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Vamos iniciar o Módulo 2

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Programa – Módulo 2
1. A família em Cuidados Paliativos: avaliar e intervir.

1.1. Definição e evolução histórica do conceito de família.

1.2. Princípios, direitos e deveres do cuidador informal.

1.3. Principais necessidades, dificuldades, e manifestações da família em CP.

1.4. A importância da capacitação do familiar cuidador: prevenção do burden.

1.5. Intervenção com a família: da psicoeducação, à conspiração do silêncio e às


conferências familiares, e os grupos de apoio.

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1. A família em CP

A doençaTavares
é do doente ou(1996)
e Takeda é da família?

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1. A família em CP
“The patient is not alone in the diagnosis, but rather the family is being recognized, not
only as a source of support for the patient, but in need of support as well” (Veach, Nicholas,
& Barton, 2012).

Tavares e Takeda (1996)

“Quando uma família é confrontada com a doença de um dos seus membros, todos os
elementos vão sofrer de ansiedade e stress (...) a doença de um dos membros vai
converter-se em doença familiar e todos sentirão a influência negativa do sofrimento e
da dor” (Moreira, 2001).
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1. A família em CP
A família é muito mais do que um grupo de pessoas e, quando funciona como família, tem
uma força reequilibrante (Guarda et al., 2006).

■ A intervenção com a família é um dos pilares


da intervenção em CP;

■ Não se prestam BONS cuidados paliativos


sem intervir com a família;

■ Cuidar do doente implica cuidar da família!

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1.1. Evolução do conceito de família
A família pode ser constituída por pessoas que estão unidas por vínculos de sangue, pelo
casamento, a adoção e pela convivência.

■ À medida que os tempos avançam observamos que a família apresenta formas cada
vez mais complexas, resultado da própria evolução da sociedade.

• Com o passar do tempo, a configuração da família


modificou: passamos a ter diferentes modelos ou tipos
básicos de família.

• Este é um aspeto fulcral que devemos ter em atenção


quando estamos a dar apoio em casos de famílias com
membros em cuidados paliativos.
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1.1. Evolução do conceito de família
Devemos sempre perceber a que tipologia pertence esta família?, para depois acionarmos
a melhor conduta profissional possível e restantes apoios que poderão ser necessários.

• Lares onde vive apenas uma pessoa (idosos viúvos,


Família unipessoal
divorciados, jovens autónomos, …)

• Exclusivamente constituídas pelo casal (sem filhos ou outros


Família nuclear familiares: jovens recém-casados ou em UF, casais sem filhos,
restrita casais idosos cujos filhos não habitam no mesmo lar);

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1.1. Evolução do conceito de família
A que tipologia pertence esta família?

• Unidade familiar mais básica: casal e os filhos.


Família nuclear • Podem ser casais do mesmo género.

Família ampliada • Lares onde vivem casais, com os seus filhos e pais;

Família monoparental • Lares onde vive apenas o progenitor com a sua descendência;

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1.1. Evolução do conceito de família
A que tipologia pertence esta família?

• Lares onde, após a rutura com um companheiro anterior, existe


Família reconstruída a reconstituição da família com outro companheiro/a;
• Inclui, por vezes, novos filhos: de um dos membros do casal ou
dos dois;

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1.1. Evolução do conceito de família
A que tipologia pertence esta família?

Como é a rede de suporte desta


pessoa?

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1.2. Conceitos

Quem é o Cuidador Informal?


1.2. Conceitos

Quem é o Cuidador/a Informal?

❑ é a esposa, cujo marido lhe foi diagnosticado um tumor e que está a fazer um

tratamento de quimioterapia;

❑ é mãe de um filho que teve um acidente que o deixou com lesões medulares que

limitam a sua capacidade de se cuidar;

❑ é o marido idoso, que cuida da companheira de uma vida, a quem as forças já faltam.
1.2. Conceitos

Quem é o Cuidador/a Informal?

❑ é a jovem de 24 anos, cheia de sonhos, próprios de quem começa uma vida

profissional, e que de repente é mãe de uma criança com uma doença rara que a

impede de a entregar aos cuidados de um infantário;

❑ é o filho de uns pais idosos que progressivamente necessitam de apoio nas atividades

instrumentais de vida diária;


1.2. Conceitos

Cuidador/a INFORMAL

❑ Executa os cuidados predominantemente no domicílio;


❑ Não são treinados para tal exercício de cuidado;
❑ Não são pagos;
❑ Executam uma ampla gama de atividades (que também são realizadas por
cuidadores formais);
❑ Não têm limites no tempo necessário e gasto para cuidar!
1.2. Funções do cuidador informal
Assistência nas dificuldades de autocuidado

• Atividades de vida diárias: higiene, vestir, alimentar, deambular/deslocar-se

Suporte em atividades instrumentais da vida diária

• Tarefas como arrumar e limpar a casa, preparação de refeições, fazer as


compras, pagar contas, …

Apoio emocional

• Ser fonte de suporte emocional, carinho, amor e afeto.

Abreu & Ramos, 2007


1.2. Funções do cuidador informal
Estimulação motora e/ou cognitiva

• Conversar com a pessoa, encorajar a tentar andar, fazer exercícios, …

Promoção de atividades prazerosas

• Fazer coisas que gosta, dar um passeio, ler para eles, …

Prevenção do isolamento

• Participar em atividades da comunidade (ir à missa, festas da freguesia, ir


votar, …)

Abreu & Ramos, 2007


1.2. Direitos do cuidador informal

Neste momento, já é possível pedir


o estatuto de cuidador informal!
1.3. As necessidades da família em CP

O modo como a família lida com a doença e com o doente vai interferir no modo como o
doente reage e aceita a aproximação da morte (Pereira e Lopes, 2005).

■ Satisfazer as necessidades dos familiares é importante: se estas são ignoradas pelos


profissionais, o papel desempenhado pela família como suporte ao doente pode estar
comprometido.

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1.3. As necessidades da família em CP
Quando um dos membros de uma família adoece e se encontra numa fase terminal da sua
vida, a família acaba muitas vezes por esquecer os seus próprios problemas, incidindo
toda a sua atenção no elemento doente (Pereira e Lopes, 2005).

■ As reações à doença variam de família para família e as alterações que a doença


provoca estão diretamente relacionadas com o papel social do doente, a idade, o sexo
e com a própria estrutura familiar (Cerqueira, 2005).

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1.3. As necessidades da família em CP

Crise evolutiva: modificações normativas e expectáveis (não


significa que não provoquem sofrimento, mas fazem parte do
desenvolvimento “normal” da vida);

Crise inesperada: modificações que acontecem de forma brusca e


que não estão contempladas na linha evolutiva habitual – ex.
doença e morte precoce de um pai, mãe, filho,…

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1.3. As necessidades da família em CP
Quais as necessidades mais comuns? (Lamau, 1995)

• Necessidade de informação e de acompanhar a pessoa que está a morrer;


• Necessidade de ajudar a pessoa que está a morrer;
• Necessidade de ser informado quanto ao estado de saúde do doente;
• Necessidade de saber que o doente está o mais confortável possível;
• Necessidade de ser informado quando o doente está prestes a morrer;
• Necessidade de expressar livremente as emoções;
• Necessidade de ser compreendido e apoiado pelos profissionais de saúde;

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1.3. Dificuldades do CI

Problemas Reação às Mudanças na


da pessoa prestações estrutura
dependente de cuidados familiar

Falta de Exigências Restrições


físicas e na vida
informação psicológicas social

Pouco
Problemas apoio
Pressão social
financeiros familiar e
profissional

Nolan, Grant e Keady (1998)


1.5. Intervenção com a família em CP
A família também tem fases de adaptação à doença do seu familiar
Pereira e Lopes (2002)

Impacto e Desorganização
choque inicial

1ª Etapa: confirmação
Procura de uma
do diagnóstico. Pressão social
explicação

Dificuldades
emocionais

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1.5. Intervenção com a família em CP
A família também tem fases de adaptação à doença do seu familiar
Pereira e Lopes (2002)

■ Início do luto antecipatório;


2ª Etapa: período que precede ■ Reorganização e redistribuição de papéis:
a morte do familiar.
Quem cuida da mãe em casa? Como gerir as
visitas quando ela estiver internada no hospital?
Quem vai às reuniões com os médicos? Quem fica
lá a dormir para que não morra sozinha?

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1.5. Intervenção com a família em CP
A família também tem fases de adaptação à doença do seu familiar
Pereira e Lopes (2002)

3ª Etapa: momento da perda.

■ Início do processo de luto após a perda.


■ Fase da separação.

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1.5. Intervenção com a família em CP
A família também tem fases de adaptação à doença do seu familiar
Pereira e Lopes (2002)

4ª Etapa: restabelecimento da ■ Pressupõe que o processo de luto esteja


“resolvido”.
família.
■ Aceitação da inevitabilidade da morte e
possibilidade de superação e de
enriquecimento pessoal.

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1.5. Intervenção com a família em CP
Princípios orientadores da intervenção familiar em CP (Purce-Joxe, 1989)
– em vida do doente

■ Dar tempo para que se estabeleçam relações de confiança que permitam às pessoas
verbalizar a dor que sentem;

■ Escutar, avaliar e facilitar as queixas e o processo de dor / luto das pessoas;

■ Destacar o valor individual de cada membro da família;

■ Favorecer a comunicação entre eles e o doente;

■ Respeitar as normas internas da família (religião, cultura, moral, etc.);

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1.5. Intervenção com a família em CP
Princípios orientadores da intervenção familiar em CP (Purce-Joxe, 1989)

■ Ajudar a estabelecer relações que possam favorecer a situação do doente, com


assistentes sociais, grupos de voluntários, padre, etc.

■ Facilitar a aprendizagem da família, tendo em vista o conforto do doente e um maior


empenho nos cuidados prestados pela família;

■ Continuar a apoiar a família durante o luto que se segue à morte;

■ Desenvolver o sentimento de que fizeram tudo para ajudar nos cuidados ao seu
familiar (deixar que o doente prepare a família para a sua ausência).

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1.5. Intervenção com a família em CP
Psicoeducação

■ Frequentemente, os familiares que cuidam de um doente expressam sérias


dificuldades e receios:

• Consideram-se incompetentes e esperam que a equipa expert assuma esta função, porque
querem o melhor cuidado para o seu ente querido;
• Receiam provocar algum dano físico devido à sua inexperiência;
• Sentem que o doente não aprecia a sua dedicação;
• Sentem-se censurados ou questionados pela equipa de cuidados ou outros familiares e
cuidadores.
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1.5. Intervenção com a família em CP
Principais objetivos da Psicoeducação Familiar em CP

■ Facilitar todo o tipo de informação com o objetivo de transmitir segurança;

■ Capacitação do familiar para melhorar a sua prestação de cuidados ao familiar doente;

■ Ajudar a família a ser autónoma nos cuidados que presta: reforça autoestima, sentido
de utilidade, sentido de vida, mantém as dinâmicas familiares, protege o doente do
isolamento e ajuda na prevenção de lutos complicados;

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1.5. Intervenção com a família em CP
Etapas para a Psicoeducação Familiar em CP

■ Convidar os familiares a participarem nos cuidados, logo que o doente fique no


internamento (e em casa!);

■ Explicar os benefícios resultantes desta participação;

■ Dar a entender que o momento em que se prestam os cuidados são momentos de


intimidade, o que, por sua vez, permite manter diálogos do tipo informal, em que os
sentimentos podem surgir de forma espontânea;

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1.5. Intervenção com a família em CP
Etapas para a Psicoeducação Familiar em CP

■ Repartir os cuidados : tentar diminuir o cansaço do cuidador principal;

■ Reconhecer os seus progressos e capacidades ao mesmo tempo que se reconhecem


dificuldades (como as ultrapassar?).

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1.5. Intervenção com a família em CP
Psicoeducação

■ Esclarecer alguns aspetos práticos:

• Adaptações no domicilio, informação sobre os recursos, como


prestar determinados cuidados, como abordar determinados
assuntos (exemplo: contar às crianças sobre a hospitalização de
um familiar ou sobre a sua morte, …)

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1.5. Intervenção com a família em CP
Conferências Familiares

■ Forma estruturada de intervenção na família;


■ Consiste numa reunião onde existe um plano antecipadamente acordado entre os
profissionais presentes e em que para além da partilha de informação e de
sentimentos, se ambiciona ajudar a alterar alguns padrões de interação na família.

Devem estar presentes:


• Doente* e familiares representativos
(eventualmente eleger um representante
da família);
• Profissionais de saúde envolvidos no caso
(um ou vários);
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1.5. Intervenção com a família em CP
Objetivos das Conferências Familiares (Neto, 2003)

■ Comunicar informação médica;


■ Delinear objetivos de cuidado;
■ Tomar decisões conjuntamente com o utente e com a sua família;
■ Prestar apoio presente ao utente e à sua família, perspetivando o futuro;
■ Preparar familiares para o luto;
■ Focar o cuidado no doente e orientado à família;
■ Reunir simultaneamente utentes, familiares e profissionais de saúde;

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1.5. Intervenção com a família em CP
Objetivos das Conferências Familiares

■ Identificar membros da família potencialmente vulneráveis ou que possam


necessitar de apoio adicional no luto;
■ Criar linhas de comunicação entre os próprios familiares;
■ Gerir possíveis conflitos existentes, p.e. conspiração do silêncio;

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1.5. Intervenção com a família em CP
Objetivos das Conferências Familiares

Conspiração do Pedido da família para ocultar a informação ao doente,


silêncio
normalmente relacionada com o diagnóstico e/ou prognóstico.

Concordar com a conspiração do silêncio pode fazer com que o doente se sinta incapaz de
resolver assuntos considerados importantes, em fim de vida, podendo mesmo dificultar
posteriormente a vivência do luto por parte da família.

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1.5. Intervenção com a família em CP
Objetivos das Conferências Familiares

Adaptativa: quando o doente tem conhecimento dela, pois ele


próprio não quer discutir nem saber sobre a sua doença e sobre o
Conspiração do seu prognostico;
silêncio
Desadaptativa: ocultação da informação sem saber se é esse o
desejo do doente;

O doente pode desejar não ser informado, devendo indicar, caso o entenda, quem deve
receber a informação no seu lugar.

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1.5. Intervenção com a família em CP
Objetivos das Conferências Familiares

■ Definir os objetivos do cuidado ao doente e discutir o plano de cuidados (inclui Diretivas


Antecipadas de Vontade (DAV) e Ordem de Não Reanimação (ONR), a transição para
uma vertente não-curativa de controlo de sintomas, remoção de medidas de suporte de
vida (ex. quimioterapia), de nutrição/hidratação, …
■ Discutir o local mais adequado à prestação de cuidados;
■ Identificar e intervir junto das necessidades da família (discutir preocupações e
sentimentos relacionados com a doença, nomeadamente a fase da agonia,
preocupações relativas ao conforto do doente, dificuldades financeiras, …);

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1-5. Intervenção com a família em CP
Objetivos das Conferências Familiares

■ Providenciar atualização do estado clínico do utente;


■ Discutir o prognóstico do doente e promover a compreensão da gravidade da doença;
■ Rever o plano de cuidados quando necessário (ex: em casos súbitos de agravamento do
estado geral do doente);
■ Capacitar a família para prestar cuidados;
■ Permitir e incentivar a expressão de emoções, de preocupações;
■ Preparar a família para a perda;

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1.5. Intervenção com a família em CP
Timing das Conferências Familiares

“Family meetings should not be saved for «crisis» situations. Instead, a preventative
approach is advocated where issues are anticipated before they become major dilemmas.
(Hudson et al., 2009).

Abordagem preventiva é altamente recomendada

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1.5. Intervenção com a família em CP
Timing das Conferências Familiares

■ A reunião deve ser agendada com antecedência;


■ Hora e local bem definidos;
■ Local calmo, acolhedor, que permita a privacidade e a possibilidade de os presentes
estarem confortavelmente sentados de forma a comunicarem de foram aberta e eficaz.
■ 30-60 min (sem interrupções);

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1.5. Intervenção com a família em CP
Grupos de Apoio

■ De preferência conduzidos no local onde o doentes está internado → o CI tem


dificuldade em se ausentar e em estar longe da pessoa em cuidados paliativos;
■ Se o doente tiver em casa: pode optar-se pelo grupo online;
■ Objetivos: psicoeducação, gestão emocional, treino de estratégias de resolução de
problemas e de comunicação com o doente/família/profissionais de saúde.
■ Partilha e criação de novos laços!
■ “Afinal não sou só eu que sinto ou penso X e Y”

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Programa – Módulo 2
2. A intervenção psicológica no processo de luto:

2.1. O luto na família: apoio no luto antecipatório.

2.2. As diferentes fases do luto.

2.3. Luto prolongado vs complicado.

2.4. A intervenção psicológica no luto.

2.5. Avaliação.

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2.1. O luto na família
O luto corresponde a uma reação característica a uma perda significativa que poderá ser
real (como a perda de uma pessoa) ou simbólica (como a perda de um ideal, de uma
expectativa ou de uma potencialidade).

Processo inevitável, pois todas as pessoas têm que o


realizar a fim de se adaptarem à perda.

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2.1. O luto na família
Apoio dá-se, essencialmente, em 3 momentos:
durante o processo de doença, na agonia e momento de morte, e após a morte.

• Transmissão da notícia
Agonia e momento • Gestão emocional
de morte • Psicoeducação
• Conferências familiares e preparar para a despedida – luto antecipatório

• Facilitar a adaptação à nova situação


• Informar sobre o processo de luto, normalizando as
Após a morte
manifestações
• Fazer o acompanhamento

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2.1. O luto na família
Luto antecipatório

“A antecipação da perda numa doença física pode ser tão


Luto antecipatório desafiadora e dolorosa para as famílias, como a própria morte de um
membro da família” (Rolland 1990).

Consciência da proximidade da morte: ansiedade de separação e


necessidade de manter o vínculo com o doente

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2.1. O luto na família
Luto antecipatório

■ Implica a compatibilização de dois movimentos de reestruturação familiar:


Necessidade de se A perceção da
manter funcional e proximidade da morte e
manter o vínculo com o a necessidade de deixar
doente partir o outro

Foco na doença e no Preparação para a


Esperança perda (futuro)
cuidar (agora)

Não de cura, mas de prolongamento do tempo de vida –


Evitamento, “boa morte”

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2.1. O luto na família
Tarefas no Luto antecipatório

■ Manter o envolvimento com o doente;


■ Manter a independência face ao doente;
■ Adaptar-se às mudanças de papéis;
■ Gerir os afetos provocados pela perda;
■ Aceitar a realidade da perda iminente;
■ FAZER A DESPEDIDA.

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2.1. O luto na família
Avaliação no Luto Antecipatório

■ Avaliar como a família processa a perda;


■ Qual a natureza do relacionamento com o doente? (impacto da perda para a família);
■ Qual a perceção de apoio familiar?
■ Acontecimentos de vida concorrentes (facilitadores ou não);
■ As perdas anteriores e a sua história clínica (inclui antecedentes de depressão);
■ Níveis de sobrecarga percebidos;

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2.1. O luto na família
Intervir no Luto Antecipatório

■ Desconstruir as conspirações do silêncio;

■ Auxiliar na redefinição de papéis familiares (lidar com as alterações de vida);

■ Trabalhar o significado da perda nesta família;

■ Gerir a ameaça de perda e as consequências emocionais da mesma;

■ Capacitar a pessoa para lidar com esta perda e reforçar a perceção da importância do
cuidar → psicoeducação: informação acerca da doença e prestação de cuidados (inclui
autocuidados)

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2.1. O luto na família
Intervir no Luto Antecipatório

■ Explorar medos em relação a situações práticas da organização familiar quando o


familiar morrer (ir preparando estratégias de compensação);

■ Incentivar a resolver alguns assuntos práticos;

■ Facilitar os rituais fúnebres e a sua preparação;

52
Permitir sofrer

2.2. As diferentes fases do luto

53
2.2. As diferentes fases do luto

54
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ reações que ocorrem imediatamente após o falecimento e pode


Fase de protesto e durar algumas horas ou até mesmo as primeiras semanas.
de choque
■ o enlutado está ainda em choque e tem dificuldade em acreditar

Nesta fase, é muito que a perda aconteceu.


importante a
presença de outros ■ São comuns: descrença, negação → expressa pelo desespero,
membros da família,
fontes de suporte raiva, irritabilidade e isolamento, ataques de pânico, …
emocional e
instrumental.
55
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ pode durar meses ou até pode permanecer por um longo


Fase de saudade e período.
de procura da
pessoa perdida ■ O enlutado começa a perceber o falecimento como real →
desânimo, momentos de aflição e de choro.

■ Oscilação com a perceção de que o morto ainda está vivo →


interpretação de sonhos, ou outros sinais, como indicação do
seu retorno → comportamentos de busca pela pessoa perdida
56
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ A pessoa começa a fazer negociações, ie, tentativas de


Fase de saudade e recuperar o morto → ex: de comportamentos de busca: falar
de procura da com o morto através do sonho, ou através da religião, ir à
pessoa perdida
campa todos os dias para conversar com o morto, …não retirar
nada do quarto do morto (deixá-lo como está, caso ele
“volte”), não se desfazer de bens do morto;

■ Podem falar muitas vezes na pessoa ou até evitar falar no


assunto.
57
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ Revisão dos acontecimentos que levaram à morte de forma


Fase de saudade e obsessiva.
de procura da
pessoa perdida

58
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ O enlutado sente que não consegue viver sem o morto, mas ao

Fase de mesmo tempo sente que deve continuar com a sua vida → fase
desorientação e de de grande ambivalência, geradora de muita angústia existencial
desespero
(O que sou eu sem ele? O que faço eu aqui sem ele?

■ Podem manter-se alguns comportamentos da fase anterior (ex:


continuar a guardar as coisas do morto que trazem recordações
felizes), ao mesmo tempo que surgem comportamentos novos
(ex: irem-se desfazendo de algumas coisas).

59
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ Última fase segundo este autor.


Fase de maior ou
menor reorganização ■ Usa o termo “reorganização” → continuação dos laços, “Laços
que sobrevivem após a morte” → é mais do que falar em
separação ou desvinculação.

■ é o reorganizar da nova situação de vida → aceitar a perda


como definitiva e integrá-la na linha de vida, seguindo em
frente com momentos de saudade e de tristeza.
60
2.2. As diferentes fases do luto
4 fases propostas por Bowlby (1985)
)

■ Fase de aceitação → que pode ser muito dolorosa, porque


Fase de maior ou pode corresponder à realidade de que a vida nunca mais vai
menor reorganização
ser a mesma!

■ quando o enlutado se torna capaz de adquirir novos papéis e


iniciar novas relações.

61
2.2. As diferentes fases do luto
Modelo de luto de Worden

■ É um dos modelos de referência na prática clínica;

■ Atribui à pessoa enlutada um papel mais ativo na resolução do seu luto → as tarefas
envolvem “trabalho de luto” (esforço e investimento pessoal) para alcançar o
ajustamento completo.

62
2.2. As diferentes fases do luto

■ Apesar de muitas vezes ter consciência da perda, a pessoa tem


Aceitar a realidade dificuldade em aceitar o seu carácter definitivo;
da perda
■ Quando alguém morre, mesmo que seja previsível, há sempre uma
dificuldade em sentir que isso realmente aconteceu!

■ Podem surgir: comportamentos de busca, negar o facto da perda,


negar o significado da perda, negar que a morte é irreversível,
procurar a pessoa perdida em várias coisas do dia-a-dia…

63
2.2. As diferentes fases do luto

■ Quando se perde alguém significativo, é inevitável que não haja


Elaboração da dor da
perda
dor e sofrimento! – mas a maior parte das pessoas não precisa
de ajuda profissional!

■ Cada ser humano experiencia isso à sua maneira (de um modo


muito próprio e com intensidades diversas);

Prolonga o luto: parar o pensamento, evitar coisas que o lembrem…(não é


aconselhável!)
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2.2. As diferentes fases do luto

■ Ser capaz de dar continuidade à vida, aos projetos e ao


Aprender a viver sem amor por si e pelos outros → mesmo perante todas as
a pessoa significativa
mudanças que a perda implicou.

■ Ajustar-se física, emocional e socialmente à situação


atual;

■ Por vezes implica uma ressignificação do self: “e agora, o


que é que eu sou sem ti? QUEM?”
65
2.2. As diferentes fases do luto

Reposicionamento e
reinvestimento ■ Espera-se que a pessoa vá para além da “mera continuidade
emocional na vida
da vida” (modo sobrevivência);

66
2.2. As diferentes fases do luto
Ao avaliar um enlutado, ter em consideração:

■ Pedido de ajuda: motivo e origem

■ História do falecimento (local, causa da morte, como foi comunicada a notícia,


evolução da doença e do processo de cuidar, relacionamento com o falecido);

■ Comportamentos problemáticos (reações iniciais, participação nos rituais fúnebres,


manifestações de luto atuais e as suas repercussões)

■ Identificar possíveis crenças ou mitos sobre o processo de doença, morte do familiar e


processo de luto (“eu sei que já não deveria estar nesta fase”).

67
2.2. As diferentes fases do luto
Ao avaliar um enlutado, ter em consideração:

■ Identificar fatores de risco pessoais (antecedentes de depressão? acompanhamento


psic ou psiq? lutos anteriores?) e interpessoais (suporte social? Qual a estrutura e
funcionamento da família?);

Pode ser necessário 1 a 2 consultas para a avaliação e estabelecimento de objetivos terapêuticos.

68
2.2. As diferentes fases do luto
Intervenção no luto:

■ Dar acolhimento, deixar a pessoa falar, desabafar, chorar etc.


■ Encorajar o familiar a dividir sua experiência de perda com outras pessoas;
■ Ter em consideração os conflitos existentes (mediante as tarefas que Worden
propõe):
■ Facilitar o processamento da perda e das emoções e significados associados à
perda;

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2.2. As diferentes fases do luto
Intervenção no luto:

■ Treino de competências:
→ Desenvolver habilidades para novos relacionamentos no âmbito social (eg. treino de
assertividade, divisão de tarefas, …);
→ Treinar a resolução de problemas;
→ Reestruturar pensamentos (modelo ABC);
→ Treinar novas estratégias de coping e de regulação emocional (relaxamento);

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2.2. As diferentes fases do luto

• Explorar (e desconstruir) crenças associadas ao luto, doença e


morte;

• Maximizar a recordação de memórias positivas (com uma


imagem positiva do falecido).

• Atribuir um significado às experiências de vida: criar ou


reconstruir o significado atribuído à perda, dando-lhe um
sentido – Terapia cognitivo-existencial

71
2.2. As diferentes fases do luto
Intervenção no luto:

■ Existem vários modelos teóricos que podem suportar a intervenção psicológica no luto.
■ Após a avaliação, estabelecer um conjunto de objetivos terapêuticos: que vão para
além da reformulação e da integração emocional, cognitiva, social, comportamental e
existencial da perda → treinar competências.
■ relaxamento, técnica da cadeira vazia, carta não enviada, explorar estratégias
distrativas (envolvimento em novas tarefas para gerir o sofrimento – atenção!), apoiar a
pessoa no desenvolvimento de novos papeis, relações e rotinas

72
■Quando está terminado o luto?

■Qual a sua duração?


73
2.2. As diferentes fases do luto
É importante alertar o enlutado para o facto de um processo de luto é um processo longo e que
a sua resolução não consiste no retorno à vida pré-luto, mas sim ao reencontro e
restabelecimento de um novo equilíbrio.

■ São normais: os pensamentos sobre a perda e sobre a pessoa que se perdeu e


sobre as consequências dessa perda;

■ Intensidade? Impacto na funcionalidade global da pessoa?

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2.3. Luto normal
Luto normal?

■ Processo de luto que decorre com sentimentos normativos de tristeza e que permitem a
elaboração da perda;
■ Quando o enlutado está a permitir-se sentir a dor e o sofrimento desta perda.
■ Não há uma data precisa que indique a sua conclusão.
■ Quando se perde uma relação próxima é muito improvável levar menos de um ano e
para muitos casos dois anos ou até mais não é muito tempo. Só assim é possível para
a família experienciar datas significativas sem a presença da pessoa falecida e se
readaptar.

75
Avaliar o risco de luto prolongado!

❑ Recentemente introduzida na CID-11


Perturbação de
luto prolongado ❑ Perturbação mental que se caracteriza por manifestações de luto
intensas e persistentes (saudade, anseio pela pessoa perdida,
preocupação recorrente com o falecido, culpa, dificuldade em aceitar
a morte, tristeza, …)
❑ Afeta significativamente o funcionamento da pessoa (social,
ocupacional..)
❑ Persistem por +6 meses

76
2.3. Luto prolongado
Luto prolongado

■ Desenvolve-se quando a elaboração do luto é adiada ou reprimida -> primeiro sinal de


alerta!
■ O enlutado expressa o sofrimento da perda com a mesma intensidade durante um largo
período de tempo (não consegue falar da perda sem experienciar esta dor intensa);
■ Mostra dificuldade em desvincular-se da pessoa falecida (desprender-se das coisas do
falecido);
■ Mostra culpa excessiva;

77
2.3. Luto prolongado
Luto prolongado

■ Isolamento crescente e mudanças radicais nas rotinas;


■ Impulsos destrutivos (com ou sem ideação suicida);
■ Sentimentos de vazio e de perda do sentido de vida;
■ Falta de metas/sentimento de utilidade ou de futilidade acerca do futuro;
■ Visão alterada do mundo (falta de segurança, confiança e controlo);
■ Irritabilidade, raiva, …
■ “não estou a conseguir seguir com a minha vida” – pode manter-se durante anos, até
se tornar crónico.

78
2.3. Luto prolongado
Fatores de risco para o luto prolongado

■ Ligação emocional e tipo de relação com a pessoa falecida (relação de dependência?;


■ Personalidade da pessoa enlutada;
■ Características particulares do indivÍduo na altura da morte;
■ Circunstâncias da morte (causa, duração, nível de preparação, forma como a noticia foi
dada);
■ Suporte sociofamiliar;
■ Crises e stressores concorrentes;
■ Consequências da perda.

79
2.3. Luto prolongado
Luto crónico

■ As reminiscências são frequentes, os rituais de recordação, as manifestações


excessivas de tristeza e saudade: são mecanismos de manutenção da relação com a
pessoa perdida
■ Ambivalência: deixar de sofrer é como se esquecessem a pessoa perdida – isso seria
um sinal de deslealdade, uma afronta
“Quando penso nele sofro, mas assim sei que ele está para sempre comigo. Sem esse
sofrimento, não me resta mais nada dele”
É comum em relações de dependência

“só ele é que me percebia. Estava sempre preocupado se eu comia ou não. Compreendia-me como
ninguém. Ele enchia esta casa de alegria e cuidava de mim”

80
2.3. Luto complicado?
Luto complicado – DSM5

■ Qualquer alteração mental diagnosticada a partir dos 6 meses do falecimento de uma pessoa querida
deve ser explorada como tendo uma possível conexão com essa perda: fundamentalmente
perturbações de humor, de ansiedade, e de comportamentos aditivos).
■ Atenção a situações de: luto proibido (COVID) e luto traumático (perdas inesperadas).

■ Harrwood (2001) descreve três tipos de lutos complicados:


- Crónico (com duração superior a 6 meses);
- Ausente (não há processo de luto);
- Adiado (inicia-se algumas semanas ou meses após a morte).

Inibido: “é assim a vida, não se pode fazer nada. Há que seguir em frente”

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Luto complicado: aspetos peculiares da intervenção

■ Avaliar quais as tarefas de luto que não foram completadas e porquê;


■ Reviver memórias da pessoa que faleceu (muitas vezes o enlutado só consegue fazer
isso com o terapeuta, porque o resto da família já elaborou o processo de luto);
■ Regulação das emoções para lidar com a instabilidade emocional;
■ Explorar e diminuir a relação da pessoa com os objetos que recordem o falecido;
■ Ajudar na criação do caracter definitivo da perda → atribuir-lhe um lugar na vida do
enlutado.

82
Atividade
■ Maria, 50 anos, divorciada de seu segundo casamento. Tem três filhos, sendo que o mais velho falecera de cancro cerebral, há 6 meses.
Não tem atividade laboral, nem tem por hábito manter atividades sociais. Afirma conviver, apenas, com os seus dois filhos e algumas tias.
Tem duas netas, mas com as quais pouco convive.

■ Apresenta-se com excesso de peso, é diabética e afirma ter poucos cuidados com a sua alimentação. Não gosta de si própria nem se ver ao
espelho. Antes do filho falecer, relata que as suas atividades de vida diárias eram vividas apenas em função dos cuidados que lhe prestava.
Estes cuidados foram prestados durantes 3 anos, sendo que, nos últimos 6 meses de vida do seu filho, Maria vivia com ele, uma vez que o
filho necessitava de supervisão regular de dia e de noite. O filho que morrera era o mais velho e, conforme relata Maria, exercia o papel de
pai e filho. António (o filho falecido de maria), apoiou-a durante os seus dois divórcios. Presenciou todo o seu sofrimento e esteve sempre ao
seu lado, “segurava as minhas mãos e deixava-me chorar no ombro dele. Era o meu melhor amigo. Tratou de mim quando eu não
conseguia…Foi como um pai para mim” (sic).
■ Segundo Maria, António ajudava-a com os seus cuidados pessoais, compras, pagamento de contas, tratava de coisas burocráticas e ajudava
a tomar decisões. Quando questionada sobre os anteriores casamentos e a relação com os maridos, Maria refere que foi sempre
dependente dos dois maridos para tomar decisões e que, depois dos 2 divórcios, se tornou dependente de António. Quando questionada
sobre o significado da “dependência”, Maria explica e dá exemplos, afirmando que o filho tomava todas as decisões sobre a sua aparência
(escolhia as suas roupas, o corte e cor do cabelo, os moveis de casa, ….) e as suas finanças (ligava para o filho e pedia autorização e a sua
opinião para fazer determinada compra, esperava por um consentimento). Como não trabalhava, Maria dependia financeiramente dos filhos
que a ajudavam com uma valor mensal. Porém, diz ser incapaz de administrar o dinheiro sozinha. Nunca precisou de o fazer durante os
seus casamentos e depois o filho António sempre a ajudou.
■ Afirma que se sente sozinha, porque os outros dois filhos não são “tão bons como o António” (sic) e não têm uma relação muito próxima.
“Sinto muita dor. Só Deus sabe a dor que eu sinto”. “O quer vai ser da minha vida sem o meu filho António”. Eu não sei viver sem ele”.
Afirma sentir-se muito deprimida e diz que chora todos os dias “todos os dias. E falo com ele, através de Deus, todos os dias também”.

83
Exercício em conjunto

■ Avaliação Psicológica inicial: Que sinais/sintomas de luto


vos parecem estar presentes e que, para vocês, são
importantes explorar? Que fatores de risco existem e que
possam dificultar a evolução deste processo de luto?

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Exercício em conjunto

■ Em que tarefa do Luto enquadrariam o caso de Maria, segundo Worden?

■ Com base nessa tarefa, que objetivos terapêuticos propõem (lembrem-se que

devem ser sempre acordados com o utente)?

■ Enviar respostas para helena.mendonca.sousa@gmail.com

■ 10 de outubro

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