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Mariah Brixner Nunes

SAMU: A HISTÓRIA DO SOCORRO SISTEMATIZADO EMERGENCIAL

Universidade de Caxias do Sul


Faculdade de Medicina
Curso de Graduação

Caxias do Sul - RS
2019
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1. INTRODUÇÃO
O atendimento pré-hospitalar é caracterizado por ser qualquer assistência realizada fora
desse espaço físico, fazendo uso, direta ou indiretamente, dos meios e métodos disponíveis àquele
tempo, provendo uma resolução a demanda de saúde do paciente. Essa resolução pode ser tanto
uma orientação médica ou encaminhamento básico ao paciente, quanto o envio de transporte de
suporte básico ou avançado ao local da solicitação, visando o fim comum de manutenção da vida e
redução de sequelas.

A área de atuação médica contemplada é recente, implantada nos últimos 20 anos no


Brasil. No entanto, a demanda de socorro sistematizado emergencial vem de um histórico ligado à
instituição militar e a falta de meios disponíveis para tratar doentes e feridos em ambiente não
hospitalar. Por caracterizar uma necessidade às vítimas de situações críticas, vários modelos de
atendimento emergencial regionais foram criados em vários municípios do Brasil, devido à ausência
de legislação pertinente. Posteriormente, foi implantado a nível nacional, o serviço de atendimento
pré-hospitalar com acesso telefônico gratuito, disponível para toda a população, o SAMU, conforme
modelo francês da década de 501.

O SAMU, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, é uma estrutura móvel


constituída, basicamente, por ambulâncias e profissionais da saúde; ele atende a demandas clínicas
de diferentes níveis de complexidade, em um amplo território geográfico. Esse sistema
medicalizado de atendimento pré-hospitalar vem sendo realizado desde outubro de 1996.
Posteriormente, o projeto SAMU 192 foi o primeiro produto do Plano Nacional de Atenção as
Urgências criado pelo Governo Federal em 2003 e regido pelo Ministério da Saúde, essa Política
teve o intuito de estruturar e organizar essa rede de urgência e emergência no país2.

O presente artigo busca reunir informações históricas a fim de inteirar o leitor


rapidamente a respeito de como ocorreu a criação e estruturação dos serviços de atendimento pré-
hospitalar, como o SAMU e relacionar às influências dos modelos mundiais na implantação.

2. METODOLOGIA

A pesquisa foi baseada no referencial do acervo de materiais em sites indexados e bases


de dados como SciELO, PubMed e Google Acadêmico relacionados à formulação e implantação do
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) no Brasil.
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3. PALAVRAS-CHAVE

Utilizou-se: SAMU; atendimento pré-hospitalar; urgência; emergência;

4. OBJETIVO

Por meio de uma revisão bibliográfica de sites indexados e bases de dados, objetivou-se
levantar informações e estudos acerca da implantação do Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (SAMU) e suas raízes históricas.

5. SISTEMA DE ATENDIMENTO MÓVEL DE URGÊNCIA: IMPLEMENTAÇÃO E


FUNÇÃO
5.1. História do Atendimento Pré-Hospitalar

O início do socorro sistematizado emergencial, que buscava prestar atenção às vítimas


de situações críticas de saúde se deu durante a guerra civil americana onde muitas vidas de soldados
eram perdidas por falta de atendimento imediato. Providências para agilizar o atendimento aos
feridos, ainda no campo de batalha, foram implementadas; levando em conta segurança da cena
(evitar a ocorrência de novas vítimas), exame básico primário (tratamento das lesões que
colocam em risco a vida) e a própria questão da rapidez do transporte (para o local de
tratamento definitivo), são oriundos dessa época3.

O principal componente do serviço emergencial é a unidade móvel, que teve sua projeção
e marco de criação feita pelo médico Dominique Jean Larrey (1766–1842), considerado “Pai da
Medicina Militar”. Era cirurgião do exército napoleônico e identificou a demanda de resgate dos
feridos ainda durante as guerras4. Larrey, frente a necessidade de estabelecer um atendimento
imediato, projetou Unidades de Transporte de feridos, batizadas de “ambulâncias voadoras”, pois
tinham como principal característica a velocidade. Essa velocidade se dava pelo uso, inicialmente,
de dois cavalos, madeira leve, rodas pequenas e teto redondo.

Ao longo do século XIX o atendimento aos soldados em campo de guerra continuou, isso
levou à estruturação da Cruz Vermelha Internacional, em 1863 5. A sua atuação principal se deu nas
Guerras Mundiais do século XX, explicitando o início dos cuidados de manutenção da vida já no
local de batalha.

Ademais, a nível mundial o cuidado pré-hospitalar nos campos de batalha se intensificou


ainda mais nas guerras do Vietnã e Coréia, efetivando a diferença que esses cuidados fazem na
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manutenção da vida. A rapidez na remoção dos feridos dos campos de batalha somados à
estabilização desses pacientes durante o transporte comprovou uma redução significativa na
mortalidade. A partir desse período as técnicas e protocolos foram aprimorados à medida que novas
situações de emergência apareciam e foi dado mundialmente um maior destaque às situações de
socorro emergencial no campo de guerra e militaria.

Nos anos 60, na França foi detectada por parte dos médicos uma desproporção entre o
avanço dos tratamentos hospitalares e o atraso nos meios disponíveis para o tratamento pré-
hospitalar existentes na época. Foram criados oficialmente, em 1965, os Serviços Móveis de
Urgência e Reanimação (SMUR), além das Unidades Móveis Hospitalares (UHM). Somados a
criação da ambulância por Larrey e da demanda das situações de guerra, em 1986 iniciou o SAMU,
“Service d'Aide Médicale d'Urgence” da França4. Dessa forma, instituíram-se equipes de socorro e
treinamentos adequados para o atendimento “in locus”, buscando aumentar as chances de
sobrevivência dos pacientes, tendo em vista que o início dos cuidados básicos e avançados se daria
muito antes da chegada no hospital. A importância da participação médica no local do ocorrido se
dá nos cuidados essenciais focados na reestruturação da ventilação, respiração e circulação de
maneira adequada e imediata.

5.2. Implantação do SAMU no Brasil

Já no Brasil, a atenção e o atendimento pré-hospitalar estão, também, diretamente


interligados à instituição militar e suas necessidades básicas. Data de 1893 a aprovação da lei, pelo
Senado da República, que pretendia implementar um socorro médico de urgência na via pública, no
Rio de Janeiro. Em 1899, o Corpo de Bombeiros também do Rio de Janeiro (CBMRJ), onde
inclusive na época se localizava a capital do país, introduziu a primeira ambulância, também
movida atração animal como o modelo francês, com o fim de realizar o primeiro atendimento ao
paciente fora do ambiente hospitalar.

Posteriormente, em São Paulo, foi promulgado o Decreto nº 395 em 7 outubro de 1893,


deixando o atendimento às emergências médicas ficou sob a responsabilidade dos médicos que
compunham o Serviço Legal da Polícia Civil. Já em 1910, através do Decreto nº 1392, a presença
de médicos no local de incêndios ou outros acidentes tornou-se obrigatória1.

Tendo em vista o objetivo foi o de integrar a atenção às urgências, na década 60 houve


uma tentativa inicial de implantar o serviço de atendimento pré-hospitalar no país, através de uma
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política nacional, denominada Serviço de Atendimento Médico Domiciliar de Urgência (SAMDU).


O qual tinha a finalidade de promover o atendimento imediato às residências contando com um
médico ou acadêmico responsável. O SAMDU foi considerado um órgão da então Secretaria
Municipal de Higiene e era regido pelo Decreto Estadual nº 16629 no estado de São Paulo, ficando
como responsabilidade do município, o atendimento de urgência1.

O atendimento pré-hospitalar no Brasil ao longo das décadas subsequentes se deu de


maneira diversificada, vários Estados desenvolveram sistemas de atendimento às urgências e
emergências de caráter tanto público quanto privado. A ausência de uma legislação a nível nacional
fez com que diversas estruturas fossem encontradas espalhadas pelo país, embora, mantendo os
princípios fundamentais de promover um atendimento rápido, preciso e eficaz, colaborando
diretamente na redução de danos secundários às maiores causas de trauma.

Após o início da discussão referente ao Atendimento Primário foi firmado um acordo


bilateral com a França, devido a uma solicitação do Ministério da Saúde, optando por implantar o
modelo francês de atendimento, SAMU, no Brasil. O coordenador do primeiro SAMU brasileiro e
idealizador da implantação do modelo francês e sua adaptação foi José Roberto Hansen, o qual
organizou as mudanças necessárias à realidade do país, buscando manter a qualidade de
atendimento5.

Posteriormente, atendendo às determinações da Política Nacional de Atenção às


Urgências, em 2003, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência foi inaugurado. Através da
Secretaria Municipal de Saúde de cada cidade o Serviço estava disponível em diversos estados
como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do sul6.

A primeira unidade do SAMU, dentre as cidades citadas, foi implementada na cidade de


Campinas, considerada versão teste uma vez que era coordenada por José Roberto Hansen, um dos
precursores do projeto SAMU. A procura pelo novo serviço foi muito bem sucedida, o Serviço
atendeu, no ano de 2005, um total de 64.131 ocorrências; divididas em 21.722 com envio de
ambulância do SAMU e 42.409 com triagem médica para envio de transporte5.

Desde que houve a publicação da portaria, em 2003, instituindo essa política a nível
nacional, o objetivo foi de integrar o atendimento às urgências no Brasil. Dessa forma, com a
evolução tecnológica somada a um programa de assistência médica permitiu-se o avanço das
unidades móveis, a qual conta com equipe treinada, equipamentos microprocessados, serviço de
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comunicação, velocidade rápida, climatização, arsenal terapêutico e normatizações que regem de


maneira própria o pronto atendimento2.

5.3. O SAMU

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), é composto por duas estruturas


principais, uma fixa, onde se encontra a sede de gestão e organização, e uma móvel, composta pelo
conjunto de ambulâncias. Uma equipe de profissionais da saúde compõe ambas as estruturas,
buscando suprir as demandas de atendimento em quaisquer localizações geográficas do país sendo
elas de qualquer nível de complexidade. Dessa forma, se caracteriza de grande planejamento por
parte da equipe sem rotina fixa5.

Em ambas as estruturas do SAMU, são desenvolvidas relações próprias de uma


organização de trabalho, havendo não só esforço conjunto, como também conflitos de prioridades
entre os profissionais e a defesa de interesses. Nessas relações, onde os poderes da saúde coexistem
em uma equipe tão diversa é veiculado um cuidado a saúde multidisciplinar que coloca o paciente e
suas necessidades básicas no centro do foco dessas relações.

A viatura, denominada Unidade de Transporte Avançado (USA) é composta por essa


equipe fixa e multidisciplinar: um médico, um enfermeiro e um motorista, que se revezam em uma
escala de trabalho, com funcionamento 24 horas. Esta equipe, em sua respectiva viatura, se instala
na base operacional do SAMU, e ao ser solicitada presta, de imediato, atendimento médico-
emergencial5.

Esse serviço é administrado pela Prefeitura de cada município, mais especificamente por
meio da Secretaria Municipal de Saúde, sendo ele de aspecto regional, porém diretamente ligado ao
Ministério da Saúde. Ele pode ser acionado pelo telefone 192 e atende a três objetivos: atendimento
para casos clínicos, a regulação do sistema de vagas de urgência e emergência em hospitais
secundários e terciários por uma central 24 horas e educação em urgência e emergência. Destaca-se
que o SAMU se trata de um Serviço que presta assistência em caráter transitório, ou seja, não é o
destino final da pessoa atendida, o seu objetivo é, justamente, facilitar e assegurar o bem-estar do
paciente durante o trajeto à esse destino final7.

Hoje, o alicerce principal da atenção primária a saúde se dá pelas Unidades Básicas de


Saúde (UBS) e pelas Equipes de saúde da família, deixando a encargo do SAMU o nível
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intermediário de atenção em conjunto com as Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24 horas) e,


por fim, o atendimento de média e alta complexidade é feito nos hospitais2.

5.4. Aspectos Legais

A formulação e implementação de uma política federal que atendesse as demandas de


urgência do país são divididas em três grandes momentos. O período entre 1998 e 2003 onde
houveram as primeiras iniciativas de regulamentar e unificar os serviços pré-existentes no país;
depois, entre 2003 e 2008 quando foi desenvolvido o acordo bilateral com a França, formulada e
implementada a Política Nacional de Atenção às Urgências, que tinha como centro o Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência; e subsequente a 2008 foi dada continuidade e melhora ao Projeto
SAMU 1928. A Tabela a seguir apresenta as principais normas federais no que tange as políticas de
urgências e o SAMU, de 1998 a 20099.
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Fonte: Sistema Saúde Legis. Disponível em:


<http://portal2.saude.gov.br/saudelegis/LEG_NORMA_PESQ_CONSULTA.CFM>. Elaboração do
autor.
As portarias assinaladas foram revogadas/substituídas por portarias posteriores.
QualiSUS: Programa de Qualifi cação da Atenção Hospitalar de Urgência no Sistema Único de Saúde.
CGUE/DAE/SAS/MS:
Coordenação Geral de Urgência e Emergência/Departamento de Atenção Especializada/Secretaria de
Atenção à Saúde/
Ministério da Saúde. UPA: Unidades de Pronto Atendimento. SE: Salas de Estabilização.

No que tange o segundo período (2003-2008), crucial para a implementação do


SAMU, a formulação da Política Nacional de Atenção às Urgências marcou-o, uma vez que era
destaque na agenda governamental. Foi feita a formalização da Coordenação Geral de Urgências e
Emergências na estrutura ministerial, a formulação de regras nacionais para regerem o Serviço e a
implementação de mecanismos de financiamento para o projeto. A Política Nacional de Atenção às
Urgências de 2003 foi baseada em cinco principais eixos, promoção de qualidade de vida,
organização em formato de rede, operação a partir das centrais de regulação, capacitação e
educação continuada e humanização do serviço7.

Ao longo do processo de implementação da legislação do Serviço definiu-se o custeio


se daria de forma tripartite, cabendo 50% do Governo Federal, 25% do Governo do Estado e 25%
dos municípios2. Todavia, alguns dos serviços têm o custeio do Governo Federal e os municípios
acabam tendo que arcar com o restante do serviço, devido à ausência da colaboração financeira do
Governo Estadual, o que dificultou a regionalização do SAMU 192 em cidades menores.
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6. CONCLUSÃO

Concluindo, o atendimento médico pré-hospitalar, bem como o Serviço de


Atendimento Móvel as Urgências foram criados em virtude da necessidade de atenção imediata a
fim de reduzirem-se sequelas e óbitos. A sua evolução constante desde o período napoleônico até
sua implementação no Brasil é caracterizada por adaptações históricas dos recursos disponíveis
àquele tempo.

A finalidade deste estudo se compõe de questões ligadas ao Atendimento Pré-


Hospitalar, identificando os marcos históricos precursores desse serviço, de tamanha importância
nacional. Alguns desses marcos, como a adaptação das ambulâncias a tração animal nas Guerras
Mundiais e também guerras nacionais, e a criação de Projetos como o Grupo de Emergências do
Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro marcaram o início da inclusão desse Serviço no
Brasil, seguidos da normatização do SAMU em todo o país.

É imperativo, portanto, ter conhecimento a respeito da história da implantação dos


serviços de atendimento pré-hospitalar brasileiro, bem como do SAMU. Pois, quando se põe em
prática uma estrutura de serviço eficiente e eficaz em uma frente tão necessária, a população recebe
segurança e garantia de qualidade no serviço. Claramente uma questão de primeira necessidade que
consiste em atenção primária, à uma população a qual urge por esclarecimentos dos objetivos do
serviço para, assim, fazer a sua correta utilização.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1
Silva, E., Tipple, A., Souza, J., & Brasil, V. (2010). Aspectos históricos da implantação de um
serviço de atendimento pré-hospitalar. Revista Eletrônica De Enfermagem, 12(3), 571-7.
https://doi.org/10.5216/ree.v12i3.10555

2
O’Dwyer, Gisele; Konder, Mariana Teixeira; Reciputti, Luciano Pereira; Macedo, Cesar; Lopes,
Monica Guimarães Macau. O processo de implantação do Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência no Brasil: estratégias de ação e dimensões estruturais.

3
National Association of Emergency Medical Technicians. PHTLS. Atendimento pré-hospitalar
ao traumatizado: básico e avançado. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004.

4
Ferrari D. História da ambulância. Revista Intensiva. 2006;4:132.
10

5
Azevedo TMVE. Atendimento pré-hospitalar na Prefeitura do Município de São Paulo: análise do
processo de capacitação das equipes multiprofissionais fundamentada na promoção da saúde
[dissertação]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2002.

6
P Minayo MCS, Deslandes SF. Análise da implantação do sistema de atendimento pré-hospitalar
móvel em cinco capitais brasileiras. Cad Saúde Pública 2008; 24:1877-86.

7
Lima DP, Leite MTS, Caldeira AP. Redes de atenção à saúde: a percepção dos médicos
trabalhando em serviços de urgência. Saúde Debate 2015; 39:65-75.

8
Lopes S, Fernandes R. Uma Breve Revisão do Atendimento Médico Pré-hospitalar. Medicina
(Ribeirao Preto Online) [Internet]. 30dez.1999

9
Machado, Cristiani Vieira; SalvadorII, Fernanda Gonçalves Ferreira; O'Dwyer, Gisele. Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência: análise da política brasileira, Revista de Saúde Pública 2011;
45(3):519-28.

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