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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CUIABÁ-MT
ABRIL 2021
NATANAEL ALEXANDRE OLIVEIRA NARAMOTO PALAZIN
VICTORIA LEOCÁDIA ROSSETTO DREHER
CUIABÁ-MT
ABRIL 2021
“A mensagem” (CLARICE, 1998), é um conto sobre o relacionamento de dois jovens,
que juntos buscam uma nova forma de viver e conviver, uma forma de vida diferente daquela
que os outros (mais velhos) viviam. Resumidamente, eles buscam uma nova forma de vida,
mesmo que o texto não seja conclusivo quanto a vida que eles encontraram, a trajetória para
esse novo viver é descrita ali, uma história não linear e cheia de contradições, elementos esses
que são marcantes no estilo de escrita da autora. A vida é ali representada como uma
mensagem que deve ser decifrada continuamente.
Inicialmente, notou-se a necessidade de dividir o texto, didaticamente, em dois
momentos: (1) desenvolvimento do relacionamento das personagens e (2) a cisão desse
relacionamento.
Rogers (1993), ao escrever sobre as características da abordagem centrada na pessoa,
elenca três condições para se criar um clima facilitador de crescimento, que tem como
objetivo o desenvolvimento pessoal, elas podem ser resumidas em: (a) congruência, (b)
aceitação incondicional e (c) compreensão empática. Essas três condições podem ser
percebidas no encontro inicial das personagens, pelo menos de maneira parcial.
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Condição que se deve estabelecer na relação entre terapeuta e cliente, mas não se restringe a essa relação, a
qual também poderia ser chamada de autenticidade ou sinceridade. A congruência, enquanto conceito, fala de
uma transparência com o outro, numa relação clínica isso pode se traduzir em uma liberdade para o terapeuta,
um rompimento com as barreiras profissionais, algo que vai permitir que o cliente “mude e cresça de forma
construtiva” (ROGERS,1993).
“Viu-se conversando com ela, escondendo com secura o maravilhamento de
enfim poder falar sobre coisas que realmente importavam; e logo com uma
moça! Conversavam também sobre livros, mal podiam esconder a urgência
que tinham de pôr em dia tudo em que nunca antes haviam falado”
(CLARICE, 1998, p. 120).
“[...] Bastava ela dizer, como numa senha, ‘passei ontem uma tarde ruim’, e
ele sabia com austeridade que ela sofria como ele sofria. Havia tristeza,
orgulho e audácia entre ambos” (CLARICE,1998, p.120).
Mesmo o jovem tentando conter sua excitação ao conversar “sobre coisas que
realmente importavam” com ela (nota-se, aqui, que falar sobre a angústia fazia parte das
coisas que realmente importavam), ambos não conseguem esconder a “urgência” de expressar
aquilo que nunca haviam sequer comentado. Eles mutuamente se importam e se ouvem de
maneira empática, e por empática define-se alguém que capta com precisão os sentimentos e
significados dados pela pessoa (ROGERS, 1993). Assim, há a criação de um espaço
facilitador (parcial) nessa relação, criação essa que vai permitir, segundo a narradora, que haja
um amadurecimento dos dois personagens, ou nas palavras de Rogers (1991) é algo que
facilitará o processo de realização pessoal dos jovens (auto-realização), já que esse processo
seria a consequência de uma natureza humana que, de acordo com o autor, tem uma
orientação essencialmente positiva.
Entretanto, apesar dessas identificações e convergências iniciais, a relação deles é
demarcada também por conflitos, principalmente por conflitos de gênero, como pode-se notar
aqui:
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Essa classificação “parcial versus integral” é apenas uma abstração, criada com propósitos didáticos para a
produção desse trabalho, e não é algo que, necessariamente, faz parte da teoria de Rogers (1991; 1993) ou da
ACP (Abordagem Centrada na Pessoa).
a única coisa que os mantinha juntos, até porque só sobrara a sinceridade deles para combater
a “mentira alheia”.
“Eles apenas concordavam no único ponto que os unia: o erro que havia no
mundo e a tácita certeza de que se eles não o salvassem seriam traidores.
Quanto a amor, eles não se amavam, era claro” (CLARICE, 1998, p.123).
“Eles também achavam que os outros queriam caçá-los não para o sexo, mas
para a normalidade. Eles eram medrosos, científicos, exaustos de
experiência” (CLARICE, 1998, p.123).
Mesmo que tenham tentado se afastar das amarras normativas dos outros, eles ainda se
mostram infelizes e sufocados por esse ideal criado (ideal esse que acaba sendo similar a
moralidade que eles tanto condenam). Em suma, ao tentar fugir de um mundo de enganação,
cheio de sentimentos e palavras vazias, eles criaram um universo de racionalidade e
“verdade”, um lugar em que eles podiam compartilhar sua angústia, mas ao mesmo tempo
não podiam, por exemplo, se revelar jovens, pois isso implicaria em ser alguém sem
experiência, muito menos se revelarem de gêneros opostos, pois se a moça se revelasse uma
mulher ele não poderia mais ser seu confidente.
“[...] eles não sabiam como se sentar com naturalidade numa sorveteria: tudo
então se quebrava, denunciando de repente dois impostores. O tempo ia
passando, nenhuma idéia se trocava, e nunca, nunca eles se compreendiam
com perfeição como na primeira vez em que ela dissera que sentia angústia e,
por milagre, também ele dissera que sentia, e formara-se o pacto horrível”
(CLARICE, 1998, p.126).
Em um universo cheio de regras, eles fazem um pacto para tentar forjar a liberdade,
porém eles se sentem mais presos ainda. Rogers (1991), ao explicar os motivos pelo quais ele
considera a sua apreciação organísmica mais digna de confiança que o seu intelecto, afirma
que demorou para aprender que o juízo de terceiros pode até ser ouvido e levado em
consideração pelo que é (apenas um juízo), mas ele nunca poderá orientar a pessoa. As
personagens do conto, ainda não aprenderam isso, elas se guiam por aquilo que não podem
ser, ou seja, elas se norteiam pelo juízo que criaram, se orientam para se diferenciar dos
outros, utilizando esses outros como régua para modelar seus comportamentos e linguagem.
Por fim, eles acabam se limitando dentro de uma normativa imposta por eles mesmos.
“Talvez estivessem tão prontos para se soltarem um do outro como uma gota
de água quase a cair, e apenas esperassem algo que simbolizasse a plenitude
da angústia para poderem se separar. Talvez, maduros como uma gota de
água, tivessem provocado o acontecimento de que falarei.” (CLARICE,
1998, p. 126. Grifos da autora.)
O acontecimento citado pela narradora ocorre em torno de uma casa velha e segundo a
mesma só pode existir, porque os dois estavam prontos para tal. Os jovens voltavam do
último dia de aula na escola e “como sempre, andavam entre depressa e soltos, e de repente
devagar, sem jamais acertar o passo, inquietos quanto à presença do outro.” (CLARICE,
1998, p.126). Eles “permutavam as qualidades: ela se tornava como um homem, e ele com
uma doçura quase ignóbil de mulher.” (CLARICE, 1998, pág. 127). Percebemos nessa troca
feita pelos personagens a renúncia, por parte de ambos, de uma racionalidade constantemente
presente na relação, bem como, a inversão dos papéis de gênero, em que para a menina é
atribuída uma característica que tendenciosamente é masculina e ao menino atribuído uma
afetuosidade pertencente às mulheres. Assim, eles permitem que o sentimento de melancolia
ocupe espaço, sentimento esse que advém com o findar das aulas e que representa o corte do
“último elo” (CLARICE, 1998, pág. 127).
“Era uma das ruas que desembocam diante do Cemitério São João Batista,
com poeira seca, pedras soltas e pretos parados à porta dos botequins.
Os dois andavam na calçada esburacada que mal os continha de tão estreita.”
(CLARICE, 1998, pág. 127)
Em um atrapalho como quem não sabe se atravessa a rua ou segue o outro, os dois se
desencontram e ainda na busca inquieta por um rosto (CLARICE, 1998) encontram-se de
frente para a casa. Mas bem de frente. Ao ponto de que se desse um passo à trás poderiam ser
atropelados e se dessem um passo à frente esbarrariam na casa (CLARICE, 1998). A mesma é
descrita pela locutora como:
“A casa era alta, e perto, eles não podiam olhá-la sem ter que levantar
infantilmente a cabeça, o que os tornou de súbito muito pequenos e
transformou a casa em mansão. [...] (CLARICE, 1998, pág. 128. Grifos da
autora.)
O edifício provoca nos personagens uma espécie de êxtase, eles haviam alcançado o
que queriam e “diante da esfinge” (CLARICE, 1998, pág. 129) escutam: “Eu sou enfim a
própria coisa que vocês procuravam, disse a casa grande. E o mais engraçado é que eu não
tenho segredo nenhum, disse também a casa.” (CLARICE, 1998, pág. 129).
Diante da afirmação o rapaz sente-se cada vez mais perto da resposta que eles tanto
procuravam, já a garota se amedronta com o receio do que pode vir a ser descoberto. A partir
daquele instante de revelação, os dois não se veem mais obrigados a encarar a casa e se fixam
ali por desejo próprio. Percebem que não queriam ser filhos desse passado vazio e sim do
futuro e à medida em que a casa ia ficando no passado, ambos haviam conseguido aquilo que
pediam: eram dois jovens perdidos (CLARICE, 1998). Ou seja, não queriam mais ser meros
reprodutores daquilo que tentavam ensiná-los, queriam construir sozinhos a partir de suas
experiências, sua própria história. Queriam ter autonomia, ser capaz de “orientar sua própria
vida de forma positiva para si mesmo e para a coletividade” (AMATUZZI, 2009, pág. 98)
“[...] O rosto do rapaz estava esverdeado e calmo, e ele agora não tinha
nenhuma ajuda das palavras dos outros: exatamente como temerariamente
aspirava um dia conseguir. [...] Apequenados, eles abriram os olhos
espantados: a casa era angustiada.” (CLARICE, 1998, pág. 130. Grifos da
autora.)
Haja vista que, a representação da casa velha dada pela autora seria uma metáfora para
o que a fenomenologia chama de “voltar às coisas mesmas”, ou melhor, olhar para si e
procurar na consciência o que já existe (AMATUZZI, 2009), os jovens ao encararem a casa
como se fosse a resposta para as dúvidas que tanto tinham, a encontram em si mesmos. Dessa
forma, é estabelecido ali um ambiente facilitador para que os dois possam se movimentar em
direção a uma realização construtiva de possibilidades que lhes são inerentes (ROGERS,
1993). Ocorre então o que é nomeado de tendência realizadora.
Tal acontecimento da casa também pode ser descrito pelo o que Rogers (1993) chama
de insight e é atingido quando um sentimento reprimido ao ser vivido conscientemente
apresenta uma nítida mudança psicológica e fisiológica, de modo completo e aceitador e
simultâneo.
Assim, após o ocorrido os dois iam retornando lentamente a “realidade”. O rapaz
voltou antes da moça, como sempre, já ela regressava chorando baixinho. Enquanto ela se
recompunha ele a esperava, segundo a narradora, com uma polidez vacilante.
“Mas a moça saiu de tudo isso pintada com batom, com o ruge meio
manchado, e enfeitada por um colar azul.” (CLARICE, 1998, p.132)
Na citação acima, nota-se que os jovens ao se recomporem agem como os outros que
um dia eles haviam criticado. Recuperados, os dois se despedem com um aperto de mão,
iniciado por ela, movimento que eles nunca faziam por se tratar de um comportamento
convencional. Ao se afastar a narradora descreve o momento em que a garota também tem o
insight: “[...] ela saiu costeando a parede como uma intrusa, já quase mãe dos filhos que um
dia teria, o corpo pressentindo a submissão, corpo sagrado e impuro a carregar.” (CLARICE,
1998, pág. 133)
Observa-se, a partir desse momento que ambos encontram-se preparados para
“soltarem-se um do outro como uma gota de água quase a cair” (CLARICE, 1998, p. 126). A
narradora encerra o conto com a seguinte sentença: “Agora e enfim sozinho, estava sem
defesa à mercê da mentira pressurosa com que os outros tentavam ensiná-lo a ser um
homem.” (CLARICE, 1998, p. 135. Grifos da autora.). Isto é, nesse ponto o rapaz não será
mais capaz de evitar a realidade instituída pelos mais velhos, entretanto, não necessariamente
precisaria acatar aquilo que seria exigido do mesmo para que pudesse se tornar um homem.
Quanto a garota, não podemos afirmar com precisão como ela recebe a “mensagem”,
o que pode-se inferir é que a mesma também encontra um caminho para desenvolver sua
autonomia, assim como o rapaz, cada um à sua maneira, separadamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMATUZZI, Mauro Martins. Psicologia fenomenológica: uma aproximação teórica
humanista. Estud. psicol. (Campinas), Campinas , v. 26, n. 1, Mar. 2009
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. n. 1. Rio de Janeiro, 1998.
ROGERS, Carl R. Os fundamentos de uma abordagem centrada na pessoa. In: ROGERS, C.
R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1993. p. 37-51.
ROGERS, Carl R. Este sou eu. In: ROGERS, C. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins
Fontes, 1991. 615.851 R724t 2. ed. (IE)