Você está na página 1de 6

O CAVALEIRO NOAQUITA

A lenda de Noé

Texto do MM Joáo Anatalino

Diz Anderson, em suas Constituições, que Seth, o filho dileto de Adão, recebeu o título de
primeiro maçom, pela cidade que construiu em homenagem a seu filho Enos, cidade que
ele chamou de Consagrada. A partir daí, a arte de construir tornou-se o símbolo da
construção do edifício universal, que é a sociedade humana. E foi assim que nasceu a
Maçonaria.[1]
A ideia que aqui se insere é a de que a história da humanidade, tal como é revelada na
Bíblia, é o próprio relato da construção do universo, pensado por Deus, o Grande Arquiteto
do Universo e realizado por nós, os homens, os seus pedreiros.
Como se sabe, o patriarca Noé é descrito na Bíblia como sendo um carpinteiro, ou seja, uma
das profissões ligadas à Arte Real, já que não se constroem edifícios sem obras de
carpintaria. Por isso, e por ser um homem puro e de bons costumes, ele foi escolhido pelo
Grande Arquiteto do Universo para reformar o edifício terrestre da humanidade, que o
próprio GADU resolveu destruir, já que ele havia sido desviado da finalidade para o qual
havia sido construído. [2]
Hoje está sobejamente provado que o grande dilúvio universal realmente aconteceu. Não é
uma mera lenda bíblica. Todas as tradições antigas fazem referências a esse evento de
conseqüências trágicas para a humanidade.
Os livros sagrados da Índia e dos povos mesopotâmicos mencionam esse fato. Na tradição
vedanta, Noé é chamado de Vaisaswata ou Satiavrata. Nas lendas gregas ele é Deucalião.
Os caldeus o chamavam de Xixouthros e os chineses de Fo-Ki. Nas lendas americanas,
cultivadas pelos astecas e maias, ele foi Bochica, “o que se salvou das grandes águas.”
Muitos historiadores acreditam que as informações sobre o dilúvio, constantes da Bíblia,
foram copiadas de tradições mesopotâmicas.

Existem lendas muito antigas (supostamente mais antigas do que a Bíblia), que falam de
um rei da Babilônia, chamado Utmapishtin, que durante o dilúvio, construiu uma
grande arca e nela se fechou com sua família, servos e artesãos, e um grande rebanho de
animais. Sua arca flutuou por sete dias e por fim parou no cume de uma montanha. Nessas
lendas fala-se também da pomba e do corvo que ele teria soltado para se certificar se as
águas do dilúvio haviam baixado.

Uma tese, divulgada pelo alquimista Fulcanelli, sustenta que a Arca de Noé, na verdade
seria um lugar onde as pessoas teriam se refugiado para escapar das águas do dilúvio.
Seria um altiplano, situado provavelmente no pico de uma das montanhas mais altas dos
Andes ou do Himalaia, e que esse período de refúgio teria durado cerca de dois séculos.
Essa tese daria sentido ao mito da Atlântida e às memórias conservadas nas tradições de
todos os povos antigos, que se referem á essas lendas.

1
O primeiro maçom

Segundo o Dr. Anderson, o primeiro homem a receber o título de maçom foi Seth,
terceiro filho de Adão, que teria erguido uma cidade, a qual consagrou ao Grande
Arquiteto do Universo. Essa cidade simboliza o trabalho maçônico de construção do edifício
terrestre, no qual habitaria o Grande Arquiteto do Universo. O edifício terrestre aqui
referido é a própria humanidade, que segundo a tradição bíblica, foi recomposta a partir
dos descendentes de Noé.
Seus filhos Sem, Cam e Jafet deram origem aos semitas (os povos do Oriente Médio)
aos Camitas (povos da África) e aos jaféticos, também conhecidos como arianos.
Por isso é que os maçons operativos, antes da sua transformação para o que veio a se
chamar Maçonaria especulativa, costumavam chamar a si mesmos de Noaquitas, ou seja,
descendentes de Noé.

Em seus rituais eles adotavam uma lenda segundo a qual os filhos de Noé, Sem, Cam e
Jafet, após a morte do patriarca, desejosos de descobrir o segredo pelo qual seu pai se
tornara tão poderoso perante o Grande Arquiteto do Universo, foram até a sua tumba e
exumaram o seu cadáver. Vendo que o corpo estava quase decomposto, pegaram-no pelo
dedo e viram que a carne se desprendia dos ossos. Depois o levantaram ombro contra
ombro, cotovelo contra cotovelo, pé contra pé, peito com peito, face com face, mãos nas
costas, e gritaram “Oh! Senhor meu Deus!" E depois de ver que ainda havia tutano nos
ossos, concordaram que deviam dar ao corpo morto um nome de código. Essa lenda foi
aproveitada no desenvolvimento do Drama de Hiram, que representa a passagem do
Companheiro para Mestre.

Os cavaleiros teutônicos

Essa lenda é desenvolvida no Grau 21, um dos mais importantes graus do Rito Escocês
Antigo e Aceito, pelo valor iniciático que encerra. Por isso é chamado Cavaleiro
Prussiano ou Noaquita. Além das alegorias referentes a Noé e seus filhos, ele também
evoca antigos mitos ligados à Cavalaria, especialmente os cavaleiros teutônicos, cuja
participação nas Cruzadas foi de extrema importância.
Os cavaleiros teutônicos, da mesma forma que os templários, também estão ligados
a uma larga tradição de esoterismo, misticismo e feitos heróicos.
É dessa Ordem de Cavalaria que se origina a maioria das lendas do Graal.
Os cavaleiros teutônicos, em sua maioria, eram oriundos da Alemanha.
No século XIX, em alguns círculos intelectuais alemães de orientação mística, havia uma
crença comum que os povos germânicos descendiam diretamente de Noé,
através de seu neto Gomer, filho de Jafét.
A partir do Dilúvio, tendo como fundador o filho mais novo de Noé, Jafét, eles se
distribuíram por diversas tribos, dando origem a vários povos, mais tarde conhecidos como

2
germânicos, celtas, jônios, aqueus, saxões, nabateus, etc. Esses povos de raça branca,
chamados geralmente de arianos, viviam nas planícies da Europa Central e em várias
regiões da Ásia, dali se espalhando por toda a terra. Seus descendentes mais importantes
eram as tribos germânicas que ocuparam extensos territórios na Europa Central
ederam origem aos estados alemães.

A Torre de Babel

A lenda do grau, embora não encontre adequado desenvolvimento no Rito Escocês Antigo
e Aceito, (talvez pela sua origem germânica), tem, não obstante, um profundo conteúdo
simbólico.
Esse simbolismo é explorado de modo mais eficiente no Rito Adoniramita.
Ali conta-se que os descendentes de Noé, não confiando muito na promessa de Deus,
expressa através do arco-íris, de que não haveria mais dilúvios sobre a terra, intentaram
construir uma torre onde poderiam se abrigar, caso o Senhor resolvesse castigar novamente
a humanidade com outro dilúvio.
A partir dessa torre desenvolveu-se uma cidade, onde seu rei Ninrod, “poderoso caçador
perante o Eterno”, segundo a Bíblia, começou a fazer a distinção entre os homens,
atribuindo a cada um seus direitos e deveres.
A essa cidade ele chamou de Babel, pois essa era a comunidade de todos os povos e
línguas, onde se adorava a verdadeira divindade. Como a consagração da cidade ocorrera
numa noite de lua cheia, os cavaleiros Noaquitas adotaram a tradição de realizar suas
assembléias anuais na lua cheia de março,
No Rito Escocês a lenda tem algumas variáveis e evoca tradições gnósticas que o Rito
Adoniramita não integrou.
Aqui, a Torre de Babel aparece como um santuário construído antes do Dilúvio e seu
objetivo é alcançar os sete céus da tradição gnóstica.
É evidente que as diferenças rituais refletem as variantes filosóficas adotadas pelos
diferentes grupos, mas a alusão a Ninrod, como “o primeiro rei a estabelecer distinção entre
os homens” é bastante significativa, dado ao fato já observado do referido grau ter nascido
entre os alemães. Vemos aí o cerne das doutrinas discriminativas que floresceram entre
aquele povo e que tanta infelicidade tem trazido para a humanidade.

O ensinamento do grau

O que se pretende, no entanto, no ensinamento do grau, é alertar o obreiro da Arte Real


contra os sentimentos de arrogância, malícia, infidelidade, vaidade e orgulho. Por isso as
referências á Torre de Babel, tendo em vista que tradicionalmenteela é vista como sendo
um monumento erguido para dar vazão ao sentimento de orgulho e vaidade dos homens.
E também a citação feita no Ritual, às cidades de Sodoma e Gomorra, símbolos de
corrupção, perfídia e arrogância humana, que foram, por isso mesmo, destruídas pelo
Grande Arquiteto do Universo, são um exemplo que nos leva a essa interpretação.

3
Já dissemos que nem sempre o Templo do Rei Salomão foi a alegoria mais importante
no desenvolvimento do ensinamento maçônico.
Já houve tempo em que essa primazia, segundo o Manuscrito Régius,cabia á Torre de
Babel, sendo o rei Ninrod e não Salomão, o primeiro monarca a patrocinar a Maçonaria
operativa.
Diz-se que foi aquele rei que primeiro dividiu os trabalhadores da
construção em aprendizes, companheiros e mestres, criando palavras de
passe, toques e outras formas de distinção entre suas graduações.
Essa é, em nossa opinião, uma clara referência às teses de distinção entre as raças humanas.
Essas idéias, como se pode perceber, também foram acolhidas pela cultura judaica, que as
disfarçou na alegoria da confusão de línguas que Deus teria promovido para evitar que os
homens terminassem de construir a Torre de Babel.
Pois não há uma forma mais eficiente de diferenciar uma cultura da outra do que pela
alusão à língua utilizada. Tanto que na época clássica de Grécia e Roma, somente a língua
grega e o latim eram consideradas línguas civilizadas. As demais eram tidas como
bárbaras.
Nesse sentido, também as palavras de passe, toques, sinais, símbolos que só podem ser
compartilhados por determinados grupos, constitui uma linguagem discriminatória que
representa um claro sinal de distinção.
Assim, é a tradição cavalheiresca legada pelos cavaleiros teutônicos que inspira a
maior parte da liturgia do grau. Embora todo o conteúdo do ritual esteja centrado na
reconstrução do Templo de Jerusalém, efetuada por Zorobabel, os ensinamentos que ali se
propagam e buscam muito mais efetuar uma ligação entre a Maçonaria e as Ordens de
Cavalaria que foram criadas na Terra Santa na época das Cruzadas, do que propriamente
evocar a missão de Zorobabel.
Todos os símbolos e alegorias trabalhados no Ritual estão a demonstrar essa evidência.
Haja vista as denominações dos oficiantes da Loja e a iconografia que nela aparecem. Nela
se vê um triângulo de prata, atravessado por uma flecha dourada, claramente um símbolo
militar. Uma representação de raios lunares, penetrando por uma janela, representa o lugar
de reunião dos iniciados, evocativa dos cubículos medievais onde se reuniam os cavaleiros.
Os oficiantes são chamados Cavaleiro Tenente Comendador (presidente da Loja),
Cavaleiros Inspetores (os Vigilantes), Cavaleiro da Eloqüência (o Orador),
Cavaleiros Prussianos ou Patriarcas Noaquitas (os demais mestres em Loja).
Esses títulos, como se vê, fazem remissão á Cavalaria.
Diz-se também que o Presidente da Loja representa Frederico II, rei da Prússia, o que
demonstra, mais uma vez, a origem prussiana do grau.
A moral desenvolvida no ensinamento do grau denota também a sua origem prussiana.

O homem maçônico

Em franca oposição ás virtudes do “super-homem” de Nietzsche,o “homem maçônico” do


grau 21 combate o orgulho porque ele conduz á prepotência; Desestimula a vaidade porque

4
esta é irmã da inveja; Despreza o egoísmo porque ele nos conduz á subserviência e á
desafeição por tudo que seja ele mesmo; Pratica a humildade, pois nela está o
reconhecimento de que ele não é perfeito e precisa constantemente evoluir; Venera a Deus
e estima os valores que fazem um homem ser justo; Controla suas paixões e as faz trabalhar
em prol do desenvolvimento pessoal e coletivo; Pratica a virtude como forma de vencer o
vício, acatando as leis, mostrando-se justo em todos os atos e reservado com todos, sobre o
aprendizado dentro dosensinos maçônicos.[24]

Bibliografia

[1]James Anderson, As Constituições, Ed Fraternidade, S. Paulo, 1982.


[2] Idem, op. citado. Conforme ensina a doutrina da Cabala, Deus fez o homem para que servisse de
receptáculo (vaso) para a recepção da sua Luz. Adão, ao cometer o pecado da desobediência, ou seja, ao
desenvolver um ego, quebrou esse vaso, e assim a Luz espalhou-se pelo mundo, ficando presa nos limites da
matéria. Por isso todas as fadigas do homem e a luta do seu espírito se destina a libertar essa Luz, que é a
sua alma, da prisão da matéria, para que livre dessa “casca” (kelipot), ele possa voltar ao Criador, limpo e
puro.
[3] Segundo lendas andinas, a família de Bochica teria erigido Tihuanaco, a cidade construída “antes que as
estrelas surgissem no céu.” Essas tradições também são cultivadas no Tibet e na Índia, onde se diz que os
altiplanos do Himalaia já foram, um dia, estações marítimas.
[4] Notadamente a chamada Epopéia de Gilgamés, o herói sumeriano que teria vivido por volta de 2700 a.C.
As lendas que falam desse herói constam da grande biblioteca de Assurbanipal, rei assírio que volta do século
VII a. C. reinou em todo o oriente, e reuniu, na capital do seu império, a cidade de Nínive, mais de 30.000
placas de argila, contendo diversos textos literários, que supostamente, teriam servido de fonte para a
produção da própria Bíblia heraica.
[5] As Moradas dos Filósofos, pg. 426 e ss.
[6] Tradições conservadas no Tibete e as lendas dos povos andinos sustentam que seus territórios, situados
nos picos do Himalaia e na Cordilheira dos Andes, respectivamente, já foram, um dia, estações marítimas.
Essa hipótese foi comprovada pelo arqueólogo inglês Ralph Bellamy.
[7] As Constituições, op. citado pg. 4
[8] Lenda adaptada do Manuscrito Coocke (+- 1456). Essa lenda é uma clara adaptação de uma metáfora
cabalista. Segundo a Cabala, os filhos de Noé teriam desenterrado o seu corpo e tentado ressuscitá-lo usando
fórmulas mágicas (o poder do Nome Sagrado).
[9]William Shirer, Ascensão e Queda do Terceiro Reich, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1975.
[10] Teutos, ou teutões, é o nome geral que os romanos davam às tribos bárbaras que habitavam as fronteiras
a leste do Império, equivalentes hoje à Alemanha, parte da Polônia e Ucrânia. Antigas tradições dizem que o
povo nabateu, conhecido principalmente pelas famosas ruínas da cidade de Petra (Jordânia) eram
descendentes de Nebo, o deus babilônico da sabedoria, dai o seu nome. Os nabateus seriam, inclusive, os
fundadores da Babilônia. Segundo o pesquisador árabe Massoudi, os nabateus eram descendentes de Cam e
não de Jafet, mas os historiadores, de modo geral, costumam classificá-los entre os jaféticos.
[11] Conforme a Doutrina Secreta, os judeus e os árabes são arianos de segunda cepa, descendentes dos
jaféticos que não quiseram imigrar para a Índia quando as nações se dispersaram. Síntese da Doutrina
Secreta, op. citado, pg. 174
[12] Friedrich Nietzsche,Assim Falava Zaratustra, op. citado. Charles Darwin (1809-1882) escreveu o clássico,
“Sobre a Origem das Espécies,” onde sustenta a tese da evolução natural, fundamentada na sobrevivência das
espécies mais competentes para se adaptar às mudanças do ambiente.
[13] William Shirer, Vol. II, op. citado, pg. 221
[14] Obras clássicas de Richard Wagner, como Parcifal, O Anel dos Nibelungos, A Cavalgada das Walkírias,
são exemplos desses trabalhos.
[15]Jean Palou, op citado. Pg. 107

5
[16] Idem, pg.108.
[17] Alex Horne- O Templo do Rei Salomão na Tradição Maçônica, citado.
[18] Historicamente, acredita-se que a chamada Torre de Babel seja um dos “zigurats”, torre que os sacerdotes
caldeus costumavam construir para fins de observações astrológicas. A religião dos israelitas condenava a
prática da astrologia e da astronomia, razão pela qual ela foi estigmatizada na lenda da Torre de Babel.

[19] Esse tipo de linguagem era utilizado pelas antigas seitas iniciáticas como forma de reconhecimento e
distinção entre seus membros.
[20] Cf. Jean Palou, op citado, pg. 223. O Ritual do grau também trás essa informação. A Prússia, antes da
unificação da Alemanha, promovida pelo Kaiser Guilherme e liderada pelo barão Otto Von de Bismark, era o
mais rico e importante estado alemão.
[21] Não é demais lembrar que durante o regime nazista, a Maçonaria foi banida da Alemanha.
[22] F. W. Nietzsche - Assim Falava Zaratustra, citado, pg.36. Do mesmo autor veja-se O Anticristo, L&PM
Pocket, São Paulo, 2009.
[23] Referência à história de Satã, que se traveste de serpente e engana o casal humano.
[24] Conforme o discurso ritual do grau 21.

TEXTO enviado por João Anatalino em 09/11/2017

Você também pode gostar