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Um medicamento é definido como o agente des- gulável; podem aumentar o teor de hemoglobina
tinado a diagnóstico, mitigação, tratamento, cura dos eritrócitos, reduzir o colesterol sérico ou ex-
ou prevenção de doenças em seres humanos ou pandir o volume sangüíneo.
animais. Uma das suas mais surpreendentes qua- Fármacos denominados eméticos induzem o
lidades reside na diversidade de suas ações e efei- vômito, enquanto os antieméticos o previnem.
tos sobre o organismo. Essa qualidade torna seu uso Diuréticos aumentam o fluxo de urina; expecto-
seletivo em várias condições patológicas comuns e rantes aumentam o fluido do trato respiratório;
raras, envolvendo órgãos, tecidos ou células. catárticos ou laxantes causam evacuação do intes-
Alguns medicamentos contêm fármacos que tino. Outros fármacos reduzem o fluxo de urina,
estimulam seletivamente o músculo cardíaco, o diminuem as secreções corporais ou induzem a
sistema nervoso central, o trato gastrintestinal, en- constipação.
quanto outros produzem o efeito contrário. Fár- Os medicamentos podem ser usados para re-
macos midriáticos dilatam a pupila, e mióticos duzir dor, febre, atividade da tireóide, rinite, in-
contraem ou reduzem o tamanho pupilar. Fárma- sônia, acidez gástrica, náuseas, pressão sangüínea
cos podem tornar o sangue mais ou menos coa- e depressão. Outros elevam o humor, a pressão
16 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
sangüínea ou a atividade das glândulas endócri- micos ou químicos analíticos; bioquímicos; bió-
nas. Os medicamentos podem combater doenças logos moleculares; bacteriologistas; fisiologistas;
infecciosas, destruir parasitas intestinais ou agir farmacologistas; toxicologistas; hematologistas;
como antídotos contra os efeitos dos venenos ou imunologistas; endocrinologistas; patologistas; bi-
de outras drogas. Eles podem auxiliar no combate oestatísticos; farmacêuticos pesquisadores e clíni-
ao fumo ou na abstinência de álcool, ou modifi- cos; médicos e muitos outros.
car transtornos obsessivo-compulsivos. Após uma potencial nova substância ser des-
Os medicamentos são usados para tratar in- coberta e ter sido completamente caracterizada
fecções comuns, AIDS, hiperplasia prostática be- química e físico-quimicamente, um grande nú-
nigna, câncer, doença cardiovascular, asma, glau- mero de informações biológicas deve ser coleta-
coma, doença de Alzheimer e impotência mascu- do. Aspectos sobre farmacologia básica, ou seja,
lina. Eles podem proteger contra a rejeição de te- natureza e mecanismo de ação da substância no
cidos e órgãos transplantados ou reduzir a inci- organismo, devem ser avaliados, incluindo suas
dência de sarampo e caxumba. Antineoplásicos características toxicológicas. O local e a velocida-
oferecem um meio para combater processos can- de de absorção, o perfil de distribuição e a con-
cerosos; os radiofármacos oferecem outro. centração no organismo, duração de ação e tipo e
Os medicamentos são usados para diagnosti- velocidade de eliminação ou excreção devem ser
car o diabete, a disfunção hepática, a tuberculose estudados. Informações sobre o metabolismo e a
ou a gravidez. Podem repor a deficiência corporal atividade dos seus metabólitos devem ser obtidas.
de anticorpos, vitaminas, hormônios, eletrólitos, Um estudo completo sobre os efeitos a curto e a
proteínas, enzimas ou sangue. Previnem a gravi- longo prazo, nas células, nos tecidos e órgãos deve
dez, auxiliam na fertilidade e mantêm a vida. ser realizado. Informações altamente específicas,
Certamente a vasta gama de agentes medici- como o efeito do fármaco sobre o feto ou a capa-
nais efetivos disponíveis, usados na preparação de cidade de passar para o bebê por intermédio do
medicamentos, é uma das nossas maiores realiza- leite, devem ser obtidas. Muitos fármacos promis-
ções científicas. É difícil conceber nossa civiliza- sores foram abandonados devido a seu potencial
ção privada dessas remarcáveis e benéficas subs- de causar efeitos colaterais excessivos ou danosos.
tâncias. Por meio de seu uso, muitas das doenças As vias de administração (p.ex., oral, retal,
que trouxeram sofrimento ao longo da nossa his- parenteral, tópica) mais efetivas devem ser deter-
tória, como a varíola ou a poliomielite, estão ago- minadas, e as doses recomendadas precisam ser
ra extintas. Doenças como diabete, depressão ou estabelecidas para pessoas de várias idades (p.ex.,
hipertensão são efetivamente controladas por neonatos, crianças, adultos, idosos), pesos e con-
medicamentos modernos. Os procedimentos ci- dições de saúde. Tem-se afirmado que a única di-
rúrgicos de hoje seriam impossíveis sem os bene- ferença entre fármaco e veneno é a dose. Para fa-
fícios dos anestésicos, analgésicos, antibióticos, das cilitar o uso de fármaco pelas diferentes vias de
transfusões sangüíneas e dos fluidos intravenosos. administração, formas farmacêuticas, como com-
Novas substâncias com propriedades terapêu- primidos, cápsulas, injetáveis, supositórios, poma-
ticas podem ser obtidas a partir de plantas ou ani- das, aerossóis, entre outras, são formuladas e pre-
mais, subprodutos do crescimento microbiano, ou paradas. Cada uma dessas unidades de dosagem
por meio de síntese química, modificação mole- deve conter uma quantidade específica de medi-
cular ou processos biotecnológicos. Bibliotecas cação de modo a facilitar e permitir a exatidão da
virtuais, bancos de dados de compostos químicos dose durante a administração. Essas formas far-
e métodos sofisticados de screening para potenciais macêuticas são sistemas de liberação altamente so-
atividades biológicas auxiliam no descobrimento fisticados. Seu desenho, desenvolvimento, produ-
de novos fármacos. ção e uso resultam da aplicação das ciências far-
O processo de descobrimento e desenvolvi- macêuticas – a mistura das ciências básica, aplica-
mento de novos fármacos é complexo. Ele englo- da e clínica com a tecnologia farmacêutica.
ba as contribuições específicas de muitos especia- Cada produto farmacêutico em particular é
listas, incluindo químicos orgânicos, físico-quí- uma formulação específica. Em adição aos com-
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 17
ponentes terapeuticamente ativos, uma formula- medicamentos, que podem interferir na eficácia
ção farmacêutica contém várias outras substân- do tratamento.
cias. É por meio de seu uso que uma formulação Por meio da interação e da comunicação com
apresenta determinada composição que confere outros profissionais da saúde, o farmacêutico pode
características físicas ao produto. Adjuvantes far- contribuir muito para a saúde do paciente. O gran-
macêuticos incluem materiais como diluentes, de conhecimento sobre a ação dos fármacos, far-
espessantes, solventes, agentes suspensores, mate- macoterapêutica, desenho e formulação de formas
riais de revestimentos, desintegrantes, promoto- farmacêuticas, produtos disponíveis e fontes de
res de permeação, agentes estabilizantes, conser- informação torna-o um membro essencial nas
vantes, flavorizantes, corantes e edulcorantes. equipes de saúde. Ele tem a responsabilidade le-
Para assegurar a estabilidade do fármaco em gal para a aquisição, o armazenamento, o contro-
uma formulação e manter a eficácia do medica- le e a distribuição de medicamentos e para a ma-
mento durante sua vida de prateleira, os princí- nipulação e o atendimento das prescrições. Ca-
pios de química, física farmacêutica, microbiolo- racterizado por sua larga experiência e seu conhe-
gia e tecnologia farmacêutica devem ser aplica- cimento, atua como conselheiro sobre medica-
dos. Todos os componentes da formulação devem mentos e encoraja seu uso seguro e apropriado. O
ser compatíveis, incluindo fármacos, adjuvantes e farmacêutico fornece seus serviços em várias ins-
materiais de embalagem. A formulação deve ser tituições de cuidado com a saúde e realiza regis-
resguardada da decomposição decorrente da degra- tros de medicamentos, monitoramento de pacien-
dação química e protegida da contaminação micro- tes e técnicas de avaliação, com vistas à melhoria
biológica e de influências destrutivas do calor, da luz da saúde pública.
e da umidade. Os componentes ativos devem ser Para compreender o progresso obtido na des-
liberados a partir da forma farmacêutica em quanti- coberta e no desenvolvimento de novos medica-
dades apropriadas, de maneira a proporcionar o iní- mentos e fornecer um suporte para o estudo dos
cio e a duração de ação desejados. O medicamento medicamentos modernos, é importante examinar
deve oferecer administração eficiente e possuir ca- o legado da farmácia.
racterísticas atrativas de sabor, odor, cor e textura,
que aumentem a aceitação pelo paciente. Finalmen-
te, o produto deve ser embalado de forma adequada O Legado da Farmácia
e rotulado de acordo com as exigências legais.
Uma vez preparado, o medicamento deve ser As terapias com o uso de vegetais e minerais exis-
apropriadamente administrado ao paciente para tem a tanto tempo quanto os seres humanos. As
proporcionar o máximo benefício. Ele deve ser to- doenças humanas e o instinto de sobrevivência
mado em quantidade suficiente, em intervalos de têm levado a sua descoberta ao longo das épocas.
tempo específicos e durante o período indicado O uso de terapias, mesmo que bastante rústicas,
para o alcance dos resultados terapêuticos deseja- começou antes dos registros históricos, graças ao
dos. Sua eficácia, em respeito aos objetivos do instinto do homem primitivo de aliviar a dor de
médico prescritor deve ser reavaliada periodica- uma lesão colocando-a em água fria, empregando
mente, e os ajustes necessários na dose, no regi- folhas frescas ou protegendo-a com lama. Por meio
me, na posologia ou na forma farmacêutica, ou, dessas experiências, os seres humanos aprenderam
ainda, quanto ao fármaco administrado, devem que determinadas terapias eram mais eficazes que
ser realizados. Expressões de insatisfação do pa- outras e, a partir desses achados, surgiu a terapia me-
ciente quanto à velocidade de progresso da tera- dicamentosa.
pia e reclamações quanto aos efeitos colaterais Entre vários povos, acreditava-se que as doen-
devem ser avaliadas e tomadas decisões quanto à ças fossem causadas pela entrada de demônios e es-
continuidade ou ajuste do tratamento. Antes de píritos malignos no organismo. O tratamento natu-
tomar o medicamento, o paciente deve ser avisa- ralmente envolvia a retirada dos intrusos sobrenatu-
do em relação aos efeitos colaterais esperados e rais. A partir de registros antigos, sabe-se que os prin-
aos efeitos de alguns alimentos e bebidas, e outros cipais métodos de remoção de espíritos consistiam
18 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
em encantamentos espirituais, aplicação de materiais dem ser usados para o bem ou para o mal. Muitos
repugnantes e administração de ervas e plantas. dos fracassos dos boticários tribais ocorriam pelo
emprego de remédios impotentes ou inapropria-
dos, sub ou superdosagem, ou mesmo por enve-
O primeiro boticário nenamento. O sucesso poderia ser atribuído a ex-
Antigamente, nas tribos, homens e mulheres que periência, mera coincidência, seleção adequada da
conheciam as qualidades curativas das plantas, terapia, poder curativo natural e efeitos-placebo
habilidade adquirida com a experiência ou herda- não-relacionados à terapia, ou seja, efeitos obti-
da de antepassados, eram chamados para tratar dos em decorrência de fatores psicológicos e não-
doentes e lesionados e preparar produtos medica- biológicos. Mesmo nos dias de hoje, a terapia com
mentosos. Foi a preparação desses produtos que placebo é empregada com sucesso no tratamento
originou a arte do boticário. de pacientes, sendo rotineiramente empregada na
A arte do boticário sempre foi associada ao mis- avaliação clínica de novos medicamentos, em que
tério; acreditava-se que os práticos tinham alguma a resposta dos indivíduos tratados com o medica-
conexão com o mundo dos espíritos e, dessa forma, mento real é comparada com aquela produzida
intermediavam o visto e o não-visto. A crença de após a administração do placebo.
que poções medicamentosas tinham poderes mági- Antigamente a arte do boticário combinava-
cos significava que sua ação, para o bem ou para o se com a função de sacerdote, e, nas civilizações
mal, não dependia unicamente das suas qualidades antigas, o sacerdote-mágico ou sacerdote-médico
naturais. A compaixão de um deus, a realização de era visto como o curador do corpo e da alma. A
cerimônias, a ausência de espíritos malignos e a in- farmácia e a medicina eram indistinguíveis, pois
tenção do dispensador eram individual e coletiva- sua prática foi combinada à função de líder reli-
mente necessárias para torná-la eficaz sob o ponto gioso tribal.
de vista terapêutico. Por isso, o boticário tribal era
temido, respeitado, acreditado, confiado, algumas
vezes desconfiado, admirado e reverenciado. Por meio Medicamentos antigos
de suas poções, acreditava-se que os contatos espiri-
tuais fossem feitos, sendo a cura ou o fracasso da Devido à paciência e à habilidade dos arqueólo-
terapia dependente desse contato. gos, os tipos de terapias e fármacos usados na his-
Ao longo da história, o conhecimento dos tória antiga para o tratamento de doenças não são
medicamentos e de suas aplicações era traduzido tão indefiníveis como se suspeitava. Várias tábu-
em poder. No épico de Homero, o termo phar- as, rolos antigos e outras relíquias de cerca de 3000
makon (Gr.), que deu origem à palavra farmácia, a.C. têm sido descobertos e decifrados por arqueó-
conota uma poção, remédio* ou droga que po- logos para a satisfação de historiadores da farmá-
cia e da medicina; esses documentos antigos estão
associados ao nosso legado (Fig. 1.1).
* N. de R.T. Deve-se chamar atenção para o uso de alguns Talvez o mais famoso documento seja o pa-
termos em farmácia. Remédio: é qualquer substância ou re- piro de Ebers, um rolo contínuo de cerca de 18
curso (p. ex., radioterapia...) usado para combater uma mo-
léstia. Apesar de ser muito usado, sobretudo popularmente, metros, datado do décimo sexto século antes
este termo deve ser trocado por medicamento quando se de Cristo (XVI a.C.). Esse documento, manti-
quer falar especificamente de uma formulação farmacêutica do na Universidade de Leipzig, recebeu o nome
(contendo um ou vários princípios ativos, denominados fár- do egiptologista alemão Georg Ebers, que o des-
macos) usada para tratar (ou prevenir) uma doença. Neste cobriu na tumba de uma múmia e o traduziu
contexto, vale a pena conferir a definição legal e muito apro-
priada, dada pela ANVISA (RDC no 135 de 29/05/2003): parcialmente durante a última metade do sécu-
Medicamento: produto farmacêutico, tecnicamente obtido lo XIX. Uma vez que muitos acadêmicos parti-
ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ciparam do desafio da tradução dos hieróglifos
ou para fins de diagnóstico (Lei no 5.991, de 17/12/73). É do documento, e embora não tenham sido unâ-
uma forma farmacêutica terminada que contém o fármaco, nimes em suas interpretações, existe pouca dú-
geralmente em associação com adjuvantes farmacotécnicos”
(http://www.ivfrj.ccsdecania.ufrj.br). vida de que, por volta de 1550 a.C., os egípcios
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 19
na. Suas descrições sobre a arte da identificação e na medicina como o fez Aureolus Theophrastus
coleta de produtos naturais, métodos adequados Bombastus von Hohenheim (1493-1541), um
de armazenamento e meio de detectar adultera- médico e químico suíço que se autodenominou
ções e contaminações serviram de modelo para a Paracelso. Ele influenciou a transformação da far-
época e evidenciaram a necessidade de trabalhos mácia, originalmente uma profissão que tinha
adicionais para futuros investigadores. botânica como base, em uma profissão que tem a
Cláudio Galeno, um médico e farmacêutico química como base. Algumas de suas observações
grego que obteve cidadania romana, visava a criar químicas foram surpreendentes para sua época e
um sistema perfeito de fisiologia, patologia e tra- anteciparam descobertas posteriores. Ele acredi-
tamento. Ele formulou doutrinas que foram se- tava que era possível preparar substâncias medici-
guidas por 1.500 anos. Foi um dos mais prolífi- nais para combater doenças específicas e introdu-
cos autores de sua ou de qualquer época, tendo ziu uma vasta gama de substâncias na terapêutica.
recebido o crédito da realização de 500 tratados
sobre medicina e de outros 250 sobre filosofia,
leis e gramática. Seus escritos médicos incluem a Pesquisas iniciais
descrição de várias drogas de origem natural, jun-
tamente com fórmulas e métodos de manipula- À medida que o conhecimento das ciências bá-
ção. Ele obteve tantas preparações de drogas ve- sicas aumentava, elas tornavam-se aplicáveis à
getais pela mistura ou fusão dos componentes in- farmácia. Isso oportunizou a investigação de
dividuais que esta área da farmácia foi comumen- agentes medicinais com base científica e o de-
te designada de “Farmácia Galênica”. Talvez a mais safio foi aceito por vários farmacêuticos que
famosa de suas fórmulas seja o cold cream, chama- conduziam suas pesquisas nas dependências das
do de Cerato de Galeno, o qual é similar a algu- suas farmácias. Notavelmente, entre eles estava
mas preparações usadas ainda hoje. o sueco Karl Wilhelm Scheele (1742-1786),
A farmácia permaneceu atrelada à medicina talvez o mais famoso de todos os farmacêuti-
até que a crescente quantidade de fármacos e a cos, graças a sua genialidade científica e às suas
complexidade da preparação de medicamentos importantes descobertas. Entre elas estão os
exigiram especialistas que se dedicassem somente ácidos lático, cítrico, tartárico e arsênico. Ele
a ela. A farmácia foi oficialmente separada da me- identificou a glicerina, inventou novos méto-
dicina em 1240 d.C., quando um decreto do im- dos de preparação do calomelano e ácido ben-
perador Frederico II, da Alemanha, regulamen- zóico e descobriu o oxigênio um ano antes de
tou a prática da farmácia dentro de parte de seu Priestley.
reino, chamado Duas Sicílias. Seu edito separou O isolamento da morfina a partir do ópio pelo
as duas profissões, reconhecendo que a prática da farmacêutico alemão Friedrich Sertürner (1783-
farmácia requeria conhecimentos, habilidades, ini- 1841), em 1805, conduziu a uma série de isola-
ciativas e responsabilidades especiais, para que cui- mentos de outros compostos ativos de plantas por
dados adequados às necessidades médicas das pes- farmacêuticos franceses. Joseph Caventou (1795-
soas fossem garantidos. Os farmacêuticos passa- 1877) e Joseph Pelletier (1788-1842) combina-
ram a ser obrigados a prestar juramento quanto à ram seus talentos e isolaram a quinina e a cincho-
preparação de medicamentos confiáveis e de qua- nina a partir da chinchona e a estriquinina e a
lidade uniforme, de acordo com a arte. Qualquer brucina a partir da noz vômica. Pelletier e Pierre
exploração do paciente, por meio de relações co- Robiquet (1780-1840) isolaram a cafeína, e Ro-
merciais entre o farmacêutico e o médico, era es- biquet sozinho separou a codeína a partir do ópio.
tritamente proibida. Entre esse período e a con- Metodicamente, uma substância após outra foi
solidação da química como ciência exata, a farmá- isolada a partir de plantas e identificada como
cia e a química permaneceram unidas, assim como a sendo responsável pela atividade medicinal da
farmácia e a medicina foram um dia. planta. Até os dias de hoje, estamos engajados
Talvez nenhuma pessoa na história tenha exer- nessa atividade fascinante, uma vez que testa-
cido uma influência revolucionária na farmácia e mos agentes terapêuticos naturais cada vez mais
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 21
úteis e específicos. Exemplos recentes de fárma- tenção de padrões uniformes para assegurar a qua-
cos isolados a partir de fontes naturais incluem o lidade. Tal necessidade levou ao desenvolvimento
paclitaxel (Taxol), uma substância com atividade e à publicação de monografias e livros de referên-
antitumoral obtida do teixo do Pacífico (Taxus cia contendo especificações para serem usadas por
baccata) e empregada para o tratamento do carci- aqueles envolvidos na produção de fármacos e
noma metastático do ovário; a vincaleucoblasti- medicamentos. Os conjuntos organizados de mo-
na, outro antineoplásico obtido da Vinca rosea e a nografias foram chamados de farmacopéias ou for-
digoxina, um glicosídeo cardíaco obtido da Digi- mulários.
talis lanata.
Na Europa, farmacêuticos como Pelletier e
Sertürner foram muito considerados por sua in- United States Pharmacopeia e o
teligência e suas habilidades durante o final do National Formulary
século XVII e início do século XIX. Eles aplica-
ram a arte e a ciência da farmácia na preparação O termo farmacopéia origina-se do grego pharmakon,
de medicamentos com as mais altas qualidades de que significa substância medicinal, e poiein, que sig-
pureza, uniformidade e eficácia do seu tempo. A ex- nifica fazer; a combinação indica as especificações
tração e o isolamento de constituintes ativos de ma- requeridas para fazer ou preparar um medicamento.
térias-primas vegetais brutas (não-processadas) leva- O termo foi primeiramente usado em 1580 em co-
ram ao desenvolvimento de formas farmacêuticas nexão com um livro local contendo especificações
com concentração uniforme de eficazes agentes te- de medicamentos, em Bérgamo, na Itália. Desde
rapêuticos de origem natural. Muitos farmacêuticos então, várias farmacopéias nacionais, estaduais e lo-
da época iniciaram a fabricação de produtos farma- cais foram publicadas por várias sociedades farma-
cêuticos de qualidade em pequena escala, mas que cêuticas européias. À medida que o tempo passava,
logo foi aumentada para atender às necessidades da o valor de um conjunto uniforme de especificações
comunidade local. Algumas das maiores companhias nacionais para medicamentos tornou-se aparente. Na
de produção e pesquisa de hoje se desenvolveram a Grã-Bretanha, por exemplo, três farmacopéias locais
partir dos laboratórios de dois séculos atrás. – Londres, Edinburgo e Dublin – foram oficiais até
Embora muitos dos fármacos inicialmente usa- 1864, quando foram substituídas pela British Phar-
dos por índios nativos tenham sido adotados pelos macopeia (BP).
colonizadores, a maior parte das necessidades deste Nos Estados Unidos, especificações para pre-
país (EUA), antes do século XIX, foi importada da parações farmacêuticas surgiram em 1820, quan-
Europa, seja na forma de matéria-prima, seja como do a primeira United States Pharmacopeia (USP)
produto acabado. Com a Revolução, entretanto, foi publicada. Por conveniência e devido à fami-
tornou-se mais difícil importar fármacos, e far- liaridade, médicos coloniais e boticários usavam
macêuticos americanos foram estimulados a ad- as farmacopéias e outras obras de referência de
quirir a experiência científica e tecnológica de seus suas terras natais. A primeira farmacopéia ameri-
colegas europeus. A partir desse período até a cana foi chamada de Lilitz Pharmacopeia, publi-
Guerra Civil, a produção farmacêutica esteve em cada em 1778 em Lilitz, Pensilvânia, para uso em
sua infância nos Estados Unidos. Algumas das in- um Hospital Militar do Exército dos Estados Uni-
dústrias farmacêuticas estabelecidas no início do dos. Era um livro de 32 páginas contendo infor-
século XVIII ainda estão em operação. Em 1821, mações sobre fármacos e preparações de uso in-
a Faculdade de Farmácia da Filadélfia foi criada terno (84) e de uso externo (16).
como a primeira escola de farmácia da nação. Durante a última década do século XVIII, vá-
rias tentativas foram feitas por diferentes socieda-
des médicas locais para coletar informações sobre
Padrões de Qualidade preparações farmacêuticas, especificações apropria-
das e preparar uma farmacopéia americana de
Em decorrência do avanço científico dos fárma- medicamentos usados na época. Em 1808, a
cos e medicamentos, houve a necessidade da ob- Massachusetts Medical Society publicou uma far-
22 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
macopéia de 272 páginas contendo informações Antes de aprová-la, a convenção adotou reso-
e monografias de 536 fármacos e preparações far- luções e normas, com provisões para os subseqüen-
macêuticas. Nessa publicação foram incluídos tes encontros, que levariam à revisão da USP a
muitos fármacos nativos dos Estados Unidos, os cada 10 anos. Como muitos fármacos novos en-
quais não eram descritos nas farmacopéias euro- traram em uso, a necessidade de publicações mais
péias da época. freqüentes de especificações tornou-se maior. Em
Em 6 janeiro de 1817, Lyman Spalding, um 1900, a Pharmacopeial Convention ganhou au-
médico da cidade de Nova York, submeteu um toridade para publicar suplementos da USP quan-
projeto para a Medical Society of the County of do houvesse necessidade. No encontro de 1940,
New York, para a criação de uma farmacopéia na- foi decidido que a revisão da USP ocorreria a cada
cional. Os esforços de Spalding resultaram no seu cinco anos, mantendo o uso de suplementos pe-
reconhecimento como “Pai” da United States Phar- riódicos, quando necessário.
macopeia. Ele propôs a divisão dos Estados Uni- A primeira United States Pharmacopeial
dos em quatro distritos geográficos – norte, cen- Convention foi composta exclusivamente de
tro, sul e oeste –, de modo a conter delegações de médicos. Em 1830 e em 1840, farmacêuticos
sociedades e escolas de medicina. Onde ainda não proeminentes foram convidados a participar da
existiam associações e escolas médicas, associações revisão e, em reconhecimento às suas contri-
voluntárias de médicos e cirurgiões foram convi- buições, foram mantidos como membros natos
dadas para auxiliar na empreitada. Cada uma das da convenção de 1950, participando com regu-
convenções distritais deveria esboçar uma farma- laridade desde então. Na década de 1870, a USP
copéia e indicar delegados para a convenção que esteve quase que completamente nas mãos dos
seria realizada em Washington. Na convenção farmacêuticos, e intensos esforços foram reque-
nacional, as quatro farmacopéias distritais seriam ridos para reavivar o interesse da comunidade
compiladas em uma única farmacopéia nacional. médica. A presente United States Pharmacopeial
Esboços da farmacopéia foram submetidos à con- Convention é constituída por delegados repre-
venção somente pelos distritos do norte e do centro. sentando institutos educacionais, organizações
Eles foram revisados, consolidados e adotados pela científicas e profissionais, divisões de órgãos go-
United States Pharmacopeial Convention, reunida vernamentais, organizações americanas não-go-
em Washington D.C., em 1o de janeiro de 1820. A vernamentais, organizações e comissões inter-
primeira USP foi publicada em 15 de dezembro de nacionais de farmacopéias, pessoas que possuem
1820, em inglês e latim, então a língua internacio- competência científica específica ou conheci-
nal de médicos e farmacêuticos, tornando-se a refe- mento de tecnologias emergentes e membros
rência mais inteligível para esses profissionais inde- públicos (2). Dos sete membros eleitos da co-
pendentemente de sua nacionalidade. Em 272 pági- missão de especialistas, pelo menos dois devi-
nas foram listados 217 fármacos de notável reconhe- am ser representantes das ciências médicas, dois
cimento, muitos deles tendo sido retirados da Mas- das ciências farmacêuticas e um da sociedade.
sachusetts Pharmacopeia, que é considerada por al- Após o aparecimento da primeira USP, a arte
guns como a precursora da USP. O objetivo da pri- e a ciência da farmácia e da medicina mudaram
meira edição da USP foi descrito em seu prefácio e significativamente. Antes de 1820, fármacos usa-
mantém sua importância. Ele contém este trecho: dos para tratar doenças foram os mesmos durante
séculos. A USP de 1820 refletiu o fato de que os
É o objetivo de uma farmacopéia selecionar, entre as boticários da época eram competentes para cole-
substâncias que possuem propriedades medicinais, tar e identificar matérias-primas vegetais e prepa-
aquelas que são completamente estabelecidas e com- rar, a partir delas, formulações e misturas solicita-
preendidas, e preparar, a partir delas, formulações em das pelos médicos. O farmacêutico tornou-se im-
concentrações que proporcionem grande benefício. portante, uma vez que aplicava toda sua arte para
Deve-se distinguir aqueles artigos por nomes conve- a elaboração de preparações farmacêuticas dife-
nientemente definidos, para prevenir problemas e rentes, a partir de matérias-primas vegetais bru-
enganos por médicos e boticários. tas. Esse tempo nunca mais seria visto, devido ao
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 23
conformidade com o conjunto de especificações ticas que se refletem na melhor prática médica e
físicas e químicas descrito na monografia. farmacêutica, e procedimentos e ensaios aceitá-
As primeiras edições do NF serviram princi- veis que demonstram a adesão a essas especifica-
palmente como uma referência que fornecia no- ções. Com essa função, os compêndios tornam-se
mes de fármacos e preparações e orientações para documentos legais, sendo que cada afirmação deve
a preparação dos produtos farmacêuticos prescri- ter alto grau de clareza e especificidade.
tos pelos médicos em pequena escala. Antes de Muitos produtos farmacêuticos do mercado,
1940, o NF, assim como a USP, era revisado a especialmente contendo associações de substân-
cada 10 anos. Após essa data, novas edições apa- cias ativas, não são descritos nas monografias de
reciam a cada cinco anos, com suplementos sen- formulações ou formas farmacêuticas dos compên-
do publicados periodicamente, conforme a neces- dios oficiais. Entretanto, os componentes indivi-
sidade. duais desses produtos são descritos nas monogra-
Em 1975, a United States Pharmacopeial Con- fias, nos suplementos ou em petições para comer-
vention Inc. comprou o NF, unificando o com- cialização de medicamentos aprovadas pela Food
pêndio oficial e fornecendo mecanismos para a and Drug Administration (FDA).
elaboração de um único compêndio nacional. O exemplo típico de monografia de um fár-
O primeiro compêndio combinado, conten- maco, que aparece na USP, é demonstrado na Fi-
do a USP XX e o NF XV, tornou-se oficial em 1o gura 1.2. Estas mostra o tipo de informação que
de julho de 1980. Todas as monografias de subs- aparece para substâncias ativas orgânicas.
tâncias terapeuticamente ativas apareceram na se- A parte inicial da monografia consiste no títu-
ção da USP, enquanto todas as monografias sobre lo oficial (nome genérico) da substância, seguido
produtos farmacêuticos apareceram na seção do por sua fórmula estrutural e empírica, peso mole-
NF. Esse formato foi mantido nas revisões subse- cular, nomes químicos e o número de registro do
qüentes. A USP 23 – National Formulary 18, que fármaco no Chemical Abstracts Service (CAS). O
se tornou oficial em 1995, foi a primeira a usar nú- registro do CAS identifica cada um dos compos-
meros arábicos, em vez de romanos, para indicar a tos num sistema de informações. Em seguida,
edição. USP-NF tornou-se uma publicação anual aparece na monografia a declaração de pureza, uma
em 2002 com USP 25 – NF 20 e a edição de 2003, advertência que reflete sua toxicidade, a forma de
USP 62 – NF 21, contendo aproximadamente 4.000 acondicionamento e recomendações sobre o ar-
monografias sobre drogas, que se encontra publica- mazenamento e os ensaios físicos e químicos e
da em formato impresso e em CD-ROM. métodos de análise usados para a identificação e
Os padrões de qualidade descritos pela USP e determinação da pureza da substância.
pelo NF destinam-se a todos os membros relaciona- Em cada monografia, conjuntos de especifi-
dos à indústria farmacêutica, que compartilham a cações são relacionados ao fármaco, a matéria-pri-
responsabilidade e a satisfação de ter a confiança da ma ou a forma farmacêutica para assegurar sua
população, por assegurar a disponibilidade de fár- pureza, potência e qualidade.
macos e produtos farmacêuticos de qualidade. Es- Laboratórios de pesquisa da USP fornecem
tão incluídos nesse grupo: médicos, farmacêuticos, assistência direta. As principais funções do labo-
dentistas, veterinários, enfermeiros, produtores, for- ratório consistem na avaliação e no desenvolvi-
necedores de substâncias químicas brutas, fabrican- mento de métodos analíticos que serão incluídos
tes de produtos farmacêuticos em pequena e grande nos compêndios.
escalas, instituições e agências de saúde públicas e
privadas e agências de regulamentação, entre outros.
Outras farmacopéias
macopeia (IP), fornecem informações adicionais melhante cura o semelhante, ou seja, o fármaco
quanto à qualidade de fármacos e medicamen- que produz os sintomas da doença em pessoas
tos necessários para determinadas instituições saudáveis será capaz de tratar e curar aquelas
e profissionais. A HPUS é empregada por far- apresentando os mesmos sintomas. Envolven-
macêuticos e médicos homeopatas, bem como do a abordagem da homeopatia estão (a) a ava-
por agências de regulamentação que devem as- liação de um fármaco em pessoas saudáveis, para
segurar a qualidade de medicamentos homeo- encontrar os efeitos que podem ser empregados
páticos. O termo homeopatia foi criado por contra os mesmos sintomas que se manifestam
Samuel Hahnemann (1755-1843) a partir do naquelas doentes; (b) o uso de doses diminutas
grego homoios, significando similar, e pathos, na terapia, em diluições expressas com “1x” (di-
significando doença. Na essência, a base da ho- luição 1:10), “2x”(diluição 1:100), e assim por
meopatia consiste na lei da similaridade: o se- diante; (c) a administração de não mais de um
26 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
fármaco de cada vez; e (d) o tratamento de to- de suas jurisdições legais e por companhias far-
dos os sintomas do paciente e não somente um macêuticas multinacionais que desenvolvem e co-
dos sintomas (4 – 6). A HPUS é essencial aos mercializam medicamentos. Países que não têm
farmacêuticos que preparam medicamentos que uma farmacopéia nacional freqüentemente ado-
serão usados na prática homeopática. tam uma de outro país. A seleção da farmacopéia
A IP é publicada pela Organização Mundial geralmente é baseada na proximidade geográfica,
da Saúde (OMS ou, em inglês, WHO, World em uma língua ou herança comum, ou na simila-
Health Organization) das Nações Unidas, com a ridade dos fármacos e produtos farmacêuticos em-
cooperação dos países-membros. Serve de mode- pregados. Por exemplo, o Canadá, que não possui
lo aos comitês de revisão das farmacopéias nacio- sua farmacopéia, costuma usar os padrões USP-
nais para introduzir modificações de acordo com NF. A farmacopéia mexicana (Farmacopea de los
os padrões internacionais. Não possui autoridade Estados Unidos Mexicanos) é a única outra ativa-
legal, apenas o respeito e o reconhecimento dos mente mantida neste hemisfério (7).
países participantes, no esforço de fornecer es-
pecificações de fármacos aceitáveis com base
internacional. O primeiro volume da IP foi Conjunto de especificações de
publicado em 1951. Ela tem sido revisada pe- medicamentos aprovados
riodicamente desde então. pela FDA
Por vários anos, muitos países publicaram suas
próprias farmacopéias, incluindo Reino Unido, Nos Estados Unidos, além do compêndio oficial,
França, Itália, Japão, Índia, México, Noruega e os algumas especificações e métodos de análise de fár-
integrantes da União das Repúblicas Socialistas macos e medicamentos são estabelecidos no con-
Soviéticas.* Essas farmacopéias e a European Phar- junto de especificações das petições de registro de
macopeia (EP ou Ph Eur) são empregadas dentro medicamentos novos da FDA (ver Capítulo 2).
O fabricante deve aderir rigidamente a tais espe-
cificações para manter a continuidade da aprova-
ção da FDA e a comercialização do produto. Fi-
* N. de R.T. A Farmacopéia Brasileira é o Código Oficial nalmente, essas ou subseqüentes especificações esta-
Farmacêutico do País, na qual se estabelece a qualidade belecidas são adotadas pela USP-NF.
dos medicamentos em uso no Brasil. A Farmacopéia Bra-
sileira é elaborada pela Comissão Permanente de Revisão
da Farmacopéia Brasileira (CPRFB), que é uma comissão
oficial nomeada pelo Diretor-Presidente da Agência Na- Organização Internacional para
cional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e que foi insti- Normalização
tuída junto à Diretoria de Medicamentos e Produtos, cons-
tituindo-se, portanto, em uma entidade da própria A Organização Internacional para Normalização
ANVISA. O primeiro código do Brasil-colônia foi a Far-
(ISO, do inglês International Organization for
macopéia Geral para o Reino e os Domínios de Portugal,
sancionada em 1794 e obrigatória em nosso país a partir Standardization) é um consórcio internacional de
de 1809. Após a Independência, foram utilizados, além órgãos representativos constituídos para desenvol-
desta, o Codex Medicamentarius Gallicus francês e o Códi- ver e promover padrões internacionais uniformes
go Farmacêutico Lusitano, hoje considerado como a 2a ou harmonizados. Representando os Estados Uni-
edição da Farmacopéia Portuguesa. Isso, até que o Decre-
dos, nesse consórcio, está o American National
to n° 8.387, de 19/01/1882, estabeleceu que “para o pre-
paro dos medicamentos oficiais seguir-se-á a Farmacopéia Standards Institute.
Francesa, até que seja composta uma farmacopéia brasi- Entre os vários padrões ISO usados na indús-
leira...” Em 1926, as autoridades sanitárias do país apro- tria farmacêutica encontram-se aqueles das séries
varam a proposta de um Código Farmacêutico Brasileiro, ISO 9000 a ISO 9004. Incluídos aqui estão os
apresentada pelo farmacêutico e professor de Farmácia
padrões pertinentes a desenvolvimento, produção,
Rodolpho Albino Dias da Silva. Aprovado pelas autori-
dades sanitárias da época, esse código foi oficializado em segurança da qualidade, detecção de produtos
1929 e tornou-se a primeira edição da Farmacopéia Brasi- defeituosos, administração da qualidade e outros
leira. Maiores informações em www.farmacopeia.org.br. aspectos, como segurança e confiabilidade. A ade-
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 27
são da indústria a esses padrões é voluntária. En- Drug, and Cosmetic Act, em 1938, e a criação da
tretanto, muitas empresas encontram vantagens FDA para administrar e executar a legislação. A
em ser reconhecidas pelos padrões ISO. Algumas lei de 1938 proibia a distribuição e o uso de qual-
companhias optam por ter o Certificado ISO, quer fármaco ou medicamento sem antes preen-
passando por um rigoroso processo de avaliação e cher a petição de registro de um medicamento
a creditação (8). novo (NDA, do inglês new drug application) e
submetê-los à aprovação pela FDA. Isso fez com
que a FDA fosse responsável por conceder ou ne-
Regulamentação e Controle de gar a permissão para distribuir novos produtos
Medicamentos* após avaliação dos dados fornecidos pelo solici-
tante quanto a componentes, métodos de ensaio,
A primeira lei federal norte-americana destinada padrões de qualidade, processo de fabricação, estu-
a regulamentar a fabricação de produtos farma- dos pré-clínicos (animal ou cultura de células), in-
cêuticos foi o Food and Drug Act, de 1906. A lei cluindo estudos farmacológicos e toxicológicos e
exigia que medicamentos comercializados entre ensaios clínicos em humanos. Embora a lei de 1938
Estados apresentassem as especificações quanto a exigisse que os produtos fossem seguros para seres
potência, pureza e qualidade. Declarações dos fa- humanos, ela não exigia que fossem eficazes.
bricantes sobre prováveis benefícios terapêuticos
não foram regulamentadas até 1912, quando a
Emenda Sherley especificamente proibiu a falsa Emenda Durham-Humphrey,
declaração de efeitos terapêuticos, chamando tais de 1952
produtos de enganosos.
Medicamentos aprovados para comercialização
pela FDA são classificados de acordo com a ma-
Federal Food, Drug, and neira pela qual eles podem ser legalmente obtidos
Cosmetic Act, de 1938 pelo paciente. Medicamentos considerados segu-
ros o suficiente para serem usados por pessoas lei-
A necessidade de especificações adicionais foi de- gas na automedicação, em condições simples, para
monstrada de forma trágica em 1938. Um então as quais os cuidados médicos não são essenciais,
maravilhoso medicamento contendo sulfanilami- são classificados como de venda livre (OTC, do
da, que é insolúvel na maioria dos solventes far- inglês over the counter) ou como não-prescritos, e
macêuticos comuns, foi preparado e distribuído podem ser vendidos pelos farmacêuticos sem pres-
por um renomado fabricante na forma de elixir, crição médica. O status de venda livre do medica-
usando o dietilenoglicol como solvente, uma subs- mento pode ser alterado se controles da distribui-
tância altamente tóxica empregada em soluções ção do mesmo forem posteriormente requeridos.
para evitar congelamento. Mais de 100 pessoas Outros medicamentos considerados úteis apenas
morreram por envenenamento com dietilenogli- após o diagnóstico de especialistas ou muito peri-
col antes de o produto ser retirado do mercado. A gosos para a automedicação são disponibilizados
necessidade de uma formulação adequada e da somente por meio de uma prescrição. Tais medi-
realização de ensaios farmacológicos e toxicológi- camentos devem conter uma tarja com a legen-
cos dos fármacos, adjuvantes e produtos acabados da “RX unicamente” ou “Atenção: a lei federal
foi dolorosamente reconhecida. O congresso res- proíbe a dispensação sem prescrição médica”.
pondeu a isso com a aprovação do Federal Food, Entretanto, seu status legal pode ser alterado
para de venda livre, embora em geral na menor
dose recomendada, se forem considerados úteis
* N. de R.T. Esta seção descreve aspectos relacionados à
e suficientemente seguros para uso por pessoas
legislação americana sobre desenvolvimento, produção e
uso de medicamentos. Para evitar erros e traduções ina- leigas. Exemplos incluem medicamentos con-
dequadas, os nomes das leis e outras regulamentações fo- tendo ibuprofeno, cetoprofeno, cimetidina, lo-
ram mantidos em inglês. ratidina e ranitidina.
28 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
O Comprehensive Drug Abuse Prevention and Em todos os casos, as leis estaduais e locais podem
Control Act, de 1970, estabeleceu cinco “catego- reforçar as leis federais, mas nunca contradizê-las.
rias” para a classificação e controle de substâncias
que são passíveis de abuso. Essas categorias classi-
ficam as substâncias em níveis cujo controle di- Drug Listing Act, de 1972
minui a partir de I a V. Os fármacos podem ser
classificados numa das cinco categorias, da seguin- O Drug Listing Act foi decretado para fornecer à
te forma: FDA a autoridade para compilar uma lista de
medicamentos comercializados, auxiliando na exe-
Categoria I: Substâncias não-aceitáveis para cução das leis federais que exigem que estes sejam
uso na medicina ou outras substâncias apre- seguros e eficazes, não sejam adulterados ou dei-
sentando alto grau de abuso. Nessa cate- xem de atender à legislação. Sob as regulamenta-
goria estão incluídos agentes como heroí- ções da lei, cada empresa que fabrica ou reembala
na, LSD, peiote, mescalina, metaqualona, medicamentos para a distribuição ou comerciali-
maconha e outros similares. Qualquer subs- zação final aos pacientes ou consumidores deve
tância que não apresente utilidade na me- ter registro na FDA e fornecer informações ade-
dicina e que seja usada como droga de abu- quadas. Todas as empresas de distribuição e co-
so pode ser colocada nessa categoria. mercialização estrangeiras, cujos produtos são im-
Categoria II: Substâncias com usos médicos portados pelos Estados Unidos, estão sujeitas a
aceitáveis e alto potencial para abuso, po- essa regulamentação. Exceções dessas exigências
dendo levar à dependência física ou psico- são os hospitais, clínicas e instituições de saúde
lógica grave. Nessa categoria estão incluí- que preparam produtos para seu uso próprio. Tam-
dos morfina, cocaína, metanfetamina, bém estão isentas as instituições de ensino e pes-
amobarbital, entre outras. quisa, nas quais os medicamentos são preparados
Categoria III: Substâncias com usos médicos por outras razões. Cada produto recebe um nú-
aceitáveis e potencial para abuso menor do mero de registro permanente, segundo o formato
que aquelas listadas nas categorias I e II, do National Drug Code (NDC). Nesse sistema,
podendo levar à dependência física e psico- os primeiros quatro números, de um total de 10,
lógica moderada. Nessa categoria encontram- identificam o fabricante ou distribuidor. Os últi-
se codeína, hidrocodona e substâncias simi- mos seis números identificam a formulação do
lares, em quantidades especificadas. medicamento, o tamanho e o tipo de embalagem.
Categoria IV: Substâncias com usos médicos O segmento que identifica a formulação é o códi-
aceitáveis e potencial para abuso baixo em go do produto e o que identifica o tamanho e tipo
relação àquelas listadas na categoria III, de embalagem é o código da embalagem. O fabri-
podendo levar a uma limitada dependên- cante ou distribuidor determina a proporção des-
cia física e psicológica, quando compara- ses seis números para os dois códigos; por exemplo,
das com as substâncias listadas na catego- um código com configuração do tipo 3:3 (p. ex.,
ria III. Nessa categoria encontram-se dife- 542-112) ou 4:2 (p. ex., 5421-12). Unicamente
noxina, diazepam, oxazepam e substâncias um dos tipos de configuração pode ser seleciona-
similares, em quantidades especificadas. do pelo fabricante ou distribuidor, designando um
Categoria V: Substâncias com usos médicos código para cada produto que será colocado na
aceitáveis e potencial para abuso baixo em listagem. O código final é apresentado como este
relação àquelas listadas na categoria IV, exemplo: NDC 0081-5421-12.
podendo levar a uma limitada dependên- Os números do NDC aparecem no rótulo de
cia física e psicológica, quando compara- todos os medicamentos. Em alguns casos, o fa-
das com as substâncias listadas na catego- bricante os imprime diretamente sobre as uni-
ria IV. Nessa categoria encontram-se a dii- dades de dosagem, tais como cápsulas e com-
drocodeína, difenoxilato e substâncias si- primidos, para a rápida identificação quando o
milares, em quantidades especificadas. número é verificado no diretório do NDC ou
30 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
tuamento quanto à comercialização de medica- dos e plantas que legalmente não são considera-
mentos, a lei tem sido freqüentemente referida dos medicamentos, não foram submetidos à ava-
como “Dingell Bill ”e “Drug Diversion Act”. Ela liação por meio de uma NDA e, portanto, não
destina-se a reduzir os riscos da entrada no mer- foram avaliados quanto à segurança e eficácia pela
cado de medicamentos adulterados, falsificados e FDA.
reembalados, por meio de “fontes secundárias”. A lei proíbe fabricantes e distribuidores desses
Seus principais trechos podem ser resumidos da produtos de fazer qualquer tipo de propaganda
seguinte forma: indicando que o uso possa prevenir ou curar uma
doença específica. De fato, uma legenda deve apa-
1. Reimportação: proíbe a reimportação de me- recer no rótulo: “Este produto não é destinado ao
dicamentos produzidos nos Estados Unidos, tratamento, cura ou prevenção de qualquer tipo
exceto pelo fabricante do produto. de doença”. Entretanto, a lei permite indicar os
2. Restrições à venda: proíbe a venda, transação, benefícios relacionados à deficiência de nutrien-
aquisição ou oferecimento para venda, transa- tes ou, com base em evidências científicas, a ma-
ção ou aquisição de amostras de medicamen- neira como um componente pode afetar uma es-
tos. Também proíbe a revenda, por institui- trutura ou função corporal (p. ex., aumento da
ções de cuidados com a saúde, de produtos circulação ou diminuição do colesterol), ou como
adquiridos explicitamente para o seu uso. Ins- o uso do produto pode afetar o bem-estar geral
tituições de caridade que recebem medicamen- do indivíduo. Antes que qualquer tipo de propa-
tos a preços reduzidos ou gratuitos não po- ganda promocional seja feita, o fabricante deve
dem revendê-los. antes submeter os dados verdadeiros e não-enga-
3. Distribuição de amostras: amostras podem ser nosos à FDA (13).
distribuídas apenas para (a) profissionais licen- O uso de plantas e suplementos nutricionais
ciados para prescrever medicamentos e (b) por faz parte das “terapias alternativas” atuais, que es-
solicitação escrita dos profissionais, para far- tão recebendo crescente atenção por parte da FDA
mácias de hospitais ou de outras instituições e da comunidade científica. Muitos desses produ-
de saúde. A distribuição de amostras pode tos, incluindo ginseng, ginko, saw palmetto, erva-
ser feita pelo correio comum e não direta- de-São-João, Echinacea, são empregados mundial-
mente por empregados ou funcionários da mente e suas propriedades têm sido relatadas na
empresa. literatura, a partir de pesquisas conduzidas na
4. Distribuidores atacadistas: os fabricantes são Europa e na Ásia. Em 1997, um relato da U.S.
solicitados a manter uma lista de seus distri- Presidential Commission on Dietary Supplement
buidores autorizados. Os atacadistas que de- Labels recomendou mais pesquisa no país sobre
sejem distribuir um medicamento para quem os benefícios de suplementos alimentares. Em res-
não é autorizado pelo fabricante devem infor- posta, estudos acadêmicos e do National Institu-
mar a seus clientes, antes da venda, o nome da tes of Health (NIH) estão sendo realizados para
pessoa de quem eles obtiveram o produto e avaliar a utilidade terapêutica de alguns desses
todas as vendas anteriores. produtos e determinar a segurança no seu uso. O
compêndio USP-NF está adotando especificações
para esses produtos, usando substâncias marcado-
Dietary Supplement Health and ras que devem estar presentes na faixa de concen-
Education Act, de 1994 tração especificada.
Federal Food and Drug Modernization Act. para a AIDS, câncer, doença de Alzheimer e ou-
Atualmente é o órgão americano responsável pela tras que ameaçam gravemente a vida. Também
execução de muitas leis que foram aprovadas. permitiu a aprovação mais rápida de novos medi-
Sua missão é proteger a saúde pública contra camentos pelo emprego de taxas pagas pelo soli-
riscos associados com a produção, distribuição e citante para contratar revisores internos adicio-
venda de alimentos, aditivos para alimentos, me- nais e revisores externos, e por meio de mudanças
dicamentos e produtos biológicos de uso huma- das exigências que demonstram a eficácia clínica
no, dispositivos médicos e radiológicos, produtos do medicamento. Ele também fornece incentivos
de uso veterinário e cosméticos. É da competên- para pesquisas de medicamentos pediátricos.
cia da FDA: A legislação incluiu provisões para a realização
de ensaios clínicos em conjunto com o NIH, es-
• Estabelecer políticas e padrões, publicar reco- tabeleceu um sistema para a realização de estudos
mendações e promulgar e executar as normas sobre a segurança e eficácia de medicamentos co-
e regulamentações que regem as indústrias e mercializados, estabeleceu um programa para a
seus produtos. disseminação de informações dos usos não-rotu-
• Monitorar a adesão à legislação por meio da lados, encorajou as petições de registro de medi-
solicitação de relatórios, amostragem e rea- camentos com indicações terapêuticas adicionais,
lização de análises dos produtos e de inspe- promoveu a expansão do sistema de informações
ções. da FDA e permitiu a agilização do trabalho da
• Estabelecer as exigências para rotulagem, di- agência com utilização de formatos não-impres-
vulgar informações sobre o uso e a segurança sos para petições de registro de medicamentos para
do produto, publicar precauções quanto ao seu seres humanos.
uso e orientar sobre a nova solicitação de re- Para sistematizar, viabilizar e executar a auto-
gistro. ridade legislativa, a FDA tem elaborado um con-
• Agir como o guardião do governo para tornar junto de normas e recomendações relevantes. Es-
novos medicamentos, ensaios laboratoriais e sas são as primeiras normas publicadas no Federal
dispositivos médicos seguros e efetivos, por Register e colocadas para consulta pública; quan-
meio de um processo cuidadoso de petição e do o trabalho estiver terminado, elas serão publi-
avaliação. cadas no Code of Federal Regulations.
vos e equipamentos médicos duráveis. O farma- quisa consiste em um curso de pós-graduação des-
cêutico desenvolve perfis individuais de medica- tinado a preparar o indivíduo para tornar-se um
ção, publica brochuras contendo informações pesquisador independente. Ambos os cursos de
sobre medicamentos, aconselha os pacientes sobre formação duram 12 meses ou mais e requerem a
seu estado de saúde e fornece dados sobre o uso orientação próxima de um preceptor.
de medicamentos e de procedimentos não-medi- Os profissionais que trabalham em empresas de
camentosos. Como membro da equipe de profis- produção, desenvolvimento e pesquisa podem par-
sionais da saúde, eles servem como fonte de in- ticipar de várias atividades, incluindo a pesquisa de
formação e participam na seleção, monitoramen- novos fármacos, desenvolvimento e produção de
to e avaliação da terapia medicamentosa. medicamentos, estudos clínicos e avaliação de me-
Um número substancial de profissionais exer- dicamentos, propaganda e comercialização. Os co-
ce suas atividades em instituições de saúde, como nhecimentos do farmacêutico sobre química, ciên-
os hospitais, clínicas, instalações de cuidados ex- cias biológicas e farmacêuticas, junto com o conhe-
tensivos e organizações de saúde. Nesses setores, cimento técnico sobre formulação, desenho de for-
o farmacêutico dirige os sistemas de controle e mas farmacêuticas e usos clínicos são integrados de
distribuição de medicamentos e fornece diversos forma a atender às exigências da indústria farmacêu-
serviços clínicos, incluindo a DUR (Revisão da tica. Farmacêuticos com titulações maiores (Master
Utilização de Medicamentos), monitoramento of Science [MS] ou Doctor of Philosophy [PhD])
terapêutico, programas de misturas intravenosas, em ciências básicas ou farmacêuticas são altamente
serviços de consultas sobre dados farmacocinéti- visados pela indústria farmacêutica.
cos, controle de medicamentos que estão sob in- Em serviços governamentais, os farmacêuticos
vestigação e serviço de informações toxicológicas. realizam funções administrativas e técnicas para o
A Board of Pharmaceutical Specialties certifi- desenvolvimento e implementação de programas
ca a prática em farmácias nuclear, nutricional, de cuidado com a saúde, e no desenho e execução
psiquiátrica e oncológica, e em farmacoterapia. de regulamentações envolvendo a distribuição e o
Atualmente os programas de cuidados com a controle da qualidade de medicamentos. Opor-
saúde têm crescido extraordinariamente. Organi- tunidades de carreira para farmacêuticos em ins-
zações de cuidados com a saúde têm registrado tituições governamentais em nível federal incluem
dados dos pacientes e assumido muitas responsa- posições no serviço militar, serviços de saúde pú-
bilidades na atenção à saúde, incluindo aquelas blica e agências civis como FDA, Veteran Admi-
referentes aos serviços farmacêuticos. Muitas nistration, Department of Health and Human
novas áreas de atuação farmacêutica têm surgi- Services, DEA, NIH, entre outros. Em níveis es-
do, incluindo posições de direção, consultoria tadual e local, muitos farmacêuticos têm posições
em determinadas doenças, pesquisa dos resul- nos departamentos de saúde, serviços de atenção
tados dos pacientes, especialistas na revisão da farmacêutica para adultos e crianças, controle e
utilização de medicamentos, entre outros investigação do uso de medicamentos e nos Con-
(15,16). Nessas funções, os farmacêuticos apli- selhos de Farmácia.
cam sua competência em administração, reali- Escolas de farmácia contratam farmacêuticos
zação de estudos clínicos e epidemiológicos, com ou sem formação avançada, para servir como
tecnologia da informação e comunicação, no preceptores e ensinar sobre temas específicos dentro
exercício da prática profissional. da instituição acadêmica, participar de pesquisas e
Vários farmacêuticos, particularmente aque- contribuir com os serviços de educação continuada
les interessados na prática institucional, partici- da escola. Alguns farmacêuticos trabalham em tempo
pam de residências e/ou programas de formação integral em setores acadêmicos, enquanto outros
que lhes conferem novas competências. A residên- dedicam meio turno para instrução profissional na
cia em farmácia consiste em curso de pós-gradua- comunidade ou em farmácias de hospitais, para en-
ção em uma área de atuação definida. A principal sinar em hospitais ou clínicas, centros de informa-
finalidade é treinar os farmacêuticos em práticas ções sobre medicamentos, instalações de cuidados
profissionais. Um programa de formação em pes- extensivos com a saúde, departamentos de saúde
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 35
e outras áreas nas quais os serviços farmacêuticos uma doença. O termo é específica e propositalmente
são necessários. usado para distinguir do termo droga o qual fornece uma
Vários farmacêuticos atuam como voluntários imagem não-terapêutica e negativa à população.
em associações locais, estaduais e nacionais. Dispositivos referem-se a equipamentos, proces-
Os farmacêuticos exercem um papel funda- sos, produtos biotecnológicos, agentes de diagnósti-
mental nas suas comunidades, participando de co, entre outros, que são usados para auxiliar na utili-
fóruns de educação sobre saúde e medicamentos, zação efetiva do regime terapêutico.
dando palestras em escolas sobre questões ligadas Serviços referem-se àqueles destinados à educa-
aos medicamentos, dirigindo programas de edu- ção de pacientes, profissionais da saúde e da população,
cação ao paciente e fornecendo informações sobre programas de seleção e monitoramento de medicamen-
questões relacionadas à saúde e aos medicamen- tos, direção e atividades relacionadas que contribuem
tos para legisladores e outros líderes oficiais. para o uso efetivo dos medicamentos pelos pacientes.
O termo “melhores resultados terapêuticos” afir-
ma a contribuição final da profissão à saúde pública.
A missão da farmácia A farmácia reivindica isso como tendo a responsabili-
dade, privilégio e direito único – e aceita as suas con-
Em 1990, a comissão de especialistas da APhA seqüências – sobre o uso de medicamentos. Ela reco-
adotou a seguinte missão para a farmácia (17): nhece a necessidade de integrar-se à saúde pública,
com os papéis complementares dos pacientes e de
A missão da farmácia é servir a sociedade como a pro- outros profissionais da saúde.
fissão responsável pelo uso apropriado de medicamen-
tos, dispositivos e serviços de atenção à saúde, de modo
a obter os melhores resultados terapêuticos. Definição de atenção
farmacêutica
Os elementos da declaração foram definidos pe-
los seguintes aspectos: Atualmente o papel do farmacêutico na prática
contemporânea consiste em fornecer cuidados, os
Farmácia é a profissão da saúde que engloba a aplica- quais foram primeiramente propostos em 1975
ção de conhecimentos que resultam na descoberta, por Mikeal e colaboradores como “o cuidado que
desenvolvimento e uso de medicamentos, e nas in- um determinado paciente requer e recebe e que
formações destinadas ao cuidado da saúde dos pa- assegura o uso racional de medicamentos” (18).
cientes. Ela envolve aspectos clínicos, científicos, eco- Desde então, o termo “atenção farmacêutica” tem
nômicos e educacionais com base nos conhecimen- sido definido por muitos autores, incluindo Strand
tos dos profissionais farmacêuticos e na comunicação e colaboradores, que em 1992 afirmaram (19):
com outros profissionais do sistema de saúde.
Sociedade envolve pacientes, outros provedores de Atenção farmacêutica é um componente da prática
saúde, tomadores de decisões sobre políticas de saúde, a profissional que envolve a interação direta do farma-
população saudável e outros indivíduos e grupos cujos cêutico com o paciente, com a finalidade de propor-
cuidados com a saúde e medicamentos são importantes. cionar-lhe cuidados referentes às suas necessidades
Apropriado é o termo que se refere à responsabi- quanto ao uso de medicamentos.
lidade do farmacêutico em assegurar que um regime
terapêutico seja especificamente direcionado a um pa- A American Society of Health-System Phar-
ciente individual, fundamentado em parâmetros far- macists (ASHP), um organismo nacional que re-
macológicos e clínicos aceitáveis. Além disso, o farma- presenta farmacêuticos que atuam em hospitais,
cêutico deve avaliar o regime terapêutico para propor- HMOs (do inglês, health maintenance organizati-
cionar o máximo de segurança, custos acessíveis e ade- ons), instalações de cuidados extensivos e outros
são do paciente ao tratamento. componentes de sistemas de cuidados com a saú-
Medicamentos são produtos com ou sem tarja, usa- de, deram a seguinte definição para atenção far-
dos no diagnóstico, tratamento, prevenção e/ou cura de macêutica, em 1993 (20):
36 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
A missão do farmacêutico é fornecer atenção far- • Capaz de obter resultados terapêuticos por
macêutica. A atenção farmacêutica é a provisão di- meio do uso de medicamentos eficazes ofere-
reta, responsável, de cuidados relacionados aos me- cidos pelo sistema de saúde.
dicamentos, com o propósito de alcançar resultados • Capaz de colaborar com médicos, enfermei-
definitivos, que melhorem a qualidade de vida do ros e outros membros da equipe de saúde.
paciente. • Um eterno aprendiz.
Funções dos cuidados com o paciente: verifi- cesse uma revisão da terapia medicamentosa an-
ca se o paciente compreendeu aspectos re- tes de a prescrição ser atendida e o medicamento
lacionados ao uso do medicamento; rela- ser entregue ao paciente.
ciona o uso dos medicamentos com infor- As regulamentações exigiam o monitoramen-
mações dadas por ele; aconselha sobre suas to da medicação do paciente quanto a adequação
condições potencialmente ligadas ao me- da terapia, duplicação, super e subutilização do
dicamento; encaminha-o a outros setores medicamento, contra-indicações, reações alérgi-
de cuidados com a saúde; monitora e ava- cas, dose, duração do tratamento e abuso ou uso
lia a resposta terapêutica, revisa e/ou pro- clínico inadequado. Elas também requeriam que
cura informações adicionais sobre medica- o farmacêutico oferecesse aconselhamento terapêu-
mentos. tico a cada recebedor de um medicamento pres-
Educação de pacientes e profissionais da saú- crito em relação ao fármaco, dose e duração do
de: organiza, mantém e fornece informa- tratamento, via de administração, efeitos colate-
ções sobre medicamentos a outros profis- rais, contra-indicações, técnicas para automoni-
sionais da saúde, organiza e/ou participa toramento terapêutico, armazenamento, informa-
de programas de educação em farmácia, faz ções sobre a reutilização e procedimentos adota-
recomendações em relação à terapia a dos no caso de esquecimento do uso do medica-
médico e paciente, desenvolve e mantém mento. Os farmacêuticos também deveriam man-
sistemas de distribuição e controle de qua- ter registros de medicamentos e dos aconselha-
lidade. mentos dados aos seus pacientes.
Nos programas DUR, alguns conselhos esta-
Em 1998, um consórcio de 10 organizações duais de farmácia incluíram as exigências federais
farmacêuticas realizou um projeto de classificação nas regulamentações sobre a prática farmacêuti-
da prática farmacêutica para desenvolver uma lin- ca, aplicando-as a cada usuário de medicamento,
guagem uniforme para o exercício profissional em não unicamente àqueles que recebem os benefí-
áreas como farmacoterapia, monitoramento e ava- cios do programa Medicaid. Muitos estados
liação dos resultados terapêuticos, dispensação de usaram as regulamentações para a prática da aten-
medicamentos, promoção da saúde e prevenção ção farmacêutica desenvolvidas pela National As-
de doenças e direção de sistemas de saúde (39). A sociation of Boards of Pharmacy.
classificação foi destinada a fornecer uma lingua-
gem comum para ser usada e compreendida den-
tro e fora da profissão, na descrição das atividades Código de Ética Farmacêutica da
dos farmacêuticos. American Pharmaceutical
Association*
Omnibus Budget Por definição, uma profissão é baseada em uma
Reconciliation Act, de 1990 arte, construída sob treinamento intelectual espe-
cializado e tem como objetivo principal a realiza-
O Omnibus Budget Reconciliation Act, de 1990 ção de um serviço. Os princípios nos quais a prá-
(OBRA 90), o qual foi efetivado em 1o de janeiro tica profissional da farmácia é baseada estão colo-
de 1993, passou a exigir que cada Estado desen- cados no Código de Ética da APhA.
volvesse programas DUR (revisão da utilização de O Código de Ética da APhA tem sido revisa-
medicamentos) para melhorar a qualidade da aten- do durante anos e reflete o dinamismo do exercí-
ção farmacêutica fornecida aos pacientes cober- cio profissional. A versão atual é a seguinte:
tos pela assistência médica federal (Medicaid) (40,
41). O estatuto foi destinado a assegurar que as
prescrições fossem apropriadas, necessárias e não * N. de R.T. No Brasil, o código de ética farmacêutica é
resultassem no aparecimento de reações adversas. aprovado pela Resolução no 417, de 29/09/2004, do Conse-
Também exigiu que cada plano estadual forne- lho Federal de Farmácia, nos termos do Anexo da mesma.
38 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
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