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Transtornos alimentares:

classificação e diagnóstico
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Recebido: 02/09/2004 - Aceito: 15/09/2004
Resumo
O presente artigo apresenta os critérios diagnósticos atuais dos transtornos alimentares: anorexia nervosa e bulimia nervosa.
Os aspectos controversos da anorexia nervosa são discutidos. Palavras-chave: Anorexia nervosa, bulimia nervosa, diagnóstico,
classificação.

O aumento do interesse e da importância epidemiológica levou a uma rápida evolução na


discussão dos critérios diagnósticos dos transtornos alimentares nas últimas décadas.
Dos principais transtornos do comportamento alimentar, a anorexia nervosa (AN) foi a primeira
a ser descrita já no século XIX e, igualmente, a pioneira a ser adequadamente classificada e ter
critérios operacionais reconhecidos já na década de 1970. A bulimia nervosa (BN) foi descrita
por Gerald Russell em 1979, e um terceiro grupo heterogêneo de quadros assemelhados, mas
que não apresentavam sintomas completos nem para o diagnóstico de AN nem para BN, foram
classificados como Transtornos Alimentares Atípicos nos anos 1980. O transtorno da
compulsão alimentar periódica e suas questões polêmicas será motivo de um capítulo em
separado nesta publicação. Cordás, T.A. Rev. Psiq. Clin. 31 (4); 154 -157, 2004 155

Os transtornos alimentares são doenças que afetam particularmente adolescentes e adultos


jovens do sexo feminino, levando a marcantes prejuízos psicológicos, sociais e aumento de
morbidade e mortalidade. A anorexia nervosa caracteriza-se por perda de peso intensa e
intencional às expensas de dietas extremamente rígidas com uma busca desenfreada pela
magreza, uma distorção grosseira da imagem corporal e alterações do ciclo menstrual.
O termo anorexia sabidamente não é o mais adequado do ponto de vista p sicopatológico na
medida que não ocorre uma perda real do apetite, ao menos nos estágios iniciais da doença. A
negação do apetite e o controle obsessivo do corpo tornam o termo alemão
pubertaetsmagersucht, isso é, ³busca da magreza por adolescentes´, bem mais adequado.
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Rabermas (1986) descreveu um caso pioneiro altamente sugestivo de anorexia nervosa em
uma serva que viveu no ano de 895. A jovem Friderada, após ter -se recuperado de uma
doença não-reconhecível, passou a apresentar um apetite voraz e descontrolado. Para tentar
diminuí-lo, buscou refúgio em um convento e nele, com o tempo, foi restringindo sua
dieta ate passar a efetuar longos jejuns. Embora inicialmente ainda conseguisse manter suas
obrigações conventuais, rapidamente seu quadro foi-se deteriorando até a sua morte, por
desnutrição. No século XIII, encontramos em grande profusão descrições de mulheres que se
auto-impunham jejum como uma forma de se aproximar espiritualmente de Deus; eram as
chamadas ³santas anoréxicas´. O quadro era acompanhado de perfeccionismo, auto -
insuficiência, rigidez no comportamento, insatisfação consigo própria e distorções cognitivas, tal
qual as anoréxicas hoje. Um dos casos mais conhecidos é o de Catarina Benincasa, mais tarde
Santa Catarina de Siena, que, aos 16 anos, recusou o plano de casamento imposto por seus
pais, jurando manter-se virgem e entrando para o convento. Alimentava -se de pão e alguns
vegetais, autoflagelava-se, e eventualmente provocava vômitos com ingestão de plantas. No
ano de 1694, Richard Morton é autor do primeiro relato médico de anorexia nervosa,
descrevendo o tratamento de uma jovem mulher com recusa em alimentar-se e ausência de
ciclos menstruais, que rejeitou qualquer ajuda oferecida e morreu de
inanição.O autor mostra-se profundamente intrigado
pela indiferença que a paciente demonstrava em
relação ao seu estado crítico e pela preservação de suas
faculdades mentais básicas.
Na segunda metade do século XIX, a anorexia
nervosa emerge como uma entidade autônoma e
delineada a partir dos relatos do francês Charles
Laségue (1873) que descreve a anorexie histérique.
No ano seguinte, William Gull descreve três meninas
com quadro anoréxico restritivo com o nome de
³apepsia histérica´. A discussão sobre a primazia do
relato inicial do quadro é mais uma das longas novelas
médicas existentes sobre paternidade de idéias (Van
der Ram et al., 1989).
Em 1903, Janet relata o caso de Nadia, uma moça
de 22 anos de idade, que manifestava vergonha e repulsa
ao seu corpo com constante desejo de emagrecer, quadro
que denominou de anorexie mental. O autor relacionou
a busca intensa da magreza à necessidade de protelar a
maturidade sexual e sugeriu dois subtipos psicopatológicos,
obsessivo e histérico.
Diagnóstico
A seguir, apresentamos um quadro (Quadro 1) com os
critérios diagnósticos segundo o DSM-IV (APA-1994)
e CID-10 (OMS-1993).
Bulimia nervosa
A bulimia nervosa caracteriza-se por grande ingestão
de alimentos com sensação de perda de controle, os
chamados episódios bulímicos. A preocupação excessiva
com o peso e a imagem corporal levam o paciente a
métodos compensatórios inadequados para o controle
de peso como vômitos auto-induzidos, uso de medicamentos
(diuréticos, inibidores de apetite, laxantes),
dietas e exercícios físicos.
O termo bulimia nervosa foi dado por Russell (1979)
e vem da união dos termos gregos boul (boi) ou bou (grande
quantidade) com lemos (fome), ou seja, uma fome muito
intensa ou suficiente para devorar um boi.
Breve histórico
O termo boulimos já era usado séculos antes de Cristo.
Ripócrates o empregava para designar uma fome
doentia, diferente da fome fisiológica.
Em 1743, James descreve a true boulimus para
os episódios de grande ingestão de alimentos e
preocupação intensa com os mesmos, seguidos de
desmaios e uma variante chamada caninus appetities,
com vômitos após estes episódios (Rabermas, 1989).
Crisp (1967) descreve episódios bulímicos e
vômitos auto-induzidos em algumas de suas pacientes
com anorexia nervosa.
A descrição de bulimia nervosa, tal como
conhecemos hoje, nasce com Gerald Russell (1979) em
Londres, a partir da descrição de pacientes com peso
normal, pavor de engordar, que tinham episódios
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bulímicos e vômitos auto-induzidos. Como algumas
dessas pacientes haviam apresentado anorexia nervosa
no passado, considerou, em um primeiro momento, que
a bulimia seria uma seqüela desta.
Diagnóstico
A seguir, apresentaremos o Quadro 2 com os critérios
diagnósticos segundo o DSM IV (APA, 1994) e CID 10
(OMS, 1993).
Questões diagnósticas em aberto
Desde os anos 1980, tornou-se clássico, na maior parte
da literatura, o estabelecimento de dois subtipos
clínicos da AN, o restritivo e o purgativo. Nos anos
90, diferentes estudos evidenciaram que o subtipo
purgativo apresentaria mais: transtornos de personalidade
e comportamentos impulsivos, tais como
tentativas de suicídio, auto -mutilação, cleptomania,
abuso de substâncias.
Recentemente, porém, alguns trabalhos têm
questionado a validade dessa dicotomia.
Eddy et al. (2002) evidenciaram que apenas 12%
das pacientes com AN restritiva nunca haviam apresentado
episódios bulímicos e purgação.O seguimento
de pelo menos oito anos de pacientes com AN restritiva
mostrou que 62% passaram a ser classificados como AN
purgativa pela mudança das características clínicas.
Van der Ram et al. (1997): após quatro anos de
seguimento de um grupo de anoréxicas, não conseguiam
diferenciar claramente o subgrupo que no início do
projeto preenchia critérios para um dos subtipos.
A questão que se coloca hoje é: seriam esses subtipos
apenas estágios evolutivos de uma mesma doença?
Outra questão em aberto é a exigência de uma perda
de peso mínima nos diferentes critérios adotados.
Diferentes estudos não têm conseguido corre lacionar,
porém, qualquer porcentagem de perda de peso
com os outros sintomas da doença.
Por fim, a questão da exigência de amenorréia
para o diagnóstico de anorexia nervosa.
Um grande estudo canadense mostrou que cerca
de 30% dos pacientes com todos os critérios de AN não
apresentavam amenorréia( Garfinkel et al.,1991).
Qual a necessidade desse critério?
Quadro 1: Critérios diagnósticos para anorexia nervosa segundo o DSM -IV e a CID-10.
DSM-IV CID-10
a) Rá perda de peso ou , em crianças, falta de ganho de
peso, e peso corporal é mantido em pelo menos 15%
abaixo do esperado.
b) A perda de peso é auto -induzida pela evitação de
³alimentos que engordam´.
c) Rá uma distorção na imagem corporal na forma de uma
psicopatologia específica de um pavor de engordar.
d) Um transtorno endócrino generalizado envolvendo o eixo
hipotalâmico-hipofisário-gonadal é manifestado em
mulheres como amenorréia e em homens como uma
perda de interesse e potência sexuais (uma exceção
aparente é a persistência de sangramentos vaginais em
mulheres anoréxicas que estão recebendo terapia de
reposição hormonal, mais comumente tomada como uma
pílula contraceptiva).
Comentários: Se o início é pré -puberal, a seqüência de
eventos da puberdade é demorada ou mesmo d etida (o
crescimento cessa; nas garotas, as mamas não se
desenvolvem e há uma amenorréia primária; nos garotos, os
genitais permanecem juvenis). Com a recuperação, a
puberdade é com freqüência completada normalmente, porém
a menarca é tardia; os seguintes aspectos corroboram o
diagnóstico, mas não são elementos essenciais: vômitos autoinduzidos,
purgação auto-induzida, exercícios excessivos e
uso de anorexígenos e/ou diuréticos.
1. Recusa em manter o peso dentro ou acima do m ínimo
normal adequado à idade e à altura; por exemplo, perda
de peso, levando à manutenção do peso corporal abaixo
de 85% do esperado, ou fracasso em ter o peso esperado
durante o período de crescimento, levando a um peso
corporal menor que 85% do esperado .
2. Medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo,
mesmo com peso inferior.
3. Perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou
forma corporais; excessiva influência do peso ou forma
corporais na maneira de se auto -avaliar; negação da
gravidade do baixo peso.
4. No que diz respeito especificamente às mulheres, a
ausência de pelo menos três ciclos menstruais
consecutivos, quando é esperado ocorrer o contrário
(amenorréia primária ou secundária). Considera -se que
uma mulher tem amenorréia se os seus períodos
menstruais ocorrem somente após o uso de hormônios;
por exemplo, estrógeno administrado.
Tipo: - Restritivo: não há episódio de comer
compulsivamente ou prática purgativa (vômito
auto-induzido, uso de laxantes, diuréticos,
enemas).
- Purgativo: existe episódio de comer
compulsivamente e/ou purgação.
157
Cordás, T.A. Rev. Psiq. Clin. 31 (4); 154-157, 2004
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Anorexia Nervosa: Gull or Lasègue

Transtornos alimentares: fundamentos


históricos
Táki Athanássios Cordása e Angélica de Medeiros Claudinob
aAmbulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Rospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo. Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.
bPrograma de Orientação e Assistência aos Transtornos
Alimentares do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
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Os autores fazem uma breve revisão dos aspectos históricos dos transtornos alimentares.
Possíveis correlações
psicopatológicas com os conceitos diagnósticos atuais são discutidas.
Anorexia nervosa. Bulimia nervosa. Ristória.
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Os transtornos alimentares são freqüentemente considerados
quadros clínicos ligados à modernidade, na medida que ao
avanço da mídia nas últimas décadas tem se dado papel de
relevância quase casual.
Uma breve revisão histórica evidencia a existência dessas
patologias ao longo do tempo e retoma a velha discussão
psicopatológica do essencial e do acessório, do patogenético e
do patoplástico, enfim das relações entre a doença e a cultura.

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p
Etimologicamente, o termo anorexia deriva do grego ³an -´,
deficiência ou ausência de, e ³orexis´, apetite. Também significando
aversão à comida, enjôo do estômago ou inapetência, as
primeiras referências a essa condição surgem com o termo
   em fontes latinas da época de Cícero (106 -43 aC.) e
vários textos do século XVI. Já a denominação mais específica
³anorexia nervosa´ surgiu com William Gull a partir de 1873,
referindo-se à         
   !"  
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 ' (  () #$% .
1 Atualmente o termo ³anorexia´ não é utilizado em seu
sentido etimológico para a ³anorexia nervosa´, visto que tais
pacientes não apresentam real perda de apetite até estágios
mais avançados da doença, mas sim uma recusa alimentar deliberada,
com intuito de emagrecer ou por med o de engordar.2
Durante a idade média, as práticas de jejum foram compreendidas
como estados de possessão demoníaca ou milagres
divinos. Em seu livro ³ %*Bell3 (1985) relata o
comportamento anoréxico realizado por 260 santas italianas
(que teriam vivido entre 1200 e 1600) aparentemente em resposta
à estrutura social patriarcal a qual estavam submetidas,
e conhecido como ³anorexia sagrada´. Pela supressão de necessidades
físicas e sensações básicas (como cansaço, impulso
sexual, fome e dor) elas pareciam liberar o corpo e alcançar
metas espirituais superiores, porém às crenças religiosas
pareciam se misturar a outras intenções das jovens, como a
perda dos atrativos femininos. Bastante conhecido é o caso
de Santa Catarina de Siena que aos 15 an os, após a morte de
sua irmã (parturiente) e diante de projetos futuros de casamento,
iniciou restrição alimentar, preces e práticas de autoflagelamento,
chegando a induzir vômito através de ervas e
galhos na garganta quando forçada a alimentar -se. Catarina
havia feito um voto de castidade quando ainda era criança. A
inanição haveria gerado um estado psicológico de constante
vigília e experiências místicas, vindo a falecer de desnutrição
aos 32 anos.
Embora não se possa afirmar que a atual concepção de
anorexia nervosa esteja relacionada aos casos de ³anorexia sagrada´,
em virtude de documentação falha e incerteza quanto
às reais motivações, sentimentos e crenças das santas, alguns
paralelos são evidentes: ambas não toleram as conseqüências
do ³comer´, ambas representam ³estados ideais´ (beatitude na
SIII 4
Transtornos alimentares: fundamentos históricos Rev Bras Psiquiatr 2002;24(Supl III):3 -6
Cordás TA & Claudino AM
Itália medieval e magreza no ocidente atual) e evitação da sexualidade,
do egoísmo e do alimento. Em ambos os quadros se
descrevem excesso de atividades, perfeccionismo, constante
vigilância, desinteresse por relacionamentos comuns, auto -suficiência
e preferência por cuidar dos outros ao invés de serem
cuidadas.
Morton é o autor do primeiro relato médico de anorexia nervosa
de 1689, em livro sobre doenças consumptivas, no qual
descreve dois casos de ³consumpção de origem nervosa´. O
autor comenta sobre a influência mútua entre processos mentais
e físicos e ressalta o papel patogê nico das emoções. Estes
quadros não eram acompanhados de febre ou dispnéia, mas
caracterizavam-se pela diminuição do apetite, amenorréia, aversão
à comida, obstipação, emagrecimento extremo e hiperatividade.
O autor se mostra intrigado pela indiferença car acterística
que essas pacientes denotam em relação a seu estado de
desnutrição e pela preservação de suas faculdades mentais
básicas.4
Vários relatos médicos estão descritos na literatura desde
então, porém sem receberem a atenção merecida, como o trabalho
publicado em 1860, em Paris, por Louis -Victor Marcé
intitulado ³i  &     
&   &    
 + ´.5 É ainda na segunda metade do século
XIX que a anorexia nervosa emerge como uma entidade clínica
independente, com sintomatologia e patogenia distintas, com
os relatos quase que simultâneos em 1873, do médico inglês
Gull e do psiquiatra francês Lasègue. Gull parece receber certa
prioridade na literatura médica pelo fato de ter feito rápida referência
à ³Apepsia Ristérica´ em uma conferência anual da
³British Medical Association´ em 1868.6
Esta referência, no entanto, passou despercebida por cinco
anos até que em abril de 1873, Lasègue publi ca o artigo ³De
l¶anorexie hystérique´*uma contribuição à nosologia dos ³distúrbios
dos órgãos digestivos que ocorrem no curso da histeria´.
O psiquiatra descreve neste artigo os achados clínicos de
oito pacientes, de 18 a 32 anos de idade, e ressalta a o rigem
psíquica (causa primária) dessa doença: focaliza a fenomenologia
distinta da anorexia histérica na crença mórbida de que o alimento
é lesivo e deve ser evitado. Ele identifica ainda outras
características psicopatológicas relativas a inseguranças pes soais
e busca por aprovação, e ressalta a contribuição familiar
para manutenção dos sintomas.
Em outubro de 1873, Gull apresenta o tema ³Anorexia Nervosa´
para a ³Clinical Society of London´, publicado apenas em
1874. O médico descreve três casos referindo que o quadro
costuma ocorrer em mulheres entre os 16 e 23 anos e ocasionalmente
em homens da mesma faixa etária. Em sua descrição, Gull7
(1874) se volta mais para os achados clínicos decorrentes da
inanição prolongada, tais como a caquexia, a perda de ape tite, a
amenorréia, a constipação e a diminuição dos sinais vitais, embora
também aponte o componente psicológico (sem, no entanto,
priorizá-lo) e indique a necessidade de que o responsável
pelo tratamento assuma uma postura moral mais autoritária
perante a paciente.
É provável que Charcot tenha sido o primeiro a detectar, por
volta de 1889, o aspecto psicopatológico central que motivava
as mulheres anoréticas a jejuar: a ³idée fixe d¶obesité´ ou fobia
de peso.8 Outros médicos franceses teriam feito referê ncias ao
medo de engordar na época, aspecto que não teria ocorrido em
países de língua anglo -saxônica antes da virada do século. Em
1903 Janet descreve o caso de uma moça de 22 anos (Nadia),
como ³anorexia mental´. Durante as consultas não parava de
perguntar: ,+!&    
 -.           
 %(Você acredita que eu estou tão magra quanto da última
vez? Por favor, diga-me que serei sempre magra).
Assim como Nadia, que apresentava vergonha e aversão ao
corpo feminino, na anorexia, o desejo de emagrecer relacionava -
se à tentativa de retardar a maturidade sexual. Janet distinguiu
duas formas de anorexia com base na presença ou ausência
de fome: uma obsessiva, na qual a fome esta va mantida, e
outra, histérica, na qual as pacientes a perdiam.9
A partir de 1914, ocorre uma mudança marcante na compreensão
da anorexia nervosa, que passa a ser vista como uma doença
puramente orgânica (somática) quando Simmonds descreveu
um caso fatal de caquexia, no qual a autópsia revelou atrofia
do lobo anterior da hipófise. A anorexia nervosa passou a ser
confundida com a Doença de Simmonds (hipopituitarismo) com
sérias implicações terapêuticas.10
O restabelecimento do conceito clássico de anorexia n ervosa
só ocorre após, aproximadamente, trinta anos quando Sheehan
& Summers11 (1949) apontam que, apesar de existirem sintomas
comuns entre os dois quadros, não havia evidências clínicas
de redução da função hipofisária nem anormalidades
histológicas significativas da glândula na anorexia nervosa.
Ao longo de sua história, a anorexia nervosa também foi vista
como um sintoma inespecífico, passível de manifestação em
praticamente todos os diagnósticos psiquiátricos que levem a
acentuada perda de peso. T al concepção provavelmente decorreu
da existência de aspectos inespecíficos presentes em sua
psicopatologia tais como alterações cognitivas, afetivas e
comportamentais, provocadas pela inanição.12
Outra forma de se conceber a anorexia nervosa foi como vari ante
de outras doenças psiquiátricas, principalmente da histeria,
13 da esquizofrenia,14 do transtorno obsessivo15 e da doença
afetiva.16
A partir de 1960, o número crescente de pacientes com
anorexia nervosa e as tentativas de distinguir diferentes tipos
de pacientes com o quadro, parecem ter contribuído para o
reconhecimento da doença como síndrome psiquiátrica específica,
com aspectos característicos que a distinguem de outros
transtornos. Rilde Bruch trouxe importante contribuição
para a compreensão de aspectos psicopatológicos comuns
na anorexia nervosa. Esta autora propôs que a psicopatologia
central da anorexia nervosa compreendia uma constelação
específica de deficiências do ego e da personalidade, consistindo
em três áreas de perturbação do funciona mento: transtornos
da imagem corporal; transtornos na percepção ou interpretação
de estímulos corporais (como reconhecimento da
fome) e uma sensação paralisante de ineficiência que invade
todo o pensamento e atividades da paciente.2 Crisp consideSIII
5
Rev Bras Psiquiatr 2002;24(Supl III):3 -6 Transtornos alimentares: fundamentos históricos
Cordás TA & Claudino AM
rou a anorexia nervosa como ³um estado de fobia de peso´ no
qual as pacientes buscavam evitar as demandas biológicas e
psicológicas da puberdade a través da manutenção do peso
em um nível pré-pubertário.17
Na década de 1970, começam a surgir critérios padronizados
para o diagnóstico da anorexia nervosa com base nos distúrbios
psicobiológicos e psicopatológicos, desenvolvidos para
atender tanto as necessidades clínicas como as de pesquisa.18,19
De modo geral, os critérios ressaltaram: a perda considerável de
peso, a preocupação mórbida com o risco de engordar, alterações
na percepção corporal e disfunções endócrinas (ex.
amenorréia), aspectos concebidos como diagnósticos de
anorexia nervosa pelos atuais sistemas classificatórios.20,21
 p 
p
Desde a primeira descrição da Bulimia Nervosa (BN) por Gerald
Russell22 (1979), o conhecimento deste quadro como entidade
nosológica distinta tem avançado rapidamente, graças à proliferação
de grupos de pesquisa em vários países. Este fato é, principalmente,
reflexo da importância clínica e epidemiológica que a
BN vem demonstrando, superando em número de publicações, o
interesse pela sua ³irmã mais velha´, a Anorexia Nervosa.
A BN é caracterizada, em sua forma típica, pela ingestão compulsiva
e rápida de grande quantidade de alimento, com pouco
ou nenhum prazer, alternada com comportamento dirigido para
evitar o ganho de peso (como vomitar, abusar de laxantes e
diuréticos ou períodos de restrição alimentar severa) e medo
mórbido de engordar.
O vômito auto-induzido é extremamente comum, sendo encontrado
em até 95% dos pacientes, provavelmente pelo seu
efeito de redução imediata da ansiedade.23 É interessante lembrar
que o comportamento de forçar o vômito é muito antigo e
pode ser encontrado precocemente na história de diferentes
povos da Antiguidade. No antigo Egito, por exemplo, grande
parte do papiro de Eber é dedicado ao estímulo e às virtudes do
ato de vomitar. Segundo Reródoto, os egípcios vomitavam e
usavam purgativos todo mês, por três dias consecutivos, julgando
que ³todas as doenças dos homens são oriundas da
comida´. Na medicina grega é sabido que Ripócr ates também
recomendava a indução de vômitos por dois dias consecutivos
todo mês como um método de prevenir diferentes doenças. Os
romanos criaram o vomitorium, que lhes permitia alimentar -se
em excesso durante os banquetes, e posteriormente vomitar em
local reservado para esta finalidade, às vezes usando uma pena
de ave para estimular o reflexo do vômito na garganta.
Purgantes eram populares já na Idade Média. De fato junto
com os eméticos (medicamentos para induzir o vômito) dominaram
o arsenal terapêutico por muitos anos, sendo tudo o que
um médico podia prescrever na época, prática que foi violentamente
satirizada por Moliére em suas peças.
O termo bulimia tem uma história muito antiga; deriva do grego
³bous´ (boi) e ³limos´ (fome), designando assim um a petite
tão grande que seria possível a um homem comer um boi, ou
quase. Entre os séculos XV e XVIII, diferentes variantes do
termo, como os derivados do latim ³bulimus´ e ³bolismos´ ou
do francês ³bolisme´, com o mesmo significado anterior, foram
empregados na literatura médica na Inglaterra, França, Alemanha
e Polônia.24
Desde há quase um século, pacientes com Bulimia Nervosa,
como o célebre caso Ellen West, descrito por Binswanger, aparecem
na literatura psiquiátrica recebendo outros diagnósticos
(³obsessão da vergonha do corpo´, Janet) na ausência de um
nome mais apropriado.25 Mas ainda, o caso de Ellen West apresenta
todo o corolário de sintomas que hoje nos permitiria o
diagnóstico, como medo de engordar, marchas exageradas (20 -
25 milhas por dia), apetite voraz alternando -se com dietas restritivas
e abuso de tabletes tireoideanos para perder peso.
A sonhadora Ellen, que faz poesias, lê Rilke, Goethe, Tennyson
e Mark Twain, apresenta períodos de melancolia, descreve -se
como alguém com ³compulsão de ter de pensar em comer´ e,
mesmo internada num dos melhores sanatórios da época, o
³Kreuzlinger´, e atendida por Bleuler, a pedido de Binswanger,
não obtém qualquer melhora, cometendo o suicídio com
ingestão de veneno.
Inicialmente descrito entre pacie ntes com anorexia nervosa e
posteriormente entre obesos (anos 50), em meados da década
de 70, pesquisadores identificaram sintomas bulímicos entre
mulheres jovens de peso normal.26 A descrição histórica de 30
casos por Russell, em 1979, sugeria que o quadr o seria uma
estranha evolução da Anorexia Nervosa e, particularmente, do
subgrupo dos anoréxicos bulímicos. Essas pacientes possuíam
um ³impulso irresistível para comer excessivamente´, seguido
de vômitos auto-induzidos como forma de purgação e um medo
mórbido de engordar. A perda de peso mínima ou ausente, refere
Russell, caracterizaria os piores medos das pacientes tornando -
se realidade.22 Estudos posteriores demonstraram, no entanto,
que apenas 20% a 30% dos pacientes bulímicos apresentavam,
em sua história pregressa, um episódio de anorexia nervosa,
geralmente de curta duração.27 Nomes diferentes já foram
dados ao quadro, incluindo hiperorexia nervosa, bulimarexia,
bulivomia, síndrome do caos alimentar, bulimia e, finalmente,
Bulimia Nervosa, termo hoje, de aceitação geral.28
O p
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Psychobiology and treatment of anorexia nervosa and bulimia nervosa.
Washington (DC): American Psychiatric Press; 1992. p. 3 -17.

DISTÚRBIOS DA CONDUTA ALIMENTAR:


ANOREXIA E BULIMIA NERVOSAS
DISORDERS OF EATING BERAVIOUR: ANOREXIA NERVOSA AND BULIMIA
Rosane Pilot Pessa Ribeiro1; Paulo César Monteiro dos Santos2 & José Ernesto dos Santos3
pDocente do Departamento de Enfermagem Materno -Infantil e Saúde Pública da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto -USP,  Médico
Psiquiatra, Doutor em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP;
Docente do Departamento de Clínica Médica
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP.
CORRESPONDÊNCIA: Prof.Dr. José Ernesto dos Santos ± Departamento de Clínica Médica
da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo - Campus Universitário - CEP: 14048-900 - Ribeirão Preto
- SP; FAX: (016) 633-1144;
E-mail: jedsanto@fmrp.usp.br
RIBEIRO RPP; SANTOS PCM & SANTOS JE. Distúrbios da conduta alimentar: anorexia e
bulimia
nervosas. â   pO
p
pp 45-53, jan./mar. 1998.
Oâ pA anorexia e a bulimia nervosas são di stúrbios da conduta alimentar, que se
caracterizam
pela abstenção voluntária dos alimentos e pela ingestão compulsiva, seguida de vômitos,
respectivamente. Compreendem, sindromicamente, uma série de distúrbios psicológicos e
comportamentais,
associados a alterações somáticas, características de desnutrição do tipo marasmática,
principalmente nos casos de anorexia nervosa. Esses quadros têm sido descritos
predominantemente
em adolescentes do sexo feminino, de classe sócio -econômica média e alta, quase sempre
em países desenvolvidos.
Neste trabalho, são apresentadas características do diagnóstico clínico, antropométrico e
laboratorial de sessenta e oito pacientes, atendidos no Ambulatório de Distúrbios da Conduta
Alimentar
e do Peso, do Rospital das Clínicas d a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP, no
período entre 1982 e 1997.
Considerando que essas síndromes têm elevada prevalência e são acompanhadas de alta
morbidade, é preconizado o melhor conhecimento de suas manifestações clínicas, tanto no
meio
médico como no populacional, a fim de que o diagnóstico possa ser definido o mais
precocemente
possível, facilitando o tratamento e favorecendo o prognóstico.
@Oâ pDistúrbios Alimentares. Anorexia Nervosa. Bulimia. Distúrbios Nutricionais.
Nutrição do Adolescente.
prevalência, não só nos países desenvolvidos, onde
subsistem as características econômicas e sócio-culturais
para o seu desencadeamento, como, também, nos
países do terceiro mundo(1,2,3).
Ao mesmo tempo, devido ao seu quadro clínico
intrigante e de mau prognóstico, estes transtornos têm
merecido a atenção crescente dos profissionais da área
da saúde e da sociedade.
Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: NUTRIÇÃO CLÍNICA
31: 45-53, jan./mar. 1998 Capítulo IV
/0 1 * 
     
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A anorexia e a bulimia nervosas são distúrbios
da conduta alimentar que vêm apresentando elevada
45
46
RPP Ribeiro; PCM dos Santos & JE dos Santos
1. ANOREXIA NERVOSA
Descrita, inicialmente, por Morton, em 1694(4),
como consumpção nervosa, a anorexia nervosa afeta,
principalmente, jovens adolescentes, do sexo feminino,
que voluntariamente reduzem a ingestão alimentar
por um medo mórbido de engordar, com perda progressiva
e desejada de peso, chegando a graus extremos
de caquexia, inanição e até à morte. Como síndrome
psicossomática, compreende alterações somáticas, importantes,
caracterizadas pela desnutrição proteicocalórica
e amenorréia, além de distúrbios psicológicos
como depressão, fobia, compulsões, preocupação
obsessiva com os alimentos, distorção de imagem corporal,
entre outros(5).
A etiopatogenia inclui um conjunto de fatores
de ordem biológica, psicológica, familiar e sócio -cultural,
e não, como no passado se tentou atribuir, fatores
isolados(6). O amplo espectro de distúrbios psicológicos
e comportamentais que integram a síndrome
sugere que a sua origem seja psicogênica, embora de
natureza obscura. Dentro dessa linha, admite -se que a
anorexia nervosa ocorra, com grande freqüência, em
famílias de alto nível social, que apresentam padrões
inadequados ou destrutivos de relacionamento interpessoal,
caracterizados por uma aparente harmonia,
mas por poderosos conflitos subjacentes. Valorizam
mais o sucesso e o jogo de aparências do que a verdadeira
realização pessoal dos seus membros. A jovem
pré-anoréxica se adapta muito bem às expectativas parentais,
pois, pela sua inteligência, obediência, perfeccionismo
e dedicação aos estudos, colabora para manter
a aparente harmonia da vida familiar, mesmo em
detrimento da sua própria personalidade em formação(7).
Porém, com o início da adolescência e o conjunto
de mudanças de esfera biológica, psicológica e
social, esta jovem, aparentemente bem ajustada, é
invadida por sentimentos de ineficiência, desamparo
e descontrole sobre o seu corpo e sua vida. Assim, a
busca desesperada pela magreza representa o esforço
para readquirir o controle e a harmonia perdidos(8).
A medida em que a doença progride, muitas
vezes, iniciando com dietas para emagrecer, aliadas a
programas exaustivos de exercícios físicos, o emagrecimento
tende a se acentuar. E é justamente pelo quadro
de desnutrição que os familiares buscam tratamento
médico, muitas vezes, com resistência por parte do
paciente.
A incidência mundial é estimada em 1:100.000(9),
porém, se considerarmos apenas as mulheres jovens e
brancas, de países desenvolvidos, esta taxa se eleva
para 1:200(10). Rá evidências de que a incidência esteja
aumentando nas últimas décadas, em países como os
Estados Unidos e os da Europa(11,12), além de ser oportuno
considerar os grupos de risco, ou seja, pessoas preocupadas
com o peso e a forma física (modelos, bailarinas,
aeromoças e artistas) no aumento da incidência.
O diagnóstico da anorexia nervosa é feito segundo
os critérios estabelecidos pelo DSM-IV(13)
(Tabela I), sendo fundamental afastar doenças de caráter
tumoral, hormonal, gastrointest inal, além de certos
quadros psiquiátricos, como a depressão e a esquizofrenia
(Tabela II).
2 - BULIMIA NERVOSA
A bulimia nervosa foi caracterizada como síndrome
distinta, a partir da década de 80, pois, anteriormente,
figurava apenas como sintoma coadjuvante à
anorexia nervosa. Russel, em 1985(14), considera o fato,
devido à supreendente mudança que a anorexia nervosa
vinha sofrendo nas suas formas de depressão/ou
apresentação clínica, em provável resposta às modificações
ocorridas no contexto sócio-cultural.
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1 - Doenças gastrointestinais e consumptivas
(AIDS, câncer).
2 - Síndrome da artéria mesentérica, superior.
3 - Depressão e esquizofrenia.
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1 - Recusa em manter o peso corporal, ideal ou
acima do peso mínimo para idade e altura.
2 - Medo intenso de ganhar peso ou tornar -se obeso,
mesmo se abaixo do peso ideal.
3 - Distúrbios de imagem corporal.
4 - Amenorréia em mulheres pós-menarca (ausência
de, pelo menos, três ciclos menstruais consecutivos).
Subtipos:
‡ Restritivo: restrição dietética.
‡ Compulsivo/Purgativo: ingestão excessiva/vômitos,
laxativos, diuréticos.
47
Distúrbios da conduta alimentar em Ribeirão Preto
Por definição, esta síndrome se caracteriza por
surtos de ingestão maciça dos alimentos, seguidos por
comportamentos compensatórios de eliminação, por
vômitos, uso abusivo de laxantes, diuréticos e atividade
física excessiva. Esses acessos incontroláveis de
ingestão alimentar ocasionam sentimentos de culpa,
vergonha e depressão pela falta de controle(5).
Comumente, a anorexia nervosa incide em jovens
adolescentes, que apresentam medo intenso de
engordar e distúrbios de imagem corporal. Porém, o
aspecto comportamental sugere que elas se apresentem
mais extrovertidas, com caráter histérico, vida sexual
ativa e, muitas vezes, dependentes de álcool e/ou
drogas.
A etiopatogenia da bulimia nervosa inclui, também,
com grande freqüência, conflitos familiares, história
de abuso sexual na infância e questões sobre o
desenvolvimento de feminilidade, ocasionando assim,
dificuldade de controle de impulsos, depressão crônica,
exagerados sentimentos de culpa e intolerância à
frustração e à ansiedade.
As manifestações físicas, apresentadas por
pacientes com bulimia, não são tão comprometedoras
quanto ao estado nutricional, ao contrário do que é visto
na anorexia nervosa. Vários distúrbios gastrointestinais,
alguns deles sérios, e, mesmo, potencialmente
fatais, são descritos na literatura , como dilatação gástrica
aguda, inclusive com possibilidade de ruptura,
hipertrofia de parótidas, desgaste do esmalte dentário,
esofagite, esvaziamento gástrico, anormal e síndrome
do cólon irritável. A hipopotassemia representa uma
séria complicação, relativamente freqüente, em virtude
da associação dos vômitos crônicos ao uso de diuréticos
e/ou laxativos(13).
Para o diagnóstico da bulimia nervosa, utilizam -
se os critérios estabelecidos pelo DSM-IV(13)
(Tabela III). Faz-se necessário distingui-la da anorexia
nervosa, já que ela pode, também, acontecer como sintoma
coadjuvante da mesma, ou de forma isolada, em
subtipos de doença afetiva, esquizofrenia e obesidade,
quando ocorrem episódios noturnos de voracidade,
com usuários de psicofármacos (particularmente antidepressivos)
e deficientes mentais. A Tabela IV mostra
o diagnóstico diferencial dessa síndrome.
O tratamento dos transtornos alimentares é, quase
sempre, desafiador e complexo, visto que se depara
com um quadro de confusão, perplexidade e, mesmo,
de franco desespero do paciente e de seus familiares.
Assim, várias modalidades terapêuticas específicas são
necessárias e desenvolvidas por equipe multiprofissional.
Entre elas, destacam-se a terapia nutricional, baseada na
orientação e reeducação alimentar, a psicofarmacoterapia,
a psicoterapia individual e a de grupo familiar(15).
Na literatura, poucos trabalhos foram publicados,
mostrando casuísticas e resultados do tratamento
de distúrbios alimentares no Brasil. Santos et al.,(16)
em 1986, fez uma revisão de doze casos de anorexia
nervosa, atendidos no primeiro serviço criado para esse
fim, em 1982, o Ambulatório de Distúrbios da Conduta
Alimentar e do Peso, do Rospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto - USP
(RCFMRP-USP). Mais tarde, em 1990(5), os mesmos
publicam extensa revisão do assunto, abordando aspectos
que incluem desde o reconhecimento das síndromes
até o prognóstico das mesmas, com dados clínicos,
antropométricos e laboratoriais de pacientes
atendidas pelo mesmo serviço.
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1 - Episódios recorrentes de compulsão alimentar,
que pode ser caracterizada por:
a) comer, em período de duas horas, grande
quantidade de alimentos;
b) sentimento de perda do controle alimentar,
durante o episódio.
2 - Comportamento compensatório para prevenir
o ganho de peso: vômitos auto -induzidos, abuso
de laxativos, diuréticos, enemas ou outras
drogas, jejum ou exercícios excessivos.
3 - A compulsão alimentar e comportamentos compensatórios
ocorrem duas vezes/semana, por,
pelo menos, três meses.
4 - Preocupação excessiva com a forma corporal e
o peso.
5 - O distúrbio não ocorre exclusivamente durante
episódios de Anorexia Nervosa.
Subtipos:
‡ Purgativo: vômitos ou abuso de laxativos, diuréticos
e enemas.
‡ Não purgativo: jejum ou exercícios excessivos.
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ppjâp@p
1 - Anorexia Nervosa ± tipo compulsivo/purgativo.
2 - Depressão com características atípicas.
3 - Distúrbios de personalidade.
48
RPP Ribeiro; PCM dos Santos & JE dos Santos
Com tais trabalhos, verifica-se que a existência
de distúrbios alimentares, em países em desenvolvimento,
é notória, e, talvez, subestime-se a sua incidência
devido a diversos fatores, entre eles a negação radical
da síndrome por parte do paciente e de sua família,
retardando ou excluindo, perigosamente, a busca de
assistência médica. Some a isso, ainda, o fato de que
os médicos e a equipe multiprofissional ainda não estejam,
em geral, suficientemente sensibilizados para o
reconhecimento precoce das mesmas e preparados
para tratá-la corretamente.
O fato é que, entre uma coisa e outra ou, na
soma das duas, perde-se um tempo crucial, em que se
poderia ter feito o diagnóstico, senão precoce, pelo
menos, oportuno. E, perda de tempo, nesses casos,
como em tantas outras situações médicas, críticas,
geralmente, significa maior dificuldade em tratar, cronicidade,
deterioração e, mesmo, morte.
3. A EXPERIÊNCIA DA DIVISÃO DE NUTROLOGIA
DA FMRP-USP . ANÁLISE DE SESSENTA E OITO
CASOS EM QUINZE ANOS
Este estudo clínico foi realizado pela análise das
observações e dos registros dos prontuários hospitalares
dos sessenta e oito pacien tes, atendidos no Ambulatório
de Distúrbios da Conduta Alimentar e do
Peso ± RCFMRP-USP, desde o seu início, em 1982, até
outubro de 1997.
Esses casos, em função da sua urgência nutricional,
foram espontaneamente encaminhados, principalmente
por médicos e serviços da cidade e região, na
maioria das vezes, sem diagnóstico e, nos demais, sob
suspeita clínica ou, em poucos casos, com diagnóstico
estabelecido. Vale acrescentar que, raramente, houve
iniciativa pessoal na busca de atendimento médico, o
que só aconteceu sob constrangimento familiar, explicando,
de certo modo, o freqüente retardo no início do
tratamento.
3.1. A primeira entrevista
Devido a esses fatores, a primeira entrevista
foi conduzida de maneira cuidadosa, a fim de amenizar
o clima de conflito entre os familiares e o paciente,
e adquirir a confiança dos mesmos. Nesse sentido,
alguns princípios foram observados: &pevitar exortações,
reprimendas ou ameaças, que apenas reproduzem
situações já bastante conhecidas e muito bem manipuladas
pelo paciente, dentro do contexto familiar;
&pevitar qualquer sugestão que induza o paciente e a
família a se sentirem culpados pelo que está acontecendo;
a idéia a ser passada é que existe um sério
problema de saúde, cuja solução é de responsabilidade
de todos; &padotar uma atitude compreensiva e
afetuosa, mas firme e desenvolta ± própria de quem
conhece o problema que se apresenta, para tratá -lo,
ou pelo menos, dar-lhe o encaminhamento devido.
Adotou-se, nesse primeiro contato, a seqüência
assim resumida: &pconstatação da queixa principal e
motivo da consulta, na presença de todos ± pacientes
e familiares; &pentrevista com o paciente, para realização
de avaliação clínica, incluindo exame físico e
antropométrico geral (peso, altura); &pentrevista com
a família, para averigüar informações dadas pelo paciente
e até complementação das mesmas; &pentrevista
com o paciente e família, para relatar o diagnóstico
e dar noções gerais a respeito da síndrome e suas conseqüências
± particularmente sobre o quadro de des nutrição
e seus efeitos sobre o estado mental e comportamento
± das indicações terapêuticas e do
prognóstico. Na seqüência, pedem-se exames laboratoriais
de rotina, para avaliação do estado nutricional, e
inicia-se o tratamento, sob a forma de hospitalizaç ão
ou regime ambulatorial.
3.1.1. Tratamento ambulatorial e critérios de
internação
Nos casos de início recente do quadro, em que
não houve ainda perda significativa de peso ou, inversamente,
nos casos crônicos com preservação relativa
do estado nutricional, a melhor indicação é a assistência
ambulatorial. Ainda assim, costuma -se alertar
o paciente e família quanto à possibilidade de hospitalização,
se houver algum retrocesso, complicações
médicas ou, mesmo, falta de recuperação satisfatór ia
de peso. Essa advertência antecipada permite dividir
a responsabilidade por uma futura internação e
torná-la mais aceitável, caso venha a se tornar efetivamente
necessária. Caso isso aconteça, adotaram-
se os seguintes critérios para sua indicação:
&pexterna e rápida perda de peso (30% ou mais em
relação ao habitual ou desejável, dentro de um período
de três meses); &palteração de sinais vitais (hipotensão
postural, bradicardia, hipotermia); &pdistúrbios
eletrolíticos, principalmente hipopotassemia (g eralmente,
resultante do abuso de diuréticos/laxativos
ou vômitos recorrentes) e desidratação; &pinfecção
intercorrente em pacientes severamente caquéticos;
&ptentativa de suicídio ou tendência suicida e reações
psicóticas.
49
Distúrbios da conduta alimentar em Ribeirão Preto
Em relação aos parâmetros antropométricos, os
pacientes com AN-R apresentaram os índices mais
baixos, caracterizando quadro de desnutrição de grau
III, enquanto, nos que tinham AN -B, essa deficiência
era menos pronunciada. Os pacientes com BN, do ponto
de vista nutricional, eram eutróficos (Tabela VI).
Concomitante à avaliação antropométrica, quando
do primeiro atendimento, realizou -se a avaliação bioquímica
desses pacientes. Geralmente, poucas alterações
foram detectadas além de níveis séricos de ferro
no limite inferior da normalidade e hiperbetacarotenemia.
O padrão protéico (demonstrado pela albumina e
proteínas totais) foi normal em todos os tipos de distúrbios
alimentares, conforme mostra a Tabela VI I.
A amenorréia foi outro sinal investigado durante
a avaliação clínica, visto que é um dos itens dos
critérios diagnósticos para essas síndromes. Dos sessenta
e quatro pacientes do sexo feminino, nove (14%)
não haviam apresentado menarca na época do prime iro
atendimento. Das mulheres em idade fértil (n = 55),
quarenta (72,7%) estavam em amenorréia há mais de
três meses.
Devido ao risco de dano ósseo, em todas as
pacientes, que se encontram por período longo sem
menstruar, realizamos densitometria óssea, a partir do
ano de 1996. Onze pacientes foram submetidas a tal
avaliação. Observou-se que quatro delas (36,3%) apresentam
quadro de osteopenia em coluna lombar e sete
pacientes (63,6%) já desenvolveram osteoporose, tanto
em coluna lombar como no fêmur. Esses resultados
demonstram a importância dessa avaliação e a necessidade
de indicar esquema de reposição hormonal,
como vem acontecendo nessa
amostra.
O comportamento alimentar,
apresentado pelos pacientes
atendidos nesse período,
foi bastante típico, em
relação ao descrito na literatura.
Nos casos de anorexia
nervosa, notou-se restrição intensa
da ingestão alimentar
(principalmente dos alimentos
mais calóricos, ricos em carboidratos
e gorduras), diminuição
do número de refeições,
caracterizando, muita vezes,
um padrão alimentar típico de
dietas vegetarianas, com exclusão
de carnes vermelhas e
Além dessas situações, a internação pode ser
indicada também a partir de critérios psicossociais,
como deterioração do quadro por grave distúrbio familiar
ou isolamento social, e psicoterapêuticos, como carência
de motivação para o seguimento ambulatorial.
Na abordagem desses distúrbios, a decisão de
hospitalizar ou tratar ambulatorialmente é particularmente
crítica e, qualquer que seja ela, deve fazer
parte de um amplo e bem estruturado plano de tratamento.
Para o paciente internado, o Ambulatório de
Distúrbios de Conduta Alimentar conta com equipe
multiprofissional, composta por médico clínico, psiquiatra,
nutricionista, além do assistente social e enfermei ro,
que desenvolvem as modalidades terapêuticas
propostas.
3.2. Quadro clínico, laboratorial e antropomé -
trico
Durante esses quinze anos de funcionamento,
sessenta e oito pacientes foram atendidos no Ambulatório
de Distúrbios da Conduta Alimentar e do
Peso ± RCFMRP-USP. Desses, quarenta e sete pacientes
receberam o diagnóstico de anorexia nervosa,
tipo restritivo (AN-R), dezessete pacientes com tipo
compulsivo/purgativo ou bulímico (AN-B) e quatro
apresentavam bulimia nervosa (BN). Conforme mostra
a Tabela V, a maioria era do sexo feminino (n =
64) com idade variando de onze a cinqüenta e dois
anos, conforme o diagnóstico. Vale notar que os casos
de bulimia nervosa (BN) eram com pacientes de idade
mais avançada que a daqueles com anorexia nervosa,
do tipo restritivo (AN-R).
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AN-R AN-B BN
Ripótese Diagnóstica 47 (69%) 17 (25%) 4 (6%)
Sexo: Feminino 44 16 4
Masculino 3 1 -
Idade .p20 8 22 9 25 4
(anos) (11 - 41) (12 - 52) (22 - 32)
AN-R = anorexia nervosa, tipo restritivo.
AN-B = anorexia nervosa, tipo bulímico.
BN = bulimia nervosa.
.pX SD (variação).
50
RPP Ribeiro; PCM dos Santos & JE dos Santos
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AN-R AN-B BN Valores de referência
IMC (Kg/m2 ) 15,0 3,6 17,7 3,9 20,8 2,5 19 - 24
Perda de peso (%) 26,5 11,2 23,4 13,4 - -
PCT (mm) 5,2 3,1 10,9 7,5 16,5 6,6 16,5
CB (cm) 18,1 4,6 21,4 4,5 26,1 2,0 28,5
CMB (cm) 15,5 3,1 17,9 2,7 20,8 1,4 23,2
IMC = índice de massa corporal (P (kg)/altura2 (m)).
PCT= prega cutânea triciptal.
CB= circunferência braquial.
CMB= circunferência muscular do bra ço (CMB= CB - p x PCT).
predomínio de alimentos reguladores, como frutas e
vegetais. Além disso, o uso de alimentos dietéticos foi
freqüente (refrigerantes, adoçantes) e até a ingestão
de água mostrou-se bastante prejudicada. Outros comportamentos,
de caráter obsessivo, em relação à alimentação,
foram detectados: &p cortar os alimentos
em pedaços bem pequenos e remexe -los no fundo do
prato antes de ingeri-los; &p mastigar lentamente pequena
quantidade de alimento e depois, cuspir; &pesconder
os alimentos ou jogar fora, dizendo para a família
que a ingestão dos mesmos aconteceu; °&pevitar
comer na presença de outras pessoas; (&pobservar,
curiosamente, as refeições alheias e insistir para que
os outros comam de tudo; 1&pfiscalizar a cozinha e a
despensa, fazendo compras no supermercado; %&pcolecionar
receitas culinárias, preparar pratos e demonstrar
singular interesse por Nutrição.
Nos casos de bulimia nervosa, a ingestão alimentar,
nos momentos de compulsão, era muito alta,
prejudicando, até, o cá lculo calórico, por dificuldade
dos pacientes precisarem as quantidades dos alimentos.
Além disso, os episódios de vômitos, autoprovocados
ou espontâneos, estavam sempre presentes, às
vezes concomitantes ao uso de laxantes e diuréticos.
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p  p p,!-âO
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AN-R AN-B BN
Albumina (g/dl) 4,6 0,7 4,9 0,7 5,1 1,0
Proteínas totais (g/dl) 7,4 1,0 7,5 0,7 7,6 1,0
Ferro (ȝg/dl) 89 37 86 20 85 52
TIBC (ȝg/dl) 288 98 285 69 389 106
b - caroteno (ȝg/dl) 189 107 220 127 148 8,2
Vitamina C (mg/dl) 0,32 0,15 0,39 0,1 0,39 0,19
TIBC = capacidade total de ligação do ferro.
51
Distúrbios da conduta alimentar em Ribeirão Preto
3.3. Abordagem terapêutica
3.3.1. Evolução clínica
Conforme comentado anteriormente, o tratamento
se desenvolveu, de preferência, a nível ambulatorial,
salvo em alguns casos, em que os pacientes se
encontravam gravemente desnutridos e com complicações
clínicas de alto risco.
Ao todo, vinte e sete pacientes necessitaram de
internação hospitalar (39,7%), a maioria deles (92,5%)
portadores de anorexia nervosa.
O período de internação variou bastante, mas,
na maioria dos casos, quase nunca foi inferior a quatro
semanas. Alguns pacientes (n = 5) tiveram mais de
um período de internação.
A análise da evolução ponderal mostrou -se, na
maioria das vezes, bastante positiva. A média de recuperação
de peso foi de 5,1 Kg, nos casos de anorexia
nervosa. Aqueles pacientes com bulimia nervosa
(n = 2) chegaram a perder peso (em média 2,2 Kg),
devido ao controle alimentar, conseqüente à diminuição
dos episódios, ingestão compulsiva e vômitos. Esse
resultado é explicado pelo fato de estarem esses pacientes
sempre entre o limite normal e superior de seu
peso.
Durante a internação hospitalar, procurou -se
adotar a via oral como preferencial, para oferecer os
nutrientes necessários para a recuperação. No entanto,
alguns pacientes com anorexia nervosa apresentaram
dificuldade em alcançar a ingestão mínima, recomendad a,
por mais que ela fosse individualizada com
as suas preferências alimentares. Nessas situações, o
suporte nutricional foi indicado para prover o aporte
de calorias e nutrientes, sendo pela sonda enteral o de
primeira escolha, em dez pacientes. Optou -se por fórmulas
poliméricas, administradas, de preferência, por
bomba de infusão, no período noturno, para que, durante
o dia, as refeições pudessem ser ingeridas.
O tratamento da anorexia nervosa e bulimia tende
a ser árduo, prolongado e de resultados duvidosos
e, muitas vezes, insatisfatórios. Isso se deve, em parte,
às condições inerentes à doença que, na sua complexidade
e rebeldia, representa um desafio a qualquer esforço
terapêutico. Por outro lado, existem os mecanis mos
de negação, acionados pelos pacientes e seus
familiares, no sentido de negar a gravidade, quando
não, a própria existência do problema. Com isso, freqüentemente,
não existe a mínima cooperação para o
auxílio e a possibilidade de sucesso.
3.4. Análise dos resultados
Nos resultados apresentados, observou-se que
as características da casuística, obtidas ao longo desses
quinze anos, mostraram-se em concordância com
dados encontrados na literatura mundial, ou seja, a
maioria dos pacientes era do sexo feminin o, prevalecendo
os adolescentes, sendo mais comuns os casos
de anorexia nervosa, do tipo restritivo. Conseqüentemente,
deparou-se com quadros de extremo emagrecimento,
sem, contudo, se encontrarem alterações bioquímicas
importantes. Concluímos ser a desnutrição
desses pacientes, freqüentemente, do tipo marásmica,
com grande adaptação orgânica à diminuição da oferta
calórica e concomitante aumento da atividade física,
como forma adicional de provocar a perda de peso
e adquirir a tão desejada magreza. D ados semelhantes
a esta análise realizada por Santos(17) vêm a corroborar
os indicativos antropométricos e bioquímicos, característicos
dessas síndromes.
Algumas vezes, a recuperação nutricional não
foi obtida a nível de ambulatório, e a indicação de inter nação
hospitalar foi necessária, para reverter as complicações
clínicas da anorexia nervosa (desidratação,
desnutrição grave) e da bulimia (desequilíbrio hidroeletrolítico,
ingestão compulsiva e maciça dos alimentos,
seguida de vômitos).
A evolução clínica, durante o seguimento, foi
variável, com alta taxa de abandono do tratamento
(n = 39; 57,3%) após alguns atendimentos, principalmente
naqueles casos em que o estado geral do paciente
não era grave o suficiente para permitir a adesão
imediata ao serviço. Dois casos de anorexia nervosa
(2,9%) evoluíram para óbito, em regime de internação.
Atualmente, cerca de vinte pacientes estão em
acompanhamento, alguns devido à cronicidade das
doenças, outros que se encontram no início do tratamento,
com boa evolução, e vários casos em quase
recuperação completa.
Na literatura, poucos dados são encontrados
sobre o prognóstico dessas síndromes devido, principalmente,
a dificuldades metodológicas. Nemiah(18)
identificou, na sua amostra, 70% de cura ou melhora
clínica dos seus casos, 22% de cronicidade e 8% de
mortalidade, este último item bem maior do que o encontrado
nesta casuística. Ainda sobre mortalidade,
existe relato de porcentagem ainda maior (20%) na
Suécia, segundo Theander(19).
Esses dados só tendem a reforçar a importância
dos esforços terapêuticos, que devem sempre se basear
em programas multidisciplinares, que promovam
a reabilitação nutricional com base na reeducação
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RPP Ribeiro; PCM dos Santos & JE dos Santos
alimentar, acompanhamento clínico, psicol ógico, comportamental
e familiar, que visam abranger todos os
intrigantes aspectos somáticos, psicológicos, familiares
e sociais que se apresentam nos casos dos distúrbios
alimentares.
Devido ao aumento da incidência, nos países
desenvolvidos do mundo ocidental, nota-se grande
preocupação dos cientistas em aperfeiçoar os métodos
diagnósticos e terapêuticos que possam resultar
na detecção de fatores de risco em grandes segmentos
populacionais e no desenvolvimento de programas comunitários
preventivos.
No nosso meio, apesar de não existirem dados
concretos, podemos considerar, diante da experiência
obtida e aqui mostrada, que haja subestimação da presença
dos distúrbios alimentares, principalmente nos
grandes centros urbanos e regiões mais desenvolvidas
do país. Tal fato, associado à alta morbidade e mortalidade
já detectada, exige imediata divulgação do quadro
clínico dessas síndromes, nos meios de comunicação
de massa, preparo e sensibilização dos médicos
para o diagnóstico, diminuição da negação dos sinto mas
por parte do paciente e familiares, favorecendo,
assim, a busca por assistência médica e, finalmente,
formação de equipes multidisciplinares que promovam,
o quanto antes, tratamento específico, a fim de serem
evitadas a cronicidade e a morte.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem a todos os profissionais
que participaram da assistência aos pacientes atendidos
e colaboraram com a revisão dos dados aqui apresentados,
em especial a Dra. Silviane Vianna, Dra.
Maria Cristiane Rafael de Farias, Dr. Fernando B.
Chueire, Dr. Dênis Eduardo Bertini Bó, Dr. Evaldo dos
Santos, Dra. Ingrid Dick de Paula, Prof. Dr. Júlio Sérgio
Marchini, enfermeira Maria do Rosário Del Lama
Unamuno, nutricionista Milene Goretti A. Ferronato e
funcionários da Unidade Metabólica ± RCFMRP-USP.
RIBEIRO RPP; SANTOS PCM & SANTOS JE. Disorders of eating behavior: Anorexia nervosa
and bulimia.
â   pO
p
pp 45-53, jan./march 1998.
 O!: Anorexia nervosa and bulimia are eating disorders characterized by voluntary
abstinence from food and by compulsive ingestion followed by vomiting, respectively. They
syndromically consist of a series of psychological and behavioral disorders associated with
somatic changes characteristic of malnutrition of the marasmus type, especially in c ases of
anorexia nervosa. These disorders have been predominantly reported for adolescent girls of
middle to upper socioeconomic class, and almost always in developed countries.
In the present study we report the characteristics of the clinical, anthropome tric and laboratory
diagnosis of 68 patients seen at the Outpatient Clinic for Disorders of Eating Behavior and of
Weight of the University Rospital, Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, USP, from 1982 to
1997.
Considering that these syndromes are highly prevalent and are accompanied by high morbidity,
a better understanding of their clinical manifestations is recommended both at the medical and
populational level, so that a diagnosis may be made as early as possible, facilitating treatment
and favoring prognosis.
@Oâ: Eating Disorders. Anorexia, Nervosa. Bulimia. Nutrition Disorders. Adolescent
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