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Avaliação Teórica para a disciplina de Técnicas em Avaliação Psicológica I no

Semestre de 2021.2, ministrada pela professora Ana Carolina Monnerat Fioravanti.

Iggor Detoni

Sob quais critérios se avalia o Normal?

Ao longo dos quatro encontros em que se deram a disciplina, uma discussão


acerca da avaliação psicológica se encontrou em voga e se mostrou, por via do
questionamento dos alunos, do material e da reflexão a respeito da aplicação prática
do conteúdo, de cunho norteador para muitas reflexões: podemos resumi-la ao redor
da questão de critérios de avaliação e de normalidade que dá título a esse ensaio.
De acordo com as reflexões de Adriana Marcondes Machado, em seu escrito
a respeito da avaliação psicológica e as relações institucionais, esta deve ser
compreendida - e aqui vejo a chave: não apenas executada, mas compreendida,
tomada, assumida, presumidamente - dentro de uma perspectiva amplificada. E
como “perspectiva amplificada”, aqui, levamos uma série de aspectos éticos e
contextuais em consideração com fins de contemplar a natureza dinâmica do sujeito
avaliado, como é decidido na resolução do CFP 007/2003.
A importância desta resolução e desta perspectiva apontada pela autora é
muito bem exemplificada quando pensamos no cenário infelizmente muito comum
do fracasso escolar. A demanda de encaminhamentos para casos de alunos que
“fracassam” na instituição de ensino tem crescido em volume, e essas demandas
têm se mostrado cada vez mais diretivas no sentido de que buscam uma solução,
um diagnóstico ou indicações claras para resolver o que já é presumido como um
problema.
Ora, não seria impossível para a avaliação psicológica cumprir essa
demanda. Seria, no entanto, antiético. É importante considerar (falo aqui desta
perspectiva amplificada) as condições materiais, familiares, sociais, emocionais,
institucionais do contexto onde esse fracasso escolar é produzido. Não com pouca
frequência depara-se com noites mal dormidas, sobrecarga de trabalho de
professores, dificuldades econômicas, má-alimentação, bullying mais diretamente do
que com diagnósticos bem formulados e fechados.
A problemática que apresentam esses fracassos escolares são complexos e
fogem de uma expectativa de seguimento “normal” do curso de eventos
programados e esperados de uma educação formal. Em “O Normal e o Patológico”,
lemos de Canguilhem que “uma norma tira seu sentido, sua função e seu valor do
fato de existir, fora dela, algo que não corresponde à exigência a que ela obedece”
(CANGUILHEM, pg. 108-109, 2011). Desta forma, compreende-se que cumprir
diretamente com essas demandas institucionais pode cumprir o papel de assumir
uma normalidade funcional que desconsidera, com muita frequência, uma série de
fatores fundamentais da realidade que são postos de lado para classificar como
“anormal” um sujeito que é, de fato, parte desse emaranhado de vivências e forças e
não um ser isolado que funciona ou não dentro de um determinado cenário
institucional sob o qual o psicólogo age.
De acordo ainda com Machado, o objetivo da avaliação psicológica seria
“afetar as relações de saber e poder, e com isso, buscar as possibilidade de
alterá-las na direção de um movimento de potencialização de vida, de criação, de
saúde e de produção de conhecimento” (MACHADO, pg. 16, 2013).
Desta afirmação podemos seguir duas linhas de associação que partem dos
materiais utilizados nas unidades III e IV da disciplina, respectivamente. A primeira,
diz respeito ao papel do psicólogo (ou do médico, psiquiatra, assistente de saúde,
etc.) frente a essa função; a segunda, a respeito da maneira como essa
potencialização se dá, sem idealizações de uma cura ou solução a um problema
funcional.
Em seu texto sobre Ética, Badiou parte de Ricoeur para pensar a Ética como
não-sofrimento. A referência, que problematiza na psiquiatria, então, é o inumano:
para a psiquiatria, a negação do sofrimento seria o objetivo: o humano pensado
como negação do inumano.
“A ética desde então nos proíbe de considerar a doença, a loucura, como o
que colocaria o ser humano fora do devir - sujeito onde o humano se realiza”
(BADIOU, pg. 51, 2006). Desta forma, a doença ou a loucura seriam como que um
limite da experiência em oposição à sua negação.
Se o texto é concluído por uma afirmação da psiquiatria através de uma outra
máxima ética, a da subjetivação eterna, em um viés quase exaltado da figura do
psiquiatra, a discussão que acarreta o material nos leva a questionar a função ética
do trabalhador de saúde ao adotar as técnicas de avaliação psicológica e nos
trabalhos psi de maneira geral. Considerar a doença, a loucura, em seu cerne, como
uma experiência-limite que não encerra possibilidades (como um encaminhamento
fechado e de diagnóstico o faria no cenário de fracasso escolar que citamos
anteriormente), é posicionar-se eticamente na atuação profissional enquanto um
catalisador de possibilidades, isto é, não muito difere da perspectiva ampliada sob a
qual devemos nos nortear.
Ao pensar a judicialização da vida, Lobo (2012) fala da dinâmica foucaultiana
do poder e a maneira como a realidade é uma tensão de forças constante e que
envolve as instituições, e da maneira que historicamente essas instituições se
adaptaram a esse jogo de forças (reconhecendo a necessidade de sua existência) e
passa a manipulá-lo enquanto forma de controle, ainda. Mas a essa própria
dinâmica se estabelece o pressuposto de que há espaço para resistência em todo
ato de controle, em toda dinâmica de forças.
Concluímos, então, essas reflexões a partir deste material com a perspectiva
de que se posicionar eticamente frente às demandas institucionais de uma
patologização e controle, isto é, um pressuposto de normalidade funcional,
pretendendo colocar sujeitos em posições limitantes e escanteadas socialmente,
como forma de entender e atuar na avaliação psicológica é um pressuposto da
própria avaliação e orientação profissional fundamental para todos os profissionais
psi que a utilizam enquanto ferramenta de trabalho e - principalmente - promoção de
saúde.

REFERÊNCIAS

BADIOU, A. En Reflexiones Sobre Nuestro Tiempo: Ética Y Psiquiatría. 2ª Ed.,


Buenos Aires, 2006, p. 37-43.

JORNAL DO CRP-RJ: Avaliação Psicológica: O que realmente cabe a psicologia


avaliar?. Rio de Janeiro, 01 semestre de 2013.

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico 7. ed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2011.

LOBO, L. F. (2012) A Expansão dos Poderes Judiciários. Psicologia & Sociedade, 24


(n. spe), 25-30.

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