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DOI: https://doi.org/10.26512/rfmc.v8i1.

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Editorial

Introdução ao Dossiê As formas da razão: Uma homenagem a Jules


Vuillemin (1920-2001) e Gilles-Gaston Granger (1920-2016)

Se Gilles-Gaston Granger é conhecido França, onde ensinou de 1950 a 1962.


no Brasil, por ter sido Professor de fi- Granger foi nomeado na Universidade
losofia teórica na USP nos anos cin- de Rennes e (depois de ter passado dois
quenta do século passado1 , o nome de anos na África) se fixou finalmente (em
Jules Vuillemin é bem menos famoso. 1964) em Aix-en-Provence, onde criou
É verdade que Vuillemin ensinou mais o Centro de Epistemologia Compara-
na França, e em poucas ocasiões no Es- tiva (atualmente Centre Gilles-Gaston
tados Unidos da América, razão pela Granger2 ). Vuillemin foi nomeado em
qual seus livros também foram tradu- 1962 no Collège de France, para su-
zidos para o inglês. Porém, os dois epis- ceder Maurice Merleau-Ponty que aca-
temólogos franceses tiveram um per- bara de falecer, instituição na qual tam-
curso bastante parecido. Ambos nasce- bém ensinaram Michel Foucault e Pi-
ram em 1920, entraram na Ecole Nor- erre Bourdieu. Lá ensinou a “Filo-
male Supérieure de Paris no início da sofia do conhecimento”, interessando-
segunda guerra mundial, estudaram na se pela matemática, filosofia analítica
Sorbonne com professores como Gas- (Russell, Quine), bem como pela siste-
ton Bachelard, Martial Gueroult e Jean matização filosófica. Entretanto, Gran-
Cavaillès, e começaram a sua carreira ger, que tinha contribuído para intro-
depois da guerra, no “lycée” (ensino duzir na França as obras de Wittgens-
médio), com um interesse para a filo- tein e Peirce, desenvolveu uma inves-
sofia das ciências, afastando-se da fe- tigação mais voltada às ciências hu-
nomenologia que era então dominante. manas, sempre com uma orientação
Enquanto Granger foi para São Paulo, “formal”. Vuillemin se aposentou do
onde ensinou na USP até 1953, Vuille- Collège de France em 1990, enquanto
min obteve uma vaga na Universidade Granger foi nomeado na mesma insti-
de Clermont-Ferrand, no centro da tuição em 1986, na qual ensinou até

1 O Professor José Arthur Gianotti mencionou que participou do primeiro curso de lógica formal criado no Brasil - pelo Professor
Gilles-Gaston Granger, provavelmente por volta de 1948.
2 <https://centregranger.cnrs.fr/>

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19913 . Vuillemin faleceu em 20014 e selmo8 , Descartes9 , Kant10 , Condor-
Granger em 2016. Ambos contribuíram cet11 , Russell12 , Wittgenstein13 ), epis-
na formação de numerosos intelectuais temológicos (a lógica, a matematica, a
na França e no mundo. física, as ciências sociais14 ), conceitu-
Desde os seus primeiros trabalhos, ais (a abstração, a modalidade15 , a sis-
sobre a significação da morte, do des- tematicidade16 , o individual17 , a veri-
tino e do trabalho, ou sobre o simbo- ficação18 ), e até metafísicas (o mundo
lismo, Jules Vuillemin e Gilles-Gaston sensível19 , a realidade20 ) ou práticas21 .
Granger procuraram redefinir toda a Mesmo quando trataram questões bas-
racionalidade. Eles trabalharam com tante técnicas (as lógicas paraconsisten-
obstinação nessa reelaboração, através tes, a cibernética), ou que podem pa-
de estudos aparentemente muito diver- recer periféricas (o teatro22 , a informá-
sos: ao mesmo tempo históricos (Pla- tica23 ), sempre foi no horizonte desse
tão5 , Aristóteles6 , o ceticismo7 , An- ambicioso projeto geral. O que é pos-

3 <https://www.college-de-france.fr/site/gilles-gaston-granger>
4 Se pode consultar os arquivos de Jules Vuillemin na cidade de Nancy (France), no Centro de Pesquisa: Archives Henri-Poincaré,
<https://poincare.univ-lorraine.fr/fr/archives-jules-vuillemin>
5 Jules Vuillemin, Mathématiques pythagoriciennes et platoniciennes, Paris, Albert Blanchard, 2001.
6 Jules Vuillemin, De la logique à la théologie. Cinq études sur Aristote, Louvain-la-Neuve, Peeters, 2008; Gilles- Gaston Granger, La
théorie aristotélicienne de la science, Paris, Aubier, 1976.
7 Cf. “Le scepticisme selon Jules Vuillemin”, Philosophia Scientiae, Kimé, 2016/3 (20-3), <https://www.cairn.info/revue-
philosophia-scientiae-2016-3.htm>
8 Jules Vuillemin, Le Dieu d’Anselme et les apparences de la raison, Paris, Aubier, 1971.
9 Jules Vuillemin, Mathématiques et métaphysique chez Descartes, Paris, PUF, 1987.
10 Jules Vuillemin, L’héritage kantien et la révolution copernicienne. Fichte. Cohen. Heidegger, Paris, PUF, 1954; Physique et métaphy-
sique kantienne, Paris, PUF, 1955; L’intuitionnisme kantien, Paris, Vrin, 1994.
11 Gilles-Gaston Granger, La mathématique sociale du Marquis de Condorcet, Paris, PUF, 1956.
12 Jules Vuillemin, Leçons sur la première philosophie de Russell, Paris, Armand Colin, 1968.
13 Gilles-Gaston Granger, Wittgenstein, Paris, Seghers, 1969 ; Invitation à la lecture de Wittgenstein, Paris, Alinéa, 1990. Também o
subtítulo do livro de Vuillemin, L’être et le travail (Paris, PUF, 1949) indica: “As condições dialéticas da psicologia e da sociologia”.
14 Gilles-Gaston Granger, Pensée formelle et sciences de l’homme, Paris, Aubier, 1960; tradução portuguesa: Pensamento formal e
ciências do homem (2 vols.). Lisboa: Editorial Presença e Porto Alegre: Martin Fontes, 1975.
15 Jules Vuillemin, Nécessité ou contingence. L’aporie de Diodore et les systèmes philosophiques, Paris, Minuit, 1997 ; Gilles-Gaston
Granger, Le probable, le possible et le virtuel. Essai sur le non-actuel dans la pensée objective, Paris, Odile Jacob, 1995.
16 Jules Vuillemin, What are philosophical systems, Cambridge, Cambridge University Press, 1986.
17 Gilles-Gaston Granger, Essai d’une philosophie du style, Paris, Armand Colin, 1968; tradução portuguesa: Filosofia do estilo. São
Paulo: Perspetiva e Editora da Universidade de São Paulo, 1974.
18 Gilles-Gaston Granger, La vérification, Paris, Odile Jacob, 1992.
19 Jules Vuillemin, La logique et le monde sensible, Paris, Flammarion, 1971.
20 Gilles-Gaston Granger, Sciences et réalité, Paris, Odile Jacob, 2001.
21 Cf. Jules Vuillemin, « Effets moraux de l’accélération de l’histoire », Philosophia Scientiæ, 2017/2 (21-2), p. 149-161,
https://www.cairn.info/revue-philosophia-scientiae-2017-2-page-149.htm>; « Sommes-nous libres? », Philosophia Scientiæ, 2017/2
(21-2), p. 163-174. URL: <https://www.cairn.info/revue-philosophia-scientiae-2017-2-page-163.htm>; « La Justice par convention;
signification philosophique de la doctrine de Rawls », Dialectica, 41(1–2), 155–166, 10.1111/j.1746-8361.1987.tb00886.x, retomado
in L’Intutionnisme kantien. Sobre a dimensão pratica da filosofia de Granger, cf. Philippe Lacour, La nostalgie de l’individuel. Essai sur
le rationalisme pratique de Gilles-Gaston Granger, Paris, Vrin, 2012.
22 Jules Vuillemin, Essai de poétique, Paris, Vrin, 1991.
23 Gilles-Gaston Granger, Langages et épistémologie, Paris, Klincksieck, 1979. Também Philosophie, langage, science, Paris, EDP Sci-
ences, 2003; tradução portuguesa: Filosofia, Linguagem, Ciência. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2013.

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sível constatar através da atenção que tico programa de uma “revolução pto-
ambos dispensaram para a definição da lemáica”, que consiste em substituir “o
filosofia enquanto atividade racional24 . cogito num mundo de deuses pelo tra-
Pode-se propor a hipótese da uni- balho no mundo dos homens”26 . Se
dade de um problema, a despeito da di- trata, de fato, de evitar o idealismo (car-
versidade das suas expressões, falando tesiano, kantiano ou husserliano), e de
de uma transformação, de uma reinven- se reconciliar com a finitude humana.
ção da razão25 ? De fato, os dois au- Esta deixa de ter um valor apenas nega-
tores herdaram uma concepção de ra- tivo, em comparação com a infinitude
cionalidade proveniente da decompo- divina, e adquire um valor positivo em
sição do kantismo, causada pelo pro- si mesma. Falta, porém, radicalizar essa
gresso das ciências, pela fenomenologia transformação para a racionalidade não
e pelo existencialismo. Ambos procu- depender nem do Deus de Descartes,
raram uma nova definição da mesma. nem da fé kantiana, nem do absoluto
Essa racionalidade original ambiciona hegeliano (ele investiga também o arti-
ser mais abrangente, pois admite novos culação da razão e da fé nas obras de
objetos e métodos; mais flexível, pois Aristóteles e Anselmo). Por isso começa
a sua plasticidade lhe permite aplicar- a reflexão de Vuillemin com uma me-
se à novos domínios até então inaces- ditação sobre o sentido do destino e da
síveis; e, por fim, mais precisa, pois se morte. Ora, a noção de trabalho, que
torna mais capaz de explicitar as mo- Vuillemin opõe à ansiedade heideggeri-
dalidades do seu funcionamento e de ana e ao projeto sartriano, deve permi-
suas operações. Porém, as figuras da tir reinventar uma razão rigorosa e di-
racionalidade que cada autor desenha nâmica, ao mesmo tempo teórica e prá-
não são totalmente idênticas, mesmo tica, e inserida no mundo sem excluir
que possam parecer similares. Efetiva- uma interrogação legítima sobre as ci-
mente, se as dificuldades abordadas são ências (mas também sem cair no posi-
frequentemente as mesmas, as respos- tivismo). Quais são as dimensões (teó-
tas são muitas vezes distintas. rica, prática, estética) dessa nova racio-
Vuillemin, por um lado, não aceita os nalidade e como se articulam umas com
“deslocamentos” da filosofia kantiana as outras? Qual é a nova forma da re-
que ele identifica nas obras de Fichte, flexividade que nasce dessa refundação,
Cohen e Heidegger. Ele lança o enigmá- e qual é a relação dela com a intuição?

24 Gilles-Gaston Granger, Pour la connaissance philosophique, Paris, Odile Jacob, 1988.


25 É também a hipótese de Jean-Marie Chevalier, “Granger, Vuillemin, Bouveresse : raison, rationalité... rationa-
lisme ?”, in Claudine Tiercelin (dir.), La reconstruction de la raison, Paris, éditions du Collège de France, 2014, Granger,
<https://books.openedition.org/cdf/3555?lang=fr>
26 Jules Vuillemin, L’héritage kantien et la révolution copernicienne. Fichte, Cohen, Heidegger, Paris, PUF, 1954. Cf. frase final da
conclusão.

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Para responder a essas perguntas, Vuil- transcendental). Ao contrário de toda a
lemin começou estudando cuidadosa- tradição aristotélica que associa exclu-
mente a física e a metafísica de Descar- sivamente a ciência ao universal, Gran-
tes e Kant, para que a ciência o ajudasse ger sublinha que um saber do indi-
a entender melhor a metafísica, e vice- vidual se torna finalmente possível, a
versa. Paralelamente, analisou a histó- condição de combinar uma formaliza-
ria da álgebra, para formular um novo ção matemática adequada (através de
programa de filosofia do conhecimento, modelagens) com um comentário filo-
e buscou na filosofia analítica (em par- sófico (estilístico) no conhecimento das
ticular de Russell, que renovou o pro- obras. Para fundamentar essa reconcili-
blema das antinomias da razão) pistas ação da racionalidade e do individual,
de reflexão para reformular a teoria da Granger transforma profundamente a
abstração. O seu esforço conceitual, reflexão kantiana, que ele ajusta a um
herdeiro da filosofia reflexiva francesa quadro de reflexão semiótico (sob a in-
e da tradição crítica, culminou na sua fluencia de Peirce), separando assim a
grande obra sobre os sistemas filosófi- dimensão transcendental e a subjetivi-
cos, que se pode ler ao mesmo tempo dade. Também interpretou toda a fi-
como uma reflexão sobre a história da losofia de Wittgenstein (que ele contri-
filosofia e sobre as modalidades27 . buiu para introduzir na França) como
Granger, por outro lado, retomou a um esforço de comparação dos siste-
reflexão de Jean Hyppolite sobre o de- mas semióticos formais e naturais. Ele
safio do conceito de alienação (o que apontou a prevalência do semiotismo
separa perpetuamente o homem dele natural, por causa da existência do que
mesmo), para o qual ele privilegia uma ele chamou de “pragmática pura”, mais
solução que utiliza a noção de “traba- fundamental que a lógica formal e que
lho” elaborada por Vuillemin. Isso per- corresponde aos “universais” da lin-
mite prolongar o racionalismo aproxi- guagem. Perseguindo as suas investiga-
mado (e aplicado) de Bachelard na dire- ções sobre a realidade, ele tentou sepa-
ção das ciências humanas. De fato, en- rar as dimensões do atual (efetivo, in-
quanto a fenomenologia promete uma dexicalizado) e do não atual (provável,
ciência da consciência da ação que na possível, virtual), se esforçando para
verdade permanece apenas subjetiva, a construir um “realismo moderado” que
ergologia de Granger enfoca sobre as responda à questão da natureza dos
obras objetivas, questionando as suas objetos matemáticos. Desse ponto de
condições de possibilidade (num jeito vista, sempre buscou uma reconstrução

27 Jules Vuillemin, Nécessité ou contingence, Paris, Minuit, 1997; What are philosophical systems, Cambridge, Cambridge University
Press, 1986. Sobre esse projeto, cf. “Jules Vuillemin et les systèmes philosophiques”, Etudes philosophiques, Paris, PUF, 2015/1
(n◦ 112), <https://www.cairn.info/revue-les-etudes-philosophiques-2015-1.htm>.

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da racionalidade, até na sua confronta- tipos de problemas que desafiam e en-


ção exigente com o irracional. riquecem a filosofia. Daí esse título am-
O Dossiê que aqui apresentamos não plo das “formas da razão”, que respeita
pretende oferecer uma visão exaustiva a inspiração de cada autor, mesmo que
dos temas abordados pelos dois auto- o enfoque principal esteja sobre as ciên-
res, nem tem, na verdade, um objetivo cias formais (as diversas lógicas e ma-
apenas exegético. Ele ambiciona se ins- temáticas), que constituíram um objeto
pirar no núcleo racionalista do projeto de investigação privilegiado de Granger
desses filósofos para mostrar o sentido e Vuillemin.
em que tem relevância hoje, para vários

***
Esse Dossiê é o resultado de um tra- <https://tinyurl.com/y4dakbnv>). Vá-
balho coletivo de vários anos, come- rias comunicações desses colóquios fo-
çado em 2017. Efetivamente, foram or- ram publicadas em outras revistas e a
ganizados dois colóquios sobre Gran- Revista de Filosofia Moderna e Contempo-
ger, Vuillemin e o racionalismo, numa rânea selecionou alguns para esse dos-
perspectiva ampla. O primeiro en- siê, adicionando os artigos de outros au-
contro ocorreu em Paris, no mês de tores que não estiveram presentes nos
fevereiro de 2018, e foi organizado eventos supracitados.
pelo Colégio Internacional de Filoso- Obviamente, o dossiê não pretende
fia. Reuniu quatro autores durante um elucidar todos as dimensões das obras
dia, para debater a tentativa de “rein- de Granger e Vuillemin. Ele junta vá-
venção da razão” dos dois epistemó- rias contribuições que enfocam tópicos
logos franceses. O segundo aconte- da racionalidade contemporânea, que
ceu no mês de maio de 2018, na Uni- prolongam as reflexões dos dois filóso-
versidade de Brasília (UnB), e foi or- fos franceses acerca desse assunto, e as-
ganizado pelo departamento de Filo- pectos de suas obras que necessitam es-
sofia da UnB, com o apoio da FAPDF clarecimento. A primeira parte do dos-
(Fundação de Apoio à Pesquisa do Dis- siê, portanto, é mais investigativa, en-
trito Federal), e em colaboração com quanto a segunda é mais exegética. Nos
o Colégio Internacional de Filosofia. dois casos, porém, esperamos que as
Durante dois dias, reuniu quinze in- análises estejam voltadas para proble-
telectuais de vários países, principal- mas que ainda hoje têm relevância para
mente da França e do Brasil, para dis- pesquisas em curso, como fizeram pre-
cutir as transformações contemporâ- cisamente esses dois autores quando es-
neas das “formas da razão” (os vídeos tudaram obras contemporâneas ou his-
do colóquio estão disponíveis online: tóricas, cientificas ou filosóficas.

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Agradecemos todos as pessoas que meida, André Leclerc, Rodrigo Freire,
ajudaram na realização desse projeto, Alexandre Costa-Leite, Agnaldo Portu-
particularmente o Colégio Internacio- gal, Hilan Bensusan, e Alexandre Hahn.
nal de Filosofia (Paris), a Fundação de Também agradecemos aos estudantes
Apoio à Pesquisa do Distrito Federal que participaram da organização dos
(FAP-DF) e os Professores do departa- eventos, sem esquecer os tradutores do
mento de Filosofia da UnB: Cecilia Al- colóquio de Brasília.

***
A primeira parte das contribuições es- de renovação geral da razão, contra
tuda assuntos que prolongam as re- a reputação “existencialista” dos mes-
flexões de Granger e Vuillemin: Jean- mos; Joseph Vidal-Rosset afina a lei-
Pierre Desclés investiga a possível for- tura de Vuillemin dos famosos argu-
malização da linguística a partir dos es- mentos onto-teológicos de Descartes
critos de Granger; Fabien Schang re- e Anselmo, investigando a validade
toma a reflexão de Granger sobre a ne- e a correção deles do ponto de vista
gação lógica para amplia-la e contribuir da lógica formal; Carlos Lobo questi-
com a invenção de uma lógica formal ona a presença fantasmática da feno-
do diálogo (ou da dialética); Laurent menologia das modalidade de Oskar
Dubois se propõe a pensar logicamente Becker (e Husserl) nas reflexões anti-
a totalidade do universo, radicalizando fenomenológicas de Granger e Vuille-
talvez um gesto da filosofia reflexiva; min; Elisabeth Schwartz analisa a ideia
Luciano Boi mostra como a matemá- desses dois autores ao escrever uma fi-
tica (a geometria em particular) pode losofia “na idade da ciência”, no con-
ser útil para entender melhor a biolo- texto francês da época; e, por fim, Sé-
gia contemporânea; Leonardo Müller bastien Maronne discute a questão do
avalia a evolução das normas de racio- gênio na matemática28 .
nalidade (na categoria de utilidade) da O texto de Jean-Pierre Desclés (em
economia recente a partir dos critérios francês) apresenta um projeto de “cál-
de Granger. culo das significações na análise das lín-
A segunda parte do dossiê enfoca guas”. Se trata de algumas reflexões
mais sobre as obras dos dois autores epistemológicas sobre o programa de
franceses: Philippe Lacour tenta ca- pesquisa que estuda a atividade de lin-
racterizar o projeto dos primeiros li- guagem, atividade que não se reduz a
vros de Vuillemin enquanto esforço pura comunicação nem a simples ex-

28 Infelizmente, devido a dificuldades decorrentes da pandemia do COVID-19, os artigos de Elisabeth Schwartz e Sébastien Ma-
ronne não puderam ser finalizados a tempo de serem incluídos neste número (edição). Mas, serão publicados ainda neste volume 8,
e poderão ser consultados clicando AQUI ou AQUI. Pedimos desculpas pelo inconveniente.

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pressão do pensamento. O autor co- rença entre as categorias de operação e


meça com precisões epistemológicas, de objeto. Permanece questionável, tal-
nas quais explica a sua tentativa de vez, a esperança dele de conseguir cap-
juntar a semântica formal, a semân- turar a pragmática externa (o sentido)
tica cognitiva e a teoria da enunciação. a partir da formalização apropriada da
Sua investigação utiliza uma forma li- pragmática interna (a significação), que
beral de interdisciplinaridade e de si- pertence ao que Granger chamava de
mulação. Para ser eficiente, a formali- “pragmática pura”29 .
zação se concentra sobre a pragmática Fabien Schang, no seu artigo (em in-
interna à língua (não apenas os inde- glês) “Questions and Answers in Se-
xicais, mas também outros aspectos), mantics” apresenta um conceito espe-
que corresponde a significação, em opo- cial de valor de verdade, tal como pode
sição à pragmática externa, responsá- ser compreendido no quadro de uma
vel da determinação do sentido. Em semântica que não seja bivalente nem
seguida, o autor articula esses concei- referêncial. Esta é uma alternativa à se-
tos básicos com esquemas semântico- mântica bivalente que foi pressuposta
cognitivos. Estes representam as sig- por Gilles Gaston-Granger, em virtude
nificações de unidades gramaticais e da qual qualquer proposição é ou ver-
lexicais que são produzidos no forma- dadeira ou falsa. Depois de expor os
lismo da lógica combinatória de Curry, presupostos de Granger em outra pu-
por composições e transformações de blicação30 , o presente artigo propõe
operadores primitivos, indexados sobre uma interpretação distinta dos valores
atividades cognitivas de percepção e de de verdade: estes não são apresentados
ação, mas sem ser reduzidos a essas ati- como objetos simples, mas como estru-
vidades. O autor concorda com Vuille- turas ordenadas de respostas a ques-
min no tocante à importância decisiva tões incorporadas por proposições, isto
da percepção como fonte ou raiz da se- é: enquanto produzidos pelas pergun-
mântica (porém sem reducionismo). E tas sobre predicados semânticos (’ver-
ele se refere frequentemente as refle- dadeiro’, ’falso’, etc.) e pelas respostas
xões de Gilles-Gaston Granger sobre a correspondentes (’sim’, ’não’ etc.). Atra-
formalização (e seus limites) das lín- vés desse esforço de formalização, Fa-
guas naturais, a diferença destas com as bien Schang pretende esclarecer algu-
pseudo-línguas de programação, sobre mas dificuldades relacionadas ao que se
o pensamento do espaço (para construir entende por atos básicos de fala, como
operadores quasi-topológicos) e a dife- afirmação e negação. De fato, discor-

29 Gilles-Gaston Granger, “Les conditions protologiques des langues naturelles”, in Formes, opérations, objets, Paris, Vrin, 1994.
30 SCHANG, F. "Formes, objets et négations selon Granger. Une interprétation constructive", Philosophiques, Volume 47, 2020, pp.
3-33, <https://www.erudit.org/fr/revues/philoso/2020-v47-n1-philoso05372/1070248ar/>.

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dâncias profundas ocorrem sempre que tomar conto da evolução), e uma pre-
dois falantes discordam acerca do signi- tensão anti-kantiana (quase spinozista)
ficado das palavras que usam. No caso de pensar o numenal, isto é a realidade
especial dos valores de verdade, Frege enquanto tal. Em outras palavras, a
os tomou como os referentes de propo- questão é saber se a Totalidade pode to-
sições que são classes de sentenças acei- mar consciência de si mesmo sem que o
tas (’verdadeiras’) ou rejeitadas (’fal- autor do artigo (o qualquer um, na ver-
sas’). Partindo dessa representação co- dade) seja considerado como excluído
mum da verdade e da falsidade, Fabien dela. Em que sentido a lógica formal
Schang propõe uma estrutura algébrica pode desempenhar um papel nesse es-
geral ARnm , a fim de sistematizar o uso forço metafísico? E, qual tipo de ló-
de valores de verdade em uma perspec- gica deve ser considerada aqui? Para
tiva dialética da lógica. Uma atenção diferenciar Laurent Dubois e o Uni-
especial é dada a dois pseudo-falantes verso que fala através dele, são intro-
radicalmente opostos, a saber: Herá- duzidas várias notações para separar
clito e Nagarjuna, segundo os quais os as linguagens (e metalínguas). E é por
valores de verdade se referem, respecti- causa dessa originalidade que Laurent
vamente, a tudo e nada. No final, uma Dubois fala do seu trabalho como de
negação dialética (pseudo- hegeliana) é um “artigo-testemunho”, que pode ser
esboçada como uma função muito pe- visto como um exemplo de uma pos-
culiar, isto é: como um operador onto- sível nova disciplina, a "metafísica ci-
lógico gerador de objetos, semelhante entífica", composta por experimentos
ao operador aritmético gerador de su- mentais, algumas definições, provas,
cessores Sn+1(x) aplicado a números explicações e conjecturas. Obviamente,
inteiros. Essa função também combina para ser chamada de ciência, a disci-
com uma teoria generalizada de valores plina também precisa de alguma possi-
de verdade como nomes próprios mili- bilidade de "verificação". Cabe ao leitor
anos ou kripkeanos. julgar e decidir se esse é o caso no mo-
Na sua contribuição (em inglês), Lau- vimento da argumentação exposta.
rent Dubois faz uma tentativa bastante No seu artigo (em francês), Luciano
ambiciosa (e humorística). Se trata de Boi sublinha que a geometria é muito
mostrar que o universo se pensa a si mais que o seus axiomas e tira dessa
mesmo através do autor do artigo, num ideia consequências para a filosofia do
gesto audacioso que mistura então o ri- espaço e a ontogenia da natureza. Para
gor do Tractatus de Wittgenstein (sem começar, o autor propõe uma visão da
largar a escada), a reflexividade do es- matemática que reconhece a dimen-
pírito hegeliano (sem pretender ser ab- são profundamente aberta e incompleta
soluto), o processo de Whitehead (para das teorias que buscam entender as es-

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truturas geométricas e topologicas do é a geometria.


mundo natural e daquele da percepção, No seu artigo (em português), Leo-
como também as relações que se estabe- nardo Müller estuda a interpretação que
lecem entre esses dois mundos. Desse Gilles-Gaston Granger faz dos concei-
ponto de vista, o campo conceitual da tos centrais, na ciência econômica ne-
geometria não pode ser reduzido a um oclássica, de utilidade e de racionali-
sistema finito de axiomas. Ele analisa dade. De fato, Granger começou a car-
depois a importante ideia de que a pes- reira dele analisando epistemologica-
quisa da significação ou das significa- mente a economia, tanto na sua dimen-
ções dos conceitos matemáticos não se são metodológica como na sua história
identifica à lógica da demonstração de- (com a figura de Condorcet). E nunca
les. A verdade das proposições também parou, nas obras ulteriores (e até nas úl-
deve ser separada da demonstração de- timas), de fazer referência a essa ciência
las. O autor ilustra sua reflexão apre- que ele considerava, com a linguística, a
sentando alguns exemplos estranhos de mais avançada das disciplinas humanas
matemática e de física não contável. Em e sociais. Ora, a teoria da utilidade é o
seguida, examina uma segunda ideia fundamento do marginalismo que serve
chave que se pode associar à geometria de base à teoria neoclássica. Desde suas
(como também à topologia e a outros origens, na década de 1870, ela passou
domínios da matemática) um certo po- por diversas modificações: um início
der morfogenético, então ontogenético. hedonista (Jevons), adquiriu contornos
Ele analisa brevemente dois exemplos ordinalistas (classificação de preferên-
de “geometria natural”: aquele das si- cia) (Pareto) que foram radicalizados
metrias e das formas naturais, e aquele em meados do século XX, viu a reto-
das dobras, ligações e enlaçamentos no mada da cardinalidade (medida) (von
mundo vivo (a morfologia dos microtu- Neumann e Morgenstern), se transfor-
bulos). A geometria pode ser concebida mou na teoria da utilidade esperada
como uma “linguagem” pluridimensio- (Savage) e na hipótese das expectati-
nal e polissêmica: como linguagem da vas racionais. Nesse desenvolvimento
imaginação e da invenção de conceitos, histórico, a utilidade e a noção de raci-
e também como linguagem da natureza onalidade a ela associada foram objeti-
e do vivo (a esse respeito, o autor men- vadas, esvaziadas de qualquer conteúdo
ciona o papel iniciador que tem uma psicológico, tornaram-se indissociáveis
certa organização geométrica na embri- de cálculos probabilísticos e voltaram-
ogênese animal). Em particular, os con- se para o futuro, mas se mantiveram
ceitos de grupo e de nó são transversais sempre como a pedra fundamental da
no sentido que correspondem às dife- teoria neoclássica. Essa última, como
rentes dimensões e significações do que não poderia deixar de ser, alterou-se

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profundamente em consonância a es- plica finalmente o projeto de uma filo-
sas transformações em seu conceito de sofia da ciência, o que explica então a
base. orientação epistemológica do resto da
No seu artigo (em francês), Philippe obra de Vuillemin.
Lacour tenta mostrar que os primei- O texto de Joseph Vidal-Rosset (em
ros livros de Jules Vuillemin, imediata- francês) é uma versão aprofundada e
mente depois da Segunda Guerra Mun- modificada de uma conferência feita
dial, não são “existencialistas”, apesar em 2018 em Nancy (França) e em Bra-
de uma reputação que o afirma, mas sília. O autor retoma uma meditação
desenvolvem uma redefinição da ra- de Jules Vuillemin sobre a possibili-
zão, que se afasta igualmente do exis- dade de aplicar a lógica formal aos ra-
tencialismo e do marxismo. Parado- ciocínios clássicos de Anselmo de Can-
xalmente para um autor de reputação tuária e René Descartes em torno da
austera e técnica, é com uma meditação existência de Deus. Vidal-Rosset mos-
sobre o destino que começa a obra de tra que o argumento teológico de An-
Vuillemin, pois este revela uma forma selmo é valido na lógica clássica da pri-
integral de racionalismo, em oposição meira ordem, e essa conclusão contra-
àquele de Kant, que equilibra o saber diz a análise e as conclusões de Vuil-
com a fé. A partir da noção de des- lemin sobre o assunto. Em relação ao
tino, Vuillemin identifica uma ambi- argumento de Descartes, ele mostra
valência fundamental, na vida afetiva que, ao contrário do que tinha afirmado
humana, entre a emoção, sublinhada na sua apresentação oral em Brasília
por Heidegger mas que é apenas nega- (<https://tinyurl.com/y67b28kq>), a
tiva (pois da uma apreensão vazia do formalização (que ele desenvolve nesse
mundo) e o sentimento, de valor po- texto na forma da dedução natural)
sitiva pois corresponde à sintonia do mostra que a lógica minimal não é sufi-
sujeito com o mundo. Consequente- ciente para traduzi-lo. De fato, é neces-
mente, o sentimento recebe um valor sária a lógica intuicionista de primeira
ontológico e epistêmico, em particu- ordem para que este argumento seja vá-
lar aquele de alegria e esforço. Final- lido. Mas não se pode considerar que o
mente, o conceito de trabalho é desta- argumento de Descartes seja “correto”
cado como princípio da realidade, do (além de válido), porque nem todas as
ser como do dever-ser - e teve uma suas premissas são verdadeiras, no sen-
grande influência sobre o pensamento tido duplo de metafisicamente indubi-
de Gilles-Gaston Granger. Para con- táveis e respeitando o princípio da sus-
cluir, o autor sublinha como a dupla pensão do juízo. Consequentemente,
dialética do trabalho (como divisão das Vidal-Rosset sublinha que o argumento
funções simbólicas e historicidade) im- cartesiano, como aquele de Anselmo,

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EDITORIAL

cai diante da famosa objeção de Kant moção foi imediatamente inibida por
(contra a prova ontológica). Por fim, uma série de obstáculos, como em espe-
ele mostra todavia que a interpretação cial a “objeção-Gödel”. Ora, o fantasma
que Vuillemin faz do sistema de Des- husserliano das modalidades assim en-
cartes enquanto filosofia intuicionista tendidas surge no trabalho de Vuille-
é confirmada pela formalização, e que min e Granger em vários lugares, come-
essa conclusão também contribui para çando por aquele em que ambos se jun-
esclarecer o pluralismo filosófico carac- tam numa espécie de aliança objetiva e
terístico do espírito da classificação de de conjugação secreta, para eliminar o
Vuillemin. que, para ambos, representa o espectro,
O texto (em francês) de Carlos Lobo a ilusão especulativa por excelência: o
trata a questão da renovação da raci- sujeito transcendental. Efetivamente,
onalidade na forma de um suspense, o regresso do fantasma husserliano da
através das aparições de fantasmas. De modalidade terá lugar em Granger e
fato, ele lembra a citação de Hermann Vuillemin de forma mais ou menos di-
Weyl, para quem uma “lógica modal” reta e equívoca, onde se comprometem
verdadeiramente universal, como a ló- na elaboração de uma lógica relevante
gica da subjetividade concreta, ope- do ponto de vista epistemológico, i.e.
rando na atividade científica, corres- capaz de dar conta da prática científica
ponde ao que seria a alma do “fantasma correspondente a uma das suas fases no
evanescente da modalidade”; e ele con- seu modo de existência para uma cons-
sidera que tal foi o projeto husserliano ciência individual ou uma sociedade e
de “reforma da lógica”. Para Granger e não de algum esqueleto ou de uma das
Vuillemin também: uma lógica digna suas ‘reflexões idealizadas’. A presença
do título deveria ser uma “teoria da evanescente, intermitente, mas sempre
ciência” e de facto revelar-se capaz de decisiva da referência ao discípulo am-
propor uma descrição formal das mo- bíguo de Husserl, Oskar Becker, cor-
dalidades, e, como uma delas, da proba- responde a tantas aparências fugazes e
bilidade. E tal foi a primeira moção que equívocas do fantasma de uma tal ló-
conduziu Granger e Vuillemin à feno- gica da modalidade.
menologia transcendental. Porém, essa

Philippe Claude Thierry Lacour


(Organizador do Dossiê)

***

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Além dos trabalhos que compõem o simples para incluir as ciências huma-
Dossiê, o presente número também nas no rol das ciências empíricas.
conta com outras contribuições recebi- (3) Alexandre Machado, doutorando
das em fluxo contínuo. em Sociologia pela Universidade Fe-
(1) Rogério Holanda da Silva e Ri- deral de Pernambuco (UFPE), em seu
cardo Décio, no artigo “Um Olhar Fe- artigo “Do Indutivismo Neopositivista
nomenológico sobre as Crises Existen- ao Racionalismo Crítico Popperiano:
ciais na Contemporaneidade”, apresen- Uma Discussão sobre os Critérios de
tam uma reflexão fenomenológica so- Demarcação na Epistemologia Cientí-
bre a indigência do tempo presente. fica”, propõe discutir as dificuldades
Com isso, procuram discutir as inqui- (sobretudo no que tange à utilização
etações e patologias que o atual mo- do método indutivo) inerentes à tenta-
mento histórico (niilista) tem causado tiva popperiana de suplantar o princí-
no ser humano, ao impor um certo mo- pio de verificação dos empiristas lógi-
delo de vida. Contra a interpretação das cos do Círculo de Viena pelo princípio
ciências naturais, que consideram as de falseabilidade.
crises existenciais algo exclusivamente (4) "O Papel das Mediações Culturais
inerente ao corpo biológico, os autores como Possibilidade de Leitura das Ci-
defendem que tais fenômenos só po- ências Humanas em Paul Ricoeur", ar-
dem ser corretamente compreendidos tigo de Jefferson da Silva e Marcius Ta-
por meio da analítica existencial do ser- deu Maciel Nahur, professores do Cen-
aí humano. tro Universitário Salesiano de São Paulo
(2) Em “Alargar a Concepção de Ci- (Unidade de Lorena), analisa a crítica
ência é Construir Pontes ou Abismos? de Paul Ricoeur ao paradigma moderno
Sobre a Filosofia da Ciência de Passe- da racionalidade cartesiana, explicando
ron”, Juliana de Orione Arraes Fagun- como a proposta ricoeuriana possibilita
des, professora da Universidade Esta- a ampliação crítica de horizontes para a
dual de Santa Cruz (UESC), discute a compreensão do mundo e a reconstru-
distinção feita por Jean-Claude Passe- ção possível da reflexão, sem cair em
ron entre as ciências históricas e as ciên- armadilhas de manipulações ideológi-
cias naturais, e sua proposta de alargar cas e em estreitamentos de cientificis-
a concepção de ciência empírica para mos reducionistas.
incluir as ciências sociais (humanas). (5) Em “Capitalismo e Socialismo, as
Neste sentido, além de criticar essa dis- Duas Faces de Janus: A Fenomenolo-
tinção de Passeron, argumentando que gia do Sujeito de Michel Henry e suas
as ciências naturais e humanas compar- Aproximações com a Crítica do Valor
tilham dificuldades e soluções episte- de Robert Kurz”, David G. Borges, pro-
mológicas, sugere uma abordagem mais fessor da Universidade Federal do Piauí

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EDITORIAL

(UFPI) e doutorando em filosofia pela na obra O Direito da Liberdade do filó-


Universidade da Beira Interior (Portu- sofo alemão Axel Honneth. A referida
gal), apresenta uma análise compara- obra faz uma análise da influência he-
tiva entre as críticas de Michel Henry geliana sobre o conceito de liberdade,
aos sistemas capitalista e socialista, de- bem como dos fatores relacionados com
rivadas de sua fenomenologia, e as con- o suprimento das carências subjetivas,
siderações de Robert Kurz sobre os mes- mediadas pelas diferentes “esferas” so-
mos sistemas, fundamentadas na sua ciais.
Teoria Crítica do Valor. Com isso, pre- Por fim, temos ainda uma tradução
tende defender que existe Crítica do Va- e uma resenha. A tradução inédita do
lor nos escritos de Henry; que seria pre- texto "O Paralelismo Psicofísico e a Me-
maturo asseverar que há reflexões fe- tafísica Positiva" de Henri Bergson foi
nomenológicas nos trabalhos de Kurz; realizada pelo Grupo de Tradução do
que as teorizações de ambos se com- departamento de filosofia da Universi-
plementam; que as semelhanças prova- dade de Brasília, composto por alunos
velmente decorrem do momento histó- da graduação e pós-graduação em filo-
rico no qual estavam inseridos; e que sofia, e coordenado pelo professor Phi-
seus trabalhos apontam para uma crí- lippe Lacour. Logo em seguida, Viní-
tica abrangente da Era Moderna. cius Armiliato, doutor em filosofia pela
(6) John Lindemann, doutorando em Pontifícia Universidade Católica do Pa-
filosofia pela Universidade Federal de raná (PUC-PR), nos apresenta o livro "O
Santa Maria (UFSM), propõe, em seu ar- Pêndulo de Epicuro: Ensaio sobre o su-
tigo “Memória: Ontologia e Epistemo- jeito e a lógica de uma história sem fi-
logia Básicas”, extrair uma consequên- nalidade - Kant, Freud e Darwin", es-
cia epistemológica da posição ontoló- crito a quatro mãos por Francisco Ve-
gica de que toda memória é episódica, rardi Bocca e Daniel Omar Perez.
qual seja, que ela é uma fonte básica de Gostaríamos de aproveitar o ensejo
conhecimento análoga à percepção. para agradecer a todos os autores, por
(7) "A Reconstrução Normativa e o terem honrado a nossa Revista com as
Caráter Social da Liberdade em Axel suas produções, bem como aos mem-
Honneth", artigo de Leonardo Correia bros do corpo editorial, avaliadores,
Bastos, mestre em filosofia pela Univer- editores e leitores de provas, pela fun-
sidade de Brasília, examina os traços damental colaboração na confecção da
centrais da abordagem teórica das re- presente edição.
lações sociais e políticas, desenvolvida

Os Editores

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