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Paulo Gala – Economia & Finanças

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Para entender o Desenvolvimento Econômico:


divisão do trabalho, retornos crescentes de escala e
complexidade produtiva
25/06/2019 Paulo Gala

Um aumento de complexidade num dado pais significa que as possibilidades


de divisão do trabalho dentro das empresas e entre as empresas estão aumentando,
seguindo o raciocínio da fabrica de alfinetes de Adam Smith, e que a economia esta
sendo capaz de constituir de forma eficiente redes produtivas em setores
manufatureiros com retornos crescentes de escala. Em outras palavras, os sistemas
industriais complexos do país estão expandindo.

Esse conjunto de caraterísticas sistêmicas implicam num aumento de produtividade


individual dos trabalhadores. A fabrica de alfinetes de Adam Smith era, antes de mais
nada, uma fábrica. A divisão do trabalho, “causa do aprimoramento das forças
produtivas”, aparece na obra de Smith como um dos pilares do avanço produtivo e,
portanto, dos ganhos de produtividade. O famoso exemplo da fábrica de alfinetes
mostra em detalhe como a especialização produtiva e a divisão de tarefas traz ganhos
de produtividade. Para Adam Smith a divisão do trabalho encontrada nas
manufaturas era da maior importância para explicar os aumentos de produtividade
dos trabalhadores devido a três motivos:

i) aperfeiçoamento e aumento de habilidade decorrente da concentração em uma


única atividade, destreza nas palavras de Smith,
ii) economia de tempo relativo a mudanças de local e de atividades em casos de não
divisão do trabalho,
iii) mecanização do processo produtivo ou utilização de maquinas inventadas pelos
trabalhadores, fabricantes de maquinas e “filósofos”.

Smith fornece contas especificas para as fabricas de alfinetes que visitou e conjectura
que um trabalhador sozinho talvez fosse capaz de produzir uns 20 alfinetes por dia,
ou talvez ate mesmo um só por dia se tivesse que conduzir o processo do começo ao
fim. Enquanto que numa pequena fabrica de alfinetes com 10 pessoas, graças
ao processo integrado de produção e a grande divisão do trabalho, um trabalhador
era capaz de produzir ate 4.800 alfinetes por dia na media. Uma produtividade
individual monumentalmente maior do que no caso de produção sem divisão do
trabalho.

A indústria permite maior divisão do trabalho por conta de suas características


intrínsecas de produção, a saber, na produção manufatureira sempre há um
encadeamento longo de etapas produtivas. Para se chegar ao carro por exemplo, tem
que se fazer o motor, os pneus, o chassi, os vidros, os bancos, etc. Encadeamento
esse que não surge na agricultura, na extração de commodities e que aparece
parcialmente no processamento de commodities: as atividades econômicas são
distintas em termos do “desdobramento” de seu processo produtivo. E por que isso
importa? Smith mostrou logo no inicio da Riqueza das Nações que o aumento de
produtividade dos trabalhadores decorre basicamente de três características do
processo produtivo: divisão do trabalho, especialização e mecanização da produção.

Vamos imaginar, por exemplo, a produção de um avião da Boeing e comparar com a


fabrica de alfinetes. Milhares de trabalhadores estão envolvidos mundo afora na
produção de um avião. Vários trabalhadores produzindo vários aviões por ano
representam uma produtividade enorme de cada trabalhador. No exemplo de Smith,
a produtividade dos trabalhadores surge da divisão do trabalho dentro da fábrica. No
exemplo do Boeing, por analogia, a produtividade das empresas envolvidas na
produção surge também da divisão de tarefas entre as empresas. A produtividade
dos trabalhadores dentro das empresas surge da divisão de trabalho dentro da
empresa e entre as empresas.

Existem duas fontes de divisão do trabalho aqui: intra-empresas e entre-empresas.


Quanto maiores essas possibilidades de divisão do trabalho maior é o potencial de
ganhos de produtividade. Portanto quanto mais complexa a estrutura produtiva de
uma economia (bicicletas, carros, trens, helicópteros, químicos) maior o potencial de
divisão do trabalho e maior o potencial para aumentos de produtividade.

A agricultura, por outro lado, não desenvolve elos produtivos nem dentro dela
mesma nem com outros setores. O agronegócio não é agricultura, o agronegócio é
“processamento de commodities” (peito de frango, suco de laranja, açúcar); permite
uma “complexificação” parcial por assim dizer da produção. O mesmo vale para
processamento de recursos naturais, no limite o aço é isso. Ou seja, não basta uma
atividade produtiva ser mecanizável e ter divisão do trabalho. Precisa ter elos, muitos
elos, para aumentar o potencial de mecanização e divisão do trabalho; isso a
agricultura simples e mineração simples não têm.

O agronegócio pode gerar aumento de complexidade produtiva se os tratores, os


químicos, as plantadeiras e colheitadeiras forem feitas domesticamente com
competência como fizeram EUA e Canada por exemplo. Mas não há nenhuma
garantia de que isso ocorra. A agricultura pode simplesmente importar as maquinas e
químicos que necessita e nesse caso o pais continuara a ser uma grande fazenda high
tech, que emprega muito pouca gente só para dirigir o trator, a plantadeira e a
colheitadeira. O caminho do desenvolvimento mostra que é preciso sim produzir
tratores, colheitadeiras, plantadeiras ou fertilizantes, ou algo complexo que não seja
soja, milho ou trigo apenas.

A possibilidade de mecanização e especialização é maior na indústria do que em


outros setores justamente por conta da maior possibilidade de divisão do trabalho
intra-indústria e entre a indústria e outros setores, algo claramente explorado e
discutido na literatura econômica estruturalista a partir das leituras de Kaldor e
Myrdal dos 1960 e 1970. Esses insights de Smith foram ampliados no trabalho de
Allyn Young (divisão do trabalho e increasing returns) dos anos 1920 e também no
pensamento austríaco de Bohm Baverk. Kaldor parte dos trabalhos de Allyn Young e
da divisão do trabalho dentro das empresas e entre as empresas para destacar a
importância dos retornos crescentes de escala na indústria. Para alguns austríacos a
lá B. Baverk o setor industrial também é chave.

Essa característica da indústria e das possibilidades de divisão do trabalho ficaram


conhecidas como as economias de “roundaboutness” (termo chave de História e
Economia Política, de toda essa discussão1) que diz o seguinte: se o Robinson Crusoé
estiver sozinho numa ilha vale mais a pena ele gastar tempo fazendo um barco e uma
vara de pesca do que sair nadando para pescar peixes. Ou seja, se ele dividir a tarefa
de pesca e “mecaniza-la” ele será bem mais produtivo do que se sair nadando para
pescar. Nessa linha Allyn Young destaca a importância do roundaboutness que Smith
tão bem sacou e o Bohm Baverk aprofundou.

1
O “roundaboutness” está associado a uma escala de produção mais alongada, necessitando um
período maior de maturação para realocar todos os fatores, mas que terminará alcançando um
resultado de maior capacidade. A produtividade mais alta resulta do uso de bens de capital mais
complexos, daí a noção de métodos de produção mais indiretos e mais “intensivos de capital”.
Conclusão: as atividades industriais são as mais propícias para se aplicar o
roundaboutness (divisão do trabalho, especialização e mecanização) e, portanto, são
o motor da produtividade de uma economia.

Smith menciona que as atividades não são neutras do ponto de vista de potencial de
geração de divisão do trabalho; umas atividades mais propícias, outras menos.
Serviços não sofisticados, agricultura e recursos naturais tendem e promover
menor divisão do trabalho. Manufaturas e produtos mais complexos
apresentam maior potencial de promoção de especialização produtiva e divisão do
trabalho dentro das empresas e entre as empresas, especialmente aqueles
produzidos em grandes redes, gerando maiores oportunidades de ganhos de
produtividade.

Logo os ganhos “smithianos” de produtividade não são setor neutro, dependem do


tipo de atividade produtiva desenvolvida no espaço econômico em questão. Segundo
Smith “a natureza da agricultura não comporta tantas divisões do trabalho, nem uma
diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto ocorre nas
manufaturas” (RN pg.42). Ou ainda: “as nações mais opulentas geralmente superam
todos seus vizinhos na agricultura como nas manufaturas: geralmente, porém,
distinguem-se mais pela superioridade na manufatura do que na agricultura” (RN
pg.43). No jargão atual, manufaturas exibem em geral retornos crescentes de escala,
agricultura não.

Quando existem retornos crescentes de escala em uma firma ou setor, o aumento


da quantidade de utilização de um fator de produção, terra, capital ou
trabalho, determina um aumento mais do que proporcional da quantidade do
produto final. Por exemplo, um aumento de 10% da força de trabalho determina um
aumento de 15% da produção. Empresas ou setores que operam
com grandes potenciais de divisão do trabalho exibem, em geral, esse tipo de retorno
de escala. Nesse caso, um aumento de quantidade produzida reduz o custo marginal
de produção e significa, portanto, um maior produto marginal do fator adicionado.

Essas empresas e setores têm, portanto, fortes estímulos para expandir produção na
busca de aumentos de lucros e costumam apresentar importantes ganhos de
produtividade, o destaque aqui fica com o setor manufatureiro. As empresas
industriais têm, portanto, uma característica comum não encontrada na maioria das
empresas do setor de serviços não sofisticados ou no agronegócio, a saber, custos
marginais de expansão decrescentes com altos retornos crescentes de escala e
escopo.
O aumento de um turno de produção, por exemplo, ou a implantação de uma nova
máquina na planta produtiva pode multiplicar a capacidade de produção da indústria
em muitas vezes. Nos setores de serviços não sofisticados e agronegócio o custo
marginal de expansão tende a ser caro e acrescentar na margem pouca capacidade
produtiva, são setores que sofrem com retornos decrescentes. Numa fábrica a
simples adoção de uma nova tecnologia pode muitas vezes duplicar ou triplicar o
volume de produção total da planta.

O mesmo não se observa em fazendas ou no comércio, por exemplo.


Ricardo Hausmann e Cesar Hidalgo explicam de maneira bastante clara no Atlas da
Complexidade Econômica como a divisão do trabalho e a especialização produtiva
resultam ao longo do tempo em aumentos de produtividade, diversificação produtiva
e aumento da complexidade das economias no processo de desenvolvimento
econômico. Considere o exemplo de Hausmann de um centro médico rural e um
importante hospital da cidade. O primeiro provavelmente tem um único clínico geral
que é capaz de fornecer um conjunto limitado de serviços. No hospital urbano, os
médicos são especializados em diferentes áreas (oncologia, cardiologia, neurologia, e
assim por diante), o que permite ao hospital oferecer um conjunto mais diversificado
de tratamentos. A especialização e divisão de tarefas dos médicos leva a
diversificação dos serviços hospitalares.

A especialização generalizada das pessoas em uma sociedade leva a diversificação


encontrada dentro das cidades. As cidades maiores são mais diversificadas do que as
cidades menores. Entre as cidades com populações semelhantes as mais
diversificadas são mais ricas do que as menos diversificadas. Como
destaca Hausmann, as cidades maiores tendem a crescer mais rapidamente e tornar-
se ainda mais diversificadas, não só porque têm um mercado interno maior, mas
também porque são mais diversificadas em termos do que podem vender para outras
cidades e países. As cidades são os locais onde as pessoas que se especializaram em
diferentes áreas de conhecimento se reúnem para combinar o seu know-how.

Como bem demonstram Hausmann e Hidalgo na abordagem de complexidade,


cidades ricas são caracterizadas por um conjunto mais diversificado de habilidades
que apoiam um conjunto mais diversificado e complexo de indústrias e, assim,
proporcionam mais oportunidades de emprego para os diferentes especialistas.

No processo de desenvolvimento econômico, cidades, estados e países não se


especializam, se diversificam. Evoluem de sistemas com algumas indústrias simples
para um conjunto cada vez mais diversificado de indústrias mais complexas.
Conforme mostra o gráfico abaixo retirado do Atlas da Complexidade, as maiores
economias do mundo são também as mais complexas.

PIB-PPP Per Capita X Grau de Complexidade Econômica

Fonte:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2017/12/a-economia-da-complexidade-paulo-gala.html

*https://blogs.scientificamerican.com/observations/the-rise-of-knowledge-
economics/?fbclid=IwAR1PVMgpoWrWXmVWnBeBUPURV5ZxQfnYqnb8OEEMFEnS5PRubP2i
TsqIXiw

** texto clássico de Allyn Young (1928)


As fases do desenvolvimento de um país:
agricultura, serviços não sofisticados, indústria e
serviços sofisticados.

Bob Rowthorn, dentre muitos outros economistas, analisou de maneira interessante


o passo a passo do desenvolvimento dos países ou as fases do crescimento
econômico.

Num primeiro momento as economias pobres empregam a maioria de seus


trabalhadores na agricultura.

O progresso se da num segundo momento pela industrialização, trabalhadores são


transferidos dos setores agrícolas de subsistência para manufaturas com
produtividade mais elevada (A. Lewis). Parte das pessoas que migram para as
cidades não conseguem empregos na manufatura e vão para o setor de serviços
não sofisticados (varejo, garçons, atendentes, etc).

Se o processo de desenvolvimento avança, novos empregos são criados em


manufaturas high tech e serviços sofisticados (financas, advocacia, marketing, TI,
design).

A disseminação de empregos em setores de manufatura high tech e serviços


sofisticados, de alta produtividade, puxam para cima também os salários dos outros
setores (além dos salários desses setores, Baumol, Balassa e Samuelson).

Alguns países não conseguem chegar nesse estágio e ficam presos na armadilha de
renda média, com indústrias low tech e serviços de baixa complexidade (Brasil).

Os países ricos se caracterizam por ter um grande setor de serviços sofisticados. Os


pobres (em termos de renda per capita) tem enorme contingente da população ainda
empregada na agropecuária. O setor manufatureiro emprega muita gente nos
pobres e ricos. A grande maioria dos empregos de qualquer economia está no setor
de serviços não sofisticados.
Setores da Economia e Empregos

Fonte: Paulo Gala

As três visões sobre os caminhos para se


atingir a riqueza de uma nação
20/02/2022 Paulo Gala

1) O mercado tudo resolve. É só deixar o sistema econômico funcionar sem


entraves, resultados ótimos serão atingidos, países, pessoas e empresas se
especializarão em suas vantagens comparativas. O mercado será capaz de alocar
tudo com eficiência dentro dos países e no mercado mundial. Basta o governo não
atrapalhar, garantir os contratos, segurar gastos públicos, a inflação etc (visão
panglossiana do mundo).

2) Sem estado nada é possível. O setor privado defende o interesse de poucos e


produz enormes desigualdades e ineficiências via monopólios e conluios. Só o
espírito público pode salvar. O planejamento central garante igualdade e
oportunidade a todos. O mercado nunca será capaz de construir uma sociedade
justa e igualitária. Só o estado salva.
3) O mercado depende do estado e vice versa. O livre funcionamento do mercado
produz monopólios dentro dos países e na economia mundial travando
oportunidades para os novos entrantes. Os monopólios generalizados geram
ineficiência a partir do próprio funcionamento do mecanismo de mercado (falhas de
mercado, second best, etc). O governo precisa intervir para garantir o bom
funcionamento dos mercados; muitas vezes os governos são corruptos e
incompetentes, atendem a interesses específicos e produzem “rent seeking” e muita
ineficiência. Um sistema de “checks and balances” [freios e contrapesos -
autorregulação] precisa funcionar com mercado vigiando o estado e vice versa. O
estado abre alas, as empresas dominam a área.

Claro que são caricaturas (um pouco), mas ajudam a entender as brigas entre
economistas no Brasil e no Mundo hoje!

Fonte:

Paulo Gala / Economia & Finanças


https://www.paulogala.com.br/abrindo-a-caixa-preta-da-produtividade-agregada-
divisao-do-trabalho-retornos-crescentes-de-escala-e-complexidade/

https://www.paulogala.com.br/as-fases-do-crescimento-agricultura-servicos-nao-
sofisticados-industria-e-servicos-sofisticados/

https://www.paulogala.com.br/as-tres-visoes-sobre-os-caminhos-para-se-
atingir-a-riqueza-de-uma-nacao/

Paulo Gala - Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em


Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante
nas Universidades de Cambridge, UK e Columbia, NY. Foi economista chefe, gestor
de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor
de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu
último livro.

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