro os olhos assustada e ele me encara daquele jeito que me lembro bem. Daquele
jeito que faz meus joelhos tremerem e meu corpo esquentar e implorar.
Uma excitação dolorida apunhala meu ventre.
Uma rajada mais forte de vento joga seus cabelos em sua direção.
Ele fecha os olhos e aspira.
Me respira.
E, naquela fração de segundo, eu finalmente entendo que é verdade, Daniel Beaumont
realmente me deseja, independentemente do passado ou do futuro.
Aquele momento é real.
E eu sinto o mais puro terror. E a mais pura alegria.
“Está errado.”
Minha consciência grita em desespero dentro de mim e eu me retraio horrorizada, eu
estava quase cedendo.
De novo.
Me afasto dele, desviando o rosto e respirando rápido. Meus dedos seguram a grade com
força.
– Sei que não tenho direito de te pedir nada depois de tudo – ele diz por fim. – Eu só
gostaria que soubesse que eu quero você. Muito. Mas o primeiro passo é seu, Anna – eu o
encaro, incrédula. – Eu não posso mais ditar as regras. Eu não tenho mais este direito. E você
sabe por quê. Se algo voltar a acontecer entre nós, será porque você quer.
E, antes que possa me explicar exatamente o que quis dizer, ele abre a porta de vidro e
desaparece.
– Anna, está tudo bem? – Fiona aparece logo em seguida e eu passo por ela entrando na
sala.
– Não.
– Ai, Anna... Ele pareceu mesmo preocupado com você, se quer saber...
– Olha, Fiona, não quero mais falar sobre isto. Eu vou dormir.
– Tudo bem. Não vou insistir. Boa noite.
Eu vou para meu quarto e me escondo embaixo das cobertas.
Mas não durmo. Eu revivo várias vezes como as imagens de um flashback, o momento
com Daniel e suas últimas palavras.
E finalmente entendo.
Ele está deixando na minha mão o que vai rolar daqui pra frente.
Não vai rolar nada, não é?
Como Daniel pode achar que depois de tudo que fez eu posso cogitar algum futuro pra
nós?
Ele me traiu. Me usou. Me humilhou.
Eu ainda sofro e desconfio que vou sofrer pra sempre as consequências dos seus atos. E
ele ainda tem a coragem de chegar perto de mim e dizer que me quer. Como se eu ainda o
quisesse!
Então a madrugada no seu banheiro volta a minha mente. Oh Deus, a quem eu queria
enganar?
Oito anos haviam se passado. Eu o odiava por ter feito o que fez. E também ainda tremia
inteira com apenas um olhar.
E agora estava acordada a noite porque ele me acenara com... O quê?
Com possibilidades.
Possibilidades estas, que deixavam minha mente infestada de imagens de nós dois.
Imagens reais ou imaginárias. Mas sempre nós dois juntos.
E suas mãos em mim.
E ele dentro de mim.
Fecho os olhos com força tentando tirar aquelas imagens da minha mente.
Como posso querer ficar com Daniel de novo?
Como posso de novo? O cara que estragou toda minha vida amorosa até ali?
Quatro anos antes
– Eu realmente não estava a fim – Fiona aperta mais meus dedos enquanto me guia para
dentro do ambiente esfumaçado da festa da fraternidade do seu namorado.
– Relaxa, Anna. Está segura comigo! – ela sorri largando meus dedos quando Brian lhe
passa duas cervejas e ela coloca uma nas minhas mãos frias.
Eu suspiro e dou um gole. Não é tão mau.
Olho em volta, enquanto Fiona e Brian começam uma sessão de amassos.
Tinha sido uma feliz coincidência encontrar Fiona em New Haven há alguns meses.
Depois do encontro desastroso com Joshua, eu queria nunca mais pôr os olhos em ninguém de
Seattle. Então, quando uma voz conhecida me chamou na rua há três meses, tive vontade de
correr, ou então dizer com um sorriso amarelo que ela estava me confundindo com outra
pessoa.
Fiona se aproximara com seu sorriso fácil e suas palavras surpresas: “Uau, é você
mesma, que saudade!”, me abraçou forte.
E aí me disse que estava na cidade para encontrar seu namorado que estudava
administração em Yale e me convidou para jantar com ela e colocar as novidades em dia.
Nenhum comentário sobre o escândalo com os Beaumont..
E eu acabei aceitando. E éramos amigas de novo desde então.
Obviamente um dia, depois de algumas semanas de convivência, ela me indagou com um
olhar envergonhado e cuidadoso, se eu estava realmente bem com tudo.
E com tudo, ela queria dizer a humilhação de anos atrás.
Eu havia me aberto um pouco com ela. Foi bom poder verbalizar sobre o que aconteceu
com alguém meio imparcial. Ela apenas me escutara e apoiara.
E assim eu soube que sempre poderia contar com Fiona.
Ela passava quase todos os fins de semana em New Haven com o namorado e sempre me
convidava para sair, embora eu declinasse a maioria das vezes, para não atrapalhá-los.
E hoje, ela tinha me convencido a vir nesta festa.
Eu suspiro, sem saber o que fazer. Fiona tinha passado quase um mês sem aparecer e
provavelmente estava matando a saudade de Brian e eu realmente não queria desapontá-la
dizendo que ia embora ou mesmo atrapalhar seu momento com o namorado para ficar me
pajeando. Eu círculo pela festa, ainda meio acanhada e sem conhecer ninguém, até que alguém
cutuca meus ombros e eu me viro.
Um cara está na minha frente. E ele me oferece uma garrafa de cerveja.
Eu deixara a minha já quente em alguém lugar que nem me lembrava.
– É, eu...
– Vamos, pega uma. Não vai ficar de mãos vazias na minha festa – ele sorri.
– Obrigada – eu sorrio de volta, pegando a cerveja de suas mãos.
Ele oferece a dele pra um brinde.
– Você veio com o Brian, não é?
– Sim, sou amiga da namorada dele.
– Deve ser a Anna.
Eu franzo a testa.
– Como sabe?
Ele sorri.
– Fiona me falou de você.
Eu gemo, ficando vermelha.
O cara parece se divertir com meu desconforto.
– Sim, ela disse que ia nos apresentar. Segundo ela, você era linda e nos daríamos muito
bem.
– Ai, que vergonha! – exclamo mortificada. Eu ia matar a Fiona.
– E ela não mentiu sobre você ser linda nem ao dizer que era tímida.
– Eu não... Olha... Não sei o que a Fiona te disse, eu realmente não...
– Ei, calma... Está tudo bem. Não queria deixar você sem graça – ele estendeu a mão. –
Certo, vamos começar de novo. Meu nome é Benjamin.
Eu seguro sua mão, ainda me sentindo uma idiota.
– E não precisa ficar toda vermelha e com este olhar de quem vai fugir a qualquer
momento. Eu não mordo.
Respiro fundo, tentando me acalmar. Sim, eu estava sendo uma idiota. Ele era apenas um
cara. Que parecia ser bem legal. E era amigo da Fiona.
– E aí, o que está estudando?
– Vou começar Direito no próximo verão.
– Uau. Muito ambicioso. Pai advogado?
– Não, pai dono de loja de artigos de pesca!.
Ele ri.
– E você, o que estuda?
– Último ano de Direito.
– Ah... E deixa eu adivinhar: pai advogado.
– Me pegou.
De repente uma música agitada começa a tocar.
Benjamin tira a cerveja da minha mão e coloca numa mesa.
– Vem, vamos dançar.
– Não, eu não danço!
Ele me arrasta pro meio da sala e me obriga a dançar.
Fiona se une a nós e me abraça por um momento.
– E aí, ele é gatinho não acha?
– Fiona, eu poderia te matar!
– Relaxa, Anna! Ele é muito legal! E acho que gostou de você!
– Eu não...
– Apenas se divirta e deixe rolar. Te juro que ele não vai forçar nada, mesmo porque
sabe que eu o mataria depois! Se no fim quiser que sejam somente amigos, ele vai aceitar.
Então Brian a puxa e eu me vejo nos braços de Benjamin. Ele sorri e me gira pela sala
num movimento engraçado e eu me pego rindo.
E realmente me divertindo.
Minha cabeça está leve de cerveja e eu me deixo levar.
E pela primeira vez em muito tempo, me sinto jovem de novo.
Com todas as possibilidades que isto implica. Dançar, beber e rir com meus amigos
como qualquer garota.
E durante aquela noite, eu me permito realmente ser como qualquer garota e, quando
Benjamin me beija, fecho os olhos e empurro o medo para o fundo da mente.
Aquele cara comigo não é Daniel Beaumont.
Ele é alguém novo e diferente.
E nós temos um mundo de possibilidades a nossa frente.
Capítulo sete
***************
Eu almoço com Hannah naquele dia e passo a tarde com Adam, evitando assim a
companhia de Daniel. Obviamente sei que não estarei livre para sempre, por isto, antes de voltar
pra sala, passo na recepção e convido Hannah para ir ao cinema. O que ela prontamente aceita.
– Combinado então, eu vou só pegar uns documentos com o Adam.
– Certo, eu te espero na sua sala.
Eu pego os documentos e volto pra sala vendo Daniel me esperando ali.
Assim como Hannah.
– Oi, Daniel – Hannah sorri. – Estou esperando a Anna.
Eu passo por eles pegando meu casaco e bolsa. Posso sentir a consternação de Daniel.
– Sim, percebo – resmunga irritado. – Se não se importa, preciso dar uma palavra com
Anna na minha sala antes de ela ir embora.
– Desculpa, Daniel. Eu e a Hannah vamos ao cinema e a sessão começa em vinte
minutos. Pode ser amanhã?
– Claro, sem problemas – ele responde friamente, com certeza percebendo minha
manobra, não me importo. – Não quero atrapalhar o cinema de vocês. O que vão assistir?
Hannah fala o nome do filme.
– Parece ser bom, acho que vou querer ver também.
– Sim, por que não vem com a gente? – Hannah diz animada e eu arregalo os olhos,
horrorizada. – A gente vai ao cinema que fica na rua de trás, nem precisa pegar o carro.
– Sim, por que não? – Daniel responde com uma animação fingida e eu tenho vontade de
bater nele. E em Hannah. – Me esperem no saguão, vou só pegar meu casaco.
Eu encaro Hannah, furiosa.
– O que foi? – ela pergunta com falsa inocência enquanto entramos no elevador.
– Por que o convidou?
– Oras, ele disse que queria ver o filme.
– Você fez de propósito.
– Com certeza. Não vejo problemas de Daniel ir com a gente. Ele é legal e é só um filme,
Anna, relaxa.
Eu reviro os olhos, ainda irritada. Hannah não faz ideia de onde está me metendo.
– Prontas? – Daniel aparece todo solicito e dá o braço para Hannah.
Eu hesito quando ele me oferece o outro, uma vontade imensa de dar um safanão e
mandá-lo ir pro inferno. Me contenho e acabo segurando seu braço, assim como Hannah.
Se alguém me dissesse que meu dia ia acabar desse jeito, eu teria rido histericamente.
– Você gosta de filmes dramáticos, Daniel? – Hannah questiona.
– Sim, eu gosto.
– Eu prefiro comédias. Porém Anna me convenceu a assistir este, disse que estava louca
pra ver e que não poderíamos perder.
– Ah é? Então gosta de drama, Anna? – ele pergunta.
– Quem não gosta – resmungo em resposta.
– Eu prefiro rir do que chorar – Hannah diz. – Hoje vou seguir a indicação de Anna,
quem sabe não vira um gênero interessante pra mim.
– Se quer ficar por dentro de filmes bons de drama, deveria ver “Ligações Perigosas”. –
Daniel diz com uma casualidade que está longe de ser verdadeira, e eu me afasto dele cheia de
horror.
Como ele ousava...?
– Do que trata este filme? – Hannah pergunta, alheia à nossa tensão.
– Esquece... Depois eu te falo – Daniel desconversa.
– Não, fala agora. Fiquei curiosa.
– É sobre dois nobres nojentos que jogam com a vida dos outros por vingança e diversão,
não importando quem vai sair magoado no final. – O som da minha voz surpreende a mim
mesma.
Agora estamos parados em frente ao cinema e Hannah ri.
– Nossa, você conhece este filme também?
– Infelizmente. Então, vamos logo comprar esta droga de ingresso? – continuo, andando
na frente deles até a bilheteria para acabar com aquele assunto.
Hannah me arrasta para o banheiro antes de o filme começar e pergunta se está tudo bem.
– Mais ou menos. – resmungo.
– Desculpa se foi má ideia convidar o Daniel pra vir com a gente. Eu achei que iam
gostar de se ver fora do escritório e...
– Olha, eu sei o que está pensando, Hannah. Mas não tem nada acontecendo entre mim e
Daniel.
– E aquele beijo no elevador foi o quê?
– Nada. Somente um erro estúpido que nunca mais vai acontecer.
– Se você diz...
Não respondo e nós voltamos para a sala sentando uma de cada lado de Daniel.
Infelizmente.
Eu mal consigo respirar ou pensar com ele do meu lado e fixo meus olhos na tela.
Quase dou um pulo de susto quando sinto uma mão pousando sobre minha perna.
Eu me viro e o encaro, indignada e furiosa. Ele está olhando para a tela como se nada
demais estivesse acontecendo.
Parece demais com o dia em que ele me tocou por debaixo da carteira há oito anos. E por
um momento estou tão perturbada que não faço nada, deixando sua mão sobre minha pele. O que
é um erro, pois ele claramente se aproveita e arrasta seus dedos pela minha pele coberta pela
meia de seda, subindo e se imiscuindo no interior da minha saia. E o arrepio de prazer que sinto
com este toque é tão grande que me faz acordar do estupor e afastar sua mão atrevida com um
safanão. Meu rosto queimando.
Meu coração explodindo. Meu corpo derretendo.
Sim, eu já não posso negar a mim mesma que o tesão que Daniel causa em mim ainda é o
mesmo de oito anos atrás.
Para meu horror e vergonha.
***************
Eu deveria estar dormindo, no entanto estou pensando no desastre que foi o meu dia.
Começando com meu momento de descontrole ao beijar Daniel no elevador e terminando
com a tenebrosa constatação de que eu me sentia atraída por ele.
Muito.
E como é que eu pude acreditar que conseguiria passar por aquela experiência de
trabalharmos juntos sem me envolver?
Eu fui uma idiota fraca há oito anos o que facilitou e muito o trabalhinho sujo dele pra
irmã vingativa.
Será que eu seria uma idiota fraca agora?
Eu não queria ser. Não queria deixar Daniel me vencer novamente.
Não era disto que se tratava todo meu esforço?
Fecho os olhos com força tentando afugentar meus pensamentos. Por hoje pelo menos,
mas sou surpreendida pelo som do telefone.
– Alô?
– Anna? – a voz de Daniel enche meu ouvido.
– O que você quer? – minha voz sai fria como gelo, contrastando com o calor que sinto.
– Por que me beijou e fugiu?
Direto ao ponto.
Eu respiro fundo pensando no que responder.
– Espero que não desligue na minha cara, se desligar irei até aí exigir respostas.
– Não pode exigir nada de mim. – murmuro.
– Eu quero apenas saber o que foi aquilo de manhã.
– Foi um erro.
– Erro foi fugir e não o beijo.
– Eu penso diferente.
– Eu quero te beijar de novo.
Mordo os lábios com força para não gemer.
– E não só te beijar. Sabe disto, não é, Anna? Está me deixando maluco e eu só consigo
pensar em...
– Chega, Daniel! – eu o corto antes que vá longe demais.
Como se já não estivéssemos longe o bastante.
– Você começou.
– Eu?!
– Sim, eu disse que a deixaria decidir, que o primeiro passo seria seu e você me beijou.
Nós começamos algo, Anna.
– Não começamos nada! Eu disse que foi um erro. E eu quero que esqueça.
– Não posso, sinto muito.
– Problema seu, então.
– É assim que pensa? Está sendo hipócrita, Anna. Você quer o mesmo que eu.
– Eu quero ficar longe de você, somente isto. Portanto, esqueça aquele beijo. E me deixe
em paz!
– Eu não tenho paz desde o dia em que pisou naquele escritório!
– Então peça demissão, eu não me importo! Eu já disse que o problema é seu!
Escuto sua respiração profunda e frustrada. O que só faz aumentar ainda mais minha
própria frustração.
– Tudo bem, Anna. Se é o que você quer, eu vou deixá-la em paz.
E desliga.
Simples assim.
Eu deveria me sentir aliviada.
No entanto eu só me sinto mais frustrada.
Onde diabos eu estava me metendo?
***************
***************
Para minha sorte não há sinal de Daniel ou de Violet quando retorno, então eu trato de
correr ou melhor, fugir, para a sala de Adam.
– Oi, pensei que fosse passar a manhã com o Daniel.
– Ele saiu – digo rápido – com a irmã dele.
– Ah, qual delas?
– Violet. Você a conhece? – indago curiosa.
– Sim, vagamente. Muito bonita, embora seja um pouco fresca.
Eu rio daquela observação.
– Bom, já que está aqui, vamos rever os relatórios da audiência que temos à tarde?
– Claro.
***************
Eu consigo me livrar de Daniel pelo resto dia, pedindo para Hannah ajudá-lo com sua
agenda e dizendo a Adam que preciso ir pra casa depois da audiência da tarde, o que ele não
questiona.
Porém, se eu pensava que estava livre pra sempre, ou pelo menos até o próximo dia de
trabalho, estava completamente enganada.
– Daniel Beaumont está aqui. – eu levanto o olhar do livro que leio e encaro Fiona que
torce as mãos na porta do meu quarto.
– Está brincando, não é?
– Não. E ele está segurando umas flores, acho que são pra você.
Eu me sento, respirando fundo. E agora?
Pedir para Fiona dispensá-lo?
Ou enfrentá-lo de vez?
O que Daniel quer comigo? Eu me pergunto que explicação ele deu para a irmã dele.
Na verdade, há uma parte sadomasoquista em mim bem curiosa que quer enfrentar Daniel
e ver que diabos ele quer de mim, afinal.
Além do óbvio. E que já conseguira naquela sala no escritório hoje de manhã.
– E aí? O que vai fazer? – Fiona pergunta.
– Não sei – digo sinceramente.
– Eu acho que deveriam conversar.
– Acha que vai adiantar alguma coisa?
– Você precisa se decidir, Anna.
– Decidir o quê?
– Se vai levar esta história adiante. Ou vai mandá-lo pro inferno e prosseguir com sua
vida.
Sim, Fiona tem razão.
Eu me levanto da cama.
– Tudo bem. Eu vou conversar com ele.
Eu tento conter as batidas do meu coração enquanto caminho até a sala, me dando conta
de que estou com o rosto limpo e os pés descalços.
O que isto importa? Não é como se eu estivesse preocupada com a minha aparência para
Daniel.
E lá está ele. Ainda lindo, com seu terno impecável. Os cabelos incrivelmente
despenteados estendendo um arranjo de flores para mim.
Por um momento eu acho que entrei em algum universo paralelo.
Daniel Beaumont. Na minha sala. Me oferecendo flores.
– São pra você.
– Para que isto? – pergunto friamente.
– Um pedido de desculpas – ele parece inseguro.
Isto me deixa mais segura.
– Por...? – levanto a sobrancelha ironicamente.
– Por hoje cedo. Não quero que pense que eu lamento, apenas... – respira fundo, passando
a mão livre pelos cabelos. – Não deveria ter sido daquele jeito. Me desculpe.
Confesso que por isto eu não esperava. Que ele pedisse desculpas pelo o que aconteceu
no escritório.
Eu não quero conversar sobre o que aconteceu. De maneira alguma. Este é um terreno
perigoso.
Lembrar é perigoso.
Então, querendo acabar logo com aquilo, eu dou um passo em sua direção e pego as flores
de sua mão.
– São jasmins – ele explica, enquanto eu as levo ao nariz – jasmins me lembram você.
Eu sinto um aperto no peito. Algo perigosamente parecido com ternura.
Meu estômago embrulha.
Caminho até a cozinha e jogo as flores no lixo e então o encaro.
– Bom, já pediu desculpas, agora pode ir.
– Não precisava ter jogado as flores fora.
Que inferno, ele está magoado?
– Ah não? Eram minhas, você me deu. Eu podia fazer o que quisesse com elas.
“Pelo amor de Deus Daniel, sai da minha vida. E leve com você todo este coquetel de
sentimentos confusos que me faz sentir”.
Ele parece não entender a suplica em meu olhar.
– Anna, eu estou aqui para que possamos conversar.
– Não temos nada pra falar.
– Temos sim. O que aconteceu hoje cedo...
– Um erro.
– Ah, claro. Vamos varrer para debaixo do tapete e continuar como se nada tivesse
rolado, é isto?
– É assim que deve ser.
– E acha que vamos continuar trabalhando no mesmo escritório como se nada tivesse
acontecido? Sem que aconteça de novo?
– Daniel, sinceramente, achei que sua irmãzinha querida tivesse mandando você ficar
longe de mim.
Eu não sei por que estou colocando Violet na nossa conversa.
Só sei que eu gosto disto. Falar de Violet me faz lembrar do que aconteceu e o tanto que
tinha ferrado com a minha vida.
E me dava forças para continuar odiando Daniel.
– Violet não manda na minha vida – ele diz e eu rio.
– Você quer dizer não manda mais, não é? Porque há oito anos mandava.
– Ótimo, vamos falar sobre o passado.
Ah inferno, eu não queria falar desse assunto.
– Não.
– Por que não? É tudo sobre o passado, não é?
– Não! – minto.
– Claro que é! – ele se aproxima, parecendo furioso. Ótimo. Eu posso lidar com sua raiva.
Eu posso me alimentar dela. Só não tenho certeza se consigo lidar com seu lado gentil que me
traz flores e pede desculpas. – Por que foge o tempo inteiro? Você me deixa maluco! Uma hora
estou fodendo você na minha mesa e em seguida você está fria como o gelo!
– Para! Eu não aguento! – eu me afasto, tapando os ouvidos com a mão como uma
criança teimosa. Como se assim pudesse bloquear suas palavras.
– Não posso parar, Anna! Não vê? Não quer falar sobre o passado e tampouco quer falar
sobre o presente! Quem não aguenta isto sou eu!
– Então me demite! – eu me sento, abraçando a mim mesma. - Não foi o que sua irmã
pediu? Me demita e eu desapareço, Daniel. Tudo estará acabado!
Sim, ele poderia fazer isto.
E tudo teria terminado?
Como eu poderia suportar?
Aquele pensamento me deixa sem ar. Sem vida.
E ao mesmo tempo me enche de alívio. A quem eu queria enganar? Eu já não estava
suportando mais.
Ele senta ao meu lado. Eu não tenho forças para me afastar quando ele encosta o rosto em
meu cabelo.
Apenas fecho os olhos, lutando contra a vontade de me virar e me abraçar a ele e mandar
tudo pro inferno.
No entanto eu já estou no inferno. Há oito anos.
Exatamente pelo o que Daniel me fez.
Como posso esquecer? Somente a recordação daqueles dias me enche de uma dor
profunda enraizada dentro de mim. Ela faz parte de mim.
Não tem volta.
– O que eu preciso fazer para você me perdoar? – sua voz não passa de um murmúrio em
meu ouvido. - Pra te provar que posso ser um cara melhor?
Por um momento não há nenhum movimento.
Apenas o som de nossas respirações.
Eu pairo ali. Entre a dor antiga e a dor atual.
Entre meu desejo e meu rancor.
Uma vez eu confiei tudo a este cara. E fui traída de um jeito que nunca pensei ser
possível.
Perdão?
Não tem como perdoar. Nunca.
Esta constatação me quebra em mil pedaços. Uma vez mais.
E eu que achei que a dor nunca poderia fica pior.
Mas ela ficava.
Eu respiro fundo e finalmente o encaro.
– Nada. Não há nada que você possa fazer.
Por um momento eu sou atingida pela dor no olhar dele.
E me surpreendo com certo regozijo. E isto me assusta.
Eu me levanto, me afastando.
– Melhor ir embora.
Por um momento eu penso que ele vai insistir. Em vez disto, simplesmente se vai.
Eu me arrasto até minha cama e deito no escuro.
Então era isto. O fim.
Agora sei que foi um erro tremendo acreditar que seria capaz de trabalhar com Daniel.
Eu não havia superado nada. Eu ainda me lembrava. Ainda me ressentia e estava cheia de
raiva dentro de mim.
E pior: ainda havia aquele desejo que me tornava fraca e tola como no passado.
Não. Eu não poderia mais ficar ali.
Precisava me afastar de Daniel Beaumont.
Para sempre.
Eu teria que pedir demissão.
***************
Eu chego no escritório no dia seguinte insegura de como devo proceder. Porque mesmo
que eu saiba o que tenho que fazer, me sinto muito triste de ter que sair daquele emprego.
Apesar de todos os meus problemas com Daniel, eu realmente gosto do meu trabalho.
Quando chego na sala, Daniel não está e eu ligo meu computador mecanicamente.
Depois de alguns minutos escuto passos e ele entra na sala.
Paro de respirar por alguns momentos. Ele me fita apenas brevemente antes de desviar o
olhar e seguir para sua sala, murmurando um “bom dia” impassível.
Isto não deveria doer. Mas doeu.
Eu trabalho normalmente a manhã inteira, tentando ajeitar tudo e pensando em como
pedir demissão. Na hora do almoço, eu vou até a sala de Daniel, que não falara comigo a manhã
inteira.
– Eu vou almoçar, tudo bem?
– Claro. À tarde tenho alguns compromissos fora, fique com Adam, ele vai precisar de
você toda a semana.
– Mas... e você? – eu não posso estar lamentando, posso?
– Não se preocupe. O departamento pessoal está contratando outra estagiária. Ela deve
começar amanhã – sua voz é fria e profissional e eu fico um tanto chocada, mas me recomponho.
– Claro – digo e saio da sala.
Eu almoço com Hannah, que está por dentro da nova contratação.
– O nome dela é Kate. É bem bonita, embora não pareça tão boa quanto você,
sinceramente. E fico me perguntando se não teremos mais uma Lucy, sabe?
Eu não digo nada.
E quando estamos voltando, nos deparamos com Daniel no corredor acompanhado de
uma moça loira e bonita.
– É a tal Kate. – Hannah sussurra e eu desvio o rosto. Infelizmente eu já estou com
sentimentos ruins quanto à nova estagiária, o que é ridículo.
É Adam quem me conta que a garota foi contratada.
– Deve ficar feliz, vai poder dividir o trabalho.
– Eu não me importo de trabalhar – respondo rispidamente.
– Claro, você é muito competente. Agora vai poder se dedicar mais a outros trabalhos.
Acho que vai gostar.
Eu não pergunto o que ele quer dizer, pois estou mais preocupada em tentar sufocar o
sentimento ruim que sinto ao imaginar a nova estagiária o tempo inteiro com Daniel.
Mas, eu não ia pedir demissão? Bom, eu podia primeiro treinar esta tal Kate. Ia me sentir
menos culpada por estar indo embora.
Afinal, Adam não tinha nada a ver com meus problemas com Daniel.
***************
Eu sou apresentada a Kate no dia seguinte e começo a treiná-la. Ela parece meio avoada e
demora para assimilar algumas coisas. Eu tento ter paciência e digo a mim mesma que não me
interessa se ela será péssima funcionária ou não.
Em breve eu não estarei mais ali.
Assim os dias passam. Daniel continua me tratando friamente. O que por um lado é um
alívio.
Porém, ainda existe um lado meu que se contorce quando ele me trata assim.
Eu não posso lamentar. Eu tenho que superar.
Na sexta à tarde eu sou chamada à sala de Taylor.
– Olá, Anna, sente-se – ele diz e sou surpreendida quando Daniel entra na sala.
– Entre, Daniel, faltava você. Feche a porta.
Daniel senta do meu lado.
– Algum problema? – pergunto preocupada.
Taylor sorri.
– Você está aqui pois foi indicada por um dos sócios, no caso, o Daniel, para ser
contratada.
Eu arregalo os olhos.
– Eu? Só trabalho aqui há um mês.
– Daniel passou de advogado a sócio em menos de um ano. Confiamos em sua avaliação.
Este garoto sabe ler as pessoas como ninguém!
Eu o encaro em choque.
Que diabos estava acontecendo? Daniel tinha pedido para eu ser promovida?
Por quê?
– Sim, trabalha conosco há pouco tempo, Anna, como está tendo um ótimo desempenho
acreditamos que será muito melhor aproveitada. Tem conhecimento demais para ser apenas uma
estagiária – ele diz com voz profissional.
– Daniel tem razão, e Adam também concorda. Então, a partir de segunda-feira, terá sua
própria sala e já tenho alguns casos para te passar, tudo bem?
– Certo... Tudo bem – balbucio e Taylor nos dispensa.
Eu encaro Daniel no corredor.
– Por que fez isto?
– Porque merece.
– Parece mais que quer se livrar de mim.
– Podia me livrar de você a demitindo e não a promovendo.
– Ainda acho estranho.
– Não tem nenhum interesse escuso, Anna. Você é competente e merece.
– Ei, olha a nova advogada! – Adam surge no corredor e me abraça, cortando minha
discussão com Daniel. – Ei, temos que comemorar!
– Desculpa, Adam, hoje não posso...
– Não, não aceito um não como resposta! Vamos...
– Juro que não posso! Tenho um compromisso já marcado – e é verdade. Eu tinha
marcado de jantar com Fiona e o namorado.
–Tudo bem, mas faço questão de te levar pra jantar amanhã. Não aceito recusa.
– Ok, está marcado! – eu sorrio.
Adam faz um sinal de vitória e eu me afasto, sem olhar pra Daniel.
E agora, o que eu vou fazer?
Como eu aceitar a promoção, não ia pedir demissão?
Três anos antes.
Eu abro os olhos e vejo uma câmera disparando um flash em minha direção. Sento na
cama assustada, puxando o lençol sobre mim, um grito mudo em meus lábios entreabertos,
enquanto a pessoa por trás da câmera ri.
– Bom dia, bela adormecida.
– O que diabos está fazendo, Benjamin? – eu pergunto horrorizada.
– Calma, Anna, é apenas uma câmera.
– Isso eu vi, mas por que diabos está tirando fotos minhas?
– Na verdade eu estava tirando fotos da varanda, então aí vi você dormindo e resolvi
eternizar – e ele levanta a câmera e tira mais uma foto.
– Para com isto! – estou quase suando frio agora, sem conseguir respirar.
– Ei, querida, calma. – Benjamim põe sua câmera de lado e senta, tentando tocar meu
rosto, eu me afasto. – Ei, me desculpa, era só uma brincadeira, não precisa ficar irritada.
E tento respirar.
Claro, Benjamin não faz ideia do que está me assustando.
Benjamim e eu estamos juntos há quase um ano e neste tempo eu já o vi com sua câmera
várias vezes. É seu hobby predileto. Nunca ele tinha apontado sua câmera pra mim. Ainda mais
quando estou dormindo no apartamento que divide com o namorado da Fiona.
É impossível não comparar esta situação com outra de anos atrás. Aquela em que eu
havia confiado em alguém que queria transar comigo apenas para colocar as fotos na Internet.
– Eu não gosto... Que tire foto minhas – eu explico. – Principalmente quando eu não
estou vendo.
– Tudo bem. Me desculpa. Não sabia que ia ficar assim – ele toca meu rosto e desta vez
eu não me afasto.
– Tá, acho que eu exagerei. Por favor,... não faça mais isto.
Ele sorri e me beija levemente.
– Acho melhor levantar e ir se arrumar. Meus pais não curtem atraso.
Eu me deito de novo, gemendo com uma careta.
– Tenho mesmo que conhecer seus pais?
Benjamin ri.
– Eles vão adorar você.
– Se você diz...
Algumas horas depois Benjamin estaciona seu carro em frente a uma mansão vitoriana
toda branca e imponente e eu sinto um tremor de medo.
Obviamente eu sabia que os pais dele eram ricos. O pai dele, Franklin Van der Woodsen,
é um político influente e Benjamin me disse algumas vezes que tinha planos para que ele
seguisse a mesma carreira.
– E você quer? – eu perguntara.
– Na verdade eu ainda não sei. Por enquanto estou preparado para seguir meu pai
somente na carreira de advogado.
Eu nunca havia me preocupado muito com este assunto de futuro. Porque eu nunca
acreditei que aquele relacionamento fosse durar. No entanto já se passara um ano e Benjamin
estava se formando. Como ainda estamos juntos ele me trouxe para conhecer seus pais.
E eu começo a me sentir incomodada. E assustada.
– Tudo bem? – Benjamin me fita interrogativamente e eu tento sorrir.
– Sim. Vamos entrar.
O almoço transcorre sem problemas. Há uma infinidade de pessoas as quais sou
apresentada, das quais jamais vou me lembrar o nome depois e os pais de Benjamin, apesar de
assustadoramente elegantes, me tratam educadamente. E eu fico imaginando o que eles estão
pensando de mim.
E esta pergunta é respondida mais cedo do que imagino quando o pai de Benjamin me
aborda no corredor.
– Olá Annalise, que bom te encontrar sozinha. Eu gostaria de ter uma conversa com
você.
– Comigo? – Balbucio, meio perdida. O que o pai de Benjamin poderia querer conversar
comigo?
– Sim, por favor – ele faz um gesto para e entrar numa sala e o obedeço, embora minha
vontade seja de sair correndo.
Ainda mais quando ele fecha a porta.
Ele não está mais sorrindo.
Eu sinto um calafrio de medo.
– Meu filho a conheceu na universidade, não é?
– Sim – respondo sem entender, afinal, ele já sabia disto.
– E estão namorando há um ano, correto?
– Sim... Senhor, não sei aonde quer chegar, acho que já sabe de tudo isto – digo
corajosamente e em resposta ele caminha até sua mesa e abre uma gaveta trancada a chave,
retirando de lá um envelope e me entrega.
Eu pego o envelope com as mãos trêmulas e, antes de ver o eu conteúdo, eu já sei do que
se trata.
Engulo a ânsia de vomito quando as fotos da Internet de anos atrás se materializam na
minha frente.
Eu não consigo falar. Eu não consigo respirar.
Quanto mais levantar meu olhar e encarar Frankin Van der Woodsen.
– Annalise, meu filho tem uma grande carreira pela frente. E claro que assim que ele me
contou que estava sério com uma garota, eu precisava me certificar que era a garota certa para
ele.
Eu finalmente o encaro cheia de horror. E vergonha.
– Garota certa? – balbucio.
– Eu realmente não esperava ver estas fotos. Benjamin me disse que é uma garota
simples de uma cidade pequena. Foi realmente uma surpresa desagradável.
– Eu... Isto... Isto foi há muito tempo... – eu não sei por que estou me defendendo.
– Sim, eu sei. Gostaria que entendesse. Para um político, ter uma esposa com um
passado destes...
– Esposa?
– Meu filho pediu o anel da mãe dele. Ele disse que ia te pedir em casamento.
Agora eu sinto minha mente girando de surpresa.
Casamento? Como assim Benjamin ia me pedir em casamento?
– Eu não fazia ideia, eu...
– Quero que entenda que não posso deixar meu filho cometer um erro destes. Se envolver
em escândalos não será nada bom para sua carreira. Portanto, Annalise, eu preciso que se
afaste dele.
Eu pisco, tentando assimilar toda aquela situação.
Benjamin ia me pedir em casamento, o que por si só, já era um fato totalmente fora da
realidade que eu acreditava que estávamos vivendo.
Por causa disso o pai dele havia me investigado e descoberto aquelas fotos horríveis.
E agora, como numa cena de novela ruim, ele pedia para eu me afastar do seu filho.
Eu não sei o que era pior.
De repente algo realmente ruim me ocorre.
– Benjamin sabe...?
– Não. Eu ainda não contei a ele. Eu espero que você decida se vai contar ou não.
– Quando eu terminar com ele? – digo ironicamente.
– Eu acho que você sabe o que tem que fazer. Acredita que o relacionamento de vocês
vai durar? Você está realmente disposta a arriscar tudo o que venho construindo para
Benjamin, gosta dele o bastante?
Eu fecho os olhos com força.
Claro que eu gostava de Benjamin. Porém, jamais tinha pensado em casamento. Nunca
mesmo. Nós nos dávamos bem, eu estava feliz com ele, mas... a vida inteira?
Isto significaria que eu teria que contar a verdade a ele. Toda a verdade. Será que ia
aceitar? Ou ia fazer como seu pai e achar que eu ia estragar sua carreira com meu passado
escandaloso?
Antes que eu conseguisse responder, uma batida leve na porta nos interrompe e
Benjamin entra.
– Ei, se esconderam aqui por quê?
– Estava conhecendo sua namorada melhor – responde o senhor Van der Woodsen.
Benjamin toca meu ombro, me perguntando com um olhar se está realmente tudo bem e
eu consigo dar um sorriso amarelo.
– Mamãe está te procurando, pai, e eu e Anna já vamos.
Eu respiro aliviada, colocando o envelope na mesa do senhor Van der Woodsen e
acompanhando Benjamin para fora da sala. Depois das devidas despedidas, nós entramos no
carro e eu passo o tempo inteiro da viagem de volta remoendo a conversa tensa e surreal com o
pai dele.
E, quando Benjamin para o carro em frente ao meu dormitório, eu o encaro seriamente.
Eu havia tomado uma decisão.
– Benjamin... Nós precisamos conversar.
Capítulo nove
– Você está louca? Não pode pedir demissão! – Fiona diz naquela noite depois que eu
conto a ela sobre a promoção.
– Eu já tinha decidido. Não quero mais ficar perto do Daniel.
– Já ficou até agora! Como foi promovida, não é mais a estagiária dele.
– Eu não sei...
– Lembra-se do quanto queria este emprego? Dos seus planos? Eles estão acontecendo!
– Foi antes de descobrir que Daniel também trabalha lá!
– Por isto mesmo. Achei que tivesse dito que não ia permitir que Daniel Beaumont a
vencesse. Vai desistir de tudo por causa dele?
Eu respiro fundo, absorvendo as suas palavras. Sim, fazia sentido.
Só que Fiona não faz ideia de tudo que rolou entre nós desde então.
– Por que não tenta? Agora que não vai precisar mais ficar tão próxima dele, pode dar
certo. E quem sabe você finalmente supere tudo que aconteceu de uma vez por todas?
Será?
Será que eu consigo?
Ela estaciona o carro em frente ao restaurante que marcamos com Brian e saltamos.
Quando entramos, ela segura minha mão e eu a encaro. Está apreensiva.
– Não me mate.
– O que foi?
– Brian convidou o Benjamin pra este jantar.
Eu me viro e o vejo.
Meu ex-namorado está sentado à mesa com o namorado de Fiona.
– Fiona, não devia...
– Não seja boba. Ele queria muito te ver e eu sabia que você ia arranjar alguma desculpa.
– Isto não vai dar certo...
– Acalme-se. Ele não tem raiva de você, vai por mim.
E ela me arrasta na direção da mesa.
Benjamin me lança um sorriso apreensivo.
– Oi, Anna.
– Oi, Benjamin.
Ele não mudou muito nos três anos que não nos vemos. Os mesmos olhos azuis
expressivos e cabelos castanhos bem cortados. E eu me pergunto se ele realmente não tem
nenhum ressentimento pelo jeito que eu terminara nosso relacionamento.
Nós sentamos à mesa e um silêncio estranho se instala até que Fiona o quebra.
– Anna foi promovida.
– Sério? – Brian indaga.
– Sim, ela é a mais nova advogada da firma em que trabalha! E só está trabalhando há
pouco mais de um mês, não é o máximo?
– Parabéns, Anna! – Brian sorri, apertando minha mão.
– Sim, está de parabéns. Sempre soube que você iria longe. – Benjamin diz e eu fico sem
graça.
Aquele reencontro está sendo bem esquisito.
– Temos que comemorar! – Fiona diz empolgada.
– Claro, vamos pedir champanhe. – Brian completa.
– E então, Benjamin, ainda mora em Nova York? – Fiona pergunta.
– Sim, por enquanto.
– Ele recebeu uma proposta aqui na cidade. – Brian diz me lançando um olhar e eu reviro
os olhos.
Não é possível que eles achavam que ainda havia alguma chance pra Benjamin e eu.
– Eu estou estudando. Meu pai quer que eu volte pra Vermont.
– Claro, seu velho sempre teve esperança que você seguisse a carreira política – Brian
acrescenta.
Benjamin ri.
– Não sei se é pra mim.
– Seu pai tinha certeza que era – eu digo e quase mordo a língua.
– Meu pai nunca mandou nas minhas escolhas – Benjamin diz com ironia.
E eu entendo agora que ele sabe da conversa que seu pai teve comigo.
Será que ele sabe sobre aquelas fotos? Eu ainda sinto meu estômago embrulhar ao pensar
nisto.
– Vamos pedir – Fiona quebra o silêncio tenso e Brian começa um assunto neutro.
Assim a noite prossegue sem atropelos. E, por um momento, é como há quatro anos,
quando saíamos em encontros duplos pela noite de New Haven.
Eu quase sinto uma nostalgia. E me pergunto como teria sido a minha vida se eu e
Benjamin não tivéssemos terminado.
Será que eu seria feliz? Será que eu ainda guardaria todo aquele rancor dentro de mim?
Ou aquele desejo proibido por Daniel Beaumont?
Isto eu nunca saberia.
– Vamos pedir a conta? – Fiona pergunta, depois de comermos a sobremesa. – Amanhã
tenho que acordar cedo e a Anna também.
– Claro, vamos embora. – Brian concorda e Fiona pede licença pra ir ao banheiro.
Brian a segue.
Eu me vejo sozinha com Benjamin.
Ele me encara seriamente.
– Como você está, Anna?
Eu dou de ombros.
– Estou bem.
– Não parece bem pra mim.
Eu mordo os lábios, incomodada.
Esta mania de tentar me ler que parecia um cuidado terno quando namorávamos agora me
incomodava.
– Apenas cansaço.
– Você é feliz?
– Por que não seria? – retruco rápido.
Ele respira fundo.
– Meu pai me falou sobre as fotos, Anna.
Eu desvio o olhar suando frio.
– Eu sabia que havia algo errado quando terminou comigo sem mais nem menos e
desconfiei que era obra do meu pai.
– Eu não terminei com você por causa do seu pai.
– Você tinha medo por causa daquelas fotos.
– Acha pouco? – questiono amarga.
– Eu imagino como se sente em relação a isto.
– Não faz ideia.
– Estava errada em deduzir que eu não ia te querer por causa daquilo.
– Não tem mais importância agora, Benjamin. Então, não quero mais falar sobre isto.
Ficou no passado.
– Eu queria conversar com você. Acho que nunca fomos sinceros um com o outro
realmente...
– Não, não temos nada pra falar.
– Anna, por favor. Eu vou ficar na cidade por mais um tempo...
– Eu sinto muito Benjamin, mas realmente não quero mais falar sobre esse assunto.
E, para meu alívio, Fiona e Brian aparecem e nós vamos embora.
– E aí? – Fiona pergunta no carro.
– E aí nada.
– Mas...
– Ele quer conversar... Ele sabe sobre as fotos.
– Isto é bom, não é?
– Não é nada! – eu bufo irritada – não tem a menor importância.
– Acho que deviam conversar... quem sabe...
– Quem sabe nada! Não viaja, Fiona. Eu já tenho problemas demais para ter que me
preocupar com o Benjamin também.
***************
Adam me liga na tarde seguinte e diz que vai me levar pra jantar.
Eu penso em recusar, depois decido que talvez seja uma boa. Sair e me distrair.
E parar de pensar em Daniel, Benjamin e o passado.
Então eu me arrumo e Adam me pega no sábado à noite, todo animado.
Animado até demais. E eu começo a me arrepender de ter aceitado, afinal, agora eu não
sou mais uma estagiária.
E não há nada que o impeça de tentar algo comigo.
Pelo menos enquanto jantamos, ele não tenta nada, mas quando estamos no carro, eu não
reconheço o caminho da minha casa.
– Aonde vamos? – pergunto apreensiva.
Ele me lança um sorriso.
– Poxa, esqueci de te avisar, vamos dar uma passada na casa dos Beaumont.
– O quê? – eu arregalo os olhos.
– Hoje é aniversário do Daniel e fui convidado.
– Como? Eu não sabia!
– Não? Pensei que tinham convidado todo mundo.
Claro que os Beaumont não iriam me convidar!
Eu tento achar um jeito de convencer Adam a dar meia volta, quando reconheço o
caminho da casa dos Beaumont.
Meu estômago revira.
– Não se preocupe, não vamos demorar. Uma passada rápida por educação, dar os
parabéns ao Daniel e depois... – ele sorri e toca meu joelho. – A noite é nossa.
Oh. Oh.
Onde eu tinha me metido?
Meu estômago está ainda mais embrulhado quando Adam segura minha mão me guiando
para a porta da casa magnífica dos Beaumont. E é exatamente como eu me lembrava.
Faz quase oito anos que eu não piso ali, mas ainda me sinto a mesma garota inadequada e
ansiosa de antes. A diferença é que agora eu sei exatamente onde estou pisando.
A porta se abre e vejo o sorriso congelado no rosto de Charlotte Beaumont.
– Olá! – Adam sorri, aparentemente alheio à toda tensão.
E logo atrás dela, para completar meu horror, estão todos os Beaumont. Igualmente
paralisados.
Porém, eu só tenho olhos pra uma pessoa. E ele não parece congelado. Seus olhos estão
vagando por mim, como se tivessem raio-x e param em minhas mãos. Que estão entrelaçadas
com as de Adam.
– É... Oi. – Charlotte diz, completamente aturdida. – Adam e...
– Anna. – Adam se adianta, entrando me puxando pela mão, antes que eu tenha chance de
sair correndo. – Esta é Annalise Nicholls, nossa nova colega de trabalho, ela gosta de ser
chamada de Anna...
– Oi... Anna. – Charlotte murmura, hesitando por um instante, antes de se aproximar e
dar dois beijos no meu rosto. Charlotte não é boa atriz, embora esteja se esforçando, Adam
parece não perceber o silêncio desconfortável dos presentes no hall.
– Cadê o aniversariante? – Adam se vira pra Daniel e solta minha mão para abraçá-lo. –
Parabéns, cara! Como sempre a festa parece estar demais, hein! – ele se vira pra mim. – Você
precisa ver, Anna, as festas dos Beaumont são as melhores da cidade!
– Isto é verdade! – Charlotte diz sorrindo forçadamente enquanto se agarra ao braço de
Owen.
Vejo Violet sussurrando em seu ouvido, enquanto Adam tece mais alguns comentários
sobre as festas dos Beaumont, que eu mal consigo ouvir. No momento estou me perguntando
quando algum Beaumont vai acabar com toda aquela encenação e chamará os seguranças com
rottweilers pra me pôr pra fora.
– Eu disse para a Anna hoje durante nosso jantar que ela precisava vir comigo, que ia se
divertir. Ninguém pode perder uma festa destas! – Adam continua todo entusiasmado, passando
o braço por meus ombros. – Ela não queria vir! Falou que não tinha sido convidada e estas
coisas, eu disse que não havia problema, claro! Com certeza por ela ser nova na empresa, foi
deixada de fora do convite para o pessoal do escritório...
– Claro que foi isto – Charlotte diz, ainda com o sorriso de plástico no rosto.
Ah sim, e eu acredito!
– Eu falei pra ela que seria uma ótima maneira de terminar nossa noite, comemorando o
aniversário do Daniel!
– Claro, ótima noite – Charlotte concorda e prevejo, por seu olhar curioso, a pergunta que
ela vai fazer em seguida. – E vocês... Estão juntos?
– Não – desta vez eu e Adam respondemos ao mesmo tempo, todavia, ele junta a negativa
a um aperto em meu ombro, todo sorrisos. E fica claro que ninguém acreditou em nosso não.
Eu tento não me aborrecer, afinal, não devo nenhuma satisfação àquela família. Muito
menos ao cara que agora nos fuzila com o olhar.
– Nós fomos jantar para comemorar a promoção da Anna, agora ela é oficialmente uma
advogada e não mais uma estagiária. – Adam explica.
– Nossa, tão rápido? – Charlotte comenta e tenho certeza que sua mente está trabalhando
rápido, se perguntando como eu consegui.
– Sim, convenientemente rápido. – Violet murmura mordazmente e bem baixo, tanto que,
aparentemente, Adam nem escutou. E pela primeira vez eu fixo o olhar em sua figura perfeita.
E eu sinto as vibrações de ódio em minha direção.
– Ei, por que ainda estão na porta? – os pais de Daniel aparecem e eu me pergunto se
aquela noite poderia ficar pior?
– Olá Lydia, Caleb – Adam sorri. – Quero que conheçam Anna Nicholls, nossa amiga do
escritório.
Lydia então me reconhece e fica mortalmente pálida. Caleb Beaumont parece mais
controlado, embora também um pouco chocado.
– Olá, Anna. Bem-vinda a nossa casa.
Violet solta um resmungo irritado, Elton faz um “shi”, tentando contê-la.
Charlotte parece aflita, mas ainda mantém o sorriso forçado.
Eu estaria me divertindo com a tensão deles, que beira o ridículo, se não estivesse mais
preocupada em pensar numa desculpa para sair de fininho daquele fiasco.
– Sim, seja bem-vinda. – Lydia se adianta e, para meu assombro, me cumprimenta
segurando meus ombros e depositando um beijo no meu rosto, depois se vira para as filhas –
Charlotte, Violet, os convidados estão precisando de atenção.
– Claro! – Charlotte parece feliz em se afastar quase correndo, seguida de Owen,
enquanto Violet é praticamente arrastada pelo namorado.
Ufa, me livrei de um pedaço da tensão. A maior dela continua ali, em forma de um par de
olhos verdes que dardejam animosidade em minha direção. Ou talvez animosidade não seja a
palavra correta. Acho que é mais uma frustração furiosa.
E, por um momento insano, eu tenho vontade de me aproximar, tocar seu braço, encará-lo
e explicar que Adam e eu somos apenas amigos e...
E o quê? Que loucura era aquela agora? Não devia nenhuma satisfação a Daniel
Beaumont!
– E vocês, fiquem à vontade. – Lydia diz para nós toda educada e se afasta também com
o marido.
E agora estamos só eu, Adam e Daniel no hall de entrada.
– Bom Anna, vamos circular e deixar o Daniel receber os convidados! - Adam segura
minha mão. – A gente se vê por aí, não queremos monopolizá-lo. – E bate nas costas de Daniel,
me puxando para dentro da festa.
Para um simples convidado, eu passaria por mais uma convidada me divertindo. Por fora
eu sorrio e pego as bebidas que Adam me oferece, enquanto percorremos os ambientes
belamente decorados da casa dos Beaumont repletos de gente fina e bonita como eles.
Por dentro eu estou gritando. E louca para fugir das lembranças que me acometem
simplesmente por estar ali.
Foi naquela casa que eu beijei Daniel pela primeira vez. E foi onde eu fiz sexo com ele
achando que estávamos apaixonados, quando ele queria somente me expor.
Adam toca meu rosto.
– Ei, está tudo bem?
Eu engulo a bile de puro rancor que embola minha garganta e tento sorrir.
– Acho que já bebi demais.
Ele sorri malicioso se encostando mais em mim.
– Não quero que beba demais, senão nossa noite pode não acabar bem.
Eu dou um passo atrás, me desvencilhando dele.
– Acho que preciso ir ao banheiro, tudo bem?
– Claro. Eu te espero aqui. Acho que vi a Hannah e o Dominic, vou cumprimentá-los.
Eu respiro aliviada ao me livrar dele e me apresso a sair do burburinho. Não faço ideia de
onde seja o banheiro, então reconheço a porta do escritório. Eu me lembro de ter estado ali com
Daniel para fazermos aquele relatório.
O relatório que eu nunca fiz porque estava muito ocupada enfiando minha língua na
garganta de Daniel.
Não quero entrar ali, mas pelo menos sei que poderei fugir e respirar sozinha por um
instante.
E agora, o que eu faço? Posso pedir a Adam para irmos embora, como sei que ele espera
que esta noite acabe com nós dois juntos numa cama ou algo assim, acredito que não seja uma
boa ideia. Definitivamente, agora mais do que nunca, eu sei que não estou preparada pra isto.
Pego meu celular e vejo uma mensagem de Tyler. Isto me faz sorrir. Ele pergunta
simplesmente se estou bem e eu me vejo desejando que as coisas fossem iguais a antigamente
entre nós. Assim, eu poderia dizer a ele a enrascada em que eu estou metida.
– Anna?
Eu ergo o olhar e vejo Daniel diante de mim.
Meu coração para de bater por alguns segundos, voltando a funcionar depois com força
total.
Eu me levanto pronta pra fugir, guardando o celular na bolsa.
Porém Daniel está fechando a porta atrás de si.
– O que faz aqui, Anna? – pergunta, em face de meu silêncio.
– Não é uma festa? – dou de ombros.
– Sabe o que quis dizer. Nunca imaginei que viria de livre e espontânea vontade em uma
festa na minha casa.
– Oh, acha que estou curtindo estar aqui? – não disfarço o sarcasmo.
– Por que veio então? Para me afrontar? Pra me provocar?
– Não seja idiota! Acha que tudo o que eu faço é para atingir você? Você não é tão
importante assim, Daniel!
– E que importância eu tenho pra você então?
– Não sei qual a relevância desta pergunta.
– Eu quero entender o que faz aqui. Num lugar cheio de gente que odeia.
– Que eu odeio? Acho que seria o contrário, não é? Sua família que me odeia. Ainda não
sei como não chamaram a polícia para me pôr pra fora!
– Não seja absurda, nós nunca faríamos isto.
– Aposto que a ideia passou pela cabeça de sua querida irmã.
– Se tinha certeza que não a queríamos aqui, por que veio?
– Adam pediu.
– Ah sim, seu namoradinho Adam.
– Ele não é meu “namoradinho” – nego, mais rápido do que deveria.
– Já dormiram juntos?
A pergunta me enfurece e eu me vejo gritando.
– Não é da sua conta!
– Ele sabe que fizemos sexo na minha sala?
Inferno, por que ele tem que lembrar disto, quando tudo o que eu quero é esquecer?
– Disse bem, sexo. Que não significou nada!
– Nada? Talvez ele não pense assim...
– Teria coragem de contar a ele? – não posso acreditar que Daniel está me ameaçando. –
Você é muito baixo, aliás, eu deveria esperar este tipo de coisa de você, não é Daniel?
– Não fale assim... Eu...
– Não falar assim? Você é idiota, Daniel. E tem razão, eu não deveria estar aqui, neste
lugar, com sua família desprezível...
De repente a porta é aberta e Violet Beaumont nos encara.
– O que está acontecendo?
– Vá embora, Violet – Daniel rosna entredentes.
Violet está olhando pra mim.
– Você é mesmo muito cara de pau não é? Ter a coragem de aparecer aqui na minha casa
e...
– E o quê? Manchar sua mansão intocável com a minha presença? – rebato, cheia de
ironia. Me dando conta que estou farta de aguentar as garras de Violet Beaumont cravadas em
mim como esteve há oito anos.
– O quê? Está colocando as garrinhas de fora? Veio nos provocar? Ou é uma destas
garotas masoquistas que gostam de ser maltratadas e veio implorar pro Daniel te comer de novo?
Meu punho fechado está no rosto bonito de Violet antes que eu me dê conta do que estou
fazendo.
Eu mal consigo respirar, tamanha é minha raiva, enquanto ela cai pra trás como em
câmera lenta.
– Oh! Sua... – Violet está caída no chão com a mão no olho. Estupefata e furiosa.
Eu parto pra cima dela, incapaz de conter minha súbita violência, Daniel segura meus
ombros.
– Ei, pare, Anna.
– Me solta! – eu me desprendo de suas mãos.
– Sua... Vadia! – Violet cospe as palavras, passando a mão pelo rosto que com certeza
terá uma mancha roxa muito em breve.
– Cala a boca! – grito. – Meu Deus, você é ridícula, é... patética e digna de pena! Você
merece isto e muito mais, mas, não vou perder meu tempo com uma pessoa como você!
– Então some da minha casa!
– Com prazer!
Eu passo por eles e saio da sala, pisando firme, apesar da tremedeira pós-ataque de
violência.
Deus, eu tinha mesmo batido em Violet Beaumont?
Antes que me desse conta, estou novamente na sala cheia de gente e Adam me cerca,
colocando uma taça em minhas mãos.
Eu a pego e viro tudo, pois minha garganta está seca.
– Nossa, isto não é água, Anna – ele ri.
– Não importa. Me consegue outro? – e, sem esperar, eu pego uma taça da bandeja do
garçom que passa por mim.
Adam me encara, agora meio preocupado.
– Onde estava?
Eu dou de ombros.
– Eu disse, fui ao banheiro.
– Não, você sumiu e eu pedi que Hannah a procurasse e ela disse que foi em todos os
banheiros e não te encontrou.
– Eu estava numa sala vazia... Precisava respirar.
– Você estava com Daniel?
A pergunta assim como a desconfiança da sua voz me pega desprevenida.
– Por que eu estaria com ele?
– É só... Eu ando pensando nisto às vezes. Em como esta animosidade que emana de
vocês parece estranha, parece...
– Parece o quê?
– Parece... tensão sexual – ele diz meio vermelho e em seguida dá uma risadinha nervosa.
– Me desculpe, estou viajando, não é?
E enquanto ele me encara, esperando uma resposta do tipo “claro que está!”, eu percebo
que não quero mais mentir.
Ou ao menos posso contar meia verdade. Adam merece isto.
– Não está viajando – digo, acabando com o restante de champanhe na minha taça.
O sorriso de Adam se desfaz.
– Você está transando com Daniel – é uma constatação e eu sei que minha expressão me
denuncia.
– Adam, eu... – tento tocar seu braço e ele se afasta, irritado.
– Há quanto tempo isto está rolando?
– Não é o que está pensando...
– E o que é então?
– É complicado.
– Isto eu sei. Você podia ter me contado que estava mirando peixes maiores.
Falando deste jeito ele me faz parecer suja e eu me encolho.
– Você não sabe de nada – rebato.
– Me desculpe, eu não quis... Droga Anna! Eu estava realmente a fim de você! Se não ia
querer nada comigo, se já estava saindo com o Beaumont...
– Não estamos saindo.
– Não estou entendendo...
– Não é... um caso.
– E o que é?
Eu me pergunto como posso explicar.
– Eu conheço o Daniel desde os 17 anos.
– Oh...
– Sim, e... nós temos... uma história – digo, como se fosse apenas um namoro de
adolescente. Adam não precisa saber de tudo. – E eu nem sabia que ia trabalhar com ele, fui pega
de surpresa...
– E estão se pegando em nome dos velhos tempos?
– Não é bem assim, é... complicado... – eu respiro fundo. – Me desculpa. Eu sei como
deve estar se sentindo e eu estou te contando justamente porque você é um cara legal. E eu... toda
esta história com o Daniel, já está sendo demais pra eu administrar.
– Então, isto é um fora?
– É – confirmo.
Ele parece triste. E ainda com raiva.
Ao longe eu vejo Hannah nos olhando curiosa. Adam acompanha meu olhar.
– Acho que Hannah quer falar com você. – digo. – Ela é uma garota legal.
Agora ele fica vermelho.
– Olha, não foi nada sério, eu...
– Tudo bem. Não me deve nenhuma explicação. Acho que devia mesmo ir conversar com
ela. Acredito que ela gosta de você mais do que admite.
Ele apenas acena e se afasta.
Eu pego mais uma bebida.
Preciso ir embora, mas me sinto tonta e sem rumo.
Oh, inferno, estou bêbada! Que se dane! Eu quero mesmo é beber bastante e, assim como
Daniel fez aquela noite em que transamos no seu banheiro, esquecer esta noite arruinada.
Pego mais uma taça de champanhe e depois outra. Até que perco a conta e, trançando os
pés, sento na varanda dos Beaumont, me sentindo miserável e perdida.
E muito bêbada.
– Anna?
Levanto o olhar e Daniel está me encarando.
– Inferno, Anna – ele senta ao meu lado e toca meu rosto.
Seu olhar preocupado me dá vontade rir. E é o que eu faço.
– Daniel...
– Anna, você está bêbada.
– A bebida é boa, pelo menos isto nesta festa...
– Cadê o Adam?
– Não sei...
– Como não sabe? Ele te deixou sozinha assim?
– Acho que ele foi embora. Parece que ele ficou bravo comigo.
– Bravo com você?
– Eu contei a ele sobre nós...
– Contou?
– Ele estava começando a ficar desconfiado... quem se importa? Sabia que ele transava
com a Hannah? Acho que eles foram embora juntos...
– Por isso bebeu tanto?
– Não. Eu nem sei por que estou bebendo – rio, passando a mão por meus cabelos e olho
a taça vazia na minha outra mão. – Pode me arranjar mais?
– Não, já bebeu demais.
– Certo, acho que é melhor eu ir embora... – me levanto, ignorando como meu corpo
parece pesado e, quando me desequilibro, as mãos de Daniel estão ali para me sustentar.
Eu respiro fundo e sinto seu cheiro familiar. Me intoxico um pouco mais.
E o beijo. Quero sentir seu gosto em minha língua.
Apenas roço meus lábios nos dele, enfraquecida pelo álcool e pelo o que sua proximidade
causa em mim.
Mesmo assim, eu passo a língua sobre meus lábios, sentindo-o ainda ali.
Suas mãos me apertam. Eu não me importo.
– Acho que estou realmente bêbada... Porque eu quero que você me leve pra casa. –
murmuro, abaixando minha cabeça para apoiá-la em seu ombro. – Me leva pra casa, Daniel?
Eu oscilo entre a consciência e o sono, enquanto Daniel me carrega pro seu apartamento,
pelo menos é onde acho que estamos, quando ele me põe no chão e parece com raiva de alguma
coisa.
– Por que está bravo? – indago confusa e ele sorri, colocando uma mecha de meu cabelo
atrás da orelha. Seu toque me arrepia, assim como seu sorriso.
Tão lindo...
– Estou bravo comigo mesmo, não com você.
– Ah... – bocejo. – E eu estou com sono.
– Tudo bem, vamos pôr você pra dormir.
No minuto seguinte ele desaparece.
Eu olho para a cama e me parece bem convidativa. Sem pensar muito, eu tiro meu vestido
e me livro dos sapatos, me arrastando sob os lençóis frios e fechando os olhos.
Acordo de repente e, por um momento, não sei onde estou.
Abro os olhos e na penumbra vislumbro um quarto estranho. Um lençol me cobre e
alguém ressona do meu lado.
Então eu me lembro. Estou com Daniel.
Fragmentos da noite desde a festa dançam desconexos na minha mente e eu suspiro.
Tanta coisa tinha acontecido e, mesmo assim, parecia a anos-luz de distância, enquanto
estou ali, vendo Daniel dormir.
E por um momento eu me dou conta de que não gostaria de estar em outro lugar.
É tão assustador quanto libertador.
E quando ele acorda e crava seus olhos verdes em mim cheios de perguntas, eu não falo
nada.
Não respondo nada.
Palavras entre nós só servem pra ferir.
Então por que falar?
– Não fala nada – eu sussurro, colocando os dedos em sua boca.
Ele não fala. Em vez disto, segura minha mão e beija meu pulso, que acelera.
Sua outra mão se infiltra em meus cabelos e, no segundo seguinte, sua boca está sobre a
minha.
E esqueço o passado sombrio, o presente confuso e o futuro incerto, enquanto sua boca
desbrava a minha em mil beijos perfeitos e nossas mãos se buscam, os corpos se enroscando
como as duas partes de um todo.
Eu posso culpar a bebida amanhã. Eu certamente farei isto.
E me arrependerei também. Porém nesse momento, estou além de qualquer controle.
***************
Meu coração para por um momento inexplicável enquanto o pedido de Daniel reverbera
no meu ouvido.
– Você está louco? – é só o que eu consigo dizer, esperando que ele vá rir e dizer que
tudo não passa de uma piada de mau gosto.
Ele apenas me encara nos olhos, muito sério.
– Estou falando sério, Anna.
Oh Meu Deus!
Isto não está acontecendo.
Incapaz de continuar olhando pra ele, escondo o rosto entre as mãos, lutando contra a
falta de ar.
Como se já não fosse problema suficiente esta fraqueza horrível que eu tenho em relação
a ele quando devia odiá-lo até a morte, agora Daniel está diante de mim me pedindo pra casar
com ele.
Eu simplesmente não consigo mais lidar com nada disto.
Pulo da cama, disposta a colocar a maior distância possível entre mim e sua proposta
absurda.
– Por que está fazendo isto? É... Absurdo! É... sem sentido... Eu e você... casamento!
– Há muito sentido. Se você estiver grávida, nada mais importa, Anna.
– Não disse que estava grávida! – grito.
– Você disse que era uma possibilidade.
– Sim, uma possibilidade! E não uma certeza pra você vir com esta ideia de casamento!
– E se você estiver?
– Não estou!
– Você disse que há possibilidade!
– Pare de falar isto! Eu não estou grávida! Não posso estar! Seria...
Eu nem consigo definir como seria se esta possibilidade se concretizasse.
– Seria uma segunda chance para nós – Daniel diz calmamente.
Eu me viro lentamente pra ele, chocada.
– Segunda chance? Não há segunda chance para nós, Daniel! Nunca houve nenhuma
chance!
– Sempre pode haver...
– Não! Acha que simplesmente vamos esquecer o que aconteceu há oito anos nos casar e
tudo vai ficar bem?
– Eu acho que sim.
– Você não se lembra do que eu disse dias atrás? Nunca vai rolar nada entre nós!
– E o que está acontecendo? O que aconteceu ontem à noite? O que aconteceu hoje de
manhã, ou no meu escritório?
– Para! – tapo os ouvidos com a mão. – Chega! – Eu não preciso que Daniel jogue na
minha cara o quão idiota eu sou.
– Você pode até dizer que não há nada entre nós, mas há tudo, Anna. Nós não estamos
aqui à toa. E se você estiver grávida, não posso deixá-la ir. Nós já perdemos tempo demais. Oito
anos, Anna...
– E de quem é a culpa? – O amargor antigo doura minhas palavras, no entanto Daniel não
recua.
– Minha, eu sei. Acha que eu não me atormento todo dia?
– E no meu tormento, você não pensa?
– Sim, eu penso. E eu sinto muito.
– Desculpas nunca vão apagar o que aconteceu.
– Podemos recomeçar. Eu quero recomeçar, Anna. Eu quero você... Eu amo você.
Eu recebo sua declaração como um soco no peito.
– Não.
– Sim, eu amo.
Eu paraliso.
E ficamos ali nos encarando por um momento infinito e, por um instante, eu sinto que
Daniel se arrepende do que disse.
Ele devia se arrepender mesmo, porque estas palavras, tão esperadas por mim há oito
anos, hoje só me causam uma dor profunda.
Será que ele acha mesmo que eu consigo simplesmente acreditar e aceitar?
Será que ele não entende que há uma parte de mim que teme que seja somente mais uma
mentira como aquelas que ele contou há oito anos?
O pior talvez nem seja isto. O pior é aquela outra parte. A parte que quer acreditar, que
sente o coração disparando no peito ansioso e feliz.
A parte que ainda ama Daniel também.
Um nó horrível fecha minha garganta e eu engulo tudo. Vou entrar em colapso a qualquer
momento. Preciso muito sair dali. O mais rápido possível.
Fecho os olhos e respiro fundo conjurando forças e, quando volto a fitar Daniel, é a Anna
impassível e fria que.
– Eu vou embora.
Temo que Daniel tente me impedir, ele apenas assente.
– Sua roupa está no banheiro. Eu vou levá-la pra casa.
– Não, só chame um táxi.
Ele não discute e se afasta. Me deixando sozinha.
Minha máscara quer cair, mas eu sei que preciso mantê-la um pouco mais ali.
Alguns minutos depois eu saio do quarto. Usando o mesmo vestido preto de ontem e com
os sapatos nas mãos.
Daniel abre a porta.
– O táxi já está esperando.
Eu passo por ele sem encará-lo. Ele me segue até o elevador.
O tempo parece se arrastar e ao mesmo tempo passa muito rápido. Enquanto estamos
esperando o elevador chegar eu temo e anseio que Daniel me pare.
E continue a tentar me convencer. O elevador chega e ele me deixa ir.
Eu o fito finalmente.
– Adeus, Daniel.
– A gente se vê amanhã – ele responde antes de as portas se fecharem.
Eu me pergunto se terei forças para isto amanhã.
Estou um trapo humano quando chego em casa e Fiona está ali para me carregar para a
cama, esperar eu chorar e acabar contando tudo o que aconteceu.
– Ele disse que ama você? – Fiona pergunta e o fato de ela ficar interessada justamente
nisto, me irrita.
– Como se eu acreditasse! – resmungo, fungando.
– Que motivos ele teria pra mentir pra você agora?
– Eu não sei. Pra me levar pra cama.
– Você já estava na cama dele, Anna. – Fiona diz com cuidado e eu desvio o olhar,
envergonhada.
Sim ela tem razão.
Daniel não precisava nem inventar nada pra conseguir isto de mim.
– Olha... – Fiona volta a falar, ainda em tom cuidadoso. – Eu sei bem o que aconteceu. Eu
estava lá. E sei também que o Daniel foi um filho da puta e você teve toda razão de odiá-lo.
Mas... Ao mesmo tempo... Passaram-se oito anos, Anna. E desde que você começou a trabalhar
com ele, Daniel não faz outra coisa a não ser correr atrás de você. Ele não precisava fazer isto se
não tivesse muito interesse. Não precisa ser gênio pra deduzir que a irmã dele deve te detestar
ainda e vai saber o que a família pensa. Apesar de tudo isso, ele te pediu em casamento!
Eu refuto as palavras de Fiona na minha mente. Bem lá no fundo, eu sei que fazem algum
sentido.
O que, em vez de me confortar, me deixa pior.
– Então, o que eu quero dizer. – Fiona continua. – É que talvez devesse pensar bem e...
dar uma chance ao Daniel.
– Eu dei uma chance a ele uma vez e passei oito anos me arrependendo – digo
amargamente.
– Você tem medo...
– E não é pra ter? Ele me enganou! E por causa da irmã dele! Só de pensar nisto, me
deixa cheia de raiva de novo, mesmo depois de tanto tempo! Como posso passar por cima de
tudo e simplesmente casar com ele? Acha que há alguma chance de a gente ser feliz? Nunca vai
acontecer! Eu quero distância do Daniel e da família dele!
– E o que vai fazer se estiver grávida?
– Eu não estou! – grito e pulo da cama, dando aquela conversa por encerrada ao me
trancar no banheiro.
Eu consigo sair de lá meia hora depois e Fiona não insiste mais no assunto.
No dia seguinte e só vou trabalhar porque sou uma profissional e assumi aquele
compromisso.
Eu só não sei se o manterei por muito tempo. Com Daniel por perto, será impossível.
E a primeira pessoa que entra na minha nova sala é Adam.
– Bom dia – ele diz, meio ressabiado.
– Oi, entra – eu digo também sem saber como agir depois da nossa conversa na festa do
Daniel.
– Oi, eu tenho aquela audiência que estávamos trabalhando na semana passada agora de
manhã e queria saber se você pode ir comigo para me ajudar já que conhece o caso. Kate não
seria de nenhuma ajuda neste caso.
– Claro – digo.
– Certo, daqui vinte minutos nos encontramos lá embaixo?
– Ok.
Seria assim de agora em diante? Somente conversas formais de trabalho? Eu fico um
tanto chateada e ao mesmo tempo aliviada.
O alívio não dura muito. Passamos a manhã trabalhando e ele me convida pra almoçar, e
é lá que ele pergunta sobre Daniel e eu, ainda com ressentimento na voz.
– Você e o Daniel estão juntos?
Eu mordo os lábios, incomodada.
O que responder? “Não, não estamos. Eu apenas passei algumas horas na cama dele neste
fim de semana e ele me pediu em casamento. Tirando isto, não tem nada rolando”.
– Olha, Adam, me desculpe, não acho que seja da sua conta – respondo ríspida e ele fica
vermelho.
– Certo. Tem razão. Me desculpe – ele sorri. – Eu gosto de você, Anna. É uma
profissional incrível e eu queria que fôssemos amigos. Pode ser?
Bom, por que não?
Eu sorrio de volta.
– Claro que sim.
***************
Depois deste início embaraçoso o almoço transcorre de forma amigável e é quase como
antes, o que me deixa aliviada. Eu já tenho problemas demais para lidar com Daniel, não preciso
ter problemas com Adam.
E é justamente Daniel que nós avistamos no corredor quando chegamos. Eu estava indo
para a sala de Taylor, pois Hannah me avisara que ele queria falar comigo.
– Ei, Daniel. – Adam o cumprimenta comedidamente.
Meu coração parece que vai sair pela boca.
– Oi, Adam... Anna. – Daniel nos fita impassível. – Senti falta de vocês por aqui hoje. –
comenta.
– Anna me ajudou numa audiência. Acho que não poderei contar com a ajuda dela em
breve, não é? Taylor já pediu que ela vá até a sala dele, deve ser pra passar seus novos casos.
– Sim, e eu estou indo pra lá agora – digo, louca pra fugir.
– Anna – Daniel me chama, mas eu prossigo.
E ainda estou tentando me acalmar, quando entro na sala de Taylor.
– O senhor queria falar comigo?
– Olá Anna, sente-se. – Taylor parece mais sério do que o habitual ou seria... mais grave?
Sinto um calafrio de medo ao me sentar e então meu medo se torna real quando ele
coloca as fotos na minha frente.
E eu sinto que vou morrer.
O passado havia me alcançado de novo.
Eu não sei direito como consegui passar por toda vergonha da conversa com Taylor, que
parecia já estar a par de todo o ocorrido, eu saio cambaleando da sala depois que ele me
dispensa, após, milagrosamente, não ter me demitido e corro para o banheiro mais próximo, me
agachando defronte a um vaso e vomitando todo meu almoço.
Vomitando toda a minha vergonha.
E é assim que Daniel me encontra. Estou tão fraca e transtornada com tudo, que deixo
que ele me ajude.
– Eu sinto muito, Anna... Sinto tanto... – ele diz, enquanto limpa meu rosto.
Eu abraço a mim mesma, me sentindo tão mal como há muito não me sentia.
– Acho que eu devia ter previsto, não é? Nunca vai sumir... – soluço, sem me conter.
– Vou levá-la daqui – Daniel segura meu braço firmemente me conduzindo pelos
corredores, até o elevador.
Eu poderia impedi-lo, mas, pra quê?
Em vista de tudo o que Taylor descobriu. E o fato de aquela historia sórdida ter chegado
ao meu trabalho, meus problemas com Daniel até perdem um pouco de sua importância.
Mais do que nunca eu tenho a impressão horrível de que jamais vou me livrar daquilo.
Jamais.
Estou sentada no meu sofá, toda encolhida, querendo morrer.
Sei que Daniel não deveria estar ali, mas não tenho forças para mandá-lo embora.
– Eu não deveria ter deixado você enfrentar Taylor sozinha... – diz, se aproximando.
– De que iria adiantar sua presença?
– Está tudo bem. Eu conversei com ele, expliquei que a culpa não é sua...
– Acha que isto muda alguma coisa? Sou eu naquelas fotos! – eu o encaro com raiva.
Olhar pra ele me faz lembrar da culpa que lhe cabe no meu infortúnio.
E isto me deixa com tanta raiva... E a raiva me faz bem agora.
– Estou nelas também.
– Isto nunca te afetou! Nem dá pra ver que é você direito! Não te afetou naquela época e
duvido que vá te prejudicar agora!
– Você não será prejudicada.
– Taylor me disse.
– O que ele disse?
– Ele me mostrou as malditas fotos. Disse que foi Lucy quem as conseguiu... Eu devia
prever que ela queria me ferrar.
– O quê?
– Lucy me procurou há alguns dias, estava meio descontrolada e gritando impropérios.
Eu consegui contê-la e disse pra não me procurar mais. Ela está com raiva de mim por ter te
defendido naquele caso de assédio.
– Devia ter me contado, poderíamos tê-la parado...
– E daí se a parássemos? Estas porcarias de fotos nunca vão sumir! Agora foi a Lucy,
como poderia ser qualquer pessoa...
– Não é tão fácil assim. Lucy teve ajuda profissional. Estas fotos foram retiradas dos sites
há tempos.
– Não importa... Elas sempre poderão voltar para me assombrar. E pensar que Taylor
viu...
– Eu sei que é horrível. Mas Taylor está sob controle. Ele entende que a culpa não foi
sua.
– O que disse a ele? Eu achei que ele ia me demitir. E seria justo.
– Eu disse que se ele demitisse você, teria que me demitir também.
– E ele não quer te demitir, não é?
– Não.
– Ainda não entendo por que me manter lá, eu nem sei se quero ficar depois disto...
Daniel se aproxima e segura minhas mãos.
– Você vai ficar.
– Acha que me sinto à vontade depois do que aconteceu? E depois... Ainda tem você... Eu
deveria ter ido embora no exato instante em que te encontrei lá... – desabafo.
– Mas não foi. E estamos juntos agora, Anna.
E lá vem ele de novo. Como se não bastassem todos os problemas das malditas fotos!
Eu tento puxar a mão, mas ele segura com mais força.
–Não estamos – digo, como para afirmar isto a mim mesma.
E em resposta Daniel faz algo totalmente inesperado. Ele tira um anel de noivado do
bolso e coloca no meu dedo.
–O que significa isto?
– Eu disse a Taylor que estamos noivos.
– O quê?
– Isto ajudou muito. Torna tudo mais... Aceitável.
Eu olho pro anel no meu dedo em choque e depois pra Daniel.
– Anna, por favor. Fique comigo. Eu sei que errei muito no passado. Sei que muitas
coisas aconteceram, mas eu quero consertar. Não quero que você perca seu trabalho por isto. Não
posso deixar que toda aquela sujeira de oito anos atrás nos alcance agora te prejudicando de
alguma maneira.
– E acha que por isto devemos nos casar?
– Eu amo você, Anna.
Não, Daniel, não faz isto comigo – eu quero gritar, quando finalmente me afasto.
Olho pro anel em meu dedo. Penso nas palavras de Fiona.
Penso nas palavras de Daniel.
E penso naquelas fotos na mesa de Taylor.
E então volto pra Daniel, tirando o anel do meu dedo.
– Não posso.
– Anna, por favor...
– Não podemos ficar juntos, Daniel. Nisto sua irmã Violet tem razão. Não vê o absurdo
da situação?
Ele se levanta, segura o anel e pega minha mão, o colocando lá e a fechando sobre ele.
– Eu não vou desistir. Eu sei que isto parece absurdo neste momento. Mas não é. Você e
eu temos que ficar juntos, Anna.
– Não temos – eu tento me afastar do poder de sua convicção, Daniel segura meu rosto.
Seus olhos verdes se cravam em mim.
– Diga olhando nos meus olhos que não sente nada. Que nunca sentiu. Que o fim de
semana não significou nada. E eu vou embora pra sempre, Anna.
– Eu queria dizer, infelizmente não posso – sussurro vencida e ele me beija.
Eu me afogo nele.
Derreto com aquele contato tão necessário de nossos corpos.
Por um momento perdido no tempo eu deixo de lutar. De algum lugar dentro de mim,
vem a certeza de que não adianta nada continuar correndo dele.
Ele sempre me alcança.
Eu tenho vontade de chorar quando ele segura minha mão e recoloca o anel no meu dedo.
– Não diga nada.
– Eu vou esperar. Não responda agora. Eu preciso mostrar pra você que pode dar certo.
Eu vou provar pra você.
Eu fico em silêncio olhando o anel. Mil sentimentos se digladiando dentro de mim.
Como aquilo aconteceu? Num minuto eu estava devolvendo o anel a ele, convicta de que
nada ia dar certo entre nós e, no instante seguinte, eu o estava beijando como se minha vida
dependesse disto e... voilà! O anel voltou ao meu dedo!
Eu suspiro cansadamente.
– Não vou conseguir que vá embora, não é?
Ele sorri e acaricia meus cabelos.
– Não. Nunca.
– Tudo bem. Por enquanto – digo, quase vencida. Não necessariamente convencida.
– Onde está sua amiga Fiona? – Daniel pergunta.
– Ela ia sair com o noivo hoje.
– Você podia fazer o mesmo e sair com o seu noivo.
Eu rolo os olhos, ignorando um certo frio na barriga quando ele diz “seu noivo”.
– Ok, foi uma brincadeira – ele ri. O que intensifica o frio na minha barriga. – Deve estar
com fome. Ou ainda não melhorou?
– Sinto-me melhor, só não sei se consigo comer...
– Precisa comer. Eu vou conseguir alguma coisa para alimentar você – ele pega as chaves
do carro. – Vai ficar bem sozinha?
– Não precisa voltar. Eu estou bem e me viro – insisto, preocupada com outras coisas
caso ele insista em ficar por perto.
Daniel apenas sorri e vai embora.
Enquanto ele está fora, eu me debato entre querer que ele não apareça mais e a vontade
de que ele volte.
E ainda estou em meio àquela confusão mental, quando abro os olhos no chuveiro e o
vejo na minha frente, nu e lindo.
– Não me expulse – ele pede rápido. – Acho que preciso de um banho também.
Meu olhar desce para sua ereção óbvia. Sinto meu próprio corpo esquentando nos lugares
certos.
– Banho?
Ele sorri, meio vermelho, dando de ombros.
– Não acho que transar agora vá ajudar alguma coisa – afirmo, como se pra mim mesma,
dando um passo atrás.
– Não precisamos transar.
Eu o encaro com descrença.
– Talvez só mudar a água para o gelado – ele sorri daquele jeito delicioso, se
aproximando, e eu acabo me contagiando e sorrindo também, mas o empurro.
– Então saia daqui, não vou tomar banho gelado com você.
Em resposta ele passa os braços a minha volta, me beijando.
– Não, quero apenas ficar com você. Deixa eu cuidar de você.
Eu sei que me perdi naquele momento.
Daniel me serve a sopa depois do banho e eu reconheço a mesma sopa que ele me trouxe
da outra vez.
– É a mesma sopa da sua mãe? – indago incomodada.
– Sim, é.
– E ela sabe que é pra mim desta vez?
– Ela sabe que estou numa campanha para te convencer a casar comigo.
Falar sobre o pedido de casamento me faz voltar dolorosamente à realidade. Desde nosso
interlúdio sexy no banheiro, eu estava relaxada e quase adorando viver aquele momento de
tranquilidade.
A quem eu estou tentando enganar?
– Ela sabe? E o que ela pensa sobre o assunto? – pergunto seriamente.
Ele dá de ombros.
– Minha mãe se preocupa, é óbvio, mas ela apoiará o que eu decidir.
– E Violet? Ela sabe que quer casar comigo? – eu sei que não deveria estar falando sobre
esse assunto, porém não resisto.
– Minha família não tem nada a ver com minhas decisões.
– Eles me odeiam.
Daniel passa os dedos pelos cabelos, como se pensando no que responder e eu continuo.
– Já passou por sua cabeça que talvez eu os odeie também?
Daniel se aproxima e segura meu rosto.
– Você me odeia, Anna?
Eu engulo em seco.
Sim, eu o odeio?
Se me perguntassem dois meses atrás, eu diria sem hesitação nenhuma que sim.
E agora como posso responder?
De repente o telefone toca, quebrando nosso silêncio e eu me afasto, pegando o celular e,
quando vejo da onde é, eu vou atender na sala.
– Oi, mãe.
– Não é sua mãe – eu reconheço imediatamente a voz de Tom.
Por que diabos Tom está ligando pra mim do telefone da minha mãe?
– O que está acontecendo, cadê minha mãe?
– Ela está no hospital.
– O quê? – eu sinto minhas pernas fracas e me sento.
– Ela piorou e tivemos que interná-la.
– E o que você está fazendo aí?
– Alguém tinha que cuidar dela, devia me agradecer por estar por perto!
Eu respiro fundo.
– Não se preocupe mais com isto. Eu estou indo para Miami. E quando eu chegar aí,
quero você bem longe, entendeu?
Eu desligo antes que ele responda.
– Anna, o que foi? – Daniel se aproxima preocupado e eu enxugo o rosto rapidamente.
– Nada...
– Como assim nada? Por que está chorando? Quem era no telefone?
– Ninguém.
Ele tenta me tocar, eu me afasto.
– Acho melhor você ir.
– Não, não vou deixar você assim.
– Eu estou pedindo que vá.
– Quem era no telefone? – insiste.
– Não é da sua conta! Daniel, por favor. Eu quero que vá. Eu agradeço a sopa e tudo
mais, mas... Quero ficar sozinha.
Daniel hesita, porém acaba concordando.
– Tudo bem, Anna. Eu vou. – ele se aproxima e beija minha testa.
– Nos vemos amanhã no escritório?
Eu sacudo a cabeça afirmativamente, mesmo sabendo que não é verdade.
Depois que Daniel sai, eu começo a fazer minha mala, ignorando o remorso por ter
negligenciado minha mãe e a preocupação alarmante por Tom ter se aproximado novamente.
E a culpa é minha, claro. Eu sei que é.
Estava tão envolvida com meus problemas com Daniel que deixei os problemas com
minha mãe pra depois.
Eu realmente achava que a doença estava sob controle. Eu a visitara em Miami depois de
Tom ter ido me atormentar em Olímpia. Nossa conversa foi difícil e tensa como sempre e ela
confirmou que pedira o divórcio a Tom porque o pegara traindo-a de novo.
Eu não resisti e joguei na cara dela que tudo isto podia ter sido evitado se ela tivesse se
livrado de Tom oito anos atrás, ou melhor ainda, quando descobriu o que ele havia feito com
Violet.
E no fim, eu saí de lá do mesmo jeito que havia chegado.
E agora ela estava doente de novo. E Tom, sabe Deus como, está com ela.
Eu acabo de arrumar minha mala e procuro meu telefone pra ligar pra Fiona e avisar que
estou indo pra Miami, quando a campainha toca. Por um momento eu penso que pode ser Daniel
e me surpreendo com a vontade imensa que eu sinto de deixá-lo entrar e contar tudo a ele.
Mas não é Daniel que está na minha porta.
É Benjamin.
– Oi, Anna.
– Benjamin? O que faz aqui?
– Eu sei que deveria ter te avisado antes de vir... – ele dá de ombros. - Eu queria muito
conversar com você.
– Eu não posso agora – digo.
– Oh... Estou te atrapalhando? - ele me mede. – Está de saída?
– Sim, na verdade estou indo viajar.
Ele franze a testa.
– Eu estava com a Fiona e Brian e eles não me disseram nada sobre isto.
– Porque eles não sabem. Eu estava ligando pra Fiona para avisar. Eu recebi uma ligação
de Miami e...
– Miami? Onde mora sua mãe?
– Sim, ela está hospitalizada.
– Nossa, Anna, sinto muito. Há algo que eu posso fazer pra ajudar?
– Na verdade você pode ir chamando um táxi pra mim, enquanto ligo pra Fiona?
– Não, eu te levo ao aeroporto.
– Tudo bem, obrigada.
Eu ligo rapidamente pra Fiona e explico o que aconteceu.
– Hum, entendi, sinto muito Anna. E olha, eu acho que o Benjamin estava indo pra aí, ele
disse que queira conversar com você, desculpa, eu disse que ele podia, mas...
– Tudo bem, ele está aqui, acabou de chegar e na verdade vai me dar uma carona para o
aeroporto.
– Certo. Me liga quando chegar lá.
– Pode deixar.
***************
**************
Os dias passam arrastados e Stella começa a melhorar e o médico finalmente lhe dá alta.
As coisas estavam tensas entre nós, mas eu continuava por perto. Evito o quarto quando
Tom está e tento não me intrometer. O que posso fazer? É a vida dela, afinal.
E talvez eu tenha perdido o direito de me intrometer na sua vida depois que me afastei.
Daniel ainda me liga sempre e eu simplesmente deixo as coisas como estão. Eu não posso
falar com ele por telefone. E falar o quê? Eu nem sei o que dizer.
– Anna, estou indo para Miami amanhã – ele diz um dia.
– Não precisa...
– Não vai me impedir. Preciso ver você, saber como está...
– Eu estou voltando daqui a dois dias. Já está tudo certo – respondo.
Eu não queria deixar Stella ainda, mas precisava ir a Seattle resolver as coisas.
– Sua mãe melhorou?
– Sim, ela está melhor. Em dois dias eu estarei de volta a Seattle.
– Tudo bem, eu vou te esperar então.
Eu levo Stella para casa naquela tarde e a ajudo a se deitar na cama.
Eu contratei uma enfermeira, embora ela diga que está bem.
– Mãe, não discuta, você ainda está fraca.
– Pensei que você fosse ficar – ele diz chateada e eu suspiro.
– Eu queria, mas tenho que voltar ao trabalho.
– Certo, tem razão, estou sendo carente, não é?
– Claro que não. Eu deveria mesmo ficar aqui com você. Deveria ter vindo há muito
tempo.
– Não vamos mais falar sobre isto – ela segura minha mão.
– Me desculpa, mãe, por ter deixado você sozinha – eu peço com a voz embargada.
– Oh querida, não fique assim. Eu não queria ter dito aquelas coisas horríveis naquele dia.
Estava nervosa. De qualquer maneira você tinha sua vida, sua faculdade... E agora tem seu
emprego.
– Mas eu podia ter te visitado mais.
– Já chega. O que passou, passou.
– Ainda não me sinto bem indo embora – eu não quero dizer que estou com medo da
presença de Tom, acho que minha mãe percebe.
– Anna, o Tom tem seus defeitos, mas não é este monstro que acredita que ele é. Ele
realmente quer que a gente volte. Prometeu nunca mais me trair...
– Ah mãe! Olha, eu sei que tem medo de ficar sozinha, mas não precisa voltar com o
Tom. Eu não vou sumir mais. Não precisa do Tom. Ele te traiu, mãe. Você mesmo o botou pra
fora! E eu sei que ele está sendo legal agora ficando por perto. É algo realmente louvável, porém,
casar com ele de novo? Não cometa os mesmos erros!
– As pessoas erram, Anna. Ninguém é perfeito. E nem tudo é preto no branco. Sim, eu sei
dos pecados do Tom. Mas nós vivemos bem antes... – ela respira fundo. – Enfim, você sabe que
éramos felizes. Tom sempre nos tratou muito bem. E mesmo depois que nos mudamos pra cá, ele
até se esforçou, mas, toda esta questão de não conseguir um bom time, perder todo o dinheiro,
acabou com ele.
– Isto não é culpa sua, mãe.
– Não, mas eu sou esposa dele. Eu tinha que ajudá-lo e eu fiquei tão amarga também...
Acho que a culpa é minha. Eu não me esforcei para resolver as coisas entre nós. Acho que agora,
finalmente, vamos conseguir.
– Mãe, por favor...
– Eu sei que você é contra e por isto estou estamos conversando. Não quero perdê-la de
novo.
– Você não vai me perder. Independentemente do Tom – digo e Stella sorri.
– Por favor, dê uma chance a ele. Por mim.
Eu assinto, mesmo querendo morrer por concordar.
Minha mãe está doente. E eu não posso dar as costas a ela de novo.
Tom janta com a gente na noite antes de eu ir embora e é um suplício fingir que está tudo
bem.
Como eu posso deixar minha mãe de novo com aquele cara?
– Não precisa se preocupar com sua mãe, Anna, eu cuidarei dela – ele diz, segurando a
mão de Stella.
Eu tento sorrir.
– Claro. Não se preocupe, eu voltarei em breve. Só preciso ajeitar as coisas no trabalho. –
digo, levando a louça para a cozinha.
Tom me segue
– Eu te ajudo. Stella subiu pra descansar.
Eu mordo os lábios com força quando ele pega o pano de prato.
– E então, Anna, já que voltamos todos as boas, vou te perguntar se você pensou direito
sobre o dinheiro dos Beaumont.
Eu bato o copo com força na pia.
– Escuta aqui, eu só te aceitei pela minha mãe, porque ela está doente. Não pense que eu
acredito em você, entendeu?
– Ei, calma. Não falei por mal. Este dinheiro ia ajudar sua mãe também.
– Esquece os Beaumont! E espero que você se comporte com a minha mãe, senão eu
acabo com você!
Fecho a torneira e me afasto sem olhar pra trás.
***************
***************
Volto para o escritório e, com a nova definição de status de meu relacionamento com
Daniel, pelo menos lá as coisas correm razoavelmente bem. Era cansativo e estafante demais ser
fria e distante o tempo inteiro. Não que eu esteja sendo amorosa ou algo assim.
A verdade é que agora a distância é algo quase natural. Eu simplesmente me sinto
pairando numa nuvem acima, enquanto os dias correm lá embaixo.
Ainda não sei bem o que está acontecendo. Eu gosto do meu trabalho e estou empenhada
em fazê-lo bem feito, o que toma bastante tempo. Às vezes sinto alguns olhares e sei que as
pessoas comentam sobre mim e Daniel, isto no fundo não me afeta. Para quem passou o que
passei com fotos sexuais na Internet, alguns comentários maldosos sobre um noivado súbito com
o chefe não são nada.
Depois tem Charlotte Beaumont e todo o trabalho com as coisas do casamento. Sinto um
calafrio de medo e dúvida cada vez que estamos tratando disso. Tudo parece estar correndo como
Charlotte previu e eu deixo que ela tome todas as decisões, concordando seja lá com o que ela
queira. Afinal, ela realmente parece ter bom gosto.
E Charlotte é a única Beaumont que eu vejo naqueles dias. O que pode ser muito estranho
se levarmos em conta que eu estarei casando com um deles em alguns dias. Daniel não toca no
assunto e muito menos eu faço questão de tentar ser amiga deles. Está claro que possivelmente
eles são contra este casamento. Ainda não sei como Violet Beaumont está suportando. E no
fundo nem me interessa.
Tenho questões muitos mais importantes pra me preocupar no momento. A principal
delas é a volta de Tom pra vida da minha mãe.
Eu sempre ligo pra ela e, para meu desespero, Tom está por perto todas as vezes. E meu
maior medo se concretiza quando numa noite, depois que Daniel e Charlotte vão embora, escuto
a campainha tocar e ninguém menos do que Tom está na minha porta.
– Olá, Anna.
– O que está fazendo aqui?
– Eu vim ter uma conversa com você.
– Não acho que temos alguma coisa pra conversar, a não ser que tenha vindo me dizer
que vai deixar minha mãe em paz.
– Pois eu acho que temos muito a conversar, a começar por seu casamento com Daniel
Beaumont, que por algum motivo está escondendo de todos.
Eu levo um susto.
– Como ficou sabendo?
– Tenho minhas fontes. Vai me deixar entrar ou vamos conversar aqui mesmo?
Eu reluto, mas o deixo entrar e fecho a porta atrás de mim, fitando-o friamente.
– Então é verdade que vai casar com o Beaumont?
Tarde demais eu me dou conta de que o vestido está pendurado ali na sala, onde Charlotte
deixou antes de ir. “Para tomar um ar e não amassar”, ela disse.
E agora Tom está tocando a organza fina com um sorriso horrível no rosto.
– É. - concordo sem saber aonde ele que chegar. – E se você já sabe, contou a minha
mãe?
– Não. Eu queria ter certeza. Além de querer saber como é que isto pode ser possível? –
ele senta no meu sofá, me encarando. – Como você reencontrou Daniel Beaumont e vai casar
com ele, depois do que aconteceu há oito anos?
– Isto não é da sua conta.
– Eu acho que é. Afinal, sou seu padrasto.
– Não é mais.
– Sou sim. Eu e sua mãe reatamos.
– Não pode ser. Ela não me falou nada!
– Por isto estou aqui. Ela ficou bastante preocupada com sua reação. E eu disse a ela que
viria conversar com você pessoalmente e convencê-la do cara legal que eu sou.
– Não pode acreditar que vou aceitar! Minha mãe pode ser idiota, eu não sou!
– Não é? E como é que aceita se casar justo com o cara que te enganou há oito anos?
– Você não sabe de nada!
– Então me conte.
– Não vou contar nada. E você vai embora daqui agora!
– Não vou não – ele se levanta e vem em minha direção. – Estou de saco cheio deste seu
ar de superioridade! Não é melhor do que sua mãe! Abriu as pernas pro Daniel Beaumont e está
abrindo agora de novo...
– Cala a boca! – eu tento me afastar, mas Tom segura meu braço. – Me solta.
– Ainda não! Nós temos um assunto para tratar! Já que é tonta o bastante para casar com
o Beaumont, eu quero minha parte.
– O quê?
– Eles são ricos. Eu estou numa pior. Acho que você me deve.
– Não te devo nada, está maluco? – eu tento me soltar, Tom segura meu outro braço e me
sacode, muito furioso agora. Eu começo a ficar com medo.
– Eu te sustentei por todos aqueles anos! Te dei o melhor e o que você fez? Ajudou
aquela vaca da Violet Beaumont a acabar comigo.
– Eu não fiz nada disto! Eu nem sabia o que eles estavam tramando.
– Claro que não! Estava tão interessada em uma foda com o Beaumont e nem conseguia
ver o que estava na sua frente!
– Você é louco, me solta!
Ele finalmente me solta e eu massageio meus braços doloridos.
– Não pense que vai se livrar de mim, Anna. Eu quero meu dinheiro e você não vai me
passar a perna!
– Acha mesmo que vou casar com Daniel e dar dinheiro a você?
– Não me interessa como vai fazer! Mas vai fazer! Ou eu acabo com este seu casamento
bem rápido.
– E como acha que vai conseguir?
– Eu consigo o que eu quero! Estou mesmo louco por uma vendetta contra aqueles
Beaumont! Se acham tão superiores e não passam de lixo.
– Lixo é você que tem a coragem de vir até aqui me ameaçar e extorquir! Eu vou contar
tudo isto a minha mãe e ela vai finalmente te expulsar de novo, já chega!
Tom ri.
– Não vai não. E se contar, acha que Stella vai acreditar? Ela sempre acredita em mim.
Stella vai ficar do meu lado. Para sempre.
– Por que faz isto? Por que ainda quer ficar com a minha mãe?
– Stella sempre acreditou em mim e me apoiou.
– Apoiou suas sujeiras, quer dizer!
– Admito que agora ela não é mais aquela mulher interessante com quem me casei, mas
sempre terei outras oportunidades por aí...
– Meu Deus, você é muito canalha! Tem coragem de dizer na minha cara que vai trair a
minha mãe de novo?
– Não seja ingênua, Anna. Sua mãe com certeza não é. No fundo ela sabe, sempre soube.
E olha só, ela está disposta a me perdoar e me aceitar de volta, como sempre!
– Porque ela gosta de você! Juro que isto não vai durar muito, eu vou conseguir tirar você
da vida dela, custe o que custar!
– Não vai não. Já tentou uma vez e você viu que ela preferiu a mim!
– Não vai ser assim agora. Eu simplesmente me omiti e deixei que a usasse, mas não vou
mais permitir!
– Vai sim, Anna querida. – ele se aproxima de mim de novo, quase me prensando contra
a parede. – E vai não só parar de se intrometer no meu casamento com sua mãe, como vai
conseguir o dinheiro do seu noivinho safado e da família maldita dele para que a gente tenha o
mesmo nível de vida que tínhamos antes. E seremos uma família feliz novamente – ele toca meu
rosto e eu afasto sua mão com um safanão.
– Tira a mão de mim! - eu o empurro. – E se eu contar a minha mãe o que fez lá em
Olímpia?
– E o que eu fiz lá em Olímpia?
– Você se insinuou pra mim! Estava claramente dando em cima de mim.
Ele sorri.
– Acho que está imaginando coisas.
– Não estou não! Você disse que eu tinha ciúmes de você!
– Sim, eu disse que possivelmente você nutria alguma paixonite por mim, assim como a
Violet...
– Você é nojento! Eu não sinto nada por você!
– Bom, infelizmente eu tenho que concordar que é verdade. – e ele me mede de forma tão
lasciva que embrulha meu estômago. – Você não foi como Violet, sempre com aqueles sorrisos
me seguindo por toda parte... Ah, foi tão fácil seduzi-la... Eu logo vi que você seria diferente,
mas eu pensava que quem sabe um dia...
Eu não penso duas vezes em avançar pra cima dele com a mão pronta pra agredi-lo, Tom
prevê meu movimento e segura meu braço.
– Ei, não vai me bater, sua vadia!
– Seu maldito! – eu continuo a tentar agredi-lo, ele me empurra com força para a parede e
me prensa lá, me segurando com força.
– Já chega! Ou eu faço com você o mesmo que fiz com a Violet, é o que você quer?
Apanhar nesta carinha linda? Acho que estragaria o casamento, não é? E não é o que queremos!
Então vamos parar por aqui!
– Me solta – ordeno, com medo.
– Sim, eu vou soltar. Mas vai prometer que será boazinha.
Eu sacudo a cabeça afirmativamente, meus olhos cheios de lágrimas.
Tom me solta finalmente.
– Bom, eu vou embora. Vou deixar você pensar melhor – ele tira um cartão do bolso. –
Aqui está o hotel em que estou hospedado. Ficarei alguns dias. Talvez até vá a seu casamento, o
que acha?
– Você não faria isto – sussurro.
– É, acho que não seria uma boa...
Ele sorri.
– Então estarei esperando sua ligação para chegarmos a um acordo amigável. Boa noite,
Anna.
Quando ele sai, eu estou tremendo toda.
O que foi aquilo?
Tom era pior do que eu pensava. E minha mãe está caindo na dele de novo. Infelizmente
ele tem razão ao dizer que Stella nunca acreditaria em nada do que eu possa dizer contra ele. E o
que eu vou fazer?
Eu preciso me livrar de Tom. Já chega. Ele está ficando cada vez mais ameaçador e eu
tenho medo do que ele possa vir a fazer a minha mãe. E ela está muito doente.
Não. Alguma coisa eu tenho que fazer. E rápido.
De repente uma ideia se delineia em minha mente. Eu a rejeito a princípio. Mas, quanto
mais penso nela, mais me parece ser a única solução.
Então, antes que eu desista, caminho até o telefone e disco.
– Oi, Tyler.
– E aí, tudo bem?
– Não, não está tudo bem. Preciso que venha agora.
– O quê? Anna, o que aconteceu?
– Eu te conto quando chegar aqui. Por favor?
– Está me assustando.
– Por favor, Tyler. Eu preciso de você. Só posso contar com você pra me ajudar.
– Tudo bem. Chego em pouco mais de uma hora.
– Ok, será o suficiente.
Eu desligo e ligo para Tom.
–Tom? Sou eu, Anna.
– Uau, que rápido. Espero que tenha mudado de ideia.
– Sim, eu mudei. Pode vir aqui?
Ele concorda prontamente e aparece uns quinze minutos depois com um sorriso
presunçoso no rosto.
– Entra. – eu peço e vou pra cozinha.
– Então você finalmente entendeu que podemos nos dar melhor juntos? – ele pergunta,
vindo atrás de mim.
Eu sorrio, apesar do meu asco.
– Sim, eu pensei melhor. – eu me viro e pego a faca em cima da pia e olho pra Tom. – Eu
estou fazendo o jantar. Será que pode cortar estes vegetais pra mim?
Ele levanta a sobrancelha, divertido.
– Está falando sério?
– Por favor?
Ele dá de ombros e pega a faca.
– E aí, quando vamos falar de negócios?
– Achei que podíamos conversar depois do jantar.
– Tudo bem pra mim. Estou realmente animado agora...
– Sim, eu imagino... Pode me devolver a faca?
– Eu não terminei.
– Não preciso mais que corte.
Ele parece confuso, mas me dá a faca.
Eu olho pra ele um momento.
– Se eu te pedisse de novo pra ir embora de nossas vidas e nunca mais voltar, você
realmente não faria não é?
– Anna, que conversa estranha é esta? Me chamou aqui pra me enganar? – ele começa a
ficar nervoso. – Eu achei que estávamos nos entendendo! Eu não vou desistir, entendeu?
Eu respiro fundo.
– Sim, eu entendi.
E então eu levanto minha blusa e segurando o ar, passo a faca por minha barriga.
Tom dá pulo pra trás, chocado.
– Ei, o que está fazendo?
Eu o encaro, apesar da dor, e sorrio.
– Não fui eu que fiz. Foi você.
– O quê? Está louca.
Eu largo a faca no chão e seguro minha barriga com força. Droga, dói mais do que eu
imaginava.
A campainha toca e eu grito.
– Tyler!
A porta se abre num estrondo e Tyler olha de mim pra Tom e vê o sangue pingando da
minha roupa.
– Deus do céu, Anna! – ele corre na minha direção e me segura.
Tom olha para nós em choque.
Tyler o fuzila com o olhar.
– Você fez isto com ela.
– Não! Foi ela mesma que... Meu Deus, ela é louca!
– Eu vou matar você!
Então Tom corre e Tyler faz que vai atrás dele, mas eu gemo de dor.
– Anna, pelo amor de Deus, precisamos levar você a um médico.
– Não, eu estou bem! Vamos a uma delegacia primeiro.
–Mas...
Eu o encaro friamente.
– Eu preciso denunciar o Tom.
A madrugada está fria e uma chuva fina molha meus cabelos quando saio do carro. Solto
um pequeno gemido de dor e Tyler segura meu braço. Eu o encaro.
– Você tem certeza do que vai fazer?
– Nunca tive tanta certeza de algo na minha vida – minha voz sai firme apesar de estar
tremendo por dentro.
Tyler simplesmente acena e não solta meu braço quando entramos na delegacia
movimentada.
Eu encaro a policial com o rosto entediado atrás do balcão e eu respiro fundo antes de
falar.
– Estou aqui para denunciar uma agressão.
As horas seguintes passam como um borrão.
Depois de dar meu depoimento, jurando que estou bem apesar da dor, finalmente eles me
levam para o hospital. Eu não sou louca, eu sei que o corte é superficial e nem é tão longo. Mas
serviu para meus propósitos. Os roxos nos meus braços apenas servem para aperfeiçoar minha
história.
Tom está bem encrencado agora.
Quando finalmente os médicos fazem um curativo e me deixam em paz, Tyler entra no
quarto e me encara gravemente.
– Anna, por que pediu que eu dissesse que vi Tom a esfaqueando?
Eu engulo em seco. No caminho para a delegacia eu pedi a Tyler que mentisse por mim.
Ele pareceu não se importar na hora, agora, mais calmo, era diferente.
Eu encaro seus olhos. E de repente tudo o que eu fiz cai em mim como chuva de concreto
e meu coração dispara em pânico no peito. Eu mal consigo respirar.
Até agora eu estava convicta que não tinha outro jeito. Tom era um canalha safado e
tinha estragado tudo desde que entrara em nossas vidas.
Se não fosse por ele, os Beaumont nunca teriam botado os olhos em mim. Eu nunca teria
sido vítima daquela vendetta.
Nunca teria conhecido e me apaixonado por Daniel.
E passado oito anos sofrendo, não só de decepção amorosa, mas também com toda a
vergonha de ver as minhas fotos na Internet. As mesmas fotos que fizeram me separar de
Benjamin. Que foram parar na mesa do meu chefe. E que só não foram motivo de demissão,
porque Daniel me defendera.
Daniel. Eu sequer tinha pensado nele desde o momento em que decidira armar contra
Tom.
O que ele diria quando soubesse o que tinha acontecido? E se ele soubesse que era tudo
mentira?
Sinto meu coração afundando no peito. Eu passei oito anos odiando os Beaumont por sua
vendetta.
E o que eu tinha feito, não foi uma vendetta? Não foi vingança contra Tom?
– Anna, o que foi? – Tyler toca minha mão.
– Tyler, eu...
Mas, antes que eu possa falar qualquer coisa, um médico entra no quarto com meu
prontuário em mãos.
– Olá Annalise Nicholls?
– Sim.
– Como está se sentindo?
– Estou bem, foi apenas um corte superficial. Aliás, quando posso ir embora?
– Sim, tem razão o corte foi superficial e para sua sorte, não afetou em nada o bebê.
– O quê? – eu e Tyler dizemos ao mesmo tempo.
– Sim, sua gravidez segue sem problema algum, teve muita sorte que o corte foi
superficial, se tivesse sido um pouco mais fundo...
Eu já não escuto.
Estou lutando para respirar. E entender.
Ele disse gravidez? Bebê?
– Anna, você está grávida? Por que não me disse? – a voz de Tyler parece vir de muito
longe.
Eu o encaro, muito pálida.
– Eu não sabia, eu... eu não fazia ideia...
O médico me encara preocupado.
– A senhorita não sabia?
– Não... – eu começo a sentir meu estômago revirando.
– Não há duvida. Pelos exames, a senhorita está grávida, ainda não determinamos de
quantas semanas, para isto precisamos fazer uma ultrassonografia. Bom, eu preciso ver outros
pacientes. Precisará passar a noite aqui em observação, poderá ter alta amanhã cedo. Suas
escoriações vão sumir com o tempo e o corte vai fechar facilmente. Recomendo que procure um
médico para cuidar de sua gravidez.
O médico sai do quarto.
– Ah meu Deus – tapo minha boca com as mãos.
O que eu tinha feito?
Eu estava grávida e não fazia ideia.
Eu havia esquecido, com a minha cabeça repleta de problemas, que era uma
possibilidade.
Agora é real.
Eu estou mesmo grávida.
E eu tinha esfaqueado a mim mesma para me vingar e me livrar de Tom.
Que tipo de monstro eu era? Eu era mil vezes pior que do que Violet.
Mil vezes pior do que Tom.
– Anna, fale comigo.
Eu o encaro, cheia de horror.
– Tyler, eu menti.
– O quê?
– Não foi o Tom que me esfaqueou. Ele não estava mentindo. Eu mesma fiz isto. Pra
incriminá-lo.
Agora é Tyler que me encara horrorizado e eu conto tudo a ele.
Eu choro muito e estou tão descontrolada, que Tyler chama uma enfermeira que me dá
um tranquilizante para dormir.
Quando acordo está amanhecendo e Tyler continua comigo.
Eu o encaro.
– Você está bem? – pergunta, vindo até mim.
– Não – murmuro.
– Quer que eu chame o médico?
– Não, não é fisicamente...
Ele segura minha mão.
– Acharam o Tom. Ele foi preso.
Eu não sei o que dizer.
Eu devia estar exultante. Não era o que eu queria?
Mas só me sinto morta por dentro.
– E ele ligou pra Stella, que ao que parece, ligou histérica pra seu pai, que ligou pra sua
casa e como ninguém atendeu, já que Fiona estava com o noivo, ele me ligou e eu acabei
contando tudo a ele.
– Tudo o quê?
– Que Tom te agrediu e que foi preso.
– Oh Deus.
– Ele está vindo pra cá, Anna.
– Não queria meu pai envolvido nisto tudo...
– Eu sei. Tudo vai ficar bem. Está pronta pra ir embora?
– Sim, for favor.
Quando estamos no carro, Tyler pergunta com cuidado.
– Você não deveria, bem, chamar o Daniel Beaumont?
– Não! – refuto rápido. Eu não poderia lidar com Daniel agora.
Na verdade sinto que não posso lidar com nada agora.
Felizmente eles não me esperam hoje no escritório, já que Charlotte tinha marcado um
dia num Spa de noivas.
Eu preciso dar um jeito de me livrar disto.
Ao chegar em casa, eu ligo pra Charlotte Beaumont e antes que eu possa arranjar uma
desculpa, ela já diz que não poderá ir comigo, porque teve algum problema com as flores.
– Eu sei que disse que iria com você, será que não pode ir com a Fiona?
– Claro, Fiona irá comigo – minto. Fiona está no trabalho hoje. – Não se preocupe.
Ela desliga depois de falar mais coisas sobre as tais flores, as quais não registro eu encaro
Tyler.
– O que vai fazer, Anna?
– Eu não sei. Preciso... Encarar meu pai.
– Seu pai sabe que vai casar?
– Ninguém sabe.
Meu telefone toca e eu vejo que é minha mãe.
– Anna, o que está acontecendo? – grita do outro lado. – Tom me ligou dizendo que está
preso e que você o está acusando de coisas absurdas!
– Mãe, se acalma, por favor!
– Como posso me acalmar? Eu vou pra Seattle!
– Não vai, não!
– Meu marido está preso e minha filha que o está acusando, o que acha que posso fazer?
– Seu marido é um canalha que veio aqui me ameaçar! – grito também. – Como pode
defendê-lo?
– Ele disse que você o está acusando de tê-lo machucado com uma faca.
Eu fecho os olhos com força.
– Sim, é verdade – minto.
Não posso voltar atrás agora. Seria o único jeito de livrar minha mãe de Tom.
– Oh meu Deus... Não pode ser, ele nunca faria isto – escuto Stella chorar do outro lado
da linha.
– O Tom não vale nada mãe. Ele é capaz de tudo.
– Ele me disse que você vai casar com aquele Beaumont, como pode ser isto, Anna?
– Mãe, eu sei que preciso te contar muitas coisas, eu apenas não queria preocupá-la. Eu
juro que eu estarei aí em poucos dias e lhe explicarei tudo. Só quero que fique calma e bem.
Lembre-se que está se recuperando.
– Mas o Tom...
– O Tom está tendo o que merece! Eu sinto muito, mãe, mas é verdade. Ele é um canalha
capaz de coisas que a senhora nem imagina! Sei que a senhora pode até não acreditar em mim,
mas Tyler está aqui e ele sabe de tudo.
– Oh Deus... Filha, você está bem?
– Estou sim, foi superficial.
– O que vamos fazer agora?
– A senhora não precisa se preocupar com nada. Eu vou consertar tudo, mãe.
Eu desligo e encaro Tyler.
– Eu me perguntei se iria dizer a verdade a sua mãe – ele diz.
– Não posso. Fui longe demais. Eu fiz isto tudo por ela. Eu deixei o Tom destruí-la sem
fazer nada, não posso mais permitir. Mesmo... – respiro fundo. – Mesmo sendo horrível o que
fiz...
– Ele mereceu, Ann. Sei que... Foi radical, mas... – ele segura minha mão. – Eu estou
com você, entendeu? No que você precisar.
– Obrigada.
Meu pai aparece algumas horas depois e está descontrolado quando fica sabendo de tudo.
– Aquele safado! Por que não me disse nada, Anna?
– Não queria envolvê-lo.
– E esta história de que vai casar com o Beaumont?
Eu mordo os lábios, o que eu podia dizer ao meu pai?
– É verdade.
– Anna, o que está acontecendo com você? Está louca?
– Eu sei que ando agindo errado, mais do que ninguém, eu sei...
– Como pode aceitar se casar com aquele canalha?
– Pai, tanta coisa aconteceu...
– Eu não consigo entender, Anna. Sofre ameaça do Tom e não me diz nada, decide casar
com Daniel Beaumont escondido... Você está fora de controle! O que está fazendo com a sua
vida?
Eu sinto minha garganta se fechar. Michael não faz ideia do quão errada estou. Ele não
faz ideia...
– Pai, está tudo bem agora. Eu estou bem. Tem que voltar a Olímpia.
– Não, se eu for, você vai comigo! Já chega de burradas!
– Não posso, pai.
– Anna, pelo amor de Deus!
– Michael, eu fico com ela. – Tyler tenta acalmá-lo.
– Você só faz o que ela quer. Foi sempre assim!
– Pai, eu sou adulta. Esta é minha casa. Não posso correr pra Olímpia como fiz há oito
anos. Eu vou resolver meus próprios problemas agora.
Michael finalmente se dá por vencido.
E ele me abraça antes de ir.
– Filha, eu estou muito preocupado com você. Tem certeza que se casar é a melhor
solução? Eu não sinto que você está feliz, você parece... perturbada. Eu quero somente o melhor
pra você.
– Eu sei, pai.
Depois que Michael vai embora, Tyler me encara.
– Seu pai tem razão. Eu ainda não entendo como pode estar casando com o Daniel
Beaumont.
– Nem eu.
– Eu sei que está grávida... foi por isto que aceitou?
– Sim, ele me pediu por que havia a possibilidade...
– E agora é real.
– Sim.
– E ainda vai casar?
Eu não consigo responder.
– Tyler, preciso descansar.
– Sim, eu vou ficar por aqui.
Eu me deito no meu quarto escuro, mas não durmo. Eu fico olhando para o teto.
E pensando na bagunça que eu fiz na minha vida.
Minha mão vai até minha barriga e eu penso em quão horrível eu sou.
Como eu me tornei essa pessoa?
Eu mal me reconheço.
Como eu posso me casar com Daniel?
Ele não faz ideia de quem eu sou.
Violet tinha razão. Eu me tornei igual a ela.
Quando Daniel liga naquela noite, eu sei o que preciso fazer. Mas por algum motivo, eu
ainda não consigo.
– Oi, você está bem? – ele pergunta.
– E estou – minto.
– Eu queria passar aí, mas estou preso numa reunião até tarde.
– Tudo bem.
– Charlotte me disse que ia passar o dia no SPA.
– Sim, eu passei – minto de novo.
– Não parece muito animada.
– Sabe como é... é mais cansativo do que outra coisa.
– Eu imagino. Não deixe Charlotte te cansar demais.
– Escuta, Daniel... – eu quero perguntar se podemos nos ver amanhã. Eu tenho que falar
pessoalmente com ele.
– Anna, preciso desligar, estão me chamando.
– Tudo bem, depois nos falamos.
Eu desligo.
Fiona fica histérica quando aparece naquela noite e eu a tranquilizo. Mesmo assim, ela
percebe o quanto estou perturbada. Infelizmente não posso contar a verdade a ela.
– E o Daniel sabe? – pergunta.
– Não, não quero preocupá-lo.
– Ah Anna, ele tem que saber.
– Eu vou conversar com ele amanhã.
No dia seguinte, eu me sinto pior ainda. Charlotte aparece e começa a falar que tudo está
preparado.
– Você está com uma cara péssima.
– Estou cansada.
– Era pra estar linda depois de ontem! Meu Deus! Está de TPM?
Eu penso na gravidez e meu estômago revira.
– É, deve ser isto – desconverso.
– Bom, eu vou embora porque tenho milhões de coisas pra fazer. E você vê se descansa e
melhora esta cara! Amanhã é o grande dia! Ah, e nem tenta ligar pro Daniel, ele está proibido de
falar com você hoje!
Ela vai embora e eu pego o celular, realmente disposta a falar com Daniel apesar da
proibição de Charlotte. Ele não atende.
Está seguindo as ordens de Charlotte.
E agora o que eu faço?
Passo por cima de tudo e me casar? Como eu posso fazer isto?
Mesmo com o bebê...
Eu ainda sinto meu estômago revirando só de pensar nisto.
O que Daniel vai dizer se souber? E será que me deixará ir?
Não, ele vai me forçar a ficar.
E se eu ficar?
Oh Deus, eu não sei o que fazer!
Naquela noite eu tenho pesadelos.
Sonho com minha própria mão apunhalando minha barriga com força e o sangue jorrando
entre minhas pernas.
†
Livro IV
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPITULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
“De uma guerra se gera outra; uma vingança puxa outra”
Erasmo de Roterdã
Prólogo
Anna
Eu só quero me livrar daquele vestido. E assim que entramos no meu apartamento, corro
pro quarto e tento sem sucesso abrir a porcaria dos botões nas costas e começo a chorar.
– Inferno!
Sento na cama e escondo o rosto nas mãos. Me sinto miserável.
E temo nunca mais me sentir bem de novo.
A cama se move e Tyler coloca o braço em volta do meu ombro.
– Ei, vai ficar tudo bem.
Eu o encaro através das lágrimas.
Toda esta cena se parece demais com oito anos atrás.
– Daniel nunca vai me perdoar pelo o que eu fiz.
– É isto que deseja? Que ele a perdoe?
Sim, eu quero – penso, com tristeza.
De alguma maneira eu estou arrasada porque sei que magoei Daniel.
E ele deve me odiar agora.
Como as coisas podiam mudar tanto?
Há oito anos fora ele quem me magoara. Agora era o contrário.
Eu podia me sentir vingada.
No entanto eu só me sinto devastada.
– Por que o deixou Anna? – Tyler indaga devagar.
– Você sabe de tudo melhor do que ninguém. Eu não podia me casar com Daniel.
– Eu posso até concordar. Só acho que deveria ter desistido de tudo antes.
– Eu sei – suspiro com pesar. – Eu sei.
– E o que vai acontecer agora?
– Eu vou tirar este maldito vestido. E vou fazer minha mala.
– De volta a Olímpia como há oito anos. – Tyler não parece satisfeito com minha escolha.
Mas eu sei que ele me apoiará no que eu decidir.
– Sim, por enquanto.
Daniel
***************
Quase oito anos depois estou fazendo o mesmo caminho de volta pra casa.
Estou voltando para Olímpia.
E como da outra vez, estou com o coração partido.
– Anna? – a voz de Tyler é um misto de preocupação e pesar.
– O quê?
– A vingança é tão boa como previu?
Eu não respondo. Estou ocupada demais lamentando não ter saído correndo daquele
escritório quando reconheci Daniel Beaumont.
Tudo começou ali.
Eu me apaixonei por ele novamente e agora estou indo embora. E grávida.
E não sei o que vai acontecer com minha vida de agora em diante.
Capítulo dois
Daniel
Estou a poucos metros de sua casa e uma chuva fina cai sobre mim, quando saio do
carro. Owen havia pedido que eu não fizesse isto, que só iria piorar as coisas, mas eu precisava
ver Anna, tentar me explicar. Embora eu soubesse que ela provavelmente nunca iria me
perdoar.
Eu penso em como me aproximar sem chamar a atenção dos paparazzi que se
aglomeram em frente à casa, deliciados com o escândalo de Tom.
Antes que eu dê um passo, escuto uma moto estacionando e Tyler Davis salta de lá e me
esmurra na cara.
Eu caio para trás, surpreso, e abro os olhos pra vê-lo quase em cima de mim, pronto
para mais.
– Seu filho da Puta! Como tem coragem de vir aqui?
– Eu só quero conversar com ela...
Tyler ri sem humor.
– Acha que ela quer falar com você? Você a enganou! Acabou com a vida dela e eu devia
acabar com sua também!
– Eu sei. – murmuro. – Eu sei que Anna deve me odiar.
– Ela está arrasada. E se eu fosse você, dava o fora daqui e nunca mais a procurava. A
situação na casa dela não está nada boa e ninguém quer te ver por lá. Não devia estar sendo
legal contigo, só faço isto pela Anna. Não vai fazer bem nenhum para Anna agora.
Eu respiro fundo e vejo um fundo de verdade nas palavras de Tyler Davis.
O que eu poderia fazer para Anna agora? Era tarde demais.
– Sim, tudo bem. Eu vou.
Eu me arrasto até o carro e Tyler prossegue até a casa dela.
Mas eu não vou embora. Eu fico ali, por horas a fio, até que eu vejo um carro sair da
garagem e, ao passar por mim, eu a vejo no banco do passageiro.
É apenas uma imagem rápida e desfocada pelo vidro.
Minha última visão de Anna Nicholls indo embora pra sempre com Tyler Davis.
***************
***************
No final daquela semana, Taylor me chama a sua sala.
– Daniel, precisamos ter uma conversa séria.
– Algum problema?
– Sim, muitos na verdade. Eu entendo que esteja passando por um uma fase difícil em sua
vida pessoal, mas isto se torna realmente ruim se afeta seu trabalho.
Eu me reviro na cadeira, incomodado.
Aquela semana estava sendo difícil.
– Você tem tratado a todos muito mal e eu até já recebi algumas reclamações. E ontem
você perdeu um acordo realmente muito importante para nosso cliente.
– Isto não tem nada a ver com...
– Eu acho que tem, Daniel. Dominic falou que estava distraído e não parecia em nada
com o Daniel Beaumont habitual numa audiência.
Eu respiro fundo.
– Eu realmente não tinha intenção...
– Eu sei. Mas não pode continuar deste jeito. Olha, vamos fazer assim. Tire umas férias.
– Não, não é necessário.
– Pois eu digo que é. Não é uma opção. É uma ordem. Precisa de um tempo. Descanse e
quando voltar, tudo estará melhor.
– E os meus casos?
– Transfira para Adam e Dominic. Eles não são tão bons quanto você, mas darão conta.
Tome o tempo que precisar.
***************
Eu saio do carro e me preparo para meu último almoço de família antes de viajar e o
primeiro depois do quase casamento.
Charlotte me recebe com um abraço e um sorriso feliz, como se nada tivesse acontecido e
Violet apenas acena de um canto.
– É verdade que vai viajar? – Elton pergunta tirando os olhos do jogo na TV.
– Sim, é verdade – eu havia contado a Owen no nosso jogo de Golfe.
– E para onde você vai? – Charlotte senta ao meu lado, curiosa. – Quem sabe eu não te
acompanho? Podemos ir pra Europa. Já sei, Paris!
Eu rio.
– Não inventa, Charlotte. Eu vou fazer uma viagem de carro.
– Vai cair na estrada então? – Elton ri. – Parece bem radical.
– Credo! – Charlotte faz cara de nojo.
– Eu acho muito bom. – Caleb entra na sala e se intromete. - Daniel precisa de um tempo.
Uma viagem de carro é sempre interessante.
– Quanto tempo vai ficar fora? – Lydia pergunta.
– Eu ainda não sei.
– Qual seu primeiro destino? - Violet pergunta, falando comigo pela primeira vez.
Eu dou de ombros, sem saber.
Três dias depois, quando eu vejo apenas a estrada à minha frente, estou seguindo as
placas em direção a uma cidade pequena não muito longe dali.
Olímpia.
Eu não deveria estar ali. Eu havia prometido a Anna que a deixaria em paz.
Mas, o que eu posso fazer, quando o único caminho que eu queria tomar era aquele?
Eu ainda não sei o que vou fazer quando chegar lá. O que vou dizer ela.
Talvez eu leve um fora de novamente. Só sei que eu preciso tentar.
Não é difícil descobrir onde é a casa de seu pai. E eu estou incrivelmente nervoso quando
bato à sua porta naquela tarde fria.
Quem atende não é Anna, e sim um homem mais velho.
– Em que posso ajudar?
– Olá. O senhor deve ser Michael Nicholls.
O homem franze a testa.
– Sou eu sim.
– Eu sou Daniel Beaumont.
Confesso que por um momento eu achei que Michael Nicholls fosse pegar uma arma e
disparar na minha cara quando ouviu meu nome, em vez disto, ele me convidou pra entrar e até
me ofereceu um café quando me levou para sua cozinha.
– Então você é Daniel Beaumont.
– Sim, senhor. Eu vim ver a Anna.
– Perdeu a viagem. Anna não está aqui.
– Não?
– Não. Ela está cuidando da mãe em Miami. Ela viajou há alguns dias.
Eu deveria ter imaginado.
– E quando ela vai voltar?
– Olha, eu não sei. Mesmo assim, eu vou te pedir uma coisa. Pare de procurar minha
filha. Ela me disse que tinha deixado bem claro a você que não o queria mais.
– Sim, ela pediu que não a procurasse.
– Então que diabos está fazendo aqui? Não percebe que só causou mal na vida dela? Eu
tive que cuidar dela e vê-la sofrer há oito anos e agora quando voltou, não estava num estado
melhor!
– Eu nunca tive a intenção.
– Ah, não me venha com esta! Sabe muito bem o que fez e tentou envolver ela de novo
agora!
– Eu queria consertar as coisas.
– Certas coisas que não têm conserto, rapaz! E como se ainda não bastasse sua família de
novo na vida de Anna, ainda teve aquele cachorro do marido da mãe dela aprontando das suas.
– O senhor sabe sobre Tom?
– Que ele a machucou com uma faca? Claro que sim. É um canalha filho da mãe e espero
que passe muito tempo na cadeia. Stella é uma tonta por acreditar num tipo como aquele. Se eu
soubesse que espécie de canalha era quando se casou com ela, teria trazido a Anna pra viver
comigo. Ele enganou a todos nós.
Então Anna não contou ao pai que tinha forjado o ferimento, concluo.
Talvez fosse melhor assim. O que Anna fez foi um crime e quanto menos pessoas
soubessem, melhor.
– Eu fui contra esta volta dela pra Seattle, devia tê-la impedido... Veja no que deu? Acho
melhor voltar para onde veio, garoto. Deixe Anna em paz. Ela precisa cuidar da vida dela. Se
pediu que a não procurasse, respeite sua vontade.
– Sim, acho que tem razão – eu me levanto.
– Eu agradeço muito. Minha filha precisa de paz, precisa prosseguir com a vida dela sem
lembrar o tempo inteiro do que aconteceu há oito anos e, se ficasse com você, isto seria
impossível.
– Sim, foi um erro eu ter vindo. Obrigado pela atenção, senhor.
Eu me despeço de Michael Nicholls e volto para o carro. Uma chuva forte cai agora e eu
me sinto perdido.
Anna estava prosseguindo com a vida dela.
Eu precisava prosseguir com a minha.
Se vamos ficar bem, só o tempo dirá.
***************
– Não, Charlotte, eu não estou em Nova York para comprar nada para você, dá um
tempo! – saio do hotel onde estou hospedado faz alguns dias e sigo pela rua apinhada de gente
naquele começo de noite, enquanto Charlotte esbraveja do outro lado do telefone.
– Você é muito ruim comigo. Eu tenho que aguentar a Violet torrando a minha paciência
com os últimos preparativos para o casamento dela e é assim que me trata.
– Eu não vou ficar indo de loja em loja para procurar uma maldita luva de seda...
– Cetim! Luva de cetim. Violet me mata se for de outro jeito, pelo amor de Deus.
– Olha, não me interessa. Eu estou atrasado para um jantar, depois nos falamos.
– Hum, tem um encontro?
– Não. – respondo irritado. – É um jantar na casa de um antigo colega de faculdade.
– E eu já ficando animada...
– Charlotte, vou desligar – eu corto aquele assunto.
– Está bem, só me garante que estará de volta dentro de duas semanas para o casamento
da Violet, por favor!
– Sim, eu estarei.
– Espero que sim. Já faz mais de um mês que viajou e ela está ficando histérica!
– Tchau, Charlotte!
Eu desligo e sigo atravessando a rua.
O apartamento de meu amigo George não é longe dali e decido ir andando.
Nós estudamos juntos em Harvard e mantivemos contato desde então, eu decidi ligar para
ele quando cheguei a Nova York há alguns dias, depois de passar um tempo viajando sem rumo.
Na verdade, eu ainda me sinto sem rumo.
E o convite para o jantar de George me pareceu uma boa distração.
– Ei Daniel, que bom te ver. – George abre a porta pra mim e eu me assombro ao ouvir
uma música e perceber que há mais gente ali do que eu imaginava.
– Não sabia que era uma festa – digo.
– Ah, não é. Apenas juntei algumas pessoas da firma que trabalho e alguns amigos para
descontrair. Vem, entra.
Eu o sigo para a sala e ele começa a me apresentar algumas pessoas.
A maioria são advogados e é interessante estar junto de pessoas do meu meio, e nunca
ficamos sem assunto. E também é bom estar longe de pessoas que saibam do fiasco que estava
minha vida pessoal.
– Fiquei sabendo do seu sucesso em Seattle. – George comenta. - Vou te apresentar um
colega que esteve lá há pouco tempo e inclusive está pensando em se mudar para a cidade.
Ele me leva até um rapaz que parece ser um pouco mais velho que nós apenas.
– Daniel, este é Benjamin Van der Woodsen.
– Muito prazer – eu aperto a mão de Benjamin e ele sorri. – Daniel Beaumont.
– Benjamin, eu te falei do Daniel. Ele agora é sócio na Taylor & Associados.
– Sim, eu conheço esta firma. Você foi rápido hein, deve ser mesmo muito bom, se
formou há pouco mais de um ano.
– Daniel era a estrela da turma. – George brinca e eu rio, aceitando a cerveja que
Benjamin me oferece.
– E você vai aceitar esta oferta em Seattle?
– Ainda não sei. Eu gosto da cidade e posso dizer que... Tenho alguns interesses lá. Mas
eu ando pensando em abrir meu próprio escritório.
– Onde estudou?
– Em Yale. Minha família é de Vermont. Depois que me formei, recebi uma oferta aqui
em Nova York.
– Nova York é uma boa cidade, pretende abrir seu escritório aqui mesmo?
– Estou pensando ainda. Meu pai tem me pressionado para voltar, ele quer que eu siga a
carreira política.
Eu rio ao ver a expressão de desgosto de Benjamin.
– Eu sei bem como é ter uma família pressionando – digo solidário.
– Benjamin. – George retorna - Conte a Daniel sobre aquele caso da multinacional que
estamos num impasse, tenho certeza que ele tem algum ótimo conselho...
Eu passo toda aquela noite numa conversa muito interessante com Benjamin e no resto do
tempo que passo em Nova York, eu acabo ajudando-o no tal caso da multinacional.
É bom espairecer e deixar tudo de lado. Eu gosto do que faço e me ver de novo envolvido
com trabalho, é melhor do que ficar ocioso pensando e lamentando por coisas que estão perdidas
pra sempre pra mim.
E, quando volto pra Seattle duas semanas depois para o casamento de Violet, eu sinto que
estou finalmente começando a seguir em frente.
No entanto seguir em frente é diferente de esquecer. Eu volto para o escritório de Taylor
e continuo trabalhando com afinco, fazendo aquilo que sei fazer.
Os meses passam iguais. Uma infinidade de casos e processos complicados de dia e
noites solitárias em meu apartamento na companhia dos trabalhos que trago para fazer em casa
ou de uma garrafa de whisky.
E ocasionalmente de algumas fotos no celular.
Se Violet descobrisse que ainda faço isto, com certeza ela daria com o celular na minha
cabeça. Não me interessa o que Violet pensa. Nós nem somos mais tão próximos.
Da primeira vez que Anna esteve em nossas vidas há oito anos, nós ficamos meses sem
nos falar até que nos aproximarmos de novo. Eu não a perdoava pela armação com Eloise. Nossa
briga foi horrível e Violet literalmente surtou, a ponto de meu pai achar por bem interná-la por
um curto período para que ela se tratasse.
Ela havia melhorado, mas Annalise Nicholls era assunto proibido. Até que ela retornou a
nossas vidas. E agora era assunto proibido de novo, não por causa de Violet e sim por minha
causa. Dessa vez não deixamos de nos falar, só não havia mais a mesma ligação de antes.
Às vezes eu sentia falta do que tínhamos, mas, na maioria das vezes, me sentia aliviado
por não tê-la por perto se intrometendo em minha vida. E ela também parecia bem ocupada nos
últimos meses na decoração de sua nova casa com Elton. O que acabou envolvendo minha
família inteira, assim, todos me deixavam em paz e paravam de me criticar por não sair mais, ou
não ter uma namorada.
Eu ainda não me sinto preparado para me envolver com ninguém, esta é a verdade.
– Já se passou um ano não é, Daniel? – Owen comenta enquanto jogamos Golfe naquela
tarde.
– O que quer dizer? – indago, mesmo sabendo exatamente do que ele está falando.
Ele sorri e desconversa.
– Faz um ano que eu e Charlotte lhe apresentamos Claudia. Confesso que não deu certo,
mas...
– Ela não casou há alguns meses?
– Sim, e está bem feliz. Esta você perdeu. Charlotte quer te apresentar uma outra amiga.
Eu sacudo a cabeça negativamente.
– Não preciso que me apresentem ninguém.
– Charlotte está preocupada com você. Disse que você, abre as aspas “precisa fazer sexo
para ser mais bem humorado e não um ogro”, fecha aspas.
Eu sorrio.
– Acho que você está fazendo pouco sexo com sua namorada, para ela ter tempo de
cuidar da minha vida sexual.
Owen ri divertido.
– Bom, eu poderia fazer sexo com Charlotte vinte quatro horas por dia e ela ainda acharia
tempo para se intrometer na vida alheia.
– Nisto eu tenho que concordar com você.
– Eu prometi falar com você. Ela quer que vá jantar em casa hoje à noite.
– Não posso.
– Daniel...
– E nem é uma desculpa. Eu conheci alguém em Nova York...
Owen levanta sobrancelha.
– Um cara – eu completo.
– Hum, devo dizer pra Charlotte que virou gay?
Eu solto uma gargalhada.
– Olha, ele é um cara bonito, mas não, não virei gay. Ele é advogado e acabou de se
mudar pra Seattle e marcamos um jantar.
– Ah, Charlotte ficará decepcionada, mas tenho certeza que ela tentará de novo.
– Sim, eu sei. – digo, vencido.
***************
– Ei, Daniel, entre – Benjamin abre a porta de seu apartamento para mim e eu olho ao
redor admirado.
– Uau, é um lugar legal aqui – comento. Há varias fotos preto e branco espalhadas pela
parede.
– Sim, eu gosto de fotografar.
Eu o encaro, surpreso.
– São suas?
– Sim, é meu hobby. Meu velho morria de medo que eu virasse profissional.
– Até poderia, são fotografias ótimas.
Ele me serve uma bebida.
– Eu tenho várias espalhadas por todo o apartamento, depois te mostro. Mas vamos ao
que interessa.
– Achei que fossemos jantar.
– Sim, eu te convidei para vir aqui, porque tenho uma proposta a você.
– George me disse que finalmente está abrindo seu escritório aqui.
– Sim, e eu quero você como meu sócio.
Nos dias que se seguem eu penso na proposta de Benjamin.
Quando ele me fez aquela proposta eu fiquei surpreso. E meu primeiro impulso foi
declinar. Eu já tinha uma carreira de sucesso na firma de Taylor. Mas ao mesmo tempo...
Eu não podia negar que desde a passagem de Anna, as coisas não eram as mesmas. Eu
ainda fazia meu trabalho e muito bem. Mas já não sentia a firma como um lugar que eu gostava
de estar.
Era vergonhoso admitir, porém era como se o fantasma de Anna rondasse por ali. Às
vezes, quando ouvia os passos de Kate se aproximando, eu imaginava que quem iria entrar pela
porta era ela.
Eu também não tinha mais a menor amizade com Adam. Ele agora namorava firme
Hannah, mas as coisas nunca mais foram as mesmas entre nós. Agora éramos apenas colegas de
trabalho.
Então, por que não aceitar o convite de Benjamin? Seria um desafio começar do zero. E
eu acho que é exatamente disto que eu estou precisando.
Então, depois de alguns dias, e depois de conversar com Taylor, eu aceito a proposta de
Benjamin.
– Eu acho que está sendo precipitado. – Violet comenta no almoço de família naquele
domingo. – Você tinha uma ótima carreira na Taylor e associados! Por que se arriscar num
escritório novo?
– Porque é um desafio. E acho que nos daremos bem.
– Eu acho estimulante. – Charlotte sorri. – E você parece bem animado desde que aceitou
esta proposta.
– Sim, está mais animado mesmo – minha mãe diz com um sorriso maternal e eu fico
feliz por ela estar satisfeita. Eu sei que ela se preocupa comigo.
– Então, já que sua vida profissional está tão bem, podia aproveitar e turbinar a vida
amorosa também, eu tenho uma amiga que ia adorar namorar um advogado.
– Que ótimo! – eu digo. – Me apresente.
– Jura? – ela arregala os olhos.
– Sim, e eu posso apresentá-la a Benjamin. Eles podem se dar bem.
Charlotte rola os olhos.
– Que sem graça! Ela está interessada em você e não nele!
– Pois eu estarei bastante ocupado por um tempo, Charlotte, não vou ter tempo pra outras
coisas.
– Bom, uma hora vai ter que ter!
Eu rio e meu olhar se encontra com o de Violet sobre a mesa e ela me encara com um
olhar de conhecimento. Ela sabe por que eu não quero conhecer a amiga de Charlotte. E seu
olhar diz que não aprova nem um pouco isto.
****************
– É impressão minha ou tem mais fotos aqui do que da última vez – eu falo ao entrar no
apartamento de Benjamin naquela noite.
Ele marcara um jantar, para apresentar algumas pessoas que estava pensando em
convidar para trabalhar conosco. Queria que eu os conhecesse primeiro e depois debateríamos.
– Não, eu trouxe mais alguns que tinham ficado na casa da minha mãe em Vermont e não
havia espaço no meu apartamento em Nova York. Vem, você é o primeiro a chegar, vou te
mostrar os outros quadros.
Eu sigo Benjamin pelo apartamento e as fotos são muito bonitas. Todas em preto e
branco de pessoas ou de paisagens, e ele me explica cada uma delas.
Então eu paro, em choque, na foto que cobre uma das paredes de seu quarto.
É de uma moça deitada numa cama, com o lençol cobrindo seu corpo que provavelmente
está nu por baixo do lençol.
A moça é Annalise Nicholls. Eu mal consigo respirar.
– Ah, linda não é? – Benjamin sorri ao meu lado. – É uma das minhas fotos preferidas.
– Quem é ela? – consigo perguntar.
– Uma antiga namorada de faculdade.
– Namorada – eu mal consigo pronunciar as palavras.
– Sim, infelizmente não deu certo.
– E por que terminaram? – de repente eu quero saber tudo sobre Anna e Benjamin.
Anna e Benjamin. É difícil demais de acreditar que aquele cara na minha frente. Meu
amigo. Meu sócio. Foi namorado de Anna Nicholls.
E tem uma foto dela nua em sua casa.
Meu estômago revira.
– Bem... – ele dá de ombros como se este assunto o incomodasse. – Às vezes as coisas
não dão certo...
– Sim, eu sei como é isto... E nunca mais se viram? – pergunto, tentando disfarçar minha
curiosidade mórbida fora do comum.
– Na verdade... – antes de ele responder, a campainha soa. – Hum, chegou mais gente.
Por que não se serve de alguma bebida na cozinha enquanto eu vejo quem é?
Benjamin se afasta e eu fico ali olhando o retrato de Anna.
E me perguntando como o destino me pregou aquela peça. Com tantas pessoas neste
mundo, eu havia me aproximado justamente de um homem que também teve Anna.
Minha mente está rodando, quando eu me obrigo a me afastar da foto na parede, antes
que a arranque dali e a leve embora, gritando que ninguém tinha o direito de vê-la assim.
Porém Benjamin a viu. E tirou aquela foto.
Eu engulo o nó de ciúme em minha garganta e me afasto pelo corredor. Escuto a voz
animada de Benjamin.
– Que bom que chegou. – ele tira o casaco de uma moça vestida de preto na porta, de
costas pra mim ostentando um coque elegante no cabelo castanho. - Eu quero te apresentar... –
ele para ao me ver. – Aí está você.
Então a moça se vira.
E eu tenho o segundo susto naquele dia.
Annalise Nicholls em carne e osso está na minha frente.
E eu estou tão boquiaberto como quando vi sua foto na parede.
Ela me fita também em choque.
A mesma pele branca. Os mesmos olhos chocolate.
É como um déjà vu de mais de um ano atrás em meu escritório.
– Anna, este é Daniel Beaumont. – Benjamin sorri escoltando Anna com a mão em suas
costas até a mim. – Daniel, esta é Annalise Nicholls. Ou Anna, como gosta de ser chamada. Ela
também irá trabalhar conosco.
Sim, o destino está realmente brincando comigo.
Capítulo três
Anna
1 ano antes
Incrível como o mundo gira, o tempo passa e, no entanto, continuamos sofrendo pelas
mesmas coisas.
Há oito anos eu havia chegado a Olímpia tão destruída que achava que nunca mais iria
me reerguer.
Mas eu sobrevivi. E para quê? Para oito anos depois estar no mesmo jeito.
Com o coração partido. E pela mesma pessoa. Daniel Beaumont.
Só que agora algumas coisas são diferentes. Eu não tenho mais 17 anos. Minha mãe está
doente e precisando de mim em Miami.
E eu estou grávida.
Me viro na cama, olhando o teto e toco minha barriga ainda plana. Uma pontada de culpa
faz meu peito doer. O ferimento da faca ainda não cicatrizou, uma recordação da mudança mais
profunda ocorrida em mim.
E a lembrança constante do que eu fui capaz.
Pensar nisto ainda me faz ter calafrios e embrulha meu estômago. Sim, Tom está preso,
mas a que custo? Uma mentira inventada por mim, e validada por meu melhor amigo, que foi
capaz de mentir para me ajudar.
E agora Daniel sabe.
Daniel.
Fecho os olhos com força, lutando contra a vontade de chorar. Pior que a culpa, a
confusão e desolação, é a saudade inesperada que eu sinto dele.
É uma saudade estranha. Uma saudade de algo que nem vivi.
Uma saudade daquilo que eu abri mão: um futuro com Daniel.
Mas, como poderia dar certo? Eu sou mercadoria avariada. Estragada. Muito antes de
Tom e da minha vendetta, já estava tudo perdido.
Eu e Daniel nos perdemos na vendetta de Violet. A mentira, a traição e a humilhação que
eu sofri naquela época, acabaram por marcar toda minha vida. Definiram todas as minhas
escolhas, até aquela de permanecer no mesmo escritório de Daniel, tentando provar, em vão, que
eu havia superado tudo. Apenas pra me afundar ainda mais profundamente na minha dor.
E me apaixonar de novo por ele.
Eu nunca deveria ter ficado em Seattle. Nunca. Infelizmente, agora é tarde para lamentar.
Como há oito anos, eu estou em pedaços.
E eu tenho que abrir os olhos, respirar fundo, me levantar e seguir em frente.
Tentar consertar nem que seja apenas uma parte da minha vida despedaçada.
– Stella me disse que vai pra Miami – Michael diz naquela manhã.
Eu levanto o olhar da minha xícara de chá intocada.
– Sim, eu vou.
– Eu não vou dizer que não gostaria que ficasse aqui. Mas sua mãe precisa mais de você
neste momento. Ainda mais agora que se livrou de vez do safado do marido.
Eu desvio o olhar. Não quero falar sobre Tom com meu pai, porque me sinto culpada pela
mentira que inventei.
– Aparentemente ela está se recuperando, não quero ficar longe dela até ter certeza.
– E depois?
Eu me levanto e jogo todo o chá na pia. Olho a chuva fina cair através da janela.
Sim, e depois?
Meu pai ainda não faz ideia da gravidez e nem vai saber até que eu me sinta segura para
contar.
– Depois eu vou pensar – respondo por fim.
Michael se levanta, colocando o casaco.
– Vai ficar bem sozinha?
– Eu já estou sozinha há três dias, pai. Está tudo bem.
Eu não havia surtado como da outra vez, embora estivesse triste e calada todo o tempo,
porém tenho certeza que Michael morria de medo que eu tivesse uma recaída.
– Quando vai pra Miami?
– Acho que não tenho motivo para eu adiar mais. Vou amanhã.
– Eu posso ir com você.
– Não se preocupe. Tyler vai me levar ao aeroporto.
– Tudo bem. Ele virá hoje?
– Pai, não preciso de babá, já disse que estou bem.
– Você não está comendo. E ontem estava enjoada. Deve ser falta de comida.
Eu reviro os olhos. Claro que eu vivia enjoada. Eu estava grávida!
Michael finalmente parte e eu subo para fazer minhas malas, assim que chego no quarto,
escuto alguém bater à porta e franzo a testa, voltando a descer.
Será que é Tyler? Apesar de não termos combinado nada ele sempre passava à tarde para
me ver. Eu havia pedido que ele não viesse muito, já que não queria problemas com Ellen.
Ao abrir a porta, não é Tyler que está ali. É Lydia Beaumont.
– Oi, Anna.
– Sra. Beaumont? O que faz aqui, como...? – estou completamente aturdida ao me
deparar com a mãe de Daniel na minha porta sorrindo de maneira receosa pra mim.
– Eu sei que está surpresa, eu gostaria de conversar com você. Será que posso entrar?
Eu hesito, me perguntando que diabos Lydia Beaumont pode querer comigo? Será que
ela é do time da filha Violet e veio me dar o troco por ter humilhado sua família deixando seu
filho no altar?
Ou será que está ali a pedido de Daniel?
– Se está se perguntando se meu filho sabe que estou aqui, a resposta é não – ela lê meus
pensamentos. – Ninguém da minha família sabe.
Eu finalmente cedo e a deixo entrar.
– A senhora quer beber alguma coisa? Eu estava tomando um chá.
–Claro. Chá está ótimo.
Lydia se senta à mesa gasta da cozinha do meu pai e eu lhe sirvo chá. Nunca, nunca
mesmo eu imaginei algo assim.
– Você deve estar se perguntando o que posso querer com você.
– Sim, estou. Nós nunca... Acho que eu e a senhora nunca trocamos mais de meia dúzia
de palavras.
– Sim, tem razão. Mesmo depois que você e Daniel marcaram o casamento...
– Acho que nós duas sabemos por que não nos aproximamos. Aliás, eu não tive
praticamente nenhum contato com sua família inteira.
– Sim, é verdade. E sabemos sim por quê. Era de se esperar que, sendo a esposa de
Daniel, uma hora teríamos que ter alguma aproximação.
– Não vejo como isto podia ser possível.
– Não? Então como achou que iria ser seu casamento com meu filho? – ela pergunta
astutamente. – Ou nunca pretendeu casar com ele?
As implicações nas suas palavras são claras.
– Eu não sei o que pretendia. Eu... passei por muito altos e baixos desde que reencontrei
Daniel. Obviamente, eu jamais ia imaginar que terminaríamos juntos.
– Mesmo assim se envolveu com ele de novo.
Eu fico sem saber o que responder. Sei que não deveria estar nem falando com Lydia
Beaumont, quanto mais discutindo minha relação com Daniel, porém há algo nela que me deixa
com vontade de falar.
– Eu deveria ter ido embora quando o reencontrei naquele escritório.
– E por que não foi?
– Porque eu queria provar a mim mesma que tinha superado.
– Superado Daniel ou a vingança de Violet?
– Os dois.
– E superou?
– Nem de longe – respondo num fio de voz e uma lágrima solitária escapa de meus olhos.
– E por que aceitou se casar com ele? Foi realmente apenas para irritar Violet?
– A senhora sabe disto?
– Daniel me contou.
Eu me pergunto o que mais Daniel contou a ela.
– Na hora sim. – confesso. – E depois... – eu dou de ombros. – Era tudo tão confuso.
Havia uma parte de mim que sabia que jamais conseguiria perdoar Daniel. Que jamais iria
esquecer, no entanto, havia também uma outra parte que me fazia querer ficar com ele.
– Você teria se casado com ele se não tivesse feito o que fez com Tom?
– A senhora também sabe...
– Sim, Daniel me contou tudo. Saiba que eu não a julgo. Deus sabe que aquele homem
não vale nada e está onde merece estar. Pelo o que fez com Violet e sua mãe também. O que não
impediu que eu ficasse chocada com o que foi capaz, Anna. Foi algo muito perigoso.
– Eu sei, acha que eu não me lembro disto a toda hora? – revelo, com a voz dolorida. –
Eu mal posso me olhar no espelho. Eu me sinto um monstro.
– Você não é um monstro, querida. Está apenas confusa e perturbada. Tudo o que
aconteceu com você há oito anos, depois reencontrar Daniel, e eu sei muito bem como meu filho
pode ser persuasivo e o quanto ele queria que você o aceitasse de volta. Ele sempre se sentiu
culpado e devo imaginar o quanto ele insistiu para que você lhe permitisse consertar tudo. Além
disso havia sua mãe doente e este homem horrível te ameaçando. É difícil manter a sanidade
diante de tantos problemas ao mesmo tempo. Eu te entendo.
– Então a senhora compreende porque eu precisava ir embora. Porque não podia ficar
com Daniel. Seria impossível.
– Sim, eu sei que meu filho saiu magoado, mas você fez o certo. Você precisa consertar
sua vida. É por isto que estou aqui. - ela remexe na bolsa e tira um cartão, colocando sobre a
mesa. – Depois que, bem, Violet fez o que fez há oito anos, ela ficou bastante perturbada. Tanto
que nós finalmente decidimos que ela precisava de ajuda para seguir em frente. Nós a internamos
numa clínica. Claro que não acho que seu caso seja tão grave, embora acredite que você iria se
beneficiar muito de uma ajuda profissional.
Eu pego o cartão com o nome de uma clínica em Seattle.
– Eu estou indo para Miami.
– Imaginei, para cuidar de sua mãe, não é?
– Sim, ela está com câncer.
– Esta clínica tem filiais em algumas cidades, inclusive Miami. Por favor, Anna, você
precisa de ajuda para superar tudo isso e seguir em frente.
Eu a encaro.
– Por que está fazendo isto?
– Porque eu sinto que tenho minha parcela de culpa também. Eu não percebi do que
Violet era capaz há oito anos e veja o que aconteceu. Ela envolveu Daniel, e depois você, num
jogo de vingança que poderia ter sido evitado se tivéssemos cuidado dela corretamente. Então eu
gostaria de ajudá-la a se cuidar e seguir com a sua vida. Mesmo que seja longe de Daniel.
Ela se levanta.
– Bom, eu não posso ficar muito, está um tempo horrível e quero voltar logo para Seattle.
Eu a acompanho até a porta.
– Espero que fique bem, Anna. E se precisar de algo, não hesite em me procurar.
– Obrigada.
Ela sorri e me dá um abraço rápido antes de partir.
***************
***************
– Eu pensei que ela estivesse melhorando! – eu praticamente grito para o médico que me
encara com um olhar profissional, alheio ao meu desespero.
– O câncer voltou e está se espalhando.
– O que podemos fazer?
– Vamos ajudar até onde conseguimos, com tratamento e medicação, não acho que ela
consiga melhorar desta vez.
Eu engulo o choro, sentindo meu mundo ruir mais uma vez.
Minha mãe ia morrer.
Com a piora do estado de Stella eu não consegui pensar mais em nada. Meu pai viajou
para me ajudar e ficou um tempo, apesar de ele insistir em ficar, eu disse que ele precisava voltar
ao trabalho. Não havia mais nada que ele pudesse fazer ali.
Agora só restava esperar.
– Mas Anna, você sozinha nesta casa, e grávida!
Eu suspiro pesadamente
Eu havia contado ao meu pai sobre a gravidez na mesma época que contara a minha mãe
e, depois do choque inicial, Michael até que estava aceitando bem.
– Eu vou ficar bem, pai. Se eu precisar de ajuda eu aviso, ok?
Michael me abraça e parte naquela noite, me deixando sozinha.
Eu me lembro dos meus planos de ir a Seattle contar a Daniel, mas simplesmente não
consigo nem pensar nisto agora.
Os dias passam, se transformando em semanas e Stella vai piorando a olhos vistos e a
mim, não resta nada, a não ser esperar.
E estou tão envolvida nesta espera pelo inevitável, que é com certa surpresa que passo
mal um dia, no hospital mesmo, e ao ser examinada, me dizem que eu estou entrando em
trabalho de parto.
Minha filha nasce algumas horas depois.
– Ela é linda, Anna – Stella diz quando a conhece.
E eu sorrio, feliz por Stella ter podido conhecê-la antes de partir.
– Qual será o nome?
– Isabella – eu digo.
Stella sorri e embala Isabella.
– Ela tem seus cabelos, querida.
– Sim – eu passo os dedos por seu rostinho branco, cercado por fininhos cabelos
castanhos. – E os olhos de Daniel.
Pensar em Daniel me deixa triste. Nossa filha havia nascido e ele nem fazia ideia.
Talvez eu tenha esperado demais, afinal, e agora nem sei como é que vou contar isto a
ele.
Ou talvez não queira ter que lidar com mais este problema agora.
Porque eu pressinto que não será nada, nada fácil.
E minha vida já está terrível demais no momento.
***************
***************
– Tem certeza que pode fazer isto? – eu pergunto de novo para Fiona enquanto ela segura
Isabella no colo, que choraminga.
– Eu já falei que posso!
– Você acha que é fácil cuidar de um bebê, mas não é mesmo, Fiona!
– Anna, são só algumas horas! Eu acho que você está doidinha pra desistir deste jantar na
casa do Benjamin, não vai conseguir. Não depois de colocar este vestido deslumbrante!
Eu rolo os olhos, me olhando no espelho.
Sim, o vestido novo é bonito. É quase esquisito me ver arrumada, maquiada e de salto
alto. Quando fui pra Miami, cuidar da minha aparência estava em ultimo plano, e depois vieram
a gravidez, a doença de Stella e o nascimento de Isabella.
Já faz quinze dias que estou de volta a Seattle e amanhã eu começo a trabalhar com
Benjamin em seu novo escritório.
Quando ele me fez a proposta há pouco mais de um mês, eu hesitei e pedi um tempo pra
pensar. Voltei pra Olímpia com Michael e enquanto tentava me acostumar com a perda de minha
mãe, eu também pude pensar e cheguei à conclusão que esta era a melhor solução. Pelo menos
Benjamin era meu amigo, e sabia que eu tinha uma filha e havia deixado claro que eu teria todo o
apoio pra conciliar com o trabalho.
E obviamente, ainda havia Daniel. Desde que pisei em Olímpia eu vinha ensaiando
procurá-lo. Então os dias foram passando e eu sempre arranjava alguma desculpa.
Todavia, as desculpas não poderiam durar pra sempre.
Eu precisava tomar coragem e enfrentar Daniel.
– Anna, fica tranquila. Eu vou cuidar da Isabella direitinho. Vá e divirta-se!
– Você está sendo um anjo, Fiona. Nem sei como te agradecer por me deixar ficar aqui
até que eu arranje um apartamento pra mim e Isabella.
– Já falei que não é problema algum, seu quarto ainda estava vago.
– Mas agora é diferente. Você casou!
– Bobagem! Brian te adora! E ele adora Isabella também.
– Sei, até ela vomitar em cima dele! – eu rio e pego meu casaco. – Se precisar me liga,
ok?
– Pode deixar.
Eu beijo o rostinho de Isabella lamentando ter que me separar dela, nem que seja por tão
pouco tempo, o que me faz lembrar que terei que procurar uma babá.
Entro no táxi com a cabeça rodopiando de pensamentos e preocupações. Encontrar um
apartamento, uma babá e ainda ajudar Benjamin no escritório, seria bastante trabalho.
Sem contar que eu não sabia ainda como encaixar o problema que teria em breve quando
encontrasse Daniel Beaumont, penso, ao ver o Space Needle ao fundo.
O carro para em frente ao prédio de Benjamin e eu desço, ainda reticente sobre estar ali.
Há quanto tempo que eu não comparecia a um evento social? Apesar de Benjamin dizer que seria
apenas para as pessoas que trabalhariam no escritório, para nos conhecermos melhor, eu ainda
me sentia insegura.
Aperto o casaco contra meu corpo e entro no elevador. Benjamin sorri ao abrir a porta.
– Ei, Anna, está linda – ele elogia, enquanto me ajuda a tirar o casaco. – Que bom que
chegou. Eu quero te apresentar... – ele para ao ver alguém por cima da minha cabeça. – Aí está
você.
Então eu me viro.
E sinto o chão ser tirado dos meus pés.
Daniel Beaumont está ali. Em carne e osso.
Me olhando como se estivesse vendo um fantasma.
Capitulo quatro
Anna
Isabella está mamando tranquilamente em meu peito, enquanto eu conto a Fiona o que
aconteceu no apartamento de Benjamin.
– Meu Deus, não acredito, de novo o Daniel?
– Eu quase tive um treco quando o vi, você não tem noção.
– Nossa, Anna. É inacreditável... o que vai fazer agora? Vai desistir deste emprego?
Eu mordo meus lábios com força. Pensei bastante enquanto voltava pra casa e cheguei a
uma conclusão. Não podia mais fugir do inevitável.
A impressão que eu tinha era que poderia ir para um mosteiro na China e ainda assim eu
encontraria Daniel por lá. Era quase um carma.
– Não.
– Ah Meu Deus, já ouvi isto antes... – Fiona geme e eu quase rio de seu desespero.
Mas Fiona sabia o que tinha acontecido da última vez.
– As coisas são diferentes agora – garanto, embora não tenha tanta certeza assim.
– E Isabella? – ela pergunta com cuidado e eu olho pra minha bebê em meu peito, que se
enche de um temor profundo.
– Eu vou ter que contar a Daniel.
Daniel
Daniel
Eu mal consigo me manter sobre minhas pernas de tanto que tremo enquanto fico ali,
parada na sala de Daniel, esperando ele processar o que eu havia acabado de jogar em cima dele.
Seus olhos vão de chocados para raivosos depois de alguns ansiosos segundos e eu aperto
Isabella em meu colo, como um escudo.
Uma parte de mim se arrepende de tê-la trazido. Assim que tomei a decisão de contar a
verdade a Daniel, eu não pensei em outra alternativa. Eu precisava mostrar Isabella a ele.
Obviamente eu estava com medo de sua reação. Eu havia, deliberadamente, tomado a
decisão de mentir sobre a gravidez há um ano porque foi preciso. Não via outra maneira de me
afastar de Daniel. Se ele soubesse da gravidez, tudo seria muito mais complicado e temia que ele
não me deixasse ir.
E eu precisava ir. Era imprescindível para minha sanidade mental e para que eu deixasse
o passado para trás e pudesse ser uma boa mãe para minha filha.
Mas sempre soube que um dia eu teria que contar a verdade a Daniel. A verdade que
deveria ter sido revelada antes de Isabella nascer, mas que, com a doença da minha mãe, foi
adiada.
E agora eu temia ter ido longe demais.
Quando voltei para Seattle para trabalhar com Benjamin, protelei o inevitável encontro
com Daniel enquanto me adaptava novamente à vida na cidade agora com um bebê.
Eu queria estar segura e estável quando o procurasse para contar sobre nossa filha. Tudo
virou do avesso quando eu o encontrei no apartamento de Benjamin e fiquei sabendo que iríamos
trabalhar juntos de novo. A partir daí era apenas uma questão de tempo até que eu não
conseguisse fugir mais.
E então ele me beijou. E foi como antes. Eu fechei os olhos e me deixei levar por aquela
força irresistível que me ligara a ele desde que o encontrei pela primeira vez.
Só que desta vez era diferente. Eu não podia pensar apenas em mim e nas coisas
deliciosas que Daniel fazia comigo que talvez valesse me perder mais um pouco.
Eu tinha um enorme segredo.
E pensar nele me deu forças para me afastar e, além disso, perceber que não dava mais
pra adiar aquela revelação.
Assim, eu fui direto pra casa e depois de amamentar Isabella, entrei num táxi e bati na
porta de Daniel.
– Você mentiu – sua voz soa fria como o gelo e eu estremeço.
– Sim – digo. O que mais poderia dizer?
– Por quê?
Eu engulo em seco.
–Eu precisava ir embora.
– Você não deveria ir embora se estava grávida.
– Por isto mesmo. Eu sabia que você tentaria me impedir.
– Então resolveu simplesmente mentir e me virar as costas? Como se não fosse nada?
– Não foi assim...
– E como foi, Anna? Nós sabíamos que havia esta possibilidade. Eu esperei que você me
dissesse se estava grávida ou não. Eu ia te apoiar... Inferno, eu te pedi em casamento!
– Foi um erro.
– Erro foi o que você cometeu, não eu.
– Eu sinto muito...
– Sente? Quer que eu acredite realmente que você sente alguma coisa por mim, Anna?
Você me deixou no altar. Quando já sabia que estava grávida! Você mentiu deliberadamente
quando eu perguntei claramente se estava grávida!
– Eu precisava ir embora! – meu desespero agora é latente para tentar fazê-lo entender. –
Eu não estava bem! Eu nunca estive!
– Você podia ter me dito, você tinha que ter me dito! Eu nunca te forçaria a nada.
– Forçaria sim! Foi o que você fez o tempo inteiro e sabe disto!
– Eu não te forcei a nada!
– Forçou sim! Nós nunca deveríamos ter voltado a ficar juntos. Nunca, jamais ia dar
certo. Depois de tudo o que aconteceu antes, depois daquela maldita vendetta, tudo o que você
tinha que fazer era ficar longe de mim, mas ao contrário, todo o tempo que passei naquela firma
você não fez outra coisa a não ser me coagir a ficar com você!
– É tão fácil, não é Anna, se fazer de vítima? Jogar toda a culpa em mim como se eu
tivesse te forçado a transar comigo ou algo do tipo! Eu te deixei em paz quando disse que nunca
ia me perdoar! Eu estava cansado de tentar provar a você que eu havia mudado. Foi você que
pediu para eu te levar embora daquela festa.
– Eu estava bêbada!
– Você tem sempre uma desculpa!
– Nós estamos nos desviando do assunto! Não estou aqui para discutir nossa antiga
relação! Eu vim para te falar de Isabella!
Seus olhos vão rapidamente para Isabella e depois se prendem em mim de novo, mais
cheios de raiva do que antes.
– Você é inacreditável. Eu ainda não consigo acreditar que foi capaz de fazer algo assim!
– ele passa a mão pelos cabelos, como se falando consigo mesmo, andando pela sala como um
tigre enjaulado.
– Eu sei que isto é inesperado...
– Inesperado? Isto é tenebroso, Anna! Eu achava que nada poderia ser pior do que o que
você fez um ano atrás, deixando para terminar comigo no altar, diante de todo mundo. Mas, não,
você fez ainda pior. Você aparece aqui com esta criança, dizendo que é nossa filha, sendo que eu
não fazia nem ideia de que estava grávida, como quer que eu me sinta! Inesperado é uma palavra
muito leve para o que estou sentindo!
– Eu realmente precisei fazer isto. Por favor, entenda...
– Eu não sou obrigado a entender nada! Eu sinto tanta raiva de você neste momento! –
ele me encara com ódio e eu dou um passo atrás, segurando Isabella com força. Daniel parece
envolto em trevas. Escuro, negro. Sombrio.
E ter toda aquela raiva direcionada a mim é horrível. Eu temo que isto resvale em Isabella
e vejo que foi um grande erro trazê-la comigo.
Eu deveria prever que Daniel iria me odiar.
Mas eu não posso permitir que ele odeie Isabella.
De repente eu sinto um medo terrível de que o que eu fiz tenha estragado tudo de uma
maneira irreversível.
Daniel não só vai me odiar como nunca vai aceitar a filha. E a culpa é toda minha. Eu
abraço Isabella com mais força contra meu peito.
– Por favor, Daniel. Eu realmente sinto muito. Sei que é difícil de entender os meus
motivos, mas eu precisava ir embora, precisava me afastar e manter a gravidez em segredo foi
preciso naquele momento, para eu poder resolver toda aquela confusão que me meti...
– Você. Você. Você. É só isto que te preocupa. É só o que você está sentindo, o que você
precisa. Algum momento você parou para pensar no que eu sentiria? De como eu me sinto agora,
descobrindo que tenho uma filha que nem vi nascer?
Eu fecho os olhos e aspiro com força, lutando contra o nó na minha garganta.
–Eu nunca quis enganar você... – minha voz não passa de um sussurro trêmulo e
dolorido.
– Quis sim. Você enganou sim – a voz dele é tão dolorida quanto a minha e isto me
destrói um pouco mais, enquanto ele senta, escondendo o rosto entre as mãos.
Eu me dou conta do quão longe eu tinha ido. De como será muito improvável que
consiga consertar aquela situação.
Eu engulo as lágrimas, enquanto um silêncio desolador nos cerca até que o telefone
começa a tocar em algum lugar, Daniel não atende.
– Chega, Anna. – ele finalmente levanta a cabeça, sem me fitar enquanto se levanta. – Vá
embora. Não quero te ver mais.
Eu sinto sua rejeição quase como uma agressão física e até Isabella começa a chorar.
Então é isto.
Daniel não vai entender. E nem perdoar.
E eu terei que aceitar.
Mas ainda tem Isabella. E é por ela que eu ainda tento mais uma vez.
– Daniel, eu...
Antes que eu pudesse continuar, uma voz feminina enche a sala através da secretaria
eletrônica.
– Daniel, é Vivian. Queria confirmar que nosso jantar está marcado para amanhã à
noite... Me liga, assim combinamos os detalhes. Estou ansiosa para nos conhecermos melhor.
Beijos.
Eu sinto a dor se multiplicar por mil. Então Daniel tem um encontro amanhã. Claro, o
que eu podia imaginar? Com certeza ele deve ter muitos encontros com mulheres solteiras e
bonitas.
E para que ele iria querer uma criança que estava lhe sendo imposta sem ele nem querer?
Ainda mais sendo filha da mulher que o abandonara no altar e que o enganara?
– Sim, eu vou. Não quero mais te atrapalhar – digo friamente e sem olhar para trás eu
saio do seu apartamento.
Daniel
Eu achava que já estivera no inferno por causa de Annalise Nicholls algumas vezes.
Estava tão enganado.
Nada do que eu tinha sofrido antes por causa dela se comparava ao que estou sofrendo
agora.
E eu a deixei ir.
Eu precisava deixá-la ir porque simplesmente a raiva que eu sinto agora é tão grande que
eu temi me arrepender dos meus atos depois.
E o que mais podia ser dito? Ela mentiu. Olhando nos meus olhos quando nos
despedimos em sua casa e dizendo que não estava grávida.
E foi embora. Um ano se passou e ela nunca mais entrou em contato. E sabe Deus se
tinha a intenção de entrar um dia. Talvez, se não fosse o fato de estarmos de novo trabalhando
juntos, ela não se visse obrigada a revelar pra mim a existência daquela criança.
E eu nunca saberia que tinha uma filha.
Aquele bebê desconhecido, que chorou quando eu despejei toda minha raiva em cima de
Anna. Aquele bebê que não devia ter mais do que cinco meses. Eu mal olhara pra ela.
Eu não conseguia. Era doloroso demais. E eu estava com raiva demais de Anna naquele
momento.
E agora estava arrependido. Inferno, ela era minha filha e eu nunca tinha colocado meus
olhos nela. Não sabia sua idade exata, que dia tinha nascido. Nada.
Eu não sabia exatamente nada. Porque Anna a escondera de mim.
A raiva ameaçava se apoderar de mim novamente e eu respiro fundo várias vezes.
Do que adianta eu me consumir na ira agora? O que Anna fez não tinha volta.
Mas a criança ainda existia. Ainda era minha filha.
E eu precisava pensar sobre aquilo. Sobre a enormidade daquela realidade.
Eu tenho uma filha. Sinto meu peito se enchendo de algo estranho e novo. Assustador e
belo.
Quando eu me dei conta naquela manhã um ano atrás que Anna poderia estar grávida, eu
havia sentido algo parecido. Algo como um anseio quase proibido.
Mesmo assim um anseio.
Havia uma parte de mim que queria ter um filho com ela. Que desejara aquele bebê.
E agora ela existia. Minha filha. Isabella.
Com meses de atraso eu era apresentado a ela, aquele pequeno ser no colo de Anna que
era um pedaço meu também. Algo real e inexplorado.
E eu a mandara embora junto com Anna.
Uma pontada de arrependimento bate em meu peito. Inferno, como poderia lidar com isto
agora que minha relação com Anna estava totalmente estragada?
Porém, a criança não tinha culpa.
De repente eu sinto um anseio quase tangível de vê-la de novo. De me certificar mais de
perto de que ela é real.
Eu pego a chave do carro com uma intenção clara quando saio do meu apartamento.
– Ainda bem que chegou, estava tão preocupada. – Fiona diz, quando abre a porta. – E aí,
como ela está?
– Está bem, foi apenas uma febre. Ela tomou uma injeção e a febre já baixou – respondo
com a voz cansada.
– Oi, Benjamin. – Fiona sorri quando Benjamin entra atrás de mim, mas sinto uma certa
tensão e eu não sei o que pode ser.
– Eu vou colocá-la no berço. – digo, indo para o quarto.
Coloco Isabella adormecida no berço e respiro aliviada por ver que está bem.
Depois de toda a tensão daquele dia interminável, ainda ter que lidar com aquilo fora
duro.
Eu havia chegado da casa de Daniel com os nervos em frangalhos e Isabella não parava
de chorar e não demorou muito para eu perceber que estava febril.
Benjamin ligou, perguntando se eu queria jantar com ele, e eu disse que não poderia ir a
lugar nenhum a não ser a um hospital para ver qual o problema de Isabella e ele prontamente se
ofereceu para me levar, o que eu aceitei aliviada.
Era inevitável comparar o comportamento de Benjamin com o de Daniel mais cedo.
Ainda doía o fato de ele ter rejeitado Isabella. Por outro lado, era fácil pra Benjamin me ajudar.
Ele não era o pai de Isabella de verdade, que foi enganado por mim durante meses.
Agora de nada adiantava lamentar por atitudes que não poderiam ser mudadas. Eu havia
procurado Daniel e contado sobre Isabella para consertar as coisas, aparentemente era tarde
demais.
E então ele aparecera cheio de acusações no hospital. Ainda sentia raiva só de pensar! Ele
me escorraçava de sua casa e depois achava ruim eu estar com Benjamin? Pois que fosse pro
inferno.
Eu não podia me preocupar com suas atitudes naquele momento, pois toda minha atenção
estava em Isabella, que era o que deveria me interessar em primeiro lugar. Por ela eu enfrentara
Daniel. Porque no fundo, eu sabia que ela precisava de um pai.
Mas, será que Daniel ia querer ser seu pai? Ele me pareceu diferente quando Isabella
tomava injeção. Parecia estar realmente preocupado. Depois recuara, indo embora sem dizer
nada.
E o que ia acontecer de agora em diante?
Eu suspiro e deixo Isabella dormindo, indo pra sala.
Fiona e Brian estão com Benjamin.
– Bom, nós vamos dormir – Fiona diz puxando o marido pela mão. – Amanhã a gente
acorda cedo. Boa noite pra vocês.
– Vamos marcar aquele jogo de basquete, hein? – Brian diz pra Benjamin. – Você está
me devendo desde que se mudou para Seattle.
Benjamin ri.
– Claro, ando atolado de trabalho com o escritório novo, assim que as coisas esfriarem a
gente marca.
– Vou cobrar... Ei, Anna. – Brian se vira pra mim, ignorando o chamado de Fiona. –
Acho que vi Daniel Beaumont saindo daqui hoje, Fiona me disse que provavelmente eu me
enganei, mas acho que era ele.
– Chega Brian, vamos dormir! – Fiona corta, conseguindo puxá-lo de vez e eu encaro
Benjamin que me fita com um olhar curioso.
– Daniel? Será que ele conhece alguém no prédio? E eu nem sabia que o Brian conhecia
o Daniel.
Eu mordo os lábios, incerta.
– Sim, eles se conhecem vagamente.
– Da época que você trabalhava na Taylor?
– Sim, isto e por que... – eu respiro fundo. Já estava na hora de eu contar a verdade a
Benjamin também. – E porque eu quase me casei com Daniel há um ano.
– O quê? Você e Daniel?
Eu aceno positivamente em face de seu choque.
– Está me dizendo que namorou o Daniel, que... foram noivos?
– Sim.
De repente ele entende e eu vejo isto na mudança de sua expressão.
– Uau. Então é isto. Agora... tanta coisa parece fazer um assombroso sentido! – ele ri sem
humor. – O dia da foto na parede... O jeito que vocês se olharam no meu apartamento... Anna,
por que não me disse nada?
Eu dou de ombros.
– Eu não fazia ideia de que vocês se conheciam... que eram sócios! Droga, eu fiquei
chocada quando o vi.
– E ele também não sabia.
– Claro que não.
– E eu preciso fazer esta pergunta, embora ache que já saiba a resposta. Isabella é filha
dele, não é?
– Sim, ela é.
– Ele sabe?
– Não sabia até hoje. Ele não sabia que eu tinha uma filha.
– Nossa! Isto sim é... Inesperado!
– Desculpa não ter te contado... tem muitas coisas entre mim e Daniel... Você não faz
nem ideia.
– Então por que não me conta?
Eu respiro fundo e conto tudo a Benjamin.
Daniel
Naquela noite eu não bebo. Embora eu tenha vontade de amortecer todo sentimento ruim
dentro de mim.
Me sinto mais confuso do que nunca, sem saber que rumo seguir.
Eu passei meses sofrendo depois que Anna foi embora, vivendo uma existência vazia. E,
justamente quando achava que estava seguindo em frente, ela aparece de novo. E eu decidi que
não ia mais correr atrás dela. Que seria mais forte do que aquele desejo insano e inconsequente
que sentia por ela desde a adolescência.
Então tudo mudou novamente, porque descobri que nós temos uma filha.
Uma linda menina chamada Isabella. Da qual eu não sei nada, mas que num momento de
raiva, deixei ir juntamente com Anna, que agora provavelmente me odiava mais do que há oito
anos, depois da vendetta de Violet.
E eu não sabia como prosseguir.
Penso em ligar para meu pai, mas simplesmente reluto em envolver minha família em
tudo o que diz respeito a Anna, embora saiba que uma hora ou outra eles saberão sobre Isabella.
E eu nem quero ver em como vai ser.
Talvez eu deva tentar dormir e deixar que o dia seguinte me traga alguma luz. Justamente
quando entrego os pontos, escuto a campainha tocar.
E ao abrir a porta, me deparo com Benjamin
– Benjamin?
– Oi Daniel, posso entrar?
Eu lhe dou espaço para entrar e fecho a porta, curioso sobre sua presença ali àquela hora.
Será que ele estava com Anna até agora? E o que havia entre eles?
Sinto um ciúme duro me corroer por dentro.
– Sei que é tarde, por isso vou direto ao assunto. Eu soube hoje sobre você e Anna.
– O que você soube? – pergunto com cuidado.
– Tudo. Sobre Isabella, sobre o malfadado casamento e sobre a vendetta de sua irmã.
Eu não falo nada. Então Anna havia feito confissões ao ex-namorado.
Será que ele veio para quebrar a minha cara ou algo assim?
– Eu realmente não fazia... ideia. – ele diz. – Eu encontrei com Anna umas duas vezes
antes de ela voltar pra cuidar da mãe que morreu...
– Espera... Stella morreu?
– Não sabia? Ela morreu há dois meses.
– Não, eu não sabia – murmuro.
– E nós mantivemos contato por telefone todos estes meses.
– Engraçado ela manter contato com você e nem se dignar em me dizer que estava
grávida – digo sombriamente quase que para mim mesmo.
– Eu também não sabia, como disse, nem sabia do relacionamento de vocês. Eu a visitei
quando a mãe morreu e ela me contou que ia voltar pra cidade, procurar emprego e me contou
que tinha uma filha. Ela não me falou sobre o pai e eu respeitei, imaginei que fosse um caso mal
sucedido. E ofereci um emprego a ela.
– Somente isto? – indago, sem disfarçar o ciúme.
– Nós somos amigos. E eu queria ajudá-la.
– Ainda sente algo por ela – é uma afirmação.
E Benjamin não nega.
– Estaria mentindo se dissesse que não tive uma certa esperança.
– Por que não ficaram juntos então, se ainda gosta dela?
– Meu pai era um idiota e a ameaçou com aquelas suas fotos quando eu estava me
formando. – eu engulo minha ânsia ao imaginar o quanto aquelas malditas fotos prejudicaram
Anna. – E ela terminou comigo. Na época eu não entendi. Depois meu pai me contou. Eu não
queria forçá-la a nada. Então seguimos com a vida. E eu visitei Seattle há um ano e Brian me
contou que ela estava morando com Fiona e que não tinha ninguém... Eu percebi que podia ser
uma segunda chance.
– Ainda acha?
– Não mais. Não agora. Olha Daniel, eu nunca forcei nada. Nenhuma barra, ainda mais
sabendo de tudo o que ela sofreu – com você, fica implícito em sua fala. – E depois com uma
filha eu jamais a forçaria. Sabia que tinha que ser seu amigo e se fosse pra rolar algo... Seria
natural. Eu jamais imaginei que eu colocaria você na vida dela de novo.
– Eu sinto muito – digo e estou sendo sincero.
Eu sei o que é desejar Anna e não poder ter.
– Por que não me disse nada quando a reconheceu naquela foto?
– Achei que não era importante, afinal, nem sabia que ela iria trabalhar conosco.
– Você poderia ter dito depois.
– Como pôde ver, tem história demais aí para contar como algo casual. Até mais do que
eu mesmo podia imaginar! – digo amargamente.
– Isabella – Benjamin murmura e me encara incisivamente. – Anna me disse que você
virou as costas pra ela.
– Não foi assim. Eu estava... furioso com Anna.
– A menina não tem nada a ver com isto. E ela é sua filha.
– Eu sei.
– Olha, sei que no final das contas não é problema meu, mas, se quer saber, de certa
forma eu sinto inveja de você. Eu queria ser o pai da filha de Anna. Queria que Isabella fosse
minha filha. Eu jamais viraria as costas pra ela. Ou pra Anna. Ela já sofreu demais nesta vida. E
merece ser feliz.
Eu não digo nada.
Porque as palavras de Benjamin calam fundo em mim.
Benjamin se levanta.
– Está tarde. Eu vou embora.
Eu o levo até a porta.
– Olha, se você acha que vai ficar esquisito trabalharmos juntos depois de tudo... – digo,
ele me corta rapidamente.
– Não, eu quero continuar trabalhando com você. Só acho que você e Anna têm que
resolver os problemas de vocês. Somente isto. Porque eu não vou abrir mão dela.
– Eu não lhe pediria que o fizesse.
E Benjamin vai embora me deixando várias coisas com as quais pensar.
No dia seguinte eu entro numa reunião com um cliente muito cedo quando saio, fico
sabendo pela recepcionista que Anna não foi trabalhar.
– Você sabe se é algum problema?
– Desculpa, não faço ideia.
Eu almoço com outro cliente, mas minha mente continua em Anna e na pergunta
insistente se tem algum problema com Isabella.
Eu poderia perguntar a Benjamin, então decido que o melhor a fazer é ir a sua casa.
No começo da tarde, eu aviso que não voltarei ao escritório e vou até a casa de Fiona.
E é justamente ela quem abre a porta com uma Isabella chorosa em seu colo.
– Daniel... oi! – Ela parece exausta.
– Oi, Anna está? – indago sem conseguir tirar os olhos da menina em seu colo.
Ela me fita com olhinhos curiosos, o choro cessando em sua inspeção.
– Não! Acho que dá pra perceber, não é? – ela exclama. – Eu estou aqui perdida com
Isabella, entra.
Eu entro atrás dela e a sala parece uma bagunça com duas mamadeiras espalhadas na
mesa e roupas de bebê jogadas no sofá.
– Algum problema com ela? – indago.
Fiona sacode a criança, que volta a chorar.
– Não, quer dizer, doente ela não está, já medi sua temperatura e estas coisas, e também
tentei lhe dar a mamadeira, ela parece não curtir muito, acho que prefere o peito da Anna...
– E onde está Anna?
– Ela saiu para ver uns apartamentos. Eu falei pra ela que não precisava faltar ao trabalho,
mas depois do que aconteceu nesta madrugada, ela ficou preocupada...
– O que aconteceu?
– Não foi nada demais, você sabe como são os bebês, eles acordam em horas impróprias,
choram... E esta noite Isabella estava bem agitada, nenhum de nós conseguiu dormir, aí o Brian
acordou atrasado pro trabalho, a Anna ficou se sentindo culpada e por isto faltou para ir ver
apartamentos.
– Entendo – realmente Anna não poderia ficar morando na casa da Fiona pra sempre,
com uma bebê e Fiona sendo casada.
– E também acho que ia numa agência de babás... Ai Deus, Isabella, fofinha, para de
chorar, a tia Fi está com dor de cabeça já!
– Será que ela não está realmente doente?
– Não, acho que não. Acho que está com fome. Eu vou tentar esquentar de novo a
mamadeira, será que pode segurá-la pra mim?
E sem aviso ela passa a neném pro meu colo, indo pra cozinha.
Eu a seguro desajeitadamente, meu coração disparado de medo e preocupação de não
saber o que fazer com ela.
– Ei, ei, está tudo bem. – eu murmuro incerto, tentando segurá-la da melhor maneira
possível. E quando finalmente parece encaixada em meus braços, ela levanta a cabecinha e crava
os olhos lacrimosos em mim.
E eu me apaixono pela segunda vez na minha vida.
Ela é linda. Sua pele branca e seus cabelos castanhos fazem um conjunto harmonioso que
a tornam quase angelical.
E ela é minha. Meu peito se enche de um sentimento poderoso e inominável, tão grande
que toma todo meu ser e faz tudo mais perder o sentido.
Eu levanto uma mão e enxugo seu rostinho molhado, sacudindo-a levemente como vi
Fiona fazer para acalmá-la.
Quando levanto o olhar, Anna está ali na porta nos encarando.
Capítulo seis
Anna
Daniel
O choque é tanto que até Isabella cessa o choro pelos segundos em que reina o silêncio
assombrado da minha família.
Até que todos começam a falar ao mesmo tempo numa cacofonia de perplexidade.
– Filha?
– Como assim?
– Isto é alguma brincadeira?
– De onde surgiu esta criança, Daniel?
Eu respiro fundo.
– Sim, minha filha – eu repito.
– Puta que pariu, Daniel, está de gozação, não é? - a voz grave de Elton se sobressai.
– Não, não estou brincando.
– Está querendo dizer que esta menina no seu colo, que até ontem a gente nunca viu, é
sua filha? – Violet questiona.
– Sim, Violet, é exatamente o que estou querendo dizer.
– Mas, mas... – Charlotte balbucia. – Como é possível? Você escondeu da gente que tinha
uma filha, como...
– Ei, gente, deixem o Daniel explicar – meu pai pede, segurando a mão de minha mãe,
que parece que vai desmaiar a qualquer momento.
– Sim, deixe o Daniel explicar – Owen diz com sua calma peculiar.
– Como se existisse alguma explicação! – Violet revira os olhos. – Com certeza ele está
brincando, porque isto é ridículo e impossível!
– Não, Violet, não é brincadeira. Esta menina é minha filha. O nome dela é Isabella. E
não, Charlotte, eu não escondi de vocês que eu tinha uma filha, porque não sabia até poucos dias
que ela existia também.
– Meu Deus! – Lydia se senta com a mão sobre a boca e Charlotte também parece
estranhamente calada agora, o que não é do seu feitio.
– Puta merda! – Elton sussurra. – Então é de verdade?
– Mas se... – Violet respira fundo. – Se esta criança é sua filha... Se você nem sabia da
sua existência... Daniel, quem é a mãe dela?
Antes que eu abra a boca pra responder, escuto passos apressados se aproximando pelo
corredor e Anna surge usando apenas um roupão de banho.
– O que... Oh meu Deus! – ela para horrorizada.
Não mais horrorizada do que as expressões da minha família.
– Anna Nicholls? – Charlotte é a primeira a se recuperar. – Está dizendo que esta neném
aí é da Anna Nicholls?
– Diz que é mentira, Daniel. – Violet sussurra com uma palidez de morte.
– Não é mentira – é Anna quem responde, vindo em minha direção com os braços
estendidos. – Ela é minha filha.
Eu lhe dou Isabella sem discutir. Porque a discussão que eu teria com a minha família
agora não era para os ouvidos de uma criança.
– Isto é absurdo! – Violet grita.
– Amor, espera. – Elton segura seu braço.
– Violet, por favor, se contenha! – Caleb pede com firmeza. – Todos nós estamos
chocados, mas tenho certeza que Daniel vai nos explicar.
Eu olho pra Anna e ela parece apreensiva. Isabella choraminga.
– Vá cuidar dela – peço e Anna desaparece com Isabella pelo corredor.
– Daniel, filho, por favor, nos explique. Como pode ter um filho com Anna Nicholls?
– Nós fomos noivos, mãe, claro que é possível.
– Você não sabia de nada todo este tempo? – ela ainda parece chocada.
– Quer dizer que Anna foi embora grávida e nem te contou nada? – Charlotte recupera
sua voz estridente.
– Sim. Eu não a vi por um ano, desde que ela me abandonou no altar.
– E agora ela apareceu de novo com esta criança no colo e disse que é tua filha? – Elton
pergunta.
– Na verdade, nós estamos trabalhando juntos de novo.
– O quê? – Violet arregala os olhos.
Eu respiro fundo.
– Calma. Eu vou explicar tudo a vocês.
Eu explico sobre a minha desconfiança de que Anna pudesse estar grávida há um ano e
como ela me garantiu que não estava quando foi embora. E de como, por um acaso do destino,
eu me associei justo a um ex-namorado dela que a convidou para trabalhar na firma e por isto
nos reencontramos.
– E ela nunca ia te contar se não fosse o que aconteceu? – Charlotte pergunta.
– Como eu disse, ela esteve este tempo todo em Miami com a mãe doente, que morreu há
pouco mais de um mês, por isto ela voltou a Seattle.
– Então a mãe dela morreu, nossa! – Lydia sussurra olhando pra Violet, que não diz uma
palavra.
– Eu fiquei puto com ela quando soube, claro. Mas isto não importa mais. Isabella é
minha filha e eu vou cuidar dela como deve ser. Como deveria ter sido sempre.
– Trazendo a Anna pra morar aqui depois de tudo o que ela fez? – Violet questiona
friamente e eu a encaro do mesmo jeito.
– Não que isto seja da sua conta, Anna está aqui provisoriamente, até arranjar um
apartamento para ela.
– Que conveniente – ela revira os olhos, eu a ignoro solenemente.
Simplesmente não é hora de começar nenhuma discussão com Violet sobre aquele
assunto, apesar de saber que esta discussão apenas está sendo adiada.
– Nossa! Que coisa, hein? – Charlotte fala. – Quem podia imaginar? E aí, o que vai
acontecer agora? Se a Anna está aqui apenas por enquanto, quer dizer que não vão casar de
novo? Porque eu preciso ser avisada com antecedência e...
– Charlotte, cala a boca. – Violet diz entredentes.
– Eu acho melhor irem embora – eu digo.
– Mas... A gente nem vai poder conhecer ... como é mesmo o nome? – Charlotte
pergunta, confusa.
– Isabella. – Owen completa.
– Não. Hoje não. Acho que ainda está todo mundo chocado demais. E eu tenho que me
arrumar para trabalhar.
Eu abro a porta para todos saírem.
Minha mãe me abraça.
– Tem razão, querido, ainda estou em choque. Mas gostaria de conhecer sua filhinha
melhor. Então, quando se sentir preparado...
– Claro, mãe.
– Ainda vai no jantar de hoje à noite? – Charlotte pergunta ansiosa. – Pode levar a
Isadora.
– Isabella – corrijo. – E eu não sei se será possível.
– É seu aniversário.
– Veremos, Charlotte.
Violet sai sem dizer nada, mas aposto que meu pai, que segura seu braço, lhe passou
algum aviso.
Mesmo assim seu olhar é gélido.
Assim que eles partem, Anna aparece na sala já vestida e segurando Isabella.
– Me desculpe – digo, passando a mão pelos cabelos.
– Eu tive um baita um susto quando os vi.
– Eu não fazia ideia de que iam aparecer, juro. Se bem que uma hora eles teriam que
saber sobre Isabella.
– Sim, claro. – Anna parece insegura, como se só agora tivesse se dado conta de que não
era só eu que entraria na vida de Isabella, mas minha família também. – E... como eles reagiram?
– Eles estão em choque ainda. Vão se recuperar não se preocupe.
– Não me preocupar com a sua família? – ela diz ironicamente.
– Eu sei que é complicado. Mas Isabella é minha filha. Não vou deixar ninguém tratá-la
mal.
– Muito menos eu iria permitir – ela afirma friamente. – Então é bom deixar bem claro
que...
A campainha toca nos interrompendo e eu vou abrir para a babá.
– Bom dia, espero não estar atrasada.
–Não, não está. – digo. – Vou deixar a senhora com Anna que vai instruí-la sobre
Isabella, preciso me arrumar.
Anna
Quando foi que eu achei que aquilo ia dar certo? É o que eu penso ao entrar no chuveiro.
Ter Anna debaixo do meu teto, tão perto, com todo nosso histórico, com certeza não ia
acabar bem.
Ou acabar muito bem, se seguisse meus instintos e começasse a agir como um leão em
volta do cordeiro como fiz há um ano.
E não havia acabado bem. Sim, eu a levara pra cama algumas vezes e Isabella estava ali
para comprovar, mas o que restara no final?
Abandonado no altar com o coração partido.
E agora eu estou de novo do mesmo jeito que sempre estive quando Annalise Nicholls
está por perto.
Obcecado.
Desta vez não iria acabar como há um ano. Porque simplesmente não iria nem começar.
Então era apenas questão de resistir.
Respirando fundo eu mudo a temperatura para o frio.
Ao sair do banho eu vejo que tem várias ligações no meu celular e a maioria é da minha
família. Eu ignoro todas. Ainda não estou a fim de lidar com eles.
Em vez disto, eu ligo o notebook e procuro algumas imobiliárias.
Preciso tirar Anna de perto de mim urgentemente.
– Daniel? – eu levanto o olhar e ela está ali, com Isabella no colo. – O jantar está pronto.
– Ah, certo, eu já vou.
Eu fecho o notebook e a sigo, notando que ela veste um jeans que lhe cai muito bem.
Bem demais na verdade. Eu aprecio quando ela se inclina para colocar Isabella no carrinho.
– Espero que goste de molho branco – ela diz.
– Sim, eu gosto.
Ela sorri ao se sentar na minha frente e eu tenho vontade de me inclinar e beijá-la.
Mas a única coisa que eu faço é encher minha boca de lasanha ao molho branco e lembrar
que eu preciso me controlar.
– Sua irmã ligou – ela diz de repente e eu levanto o olhar. – Charlotte. Eu não atendi, ela
deixou um recado dizendo que o jantar do seu aniversário foi transferido para sábado.
– Ah, isto. – resmungo.
– Me desculpe se atrapalhei...
– Não é culpa sua. Foi uma escolha minha.
– Certo. E como foi a tarde no escritório?
– Tudo está correndo bem, alguns clientes estão...
Eu começo a falar dos novos clientes da firma e ela me interrompe com perguntas
pertinentes e estamos falando casualmente sobre trabalho.
Que é um assunto perfeitamente seguro e me distrai um pouco da maneira com que ela
mexe nos longos cabelos castanhos quando se distrai, o que me faz lembrar de como eles ficam
entre meus dedos...
– Terminou? – Percebo que ela está do meu lado, estendendo a mão para meu prato.
– Sim, claro.
Ela pega o prato e se afasta para a cozinha.
Eu me levanto para me afastar dali. Distância seria a melhor alternativa.
– Fique aí – ela diz.
Então me viro pra Isabella. Ela ficou quietinha o jantar inteiro, e eu sorrio, aproveitando
para pegá-la no colo. Parecia mais fácil agora.
Eu iria sentir falta dela quando Anna se fosse, penso com um aperto no peito, beijando
seus cabelos macios.
– Feliz aniversário!
Escuto Anna exclamar animada e quando levanto o olhar, ela está pousando um bolo
sobre a mesa com algumas velas acesas
– Uau, por esta eu não esperava – balbucio perplexo, e ela dá de ombros, sorrindo.
– Oras, é seu aniversário. Vamos, apague as velas.
Eu sorrio e me inclino para soprá-las, com Isabella segura em meus braços.
– Realmente não esperava algo assim – eu digo sorrindo.
Ela dá de ombros.
– Só queria... Bom, você não foi comemorar com a sua família.
– Isabella é minha família agora também, não é?
– É, Isabella é – ela diz desviando o olhar. – E acho que já passou da hora de ela dormir.
Ela se aproxima para tirá-la do meu colo, eu não deixo.
– Não, eu a levo.
Anna levanta a sobrancelha.
– Vai fazê-la dormir?
– Não deve ser difícil. E eu terei que aprender, não concorda?
– Tudo bem. Você pode tentar... Vou lavar a louça então.
Eu demoro mais do que imaginei para colocar Isabella pra dormir. Mas aprecio cada
momento com ela. E quando finalmente ela fecha os olhinhos, eu a ponho no berço e apago a
luz, saindo do quarto sem fazer barulho.
Anna está na sala e eu sorrio satisfeito.
– Consegui.
– Muito bem, demorou... – ela olha o relógio. – Exatos 53 minutos, mas tudo bem.
– Eu sou principiante e ela dormiu no fim, é o que interessa. E então, não vamos comer o
bolo?
Anna rola os olhos e corta o bolo, me passando um pedaço.
– Não fui eu que fiz, caso pergunte, eu pedi num restaurante aqui perto.
– E eu pensando que ia conhecer seus talentos para sobremesa.
– Eu tenho talentos para sobremesas, só que hoje não daria tempo de fazer nada. Ficarei
feliz em provar meu talento pra você qualquer dia destes.
– Eu cobrarei – eu rio.
– Pode cobrar. Eu tenho muitos talentos – diz com fingida presunção.
– Eu sei. – murmuro, me inclinando para tirar um pedaço de chocolate de seus lábios e
então o clima muda.
Ela para de rir e eu também.
Minha mão está congelada em sua boca ainda e agora já nem me lembro do doce,
enquanto passo o dedo por seus lábios entreabertos, sentindo sua respiração ofegante.
Nossos olhares se encontram e se prendem e eu passo a língua em meus próprios lábios,
desejando provar os dela.
E chego a me inclinar, para obedecer minha vontade, porém ela segura minha mão,
afastando-a de sua boca.
Mas não se afasta de mim.
– Daniel... Eu não sei se devemos... – murmura.
Eu toco seu rosto, sondando seu olhar, e vejo ali o mesmo desejo que há nos meus.
Bastaria eu me aproximar ainda mais, e tudo estaria acabado.
Seria...
Desastre, meu cérebro grita em contraste com outra parte de minha anatomia que está
dizendo que seria perfeito.
Felizmente eu sou gato escaldado.
Eu sei como terminam todas as minhas recaídas por Anna.
Então tiro minha mão de cima dela e dou um passo atrás.
– Sim, tem razão – digo friamente. – Seria um erro.
– Daniel, eu... – ela começa a dizer, rapidamente eu me afasto indo direto pro meu quarto.
A noite é mal dormida. E estou com um humor dos infernos de manhã quando acordo.
Nancy está com Isabella no colo quando entro na cozinha, onde Anna come algo que
parece cereal, já arrumada.
– Bom dia, senhor Beaumont – Nancy diz animada. – Eu fiz café, caso aprecie.
Eu resmungo algo, indo direto pra cafeteira.
Sim, é disto que eu preciso.
– Se já comeu, precisamos ir – digo para Anna e ela se levanta.
– Noite ruim? – indaga, parando ao meu lado, e eu tenho vontade de arrancar aquele
sorrisinho de lado de seu rosto com meus dentes.
Sim, seria interessante...
Inferno! Eu desvio o olhar.
– Eu contatei algumas imobiliárias – digo e ela para de sorrir. – Vou passar para você o
que achei interessante por e-mail.
– Não precisava se dar ao trabalho.
– Precisava sim. Vamos?
– Claro, vou pegar minha bolsa.
Ela se afasta com os saltos batendo no chão e eu respiro fundo, irritado, e escuto o
balbuciar de Isabella.
E ao fitar seu rostinho rosado, meu humor muda um pouco e eu sorrio, acariciando seus
cabelos.
– Ela se parece com o senhor – Nancy diz.
– A senhora acha? Eu acho que se parece com Anna.
– Sim, também. É uma junção perfeita dos dois.
– Sim, acho que é – murmuro.
– Não estava com pressa? – Anna aparece na porta e eu a encaro.
– Sim, vamos.
Nós seguimos em silêncio até o escritório e nos separamos sem dizer nada no corredor.
E meu humor continua oscilando a manhã inteira, e piora consideravelmente quando
recebo uma ligação de Violet.
– Vai nos evitar até quando?
– Até quando eu bem entender – resmungo.
– Escuta, Daniel, você não pode fazer isto eternamente. Eu vou até ai para almoçarmos
juntos e...
– E nada. Você não vai vir aqui.
– Mas temos que conversar.
– Não temos nada pra conversar.
– Nada? E o fato de estar morando com a Anna Nicholls e ter uma filha com ela?
– Estes são os fatos, Violet, e conversar comigo não vai mudá-los.
– Todos estamos muito preocupados!
– Eu sei resolver meus problemas.
– Então admite que é um problema?
– Ah Violet, chega! Eu estou trabalhando e não posso ficar aqui debatendo com você. Até
mais!
Eu desligo sem dar a ela chance de protestar e respiro fundo para acalmar minha irritação.
E se tudo está ruim, pode ficar ainda pior quando vejo Anna indo almoçar na companhia
de Isaac.
Os dois conversam animadamente pelo corredor e Isaac sorri ao me ver.
– E aí, Daniel, não foi almoçar? Eu pedi pra Maggie te chamar, mas o Benjamin disse que
iam almoçar juntos.
– Sim, nós vamos – eu me lembro tardiamente que Benjamin queria almoçar comigo. – E
vocês, vão sozinhos?
– Sim, acho que hoje seremos só nós dois, eu e a doutora Annalise.... – Isaac cutuca Anna
na cintura de brincadeira. Eu tenho vontade de quebrar seus dedos, em vez disto eu olho pra
Anna.
– Vai sair mais cedo hoje pra amamentar Isabella?
Anna franze a testa.
– Não, não vou – responde devagar.
– Isabella? Amamentar? - Isaac parece confuso.
– Sim, Anna não disse que temos uma filha?
O rapaz arregala os olhos em choque.
– Espera... vocês dois... Nossa, mas eu não fazia ideia, são casados?
– Não! – Anna responde rápido sem esconder a irritação ao me encarar.
– Ele disse que vocês têm uma filha, foi o que entendi?
– Sim, nós temos, só não somos casados – Anna responde entredentes.
– Moramos juntos – corrijo e agora acho que Anna vai arrancar meus olhos, não me
importo nem um pouco.
– Ah, entendi. – Isaac diz ressabiado. – É, Anna, se não puder ir almoçar... Se estiver
ocupada, sei lá, tudo bem...
– Não, nós vamos almoçar sim. Então, Daniel, se nos der licença! – ela entra no elevador
praticamente empurrando um confuso Isaac.
Eu fico ali, vendo a porta se fechar e me achando um idiota.
O que eu tinha feito? Tinha deixado Isaac acreditar que eu e Anna éramos um casal,
quando não era verdade.
Tinha feito porque estava morrendo de ciúme.
E que direito eu tinha sobre ela? Nenhum. Anna poderia sair com Isaac, ou qualquer um
que desejasse. E eu teria que assistir. Apenas como mais um ex, como Benjamin.
E como é que se fazia isto? Talvez eu devesse perguntar a Benjamin como se superava
Anna Nicholls, porque estava muito difícil.
Obviamente eu não faço isto. Nós almoçamos juntos e falamos apenas de trabalho como
um acordo tácito, o que é bom, porque ainda não me sinto a vontade para falar de Anna com ele.
Afinal, ele também foi seu namorado. Talvez esse tema seja sempre um tabu entre nós.
E ao voltar do almoço, eu passo pela sala de Anna e não a vejo ali. Será que ela tinha
desfeito o mal-entendido com Isaac. Será que estava interessada nele?
Estou ainda remoendo meus pensamento quando ela entra na minha sala algumas horas
depois.
– Podemos conversar? – ela indaga.
– Tem que ser comigo? Acho que Benjamin está menos ocupado agora – digo.
Ela se aproxima e espalma a mão na minha mesa.
– Não, tem que ser com você mesmo. O que estava pensando ao dizer aquelas coisas ao
Isaac?
– Coisas? A verdade, você quer dizer.
– Achei que tínhamos combinado que não era da conta de ninguém.
– Não dá pra guardar segredo que temos uma filha pra sempre, Anna.
– Sim, disto eu sei. Você deu a entender que morávamos juntos!
– E não moramos? – pergunto inocentemente.
– Não do jeito que insinuou.
– Por que está brava? Estraguei seu flerte?
– O quê? Do que está falando?
– Acha que eu não percebi que aquele Isaac está cheio de interesse?
– Sua mente é suja, Daniel! Meu Deus, eu não acredito que acha que estou dando em
cima do Isaac! Foi por isto que armou todo aquele teatrinho...? – de repente ela franze a testa e
me encara. – Espera... Estava com ciúmes.
Inferno, eu fico vermelho.
Sim, vermelho feito um colegial idiota.
– Não, não estava... – eu levanto, me afastando. – E se não tem nada melhor pra fazer,
acho melhor ir trabalhar, Anna.
– Não, não vou a lugar nenhum! Acha que pode sair por aí agindo feito um babaca só
porque está com ciúmes de mim?
– Já disse que... – eu paro à sua frente e ela me encara com os olhos chispantes e a mão
na cintura. – Não, quer saber, eu estava com ciúme sim.
Ela engole em seco, dando um passo atrás.
– Estava? Com que direito? Com que direito, quando sai por aí tomando drinks e tendo
almoços com ruivas oferecidas que diz serem clientes?
– Do que está falando?
– Da tal Vivian, claro!
– Eu já disse que ela é uma cliente.
– Eu duvido! Ela te ligou na sua casa!
– Ela é amiga da minha irmã.
– Ah, da Violet?
– Da Charlotte.
– Entendo... Então é tipo, da família?
– Não inventa, Anna! Se quer saber, nós tivemos um flerte sim, satisfeita? Qual o
problema?
Ela pisca, virando o rosto, e eu me arrependo na hora.
– Mas não deu em nada. – completo rápido. – Foi... Antes de você aparecer no meu
apartamento com Isabella.
– Entendi – ela murmura. – Então se eu não tivesse aparecido, provavelmente ela seria
sua namorada agora.
– Não tenho como saber – dou de ombros e é verdade.
– Você gosta dela?
– Não.
Ela abaixa o olhar, cruzando os braços sobre o peito, enquanto aperta os lábios
compulsivamente.
– E devo presumir então que você não está a fim do Isaac?
Ela me encara.
– Não, não estou! O que pensa de mim, Daniel? Que eu transo com todos meus colegas
de trabalho em cima da mesa?
– Transou comigo – sussurro.
Ela ofega.
– Aquilo foi diferente. Você me provocou jogando aquela maldita meia na minha mesa
pra me irritar e...
– Você ainda usa aquelas meias – digo quase que comigo mesmo e ela se desconcerta.
– E daí? Você não vai vê-las mais – responde, não há mais rispidez em sua voz e sim uma
suave provocação que aumenta minha pulsação.
– Eu pude sentir naquele dia aqui – sussurro me aproximando, ela continua indo pra trás.
– Gostaria de saber se está usando hoje também.
– Por quê?
– Está? – eu paro muito perto. Atrás dela tem apenas o sofá.
Por um momento nos fitamos ofegantes. Meu coração bate como louco em antecipação e
eu quase posso sentir o dela no mesmo ritmo. Estamos no mesmo ritmo agora.
O desejo já tomou conta do meu cérebro há algum tempo e eu só consigo pensar em
várias maneiras de estar dentro dela.
É apenas uma questão de tempo.
– Quer mesmo saber? – ela sussurra, seu hálito doce invadindo minha boca.
Eu me inclino e ela não se afasta. Toco com os lábios a pele atrás de sua orelha.
– Deita no sofá, Anna – sussurro em seu ouvido e ela ofega e, como num sonho muito
louco, eu a vejo se afastar e fazer exatamente o que eu pedi. Eu sinto meu corpo inteiro pulsar de
tesão, enquanto ela se estica no sofá, os olhos presos nos meus. – Levante sua saia... e me
mostre.
E ela mostra.
Capítulo oito
Anna
– Filho, não adianta ficar bravo com sua mãe – meu pai diz quando chego na casa deles
naquela noite.
E sim, eu estou bravo por minha mãe ter praticamente imposto sua presença lá em casa,
mas bem no fundo eu sei que o verdadeiro motivo da minha raiva é outro.
E ele se chama Annalise Nicholls.
E o que eu deixei acontecer hoje à tarde no meu escritório, para me dar conta, quase tarde
demais, que eu estava caindo na mesma armadilha há um ano, quando ela me deixou sem olhar
pra trás.
– Querido, eu queria muito conhecer melhor sua filha. – Lydia explica docemente. – Eu
liguei várias vezes, você simplesmente está nos ignorando.
Eu passo os dedos pelo cabelo, frustrado.
– Eu não estava pronto para enfrentar a interferência e as perguntas de vocês.
– Eu sei. Mas nós somos sua família. E na hora ficamos chocados. Agora, só queremos
conhecer melhor a sua neném.
– Sim, eu não pretendia manter Isabella pra sempre longe de vocês. Apenas deem um
tempo para as coisas se acomodarem.
– Sim, nós daremos o tempo eu for preciso – meu pai afirma.
– Ela é uma menina linda, Daniel. – Lydia sorri. – E quando estava lá, Anna chegou. Ela
ficou meio fria no começo, não posso culpá-la, aparentemente acabou aceitando no final.
Eu sorrio, ao ver minha mãe toda emocionada.
– Eu sei que a situação entre a Anna e nossa família é complicada, teremos que nos
esforçar para passar por cima de tudo e seguirmos em frente. Afinal, temos uma criança inocente
envolvida agora.
– Sua mãe tem razão – Caleb concorda. – E sei que não é da nossa conta, mas Anna disse
a Lydia que está na sua casa apenas temporariamente.
– É verdade – digo, incomodado.
– Então, não há chances mesmo de vocês...
– Não quero falar sobre isto pai – corto o assunto e eles se entreolham.
– Tudo bem. É assunto particular de vocês.
– Vai jantar conosco? – Lydia pergunta.
– Seremos apenas nós, ou daqui a pouco meus irmãos chegarão? – indago desconfiado e
ela sorri.
– Não, querido, somente nós.
Eu janto com meus pais e depois volto pra casa. Começo a me sentir apreensivo quando
vou me aproximando, sem saber o que esperar.
Anna pareceu aborrecida quando saiu da minha sala à tarde. E eu tive vontade de ir atrás
dela, porém Benjamin entrou logo em seguida e me contou que ela havia ido embora amamentar
Isabella.
E, para complicar, foi difícil sair daquele estado de tesão não satisfeito. Tanto que, em
alguns momentos, eu me achei um idiota por não ter transado com ela e que se danassem as
consequências.
Todavia, o tempo da inconsequência havia passado. Eu não era mais um cara de 17 anos
cheio de hormônios ou o mesmo imbecil que fui há um ano, correndo atrás dela, mendigando seu
perdão.
Ela também disse que não era a mesma pessoa. E o que isto significava?
Eu não fazia ideia. A não ser que naquele momento ela estava a fim de transar. E só de
me lembrar eu já sinto o tesão voltando com força.
Inferno. Eu preciso manter a mente longe de problemas e longe Anna Nicholls.
Ao chegar em meu apartamento, já sinto aquele cheiro inconfundível de jasmim por todo
canto, intoxicando meus sentidos.
Eu percorro o apartamento silencioso, me perguntando se ela já está dormindo e a
encontro sentada no sofá da sala com uma xícara nas mãos.
– Oi – ela diz simplesmente.
– Oi. Cadê Isabella?
– Dormindo.
– Nancy te avisou que eu ia chegar mais tarde?
– Avisou.
Eu me aproximo e sento no sofá diante dela.
– Eu fui até a casa dos meus pais.
– Ah, eu conversei com sua mãe hoje à tarde.
– Eu sei. Ela não deveria ter vindo sem avisar antes.
– Está tudo bem. Em algum momento eles terão que se aproximar mais de Isabella, não
é?
– E como você se sente sobre isto? – indago com cuidado.
Ela dá de ombros.
– Eu não sei. Me sinto apreensiva. Principalmente por causa de sua irmã Violet.
– Violet jamais faria qualquer mal a Isabella.
Ela dá um riso irônico.
– Me desculpe se eu tenho motivos pra sempre desconfiar das intenções de sua irmã – ela
se levanta e eu faço o mesmo.
– Anna...
– Não, vamos esquecer. Não quero falar de sua irmã – ela se afasta em direção a cozinha
e então se volta. – Você jantou? Deseja alguma coisa?
E de repente a expressão “deseja alguma coisa” tem outra conotação pra mim.
Eu limpo a garganta ignorando o aperto em meu baixo ventre.
– Não, obrigado. Eu vou ver Isabella.
Eu me afasto rapidamente pelo corredor me xingando mentalmente e entro no quarto de
Anna, onde Isabella dorme tranquilamente no berço. Passo os dedos por seus cabelos e a cubro.
Ela está em minha vida há tão pouco tempo e já se tornara tão essencial. E eu me pergunto se
estarei preparado para me separar dela quando Anna tiver sua própria casa.
E eu não gosto do sentimento de perda que me acomete ao imaginar isto.
Meio irritado, fecho a porta atrás de mim e vou pro meu próprio quarto.
Tiro os sapatos e começo a desabotoar a camisa, quando escuto passos e, ao me virar,
vejo Anna na porta.
– Anna? Algum problema?
– Não – ela responde dando um passo para dentro e eu vejo que ela carrega um pequeno
aparelho em suas mãos.
– O que é isto? – pergunto apenas para me distrair de sua presença no meu quarto e das
milhões de possibilidades, todas sacanas, que invadem minha mente.
Ela passa por mim e coloca o aparelho no criado mudo.
– É uma babá eletrônica. Nancy que me deu.
– Babá eletrônica?
– Sim, é só ligar e eu consigo ouvir o que acontece onde Isabella está – ela para na minha
frente. – E será bastante útil hoje.
Eu franzo a testa sem entender.
– Por quê?
Ela sorri e, ficando na ponta dos pés, sussurra em meu ouvido.
– Porque eu vou dormir com você.
Anna
Sinto meu coração disparado no peito quando, sem dar chance de Daniel responder, ou
pior, recuar, o empurro para a cama, montando em cima dele, grudando nossos lábios.
Isto. Era assim que tinha que ser. Seu coração batendo no mesmo ritmo louco que o meu,
enquanto nossas línguas se encontram numa dança sensual que faz meu ventre se contrair.
Agarro seus cabelos com as duas mãos, o beijando com vontade infinita. Uma vontade
guardada por tempo demais. E é como tudo tivesse um novo gosto agora, uma nova intensidade.
Mordo de leve seu lábio inferior e ele resmunga algo, embora suas mãos já estejam deslizando
por minhas costas e apertando meus quadris com força e eu gemo, parando o beijo e o
encarando.
Ele ofega em meu rosto, os olhos me sondando confusos e maravilhados.
– Anna...
– Shiii. – eu o beijo levemente e me sento em seu colo, tirando minha blusa e meu sutiã
no processo. – Quero sentir você dentro de mim.
Daniel geme e seus olhos se anuviam de desejo.
Ele me puxa pela nuca, grudando seus lábios nos meus de novo. Derreto inteira quando
me vira, tomando as rédeas da situação e me prensando sob o colchão com seu peso.
– Sim... – sussurro cheia de desejo, me apressando em tirar sua camisa para sentir nossas
peles se roçando.
E Daniel começa a tirar minhas roupas também, com movimentos impacientes e
frenéticos, até que eu esteja nua e tremendo sob seu toque.
– Deus, você é linda demais – ele diz contra meus seios antes que sua língua quente e
úmida tome posse do bico rosado, lambendo e mordendo de um jeito delicioso que faz com que
um pulsar fremente se instale no meio das minhas pernas.
Então eu agarro sua mão e a levo pra lá, adorando sentir seus dedos me acariciando e
abrindo caminho para dentro de mim.
Não é suficiente. Eu quero mais. E levo a minhas mãos ao cós da sua calça, a abrindo, de
repente Daniel para.
– Anna, espera... Não podemos.
– Cala boca, Daniel – eu ordeno, usando toda minha força para jogá-lo de volta na cama
e, me inclinando sobre o criado mudo, onde pego vários preservativos. – Se está falando sobre
isto... – eu rio, começando a tirar sua calça.
Daniel me olha entre surpreso e aliviado.
E não demora para que eu o tenha nu, à minha mercê.
“Todo meu”, eu penso, estremecendo de antecipação ao deslizar a camisinha em sua
ereção.
Ele me pega pela cintura e me faz montá-lo e eu gemo alto ao senti-lo dentro de mim. E
me movo, bem devagar, perdida no prazer que cresce e toma conta de todos meus sentidos.
Então ele me puxa pela nuca e me beija forte, mudando de posição e me prensando na
cama de novo, se movendo mais fundo e mais rápido. Eu estremeço e gozo rápido, e ele me
segue, gemendo roucamente em meu cabelo em seu próprio orgasmo.
Longos minutos se passam até que ele se move, se afastando.
– Tudo bem? – pergunta, passando os dedos pelos cabelos. E me parece muito lindo
naquele momento, todo suado e com os cabelos molhados.
Eu aceno positivamente com um pequeno sorriso.
– E você, tudo bem... com isto? – pergunto corajosamente, me lembrando de todos seus
melindres hoje à tarde.
Ele desvia o olhar e se levanta da cama, indo para o banheiro, e imagino que está se
livrando do preservativo. Ou simplesmente fugindo de mim.
Eu me sento me cobrindo com o lençol e espero, até que ele volta momentos depois.
Eu bato no espaço a meu lado.
– Vem aqui, não vou te atacar, Daniel.
Ele sorri de lado.
– Não foi o que acabou de fazer?
Eu mordo os lábios.
– Não ouvi você reclamando.
Ele suspira profundamente, enquanto se aproxima, sentando-se e vejo um lampejo de
preocupação em seu olhar.
– E o que isto tudo significa, Anna?
É a minha vez de ficar apreensiva. Porque enquanto estávamos juntos, tudo parecia
possível. Mas depois...
Ainda havia toda a realidade nada fácil entre nós.
– Significa o que nós dois sabemos. A gente queria. Sempre quer. Do que adianta fugir? –
digo suavemente. – Eu sei que... Existe um mundo de problemas lá fora. Um mundo de
problemas entre nós também. Acho que seria pedir demais que tudo fosse resolvido de um dia
pro outro. E eu também não sei o que vai acontecer. Quem pode saber? – eu dou de ombros. – Só
não quero mais fugir, ou me esconder – eu me inclino e beijo seu ombro. – A começar por isto.
O sinto estremecer e sua postura continua tensa. Eu encaro seus olhos confusos.
– Anna... Nós sempre acabamos na cama, tem razão, não é novidade nenhuma e talvez
fosse acontecer uma hora ou outra mesmo. Mas, depois de tudo o que aconteceu...
– Eu sei. Você acha que eu vou fugir de novo – digo amargamente. – Não te culpo por
pensar assim. Só quero dizer que é diferente agora. Eu não vou a lugar nenhum, Daniel. Jamais
levaria Isabella para longe de você.
– É por Isabella que está aqui?
Eu rolo os olhos.
– Acha mesmo que é?
– Não, não acho – ele responde.
– Então não faz pergunta idiota. Eu estou aqui, porque eu quero – eu me inclino e beijo o
canto de seus lábios. – E porque você quer.
Ele toca meu rosto e percebo que há mil coisas passando por sua mente e apenas imagino
algumas delas.
Sei que ainda não estamos prontos para tirar todos os esqueletos do armário.
– Ah Anna... Eu deveria estar fugindo de você – ele diz, apesar de estar sorrindo.
– Mas não vai. – Eu me deito, bocejando, sentindo toda a tensão do dia começar a cobrar
seu preço e ele se deita atrás de mim, beijando meu ombro e passando o braço a minha volta.
– Pra onde estamos indo, Anna? – ele indaga baixinho.
Eu seguro sua mão que está sobre a minha barriga.
– Eu não sei. Só sei que estamos indo juntos desta vez.
Quando eu acordo na manhã seguinte, estou sozinha na cama e me sento rapidamente,
preocupada, afinal, não acordara nenhuma vez à noite para ver Isabella.
Naquele momento Daniel entra no quarto todo vestido e com Isabella no colo.
– Desfaça esta cara preocupada, eu cuidei dela.
– Eu não escutei ela acordar à noite, será que esta porcaria não funciona? – eu pego a
babá eletrônica e Daniel ri.
– Funciona sim, eu escutei duas vezes.
– Por que não me acordou?
– Não precisou. Da primeira vez era apenas trocá-la.
– E você conseguiu?
– Claro que sim. Não foi difícil. E da segunda era fome.
– Podia ter me acordado para amamentá-la.
– Ela tomou o leite da mamadeira sem reclamar, acho que está se acostumando.
– Hum, sei... Por acaso eu estou atrasada?
– Ainda não, não precisa se apressar.
Ele sai do quarto e eu tomo um banho, me arrumando depressa, para poder ficar um
pouco com Isabella antes de sair.
Nancy está na cozinha quando apareço e eu pego Isabella.
– Oi, Anna, chegaram alguns pacotes pra você, o porteiro veio entregar, eu deixei lá na
sala.
– Pacotes?
– Sim, me parecem de uma loja de bebês.
Daniel ri.
– Até imagino da onde veio.
– Imagina?
– Deve ser coisa de Charlotte.
Eu vou pra sala e examino os pacotes, como Daniel previu, eram mesmo coisas de
Charlotte. Um monte de roupas de bebê de uma marca muito chique.
– Ela é louca?
– Não, ela é assim mesmo, se você se lembra do inferno do casamento.
– Claro, eu me lembro... – suspiro, admirando as roupinhas. – São bonitinhas.
– Ela quer conhecer Isabella, é o jeito dela de se manifestar.
Eu mordo os lábios, incerta.
– Vamos ver.
Nós entramos no carro para ir trabalhar e um silêncio estranho cai sobre nós.
Afinal eu ainda não sei como ficaremos de agora em diante.
Nós estamos no elevador quando eu decido falar.
– Daniel, sobre ontem à noite...
– Anna, pare. – ele faz um gesto com a mão. – Eu sei que tudo parece... esquisito agora,
sinceramente, não acho que aqui seja o lugar para conversarmos sobre esse assunto.
– Tem razão – dou de ombros, quando o elevador chega no nosso andar. – Te vejo por aí.
E sigo para minha sala.
A manhã transcorre sem atropelos e quando chega a hora de almoço, eu pego minha bolsa
e estou no corredor, me perguntando se o pessoal do escritório está disponível para sair, quando
vejo Isaac se aproximando.
– Oi, está indo almoçar?
– Sim, até ia te chamar, mas o Daniel disse que vão almoçar juntos.
– Ah... sei. – digo surpresa e vou pra sala de Daniel. – Olá – eu entro fechando a porta. –
Fiquei sabendo que me chamou para almoçar...
Ele levanta o olhar do computador e sorri daquele jeito de lado.
– Tranca a porta, Anna.
Eu arregalo os olhos, quando ele se levanta e vem até mim.
– Por quê? – indago sem ar.
Antes mesmo de ele passar por mim, trancar a porta e caminhar na minha direção com
aquele sorrido de predador, eu já sei a resposta.
– Não quero ser interrompido enquanto transo com você.
Eu poderia ter protestado, mas quem disse que eu tinha algo contra?
Eu só tive tempo de perguntar se tinha preservativo e ele riu, retirando um do bolso.
Então deixo que me beije e me leve para o mesmo sofá que me pediu para deitar ontem e
desta vez, não demora para ele estar dentro de mim, suas arremetidas lentas e profundas fazendo
meu corpo arquear de prazer.
E eu gemo alto e Daniel ri contra meus lábios.
– Shiii, baby, quer que nos escutem?
– Não devia nem ter começado, se está preocupado com isto – resmungo, envolvendo
minhas pernas em seus quadris e me apertando mais contra ele, fazendo-o gemer e aumentar o
ritmo, até que estremecemos e gozamos juntos.
Depois nós realmente saímos para almoçar e eu me sinto um tanto culpada.
– Acho que não devemos mais fazer este tipo de coisa no escritório, Daniel – digo, depois
que o garçom se afasta pra buscar nossa conta e ele sorri maliciosamente.
– Preocupada que alguém tenha escutado?
– Não tem graça. Já pensou se alguém realmente percebe? É nosso local de trabalho.
– Sim, tem razão. – ele diz, mais sério. – É que desde ontem eu vinha imaginando te
foder ali.
Eu me arrepio.
– Ah é? Você pode me contar as coisas que imagina comigo, porém vamos nos limitar a
nossa casa.
– Nossa casa?
Eu desvio o olhar, vermelha, pela falha.
– Quer dizer, sua casa...
– Anna, sobre isto... – ele começa a falar seriamente, então alguém chama meu nome e ao
levantar a cabeça, eu vejo Adam e Hannah.
– Ei, que legal encontrar vocês. – Hannah nos cumprimenta e Adam faz o mesmo.
– Nossa, quanto tempo, Anna, achei que tivesse saído da cidade.
– Eu saí e voltei.
– E você, Daniel? Fiquei sabendo que tem sua própria firma agora.
– Sim, estamos começando. Tenho um sócio de Nova York.
– Muito bom pra você.
– E me conta, Anna, vocês estão juntos de novo? Depois do casamento, eu achei...
– Hannah, menos... – Adam a belisca e ela fica vermelha.
– Ah, me desculpe.
– Não, tudo bem – eu respondo sem graça também.
– Sim, estamos juntos – Daniel diz, me surpreendendo.
– Ah, que legal. – Hannah fica espantada. – A gente precisa marcar de tomar uns drinks
qualquer dia destes pra colocar as novidades em dia... Ah, preciso te contar, lembra da Lucy? Se
mudou para Los Angeles. Parece que está saindo com um cara super rico e casado! Bom, isto foi
o que ela sempre quis, né?
– Hannah chega, querida, vamos nos atrasar. – Adam corta o assunto.
– Ah, tudo bem. Me liga, Anna! Adorei ver você.
Eles se afastam e o garçom traz nossa conta.
– Fico feliz em saber que eles ainda estão juntos – comento.
– Sim, eles estão juntos há mais de um ano. Acho que em breve ele a pede em casamento.
–Daniel diz casualmente e nós saímos.
O prédio do escritório é perto e nós vamos andando, eu me surpreendo quando Daniel
segura minha mão então me lembro quando ele disse lá dentro que estávamos juntos.
Quero conversar sobre isto, mas, como disse antes ali não é o lugar.
E nem sei se estou preparada para toda a conversa que precisamos ter. E morro de medo
ao me perguntar se sobreviveremos a ela.
A tarde passa rápido com Daniel fora em reunião, e eu vou pra casa um pouco mais cedo
para ficar com Isabella e aproveito para dispensar Nancy mais cedo.
– Amanhã é sábado, a senhora não vai precisar de mim?
– Não, fique tranquila. Eu estarei em casa.
A mulher vai embora e eu estou cozinhando quando Daniel chega.
– Oi.
– Eu estava me perguntando se ia aparecer cedo ou se tinha algum compromisso.
Ele sorri, pegando Isabella do carrinho e se aproxima, beijando meu cabelo.
– Eu te diria se tivesse.
Eu sorrio para a panela.
– Dá tempo de eu tomar um banho antes do jantar?
– Não, deixa pra depois – peço, desligando o fogo.
Ele levanta a sobrancelha.
– Serei rápido.
– Eu ainda não tomei banho também – digo maliciosamente, sem encará-lo e sei que ele
entendeu, pois pergunta se eu quero alguma ajuda.
– Não, só distraia Isabella.
Nós jantamos e depois Daniel diz que vai colocar Isabella pra dormir e eu vou para o
chuveiro.
E não demora muito para ele se juntar a mim.
Eu sorrio, adorando quando ele se aproxima e segura meu rosto, beijando minha testa,
meu nariz e por fim minha boca.
– Tenho boas lembranças de banhos com você - ele diz, deslizando o nariz pelo meu
pescoço e eu beijo seu ombro molhado, me colando nele.
– Duvido que sejam melhores que as minhas.
Ele ri e me encara. Eu o abraço pelo pescoço.
– Por que eu acho que você está me escondendo algo? – ele pergunta e eu rio.
– Você realmente não se lembra do dia em que eu te trouxe pra casa depois daquela
bebedeira?
Ele franze a testa.
– O que quer dizer? Que nós...
– Sim, nós transamos, exatamente aqui.
– Está mentindo, Anna.
– Não! – eu rio ainda mais. – Não tenho culpa se estava tão bêbado que nem se lembra.
Na verdade eu deveria ficar até chateada, mas tudo bem. Você estava muito mal mesmo.
– Então você se aproveitou de mim.
– É, colocando nestes termos... – eu mordo sua orelha, roçando meus seios em seu peito.
– Sim, eu me aproveitei de você...
– Então Isabella...
– Sim, ela foi feita aqui e não no seu escritório.
De repente ele para, sério.
– Por que não me disse, Anna? No dia seguinte, me deixou pensar...
– Eu não queria que soubesse. Eu estava muito confusa naquela época, você sabe. Eu
queria esquecer.
– Inferno, Anna! – ele desliga o chuveiro e já não tem clima nenhum.
Inferno mesmo!
– Está bravo comigo? – indago saindo atrás dele do boxe.
Ele se enxuga quase furiosamente.
– Acha que eu não tenho motivos?
– Sinceramente, nesta altura do campeonato? Não!
E irritada, pego uma toalha e marcho para fora do banheiro, indo parar no meu quarto.
Coloco uma camisola qualquer e, depois de me certificar que Isabella está dormindo
tranquila, eu me deito.
Por que eu cismei de contar aquilo pra Daniel? Devia ter ficado quieta, se bem que,
estávamos começando a nos abrir, não me pareceu certo deixar este detalhe de fora.
Também não imaginei que ele ficaria bravo.
Não sei quanto tempo se passa até que escuto a porta se abrindo e Daniel aparece,
vestindo apenas uma calça de pijama.
– Posso entrar?
– Se for pra brigar comigo, não – respondo e ele entra, fechando a porta atrás de si e senta
ao meu lado.
– Me desculpe. Eu fiquei meio chocado por saber que rolou sexo naquela noite e eu nem
me lembro. E saber que você ficou grávida... Acho que é pior ainda.
– Ainda está bravo?
– Não. – Ele passa a mão no meu rosto.
– Então vamos dormir – levanto a coberta e ele se aconchega ao meu lado.
Eu deito minha cabeça em seu ombro.
– Preciso me lembrar de nunca ficar bêbado com você. É perigosa.
Eu rio e fecho os olhos.
– Você gostou, eu te garanto.
– Disto eu não duvido.
Quando acordo no dia seguinte, de novo Daniel não está.
Eu me lembro de durante a noite ter acordado para amamentar Isabella apenas uma vez e
ele acordara comigo.
Isabella também não está no quarto e eu visto uma roupa, indo procurá-los.
Daniel está na cozinha ao telefone, enquanto mexe algo na panela.
– Eu não disse que não vou, Charlotte... Eu sei, claro que eu sei – levanta a cabeça e me
vê. – Charlotte, te ligo depois.
Ele desliga e sorri.
Eu me aproximo pra pegar Isabella que está no bebê conforto em cima da mesa.
– Algum problema?
– Apenas o tal jantar que Charlotte inventou hoje à noite.
– Ah...
– Você irá comigo?
Eu mordo os lábios.
– Não.
– Então também não vou.
– Você vai sim – e, de repente, eu tomo uma decisão. – E Isabella vai com você.
– Não...
– Sim. Está decidido. É a comemoração do seu aniversário. Não pode faltar. E pode levar
Isabella para sua família ver.
– Tem certeza? Você deveria ir também.
– Desculpa, Daniel, ainda não me sinto preparada.
– Também não estou certo se devo ir...
– Está tudo bem. De verdade. Eu vou ligar pra Fiona e marcar um jantar com ela. E o que
está fazendo ai? – eu me aproximo olhando a panela.
– O almoço.
– O Almoço? Que horas são?
– Pouco mais de meio dia.
– Nossa, eu dormi tanto assim? Por que não me acordou?
– Hoje é sábado, merece uma folga.
– Isabella acorda cedo – digo, colocando-a no bebê conforto de novo, ignorando seus
resmungos.
– Sim, eu percebi.
– Bom, ela dorme à tarde e você pode aproveitar para tirar um cochilo... – eu sorrio e ele
sorri de volta.
– Ou podemos apenas ir pra cama... sem dormir.
Eu me aproximo por trás, abraçando-o pela cintura e beijando sua nuca.
– Combinado!
****************
Naquela noite eu coloco um dos vestidos que Charlotte Beaumont mandou em Isabella e
ela parece uma boneca, Daniel pega o celular e começa a tirar várias fotos dela, enquanto a faz
rir.
– Acho que vamos nos atrasar – digo, pegando minha bolsa e uma bolsa com coisas de
Isabella.
Daniel leva Isabella e nós vamos pro carro e ele me deixa em frente à casa de Fiona.
– Tem certeza que não quer ir junto?
– Tenho sim. Divirtam-se e qualquer coisa me liga.
Ele toca meu rosto e me beija devagar.
– Esta situação não vai se sustentar por muito tempo – ele diz quase como que pra si
mesmo e eu suspiro, um medo gelado tomando meu peito.
– Eu sei, no entanto, é o que temos pra hoje – murmuro, me afastando.
– Eu passo para pegar você. Ok?
– Tudo bem.
– Vê se não deixa a Fiona te embebedar muito!
Eu rio e saio do carro e subo para o apartamento de Fiona, que me recebe com um abraço
forte.
Estamos sozinhas, Brian tinha jogo com os amigos.
– E aí, me conta tudo!
Eu rolo os olhos.
– Tudo o quê?
– Ah, não se faça de desentendida! Vou pedir a pizza e abrir um vinho e você vai ter que
começar a me contar como estão as coisas lá na casa do Daniel.
Eu rio e horas depois eu já contei tudo a ela.
– Uau, será que agora vai? – ela pergunta incerta.
– Como vou saber? Já houve coisas ruins demais entre nós, coisas boas também. E por
que eu não posso me prender às coisas boas?
– Sim, tem razão. E a família dele?
– É um problema, principalmente a irmã que me odeia.
– Será que ela te odeia ainda? Já passou tanto tempo...
–Violet é uma destas pessoas malucas que não esquecem nunca e se eu pudesse escolher,
ficaria bem longe dela.
– Pra seu azar ela é irmã do Daniel, né?
– Pois é – dou de ombros. – Por enquanto estamos levando as coisas devagar e veremos
até onde vai.
– Eu vou torcer pra que tudo dê certo.
De repente o interfone toca.
– Olha, chegou nossa outra pizza!
Ela corre para pegar a pizza na portaria e já é a segunda que pedimos, e eu pego o celular
para ver se tem alguma ligação de Daniel e me surpreendo ao ver que ele me mandou uma
mensagem e uma foto de Isabella no colo de Lydia Beaumont.
“Como vê, está tudo bem. E Isabella está sendo muito mimada. E aí, já está bêbada?”
Eu rio e respondo.
“Se eu ficar bêbada quero o mesmo tratamento que eu te dei, ok?”
Eu fico esperando ele responder e então o telefone da casa de Fiona toca.
Eu atendo, por força do hábito.
– Alô?
– Olá, querida enteada... – a voz de Tom chega aos meus ouvidos e eu sinto o chão fugir
dos meus pés.
Capítulo nove
Daniel
– Ela é tão fofa! – Charlotte sacode Isabella pela sala e eu as sigo com o olhar,
preocupado, porque Charlotte não tem a menor experiência com bebês.
– Cuidado com ela, Charlotte.
– Deixa de ser chato! Ela gosta de mim – ela se aproxima de Owen. – Não é linda,
Owen? E este vestido ficou perfeito! Já a imagino com outro verde que vi ontem...
– Ela não precisa mais de roupas, Charlotte – resmungo, me aproximando de minha mãe,
que toca meu braço.
– Eu achei que a Anna viria com você – ela diz hesitante.
– Ela achou melhor não vir.
– Na verdade estávamos nos perguntando se você viria, isto sim. – Elton entra na sala
seguido por Violet. Desde que jantamos, ela havia desaparecido e Elton a seguiu.
Ela estava quieta e na dela desde que chegamos e foi a única que não quis se aproximar
de Isabella. E eu nem sei se isto era ruim ou bom.
– Acho um milagre sua namoradinha ter liberado você.
– Violet, não começa. O que conversamos? – Caleb a repreende e ela revira os olhos.
Charlotte ri e se aproxima de Violet.
– Você precisa carregá-la, Violet, foi a única que ainda não a pegou! – e, sem aviso,
coloca Isabella no colo de Violet, que arregala os olhos.
– Charlotte, não faz isto! – diz entredentes, com Isabella utilizando as mãos para
emaranhar em seus longos cabelos loiros e Charlotte e Elton riem.
– Olha que graça, ela gostou de você.
– Eu não sei segurar criança – Violet resmunga, embora suas mãos segurem Isabella com
firmeza.
– Sabe sim! – Charlotte ri ainda mais. – Eu vou buscar meu celular pra tirar uma foto.
– Como você é idiota, Charlotte! – Violet tenta em vão retirar as mãos de Isabella de seus
cabelos e me movo para salvá-la. Lydia segura meu braço.
– Deixe.
– Mas...
– Ela precisa se acostumar com a menina. E ela não vai fazer nada de mau, olha lá. Até
segura direitinho.
Eu olho de novo e agora ela sacode Isabella meio chorosa, provavelmente por ter sido
privada da brincadeira com os fios de cabelo, enquanto Elton ao lado tenta fazê-la rir. Eu fico
olhando aquela interação inédita, até que Isabella começa a sorrir das micagens de Elton e Violet
sorri também. Então ela levanta a cabeça e nossos olhares se encontram por um momento, ela
volta a ficar séria e desvia o rosto.
– Elton, melhor pegar ela, antes que destrua meus cabelos. Eu fiz escova hoje – diz,
passando Isabella pra Elton, que continua a brincar com ela até que Charlotte volta e começa a
tirar fotos.
E pela primeira vez eu sinto que tudo pode ficar bem.
Que Isabella ficará bem com a minha família. Mas e Anna?
De repente sinto uma falta terrível dela. Desejo que ela estivesse ali comigo e Isabella,
porque nada nunca estará completo sem ela por perto.
– Ei, Daniel, não está ouvindo seu celular tocando não? – Charlotte joga o celular que eu
devo ter esquecido em cima do sofá e eu sorrio ao ver o nome de Anna.
– Oi, estava pensando justamente em você...
– Daniel, algo horrível aconteceu – ela grita do outro lado com a voz cheia de medo e eu
sinto meu corpo gelar.
– Anna, o que houve?
– É o Tom... Ele acabou de me ligar.
Anna
Eu sinto todo meu corpo tremer de horror enquanto conto a Daniel o que aconteceu.
E ainda parece que estou contando apenas um pesadelo ao reviver meu diálogo com meu
padrasto que coloquei na cadeia.
– O que você quer? – perguntei, sentindo meu estômago dar voltas. – Como conseguiu
me ligar?
– Os presos por bom comportamento podem fazer ligações, Anna.
– Não tenho nada para falar com você!
– Fiquei sabendo que sua mãe morreu, por que não me avisou?
– É muita cara de pau por me perguntar isto!
– Sua mãe morreu achando que eu te fiz mal e você inventou tudo! Não passa de uma
vadiazinha vingativa como Violet Beaumont!
– Eu vou desligar...
– Tudo bem, pode desligar... Eu só liguei para avisar que em breve vou sair daqui. E nós
teremos nosso acerto de contas. Afinal, acho que terei minha própria vendetta...
E depois disto eu bati o telefone na cara dele e corri para o banheiro e vomitei todo o
conteúdo do meu estômago, e foi assim que Fiona me encontrou minutos depois.
E eu só pensava em ligar para o Daniel.
– Anna, fique calma. Ele não pode te fazer nenhum mal. Está na cadeia. – Daniel diz
firmemente.
– Ele conseguiu ligar pra mim! – exclamo descontrolada. – E disse que ia sair de lá!
Daniel, estou com medo...
Escuto ele soltar um palavrão.
– Eu vou te buscar, fique aí.
Eu desligo e Fiona me encara aflita.
– Este Tom é muito sem noção ao ficar te ameaçando! O que foi que o Daniel disse?
– Que ele não pode me fazer mal porque está preso.
– Ele vai continuar preso, não é?
– Sim, acho que sim... Não sei. – sinto meu estômago revirando de novo ao imaginar que
Tom possa sair da cadeia e vir atrás de mim.
– Olha, tome esta água acalme-se. O Daniel virá te buscar? Quer que eu te leve embora?
– Não, o Daniel vem me buscar – eu pego o copo com minhas mãos trêmulas e espero,
me remoendo por dentro. O som da campainha tocando me tira do torpor e Fiona abre a porta
para Daniel, que passa por ela direto em minha direção e eu capto seu olhar preocupado e sua
postura tensa antes de me jogar em seus braços.
– Está tudo bem, tudo bem – ele murmura em meus cabelos, me apertando forte e parte
do meu terror se evapora. – Eu estou aqui, ele não vai te machucar.
Eu me forço a me afastar um pouco para fitá-lo.
– Daniel, ele disse que ia sair de lá e vir atrás de mim! – exclamo.
– Ele queria te aterrorizar.
– E conseguiu! – passo os dedos pelos cabelos, nervosa. – E agora eu estou apavorada!
– Ele está preso, Anna.
– Sim, mas até quando?
– Eu vou verificar a situação da pena dele hoje mesmo, para te deixar mais tranquila, tudo
bem?
Sacudo a cabeça positivamente.
– Agora vem, vou te levar pra casa.
– Cadê Isabella? – pergunto preocupada.
– Está com Charlotte.
– Charlotte?
– Sim, eu pedi que ela levasse Isabella pra casa e vim te buscar.
– Devia tê-la trazido – digo, pensando na destrambelhada da irmã de Daniel com a minha
filha.
– Está tudo bem, Anna. Não sabia em que estado você estava e não queria ficar me
preocupando com as duas. Isabella está bem.
Eu me abstenho de dizer que só ficarei tranquila quando vir minha filha segura comigo e
me despeço de Fiona.
– Me liga e me conte as novidades, senão ficarei preocupada – ela pede e eu concordo,
antes de seguir Daniel.
O percurso até seu apartamento é feito num silêncio tenso, Daniel não entra com o carro
na garagem, apenas destrava minha porta em frente ao prédio.
Eu o encaro interrogativamente.
– Eu vou verificar o caso de Tom.
– Então eu vou também.
– Não. Você tem que ficar aqui com Isabella.
– Sim, tem razão.
Ele toca meu rosto.
– Este cara está preso, Anna, não vai chegar perto de você.
– Ele está preso porque eu o mandei pra lá, com uma história inventada – murmuro com a
voz engasgada.
– Ele merece estar lá. Pelas coisas que fez com Violet e até pelo sofrimento de sua mãe.
Não se sinta culpada.
Eu tento achar um alento em sua voz, mas só me sinto mais engasgada.
Eu achei que estava livre daquele fantasma e daquela culpa. Agora ela voltava a me
atormentar.
Daniel me puxa e beija minha testa.
– Fique tranquila, eu não pretendo demorar.
– Tudo bem.
Subo como se o peso do mundo estivesse sobre minhas costas, com o coração e a alma
pesada de culpa e medo. Tudo o que eu quero agora é pegar minha filha e tentar me acalmar.
Quando eu abro a porta, eu paraliso de horror.
Violet Beaumont está no meio da sala, segurando Isabella no colo.
– Tira a mão da minha filha – rosno num instinto quase assassino, enquanto praticamente
corro até Violet que me encara com um olhar surpreso.
Retiro Isabella do seu colo, dando um passo atrás.
– Credo! O que achou que eu estava fazendo?
– Não deveria estar aqui e muito menos com a minha filha! – acuso.
– Eu não a machucaria – sua voz é quase ofendida.
– Eu sempre espero coisas ruins vindas de você, não me culpe por isto! Você me odeia e
não quero que ponha as mãos na minha filha!
Violet dá um de seus sorrisos irônicos, jogando o cabelo.
– Antes de ficar me acusando de coisas absurdas, deveria me agradecer por eu estar aqui
cuidado dela!
– Seu irmão disse que a deixou com Charlotte.
– Charlotte é uma desmiolada! Assim que Isabella começou a chorar, ela me implorou
para que viesse junto.
– E onde ela está?
– Foi embora, claro. E depois a egoísta sou eu!
Isabella, sentindo a tensão, começa a chorar.
E ignorando Violet, eu a levo para o quarto.
– Ei, está tudo bem, querida – murmuro, verificando sua fralda que, como eu previ, está
suja.
Eu a troco e depois a amamento. Levando um longo tempo para colocá-la para dormir e
só então saio do quarto.
Toda esta rotina me acalmou consideravelmente, instantaneamente eu volto a ficar
irritada ao ver Violet de novo.
– Ainda aqui – exclamo exasperada.
– É a casa do meu irmão, não sua. – ela dá de ombros, sentada de pernas cruzadas sobre o
sofá.
– É, realmente é a casa do seu irmão. E parece que ele dá bastante espaço pra você.
Ainda. – Minha voz está cheia de um veneno guardado há anos e talvez por todo o estresse
vivido hoje, eu não consigo me conter. – E já que está aqui, o que quer comigo?
Ela se levanta e me fita com um olhar ferino.
– Quero saber o que quer com meu irmão de novo.
– Como é?
– Sim, eu tenho o direito de saber.
– Direito? Está de brincadeira, não é?
– Não. Estou falando muito sério. Eu sabia que você só ia causar sofrimento a ele. Eu te
falei lá em Miami, não foi? E o que você fez? Resolveu se casar com ele. Só para deixá-lo
plantado no altar! Você arrasou com ele!
– Eu? Você e sua família só aprontaram comigo e agora eu que sou culpada?
– Olha aí! Eu disse ao Daniel que você nunca iria perdoá-lo. Pedi que abrisse os olhos,
infelizmente ele sempre foi irracional quando se trata de você.
Eu respiro fundo, começando a me cansar daquela discussão que com certeza não
acabaria nada bem.
– Olha, seria lindo você aqui defendendo seu irmão, mas, primeiro que não tem nada a
ver com isto! E segundo...
– Você escondeu um bebê dele! – Violet continua como se eu não tivesse falado nada.
– Eu não podia ficar com ele! – grito no mesmo tom.
– Por causa da vendetta – é uma afirmação e não uma pergunta.
– Daniel sabia disto – murmuro. – Sabia que eu não podia e mesmo assim insistiu!
– Então por que não foi embora? Por que continuou aquela historia ridícula de
casamento, apenas pra fazê-lo sofrer? Quando vi você largando-o no altar, tive vontade de ir
atrás de você e te destruir!
– É só assim que você consegue viver, não é? Pensando em vingança! Como se isto
consertasse alguma coisa!
– Consertou no seu caso, não foi? Mandou o canalha do Tom pra cadeia! – ela ri, sem
humor. – Olha, acho que senti até inveja de você, por ter esta ideia brilhante! Aquele infeliz teve
o que merece! Mas não estamos aqui para falar daquela cafajeste. E sim de você e Daniel e toda
merda que causou pra ele!
– Você age como se seu irmão fosse um coitado, completamente inocente!
– Ele é!
– Ele ajudou você a se vingar! Ele me usou!
– Sim, ele seduziu você, mas saiba que eu pedi para o Elton também e ele se colocou no
lugar.
– Então é mais horrível ainda!
– Acho que seria horrível de qualquer maneira, não é? Sinceramente? Por que se faz de
tão ofendida? Você era louca pelo Daniel, corria atrás dele feito uma gatinha no cio, ele teria
fodido você com ou sem vingança...
– Cala a boca! Cala a boca, se não quiser apanhar de novo!
– É verdade! Você fica se fazendo de vítima quando consentiu tudo!
– Eu não sabia as intenções dele! Não sabia que estava me seduzindo apenas pra tirar
aquelas fotos nojentas.
– As fotos foram tiradas pela Eloise.
– O quê?
– Sim, ele nunca te contou? Eu achei que nesta altura do campeonato ele já tivesse
tentado limpar sua barra! Eloise tirou as fotos porque o Daniel não quis tirar. Sim, ele concordou
com tudo antes, depois quis me deixar na mão. Então Eloise me ajudou e fomos nós que as
colocamos na Internet. Como vê, Daniel nem é tão vilão assim. Ele só ficou sabendo depois.
Eu mal respiro ouvindo as revelações de Violet. As memórias de oito anos atrás
dançando na minha mente, a imagem de Eloise do lado de fora do quarto de Daniel naquela
tarde.
Sim, fazia sentido.
Eu percebo de repente que o fato de Daniel não ter colocado aquelas fotos na Internet faz
mais sentido do que o fato de ele tê-las colocado.
O pior de tudo, analisando o que sinto com aquela revelação, é que eu não me sinto
melhor.
Porque o pior não foram as fotos, embora elas tenham me causado alguns momentos de
humilhação e medo nestes anos todos.
– Isto não muda o fato de ele ter mentido pra mim – despejo, cheia de dor. – Ele só se
aproximou de mim porque você mandou! Pensando nesta merda de vendetta! Eu sofri porque eu
estava apaixonada e ele apenas me usou o tempo inteiro! – Soluço não me importando com
minhas lágrimas.
– O que está acontecendo aqui?
Nós duas nos viramos ao ouvir a voz de Daniel parado no meio da sala. Tão entretidas
com nossa discussão, nem reparamos em Daniel entrando, e agora ele olha de mim pra Violet
com o rosto tenso.
– É isto que pensa? – Violet continua de repente, depois dos segundos de silêncio e anda
em direção a Daniel, arrancando o celular que está na sua mão, anda até mim, mexendo nas
teclas furiosamente e para na minha frente, praticamente jogando-o em minha mão.
– Ele tem isto aí desde aquela época – dardeja, dando meia volta, pegando a bolsa e indo
embora antes que qualquer um de nós esboçasse alguma reação.
Eu escuto a porta bater e olho a tela do celular na minha mão.
É uma foto minha. Foto de oito anos atrás.
No Space Needle.
Eu teclo e outras aparecem. Meus cabelos ao vento e meu sorriso para a câmera. E então
Daniel está comigo em algumas fotos. Nós dois sorrimos contra a paisagem cinzenta de Seattle.
Depois as fotos acabam. E começam as fotos de Isabella, tiradas naquela mesma noite.
Eu finalmente o encaro com meus olhos vermelhos e meu coração despedaçado.
– O que significa isto? – pergunto.
– Isto é o que venho tentando te dizer desde que nos encontramos naquele escritório um
ano atrás. O que eu já te disse e acho que nunca acreditou.
Fecho os olhos, meu coração afundando um pouco mais. E quando volto a abri-los,
Daniel está muito perto de mim.
– Eu amo você. Amo há tanto tempo que nem sei como era antes de ter este sentimento.
– Você concordou com a vendetta da sua irmã.
– Talvez eu nunca consiga seu perdão e acho que nem eu consigo me perdoar pelo o que
te fiz. Mas eu te amei de verdade, Anna. Desde o dia em que Violet a mostrou pra mim naquela
manhã fria, eu te quis. E sabia que não podia deixar ninguém mais tê-la.
– Elton foi quem me levou para aquela sala a primeira vez.
– E eu fui pegá-la pra mim.
Fecho meus olhos novamente, minha mente voltando para aquele tempo perdido. A
sedução de Daniel e a maneira como eu me apaixonei completamente, a ponto de fazer tudo o
que ele queria sem me importar com mais nada.
E as palavras de Violet me atingem como um soco no estômago.
Sim, eu deixei.
Abro os olhos, encarando o mundo sob uma nova percepção.
– Você nunca disse que estava apaixonado por mim – sussurro. – Você realmente nunca
me enganou sobre isto.
Eu o encaro.
– Eu fui uma idiota. Sua irmã tem razão. Eu podia ter evitado. E você nunca teria me
obrigado, não é?
– Anna... – ele tenta me tocar, eu me afasto.
– Eu sofri todos estes anos porque você não me amou. Porque eu me senti usada,
enganada. Traída. Eu nunca mais pude confiar em ninguém... Eu nunca mais me permiti amar
ninguém.
– Você amou Benjamin. – Daniel murmura.
– Não. Eu gostava dele. Mas... Eu não podia amá-lo de verdade e agora eu vejo... eu
percebo que eu fugi dele justamente por isto. Porque eu sabia que nunca poderia me apaixonar
por ele. E ele queria casar comigo, como eu podia?
– Você também não quis casar comigo – Daniel diz com um toque amargo.
Eu o encaro novamente.
– Eu não me casei com você justamente pelo contrário. – eu me aproximo lentamente até
parar na sua frente. – Eu amava você e tinha medo. Medo porque nunca ia conseguir perdoar o
que você me fez, nunca ia conseguir superar o fato de ter me enganado por causa de uma
vendetta.
– E agora?
– Eu não sei... Eu me sinto... Esgotada.
Eu dou de ombros, fungando e finalmente me dando por vencida.
– Sua irmã me contou coisas que eu nem fazia ideia e você me vem com estas fotos...
Tudo parece tão diferente e ao mesmo tempo tão igual... Eu não consigo pensar agora.
– Me desculpe. – ele toca meu rosto com as duas mãos, seus dedos enxugando minhas
lágrimas. – Parece que por mais que eu tente, eu só faço você sofrer.
– Não é verdade – seguro suas mãos tirando-a lentamente do meu rosto e escuto um
choro fino de Isabella.
– Eu vou ver Isabella – digo, me afastando.
Ainda me sinto tonta e quase fora da realidade.
Tanta coisa em tão pouco tempo tinha me esgotado.
Pego Isabella, a única certeza em toda aquela história e a embalo contra meu peito, até
que ela se acalma e eu a coloco no berço novamente.
Olho para a cama. Eu poderia ficar ali. Mas eu queria realmente ficar longe?
Não. Eu não queria.
Esta era mais uma certeza.
Caminho lentamente para o quarto e escuto o chuveiro ligado. Visto uma camiseta e me
deito sob as cobertas. Daniel aparece minutos depois e me lança um olhar que parece ao mesmo
tempo aliviado e preocupado.
Ele caminha pelo quarto até a cômoda, com apenas a toalha na cintura, água ainda
pingando de seu cabelo.
– Daniel? – o chamo e ele se volta. – Não se vista – peço e algo brilha em seu olhar.
Faíscas.
Que atingem diretamente meu coração. E se espalham como brasa por minha pele.
Ele caminha lentamente para a cama e retira a toalha no processo.
Ofego com sua perfeição.
Eu jogo as cobertas para o lado e o puxo para mim, colando nossas bocas num beijo.
E então ele está bem perto de mim, sobre mim. Suas mãos tomando posse.
– Tem certeza? – sussurra contra meus lábios e eu engulo seu hálito doce, me
embriagando, enquanto me afasto para que possa tirar minhas roupas e o puxo pra mim de novo.
– Sim, eu preciso de você. Muito... muito...
Ele geme e me beija.
Fecho meus olhos e tudo deixa de existir.
O passado já não importa e muito menos a incerteza do futuro.
Existe apenas aquele momento em que ele desliza para dentro de mim, incitando-me a
abraçá-lo inteiro, para que não haja nenhum espaço, nenhuma dúvida de que fomos feitos para
estar assim. Juntos.
E ele se move devagar, mas profundamente. Arrancando respostas trêmulas da minha
pele, nossos gemidos se misturando e nossos dedos se entrelaçando sobre o lençol.
Nossos olhares se encontrando e se prendendo, e o prazer aumentando com o ritmo de
suas investidas, impulsionando e recuando cada vez mais rápido até que um orgasmo me faz
fechar os olhos e gritar. E por fim, ele estremece e goza dentro de mim.
Depois há apenas o silêncio e o som de nossa respiração voltando ao normal, enquanto
ele me abraça, se encaixando atrás de mim.
E eu choro um pouco mais.
– Anna? – ele me chama na escuridão, beijando meus ombros.
– Sim?
– O que foi? Por que está chorando?
Eu reconheço a insegurança em sua voz e me volto para ele.
– É que de repente eu me dei conta de que as coisas poderiam ser tão diferentes se não
fosse a vendetta de sua irmã.
– Nós nunca teríamos nos conhecido.
– Eu acho que sim. Acho que estava escrito que teríamos que nos encontrar.
– Eu sinto muito.
– Acho que está na hora de parar de sentir muito por algo que não pode ser mudado. Não
importa mais. Estamos juntos agora. Temos Isabella. E eu quero ficar com você. Pra sempre. Se
ainda me quiser – agora a insegura sou eu.
E então Daniel sorri.
Aquele sorriso perfeito de lado que fez eu me apaixonar por ele.
– Eu te amo, Anna. Não tem como eu não querer você.
Eu sorrio de volta.
E ele me beija.
Sei que ainda não estamos totalmente bem ainda.
Mas vamos ficar, tenho certeza.
***************
Anna
Estou tremendo inteira com as palavras horríveis de Eloise e acho que só não caí porque
Daniel está me segurando.
Meu pior pesadelo está em curso.
Tom saiu da cadeia. Como havia prometido na noite passada em seu telefonema.
E virá atrás de mim.
Aperto Isabella com força em meus braços, tentando vencer o pavor.
– Como você sabe? – Daniel pergunta friamente e Eloise hesita por um momento, antes
de encará-lo e sussurrar.
– Eu o ajudei.
– Como assim? – Violet indaga. – O que está dizendo?
– Eu disse que eu o ajudei a fugir.
– Eloise o que está falando é muito grave. – Caleb diz. – E acho que precisa explicar
direito.
– Eu não tenho que explicar nada! – ela parece apreensiva agora, torcendo a sua pequena
bolsa cara entre as mãos. – Eu tenho eu ir...
Antes que ela comece a sair, Elton segura seu braço.
– Não vai a lugar algum. Primeiro vai explicar esta história direitinho desde o começo.
– Sim, você não pode entrar aqui e dizer que ajudou aquele canalha e sair impune! –
Violet rosna.
Eloise respira fundo, dando-se por vencida.
– Tudo bem. Tom me ligou há pouco mais de um ano. Eu estava passando um tempo aqui
em Seattle – ela olha pra Violet. – Você lembra, não é? Nós até almoçamos juntas.
– Isto é verdade? – Elton olha acusadoramente pra esposa. – Pensei que nunca mais
tivesse falado com a Eloise depois que o papai te proibiu.
– Ela me ligou e insistiu. E eu não vi problema algum. Nós fomos melhores amigas e já
tinha se passado muitos anos desde... a vendetta. – ela encara Eloise com raiva. – Aparentemente
você esqueceu de contar este pequeno detalhe sobre o Tom.
– Eu não podia. Ele pediu para não contar.
– Quer dizer que você se encontrou comigo porque ele pediu?
Eloise parece embaraçada.
– Sim, me desculpe. Eu vejo agora o quão idiota eu fui, mas... Você deve saber melhor do
que eu o tipo de homem que Tom é.
– Sim, um canalha.
– Um canalha sim. Mas um canalha muito envolvente – ela dá de ombros. – Ele me
procurou, disse que tinha se separado e que sempre pensou em mim, que nunca me esqueceu...
Eu estava carente naquela época. Tinha vindo pra Seattle porque acabara um relacionamento há
pouco tempo e Tom se aproveitou disto, acho. Eu... me deixei envolver por ele.
–Quer dizer que estão juntos desde então? – é Owen quem pergunta.
– Sim... Quer dizer... Mais ou menos. Nós não temos um relacionamento sério, nem nada.
Ele me convenceu que vocês tinham errado em prejudicá-lo. E eu até me senti um pouco culpada
por minha participação em tudo. E ele... me pedia informação sobre vocês.... Eu não fazia ideia
do que ele queria.
– Por isto que ele sabia sobre mim e Daniel – afirmo quase que pra mim mesma.
– Sim, Violet me contou que tinham voltado, que ia casar com Daniel... Bom, eu até
resolvi vir ao casamento. Tom me convenceu a vir.
– E você simplesmente concordava com tudo o que ele pedia? – Daniel indaga
ironicamente.
– Eu achava que estava apaixonada por ele... E depois ele foi preso... Eu fiquei assustada,
e me neguei a vê-lo por um tempo. Então ele me convenceu a ir visitá-lo há algumas semanas. E
me contou que a Anna tinha armado pra cima dele, que era inocente, mas ninguém acreditava.
– E como foi que ele resolveu fugir? – Caleb pergunta.
– Ele me contou seu plano. E eu no começo não concordei, achei absurdo. Fiquei com
medo. De novo ele foi bem persuasivo... Disse que podíamos ir juntos pro Canadá... Que só
queria esquecer tudo e começar de novo. E eu cedi. Ele disse que conhecia um guarda corrupto.
Que só precisava do dinheiro para suborná-lo. Eu lhe dei o dinheiro. Ele fugiu nesta madrugada,
se passando por um dos guardas.
– E você o viu? Sabe onde ele está? – Daniel pergunta, tenso.
– Não sei... Ele me ligou hoje de manhã. Eu disse que ia esperá-lo no hotel... ele disse
que não podia ficar na cidade, que era perigoso. Falou que ia sumir por uns tempos. Então eu
perguntei quando poderíamos enfim fugir e ele disse que somente depois que acertasse suas
contas com Anna.
– E por que resolveu vir aqui? – pergunto.
– Nunca foi minha intenção fazer mal a ninguém. Eu não sabia que o Tom tinha estas
ideias de vingança... Fiquei assustada. E comecei a perceber que talvez tenha cometido um
grande erro.
– Não foi somente um erro, Eloise. – Daniel diz friamente. – Foi um crime. E você terá
que responder por ele perante a justiça.
– Não! Eu... – ela se levanta, assustada.
Antes que ela dê um passo, ouvimos as sirenes do lado de fora.
– Daniel, o que está acontecendo? – pergunto assustada, quando Isabella começa a
chorar.
– Enquanto Eloise falava, Owen chamou a polícia – ele segura meus ombros com
firmeza, me olhando nos olhos. – Eles vão querer ouvi-la. Vão querer saber os motivos de Tom
para perseguir você. Você não irá dizer, entendeu?
Então eu entendo. Daniel não quer que eu diga que Tom me odeia porque foi preso, pois
eu menti sobre sua agressão.
Mas, será que eu posso continuar mentindo?
E como é que eu posso dizer a verdade agora?
Eu consigo escapar para o antigo quarto de Daniel, enquanto a polícia pega o depoimento
de Eloise e dos Beaumont, porque Isabella está incontrolável.
Lydia entra no quarto um tempo depois, quando ela já está mais calma.
– Os policias precisam falar com você.
– Mas Isabella...
– Deixa que eu cuido dela.
Eu passo Isabella para o colo de Lydia e saio do quarto.
Daniel me espera no pé da escada e me leva para o escritório de Caleb. O mesmo em que
tínhamos nos beijado há tanto tempo.
– Eu estou com medo – murmuro e Daniel aperta minha mão.
– Está tudo bem. Apenas conte o que aconteceu com o casamento de sua mãe e o que ele
fez com você antes de ser preso.
– Mas...
– Por favor, Anna. Faça apenas isto – ele sussurra.
Há dois policiais por lá que me enchem de perguntas sobre o relacionamento de Tom e
minha mãe e os motivos para ele me esfaquear há um ano.
– Ele queria dinheiro. – minha voz treme. Pelo menos é parte da verdade. – Sabia que eu
ia casar com Daniel Beaumont e disse que eu tinha que dar dinheiro a ele.
– E você se negou.
– Sim, ele não valia nada.
– E aí ele te esfaqueou.
– Sim – respondo simplesmente.
– E por que ele voltaria atrás de você agora?
– Eu não sei. Isto é o que a Eloise diz...
– Certo. Por enquanto é só. Se precisarmos que vá até a delegacia, nós comunicaremos –
o policial olha pra Daniel. – E nós já providenciamos a escolta como pediu.
– Escolta? – questiono aturdida.
– Sim, Tom te ameaçou. Não pode ficar desprotegida. – Daniel diz, enquanto os policiais
saem da sala.
– Daniel, acredita mesmo que ele virá atrás de mim?
– Talvez não. Ele pode ter fugido. É arriscado para ele ficar na cidade.
– Não posso acreditar que isto esteja acontecendo... A culpa é toda minha...
– Não...
– É sim! Se eu não tivesse feito o que fiz... Ele não teria este ódio de mim...
– Tom não vale nada e ele sempre acharia um motivo para te perseguir.
– E agora, o que vai acontecer?
– A polícia está atrás dele. Acho que é só uma questão de tempo para ele ser preso de
novo.
– E se não o encontrarem?
– Vão encontrar. Eloise irá colaborar.
– O que vai acontecer com ela?
– Ela tem dinheiro e bons advogados que já acionou e vão ajudá-la. Embora merecesse
passar um bom tempo na cadeia por ser cúmplice daquele crápula.
– Ela é mais uma vítima dele. Como Violet e minha mãe.
– Não justifica.
– Pelo menos ela veio até nós.
– Sim, pelo menos isto. Mas Eloise está à sua própria sorte agora – ele segura minha mão
e me leva pra sala.
– Quero ir embora.
– Sim, vamos embora.
Lydia está lá com Isabella e eu a pego.
– Meu Deus, que situação terrível – Lydia murmura preocupada.
– A polícia vai achar este homem e prendê-lo. – Caleb fala confiante, com a mão no
ombro da esposa.
Owen, Charlotte, Violet e Elton estão em silêncio.
Eu imaginava que Violet teria algo a dizer, mas não, ela está estranhamente quieta e
distante.
– Nós vamos embora. – Daniel diz.
Um carro de polícia com dois policiais nos segue, uma lembrança constante de que estou
sob ameaça.
Aperto Isabella adormecida no meu peito e rezo para que Daniel e Caleb tenham razão e
que Tom seja realmente pego.
Antes que seja tarde.
Naquela noite, eu tenho um pesadelo.
Acordo suando e com o coração disparado. Ainda é madrugada e Daniel dorme com um
braço sobre minha cintura.
Eu o afasto e saio da cama. Vou até Isabella, que dorme tranquilamente e depois volto
para a sala.
Vejo o dia amanhecer através das grandes janelas de vidro e minha tensão permanece.
Revejo na minha mente todos os meus erros e como eu tinha conseguido ser encurralada
daquela maneira.
E sinto que há apenas uma maneira de tentar consertá-los.
Daniel me encontra ali, horas depois.
– Anna, o que faz aqui tão cedo? – ele se aproxima e senta do meu lado. Eu me enrosco
em seu colo imediatamente, aninhando minha cabeça em seu pescoço.
– Não conseguia dormir.
Ele me aperta e sinto seus lábios em meus cabelos.
– Não quero que fique preocupada.
Eu rio.
– Impossível.
Ele me faz encará-lo. Seu olhar é ferozmente protetor.
– Nós passamos por todos os problemas possíveis e chegamos até aqui. E agora que eu a
tenho comigo, não vou deixar nada nem ninguém mudar isto.
Eu acaricio seu rosto.
– Eu te amo, sabe disto, não é?
Ele sorri. Lindamente.
Eu o beijo e enterro meu rosto em seu peito de novo.
Queria ficar assim pra sempre. Protegida em seus braços.
Mas sei que isto não é possível.
Me afasto com um suspiro.
– Precisamos ir trabalhar.
Ele se levanta.
– Eu preciso. Você fica.
Eu levanto a sobrancelha.
– Por quê? Eu tenho trabalho a fazer, Daniel.
– Eu me sentiria mais seguro se ficasse aqui com Isabella.
– E os policiais?
– Mesmo assim. Acho que deveria ficar em casa por enquanto.
Eu mordo os lábios, indecisa.
Sim, eu me sentiria mais segura com Isabella perto de mim o tempo inteiro, mesmo não
querendo deixar meu trabalho.
– Tudo bem. Talvez Benjamin...
– Eu falarei com Benjamin. Ele vai entender.
– Certo.
Ele se afasta para tomar banho e eu vou cuidar de Isabella.
Ligo para Nancy e digo que ela não precisa trabalhar até que eu diga para voltar. Decido
não alarmá-la e não conto nada sobre as ameaças, somente informo que estarei em casa nos
próximos dias e que não preciso de seus serviços.
Daniel não gosta muito.
– Eu ia ficar mais tranquilo sabendo que tem companhia – ele diz enquanto toma café.
– Não quero que ela fique alarmada com os policiais e fazendo perguntas, o que eu ia
dizer? É melhor que ela fique longe até tudo se resolver. Eu ficarei bem com Isabella.
– Quer que eu peça pra minha mãe ou Charlotte?
– Ah não! Nem pense nisto – eu refuto a ideia. Ainda não me sinto tão à vontade assim na
presença dos Beaumont.
– Tudo bem. Me ligue se precisar – ele diz.
– E me liga se precisar de algo também! Estou preocupada ainda por faltar...
Ele se aproxima e me beija sem aviso.
– Anna, você dorme com o chefe, está tudo bem.
Eu rio e o empurro.
– Sim, senhor!
– Gostei disto – ele pisca, colocando seu casaco e beija os cabelos de Isabella no carrinho
antes de ir embora.
E eu já não estou sorrindo quando pego o telefone.
Ainda hesito um momento, mas não consigo me conter e disco os números.
– Benjamin? É Anna. Preciso conversar algo com você.
Daniel
Eu estou em pedaços.
Desde que decidira que a única maneira de tentar consertar tudo era finalmente contar a
verdade e eximir Tom de toda culpa que não cabia a ele, eu estava me sentindo miserável. E
sabia com certeza absoluta que estaria com sérios problemas com Daniel.
Ele jamais iria concordar, eu sabia.
Por isto chamei Benjamin. Ele era meu amigo e seria meu advogado, porque com certeza
ia precisar de um para me ajudar por ter mentido para a polícia.
Eu estava morrendo de medo do que ia acontecer, apesar de estar me sentindo aliviada.
A verdade, no fim, teria que ser libertadora. E eu tinha que ao menos tentar.
Agora Daniel está furioso e eu me sinto horrível por deixá-lo assim.
– Não posso deixá-la fazer isto, Anna – ele diz e eu dou um passo atrás, largando sua
mão.
– Não pode me impedir. – digo seriamente e por um momento nos encaramos medindo
forças.
De repente o celular dele toca e com um palavrão ele atende.
– Oi, Violet... Inferno, não posso agora... Ok, tudo bem. Eu indo para aí.
Ele desliga e passa a mão pelos cabelos e respira fundo antes de me encarar novamente.
– Eu preciso ir até a casa de Violet. Ela diz que tem algo muito sério para falar comigo.
– Não precisa ir cada vez que ela chama – digo friamente.
– Eu preciso ir, quero dar um tempo para você pensar e concordar comigo.
– Isto não vai acontecer.
Ele pega a chave do carro.
– Quando eu voltar conversaremos com mais calma.
E sem mais eu o vejo sair, sentindo um vazio no peito.
E eu que achava que os tempos de briga tinham passado, penso soturnamente e vou para
o quarto ver Isabella. Ela dorme calmamente, mesmo assim, eu fico ali, velando seu sono e
tentando me acalmar. E rezo para que Daniel esteja mais calmo quando voltar também.
E estou me perguntando que horas ele vai voltar e se devo fazer algo para comer, quando
o interfone toca.
– Senhora, está aqui embaixo sua cunhada Violet e seu marido Elton Beaumont. – diz o
porteiro e eu franzo a testa.
O que Violet e Elton estariam fazendo ali? Daniel não estava na casa deles?
– Senhora, eles podem subir? – o homem insiste e eu penso que seria interessante se os
policiais estivessem sempre ali, assim, os parentes de Daniel precisariam avisar antes de subir e
não iriam entrando sem mais nem menos.
– Tudo bem, podem subir. – digo e desligo.
Escuto um choramingo e vou para o quarto ver Isabella, escuto a porta abrir e volto para
sala, irritada com a falta de noção dos irmãos de Daniel, meu coração para ao ver Violet
Beaumont. E não é Elton quem está com ela.
É Tom.
– Olá, Anna, sentiu minha falta? – Tom sorri diabolicamente e eu recuo um passo,
horrorizada. – Chocada, querida enteada? Achou que eu não fosse conseguir chegar até você?
Mesmo aquela puta da Eloise tendo me traído, eu ainda consegui, não é?
Eu olho pra Violet, que está ao seu lado, impassível, e de repente e uma desconfiança
horrível me toma.
–Você o trouxe aqui... Você disse aos policiais lá embaixo que era Elton.
– Sim, eu disse – ela afirma simplesmente.
Eu começo a tremer de terror.
– E eu achando que tudo estava perdido! Parece que ainda há um pedaço da menina má
que eu conheci aos 14 anos em você não é, minha querida. – Tom toca o cabelo de Violet e só
então eu percebo que não são suas mãos nos cabelos loiros, e sim uma faca. Eu contenho a
vontade de correr. Para onde eu iria fugir?
– Por que fez isto Violet? – consigo perguntar.
– Ah, ela é mais esperta do que você e sabe negociar, embora seja uma puta vingativa.
Pelo menos sua sede de vingança também atinge você, como bem me lembro! Eu fui atrás dela
para acabar com este rostinho lindo e depois ia dar um jeito de vir até você, então ela me disse
algo bem interessante. Disse que arrumaria um jeito de conseguir que eu entrasse aqui e de
quebra ainda afastou o idiota do irmão dela! Então, está tudo perfeito. E eu tenho vocês duas
juntas. E finalmente minha vendetta terá fim.
Então é isto.
Está tudo acabado.
Fecho meus olhos e tento respirar e conter as batidas erráticas do meu coração
estraçalhado.
Foi um longo caminho percorrido até aquela noite. Mais de oito anos.
Que pareceram séculos. Tempo demais.
Tempo de dor, ressentimento e medos.
Abro meus olhos. O ar frio da noite invernal em Seattle se infiltra pelas janelas abertas
gelando meus ossos.
Meu olhar encontra o de Violet do outro lado da sala.
Eu devia ter previsto que esta história ia acabar mal.
Tudo começou com uma vendetta. E está acabando em vendetta.
De repente escuto um choro e meu horror se torna ainda mais palpável.
Isabella.
– É sua filha chorando? – Tom pergunta. – Será que devo começar por ela? Eu acho que
sim.
– Eu vou pegá-la. – Violet diz.
– Não, não faça isto! – eu grito. – Por favor, faça o que quiser comigo, mas não toque na
minha filha, ela é apenas um bebê.
Porém Violet já se afasta de Tom, indo em direção ao quarto.
Eu entro em desespero e sem pensar parto pra cima de Tom.
– Eu não vou deixar chegar perto da minha filha! – grito, e com os punhos em riste, eu
tento agredi-lo, Tom é mais forte e mais rápido e me joga no chão. Eu caio sobre a linda mesa de
vidro do centro que se espatifa com meu peso e eu bato a cabeça, me atordoando e, quando volto
a abrir os olhos, Tom paira acima de mim e eu vejo o brilho da faca perigosamente próxima.
– Está com medo? Não foi isto que fez um ano atrás? Pois agora será de verdade.
– Ei, Tom? – eu escuto como de muito longe a voz de Violet e entro em desespero,
imaginando que ela está com Isabella.
– Não, não. – eu tento chamar a atenção dele para mim, mas Tom já se levanta para
encará-la e eu abro os olhos procurando Violet e minha filha, mas não é Isabella que Violet tem
nas mãos e sim uma arma.
– O que é isso, sua vadia...?
– Isto é o que eu devia ter feito há muito tempo – e, antes que Tom possa fazer qualquer
coisa, ela dispara, e em choque eu o vejo cair como se fosse em câmera lenta.
Tudo se passa em poucos segundos, mas eu sinto como se fossem horas agonizantes.
A dor em meus ossos, em minha cabeça, se torna quase insuportável, assim como a
reviravolta no meu estômago.
E então Violet Beaumont está ao meu lado e ela segura minha cabeça.
– Você está bem?
– Isabella? – consigo perguntar.
– Ela está bem. Eu não a tirei do quarto.
– Tom... O que você fez... ele está...? – eu não consigo pronunciar as palavras.
– Morto? Eu espero que sim... você vai ficar bem... A polícia já deve estar chegando. Não
se mexa.
E ela se afasta do meu campo de visão.
Eu tenho chamá-la, mas a escuridão começa a me engolfar.
E em poucos segundos ela me envolve totalmente.
***************
Eu sinto uma dor horrível quando abro os olhos. Uma luz forte quase me cegando. Fecho
os olhos com força de novo, gemendo.
Alguém segura minha mão.
– Anna, amor?
Abro os olhos de novo ao ouvir a voz de Daniel.
– Daniel...
Ele parece bem cansado e preocupado quando aperta meus dedos.
– Como se sente?
– Dolorida...
– Vai ficar bem, o médico disse que a dor vai passar... vai ficar tudo bem – ele passa a
mão pelos meus cabelos.
– O que aconteceu? Violet... Tom. – todo o horror volta à minha mente. – Oh meu Deus,
Isabella...
– Fica calma. Isabella está bem.
– Onde ela está, quero vê-la.
– Ela está em casa. Está com minha mãe. Está segura.
– E Violet? Ela... Ela atirou em Tom...
– Violet está bem também. Ela se machucou menos que você, a faca entrou apenas
superficialmente.
– Faca?
– Sim, não sei o que você viu antes de desmaiar, Tom a machucou. Ele a esfaqueou no
abdômen, mas foi superficial. Ela ficará bem.
– Eu não me lembro... – murmuro confusa. Em que momento tinha acontecido?
– Não se preocupe, deve ter sido muito traumático mesmo! Eu ainda me sinto cheio de
pavor ao me lembrar de chegar na casa de Violet e não encontrá-la e depois Elton chegou, e ele
não sabia de nada e então o telefonema da polícia... Eu quase morri preocupado com vocês e
Isabella.
– Tom morreu?
– Não. Ele passou por uma cirurgia, mas vai viver. – Daniel diz friamente. – Depois do
que fez, voltará para a cadeia. E agora não terá mais como fugir.
Eu fecho os olhos sem saber o que sentir.
Uma parte de mim sente alívio. E outra, pesar.
Se Tom tivesse morrido, estaria livre pra sempre.
Em compensação Violet seria uma assassina.
Eu abro os olhos.
– Violet me salvou.
– Sim, eu sei. – Daniel parece extenuado. – Ela foi muito corajosa e teve sangue frio.
Tom apareceu na sua casa e queria machucá-la. Ela o convenceu que ia ajudá-lo a pegar você.
Assim ganhou tempo. E quando disse que ia buscar Isabella, ela sabia onde eu guardava minha
arma. Pelo menos uma vez eu achei boa a intromissão da minha família por saber tudo sobre
mim. Isto a salvou.
– E o que vai acontecer com ela?
– Ela está bastante perturbada, ou é o que o advogado de defesa está alegando. E quem
pode dizer o contrário? E além disto, foi legítima defesa. Ela será julgada e responderá em
liberdade.
– Acha que ela pode ser condenada? – eu nunca me dei bem com Violet e ela já tinha me
prejudicado muito, mas será que eu queria que ela fosse presa? E por tentar matar Tom pra me
salvar?
– Ela tem muitas chances de sair disto apenas com um tempo num instituto psiquiátrico.
Não deve se preocupar com isso agora. Apenas em ficar boa. Você se machucou bastante ao cair
na mesa de vidro e teve uma contusão na cabeça.
– Por isto dói tanto... – gemo e ele beija minha testa.
– Você vai ficar boa e eu vou te levar pra casa.
Eu seguro sua mão.
– Quero ver Isabella.
– Você verá. Agora se estiver bem, seu pai está aí. E Tyler.
Eu sorrio fracamente.
– Tudo bem. Pode deixá-los entrar.
Muitos dias se passam até que eu me restabeleça totalmente e possa voltar pra casa.
Meu pai ficou furioso por eu ter escondido toda a história da volta de Tom dele e também
por eu ter ido morar com Daniel sem contar pra ele. Pelo menos eu fui poupada de um sermão
mais sério por estar a salvo depois de toda aquela confusão.
Tyler ficou apenas muito preocupado e aliviado que tudo se resolveu. E até Ellen veio
com ele para me visitar e, agora que eu estava com Daniel e tinha uma filha, ela parecia até
gostar mais de mim.
Os Beaumont também apareceram em peso para me visitar. Lydia toda preocupada e
doce, Caleb mais sério, mas muito gentil. Owen veio com Charlotte, que me trouxe vários
presentes, como perfumes e bombons e até algumas bolsas, que eu nem sei para que iam servir
na minha atual situação. E Elton parecia todo brincalhão como sempre.
E no meu último dia, eu recebo a visita de Violet Beaumont.
– Olá, Anna – ela diz calmamente.
– Oi, Violet. Como você está?
– Estou ótima, gostaria de estar melhor, se aquele infeliz tivesse morrido.
Eu estremeço com sua frieza.
– Devia agradecer por ele estar vivo, senão estaria respondendo por assassinato.
– Seria um preço baixo a pagar por nos livrarmos dele de vez! Eu devia ter feito isto anos
atrás, e não uma vendetta.
– Não diga isto.
– Você mais do que ninguém devia concordar comigo. Tudo bem, pelo menos ele vai
voltar pra cadeia e espero que apodreça lá.
– Daniel disse que ele te machucou.
Ela levanta a camisa de seda verde que usa e me mostra um curativo.
– Eu não me lembro disto.
Ela sorri, arrumando a blusa.
– Ora, Anna, eu aprendi com você – ela pisca.
–Você... Você fez isto a você mesma?
– Sim. Eu fiz. Eu tinha que garantir que eles entendessem que era legítima defesa.
– Oh...
– Vai me entregar? – ela indaga desafiadoramente.
– Não – eu digo por fim. – Você salvou a mim e a Isabella. Acho que tenho que
agradecer, não é?
– Daniel morreria se algo acontecesse a você e a Isabella. E acho que eu te devia uma,
não é?
– Não me deve nada. Vamos esquecer o passado e esquecer o Tom.
– Sim, tem razão. Chega de Vendetta. – ela olha o relógio. – Preciso ir. Tenho uma hora
com o psiquiatra criminal. Espero que fique boa logo.
***************
Eu voltei pra casa depois de totalmente recuperada, e quase chorei ao ver Isabella.
– Ela parece tão crescida – murmuro, abraçando-a e Lydia sorri.
– Ela sentiu sua falta.
– E tem tomado o leite direito? – indago preocupada.
– Sim, ela se acostumou com o leite.
– Muito obrigada por ter cuidado dela – eu digo para a mãe de Daniel. – Muito obrigada
mesmo.
– Não agradeça. Ela é minha neta. Estarei à disposição sempre que precisar.
Ela se despede junto com Caleb e vai embora.
Daniel insiste que eu me deite.
– Eu estou bem – digo, mas ele me leva pro quarto.
– Tem que descansar, ainda está se restabelecendo, Anna.
– Tudo bem, Isabella fica aqui comigo.
Eu aconchego no peito de Daniel com Isabella em meu colo.
– Senti sua falta – ele murmura em meus cabelos.
– Eu também. Vamos ficar juntos pra sempre agora, não é? – sussurro e ele aperta mais
os braços a minha volta.
– Isto me parece perfeito.
Capítulo onze
Daniel
Eu senti o cheio de jasmim antes mesmo de vê-la surgindo no corredor. Ela estava na
companhia de Benjamin e sorria de algo que ele dizia. Como sempre eu reconheci aquela ponta
de ciúme que sempre sentia quando os via juntos.
Mas agora eu também estava preocupado e um tanto irritado. Fazia apenas duas semanas
que ela havia se machucado seriamente depois da confusão com o seu padrasto. Só de pensar no
que eu sentira naquele dia, do horror quando a polícia me ligara, eu ainda gelava por dentro.
– Anna, o que está fazendo aqui? – pergunto, indo na direção deles, que se viram ao me
ver.
Ela ainda sorri, embora Benjamin esteja hesitando, reparando na minha irritação.
– Oi, estava indo agora na sua sala.
– Você não deveria estar aqui.
– Por que não? Eu trabalho aqui – diz despreocupadamente.
– Você ainda está se restabelecendo, Anna. Devia estar em casa, em repouso.
Ela revira os olhos.
– Eu estou falando há dias que me sinto bem! Já estava mais do que na hora de voltar à
rotina normal. – ela se vira para Benjamin. – Fala pra ele, Benjamin.
Benjamin coça o cabelo.
– Bem, eu vou deixar que vocês se resolvam. Tenho uma reunião agora.
E ele se afasta decididamente.
Eu respiro fundo ao encarar Anna.
– Vou te levar pra casa.
– Não vai, não. Não seja ridículo, Daniel! Eu estou bem!
– Eu não acho que esteja bem...
– Oi, desculpe interromper – a recepcionista nos chama, hesitante. – Daniel, a sua cliente
das 14h chegou.
– Minha cliente? Não tenho nada marcado para hoje à tarde.
– O nome dela é Vivian.
– Ah, sim. – eu me lembro, lançando um olhar para Anna e vejo que ela já não está com o
sorriso despreocupado que tinha antes e sim, morde os lábios nervosamente. – Ela não é mais
minha cliente. Benjamin vai atendê-la a partir de agora. Nós já conversamos sobre isto e ele a
está esperando – explico, olhando pra Anna enquanto a recepcionista se afasta para a sala de
Benjamin. Ela agora franze a testa.
– Por que não vai mais atendê-la?
Eu seguro seu braço e a levo para a minha sala.
– Porque minha namorada é muito ciumenta – respondo sério, e ela rola os olhos, mas
percebo sua mudança de expressão.
– Ah é? Sei como é isto. Meu namorado também é ciumento, eu só espero que ele
perceba que eu não estou nem aí para qualquer outro cara a não ser ele.
Eu não consigo conter meu sorriso.
– Deve dar um desconto a ele. Você é muito bonita.
– Elogios? Quer dizer que já passamos a fase de fúria por eu ter vindo trabalhar? – ela
sorri, tocando minha gravata.
Eu aspiro seu cheiro delicioso.
– Eu não vou conseguir dissuadi-la, não é?
– Não mesmo.
– Então vá trabalhar e pare de ser provocadora – eu seguro sua mão e beijo seu pulso, a
afastando.
Ela levanta a sobrancelha.
– Provocadora?
Eu rio, indo para trás da minha mesa e me sentando.
– Você devia ter vergonha de assediar seu chefe, Anna.
– Assédio? – ela se aproxima lentamente e eu engulo o sorriso ao me dar conta que
sentira muita falta dela ali no escritório naqueles dias. Mesmo ela sendo uma provocação.
– Sim. Agora vá pra sua sala e para de me distrair.
Ela encosta na mesa atrás dela, suas pernas roçando na minha.
– Então eu te distraio? Se eu te disser que é esta exatamente a intenção?
Eu levanto a sobrancelha interrogativamente.
Inferno, não foi só a minha sobrancelha que levantou!
– Anna, está me provocando?
– Sim, estou. Quer saber por que mais eu resolvi vir trabalhar hoje? – sua voz é como
veludo e tudo o que eu quero é senti-la em meu ouvido, enquanto ela continua com um meio
sorriso sedutor, suas mãos na barra da saia preta. – Meu namorado está me tratando como se
fosse eu fosse quebrar ultimamente.
Eu suspiro pesadamente, me lembrando de repente que realmente não a tinha tocado
sexualmente desde que ela voltara do hospital, por motivos óbvios.
– Ele precisa entender que eu não vou quebrar – ela diz num sussurro, me deixando sem
ar ao mostrar as indefectíveis meias pretas que terminam em suas coxas brancas.
– Anna, amor... – eu me levanto para me afastar, ainda preocupado com ela.
– Daniel, amor. – ela diz melosamente com um sorriso, me puxando pela gravata, até que
sua boca esteja em meu ouvido. – Por favor...
Eu fecho os olhos e gemo.
E estou perdido.
Minhas mãos estão em seus cabelos em questão de segundos e minha boca sobre a dela
no mesmo tempo.
E ela está se esfregando em mim descaradamente, enquanto eu desço minhas mãos
afoitas para baixo de sua saia, sobre a meia de seda, num deslize mágico até a pele branca e
macia de suas coxas e mais acima...
Ela geme alto e morde meu lábio inferior. Respiramos o mesmo ar, ofegando junto,
enquanto eu a acaricio lentamente.
– Quer que eu te vire de costas? – indago provocadoramente e ela ri, as mãos deslizando
por meu peito até estar trabalhando para abrir minha calça.
– Não. Quero ver você.
– Eu também – sussurro, escorregando sua calcinha do caminho e a penetrando rápido e
forte.
Ela geme alto e eu rio.
– Não grita.
Ela morde os lábios com força e eu a beijo, a levando comigo naquele empurra e volta
frenético, até que nós dois estivéssemos à beira do abismo.
E caímos juntos, num orgasmo perfeito, nossas bocas engolindo nossos gemidos até o
último espasmo de nossos corpos.
E então eu abro os olhos, ainda ofegante, e a encaro preocupado. Ela está sorrindo
languidamente. Lindamente.
– Anna, não usamos nada.
Ela joga a cabeça pra trás e ri.
– Acha engraçado? – indago hesitante e ela me encara com os olhos brilhantes.
– É engraçado porque, há quase um mês, nós também transamos sem preservativo e só
agora você se preocupa. Na verdade, eu acho que é bem tarde...
– O que quer dizer? – eu pergunto, arregalando os olhos.
Ela não está querendo dizer...
– Eu estou grávida. De novo.
Anna
Eu mordo os lábios com força, esperando sua reação, e começo a me perguntar se não
joguei a notícia rápido demais.
A verdade é que eu estou desconfiada há alguns dias, mas somente hoje tomei coragem e
fiz o teste. E deu positivo. E eu só pensava em como é que Daniel ia reagir. Isabella tinha apenas
meses ainda e nenhum de nós planejou nada.
E agora eu tinha simplesmente rido e contado como se fosse uma piada.
E Daniel parece mortalmente pálido quando se afasta de mim, ajeitando minhas roupas e
a dele no processo, sem dizer nada.
– Daniel? – eu o chamo hesitante e ele me encara seriamente.
– Tem certeza?
– Eu comecei a desconfiar há uns dias e hoje eu fiz um teste. Então sim, tenho certeza. Eu
sei que é inesperado, mas... – eu dou de ombros. – Eu acho que estou feliz... Você está? –
pergunto, hesitante.
Ele respira fundo e então sorri lentamente e toca minha cintura, na altura da minha
barriga.
– Como poderia não estar?
– Você parece chocado.
– Sim, estou também – e nós rimos juntos, de repente ele fica sério. – Se você está
grávida, ainda falta algo aí – ele segura minhas mãos entre as dele.
Eu levanto minha sobrancelha interrogativamente.
– Falta você casar comigo.
É a minha vez de ficar chocada.
– Casar?
– E espero que desta vez você não fuja – ele ri, tocando meu rosto.
– Isto é um pedido de casamento?
– É.
Eu me aproximo, até que meus braços estejam a sua volta.
– Eu prometo não fugir desta vez.
Nós nos casamos exatamente um mês depois. Como a outra cerimônia, esta também
aconteceu na casa dos Beaumont, desta vez apenas com a presença da família e amigos íntimos,
embora Charlotte tenha protestado muito.
E ela só se acalmou quando recebeu seu próprio pedido de casamento de Owen e
começou a organizar a sua cerimônia, que seria tão grandiosa quanto seus planos mirabolantes.
E desta vez meu pai estava presente e parecia bem orgulhoso segurando Isabella que se
contorcia em seu colo, enquanto eu e Daniel dizíamos nossos votos.
E com o canto do olho, eu vi Violet se aproximando com cara de poucos amigos e
retirando Isabella do colo de Michael e a acalmando.
Era incrível como ela parecia mais calma depois do que aconteceu com Tom. Nós ainda
não éramos as pessoas mais próximas do mundo e talvez nunca fôssemos amigas, pelo menos
convivíamos em paz e ela parecia gostar realmente de Isabella.
Depois da cerimônia, nós ficamos para a festa realizada na casa dos Beaumont e
recebemos os cumprimentos dos convidados, como Fiona e Brian, e eu fiquei realmente
surpreendida ao ver Benjamin acompanhado de Vivian. Será que eles estavam saindo?
Eu esperava que sim. Ela até perecia ser simpática, agora que não estava mais dando em
cima de Daniel, penso ironicamente.
– Que surpresa que a noiva não fugiu, hein? – Elton brinca ao me abraçar e eu rolo os
olhos, enquanto Daniel lança a ele um olhar de irritação. – Ei, estou só brincando – ele diz, e
então fica sério de repente. – Será que podem me acompanhar até o escritório?
– Agora? – Daniel pergunta – Nós já estamos nos preparando para partir.
– Sim, eu ia deixar pra tratar deste assunto quando voltassem, pensei melhor e resolvi
contar agora.
Eu troco um olhar preocupado com Daniel, mas o seguimos para o escritório. Elton fecha
a porta atrás de nós.
– O que foi? Está me preocupando – digo, apreensiva.
– Hoje de manhã, papai recebeu uma ligação da polícia – ele diz gravemente. – O Tom
morreu.
– O quê? - eu estremeço ao ouvir aquele nome.
Eu sabia que Tom tinha voltado para a cadeia depois de se recuperar do tiro que levara de
Violet.
Daniel aperta minha mão.
– O que aconteceu?
– Foi assassinado por um colega de cela.
– Meu Deus – murmuro.
– Isto aconteceu há dois dias, parece que ele se meteu em encrenca com uma gangue ou
algo assim, ainda estão investigando.
– Bom, isto põe um ponto final em toda esta história. – Daniel diz sobriamente e me
encara preocupado. –Você está bem?
– Sim, eu... só estou meio chocada. Não posso dizer que estou triste claro. Acho que
estou... aliviada.
– Eu me sinto assim também – ele concorda.
– Eu não queria dar esta notícia e estragar o dia de vocês.
– Não estragou – eu garanto. – Foi melhor nos contar mesmo.
Escutamos uma batida na porta e Charlotte entra.
– Ei Anna, já está na hora de se trocar, vamos?
E sem esperar, ela me puxa escada acima, entrando num quarto e começando a tirar meu
vestido.
– Nossa, esqueci os sapatos no meu quarto – ela sorri para alguém na porta. – Violet,
ajuda a Anna a desfazer este penteado!
Charlotte sai quase correndo e Violet entra no quarto, se posicionando atrás de mim no
espelho e eu me pergunto se ela sabe sobre Tom.
– Sim, eu sei sobre Tom – ela sussurra levemente, com as mãos nos meus cabelos.
– Elton acabou de nos contar.
– Bom, ele teve o que mereceu. Deve estar no inferno, que é o seu lugar, por todo mal
que nos fez.
Eu não falo nada. Não sou como Violet e não consigo desejar o mal para alguém que já
está morto. Embora me sinta aliviada. Nunca mais precisarei ficar me preocupando com uma
possível ameaça.
De repente ela para, nossos olhares se encontrando pelo espelho.
– Anna, eu quero te pedir desculpas.
Eu a encaro estupefata.
– Eu nunca deveria ter te metido naquela vendetta. Eu tinha... ciúmes da sua mãe. E raiva.
Você não tinha nada a ver com isto. Eu sinto muito, de verdade. Acredita em mim?
Eu engulo em seco.
– Sim, tudo bem – murmuro. – Vamos esquecer o passado.
Ela sorri e acaba de arrumar meu cabelo.
– Eu quero que você e o Daniel sejam felizes.
– Nós seremos – eu respondo e Charlotte entra no quarto, falando alto e colocando meus
sapatos.
– Vamos, vamos, o carro já está aí e Daniel está impaciente!
Daniel
– Está tudo bem, filho? – Caleb me aborda quando estou descendo as escadas depois de
me trocar.
– Sim, estou um pouco passado com esta história do Tom, mas tudo bem.
– Sim, nós todos ficamos.
– E Violet? – eu a vejo se aproximando com Anna e Charlotte pelas escadas.
– Ela ainda não sabe – Caleb diz. – Então não comente nada por enquanto. Elton vai
conversar com ela hoje à noite.
– Claro.
Anna desce as escadas sorrindo e todos os pensamentos sobre qualquer coisa que não seja
nós dois desaparece da minha mente. Lydia lhe entrega Isabella e eu toco sua cintura.
– Olá, esposa.
– Olá, marido.
– Pronta pra ir?
– Nós estamos – ela diz, apertando Isabella.
De maneira alguma nós iríamos nos separar dela.
Espero que ela goste de praia, penso.
Eu seguro a mão de Anna e debaixo de aplausos e gritos, nós entramos no carro.
Rumo à nossa nova vida.
†
Sobre a autora
Juliana Dantas – Leitora voraz de romances, trabalhou durante anos em uma grande rede de
livrarias, onde teve a oportunidade de se dedicar à sua grande paixão: os livros. Envolveu-se com
a escrita em 2006, escrevendo fanfics dos seus seriados e livros preferidos e compartilhando com
outros fãs em diversas plataformas online. Hoje se dedica integralmente a escrita enquanto
planeja viagens pelo mundo, sua outra grande paixão.
Livros Físicos
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