Você está na página 1de 155

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Marina Cavalcante Vieira

Visões da modernidade nas histórias em quadrinhos: Gotham e Metrópolis


em finais de 1930

Rio de Janeiro
2012
Marina Cavalcante Vieira

Visões da modernidade nas histórias em quadrinhos: Gotham e Metrópolis em finais de


1930

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Profª. Dra. Maria Josefina Gabriel Sant’Anna


Coorientadora: Profª. Dra. Bianca Freire-Medeiros

Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

V665 Vieira, Marina Cavalcante


Visões da modernidade nas histórias em quadrinhos: Gothan
e Metrópolis em finas de 1930/ Marina Cavalcante Vieira –
2012.
143 f.

Orientador: Maria Josefina Gabriel Sant’Anna.


Coorientador: Bianca Freire-Medeiros.
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
. Bibliografia.

1. Histórias em quadrinhos – Teses. 2. Chicago, Escola de


sociologia de I. Sant’Anna, Maria Josefina Gabriel. II. Freire-
Medeiros, Bianca. III. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

CDU 659.3:741.5

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que
citada a fonte.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Marina Cavalcante Vieira

Visões da modernidade nas histórias em quadrinhos: Gotham e Metrópolis em finais de


1930

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 11 de maio de 2012.

Banca Examinadora:

___________________________________________________
Profª. Dra. Maria Josefina Gabriel Sant’Anna (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
___________________________________________________
Profª. Dra. Bianca Freire-Medeiros (Coorientadora)
Fundação Getúlio Vargas - FGV
____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Rebello de Mendonça
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
____________________________________________________
Prof. Dr. Valter Sinder (Examinador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ

Rio de Janeiro
2012
AGRADECIMENTOS

Esta dissertação teve contribuições de vários amigos e familiares.


As ideias que se seguem devem muito aos meus amigos Tânia, Ewerthon e Franklin
que me incentivaram a escrever no último ano do curso de Ciências Sociais o projeto de
pesquisa que deu fruto a esta dissertação. Vocês me ajudaram a retirar as muitas pedras do
caminho.
Agradeço aos meus tios Zeuza e Raimundo que me acolheram como filha em sua casa.
Agradeço ao corpo discente e docente do PPCIS-UERJ que de forma direta ou indireta
contribuíram para lançar algumas luzes sobre a minha pesquisa, mais especialmente aos
amigos Leo e Kleber que durante o nosso curso de leitura com a Prof.ª Masé leram capítulos
centrais desta dissertação e fizeram comentários bastante enriquecedores.
Agradeço principalmente por ter tido ótimas orientadoras como a Masé e a Bianca que
facilitaram muito os percalços acadêmicos.
Ao doce Daniel, amor da minha vida, por estar ao meu lado durante todos os
momentos do mestrado e por nunca ter tido ciúme do Batman e do Super-Homem.
RESUMO

VIEIRA, Marina Cavalcante. Visões da modernidade nas histórias em quadrinhos: Gotham e


Metrópolis em finais de 1930. 2012. 143 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2012.

Metrópolis e Gotham são as cidades imaginárias das histórias em quadrinhos que,


respectivamente, ambientam as aventuras do Super-Homem e Batman. Estes dois super-heróis
foram criados nos Estados Unidos em finais da década de 1930 e continuam a povoar a vida
de crianças e adultos oito décadas depois de sua concepção. O objetivo desta dissertação é
fazer uma análise das cidades do Super-Homem e Batman em seu contexto de criação por
meio de uma análise etnográfica da literatura em quadrinhos. Objetiva-se analisar as
representações dessas cidades ficcionais em relação com as questões vividas pelas grandes
cidades norte-americanas de sua época, como crime, migração e delinquência. Para tanto,
analisa-se as primeiras histórias dos referidos super-heróis publicadas desde a sua criação em
1938 e 1939 até a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em dezembro de
1941. Discute-se a questão da dupla identidade, da liberdade e do anonimato nas grandes
cidades a partir do gênero de super-heróis, bem como contextualiza-se a criação dos
quadrinhos como um meio de comunicação de massa nascido no ambiente moderno e urbano.
A tese central desta dissertação gira em torno da discussão sobre cidades e Modernidade.
Considera-se Gotham e Metrópolis como representações que refletem pontos de vista
distintos sobre as grandes cidades modernas. A primeira é uma cidade noturna e violenta de
crimes relacionados com a loucura, o crime organizado e a migração. Subjaz aqui a noção de
que a modernidade, tendo como locus as grandes cidades, seria um fator que desagrega a vida
social levando os habitantes de Gotham City a enfrentar um cotidiano de conflitos, seja com
criminosos, loucos ou imigrantes. Metrópolis, por sua vez, enfrenta em seu cotidiano
problemas técnicos e crimes de cunho moral, sendo uma cidade diurna de linhas retas e
prédios de estilos arquitetônicos modernistas retratados a partir de imagens panorâmicas que
destacam seus prédios e arranha-céus iluminados, enquanto Gotham é representada como uma
cidade escura de prédios monolíticos que se repetem indistintamente em seu horizonte. Por
mais ficcionais, utópicas ou distópicas que possam ser as cidades das histórias em quadrinhos
elas são representações que se relacionam com o imaginário da época e sociedade em que
foram criadas. Esta dissertação compreende Gotham City e Metrópolis como sínteses de
concepções urbanas modernas, relacionando-as com correntes urbanísticas presentes nas
primeiras décadas do século XX e com questões colocadas pelo pensamento social da Escola
de Chicago de Sociologia.

Palavras-chave: História em quadrinhos. Cidades. Modernidade. Escola de Chicago de


Sociologia. Imaginário urbano.
ABSTRACT

Metropolis and Gotham are the imaginary cities of comics that respectively set the
adventures of Superman and Batman. These two superheroes were created in the United
States in the late 1930s and continue to populate the lives of children and adults eight decades
after its conception. The objective of this dissertation is to analyze the cities of Superman and
Batman in their context of creation through an ethnographic analysis of comic book literature.
The aim is to analyze the fictional representations of these cities in relation to the issues faced
by large North American cities of its time, such as crime, migration and delinquency. In this
intent the first stories of these superheroes are analyzed since its creation in 1938 and 1939
until the U.S. entry into World War II in December 1941. It is discussed the question of dual
identities, freedom and anonymity in large cities through the comic book superheroes genre,
as well it is contextualized the creation of comics as a medium of mass communication born
in modern and urban context. The central thesis of this dissertation is developed around the
discussion between cities and Modernity. Gotham and Metropolis are seem as representations
that reflects distinct point of view about great modern cities. The former is a nocturnal and
violent city which crimes are related to madness, organized crime and migration. Here
underlies the notion that modernity, having as its prime locus the large cities, it is a factor that
disrupts the social life leading the inhabitants of Gotham City to face a daily conflict with
either criminals, madmen or immigrants. The city of Metropolis, in turn, faces technical
problems and moral crimes, a daytime city of straight lines and buildings of modernist
architectural styles always portrayed from panoramic images that highlight their buildings and
gleaming skyscrapers, while Gotham is represented as a city with a dark outline of monolithic
buildings repeated without distinction on the horizon. Cities of comics are representations that
either fictional, utopian or dystopian they may be, are related to  the imagery time and society
in which they were created. This dissertation comprises Gotham City and Metropolis as
synthesis of modern urban concepts, relating them to urban conceptions present in the first
decades of the twentieth century and with issues exposed by the social thought of the Chicago
School of Sociology.

Keywords: Comic books. Cities. Modernity. Chicago School of Sociology. Urban imagery.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Imagem retirada da revista Superman n° 6.........................................................15


Ilustração 2 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 29 ..........................................15
Ilustração 3 - Quadro do Menino Amarelo...............................................................................25
Ilustração 4 - Little Nemo escalando prédios em publicação de setembro de 1907................ 28
Ilustração 5 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 28...........................................31
Ilustração 6 - Imagem retirada da revista Action comics n° 6...................................................34
Ilustração 7 - Imagem retirada da revista Action comics n° 6...................................................35
Ilustração 8 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 1..................................................44
Ilustração 9 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..................................................45
Ilustração 10 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8................................................45
Ilustração 11 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 27.........................................47
Ilustração 12 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 27.........................................48
Ilustração 13 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 27.........................................48
Ilustração 14 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 42.........................................49
Ilustração 15 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 1................................................59
Ilustração 16 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 29.........................................59
Ilustração 17 - Imagem de Jiggs e Maggie retirada do site Collectors Society........................67
Ilustração 18 - Publicação de 1921 dos quadrinhos Bringing Up Father.................................68
Ilustração 19 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 29.........................................69
Ilustração 20 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 29.........................................70
Ilustração 21 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 30.........................................70
Ilustração 22 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 35.........................................71
Ilustração 23 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 35.........................................72
Ilustração 24 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 35.........................................72
Ilustração 25 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 35.........................................73
Ilustração 26 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 35.........................................74
Ilustração 27 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 39.........................................75
Ilustração 28 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 39.........................................76
Ilustração 29 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 39.........................................76
Ilustração 30 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 39.........................................77
Ilustração 31 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 39.........................................77
Ilustração 32 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 39.........................................78
Ilustração 33 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 52.........................................80
Ilustração 34 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 52.........................................81
Ilustração 35 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 52.........................................81
Ilustração 36 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 52.........................................82
Ilustração 37 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 52.........................................83
Ilustração 38 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 52.........................................83
Ilustração 39 - cartum da Puck publicado em 1887..................................................................88
Ilustração 40 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 1................................................90
Ilustração 41 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 1................................................92
Ilustração 42 - Capa da revista Detective Comics n° 29...........................................................94
Ilustração 43 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 7................................................97
Ilustração 44 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 4................................................98
Ilustração 45 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 4................................................98
Ilustração 46 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 12..............................................99
Ilustração 47 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 12............................................101
Ilustração 48 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................102
Ilustração 49 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................102
Ilustração 50 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 38.......................................103
Ilustração 51 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 36.......................................106
Ilustração 52 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 36.......................................107
Ilustração 53 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................107
Ilustração 54 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................108
Ilustração 55 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 41.......................................109
Ilustração 56 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 41.......................................110
Ilustração 57 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 41.......................................110
Ilustração 58 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................112
Ilustração 59 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................113
Ilustração 60 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................113
Ilustração 61 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................114
Ilustração 62 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................115
Ilustração 63 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................115
Ilustração 64 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................116
Ilustração 65 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................116
Ilustração 66 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................116
Ilustração 67 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................117
Ilustração 68 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................118
Ilustração 69 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................118
Ilustração 70 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................119
Ilustração 71 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................119
Ilustração 72 - Imagem retirada da revista Action Comics n° 8..............................................120
Ilustração 73 - Imagem retirada da revista Batman n° 3.........................................................121
Ilustração 74 - Imagem retirada da revista Batman n° 3.........................................................122
Ilustração 75 - Imagem retirada da revista Batman n° 3.........................................................122
Ilustração 76 - Imagem retirada da revista Batman n° 3.........................................................123
Ilustração 77 - Imagem retirada da revista Batman n° 3.........................................................124
Ilustração 78 - Imagem retirada da revista Batman n° 3.........................................................124
Ilustração 79 - Imagem retirada da Detective Comics n° 29...................................................128
Ilustração 80 - Imagem retirada da Detective Comics n° 29...................................................129
Ilustração 81 - Imagem retirada da Detective Comics n° 29...................................................129
Ilustração 82 - Imagem retirada da Detective Comics n° 38...................................................130
Ilustração 83 - Imagem retirada da Detective Comics n° 38...................................................130
Ilustração 84 - Imagem retirada da Action Comics n° 1.........................................................132
Ilustração 85 - Imagem retirada da Action Comics n° 6.........................................................133
Ilustração 86 - Imagem retirada da Detective Comics n° 36...................................................134
Ilustração 87 - Imagem do filme King Kong...........................................................................135
Ilustração 88 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................135
Ilustração 89 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................136
Ilustração 90 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 28.......................................137
Ilustração 91 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 28.......................................137
Ilustração 92 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................138
Ilustração 93 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................138
Ilustração 94 - Imagem retirada da revista Action comics n° 6...............................................139
Ilustração 95 - Imagem retirada da revista Action comics n° 7...............................................139
Ilustração 96 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................140
Ilustração 97 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 31.......................................142
Ilustração 98 - Imagem retirada da revista Detective Comics n° 33.......................................143
Ilustração 99 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.........................................................143
Ilustração 100 - Imagem retirada da revista Batman n° 1.......................................................144
Ilustração 101 - Imagem retirada da revista Action comics n° 8.............................................145
Ilustração 102 - Imagem retirada da revista Action comics n° 8.............................................145
Ilustração 103 - Imagem retirada da revista Action comics n° 11...........................................145
 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 11
1 HISTÓRIA EM QUADRINHOS: DO SURGIMENTO AOS SUPER-
HERÓIS............................................................................................................. 22
1.1 A Superaventura e as Revistas em Quadrinhos............................................. 29
1.2 O Super-Homem: Tensões e lutas judiciais entre autores e editora............ 33
2 SUPER-HERÓIS E INDIVIDUALISMO: UMA RELEITURA DA
QUESTÃO DA DUPLA IDENTIDADE ATRAVÉS DE SIMMEL............ 37
2.1 Liberdade e igualdade: ou o paradoxo moderno........................................... 38
2.2 Bruce o Blasé e Clark o homem da multidão................................................. 42
2.3 Tragédia da Cultura e Desencantamento do Mundo.................................... 51
3 IMAGINÁRIO URBANO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS........... 53
3.1 Urbanismo e Histórias em Quadrinhos: análise da representação urbana. 56
4 CRIME, DELINQUÊNCIS E MIGRAÇÃO NO BATMAN E SUPER-
HOMEM: DIÁLOGO COM A ESCOLA DE CHICAGO........................... 62
4.1 Migração nos quadrinhos................................................................................ 65
4.1.1 Gotham e imigração........................................................................................... 68
4.1.2 O tema da imigração no Super-Homem............................................................. 89
4.1.3 Super-Homem: o imigrante intergaláctico.......................................................... 90
4.2 Crime.................................................................................................................. 91
4.2.1 Metrópolis: o crime moral e os problemas técnicos........................................... 95
4.2.2 Gotham: Crime organizado................................................................................. 102
4.2.3 Crime e Pertubação Mental no Batman.............................................................. 104
4.3 Delinqüência...................................................................................................... 112
4.3.1 Delinqüência nos quadrinhos do Super-Homem................................................ 112
4.3.2 Delinqüência no Batman.................................................................................... 121
5 IMAGENS PANORÂMICAS: A CIDADE VISTA DO ALTO................... 128
6 CONCLUSÕES ................................................................................................ 141
REFERÊNCIAS................................................................................................ 148
 

 
11 

INTRODUÇÃO

O tema das histórias em quadrinhos entrou na minha vida digamos que por um
acaso. Eu nunca fui muito fã dos quadrinhos, quando pequena lia um pouco da Turma da
Mônica, mas acho que isso não ficou muito na minha memória. Quando adulta me
interessei por algumas histórias autobiográficas em quadrinhos como Persépolis e Fun
Home, mas os super-heróis nunca foram muito “a minha praia”. Deixo claro desde já ao
leitor desavisado que o texto a se seguir é de uma cientista social que por interesse de
pesquisa acabou virando fã dos quadrinhos de super-heróis, mais ou menos como o
antropólogo que vai assistir a uma cerimônia de umbanda e acaba recebendo o caboclo.
Mas como então eu cheguei aos quadrinhos do Batman e Super-Homem das décadas de
1930 e 1940? Tudo começou em um dia de tédio infinito em que passei assistindo aos
filmes do Batman produzidos por Tim Burton que passavam na televisão. Como uma boa
pesquisadora das questões urbanas me ative à cidade, então me surgiu a curiosidade de
fazer uma busca rápida na internet sobre quando o Batman foi criado e como era aquela
cidade, se ela era diferente da cidade produzida por Tim Burton em 1980 e em 1990.
Acontece que não achei muito sobre a especificidade desta cidade quando foi criada, então
resolvi baixar pela internet os primeiros quadrinhos e ler. Acabei baixando os primeiros do
Super-Homem também, e aqui estou eu apresentando uma dissertação sobre o assunto,
sobre as cidades destes dois super-heróis em seus contextos de criação.
A leitura que fiz dessas cidades criadas nos quadrinhos é a de que elas se
relacionam bastante com o período histórico e principalmente com as concepções urbanas
de sua época. A idéia de compreender como um meio de comunicação voltado para o
entretenimento pode ser tão vivo em descrições da mentalidade e do imaginário de uma
época e sociedade me fascinou. Convido o leitor a pensar as representações das cidades
modernas através dos quadrinhos, buscando compreender em que medida as imagens
construídas das cidades de Metrópolis e Gotham afastam-se e aproximam-se tanto entre si
como entre as cidades reais de sua época. Toda a nossa jornada a seguir desenrola-se em
torno de um diálogo com as cidades modernas e em como as cidades imaginárias dos
quadrinhos se relacionam com referentes sócio-históricos.
O capítulo inicial desta dissertação introduz o tema, o objeto e os objetivos desta
pesquisa, além de apresentar ao leitor a proposta metodológica de uma análise etnográfica
para as histórias em quadrinhos, explicitando o tratamento dado ao tema e traçando pontes

 
12 

entre a antropologia e sociologia urbanas. O questionamento principal que fundamenta este


capítulo introdutório seria o de como realizar uma análise etnográfica dos quadrinhos. Se a
abordagem fosse comum talvez explicitar o método não fosse assim tão necessário, mas
dado o caráter um tanto quanto inovador da pesquisa a discussão do método se mostra
imprescindível, já que geralmente os pesquisadores em congressos científicos costumavam
ficar curiosos e mesmo levantar as sobrancelhas sempre que eu falava sobre uma
etnografia dos quadrinhos.
O capítulo 1 intitulado História em quadrinhos: do surgimento aos super-heróis
contextualiza o período de criação dos quadrinhos de forma geral até o surgimento do
gênero de super-heróis. Este capítulo postula as características da linguagem dos
quadrinhos, explicitando ao leitor que este é um suporte midiático de linguagem específica;
diferente do cinema, do cartum e da literatura, por exemplo. Mas a maior contribuição
deste capítulo é a de contextualizar e relacionar a criação dos quadrinhos com a
Modernidade e a cidade moderna, expondo como esta linguagem fragmentada em quadros
se relaciona com a fragmentação do modo de vida urbano e moderno.
O capítulo 2 problematiza o gênero de super-heróis ou superaventura aprofundando
as relações entre super-heróis, cidades e Modernidade a partir da discussão sobre
individualismo em Georg Simmel. Compreendendo os super-heróis como tipicamente
urbanos, modernos e individualistas faz-se uma análise de como o Batman e o Super-
Homem utilizam-se de suas identidades secretas para lidar com questões como
anonimato/individualismo e liberdade/igualdade nas cidades modernas. Estes valores são
considerados por Simmel como antagônicos, verdadeiros paradoxos modernos como
veremos melhor no decorrer do capítulo 2. Neste capítulo faz-se uma leitura sociológica da
questão das identidades secretas partindo do pressuposto de que elas revelam as tensões
tipicamente modernas entre liberdade e igualdade e entre individualismo e anonimato.
O capítulo 3 faz uma análise das cidades de Gotham e Metrópolis a partir das
principais correntes urbanísticas presentes nas primeiras décadas do século XX. Este
capítulo revela como a Modernidade causou transformações drásticas sobre as cidades
tanto em âmbito físico quanto simbólico. Em termos de sua representação as cidades
passaram a ser vistas por alguns como espaço de progresso e razão, e ao mesmo tempo
como caóticas, violentas e desorganizadas socialmente por outros. Essas representações
são pontos de vista antagônicos sobre a Modernidade que construíram concepções e
modelos urbanísticos também antagônicos entre si, como é o caso dos modelos

 
13 

progressista e culturalista. O maior mérito deste capítulo é tentar apontar em que medida as
cidades do Batman e Super-Homem distinguem-se entre si e aproximam-se dos modelos
urbanísticos de sua época de criação, mais precisamente os modelos progressista e
culturalista. Este capítulo discute a noção de imaginário social e imaginário urbano
partindo do pressuposto de que as cidades ficcionais dos quadrinhos são representações do
imaginário de sua época.
O capítulo 4 analisa as cidades do Batman e Super-Homem a partir da
representação do crime, da migração e da delinquência nas referidas histórias em
quadrinhos desenvolvendo um frutífero diálogo com a Escola de Chicago de Sociologia,
corrente de pensamento preocupada em pensar justamente o crime, a delinquência e
migração em contexto urbano. O questionamento de que tipo de crime, vítima, delinquente
e imigrante habita essas histórias acabou revelando grandes diferenças entre as cidades do
Batman e Super-Homem, a primeira uma cidade de crimes e loucura e a segunda uma
cidade de crimes morais e problemas técnicos.
O capítulo 5 é uma leitura das cidades do Batman e do Super-Homem a partir da
noção de panorama em Michel de Certeau, demonstrando as diferenças entre as
representações panorâmicas das imagens destas cidades; a primeira uma cidade sombria de
prédios indistinguíveis entre si enquanto a segunda apresenta prédios de estilos
arquitônicos variados que se destacam no traçado urbano.
É evidente que todo o caminho aqui percorrido foi feito de escolhas teóricas e
analíticas, e que o texto que se segue é apenas uma possibilidade de leitura das histórias em
quadrinhos embasado pela teoria sociológica. Antes de tudo o leitor precisa estar aberto a
um diálogo com a teoria social sobre modernidade, cidades, migração e urbanismo, além
de estar disposto a enxergar os quadrinhos não como um mero meio de entretenimento,
mas como um documento sócio-histórico. Por esse motivo esta dissertação talvez seja mais
interessante para os cientistas sociais. Mas nunca se sabe, quem sabe os fãs e curiosos se
interessem!
Convido o leitor a lançar um novo olhar sobre as histórias em quadrinhos, iniciando
a leitura desta dissertação a partir deste capítulo introdutório que se segue com uma
exposição do objeto, objetivo e método aqui utilizado.

 
14 

Batman e Super-Homem: o surgimento

A pesquisa tem como objeto o estudo da representação urbana na literatura em


quadrinhos. Busca-se refletir acerca da produção do imaginário urbano e sua representação
nesse tipo específico de suporte midiático. A referência empírica de análise são os
quadrinhos de Batman e do Super-Homem publicados originalmente nos Estados Unidos
ao longo nas décadas de 1930 e 1940.
A primeira história em quadrinhos do Super-Homem foi lançada em junho de 1938
pela revista Action Comics n° 1. Em maio do ano seguinte foi lançada pela revista
Detective Comics n° 27 a primeira história em quadrinhos do Batman. As aventuras desses
super-heróis continuam sendo atualizadas e reinventadas em diferentes veículos, povoando
a vida de adultos e crianças até os dias atuais.
Assim como os seus personagens, as cidades em que se passam tais histórias
tomam papel primordial na concepção e desenrolar das narrativas. Gotham City e
Metrópolis são as duas cidades, que, respectivamente, ambientam as aventuras do Batman
e do Super-Homem. Nascidas em finais da década de 1930, após a quebra da Bolsa de
Nova York, essas duas cidades representam concepções e perspectivas antagônicas sobre
as cidades norte-americanas da época.
A Gotham1 City ou cidade Gótica em sua tradução para o espanhol, representaria o
caos, o pessimismo, a sombra das grandes cidades, enquanto Metrópolis representaria a
luz, o modernismo e o progressismo. As histórias do Batman geralmente se passam à noite,
envoltas em um clima soturno de rabiscos sombrios. Já a Metrópolis do Super-Homem
geralmente é retratada nos períodos diurnos, com prédios altos e espelhados.

                                                            
1
Apesar de Gotham City ser La Ciudad Gótica na versão em língua espanhola, o nome Gotham seria uma espécie de
apelido pejorativo dado a Nova York durante o século XIX que varia do inglês britânico. No folclore inglês há uma
pequena vila chamada Gotham ou Goat-Ham. Goat significando cabra enquanto ham seria uma variação de home ou lar
na pronúncia britânica. Esta pequena vila “lar de cabras” seria habitada por idiotas. Enquanto que no original britânico a
pronúncia de Gotham seja aproximada de Goat-Ham, nos quadrinhos pronuncia-se Goth-am com goth. Lembrando que
em inglês goth significa gótico (Burrows and Wallace, 1999).

 
15 

Ilustração 1: imagem retirada da revista Superman n° 6


republicada no livro The Superman Chronicles Volume
4 (2008).

Ilustração 2: imagem retirada da revista Detective Comics


n° 29 de julho de 1939, republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Apesar de essas cidades terem sido criadas em conjunto com os seus personagens
os seus nomes foram dados algum tempo depois. A cidade do Super-Homem é nomeada
Metrópolis pela primeira vez apenas na revista Action Comics n° 16 de setembro de 1939,
enquanto Gotham recebe este nome no inverno de 1940 na revista Batman n° 4. Levando
em consideração que a análise que busco é a da imagem de cidade construída nestas
histórias e que essas já haviam sido delineadas antes de seus nomes serem dados, para
efeito analítico refiro-me aqui a Gotham e Metrópolis respectivamente como as cidades do

 
16 

Batman e Super-Homem, mesmo quando analiso histórias em que estas cidades ainda não
haviam sido nomeadas como tal.

Metodologia: as historias em quadrinhos como objeto de pesquisa

Propõe-se aqui uma reflexão sobre a possibilidade metodológica de um estudo


etnográfico da representação urbana na literatura em quadrinhos. Conforme mencionado, o
objetivo desta pesquisa é compreender como o imaginário urbano das décadas de 1930 e
1940 encontra-se presente nas histórias em quadrinhos do Batman e Super-Homem, mais
notadamente na formulação da representação das cidades desses super-heróis. Para tanto se
analisa as histórias em quadrinhos do Batman e Super-Homem publicadas em finais de
1930 e início de 1940.
Busca-se compreender as correlações entre as distintas concepções urbanas que
permeiam as teorias urbanísticas da referida época traçando um diálogo entre cidades e
Modernidade, super-heróis e individualismo, e entre as teorias da Escola de Chicago sobre
crime, migração e deliquência e a representação destas questões nos quadrinhos do Batman
e Super-Homem.
Trata-se, portanto, da tentativa de estabelecer uma relação entre o imaginário mais
amplo produzido sobre a cidade por meio da análise das representações urbanas inscritas
nas primeiras histórias em quadrinhos desses dois super-heróis. Este enfoque, pouco usual
na tradição da antropologia e sociologia urbana, traz para a discussão alguns problemas
metodológicos que a própria temática da pesquisa engendra.
A questão metodológica mais imediata ao buscar uma análise etnográfica da
representação urbana nos quadrinhos é a de como conceituar o objeto de estudo e o campo
de pesquisa. Essa discussão ganha centralidade na presente abordagem.
Sugere-se como pressuposto que é possível falar do imaginário urbano dos anos de
1930 e 1940 através de uma abordagem etnográfica das histórias em quadrinhos do Super-
Homem e Batman publicadas nesse período. Outro pressuposto é o da possibilidade de
estabelecer correlações entre as imagens de cidade encontradas nesses quadrinhos e as
distintas concepções urbanas que permeiam as teorias urbanísticas da época.

 
17 

Por uma etnografia urbana das histórias em quadrinhos

A proposta de realizar uma análise etnográfica da representação urbana encontrada


nos quadrinhos parece algo inédito, ou no mínimo pouco usual quando se pensa nos temas
tradicionalmente estudados pela antropologia e sociologia. Essa temática constitui um
objeto um tanto marginal para estes campos disciplinares.
Nessa medida, uma análise etnográfica das histórias em quadrinhos exige a
explicitação de algumas questões metodológicas e esclarecimentos conceituais.
A abordagem proposta tem como base de pesquisa empírica a coleção The Batman
Chronicles2 e The Superman Chronicles3, coleções que republicaram as primeiras HQ’s
dos referidos personagens na mesma ordem cronológica em que foram lançadas. Situando
em termos metodológicos, tomam-se essas coleções como “informantes” e “campo” de
pesquisa, seguindo a acepção clássica da etnografia.
Seguindo esse exercício de adequação metodológica sugere-se que a análise
antropológica da representação urbana nos quadrinhos deve estar atenta ao modo de
conceituar o objeto de estudo e o campo de pesquisa. Significa dizer que a análise
etnográfica das histórias em quadrinhos requer a explicitação de algumas questões
metodológicas e esclarecimentos conceituais.
Deve-se indicar inicialmente que a noção de “campo” de pesquisa aqui utilizada
não se refere à noção clássica malinowskiana, circunscrita à ideia de um espaço geográfico
delimitado para o qual o etnógrafo desloca-se com o intuito de realizar a sua pesquisa,
colher entrevistas e captar a realidade de uma dada cultura.
O sentido de “campo” diz respeito a um conjunto de práticas institucionais de
“deslocamento”, “aproximação” e “distanciamento”4 heurísticos, que vão desde as leituras
bibliográficas sobre o tema, passando pelos relatos e diálogos com outros pesquisadores,
até a intensa pesquisa interpretativa, em que as leituras das narrativas literárias e a
contextualização de sua produção e de seus interlocutores são fundamentais.

                                                            
2
The Batman Chronicles Volume 1 (Finger, 2005), The Batman Chronicles Volume 2 (Finger, 2006), The Batman
Chronicles Volume 3 (Finger, 2007a) e The Batman Chronicles Volume 4 (Finger, 2007b).
3
The Superman Chronicles Volume 1 (Siegel, 2006), The Superman Chronicles Volume 2 (Siegel, 2007a), The
Superman Chronicles Volume 3 (Siegel, 2007b) e The Superman Chronicles Volume 4 (Siegel, 2008).
4
Utiliza-se estas noções não no sentido espacial, mas no sentido do exercício intelectual de interiorização, apreensão e
tradução cultural. Clifford Geertz (2001) faz uma reflexão interessante sobre a noção de distanciamento conforme usada
aqui. Ver: GEERTZ, Clifford. “O pensamento como ato moral”. In: Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001. p. 44.

 
18 

Outro dado metodológico refere-se ao fato do saber antropológico (adquirido


através do método etnográfico) estar comumente associado ao trabalho de campo.
Entretanto, como lembram autores como Emerson Giumbelli (2002) e Fraya Frehse
(2010), a etnografia não se restringe à pesquisa de campo, ela é antes uma perspectiva
epistemológica que não se restringe ao contato face a face com os nativos.

Trata-se [a etnografia], por isso mesmo, de um modo de conhecer a realidade que


impregna todas as etapas metodológicas envolvidas na realização de uma pesquisa
antropológica. Perpassa a formulação da questão teórica, a definição do objeto, do cenário
espaço-temporal empírico de referência; envolve a construção da referência metodológica,
o levantamento, a sistematização e análise dos dados e a redação do texto monográfico
(FREHSE, 2010).

É esta postura metodológica que se adota para viabilizar a abordagem aqui


proposta.
O conhecimento etnográfico requer uma construção teórica que permita a
construção do objeto, delineie seu recorte, auxilie o trabalho de campo e a sistematização
da análise “em gabinete”. Deve-se lembrar que a pesquisa de campo tornou-se
equivocadamente sinônimo de etnografia devido ao modelo etnográfico malinowskiano e
funcionalista, mas esta ênfase no trabalho de campo acaba levando ao abandono de outras
técnicas valiosas para a construção etnográfica (GIUMBELLI, 2002; CUNHA, 2004).
Nesta direção Giumbelli (2002) problematiza a habitual associação entre trabalho
de campo e antropologia mostrando tratar-se de uma noção hegemônica que privilegia o
método do trabalho de campo ao sobrepor etnografia e trabalho de campo. Esta é uma
confusão comum que despreza outras técnicas na construção do método etnográfico. O
mesmo autor indica como o próprio Malinowski incluía não apenas a pesquisa de campo
no trabalho etnográfico. Esta confusão estende-se, por exemplo, à associação que se faz
entre etnografia, trabalho de campo e observação participante, comumente tratados como a
mesma coisa.
Em oposição a esta ótica entende-se que uma construção epistemológica do método
etnográfico possibilita a compreensão da etnografia como algo “para além do trabalho de
campo” (ibid.), além de permitir a emergência de novos campos, como, por exemplo, a
literatura, o cinema, a fotografia, o arquivo, e, por que não, as histórias em quadrinhos?
Tornando minhas as palavras de Giumbelli (2002, p. 95):

(...) meu objetivo é fundamentar a cidadania plena das pesquisas antropológicas que não
recorrem a experiências canônicas de ‘trabalho de campo’.

 
19 

Nesta linha alguns antropólogos inovam na construção de seus objetos e de sua


metodologia. Rita Amaral (2010) discute o potencial etnográfico como método de
pesquisa na internet, seja analisando interações em chats e redes sociais, seja analisando
sítios virtuais. Olívia Maria Gomes da Cunha (2004) considera a etnografia como método
para análise de arquivos, a etnografia trabalhando em pesquisas históricas, e Fraya Frehse
(2010), por sua vez, constrói o seu campo de pesquisa etnográfica como a sociabilidade das
ruas de São Paulo a partir de fotografias históricas, associando, dessa forma, imagem e
história à pesquisa etnográfica.
Em sua análise Rita Amaral (2010) considera a internet tanto como ferramenta,
quanto como meio ou campo de pesquisa. Para a autora, a internet e os computadores têm a
capacidade de transformar o modo como a pesquisa qualitativa tem sido feita. Representa
uma nova fonte de dados e acesso a várias bibliotecas. Como campo ela coloca novas
questões de como o pesquisador deve se inserir neste.

É claro que o uso deste recurso como meio de investigação requer discussões e algumas
reelaborações de conceitos antropológicos, como por exemplo, os de ‘campo’, de
‘familiaridade com o grupo’, ‘chegar ao campo, ‘deixar o campo’ e, principalmente, o de
interação pesquisador/pesquisado (AMARAL, 2010).

A proposta de pesquisa etnográfica relativa à literatura em quadrinhos traz consigo


novas questões epistemológicas, dada a impossibilidade de interação entre sujeito e objeto
nos moldes clássicos da pesquisa de campo. Procura-se com a investigação formular uma
análise interpretativa das imagens e imaginário das histórias em quadrinhos, uma pesquisa
feita “por sobre os ombros dos nativos” (GEERTZ, 2001), utilizando como recurso a
interpretação etnográfica que favoreça a compreensão do contexto em que estas histórias
foram criadas, transformando roteiristas, desenhistas, e mesmo a cidade e seus personagens
em informantes que permitam a nós pesquisadores “ler por sobre seus ombros”. Com
certeza essa é uma análise de segunda ou terceira mão, uma leitura de leituras sobre a
cidade.
Em busca de uma noção mais ampla de etnografia que não se limite ao trabalho de
campo, procura-se legitimar a análise etnográfica das histórias em quadrinhos, dando voz
aos personagens e às próprias cidades, transformando-as em informantes, similarmente ao
que faz Olívia da Cunha (2004, p. 293) com relação a pesquisa em arquivos:

(...) a interlocução é possível se as condições de produção dessas ‘vozes’ forem tomadas


como objeto de análise – isto é, o fato de os arquivos terem sido constituídos, alimentados
e mantidos por pessoas, grupos sociais e instituições.

 
20 

A pesquisa etnográfica de documentos e da literatura em geral tem sido tratada de


forma periférica porque não possibilita a interação entre sujeito/objeto nos moldes
clássicos e porque, igualmente, não permite relatos do tipo “estar lá”. O que se propõe aqui
é algo relativamente novo, ou seja, é justamente fazer emergir essas vozes que permitam,
por meio da leitura das falas e das imagens das histórias em quadrinhos, uma análise do
imaginário urbano.
Nesse encaminhamento, o pano de fundo que recobre as questões metodológicas
traz as seguintes indagações: como tratar a cidade das histórias em quadrinhos? Como
fazer antropologia urbana ou etnografia urbana a partir das histórias em quadrinhos?
Outra questão a levantar seria a da própria conceituação de antropologia urbana.
Esse território disciplinar, na sua emergência, representou uma ampliação do campo, no
sentido em que surgiu como uma subárea dos ditos “estudos de sociedades complexas” e
que se apresenta como uma alternativa ao desaparecimento das sociedades ditas
“tradicionais”. No contexto brasileiro, uma das definições mais aceitas é aquela dada por
Magnani (2002) no artigo “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”. O
autor aponta a existência de duas abordagens principais quando se trata das questões
urbanas, uma mais holística e a outra etnográfica. As abordagens holísticas ou “de longe e
de fora” seriam abordagens mais gerais sobre as cidades e que tenderiam a analisar os
processos de urbanização e intervenções urbanas enquanto algo separado de seus
habitantes, sem enfatizar os agentes sociais que tomam parte destes processos. Sua
proposta volta-se para uma abordagem “de perto e de dentro” capaz de enxergar a forma
como as pessoas vivem no contexto urbano.
Nesta linha, para Magnani (2002), a antropologia urbana seria caracterizada por
uma abordagem etnográfica capaz de pensar a cidade enquanto um todo, apesar de sua
abordagem se voltar prioritariamente para fenômenos urbanos específicos. Esta perspectiva
enxerga a cidade de forma fragmentada, opondo-se às formulações mais clássicas como,
por exemplo, à fórmula simmeliana do blasé (1997) e da indiferença como
comportamentos típicos da metrópole moderna. Apesar de reconhecer, por exemplo, a
presença da indiferença no meio urbano, o que interessa ao autor é destacar que existem
formas múltiplas de arranjos sociais e culturais entre agentes na cidade.
Nesta ótica, a proposta que encaminho é de uma análise interpretativa das histórias
em quadrinhos, que favoreça tanto a análise do imaginário urbano construído, quanto a
interpretação da representação urbana, além de viabilizar a análise etnográfica das práticas

 
21 

e usos do espaço pelas personagens destas histórias. Desta forma, propõe-se uma análise
na cidade e da cidade (em quadrinhos) ao mesmo tempo.
Mas antes de chegarmos à análise etnográfica propriamente dita é preciso conhecer
melhor nossos nativos. Este é o propósito do capítulo a seguir que tomando as histórias em
quadrinhos como nativos tenta responder ao questionamento de quais seriam as
especificidades deste suporte midiático, evidenciando o seu contexto de criação em finais
do século XIX e chegando até à criação do fenômeno dos super-heróis das revistas em
quadrinhos.

 
22 

1 HISTÓRIA EM QUADRINHOS DO SURGIMENTO AOS SUPER-HERÓIS

As histórias em quadrinhos são meios de comunicação que ocupam um importante


papel na cultura de massa ocidental. Mas afinal, o que são histórias em quadrinhos, HQ’s,
revistinhas, gibis, novelas gráficas, tirinhas? Este capítulo se destina a conceituar as
histórias em quadrinhos a partir de uma discussão sobre o seu surgimento e sobre sua
linguagem, buscando contextualizar os quadrinhos como produtos da modernidade e
demonstrar as suas transformações até a criação das histórias dos super-heróis que aqui nos
interessam, o Batman e o Super-Homem.
Muitos autores remontam as pinturas rupestres, assim como outras formas de
comunicação por meio de imagem como tendo dado origem às histórias em quadrinhos.
Nesta espécie de pré-história dos quadrinhos entram desde escritas figurativas como os
hieróglifos egípcios e a escrita japonesa5 a composições artísticas medievais como a de
vitrais de igrejas até gravuras do século XIX como a série “Desastres da Guerra” do
espanhol Goya, que conta em uma seqüência de 82 gravuras as crueldades da Guerra de
Independência Espanhola (MOYA, 1977). Mas as histórias em quadrinhos como as
conhecemos hoje são produtos da cultura de massa moderna e do advento da Revolução
Industrial e suas conseqüências tanto tecnológicas quanto sociais.
A Revolução Industrial teve início na Inglaterra em meados do século XVIII,
transformando de forma radical não apenas a sociedade inglesa como todo o mundo
ocidental. Um conjunto de inovações tecnológicas6 causaram profundos impactos no
processo produtivo em níveis econômicos e sociais. Uma nova relação entre capital e
trabalho se estabeleceu e vimos surgir a cultura de massa.
O crescimento das cidades foi uma das conseqüências das transformações do modo
de produção que passou a exigir mão-de-obra camponesa para as nascentes indústrias
localizadas em áreas urbanas. Em um período de poucos decênios transformações sociais,
econômicas e tecnológicas foram observadas por uma sociedade acostumada a uma certa
estabilidade ou pequenas mudanças entre gerações. Ou seja, uma geração acompanhou
mais mudanças que as gerações de seus pais e avós juntas.

                                                            
5
Os hieróglifos misturam desenhos e letras, enquanto que os kanji ou letras japonesas são bastante figurativas. Por
exemplo: em kanji pessoa (hito) é representada por “人”, uma letra que lembra uma pessoa de pernas abertas (Moya,
1977).
6
A principal destas inovações foi o motor a vapor movido a carvão.

 
23 

A Segunda Revolução Industrial, iniciada em meados do século XIX, é


particularmente importante para se compreender os quadrinhos porque além de envolver
uma série de desenvolvimentos na indústria elétrica, química, de petróleo e de aço,
contribuiu para progressos na imprensa com a inovação do linotipo que permitiu o
aumento da produção de jornais (SEVCENKO, 2001).
As transformações na estrutura econômica e social ocorridas no contexto da
Revolução Industrial acarretaram uma fragmentação da vida social a partir de fenômenos
como a divisão social do trabalho, a individualidade, a racionalidade e a coisificação do
tempo, cada vez mais dividido e fragmentado. Cohen e Klawa (1977) observam que a
página de jornal também se transformou passando a fornecer informações autônomas e
independentes organizadas em uma mesma folha. Se pensada em comparação a
organização do texto literário, a folha de jornal passou a ter uma organização fragmentada
diante de uma nova concepção social de tempo e espaço.
O jornalismo sensacionalista nasceu a partir das transformações da Revolução
Industrial como uma forma de aproximar o homem moderno das notícias relatadas,
utilizando principalmente ilustrações e mais tarde fotografias como uma forma de fazer
com que o leitor estabelecesse uma relação de empatia com um mundo cada vez mais
fragmentado e impessoal a escapar-lhe do controle (COHEN ; KLAWA, 1977; SINGER,
2001).
Foi a partir dos desdobramentos da Segunda Revolução Industrial que surgiram
também veículos automotores, aviões, o telefone, a iluminação elétrica, a fotografia, o
cinema, a radiodifusão, os arranha-céus e seus elevadores, bem como uma gama de
produtos de bem de consumo que vão de sorvetes e comidas enlatadas à aspirina e Coca-
Cola (SEVCENKO, 2001), e é claro, os nossos objetos de análise: as cidades modernas e
as histórias em quadrinhos! As cidades modernas iluminadas pela luz elétrica e de grandes
arranha-céus são produtos desta última revolução industrial e tornaram-se emblemas da
modernidade. É neste sentido que Benjamin (1997) descreveu Paris, a cidade luz, como a
“capital do século XIX”.
É nesse contexto em que nasceram as histórias em quadrinhos. Embora muitos
autores remontem as suas origens à própria arte rupestre, é consensual o fato de que as
histórias em quadrinhos enquanto tal nasceram na Modernidade, mais especificamente em
finais do século XIX. No entanto não há um consenso em torno de qual teria sido a
primeira história em quadrinhos. Alguns autores apontam a francesa Les Amours de

 
24 

Monsieur Vieux-Bois de Rodolphe Topffer de 1837, já outros a brasileira Nhô Quim de


Angelo Agostini de 1869. No entanto, a imensa maioria dos estudiosos sobre o tema
consideram Yellow Kid de 1895, do norte-americano Richard Outcault, como a primeira
história em quadrinhos na medida em que de fato fez suas personagens falarem através do
discurso direto. Até então existiam expressões gráficas de caráter seqüencial que
utilizavam linguagem verbal, mas sempre do ponto de vista de um narrador, com o uso da
terceira pessoa e com o texto escrito em um espaço reservado, geralmente acima ou abaixo
da imagem.
As histórias em quadrinhos, ao contrário de outros meios de comunicação de massa
como a fotografia e o cinema, não têm um evento como a invenção do daguerreótipo ou a
exposição de imagens dos Lumières que de fato marque o seu início. Por esse motivo Jens
Balzer (2010) afirma que os historiadores das histórias em quadrinhos tomaram o Menino
Amarelo como uma espécie de marco histórico ou evento de ponto de partida.
Os quadrinhos do Yellow Kid originalmente se chamavam The Hogan’s Alley. O
beco ou vila do Hogans foi o espaço em que o menino amarelo, personagem dentuça de
camisola amarela, conquistou o papel principal desta tira que com o tempo passou a levar o
seu nome. Em 1894 The Hogan’s Alley foi publicada no New York World do empresário
Pulitzer e em 1896, sob o nome de Yellow Kid, a tira passou a ser publicada no New York
Journal do Randolph Hearst. Foi instaurada então a primeira luta judicial por uma tira de
quadrinhos. Ao final os dois jornais passaram a ter o menino amarelo, o primeiro com o
título de Hogan’s Alley e o segundo com Yellow Kid. Este episódio marcou a disputa entre
jornais sensacionalistas, tornando o termo yellow journalism um termo geral para definir o
jornalismo sensacionalista e de poucos princípios, algo aproximado ao nosso jornalismo
marrom.
O Menino Amarelo era uma personagem cômica que se utilizava de gírias, cometia
erros gramaticais e a escrita de sua fala enfatizava certos erros como forma de evidenciar
uma fala ou sotaque imigrante. É importante lembrar que as tiras em quadrinhos naquela
época eram formas de incluir a grande massa semi-alfabetizada e imigrantes não-falantes
do inglês em uma leitura de fácil compreensão. Os seus amigos de beco eram crianças
negras e imigrantes.

 
25 

Ilustração 3: Quadro do Menino Amarelo7 (Fonte: site Mundo HQ. Disponível em


http://www.mundohq.com.br/site/index.php).

Os quadrinhos do Menino Amarelo estão recheados de material analítico para se


pensar tensões e conflitos sociais, raciais e espaciais. O beco Hogan é retratado como
espaço ou territorialidade majoritariamente ocupada por negros e imigrantes, aproximando-
se daquilo o que Louis Wirth (1966), em 1928, viria a definir como um gueto moderno ou
espaço de segregação e isolamento aplicado a qualquer grupo racial ou cultural. Em
capítulo posterior analisaremos o tema da migração nos quadrinhos do Batman e Super-
Homem.
Thèvenet (2010) afirma que os quadrinhos são “por excelência urbanos” desde a
sua criação com o Menino Amarelo, passando por Little Nemo e chegando nos anos de
1930 com os super-heróis. Nova York desde então passou a ser uma das cidades mais

                                                            
7
Na imagem acima se vê chineses, irlandeses, negros, poloneses e holandeses organizando-se em torno da bandeira
americana no que seria a uma brincadeira de crianças inspirada na Guerra Hispano-Americana de 1898. O título da tira
indica: “a guerra assusta no beco Alley”. A tira acaba sendo uma grande sátira ao sentimento patriótico dos imigrantes.
Lê-se em uma placa pendurada abaixo de uma janela com a vidraça quebrada: “Viva a velha Inglaterra”, enquanto o
garoto negro segura um piquete escrito: “Abaixo com a Inglaterra, eles não sabem com quem eles estão brigando”. Outro
garoto, um irlandês, carrega uma placa escrito: “América para os americanos ou qualquer um”. O negro parece usar uma
maquiagem e pintura labial, conforme a representação de atores brancos que se maquiavam para atuar em shows de
menestréis. A representação do irlandês também se aproxima daquela de cartuns norte-americanos do século XIX que
reproduziram a imagem de um irlandês irascível e de feições simiescas.

 
26 

retratadas dos quadrinhos tornando-se um ícone desde o início dos quadrinhos modernos
com o Menino Amarelo.

Le Yellow Kid deviendra peu ou prou la première banda dessinée moderne. New York en
sera donc son berceau et la première icône urbaine de la bande dessinée (MORIN, 2010,
p. 36).

As histórias em quadrinhos se diferenciam de seus precursores por sua urbanidade e


modernidade. Autores como Cohen e Klawa (1977) e Balzer (2010) afirmam ainda que a
maior revolução do Menino Amarelo não teria sido apenas a questão da fala em primeira
pessoa, mas principalmente a interdependência entre imagem e texto. Em um sentido
semiológico e estético, o Menino Amarelo rompe com os limites ou fronteiras tradicionais
entre palavras e imagens. As palavras são agora estetizadas e desenhadas na camisola do
personagem passando a fazer parte da imagem, enquanto que nos cartuns e ilustrações de
jornais as imagens se relacionavam de forma complementar aos textos, mas mantinham
uma autonomia relativa entre si.
O Menino Amarelo é considerado o primeiro personagem de quadrinhos por ter
“dado voz ao personagem” e revolucionado a relação entre imagem e texto possibilitando o
desenvolvimento dos balões de fala nos quadrinhos modernos. Além de tudo é preciso
salientar o caráter moderno, urbano e de consumo de massa que define o referido
quadrinho. O Menino Amarelo foi a primeira personagem fixa semanal, bem como a
primeira a sofrer uma disputa judicial. Todas essas características marcam o início dos
quadrinhos como um produto típico da cultura de massa em um contexto de transformação
da informação em mercadoria e do estabelecimento da sociedade de consumo (COHEN e
KLAWA, 1977).
O que caracteriza os quadrinhos é a produção para a cultura de massa na “época da
reprodutibilidade técnica”, como diria Benjamin (1994). Por isso uma pintura rupestre ou a
grande obra em seqüência “Desastres da Guerra” não podem ser consideradas histórias em
quadrinhos, são tomadas apenas como precursoras.
As histórias em quadrinhos nasceram em finais do século XIX como um novo meio
com uma linguagem própria e original: são compostas por uma linguagem que coaduna
elementos verbais e não-verbais. Os quadrinhos são um conjunto e uma seqüência que
sobrepõem palavra e imagem, e que justamente por isso exigem habilidades interpretativas
visuais e verbais de seus leitores (EISNER, 1999).

O que faz do bloco de imagens uma série é o fato de que cada quadro ganha sentido
depois de visto o anterior; a ação contínua estabelece a ligação entre as diferentes figuras.

 
27 

Existem cortes de tempo e espaço, mas estão ligados a uma rede de ações lógicas e
coerentes” (COHEN ; KLAWA, 1977, p. 110).

É impossível apreender o todo em um único olhar uma vez que a leitura tem esse
caráter seqüenciado e fragmentado de apreensão. Jens Balzer (2010), utilizando-se de
Walter Benjamin (1997), afirma que assistimos ao surgimento histórico de uma nova
forma de olhar em que o sujeito moderno é incapaz de apreender o todo em um único olhar
seja enquanto pedestre em uma grande cidade, seja ao ler uma folha de jornal ou ao ler
quadrinhos.

Comics are in a league apart from the contemplative, frozen gaze of landscape paintings
in classical central perspective. They demand the distracted gaze of the flâneur in the city.
Constantly in motion, they set writing in verticals and decentralize the image. Their
distraction is the mirror image of the endless restlessness confronting gaze in modern
cities. Comics are part of an aesthetics that can consume the image of the “whole” only in
its disharmony8 (BALZER, 2010, p. 30-31).

Os quadrinhos exigem um olhar descentrado que se aproxima da noção


benjaminiana do flâneur, um sujeito típico da modernidade que diante da perda do olhar
contemplativo e centralizado permite-se um olhar subjetivo em meio à cultura objetiva e
em meio à constante de estímulos causados pela vida nas grandes cidades.
É preciso compreender, portanto, a especificidade da linguagem das histórias em
quadrinhos a partir do seu contexto de criação tipicamente moderno e urbano. Esta é uma
linguagem que em seu caráter seqüencial se relaciona com a fragmentação da vida nas
grandes cidades. Além disso, as histórias em quadrinhos têm uma longa relação com as
cidades iniciada desde a Nova York do menino amarelo ou do personagem Little Nemo.
Little Nemo in Stumberland foi uma tira cômica de quadrinhos criada em 1905 por
Winsor McCay. É considerada por muitos como um dos primeiros trabalhos de maior
qualidade por seus desenhos em altos níveis de detalhes e cores vívidas, além de roteiro
criativo. As histórias se passavam durante os sonhos do Pequeno Nemo de onde vemos
surgir uma impressionante Nova York onírica de infinitos prédios.

                                                            
8
O trecho correspondente na tradução é: “Os quadrinhos estão distantes do olhar contemplativo e estático das pinturas de
paisagem da perspectiva clássica. Eles exigem o olhar descentrado do flâneur na cidade. Em movimento constante, eles
posicionam a escrita em verticais e descentralizam a imagem. A sua descentralização é a imagem refletida do infinito e
incansável confrontamento do olhar nas cidades modernas. Os quadrinhos são parte de uma estética que possibilita o
consumo da totalidade da imagem apenas em sua desarmonia”.

 
28 

Ilustração 4: Little Nemo escalando prédios em publicação de


setembro de 1907 (Fonte: site Paul Gravett. Disponível em
http://www.paulgravett.com/index.php).

Da Nova York do Yellow Kid e Little Nemo até as cidades de Gotham e Metrópolis
décadas se passaram. Em 1929 há a Grande Depressão Econômica e vemos surgir a épocas
dos heróis e super-heróis. O gênero da literatura em quadrinhos a que esta dissertação se
dedica é a superaventura ou quadrinhos de super-heróis, no qual o Batman e o Super-
Homem se encaixam. No entanto para chegarmos até eles é preciso compreender a
trajetória que levou ao seu desenvolvimento.
Os primeiros quadrinhos da história eram do gênero cômico, embora as histórias
em quadrinhos hoje em dia sejam um meio de comunicação bastante diversificado tanto
em gênero quanto em público. Essa é uma mídia que “amadureceu” desde a sua criação,
saindo do cômico, passando pela aventura, chegando a relatos autobiográficos de cunho
intimista e até mesmo ao gênero adulto.
Em países de língua inglesa o termo comics9 designa a literatura em quadrinhos de
forma geral, vinculando-a ao gênero comédia. Durante as primeiras décadas de sua
existência o gênero comédia foi o único e triunfante gênero deste tipo de literatura. Autores
como Nildo Viana (2005) apontam o surgimento do gênero aventura como datando de
1929. A partir daí a aventura não só introduz um novo gênero como revoluciona forma,
narrativa e conteúdo nas histórias em quadrinhos. A personagem de conteúdo cômico cede
lugar ao realismo das histórias de aventura. Aqui surge o herói, aquele com ímpeto de
                                                            
9
A palavra inglesa comics significa história em quadrinhos e na verdade é um neologismo criado a partir do temo comic,
que significa cômico. O termo comics tem um sentido geral que no português pode ser traduzido simplesmente como
quadrinhos.

 
29 

realizar tarefas moralmente louváveis. Ao contrário da personagem cômica, caricata10 em


seu próprio desenho e forma, o herói tem traços realistas, exemplo do padrão de beleza
vigente em sua fisionomia ariana e detalhamento da musculatura corporal (MARNY,
1988). É importante lembrar que desde a antiguidade existe a figura do herói, seja o herói
bíblico que realiza o grande feito de derrotar o gigante Golias, seja o herói homérico em
sua épica jornada. A questão é que é apenas na década de 1920 que o herói nestes moldes
chega aos quadrinhos.
O gênero de aventura nos quadrinhos teve forte influência do contexto colonial
(MARNY, 1988; VIANA, 2005). Pode-se observar a recorrência de temas da conquista do
Oeste norte-americano e da exotização de terras distantes, como, por exemplo, a selva
africana em Tarzan ou a selva indiana no Fantasma, sem esquecer da Califórnia colonial do
Zorro. Houve também o herói de aventura moderno em temas urbanos e tecnológicos,
como pilotos de caça ou policiais, a exemplo de Dick Tracy. No entanto a aventura,
principalmente em seu surgimento, enfatizou mais os temas coloniais, enquanto que o
gênero de superaventura, como veremos a seguir, é tipicamente urbano.

1.1 A Superaventura e as Revistas em Quadrinhos

A superaventura nasce nos Estados Unidos em 1938 com a criação do primeiro


super-herói e ao mesmo tempo o mais emblemático de todos: o Super-Homem. Em junho
de 1938, em um contexto pós-quebra da bolsa de Nova York, dois jovens imigrantes
judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster, conseguem lançar este personagem que tão logo se torna
febre e inaugura um novo gênero, sendo seguido por uma infinidade de outros supers. O
Batman, analisado aqui, é outro super-herói icônico que foi criado em maio de 1939 no
rastro do Super-Homem, quase um ano após a primeira aparição deste nos quadrinhos.
Os quadrinhos de super-heróis são bastante diferentes dos quadrinhos iniciais como
o Menino Amarelo. Essa diferença se dá não apenas na questão do gênero literário com
mudanças no traço e no conteúdo, os quadrinhos de super-heróis surgem em revistas de
quadrinhos ao contrário dos primeiros quadrinhos cômicos publicados em tiras de jornais.
As Comic books ou revistas em quadrinhos foram o tipo de publicação em que os super-

                                                            
10
As personagens eram caricatas tanto em ações como em seus desenhos. Por exemplo, o menino amarelo: cabeça grande
e corpo pequeno.

 
30 

heróis surgiram e se tornaram um grande fenômeno. As comics books nasceram tanto das
tiras em quadrinhos publicadas em jornais quanto da literatura popular das revistas de pulp
fiction11 e marcaram a cultura de consumo norte-americana do século XX (WRIGHT,
2003).
A forma de produzir, publicar e distribuir os quadrinhos em comic books é
completamente diferente das tiras de jornais. Para compreender um pouco melhor sobre as
especificidades dos quadrinhos de super-heróis, que tomo aqui como meus “nativos”, faço
um breve levantamento sobre o surgimento das comic books e sua indústria.
Desde o início do século XX jornais juntavam tiras e as republicavam em um
formato que ainda não era o das comics books. Em 1929 a Dell Publishing começou a
publicar semanalmente uma revista em formato de jornal com piadas, quebra-cabeças e
tiras em quadrinhos intitula The Funnies. No entanto a série foi cancelada depois do
trigésimo sexto número por ter tido poucas vendas (WRIGHT, 2003).
Já em 1933 dois empresários de Connecticut descobriram que placas padrão de
impressão podiam imprimir duas páginas de quadrinhos lado a lado ao tamanho de uma
página de jornal que ao dobrá-las dava o formato de uma comic book. Fundaram a Eastern
Color Printing e aos poucos o projeto foi crescendo, republicando tiras dos jornais. Em
1938 já havia várias outras editoras fazendo o mesmo, inclusive os próprios jornais que
antes apenas vendiam suas tiras para editoras de comic books começaram a lançar suas
próprias revistas (WRIGHT, 2003).
As maiores e mais antigas editoras de comic books que sobrevivem até hoje são a
DC Comics e Marvel Comics. Os quadrinhos do Batman e Super-Homem são publicados
pela DC que durante seus primeiros anos de existência chamava-se National Allied
Publications. Ela nasceu em 1935 quando Wheeler-Nicholson passou a produzir materiais
originais de quadrinhistas freelancers. A partir de um pequeno escritório em Nova York
ele começou a atrair jovens quadrinhistas e ilustradores desempregados dispostos a receber
cinco dólares por página. Desta forma ele evitou pagar as cada vez mais altas licenças para
republicar as tiras de jornais. Ele publicava duas revistas, a New Fun e a New Comics, até
que em 1937 Harry Donenfeld e Jack Liebowitz juntaram-se com Wheeler-Nicholson em
uma parceria, financiando um novo título, a Detective Comics, que mais tarde viria a dar
nome à companhia. Esta revista tinha um conteúdo diferente das primeiras cômicas. Mas a

                                                            
11
As revistas pulp eram bastante populares e baratas, feitas com papel de baixa qualidade utilizando-se a polpa ou pulp
do papel.

 
31 

indústria das comic books apenas vão se tornar um negócio altamente lucrativo no ano
seguinte, quando a futura DC Comics resolve lançar um quarto título em junho de 1938, a
Action Comics, que estampava em sua capa o Super-Homem levantando um carro.
Em julho de 1939 o fenômeno “homem de aço” passou a ter uma comic book
reservada somente às suas aventuras, a revista Superman, nem por isso deixou de ter
histórias também publicadas na Action Comics. O mesmo aconteceu com o Batman que,
inicialmente publicado pela Detective Comics, em 1940 também passou a ter uma revista
exclusiva, a Batman. Portanto aviso desde já ao leitor não familiarizado com o mundo dos
quadrinhos que as histórias aqui analisadas serão sempre referenciadas a estas quatro
revistas, e que histórias inéditas sobre esses dois super-heróis continuaram ser publicadas
pela Action Comics e Detective Comics em periodicidade mensal, enquanto que as revistas
exclusivas eram de menor periodicidade mas continham muito mais histórias do mesmo
super em uma única publicação.
É a partir da criação do Super-Homem em 1938 e Batman em 1939 que começa a
nossa jornada rumo às cidades e imaginário urbano das histórias em quadrinhos. É claro
que desde as suas criações em finais de década de 1930 muita coisa mudou. Os quadrinhos
eram, ao lado do rádio e do jornal impresso, um dos meios de comunicação mais populares
desta época, sem falar no preço acessível. Ao custo de um centavo era possível ler estas
publicações.
A importância do jornal e do rádio durante as décadas de 1930 e 1940 pode ser
vista nas primeiras histórias dos super-heróis aqui analisados. A segunda história do
Batman, a Detective Comics n° 28, inicia-se com um grande grito de “EXTRA! Extra!” por
um pequeno garoto vendedor de jornais anunciando um roubo de jóias.

Ilustração 5: imagem retirada


da revista Detective Comics n°
28 republicada no livro The

 
32 

Batman Chronicles Volume 1


(2005).

Os jornais estão sempre presentes, é principalmente neles que o Batman se informa


sobre quais crimes rondam a cidade, ou servem ainda como elemento informativo ao leitor,
uma forma de encerrar as aventuras com manchetes do tipo “Batman captura o Coringa:
deixa o bandido em frente à delegacia e vai embora”, como vemos na revista Batman 1.
Ainda nesta última história em quadrinhos, quando o Coringa resolve aterrorizar a cidade
ele usa o rádio para isso, interferindo na programação e anunciando quem e quando ele iria
matar. O Super-Homem por sua vez esconde a sua identidade desempenhando o papel de
um repórter de jornal, Clark Kent.
Hoje em dia as histórias em quadrinhos perderam espaço diante da televisão e do
cinema, apesar de que histórias em quadrinhos, principalmente de super-heróis, sempre
foram adaptadas para estes tipos de mídia, no entanto nas últimas décadas temos assistido a
uma verdadeira invasão dos quadrinhos no cinema. Friso e destaco a importância e o poder
que os quadrinhos tinham na época em que os super-heróis surgiram. Eram um mídia de
altíssima venda e popularidade, ocupavam quiçá o espaço que a televisão tem hoje. Apesar
dos quadrinhos terem passado por crises diante de outros meios de comunicação, parece
que os nossos objetos de pesquisa transpassaram os limites do meio em que foram criados.
Já em 1939 o Super-Homem se tornou um fenômeno nas rádios norte-americanas com o
bordão: “Faster than a speeding bullet! More powerfull than a locomotive! Able to leap tall
buildings in a single bound! Look! Up in the sky! It’s a bird! It’s a plane! It’s Superman!”.
Entre 1941 e 1943 houve uma série de desenhos animados para a televisão com este super-
herói. O caso de Batman também é interessante, basta citar a batmania da década de 1960
com sua série de televisão. Depois vieram os filmes estrelados por estes dois personagens.
Com certeza os quadrinhos de hoje não são os mesmos de que nos ocupamos aqui.
O recorte desta pesquisa trata do período histórico de maior importância dos quadrinhos de
super-heróis, que vai da criação do Super-Homem em 1938 até este gênero entrar em crise
no pós-guerra. De lá para cá os quadrinhos não só galgaram outros temas como
experimentaram cada vez mais os limites de sua linguagem.
Ao leitor que se interesse há uma vasta literatura sobre o tema das transformações
dos quadrinhos desde sua criação até os dias atuais. No entanto a nossa jornada inicia-se
com a publicação do Super-Homem em 1938 seguido pelo Batman em 1939, tendo como

 
33 

recorte os primeiros anos destes super-heróis até a entrada dos Estados Unidos na Segunda
Guerra, em dezembro de 1941.
Vimos anteriormente a importância dos Syndicates na produção e distribuição das
histórias em quadrinhos. No tópico a seguir tomo o tema da luta judicial entre os criadores
do Super-Homem e a atual Detective Comics, como uma forma de exemplificar a que
lógica produtiva os autores de quadrinhos em geral estavam subordinados.

1.2 O Super-Homem: Tensões e lutas judiciais entre autores e editora

O modo de produção e distribuição das comic books de super-heróis é bastante


diferente de muitos dos quadrinhos autorais contemporâneos em que os autores detêm os
direitos sobre a obra. O Super-Homem foi criado em 1933, embora seus autores só o
tenham conseguido publicar12 em 1938 quando assinaram um contrato de publicação
bastante comum à época, vendendo por cerca de 150 dólares seus direitos sobre a obra. Era
comum que os criadores vendessem seus direitos e depois passassem a trabalhar ganhando
por página criada. Siegel e Shuster, os criadores do Super-Homem ganharam algum
dinheiro enquanto desenharam esse personagem, mas depois entraram com várias ações na
justiça contra a DC Comics que lucra até hoje com este personagem, desde quadrinhos,
filmes, desenhos animados, camisetas e toda uma série de produtos que veiculam a
imagem do Super-Homem.

Superman became the comic book industry’s first “star”, and DC Comics had him. By
1940 DC enjoyed healthy national distribution for all of its titles and average sales of
800,000 copies per issue, nearly 300,000 more than its closest competitor. According to a
1941 article in the Saturday Evening Post, the Superman title alone grossed $950,000 for
DC in 1940. For the time being, Siegel and Shuster also shared in some of the wealth
earned by their creation. The Post reported that they each earned thirty-five dollars per
page for their comic book work at DC – the highest rate paid in the industry – and five
percent of all other revenue earned from Superman. Their position was by no means
secure, however, since DC was under no obligation to retain their services in order to
keep Superman13 (WRIGHT, 2003, p. 14).

                                                            
12
Desde seus primeiros rabiscos até a publicação o Super-Homem foi continuamente oferecido e rejeitado em vários
jornais e revistas em quadrinhos, chamado de muito fantasioso pelos editores. É importante esclarecer que o Super-
Homem tinha vários poderes como super-força, habilidade de pular sobre arranha-céus, correr mais rápido que um trem,
ter pele impenetrável a tiros... Mas o nosso herói ainda não voava e não tinha visão de raio laser, por exemplo,
habilidades que os roteiristas lhe atribuíram ao longo do desenvolvimento e crescente aceitação do personagem pelo
público.
13
O trecho correspondente na tradução é: “O Super-Homem se tornou a primeira “estrela” da indústria das histórias em
quadrinhos, e a DC Comics o tinha. Em 1940 a DC desfrutava de uma distribuição nacional de todos os seus títulos com
uma média de vendas de 800,000 tiragens por número, aproximademente 300,000 mais que sua competidora mais
próxima. De acordo com um artigo de 1941 do Saturday Evening Post, o título do Super-Homem sozinho arrecadava
$950,000 para a DC em 1940. Por algum tempo Siegel e Shuster também dividiram alguns dos lucros ganhos com a sua

 
34 

Apesar de Siegel e Shuster terem criado o Super-Homem os direitos sobre sua


criação pertencem a DC Comics. O mesmo vale dizer sobre o Batman de Robert Kane e
Bill Finger que continuaram a ser publicados, seja no cinema ou nos quadrinhos, a partir de
várias mãos diferentes, modificando-se de acordo com a época, o meio de comunicação e
os criadores envolvidos.
Na Action Comics n° 6 de novembro de 1938 pode-se observar aspectos
importantes que denunciam a tensão entre os criadores do Super-Homem e os detentores
de seus direitos. Nesta história vemos surgir um charlatão chamado Nick Williams que se
passa por empresário do Super-Homem. Este homem vai ao Daily Star, jornal em que
trabalha Clark Kent, para propor um negócio para que este jornal tenha privilégio sobre as
notícias do Super-Homem antes mesmo dele as realizar. Clark Kent, o Super-Homem, sabe
que este homem é um impostor e fica assustado conforme ele começa a demonstrar em que
outras esferas o Super-Homem supostamente lhe teria permitido representar. O suposto
empresário liga o rádio e um programa inicia-se: “Boa tarde crianças de todos os cantos!
Hoje Crackles, sua bebida energética favorita do café da manhã, tem o prazer de apresentar
o primeiro de uma nova, extraordinária série de programa de rádio de aventura intitulada
Superman, que chegará a vocês todos os dias a esta hora...”. Fora da janela do Daily Star
vemos a cidade e por sobre seu skyline passar um zepelim com uma propaganda: “Use
Superman. Gasoline for super-power!”.

                                                                                                                                                                                    
criação. O jornal The Post publicou que cada um deles [Siegel e Shuster] ganhavam trinta e cinco dólares por página por
seus trabalhos na DC – a mais alta cifra paga pela indústria – e cinco por cento de todas outras vendas ganhas com o
Super-Homem. A sua posição não era de forma alguma segura, por quanto a DC não se encontrava sob nenhuma
obrigação de manter os seus serviços em ordem de manter os direitos do Super-Homem”.

 
35 

Ilustração 6: imagem retirada da revista Action comics n° 6


republicada no livro The Superman Chronicles Volume 1 (2006).

Ilustração 7: imagem retirada da revista Action comics n° 6


republicada no livro The Superman Chronicles Volume 1 (2006).

Em um outdoor de propaganda na rua vemos o Super-Homem correndo ao lado de


um carro, onde se pode ler: “The Superman. Areamline Special. America’s favorite
automobile”. Além destas propagandas, o charlatão Nick Williams completa ainda
afirmando que também licenciou roupas de banho, fantasias, exercícios de
desenvolvimento físico e direitos de filmes, além de estar providenciando para o Super-
Homem aparecer nos quadrinhos!
Esta história além de denunciar as tensões entre criadores e detentores da licença do
personagem demonstra a potencialidade de lucro deste personagem e seu crescimento e
importância para a cultura de consumo de massa, em uma espécie de antevisão da
amplitude do personagem que mais tarde atingiria outras mídias e produtos. Em uma sátira
inteligente e metalingüística, o personagem imaginário dos quadrinhos se tornou tão
importante que na revista Action Comics n° 6 ele passa a ser garoto propaganda, a ter seu
programa de rádio e quiçá sua própria história em quadrinhos!
O caso das disputas judiciais em torno do Super-Homem é um dos mais famosos
casos dos quadrinhos. Mas antes de tudo ele revela como as histórias eram produzidas
como mercadoria. Segundo Wright (2003) os editores prezavam muito mais pela
quantidade do que pela qualidade da produção, levando Will Eisner (apud WRIGHT 2003)
a afirmar que eles trabalhavam quase em uma linha de montagem fordista, em que um
desenhava, outro coloria e um terceiro assinava. Os quadrinhos eram produzidos como
mercadorias a partir de uma divisão social do trabalho.

 
36 

Outra questão que esta história da Action Comics n° 6 revela é a da proliferação de


propagandas na cidade moderna, remetendo-nos à noção da fragmentação do olhar na
modernidade (BENJAMIN, 1997) ou mesmo à multiplicidade de estímulos a que o sujeito
se expõe nas grandes cidades, como diria Simmel (1997).
O objetivo desta dissertação é compreender as cidades destes dois super-heróis no
momento em que foram criadas, em finais de 1930. Mas esta pesquisa talvez interesse
também aos que se dedicam a estudar as transformações destes personagens e de seu
espaço urbano tanto em quadrinhos mais recentes ou em outros meios como filmes,
desenhos animados e séries de televisão. É importante notar que estes personagens e suas
cidades detêm uma grande relevância para a cultura de massa contemporânea e a
contribuição deste estudo é justamente compreender o contexto, traçar pistas de como,
onde e porque esses personagens emergiram. No capítulo a seguir veremos a emergência
do gênero de superaventura a partir da discussão de individualismo em Georg Simmel.

 
37 

2 SUPER-HERÓIS E INDIVIDUALISMO: UMA RELEITURA DA QUESTÃO DA


DUPLA IDENTIDADE

Este capítulo discute a superaventura como representativa e expressiva do


individualismo moderno. Pretende-se analisar o surgimento do gênero superaventura à luz
da discussão simmeliana sobre individualismo, demonstrando em que medida os
personagens Batman e Super-Homem vivem os conflitos de sua época, dando ênfase às
noções de liberdade, igualdade e anonimato na cidade grande. Convido o leitor a retornar à
Modernidade a partir da imersão na discussão do surgimento do conceito moderno de
individualismo construindo pontes e interfaces com a década de 1930 e o gênero de
superaventura nos quadrinhos.
Parte-se da discussão sobre o embate entre liberdade e igualdade no espaço urbano,
tomando os super-heróis e a questão da identidade secreta como expressão deste embate.
Para Simmel valores como liberdade/igualdade e individualismo/anonimato seriam
paradoxos modernos. A questão que este capítulo tenta responder é como a identidade
secreta ou dupla identidade dos super-heróis pode revelar a tensão entre estes valores. Mas
antes de chegarmos à análise de como o Batman e o Super-Homem lidam com a questão da
dupla identidade discutiremos as noções de individualismo e principalmente a questão do
antagonismo entre liberdade e igualdade em Simmel.
No nível mais óbvio a identidade secreta tem o caráter de resolver as implicações
legais das ações dos super-heróis, uma vez que nem sempre o senso de justiça do
personagem coincide com a justiça formal, assim como tem o papel de proteger-lhes a vida
privada para que não sofram atentados logo cedo em seu café da manhã, resguardando
também os seus familiares e amigos próximos. Motivo pelo qual a maioria dos super-
heróis abdica de sua vida amorosa.
Por outro lado os super-heróis têm o papel de superar os complexos e realizar os
desejos de seus leitores em serem mais que pessoas comuns, indivíduos oprimidos pelas
estruturas sociais que vislumbram a possibilidade de serem super-humanos: homens e
mulheres que se destacam. Segundo Marny (1988), a criação do Super-Homem foi antes de
tudo uma tentativa de superar o complexo de seus próprios criadores, dois jovens franzinos
de Cleveland que eram constantemente sovados por outros garotos.
Os super-heróis são salvadores de sua sociedade, protetores da ordem que atendem
à pergunta “quem poderá nos defender?” – mesmo que este bordão tenha sido criado em

 
38 

uma crítica latino-americana através do super-herói cômico e anti-herói Chapolin aos


super-heróis norte-americanos. Além de serem os que nos salvam de nossas mazelas
sociais e urbanas, eles realizam o desejo dos homens comuns de identificarem-se com seu
próprio salvador na medida em que os super-heróis são homens comuns como o Clark
Kent. Afirma-se inclusive que o sucesso da fórmula dos super-heróis é em muito devedora
da dupla identidade na medida em que ela aproxima o universo de seres superpoderosos à
realidade do leitor comum.

O mito do super-herói, e mais particularmente o do Super-Homem, é o mito da classe-


média americana em busca da auto-afirmação, identificando-se coma possibilidade de
usufruir de uma dupla identidade (CIRNE, 1971, p. 48).

Em um outro nível, à luz de Simmel, pode-se afirmar que a dupla identidade do


super-herói é uma tentativa de superar o conflito moderno entre anonimato e distinção ou
entre liberdade e igualdade. Uma fórmula para lidar com a sociedade moderna que ao
mesmo tempo em que exige igualdade entre os homens tende a diferencia-los. Veremos
melhor o desenvolvimento desta questão a partir de Simmel e da noção de
incompatibilidade entre liberdade e igualdade. Será preciso retornar às concepções de
liberdade e igualdade do século XVIII e XIX para entender o conflito entre estes valores.

2.1 Liberdade e igualdade: ou o paradoxo moderno

Toda a teoria simmeliana pode ser compreendida como tendo uma de suas
principais motivações a análise do conflito entre indivíduo e sociedade na Modernidade,
tendo em vista as transformações impostas no modo de vida ocorridas após a Revolução
Industrial. As cidades grandes14, emblemas da modernidade, vão ser tomadas por Simmel
como o espaço em que essas transformações manifestam-se de forma mais contundente
através da economia monetária, da perda de laços tradicionais, do anonimato e do
individualismo metropolitano.
Em seu célebre ensaio A Metrópole e a Vida Mental Simmel (1997) enfatiza o
processo contraditório e ambíguo por que passa o homem citadino ao tentar conciliar
pressões sociais e individuais, afirmando que um dos problemas mais graves da vida
moderna seriam decorrentes da tentativa de conciliar estas forças. É na metrópole que se
                                                            
14
É importante lembrar que uma das conseqüências da Revolução Industrial e do advento da modernidade foi o
crescimento urbano e o surgimento da metrópole moderna.

 
39 

percebe de forma mais evidente o paradoxo do individualismo moderno na medida em que


o indivíduo tenta manter sua autonomia diante de uma estrutura que ao mesmo tempo em
que lhe dá liberdade tende a massificá-lo. Desta forma Simmel percebe uma contradição
entre a liberdade e a igualdade moderna.
As grandes cidades, como símbolos da modernidade, representavam o espaço onde
a liberdade era mais facilmente exercida em contrapartida com a pequena comunidade de
laços tradicionais arraigados. O adágio medieval alemão “de que os ares da cidade
libertam” já corroborava esta idéia. Veremos adiante as contradições entre liberdade e
igualdade moderna a partir de Simmel e de sua discussão sobre duas formas de
individualismo, uma proveniente da mentalidade do século XVIII e a outra do século XIX.
Em Questões Fundamentais de Sociologia (2006) Simmel conceitua o
individualismo do século XVIII como proveniente da noção de liberdade deste mesmo
século que concebia o homem enquanto homem universal. Utilizando o exemplo
rousseauniano, o homem seria naturalmente bom, tendo a sociedade como a sua
corruptora. Como conseqüência disto a liberdade encontrar-se-ia na destruição das
instituições sociais que oprimem o homem em seu estado de natureza. Sua idéia fundante é
a de que ao libertar os homens da opressão de instituições sociais, como o Estado e a
Igreja, o homem em suas qualidades universais emergiria, um homem universal em seu
estado de natureza e portanto igual perante os outros. Para realizar a igualdade bastaria a
liberdade. Esta é uma noção de individualismo quantitativo na medida em que concebe o
homem como universal e portanto igual. Subjaz aí uma noção de igualdade implícita ou
diretamente conseqüente da noção de liberdade do século XVIII.

Da repressão que operava por meio de tais instituições, que perderam toda legitimidade
essencial, surgiu o ideal da simples liberdade do indivíduo. Bastava que caíssem aquelas
amarras que obrigavam as forças da personalidade a trilhar caminhos antinaturais para que
todos os valores internos e externos, todas as capacidades previamente existentes até
então refreadas política, religiosa e economicamente, se desenvolvessem e conduzissem a
sociedade da irracionalidade histórica para a sociedade da racionalidade natural
(SIMMEL, 2006, p. 92).

A noção de individualismo do século XVIII concebeu os homens como


naturalmente iguais e livres, articulando liberdade e igualdade em uma síntese percebida
por Simmel como violenta e antagônica. A ambigüidade e incompatibilidade desta síntese
vai ser melhor notada por meio das contradições que emergem da noção de individualismo
do século XIX. Se a primeira forma de individualismo era quantitativa, a segunda é
qualitativa uma vez que concebe o indivíduo como único.

 
40 

O individualismo do século XIX é fiel devedor das noções do século XVIII, no


entanto ele é notadamente marcado pela divisão social do trabalho que exigiu dos
indivíduos especialização e diferenciação em suas funções. Esta nova forma de
individualismo compreende o indivíduo como absolutamente único, distinto por sua
especificidade. No século XIX a tendência moderna à diferenciação atinge o seu ápice.
Mas se o indivíduo deste século buscou a diferenciação foi apenas por conta do
desenvolvimento da noção quantitativa de individualismo do século anterior. Para Simmel,
é a economia monetária que tem o caráter ambíguo de igualar e ao mesmo tempo
diferenciar os indivíduos na medida em que o dinheiro efetua trocas objetivas que
desprezam valores qualitativos.
Em A Filosofia do Dinheiro Simmel demonstra, aproximando-se em certa medida
de Marx, como a troca por meio do dinheiro nivela e iguala tudo e todos. A economia
monetária possibilitou o nivelamento e a emergência de uma lei universalizante. Logo, o
dinheiro está presente no desenvolvimento das duas formas de individualismo, seja o
quantitativo igualizador do século XVIII, seja o qualitativo diferenciador marcado pela
divisão social do trabalho do século XIX.
Autores considerados clássicos da sociologia como Marx, Weber e Durkheim já
concebiam a modernidade como caracterizada pela divisão social do trabalho. Para o
primeiro ela era fonte de alienação, para o segundo especialização e racionalização,
enquanto que para o último seria fonte da solidariedade orgânica. Simmel, seguindo um
diálogo mais próximo com Weber15, propõe a cidade como locus do modo de vida
racional, individualista e voltado para a economia monetária.
Quando Simmel conceitua o tipo metropolitano como racional e afligido pelas
contraditórias forças que tendem a esmagá-lo pelo anonimato e ao mesmo tempo dar-lhe
autonomia individual este autor está discutindo a impossibilidade ou auto-contradição da
fórmula moderna que atrelou liberdade e igualdade. O ideal do século XVIII de um sujeito
livre, totalmente responsável por si, mas sobretudo igual aos outros, é oposto a tendência
do individualismo do século XIX e sua crescente diferenciação entre os indivíduos.

(...) a liberdade institucionalizada torna-se novamente ilusória por ação das relações
pessoais; como em todas as relações de poder, a vantagem obtida faz mais fácil a
conquista de outra vantagem – de que a ‘acumulação de capital’ é apenas um exemplo
isolado -, e assim a desigualdade do poder iria se tornar maior em progressão velocíssima,

                                                            
15
Weber (1987), no texto A Cidade, conceitua a cidade enquanto tipo-ideal, caracterizando-a por constituir mercado e
possuir autonomia política. Para este autor a cidade moderna é o espaço da racionalização e da emergência de uma
conduta racional voltada para fins que possibilitou o desenvolvimento do capitalismo.

 
41 

e a liberdade dos privilegiados iria se desenvolver à custa da liberdade dos oprimidos


(SIMMEL, 2006, p. 93-94).

Simmel demonstra a antinomia entre liberdade e igualdade em sociedades com


relações de poder. Uma vez que esses ideais tornam-se contraditórios na medida em que a
sociedade moderna exige igualdade e é extremamente diferenciadora.
O individualismo moderno pressupõe a incomparabilidade do individual. Não é
apenas a concepção de um indivíduo livre como o do século XVIII, mas sim de indivíduos
únicos, específicos e insubstituíveis que se diferenciam uns dos outros. O super-herói das
histórias em quadrinhos segue esta tendência moderna à diferenciação.
No artigo O individualismo e os intelectuais Durkheim (2007) discorre sobre como
o individualismo, por meio da divisão social do trabalho, seria uma espécie de religião da
modernidade na medida em que é um ideal compartilhado de forma geral. O
individualismo, portanto, seria um aspecto da solidariedade orgânica que representa uma
forma de integração social decorrente da forte diferenciação exigida pela divisão social do
trabalho. Este tipo de solidariedade é possível na medida em que o individualismo é um
culto racional do indivíduo em geral, arraigado com a noção de homem universal do século
XVIII.

(...) conseqüência de uma divisão do trabalho mais desenvolvida, cada espírito se encontra
voltado em direção a um ponto diferente do horizonte, refletindo um aspecto diferente do
mundo e, portanto, o conteúdo das consciências difere de um sujeito para outro.
Encaminha-se assim, pouco a pouco, em direção de um estado, que é quase atingido desde
já, e em que os membros de mesmo grupo social não terão mais nada em comum entre
eles senão sua qualidade de homem, senão os atributos constitutivos da pessoa humana
em geral (DURKHEIM, 2007, p. 306).

O conceito de individualismo em Simmel compreende o desenvolvimento do


individualismo qualitativo diferenciador do século XIX como um processo que se deu
através do individualismo do século XVIII, portanto, a análise do individualismo de seu
tempo, no próprio conceito simmeliano, compreende a contradição e o conflito na medida
em que comporta a luta entre elementos quantitativos e qualitativos. Neste autor a tragédia
da cultura representa o embate entre as dimensões quantitativas e qualitativas da vida
moderna, notadamente marcada pelo atraso do sujeito em acompanhar a complexificação e
objetificação do mundo.
Como se coloca o super-herói diante dos embates entre liberdade e igualdade ou
entre um mundo que qualifica e diferencia os homens ao mesmo tempo em que os
quantifica e iguala? Os super-heróis são sujeitos que lidam de uma forma interessante com
um mundo que comporta valores tão contraditórios. Por meio de sua dupla identidade eles

 
42 

parecem ter mais facilidade em abraçar estes valores já que podem se destacar de forma
sobre-humana em suas identidades de supers e ao mesmo tempo manterem-se anônimos
sob suas capas.

2.2 Bruce o Blasé e Clark o homem da multidão

A identidade secreta do Super-Homem é Clark Kent, repórter de jornal, homem


médio ou típico trabalhador da cidade grande. Quando este herói não está vestido de
Homem de Aço disfarça-se de homem comum, pois Clark é apenas mais um homem igual
a tantos outros que habitam a cidade imaginária de Metrópolis. Já o Batman é na verdade
Bruce Wayne, um herdeiro milionário que se finge indiferente a questões que seriam
sensíveis ao nosso herói Batman como uma forma de manter em segredo as suas atuações
como o herói mascarado.
Como heróis tanto o Batman quanto o Super-Homem são homens de destaque nas
cidades em que atuam, experienciando a liberdade metropolitana e a máxima do
individualismo diferenciador. Estes super-heróis destacam-se diante dos habitantes comuns
de suas cidades. No entanto, estes personagens disfarçam-se exatamente em tipos
metropolitanos comuns quando agem como Clark Kent ou como Bruce Wayne. Bruce
Wayne não é exatamente um anônimo já que é um rico herdeiro, mas tem atitudes que o
aproximam bastante da blaserie ou indiferença tipicamente metropolitana, conceituada por
Simmel como um tipo moderno comum.
É bastante conhecida a formulação de Simmel sobre o homem metropolitano como
um tipo racional e indiferente através da sua conceituação da atitude blasé. Para este autor
o homem citadino tem uma atitude racional que interioriza o princípio nivelador da
economia monetária. A atitude blasé é caracterizada pela reserva e pelo embotamento da
capacidade de discriminar: coisas, pessoas e experiências são percebidas como indiferentes
pelo sujeito blasé. Há uma indiferença para com tudo ao primeiro olhar. Levando em conta
que a experiência na metrópole é composta por uma multiplicidade de estímulos, a atitude
blasé é uma atitude de preservação já que o homem metropolitano atingiria uma atividade
psíquica inimaginável caso estivesse aberto a todas as sugestionalidades que a cidade
grande oferece.

 
43 

Em contrapartida com a cidade pequena, a vida psíquica na metrópole é permeada


por muito mais estímulos, tendo em vista sua multiplicidade econômica e social. A atitude
de reserva demonstra como a personalidade se adequa às estruturas sociais no ambiente
urbano. É através de sua racionalidade que o homem citadino protege-se da imensa
quantidade de estímulos a que se expõe, e é desta forma que consegue preservar sua
subjetividade16.
A cultura moderna é caracterizada pela preponderância do espírito objetivo sobre o
espírito subjetivo, processo que tem fortes relações com a economia monetária. O dinheiro
e seu caráter nivelador/objetivo permitiu a instituição de relações impessoais entre os
homens, trazendo como conseqüência o alargamento das relações sociais e a ruptura com
os laços comunitários tradicionais. Foi através da economia monetária que se atingiu a tão
almejada liberdade da opressão e tirania da pequena comunidade e de suas instituições
sociais tradicionais.
No entanto, a cultura moderna na medida em que dá liberdade também aprisiona ou
no mínimo reduz o indivíduo, já que este passa a ser visto pelas lentes da objetividade e
impessoalidade e logo é transformado em número, em massa, em um comum homem da
multidão. E bem como conceitua Simmel, na multidão a proximidade física torna mais
evidente a distância social e mental entre os homens.
Se os ares da cidade libertam, neste mesmo espaço de liberdade o indivíduo corre o
risco do anonimato e de ter seus aspectos qualitativos e suas particularidades reduzidas a
número. No entanto este é o ônus de uma liberdade moderna que se choca com o próprio
princípio da igualdade e impessoalidade.
Diante dos tipos metropolitanos expostos a partir de Simmel, faz-se uma
aproximação entre Bruce Wayne e o metropolitano de atitude blasé, e entre Clark Kent e o
homem da multidão. Se Bruce Wayne disfarça-se de playboy entediado, desinteressado e
centrado em si mesmo para escapar ileso de qualquer desconfiança de suas ações como
Batman. Clark Kent, por sua vez, é o homem comum, típico homem da multidão que não
tem atrativos e não se destaca em nada que faz. Além de tudo ele é covarde, motivo
utilizado quando a sua capacidade para passar despercebido não dá certo e o nosso herói
precisa rapidamente sair de cenas de perigo para retornar no quadro seguinte como o
Homem de Aço.

                                                            
16
Mais uma vez podemos ver o caráter ambíguo na teoria simmeliana: é por meio de um comportamento objetivo e
racional que este homem consegue preservar sua subjetividade.

 
44 

Em sua primeira aparição pela revista Action Comics n° 1, de junho de 1938, Clark
Kent consegue sair em um encontro romântico com Lois Lane, colega de trabalho por
quem é apaixonado e que não lhe dava chances. No meio de uma dança o casal é
atrapalhado por um homem que rudemente manda Clark Kent se afastar para que ele possa
dançar com Lois Lane. Lois exige que Clark se imponha, o que ele não faz. No final ele é
afrontado pelo homem e por Lois Lane, que vai embora do salão dirigindo-lhe uma última
fala: “Você me perguntou mais cedo esta noite por que eu te evitava. Eu te direi o porquê
agora! Porque você é um fraco e insuportável covarde!”.

Ilustração 8: imagem retirada da revista Action Comics n° 1 republicada


no livro The Superman Chronicles Volume 1 (2005).

(...) o Superman vive entre os homens sob as falsas vestes do jornalista Clark Kent; e
como tal, é um tipo aparentemente medroso, tímido, de medíocre inteligência, um pouco
embaraçado, míope, súcubo da matriarcal e mui solícita colega Míriam Lane [Lois Lane],
que, no entanto, o despreza e está loucamente enamorada do Superman. Narrativamente, a
dupla identidade do Superman tem uma razão de ser, porque permite articular de modo
bastante variado a narração das aventuras do nosso herói, os equívocos, os lances teatrais,
um certo suspense próprio de romance policial. Mas, do ponto de vista mitopoiético, o
achado chega mesmo a ser sapiente: de fato, Clark Kent personaliza, de modo bastante
típico, o leitor médio torturado por complexos e desprezados por seus semelhantes;
através de um óbvio processo de identificação, um accountant qualquer de uma cidade
norte-americana qualquer, nutre secretamente a esperança de que um dia, das vestes da
sua atual personalidade, possa florir um super-homem capaz de resgatar anos de
mediocridade (ECO, 2008, p. 247-248).

Como dito anteriormente, o gênero de super-heróis tem este óbvio caráter de


realização de frustrações sociais, sendo considerado por muitos como uma catarse
realizada antes de tudo por seus autores, como afirma Sérgio Augusto (1971) com relação
a Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Super-Homem.
Clark Kent é constantemente ridicularizado no trabalho também. Cito quadros
iniciais da Action Comics n° 8 de janeiro de 1939. Um colega de trabalho ridiculaiza nosso
herói no escritório do jornal em que trabalham apenas para provar aos outros o quão
submisso Clark é. Ao final ele afirma que qualquer outro cara teria lhe dado um soco, mas

 
45 

não Clark Kent, ele ainda agradece. Lois comenta que é irritante a maneira como Clark
deixa o colega sair impune de suas brincadeiras.

Ilustração 9: imagem retirada da revista Action Comics n° 8 republicada no


livro The Superman Chronicles Volume 1 (2005).

Mais adiante, nesta mesma história de janeiro de 1939, ocorre a transformação de


Clark Kent em Super-Homem “na intimidade de seu apartamento”, ou seja, no ambiente
privado e longe de quaisquer testemunhas. O narrador conta: “Naquela noite... na
privacidade do apartamento de Clark Kent, uma transformação miraculosa acontece! Sem
óculos e roupas comuns... a tímida figura de Clark ergue-se... e em alguns instantes depois
o retraído repórter é substituído pelo dinâmico Super-Homem!”

Ilustração 10: imagem retirada da revista Action Comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2005).

 
46 

É interessante notar como a transformação tem um caráter íntimo, revelando algo


que já havia sido dito anteriormente, a capacidade de o leitor identificar-se, ao menos na
fantasia de sua intimidade com a possibilidade de ser mais que um homem comum. Outra
questão relevante nesta passagem tem a ver com a associação entre o homem comum e a
street-clothes ou roupas comuns, do dia-a-dia do trabalho. A multidão é uniforme inclusive
em suas roupas. E o Super-Homem como homem que se destaca precisa vestir-se de forma
diferente, seguindo sua própria moda em uma roupa sem igual.

O empregado Clark Kent anda vestido como toda a gente, mas, quando se transforma em
Superman, ao mesmo tempo que o corpo se modifica, veste a capa e o fato justo. Como é
que o poderíamos imaginar vestido vulgarmente a fazer reinar a ordem em Metrópolis?
(MARNY, 1988, p. 124).

Georg Simmel (1988) compreende na moda um aspecto da vida moderna em que é


possível observar a ambigüidade entre a necessidade de diferenciação e adequação por que
passa o indivíduo. Este é um fenômeno ambíguo que ao mesmo tempo em que exige a
adequação dos indivíduos às tendências da moda tem por princípio a diferenciação.
Simmel já percebia em sua época uma aversão às massas e ao homem da multidão que
segue uma moda homogeneizadora. A vestimenta que destaca passa a ser a expressão
máxima do individualismo, do homem que se sobrepõe às massas. Desta forma,
enxergamos no super-herói um tipo individualista moderno com sua vestimenta tão única
quanto o seu portador. A máxima expressão do individualismo na moda é a idéia do sujeito
que faz a sua própria moda e que depois ainda consegue ditá-la aos outros. Simmel (1988)
afirma então que este tipo de indivíduo sente-se a marchar na cabeça da coletividade, no
entanto ele iguala-se a tantos outros em seu ímpeto de ser único, já que, como vimos em
Durkheim (2007), o individualismo é a religião de nosso tempo.
Luis Felipe Baêta Neves (1971) conceitua a roupa dos super-heróis ou SH17 como
vestimentas de caráter atemporal.

O aspecto exterior se caracteriza, então, por uma mistura de elementos de formas de vestir
passadas com elementos “modernos” como o corte de cabelo e a barba raspada ou o
aspecto aerodinâmico e algo atemporal do conjunto de roupas. Atemporal no sentido de
que o uniforme é formado de elementos diversos oriundos de diferentes épocas e países
não se podendo, portanto, dizer: o uniforme do SH a, b, c é cópia fiel da vestimenta de
indivíduo que tenha vivido em um país determinado em uma dada época (NEVES, 1971,
p. 71-72).

O Super-Homem então, com sua roupa atemporal e inusitada, parece ter lançado
moda não apenas em super-habilidades, assim fundando um novo gênero, mas também

                                                            
17
SH é uma abreviação para Super-Heróis.

 
47 

determinando a forma de vestir dos outros supers, geralmente com uso de colants e capas,
além do já citado caráter atemporal, evidenciando ainda mais a autonomia dos super-heróis
com relação à sua historicidade pelo meio do uso de roupas que tentam romper com a
moda instituída. O irônico, no entanto, é o fato de que na tentativa de distinguirem-se uns
dos outros os indivíduos modernos assemelham-se em sua ânsia por distinção.
Encontramos então o mesmo padrão na moda e na moda mais específica que aqui
analisamos: a vestimenta de super-herói.
Ao passo que exploramos a idéia do Clark Kent como homem da multidão, o
milionário Bruce Wayne, por sua vez, esconde-se na figura blasé. Este tipo de
comportamento é característico de Bruce desde a primeira história em quadrinhos do
Batman (publicada na revista DC n° 27), como veremos a seguir. Bruce é amigo do
comissário de polícia Gordon e já nos primeiros quadros desta história finge desinteresse
para poder se inteirar do caso de um assassinato.

Ilustração 11: imagem retirada da revista


Detective Comics n° 27 republicada no livro
The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

Alguns quadros adiante ele torna a fingir desinteresse apenas para poder se ausentar
e ir resolver o caso. Ao final da história, quando os crimes foram resolvidos por ele mesmo
vestido de Batman, nosso herói encontra-se novamente com o comissário Gordon, e não só
se mostra desinteressado sobre as ações do Batman como ainda faz piadas ao ouvir que
este supostamente teria desaparecido nos céus. Comenta Bruce Wayne: “Que belo conto de
fadas comissário”.

 
48 

Ilustração 12: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 27
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

O três últimos quadros desta história publicada pela Detective Comics n° 27 de


1939 trazem uma revelação: Wayne é o Batman!

Ilustração 13: imagem retirada da revista Detective Comics n° 27 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Utilizando o mesmo recurso que o Super-Homem, esta transformação de Wayne em


Batman revela seu caráter íntimo quando é apenas no seu quarto que Bruce triunfa como
super-herói. O primeiro quadro acima demonstra o que o comissário pensa do Bruce
Wayne: um bom rapaz de vida monótona e desinteressado por tudo. É através do narrador
onipresente que surge a revelação: “Bruce Wayne volta para o seu quarto. Um pouco mais
tarde sua porta se abre lentamente... e revela seu ocupante [eis que surge o Batman]. Se o
comissário pudesse ver seu jovem amigo agora, ele ficaria surpreso em descobrir que este
é... Batman!”

 
49 

Na história publicada na revista Detective Comics n° 42 Bruce Wayne é taxado de


entediado e inútil em uma festa da alta sociedade. Um casal aproxima-se e o homem
pergunta ao herdeiro milionário como ele está e o que tem feito ultimamente, ele responde:
“Nada Jim, nada. O trabalho é muito vigoroso! Ele me entedia!!”. Bruce retira-se e o
homem comenta que tudo o entedia, que se um dia algo o animar deveria ser declarado um
feriado nacional. A mulher complementa: “Dizem que ele é provavelmente o colega mais
preguiçoso e inútil entre nós”.

Ilustração 14: imagem retirada da revista Detective Comics n° 42 republicada


no livro The Batman Chronicles Volume 2 (2006).

Vimos então como o super-herói atende às exigências da metrópole, seja enquanto


super-indivíduo, seja enquanto homem comum ou blasé. A transformação do homem
médio oprimido (Clark Kent) ou do blasé aprisionado em sua racionalidade (Bruce Wayne)
em super-heróis oferece uma tentativa de realização das frustrações de nossa época. Desta
forma estes personagens conseguem reverberar na vida do homem moderno na medida em
que operam a transformação de tipos urbanos comuns em super-humanos, homens de
destaque, já que de fato é difícil viver na cidade grande e não cair em alguns destes tipos (o
homem da multidão ou o blasé), quando não nos dois ao mesmo tempo.
Se a vida na cidade grande é bastante fragmentada e impessoal, a comunidade
tradicional, por sua vez, tende a reconhecer o sujeito enquanto pessoa, mas em
contrapartida lhe tolhe a liberdade individual. Trabalha-se aqui com as categorias pessoa e
indivíduo enquanto noções sociológicas opostas, a primeira como típica de comunidades
tradicionais e a segunda como marcante das relações modernas e impessoais. Vejamos,

 
50 

portanto, as diferenças que marcam o tratamento na metrópole moderna em comparação


com comunidades tradicionais como uma forma de responder à questão de se os super-
heróis, como sujeitos urbanos, podem ser tratados através da categoria sociológica de
pessoa ou indivíduo?
Rosane Prado (1997) define a cidade pequena como marcada pelas relações de
proximidade social, trabalhando com a noção de pessoa em oposição à noção de indivíduo,
uma vez que em comunidades de laços sociais arraigados sempre se é alguém localizado
socialmente em contraposição à noção moderna e impessoal de indivíduo. Nesse sentido os
sujeitos são reconhecidos enquanto pessoa. Em sua análise sobre cidade pequena, mais
especificamente a cidade de Cunha, do interior paulista, Rosane Prado (1997) percebe um
paradoxo sobre a necessidade de liberdade que sentem os cunhenses. Ao mesmo tempo que
sentem vontade de ir à cidade grande para fugir do controle de Cunha, vangloriam-se de
sua cidade pequena “em que todos se conhecem”. A relação é paradoxal no ponto em que é
a mesma solidariedade de pequena comunidade que lhes possibilita valorizar sua cidade e
ao mesmo termo querer escapar de seu controle.

(...) Cunha é acolhedora e nela as pessoas se sentem queridas e reconhecidas, por outro
lado, ela também oprime, e nela as pessoas se sentem controladas e restringidas pelas
regras e expectativas a cumprir e atender. São as delícias do tratamento pessoalizado, de
ser reconhecido, considerado e estimado (e por isso os cunhenses adoram Cunha); e as
agruras da falta de privacidade, de se sentir hiper-exposto, contido, coibido (e por isso os
cunhenses detestam Cunha). São as delícias e agruras do controle social. Os sabores e
dissabores da cidade pequena, regida pelas relações pessoais, o paraíso e inferno da
pessoalidade (PRADO, 1997, p. 53).

Enquanto a pessoa na cidade pequena encontra-se entre o reconhecimento de seu


posicionamento social, favorecendo-se de ser sempre uma pessoa qualificada, em posição
relativa a suas relações sociais, como, por exemplo, filho ou irmão de fulano. Ao mesmo
tempo essa proximidade lhe impõe um grande controle social e falta de liberdade. Vimos
como o indivíduo metropolitano vive uma outra espécie de paradoxo que pendula entre o
anonimato e a liberdade. Agora tentaremos responder como o super-herói pode representar
uma superação destas contradições da vida moderna sem cair no paradoxo da cidade
pequena.
O super-herói, grande salvador da metrópole, por meio de sua identidade secreta
adquire um duplo caráter na medida em que é extremamente reconhecido, mas não se torna
pessoa, pois mantém a sua privacidade intacta; ao passo que usufrui da liberdade do
indivíduo e não se torna anônimo.

 
51 

Se a capacidade de ser tratado como indivíduo liberta o sujeito da autarquia das


comunidades tradicionais, este tratamento é marcado pela impessoalidade niveladora que
paradoxalmente destrói a liberdade ao aprisionar o homem moderno e o tratar como
número. Os super-heróis não correm este risco, mantêm-se anônimos porque sua
identidade secreta não é revelada, e ao mesmo tempo são super-humanos de destaque.
A insígnia de super-herói permite um relativo anonimato na medida em que não se
sabe quem é a verdadeira pessoa por trás da capa de super-herói. Esta insígnia, no entanto,
serve para elevar o super-herói e o tornar super diante de todos os homens. O super-herói
tem um caráter ambíguo já que está entre ser pessoa e ser indivíduo, sem, entretanto,
conseguir sê-lo de forma absoluta ou plena. O mesmo acontece com relação aos valores de
liberdade e igualdade.
Desta forma o super-herói consegue atingir o máximo da liberdade metropolitana e
o máximo do reconhecimento em sua sociedade sem ter que cair na autarquia das relações
sociais comunitárias, conseguindo ser uma das mais altas expressões do individualismo
moderno.

2.3 Tragédia da Cultura e Desencantamento do Mundo

A partir da noção de desencantamento do mundo em Weber (2004) e tragédia da


cultura em Simmel (1998) gostaria de apontar questões levantadas durante a pesquisa com
a presença da técnica nas histórias em quadrinhos aqui analisadas. A questão da técnica é
bastante evidente quando pensamos no Super-Homem e a na representação do domínio ou
superação da técnica pelo homem: este super-herói levanta pontes, é mais rápido que trens,
conserta represas e etc. O Batman tem outra relação com a técnica, é a partir dela que ele
adquire superpoderes. Diante do exposto, gostaria de evocar as noções de tragédia da
cultura e desencantamento do mundo. Estes conceitos representam mais um dos paradoxos
da modernidade na medida em que revelam os limites e mesmo aprisionamentos da
racionalidade técnica.
Tanto Weber quanto Simmel assinalam o caráter ambíguo do processo de
racionalização, revelando assim o paradoxo da cultura moderna, na medida em que a noção
de racionalização não nos leva necessariamente ao progresso. Para Weber o
desencantamento do mundo é resultado da crescente racionalização e predomínio do

 
52 

exercício da conduta racional com relação a fins. A racionalização, o abandono da magia e


o desencantamento do mundo não levam o indivíduo moderno a um maior domínio do seu
mundo, muito pelo contrário. Isto é apontado em Simmel a partir da noção de tragédia da
cultura e do alijamento do homem moderno diante da complexificação do mundo. A
objetificação e especialização técnica e a dificuldade do homem moderno em acompanhá-
la realizam mais um dos paradoxos da modernidade. O homem de criador do aparato
tecnológico passa a criatura na medida em que assiste a uma autonomização desta esfera e
a sua incapacidade de acompanhar em totalidade a sua objetificação. Os meios passam a
fins em si mesmos, como demonstra Weber com o processo de burocratização. O homem
passa então a ser mais uma engrenagem no mundo.
Gostaríamos agora de refletir sobre tais questões nos perguntando se seria preciso
ser super-herói, se somente um sobre-homem conseguiria sobreviver à modernidade?
Seguindo a mesma linha de pensamento, gostaria de apontar que os super-heróis aqui
estudados parecem resolver ou no mínimo querer resolver este paradoxo moderno no ponto
em que eles lidam com a técnica e ao mesmo tempo apreendem o mundo em sua
totalidade. O Super-Homem atinge o domínio da técnica por meio de sua ação totalizante,
enquanto o Batman somente é capaz de atingir a totalidade da ação por meio da técnica.
Embora de formas inversas, os dois supers conseguem a superação deste paradoxo como
proposto por Simmel e Weber, revelando uma totalidade da ação e capacidade subjetiva de
acompanhar a autonomização e objetificação da vida, superando a tragédia simmeliana da
cultura. Neste ponto a metáfora da gaiola de ferro weberiana é bastante ilustrativa, já que
ela representa o aprisionamento do homem pela razão. A razão e a técnica são produtos do
homem que tendem a aprisioná-lo, o enjaulamento do criador pela criatura.
Partindo da noção de ficção e fantasia como criações que traduzem e por vezes
questionam as aspirações e anseios de sua época, utilizo os conceitos de tragédia da cultura
e desencantamento do mundo invertendo-os em uma alegoria: os super-heróis seriam uma
espécie de encantamento do mundo ou comédia da cultura, já que representam a
necessidade do homem massificado de superar suas frustrações por meio da ficção e da
fantasia.

 
53 

3 IMAGINÁRIO URBANO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

As cidades são frutos de ações humanas coletivas que compõem um aglomerado


tanto em termos de estruturas físicas quanto em termos de sociabilidades. Impensadas
enquanto obras individuas, as cidades são um registro das ações sociais e das
transformações que seus habitantes realizam no tempo e no espaço.
As cidades são objetos históricos e sociais de seu tempo, e, portanto, a sua
dimensão física e cultural é produto da interação histórica e social em que são criadas.
Vitor Hugo (2003) chegou a afirmar que a arquitetura seria o livro da humanidade, no
sentido em que ela funciona como uma linguagem que registra as mudanças históricas por
que passa a humanidade. Ou seja, tanto a arquitetura quanto a cidade em sua complexidade
são obras de seu tempo.
A presente pesquisa corresponde a uma análise das cidades nas histórias em
quadrinhos considerando que tanto as cidades reais como as imaginárias são compostas por
uma linguagem própria que organiza e dá sentido ao espaço. Mas não apenas a cidade
enquanto objeto pode ser “lida” em sua organização espacial, bem como as próprias
histórias em quadrinhos são um gênero literário lingüístico e visual que se utilizam tanto de
palavras como de imagens para estabelecer comunicação e que, portanto, exigem uma
leitura interpretativa visual e verbal da narrativa.
No livro A Instituição Imaginária da Sociedade, Cornelius Castoriadis (1995)
desvenda o caráter imaginário e simbólico da sociedade e das instituições modernas.
Segundo este autor, tudo o que se apresenta no mundo social-histórico está entrelaçado
com o domínio do simbólico. Ainda segundo o referido autor, as relações entre o
imaginário e o simbólico ocorrem justamente na medida em que o imaginário é dotado da
capacidade de representar uma coisa ou uma relação entre coisas. O sistema simbólico
consiste em ligar símbolos (significantes) a significados (representações, significações).
Esta noção do simbólico e do imaginário em Castoriadis se aproxima da teoria semiótica
de Pierce. É importante lembrar que o simbólico se relaciona com o imaginário, em
Castoriadis, na medida em que existe uma função simbólica no imaginário e que por sua
vez o próprio simbólico pressupõe uma capacidade imaginária.

A sociedade constitui seu simbolismo, mas não dentro de uma liberdade total. O
simbolismo se crava no natural e se crava no histórico (ao que já estava lá); participa,
enfim, do racional. Tudo faz com que surjam encadeamentos de significantes, relações

 
54 

entre significantes e significados, conexões e conseqüências, que não eram nem visadas
nem previstas (CASTORIADIS, 1995, p. 152).

Para este autor, a dimensão simbólica da vida social se situa em instituições como,
por exemplo, a escola e o aparelho jurídico. Apesar de não se reduzirem a operações
simbólicas, estas instituições não existiriam sem suas redes de significações. A sociedade
constrói seu simbolismo, ligando-o à natureza, à história e ao racional, remetendo-o ao
imaginário.
Compreendendo a dimensão temporal e histórica do urbano, a historiadora Sandra
Jatahy Pesavento faz uma análise cultural do urbano enquanto dado ou documento capaz
de registrar o imaginário urbano de uma época. No livro Imaginário da Cidade: visões
literárias do urbano (PESAVENTO, 1999) esta historiadora faz uma belíssima análise do
imaginário urbano de três cidades em diferentes obras literárias. A mesma cidade pode ser
representada de forma diferente dependendo do lugar de onde se fala, seja no tempo ou
socialmente. Esta é, por exemplo, a diferença entre o Rio de Janeiro de Lima Barreto e
Machado de Assis.
As cidades imaginárias são pensadas a partir das cidades reais. Sempre existiram as
mais diversas representações do urbano, seja enquanto crítica ou utopia. Cidades caóticas,
odiadas, sonhadas ou poéticas são representações que cabem e couberam a muitas cidades
ao longo da história. Pesavento (2007) considera que a cidade contém uma dimensão do
sensível que a integra a um processo simbólico de atribuição de significado. O urbano
abarca a dimensão física e cultural da cidade, em um processo de construção material e
simbólico de uma cidade que habita no pensamento. Para a autora a cidade em sua
dimensão da sensibilidade é, sobretudo, a produção de imagens e discursos que enquanto
representação se coloca no lugar da materialidade. Para Pesavento (2007, p. 14), cidades
sensíveis e pensadas podem ser “capazes de se apresentarem mais ‘reais’ à percepção de
seus habitantes e passantes do que o tal referente urbano na sua materialidade e em seu
tecido social concreto”. A dimensão sensível do urbano corresponde, portanto, a uma
cidade de forte imaginário.

Sem dúvida, essa cidade sensível é uma cidade imaginária construída pelo pensamento e
que identifica, classifica e qualifica o traçado, a forma, o volume, e os atores desse espaço
urbano vivido e visível, permitindo que enxerguemos, vivamos e apreciemos desta ou
daquela forma a realidade tangível. A cidade sensível é aquela responsável pela atribuição
de sentidos e significados ao espaço e ao tempo que se realizam na e por causa da cidade.
É por esse processo mental de abordagem que o espaço se transforma em lugar, ou seja,
portador de um significado e de uma memória; (PESAVENTO, 2007, p. 14-15).

 
55 

Sandra Jatahy Pesavento defende uma história cultural urbana que estude não
apenas os processos econômicos e sociais que ocorrem na cidade, mas que estude o
imaginário criado em seu ambiente, assim como as representações sobre a cidade. Um
imaginário sobre a cidade e criado na cidade é um objeto que tem sido analisado também
pela sociologia. Esta dissertação, ao propor um estudo do imaginário urbano em uma
análise de representações sobre as cidades de Gotham e Metrópolis, busca justamente
identificar, a partir dessas cidades, o imaginário urbano de sua época. Pesavento define
imaginário urbano como:

(...) o imaginário urbano, como todo imaginário, diz respeito a formas de percepção,
identificação e atribuição de significados ao mundo, o que implica dizer que trata das
representações construídas sobre a realidade - no caso, a cidade. (PESAVENTO, 2007, p.
15).

Uma abordagem sobre o imaginário urbano debruça-se sobre discursos, imagens e


práticas sociais de representação da cidade. O imaginário urbano é um sistema de idéias e
imagens de representação coletiva que “falam da cidade”, que se reportam a uma certa
representação do urbano. Uma imagem ou imaginário de uma cidade são representações
que em si não substituem a cidade que representam, assim como o signo não substitui a
coisa representada. Neste ponto vale citar o quadro de Magritte como recurso explicativo
desta noção. Neste quadro há um desenho de um cachimbo, escrito, em francês: “isto não é
um cachimbo”. A reflexão que Magritte nos propõe é pensar no desenho enquanto algo que
representa, como um signo, um signo que representa mas não é um cachimbo. Da mesma
forma a imagem18 de uma cidade, seja uma fotografia de um cartão postal ou uma imagem
mental de cidade, é uma representação.
A sociedade que de fato institui e constrói as coisas como reais ou não. Para Peter
Berger (2004), a realidade seria ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, deste modo,
construída socialmente. Este autor afirma a possibilidade de algo ser considerado real por
um monge e não ser real para um empresário, o que demonstra que o que institucionaliza a
“realidade” são os contextos sociais.

A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e


subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente
(BERGER, 2004, p. 35).

                                                            
18
A imagem de uma cidade como sua representação simbólica pode ser explorada tanto pelo domínio da imagem visual,
como pelo âmbito da imagem no sentido difuso e mais abrangente que abarca a dimensão cultural e simbólica da vida
urbana (LYNCH, 2006; FORTUNA, 1997).

 
56 

A literatura em quadrinhos, assim como qualquer outro gênero literário, possibilita


a análise do pensamento social de uma determinada época. O material de que se utiliza o
escritor para construir sua narrativa é o seu mundo, sua realidade, que reflete os dramas e
anseios da sociedade em que está inserido (CANDIDO, 2004). A literatura é um rico objeto
para se compreender o imaginário de uma época.

3.1 Urbanismo e Histórias em Quadrinhos: análise da representação urbana

Autores como Françoise Choay (2003) e Jean-Louis Harouel (1990) consideram a


existência de três modelos urbanísticos ou três concepções distintas sobre a cidade que
permeiam o pensamento urbanístico desde quando se começou a refletir sobre as cidades
modernas industrializadas. Esses modelos seriam o culturalista, o naturalista e o
progressista, surgidos em função da necessidade de criar soluções para as cidades
modernas em franco crescimento desorganizado. Essas diferentes correntes de pensamento
têm em comum o fato de nasceram como crítica aos problemas encontrados nas grandes
cidades. No entanto, as resoluções e modelos urbanos que surgem a partir dessa crítica são
distintos. O modelo progressista, em geral, se alia ao ritmo de crescimento imposto pela
Revolução Industrial, traçando planejamentos urbanos voltados para a concepção de
progresso, funcionalidade e rendimento. Em linhas gerais, essa concepção urbanística
tende a incentivar o crescimento ordenado das cidades. Já o modelo culturalista e o modelo
naturalista estariam ligados a sentimentos nostálgicos de retorno à comunidade e à
natureza, opondo-se aos grandes aglomerados urbanos.
Utilizo-me aqui desse grande corte fornecido pelos referidos autores que separam a
história do urbanismo em basicamente três modelos – o progressista, o naturalista e o
culturalista – como modelos ou tipos-ideais19 que facilitem a nossa compreensão do
imaginário, discurso e contexto de criação das histórias em quadrinhos do Batman e Super-
Homem. Vale ressaltar que essa separação em três grandes correntes de pensamento é um
recurso meramente metodológico, já que própria Françoise Choay (2003) nos adverte que
muitos dos pensadores enquadrados em um dos modelos dialogavam com outras correntes

                                                            
19
Utiliza-se, neste ponto, do conceito weberiano de tipo-ideal como forma de evidenciar o caráter instrumental e
aproximativo dos modelos urbanos aqui empregados (WEBER, 2006).

 
57 

de pensamento. Mas em linhas gerais, é possível observar essa tradicional ruptura entre o
que seria o modelo naturalista, progressista e culturalista.
O modelo progressista, segundo a autora, estaria presente desde, por exemplo,
Proudhon, Owen e Fourier. Mas é com o movimento modernista dos CIAM20,
principalmente com Le Corbusier e a concepção da residência como “máquina na qual
viver”21, que o modelo progressista se encaixa radicalmente em um pensamento otimista
orientado para o máximo rendimento da sociedade industrial. A composição do espaço
urbano seria amplamente aberta e racional, de uma estética funcional, ligando a beleza à
lógica.
O modelo culturalista, segundo a autora, abrange autores como Ruskin, William
Morris, Ebenezer Howard (criador do movimento Cidade Jardim) e Camilo Sitte. Os
partidários desse modelo seriam pensadores que evocam o passado e criticam a morte da
comunidade diante do processo de industrialização. Essa visão seria pessimista, contrária
às metrópoles modernas e voltada para um tempo anterior, ao passo que a concepção do
modelo progressista é extremamente positiva quanto à possibilidade de crescimento urbano
ordenado e também quanto à crença no progresso.
Já o modelo naturalista, segundo Françoise Choay (2003) e Jean-Louis Harouel
(1990), seria um fenômeno de concepção anti-urbana próprio dos Estados Unidos,
impulsionado pelo mito dos pioneiros que colonizaram o país e pela nostalgia de uma
natureza virgem. Essa forte corrente anti-urbana não teria a abrangência tal dos modelos
anteriormente citados, mas conta com nomes como Louis Sullivan e Frank Loyd Wright,
além de ter exercido grande influência sobre as concepções urbanas norte-americanas do
século XX.
Em suma, o modelo naturalista e o modelo culturalista teriam concepções
pessimistas quanto ao crescimento (mesmo que ordenado) das grandes cidades. Já o
modelo progressista tenta aliar o crescimento à ordem.
A cidade do modelo culturalista tem limites fixos que circunscrevem as suas
dimensões. A composição estética dessas cidades seria contrária aos padrões e protótipos

                                                            
20
O movimento modernista na arquitetura se consolida a partir do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
(CIAM) em Atenas, no ano de 1933, estabelecendo diretrizes e consensos que culminaram com a redação da Carta de
Atenas.
21
As cidades passaram a ser criadas como máquinas que desprezavam a personificação e a ornamentação, projetadas
visando apenas a sua funcionalidade. Segundo Benevolo (1976), Le Corbusier se preocupava com a utilidade e
aplicabilidade de suas obras, submetendo a arquitetura ao controle dos traçados geométricos e reguladores. Le Corbusier
faz uma analogia entre casa e máquinas para explicar a construção em série de habitações econômicas.

 
58 

reproduzíveis do urbanismo progressista de grandes cidades de estética racional baseada na


geometria e de poucos ornamentos estéticos.
Os modelos culturalistas e naturalistas têm em comum o fato de verem de forma
pessimista a metrópole moderna de grandes dimensões, ao passo que o primeiro modelo se
volta para o passado o segundo se volta para a natureza. Mas coincidentemente os dois
desprezam os grandes conglomerados urbanos. Nesse sentido pode-se afirmar que os
modelos naturalista22 e culturalista se opõem fortemente ao progressista, representando
formas dicotômicas de concepção sobre a cidade.
Em que medida o urbanismo naturalista (ou o movimento anti-urbano norte-
americano) e o urbanismo culturalista teriam relações com o imaginário e representação
urbana de Gotham City? Seria possível relacionar Metrópolis ao urbanismo progressista?
Durante a década de 1930, momento em que foram lançadas as primeiras histórias
em quadrinhos do Batman e Super-Homem, as concepções urbanas derivadas dos
supracitados modelos se encontravam presentes no imaginário urbano da época. Essas
concepções seriam dois lados de uma mesma moeda: uma percepção otimista e uma
percepção pessimista sobre as grandes cidades modernas que representam críticas e utopias
de cidade.

Na literatura ocidental há narrativas que descrevem sociedades imaginadas para servirem


de negação, desdobramento ou correção das que existem. É o caso das obras de Swift,
Butler, Wells, Huxley, Orwell (CANDIDO, 2004, p. 11).

A cidade de Gotham encarnaria uma perspectiva pessimista que representa o caos


e a violência das grandes cidades, se aproximando das críticas tecidas pelos naturalistas e
culturalistas. Já Metrópolis encarnaria uma perspectiva otimista de cidade, retratada
sempre com muita luz, prédios espelhados e desenhos que passam a idéia de velocidade,
como a figura abaixo, com carros vistos do alto de uma avenida.

                                                            
22
Lembrando que o modelo naturalista representa um caso particular ocorrido nos Estados Unidos da América, e que os
modelos culturalista e progressista são infinitamente mais significativos para a história do urbanismo.

 
59 

Ilustração 15: imagem retirada do livro The Superman


Chronicles Volume 1 (2005), em uma reedição da
revista Action Comics n°1 (a primeira história do Super-
Homem, lançada em junho de 1938).

Ilustração 16: imagem retirada do livro


The Batman Chronicles Volume 1
(2005), em uma reedição da revista
Detective Comics n° 29, de julho de
1939.

A aproximação feita aqui entre Gotham e o urbanismo culturalista utiliza as críticas


de autores como Ebnezer Howard e Camillo Sitte sobre as cidades de sua época. Sitte
(1992) foi um duro crítico dos princípios de organização das metrópoles modernas do
século XIX. Cito este autor em uma de suas inúmeras críticas ao monotonismo dos
complexos urbanos modernos:

Hoje, quase ninguém mais se ocupa da construção urbana enquanto obra de arte, mas
apenas enquanto um problema técnico. E posteriormente, quando o efeito artístico não
corresponde às expectativas, ficamos espantados e desnorteados; entretanto, em um
próximo empreendimento, tudo será tratado do ponto de vista técnico, como se
estivéssemos traçando uma linha férrea, onde não há questões artísticas envolvidas
(SITTE, 1992, p. 94-95).

Ebenezer Howard, assim como Sitte, viveu as turbulências geradas pela revolução
industrial, grande crescimento urbano e problemas sociais. Influenciado pelo reformismo

 
60 

dos socialistas utópicos, embora acreditando no papel do Estado como organizador da


sociedade, este autor propõe a Cidade-Jardim23 como uma comunidade auto-suficiente de
dimensões pré-definidas, um agrupamento humano equilibrado, usufruindo das vantagens
do campo e da cidade e evitando as deficiências de ambos. É importante frisar que
Howard, natural da Inglaterra, sofreu bastante influência da tradição inglesa de culto ao
verde.
Logo nas primeiras páginas do livro Cidades-Jardins de Amanhã, deste mesmo
autor, percebe-se como Howard foi profundamente influenciado por noções de reformismo
social24 aliadas ao estado de bem-estar social. Este livro foi lançado em 1898 sob o título
Tomorrow: a peaceful path to real reform, sendo revisado e relançado em 1902 com o
título de Garden City of Tomorrow.
Sobre as cidades de sua época, Howard (2002, p. 108-109) afirma:

(...) a luz solar vem sendo cada vez mais barrada e o ar está tão viciado que belos edifícios
públicos, assim como os pardais, rapidamente se cobrem de fuligem, estando as próprias
estátuas em condição desesperadora. Edifícios suntuosos e aterrorizantes cortiços são as
estranhas feições complementares das cidades modernas.

Para Ebezener Howard a cidade jardim representa uma junção dos benefícios da
vida em comunidade com os benefícios da vida urbana. Este modelo de cidade, como dito
anteriormente, é enquadrado por historiadores do urbanismo como culturalista. É
importante lembrar que os modelos culturalista e progressista surgem depois do advento
das cidades modernas e das transformações sociais ocorridas após a revolução industrial,
como a emergência do liberalismo e do individualismo. Estes modelos propõem diferentes
soluções, o progressismo adotando o individualismo e a cidade industrial, e o culturalismo
propondo um retorno a comunidade de relações pessoais. Neste ponto, Gotham City pode
se assemelhar a crítica das grandes cidades tecida por Howard, a uma crítica ao
impessoalismo e às “estranhas feições” da cidade moderna.
É importante elucidar que Gotham City é relacionada aqui apenas com a noção
crítica e anti-urbana de Ebenezer Howard e não com o seu modelo de Cidade-Jardim
construído como contraponto às grandes cidades da sua época. O que se tenta é aproximar
a representação de Gotham a outras representações críticas das metrópoles modernas,

                                                            
23
Howard queria criar agrupamentos urbanos de pequeno porte em contrapartida às grandes cidades industriais. O seu
modelo de cidade representava a junção das partes boas das cidades grandes e das partes igualmente boas do campo,
criado para dar qualidade de vida aos operários instalados precariamente nas cidades industriais. A cidade-jardim foi
projetada para alojar os operários a baixo-custo e alta qualidade ambiental.
24
Robert Owen e Charles Fourier foram os precursores do reformismo social aliado a novas formas de habitação.

 
61 

tendo em vista que as aventuras do Batman se passam em uma cidade com alguns
lunáticos, gangues e violência, enquanto a cidade do Super-Homem tem que enfrentar
problemas técnicos e crimes de motivações e soluções morais, como veremos no capítulo a
seguir a partir da análise de que tipos de crime, migração e delinquência habitam nessas
cidades.

 
62 

4 CRIME, DELINQUÊNCIA E MIGRAÇÃO NO BATMAN E SUPER-HOMEM:


DIÁLOGO COM A ESCOLA DE CHICAGO

Em minhas leituras e andanças pelas cidades imaginárias de Metrópolis e Gotham


de 1930 e 1940 encontrei de forma marcante a recorrência de algumas temáticas como o
crime, a migração e a delinquência salvo suas devidas proporções e diferenças entre as
referidas cidades. Neste capítulo nos deteremos sobre estes temas a partir da Escola de
Chicago de Sociologia. Esta escola gozou de grande influência entre 1915 e meados de
1940 e estava focada justamente sobre os temas da migração, delinquência e criminalidade
em contexto urbano.
As análises das grandes cidades reais feitas pelos pesquisadores da Escola de
Chicago naquele período abarcam o recorte aqui proposto para análise de cidades
imaginárias nos anos de 1930 e início de 1940. A presença destes temas tanto nos
quadrinhos quanto no pensamento sociológico não é uma mera coincidência, decorre das
questões mais urgentes porque passava a sociedade norte-americana nas primeiras décadas
do século XX a partir de grandes ondas de migração e crescimento urbano desenfreado.
A Universidade de Chicago, fundada em 1892, foi a primeira universidade norte-
americana a ter um departamento voltado para os estudos sociológicos, se consolidando até
a década de 1940 como o pólo de produção de pesquisa e pensamento da sociologia
naquele país. A Escola de Chicago de sociologia representou o período em que a partir de
1915 começou-se a pesquisar tomando a proposição de Park (1987) de pensar a cidade
como um laboratório para a análise dos processos mais amplos vividos pela sociedade.
Estes pesquisadores estavam preocupados em pensar a cidade e alguns de seus problemas
como a marginalidade, o crime e a delinqüência enquanto gerados pela dificuldade de
integração social dos imigrantes na sociedade americana. É importante contextualizar que
os Estados Unidos sofreram grandes ondas de imigração ao longo do final do século XIX e
início do século XX, atraindo grande população de poloneses, italianos, japoneses e
irlandeses. Segundo Alain Coulon (1995), Chicago seria uma cidade de imigrantes,
atraindo não somente a população de outros países como a população interna de negros e
“caipiras” – os chamados rednecks – vindos do sul depois da Guerra de Secessão.

O povoado que contava 4.470 habitantes no recenseamento de 1840, e representava então


a fronteira oeste dos Estados Unidos, tinha 1 milhão e cem mil, cinqüenta anos depois, em
1890, e chegaria a ter cerca de 3 milhões e meio em 1930! (COULON, 1995, p. 11).

 
63 

A Escola de Chicago inova em tema e em abordagem, representando uma corrente


de pensamento distinta daquela que mais tarde viria a ser considerada a clássica na
sociologia – Marx, Weber e Durkheim. Além de terem uma preocupação com temas
urbanos, os pesquisadores da Escola de Chicago inauguraram a pesquisa de campo na
sociologia, utilizando-se de métodos etnográficos como a observação direta e continuada,
inovando também ao usar a observação participante25, como foi o caso de Foote Whyte
(2005). No entanto friso que a Escola de Chicago tinha como uma de suas características
metodológicas a análise empírica, apesar de lhe ser comumente atribuída a característica de
uso da observação participante.
O clássicos da sociologia não estavam preocupados em estudar a cidade, apesar
desta ser o espaço em que ocorriam os fenômenos estudados por eles. O ponto comum
entre Marx26, Weber27 e Durkheim28 é que todos eles estavam analisando a modernidade e
a cidade era o “palco da vida tipicamente moderna”, como mais tarde afirma Simmel
(1997). Embora fique bastante claro que os clássicos estavam pensando os fenômenos
modernos enquanto fenômenos urbanos, eles não estavam preocupados com a cidade
propriamente. A cidade era apenas o espaço em que a modernidade e as suas
conseqüências ocorriam de forma mais clara.
A sociologia é uma disciplina moderna, nascida depois da Revolução Industrial e
preocupada em explicar a modernidade e suas conseqüências. É importante lembrar que
uma das conseqüências da Revolução Industrial e do advento da modernidade foi o
surgimento das grandes cidades geradas pelo processo de industrialização. É nesse sentido
que afirmo mais uma vez que a sociologia clássica apesar de não trabalhar com o urbano
enquanto temática o tem como pano de fundo.
                                                            
25
Método hoje clássico inventado por Malinowski, embora extremamente inovador para a antropologia da época,
considerado como o fundador da etnografia moderna.
26
Para Marx e Engels, o capitalismo e a luta de classes eram muito mais acirrados nas grandes cidades (Choay, 2003). É
preciso lembrar que Engels (2008), no livro A situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, escreve um belíssimo
capítulo analítico descritivo da situação de pauperização e das formas de vida nos bairros pobres de Manchester. Para
estes autores a cidade industrial do século XIX é o espaço de ascensão da burguesia, além de ser o espaço onde as
contradições do capitalismo e a luta de classes se tornam mais evidentes.
27
Weber, no texto “A Cidade”, conceitua a cidade enquanto tipo-ideal, caracterizando-a por constituir mercado e possuir
autonomia política. Para este autor a cidade moderna é o espaço da racionalização e da emergência de uma conduta
racional voltada para fins que possibilitou o desenvolvimento do capitalismo.
28
Durkheim (2008) estava preocupado com a sociedade moderna e sua forma de solidariedade. Apesar de fazer análises
das chamadas sociedades tradicionais seu intuito era meramente comparativo, com a finalidade de explicar as sociedades
modernas. Para este autor, diferentemente das sociedades tradicionais, onde a consciência coletiva corresponde à
consciência individual, a sociedade moderna seria marcada pelo individualismo e pela preponderância da solidariedade
orgânica. A anomia, conceito criado por Durkheim, serve para explicar o estado de falta de regras e normas sociais que o
indivíduo moderno pode viver, caracterizado pelo afrouxamento dos laços sociais.

 
64 

A Escola de Chicago teve grande influência de Georg Simmel. Este sociólogo foi
um dos primeiros sociólogos a pensar as formas de vida nas grandes cidades, tornando-se
referência para os estudos urbanos até os dias de hoje. Simmel foi um dos pensadores que
mais influenciou as discussões da Escola de Chicago. Basta dizer que Park havia estudado
com ele na Alemanha e que o American Journal of Sociology, editado pela Universidade
de Chicago, publicou várias traduções de Simmel do alemão para o inglês.
Robert Ezra Park (1987) foi um dos mais importantes nomes da Escola de Chicago.
No seu artigo A Cidade: Sugestões para a Investigação do Comportamento Humano no
Meio Urbano, este autor afirma que a cidade não seria “um simples amontoado de
homens” ou uma “mera constelação de instituições”. Para Park, a cidade seria um produto
da natureza humana na medida em que representa um “estado de espírito”, com sua
cultura, costumes e tradições próprias. Neste ponto pode-se notar como Park, a partir de
Simmel, começa a pensar a cultura urbana.
No referido artigo de 1916, Park propõe o uso da etnografia para a compreensão do
meio urbano, algo completamente inovador na época tanto para a sociologia quanto para a
antropologia, que ainda se dedicava aos estudos de sociedades exóticas. Outra proposição
já citada é a de se enxergar a cidade como uma espécie de laboratório social. Estas noções
foram desenvolvidas pelos pesquisadores da Escola de Chicago.
A cidade moderna, segundo Park, é caracterizada pela divisão social do trabalho, o
que diversifica e complexifica os tipos humanos metropolitanos, pois a vida citadina
moderna compreende uma grande variedade de ocupações e profissões. Esta noção está
presente desde Weber e Simmel.
Apesar de haver uma grande divergência de métodos e idéias entre os
pesquisadores da Escola de Chicago o que fez dela uma corrente de pensamento foi a
inquietação com temas coincidentes, principalmente a migração, a delinqüência e
criminalidade, além do compartilhamento da preocupação com análises empíricas. Tanto
em Park como em Burgess há a compreensão do espaço urbano em sua fragmentação como
espaço heterogêneo e diversificado. Este pressuposto é também tomado pelos
pesquisadores da referida escola de pensamento.
As cidades de Gotham e Metrópolis, além de terem a recorrência de crimes,
delinquência e imigrantes são cidades de estrutura urbana diversificada com formação de
bairros pobres e imigrantes. Veremos a seguir os pontos coincidentes e divergentes na
representação destes temas nos quadrinhos do Batman e Super-Homem, bem como suas

 
65 

possíveis aproximações com as teorias da Escola de Chicago. Este capítulo está dividido
em três tópicos principais. O tópico 4.1traz uma análise de Batman e Super-Homem a
partir das teorias sobre migração e assimilação da Escola de Chicago. O tópico 4.2 faz-se
uma análise do tipo de crime em Gotham e Metrópolis e o tópico 4.3 que encerra este
capítulo é uma análise da delinqüência em duas histórias em quadrinhos dos supracitados
super-heróis.

4.1 Migração nos quadrinhos

O tema da migração está presente nos quadrinhos desde sua origem. Em capítulo
anterior vimos como o quadrinho nova-iorquino Yellow Kid, considerado por muitos como
a primeira tira em quadrinhos da história, narrava de forma cômica o convívio de crianças
imigrantes e negras em um beco de um bairro pobre. O Hogan’s Alley, ou beco do Hogan,
aproxima-se inclusive da noção de um gueto moderno, segundo a definição do grande
sociólogo da Escola de Chicago, Louis Wirth (1966).
Mas antes mesmo dos quadrinhos existirem, outra forma de representação gráfica,
os cartuns, já desempenhavam o papel de retratar cômica e satiricamente os imigrantes. Ao
longo do século XIX os irlandeses foram um dos grupos de maior migração para os
Estados Unidos e portanto um dos mais caricaturados. Appel e Appel (1994) demonstram
como o irlandês passa de uma representação grostesca e símia durante o século XIX a de
pequeno burguês já em inícios do século XX.
Os cartuns utilizavam-se de um humor étnico e da construção de um estereótipo
gráfico. Por vezes representavam ataques sutis motivados por preconceitos de classe de
imigrantes estabelecidos contra recém-chegados.

Alguns chargistas encontravam novos alvos nos “novos” imigrantes vindos da Europa
Ocidental e Oriental, que eles representavam como ainda mais alienígenas e, portanto,
mais ameaçadores aos valores e padrões americanos do que os católicos irlandeses e
alemães que foram vítimas de sátiras gráficas mais antigas. Pensava-se duas vezes antes
de se ofender os leitores católicos, muitos dos quais agora eram membros dos grupos
consumidores de classe média, cortejados pelos grandes anunciantes (APPEL ; APPEL,
1994, p. 68).

Através da análise de John Appel e Selma Appel sobre a representação do


imigrante irlandês nos cartuns da Puck pode-se observar as mudanças e transformações que
revelam questões de assimilação e aculturação que transformaram imigrantes em norte-

 
66 

americanos, assim como a recepção do imigrante pelos estabelecidos. Tomo o exemplo de


duas charges da Puck citadas pelos autores. Em 1884 São Patrício era representado como
um bispo de cara simiesca e com uma grande garrafa na mão. Em 1904, vinte anos depois,
foi retratado como um benévolo duende, não mais um instrumento de poder estrangeiro,
como comumente eram vistos os irlandeses e a religião católica.
Em início do século XX o irlandês da Puck é tratado de forma cômica e ainda
estereotipada, mas com valores mais positivos que nas charges do século anterior. Um
exemplo do irlandês cômico do início do século XX, já nos quadrinhos e não mais na
charge, é o de Bring Up Father, ou Panfúcio e Marocas, como foi publicado no Brasil.
Bring Up Father, de 1913, conta a história de Jiggs, Maggie e Nora, família de irlandeses
novos-ricos que ganharam milhões em um sorteio. Esta foi uma das tiras mais populares de
sua época criada por George McManus para as empressas Hearst. A comicidade e sucesso
da tira vêm da sátira social da família formada pelo pai, Jiggs, antes trabalhador da
construção civil que apesar de rico não quer abandonar seus velhos amigos e hábitos
tradicionais e seus conflitos com a necessidade de sua esposa Maggie e filha Nora em se
adaptar aos costumes de sua nova condição social. Há o tratamento cômico de questões
étnicas e de classe social.

 
67 

Ilustração 17: imagem de Jiggs e Maggie retirada do


site Collectors Society, disponível em
http://www.collectors-society.com/Default.aspx

Acima vemos Maggie “enquadrar” Jiggs porque ele teria sido visto na taverna do
Dinty’s. Abaixo vemos a esposa horrorizada com os modos do seu marido à mesa. As
situações na tira sempre se desenrolam a partir deste conflito entre hábitos do marido e
anseios de ascensão da esposa, que ao final acaba tomando atitudes pouco educadas e
refinadas para repreender seu marido. Parece que em muito sentido a classe-média norte-
americana se identificou com estes conflitos.

 
68 

Ilustração 18: Publicação de 1921 dos quadrinhos Bringing Up Father (Fonte: site My Comic Shop.
Disponível em http://www.mycomicshop.com/).

4.1.1 Gotham e imigração

A figura do imigrante aparece nos quadrinhos do Batman e Super-Homem em um


desenho e tratamento realista típicos do gênero de aventura e superaventura nos
quadrinhos. A partir de agora não temos mais o imigrante cômico como o Menino Amarelo
ou o Jiggs do Bringing Up Father, bem como o papel social assumido pelos imigrantes dos
quadrinhos de super-heróis aqui analisados é outro. Vemos surgir no Batman um imigrante
ambíguo, criminoso.
O Batman é um super-herói nascido da promessa de Bruce Wayne, que quando
garoto, após testemunhar o assassinato de seus pais, jurou lutar contra o crime. Os
superpoderes do Batman são criados a partir de sua inteligência, força física e tecnologia
desenvolvidas por Wayne. As aventuras do Batman geralmente se passam à noite e são
marcadas por gângsteres, criminosos e alguns imigrantes que na maioria das vezes atuam à
margem da lei. Se o imigrante mais retratado dos quadrinhos e cartuns americanos ao
longo do século XIX e início do XX eram os irlandeses, nos quadrinhos do Batman de
1939 o elemento estrangeiro ou imigrante não-assimilado é na maioria das vezes o oriental,
seja ele chinês ou hindu.

 
69 

Como foi dito anteriormente, Batman foi lançado em maio de 1939 pela revista
Detective Comics n° 27. Já em sua terceira publicação na Detective Comics n° 29 de julho
de 1939 surge a figura do vilão Doutor Morte e seu ajudante Jabah. Jabah é representado
aqui com camisa e calças largas, um turbante azul e uma espécie de cinta branca em sua
cintura, além de ter a tez mais escura, em um tom avermelhado se comparado a outros
personagens como o próprio Doutor Morte.
No quadro abaixo é revelada a nacionalidade de Jabah quando o narrador o chama
de “gigante indiano”. Em outro quadro ainda o narrador refere-se a Jabah como “gigante
servente do Doutor Morte”.

Ilustração 19: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 29 de
julho de 1939, republicada no livro
The Batman Chronicles Volume 1
(2005).

Abaixo vemos Jabah de turbante azul, camisa vermelha, calça verde, cinta branca e
uma capa roxa pelas ruas da cidade.

 
70 

Ilustração 20: imagem retirada da revista


Detective Comics n° 29 de julho de 1939,
republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

Ao final desta história Jabah e Doutor Morte supostamente morrem em um


incêndio. Na publicação seguinte de n° 30 descobrimos que apenas o Doutor Morte está
vivo e agora acompanhado por outro ajudante também imigrante, Mikhail. No quadro
abaixo vemos Doutor Morte com a face encoberta por curativos e seu novo ajudante de pé.
Ao contrário de Jabah, Mikhail não tem sua nacionalidade revelada, ficando indicado pelas
roupas e nome que se trata de um imigrante.

Ilustração 21: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 30

 
71 

republicada no livro The Batman


Chronicles Volume 1 (2005).

Na Detective Comics n° 35 de janeiro de 1940 temos a presença de hindus, chineses


e mongóis envoltos no caso do roubo de uma estátua de rubi. Parte desta história se passa
em Chinatown, primeira vez que o bairro chinês aparece nos quadrinhos do Batman.
A estátua seria a representação de Kila, deus hindu da destruição. Ela foi trazida aos
Estados Unidos por Sheldon Lenox, explorador que a encontrou em uma caverna na Índia
e que a revendeu a um colecionador de raridades. Logo o explorador e o colecionador
encontram-se em perigo porque um grupo de hindus passa a exigir a estátua por meio de
ameaças. Este grupo captura e mata o explorador Sheldon Lenox.

Ilustração 22: imagem retirada da revista Detective Comics n° 35


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

Assim que esta notícia chega às manchetes de jornais outros grupos criminosos
interessam-se pelo rubi.

 
72 

Ilustração 23: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 35
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Novamente os hindus entram em ação e em uma disputa com gângsteres


conseguem roubar a estátua. Batman os segue até Chinatown para descobrir que a estátua
foi vendida ao chinês Sin Fang, interceptador de mercadorias roubadas.

Ilustração 24: imagem retirada da revista Detective Comics n° 35 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Acima vemos a primeira representação da Chinatown nos quadrinhos do Batman.


Em primeiro plano à esquerda um chinês e ao fundo o carro dos hindus estacionado na

 
73 

porta da “curios shop” ou loja de antiguidades de Sin Fang. À direita desta loja há um
comércio de venda de Chop Suey.
Batman então encontra-se com Wong, prefeito de Chinatown descrito pelo narrador
como um homem sábio e honesto, e é dele de que recebe as informações de que precisa
sobre Sin Fang. Nosso herói é alertado para tomar cuidado com o interceptador chinês.
Batman então vai ao encontro de Sin Fang e exige a estátua. Sin Fang explica que
ele não sabia que a estátua era roubada e pede para o Batman acompanhá-lo que ele irá
devolver a estátua. O chinês abre uma porta e segundo o narrador “dois mongóis gigantes
saem com duas cimitarras em punho”.

Ilustração 25: imagem retirada da revista Detective Comics n° 35


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

O Batman rapidamente encerra a luta com os mongóis. Em seguida argumenta o


chinês: “Desculpe por isso, quando os guardas viram sua máscara acharam que você fosse
um inimigo! Foi um engano!” Sin Fang faz essa afirmação apenas para levar o Batman a
mais uma de suas armadilhas, agora uma câmara de gás seguida por um alçapão.
Batman consegue escapar e observa Sin Fang em um quarto, que se imaginando
sozinho retira “luvas amareladas” e uma pesada maquiagem, revelando sua verdadeira
identidade: Sheldon Lenox.

 
74 

Ilustração 26: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 35
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

O explorador havia matado Sin Fang e assumido seu lugar, além de ter contratado
falsos hindus para forjar sua morte e conseguir vender a estátua e recuperá-la novamente.
O que esta história nos relata é que apesar de todos os crimes terem sido tramados
por um norte-americano ele os faz encobrindo-se nas representações criminosas de
imigrantes, aproveitando-se e mesmo corroborando a representação ambígua e pouco
confiável que o imigrante assume nestas histórias e fora delas. Afinal o Sin Fang
verdadeiro era de fato um nada confiável interceptador de mercadorias roubadas, isso sem
falar nos seus capangas mongóis, embora o nosso herói tenha sempre tratado com o
Sheldon Lenox se passando por Sin Fang.
Na Detective Comics n° 39 de maio de 1940 Batman e Robin29 enfrentam a horda
do dragão verde. A história desenrola-se a partir do seqüestro de dois milionários e com a
morte de um de seus motoristas com um machado. Batman então vai a Chinatown
investigar o crime porque “Tem apenas um tipo de povo que mata com machado...”. Nosso
herói reencontra-se com Wong, o “bom” chinês da história da estátua de rubi. O narrador
define este personagem, assim como havia feito na história anterior, como um homem
sábio e honrado, embora desta vez nos seja acrescentado que Wong é o prefeito não-oficial
de Chinatown, revelando a organização social particular deste bairro.

                                                            
29
Desde a Detective Comics n° 38 Robin passa a ser o fiel escudeiro e ajudante do Batman.

 
75 

Ilustração 27: imagem retirada da revista Detective Comics n°


39 republicada no livro The Batman Chronicles Volume 2
(2006).

Na imagem acima o narrador descreve Chinatown como “uma cidade dentro de


uma cidade.. onde o mistério do Oriente chega às ruas do Ocidente”. Wong pede ajuda ao
Batman para acabar com a horda do dragão verde, traficantes de ópio que no desenrolar da
história matam Wong.
Pode-se observar que a arquitetura do bairro chinês é bastante diferente do resto da
cidade, lembrando pagodes típicos da arquitetura chinesa, japonesa e de outras partes da
Ásia. Nos quadros a seguir vemos uma luta entre o Batman e um homem da horda do
dragão verde em que os dois despencam de um prédio. Vemos ao fundo a arquitetura de
prédios com múltiplas beiradas que lembram pagodes, bem como escritos que lembram a
grafia chinesa ao fundo.

 
76 

Ilustração 28: imagem retirada da revista Detective


Comics n° 39 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 2 (2006).

Ilustração 29: imagem retirada da revista Detective


Comics n° 39 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 2 (2006).

E quanto à localização da Chinatown dentro da cidade? Segundo o Batman ela fica


perto das docas, mais precisamente do píer 3, onde Wong o mandou investigar sobre o
tráfico de ópio.
Ao final desta história o Batman derrota os traficantes de ópio durante uma luta em
que derruba sobre os chineses e mongóis uma gigantesca estátua de sua horda matando-os.

 
77 

Ilustração 30: imagem retirada da revista Detective Comics n° 39 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 2 (2006).

“The idol of the Green dragon kills its own!!!” ou “O ídolo do dragão verde mata os
seus”, conta-nos o narrador no quadro acima.

Ilustração 31: imagem


retirada da revista Detective
Comics n° 39 republicada no

 
78 

livro The Batman Chronicles


Volume 2 (2006).

No quadro acima o nosso herói liberta os milionários seqüestrados. Um deles


afirma que quando dizia ao chinês que a polícia iria o prender ele apenas ria. Nesta frase o
termo usado no original não foi chinese e sim chinaman, traduzido aqui como chinês por
falta de termo mais apropriado em português, no entanto gostaria de enfatizar o caráter
pejorativo da palavra chinaman. O outro milionário completa: “Sim, ele disse que a polícia
provavelmente iria procurar gângsteres brancos e nunca suspeitar de um chinês de
seqüestro, muito esperto”.
O final desta história mostra uma mãe chinesa explicando à sua filha porque ela
deveria rezar pelo Batman: “(...) ele salvou muitas almas do nosso povo. Se não fosse por
ele o ópio as teria escravizado como fez em gerações passadas”.

Ilustração 32: imagem


retirada da revista Detective
Comics n° 39 republicada
no livro The Batman
Chronicles Volume 2
(2006).

Aqui nesta história percebe-se um conflito entre a representação do chinês que se


assimila na figura da família que reza por nosso herói e do imigrante criminoso da horda
do dragão verde.
Robert Park e Burgess (1921) conceberam a assimilação dos imigrantes como um
processo em quatro etapas: a rivalidade, o conflito, a adaptação e assimilação. Park

 
79 

concebia a assimilação dos imigrantes, rejeitando a noção de unidade nacional baseada na


homogeneidade racial.
Segundo Park e Burgess (1921), a noção de assimilação na acepção popular norte-
americana está diretamente ligada à questão da imigração e à sua incorporação na cultura
nacional. Esta noção popular compreende a cultura nacional como uma entidade
homogênea à qual o imigrante deveria integrar-se. No entanto a noção de assimilação para
estes autores refere-se à fusão entre culturas.

Assimilation is a process of interprenation and fusion in which persons and groups


acquire the memories, sentiments, and attitudes of others persons and groups, and, by
sharing their experience and history, are incorporated with them in a common cultural
life. In so far as assimilation denotes this sharing of tradition, this intimate participation in
common experience, assimilation is central in the historical and cultural processes30
(PARK ; BURGESS, 1921, p. 736).

A assimilação deveria ser promovida de forma indireta através da participação do


imigrante na vida social. Apesar de compreender a memória cultual do imigrante como
parte importante do processo de assimilação, este processo cumpriria-se com a segunda
geração desses imigrantes, os seus filhos nascidos nos Estados Unidos. Desta forma a
memória imigrante é entendida como parte do processo de adaptação para assimilação,
sendo mais tarde “naturalmente” esquecida. Essa noção fica mais clara a partir da seguinte
citação:

There is no process but life itself that can effectually wipe out the immigrant’s memory of
his past. The inclusion of the immigrant in our common life may perhaps be best reached,
therefore, in cooperation that looks not so much to the past as to the future. The second
generation of immigrant may share fully in our memories, but practically all that we can
ask of the foreing-born is participation in our ideals, our wishes, and our common
enterprises31 (PARK ; BURGESS, 1921, p. 740).

A partir da citação acima se nota que mesmo na concepção de assimilação como


fusão cultural destes autores, em contrapartida às noções de assimilação como
aculturação32 do imigrante a uma cultura nacional homogênea, o objetivo principal seria
fazer com que este imigrante compartilhe os ideais norte-americanos. Ou seja, nesta noção
                                                            
30
O trecho correspondente na tradução é: “A assimilação é um processo de interpenetração e fusão no qual pessoas e
grupos adquirem memórias, sentimentos e atitudes de outras pessoas e grupos, e, compartilhando sua experiência e
história, são incorporados em uma vida cultural comum. Porquanto a assimilação denota compartilhamento de
experiências, esta íntima participação na experiência comunitária, a assimilação é central para o processo cultural e
histórico”.
31
O trecho correspondente na tradução é: “Não há processo mas a vida em si que possa efetivamente apagar a memória
imigrante de seu passado. A inclusão do imigrante na vida comunitária pode talvez ser melhor alcançada, portanto, em
cooperação que olhe não tanto para o passado, e sim para o futuro. A segunda geração de imigrantes pode compartilhar
totalmente de nossas memórias, mas praticamente tudo o que nós podemos exigir do nascido no estrangeiro é a
participação em nossos ideais, nossos desejos e em nossos empreendimentos comuns”.
32
A aculturação seria o processo de transmissão de elementos culturais de um grupo cultural para outro (PARK ;
BURGESS, 1921).

 
80 

de “diálogo” ou fusão, em que há uma troca entre cultura de origem e cultura de adoção, o
imigrante é compelido a “naturalmente” deixar seu passado e sua memória.
Na Detective Comics n° 52 de 1941 temos novamente a presença de chineses e
mongóis, além de um personagem de participação secundária chamado Achmed, sobre o
qual não sabemos a nacionalidade, apenas que é vendedor em uma loja de antiguidades.
Achmed, assim como Mikhail, ajudante do Doutor Morte na DC n° 30, apelam a uma
representação genérica oriental do homem de turbante.

Ilustração 33: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 52
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 4 (2007b).

Nesta história de junho de 1941 aparece a máfia chinesa e a sua prática de extorsão
que alarma os moradores do bairro chinês.

 
81 

Ilustração 34: imagem retirada da revista Detective Comics n° 52


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 4 (2007b).

Diz o narrador: “Dias passam. Então, coisas estranhas acontecem no bairro oriental,
em lojas de chá, espaços de chop suey, lavanderias...” Esta é uma descrição interessante do
bairro e do tipo de função que os imigrantes chineses ali ocupam.

Ilustração 35: imagem retirada da revista Detective


Comics n° 52 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 4 (2007b).

No quadro acima o narrador descreve os donos de lojas que estão sendo


extorquidos como “inocentes”. Vemos então mais uma vez a figura do chinês inocente ou
confiável.
Comerciantes recorrem ao prefeito de Chinatown para escapar da máfia. Loo
Chung é o novo prefeito, substituto de Wong desde o seu assassinato. Batman então

 
82 

aparece neste encontro e promete acabar com a máfia, que seria comandada, de acordo
com a história, por um “descendente de Gengis Khan”.

Ilustração 36: imagem


retirada da revista Detective
Comics n° 52 republicada
no livro The Batman
Chronicles Volume 4
(2007b).

Transcrevo a fala dos dois personagens chineses do quadro acima: “Por muito
tempo o nosso povo não foi incomodado pelos bandidos de Khan, mas agora...”; “Agora
nós ouvimos que um Khan usa o anel aqui na América”. Eles se referem a um anel que
representa a descendência de Gengis Khan. Mas o mais importante desta fala é a idéia do
descendente que está na América e que de certa forma ameaça o padrão americano de vida
ou o american way of life.
Ao final Loo Chung, novo prefeito de Chinatown revela-se como o chefe da máfia
chinesa, traindo a confiança do Batman. Chung o prende em uma espécie de prisão
subterrânea e em sua fuga o Batman encontra um chinês idoso acorrentado sendo açoitado
por um mongol.

 
83 

Ilustração 37: imagem retirada da revista Detective Comics n°


52 republicada no livro The Batman Chronicles Volume 4
(2007b).

Batman encontra-se encurralado quando surge um pequeno dragão que assusta os


supersticiosos bandidos chineses. O dragão de fato era Robin usando uma fantasia, como
podemos ver nos quadrinhos abaixo.

Ilustração 38: imagem retirada da revista Detective Comics n° 52 republicada


no livro The Batman Chronicles Volume 4 (2007b).

 
84 

A última fala do Batman nesta história dirige-se ao velho chinês que ele libertou:
“Agora seu povo pode andar livre novamente como todos os homens deveriam”.
Nestas histórias do Batman vemos uma ambigüidade na representação do homem
oriental, ora retratado como confiável, ora como criminoso. Mas a ambigüidade maior
decorre do fato de que muitas vezes um mesmo personagem aparece como confiável e em
seguida ataca o herói, em uma representação do lugar de desconfiança que assume a figura
do imigrante, do “outro”, daquele que não se conhece ao certo. É como se o nosso herói,
por não dominar os códigos culturais destes imigrantes, incorresse no erro de confiar em
personagens como Loo Chung ou Sin Fang.
Em muito sentido essa histórias ajudam a construir uma noção estereotipada, uma
imprecisão dos grupos culturais, sejam chineses, hindus ou mongóis, inclusive em suas
representações imprecisas das especificidades culturais e nacionais de personagens como
Mikhail e Achmed, que ajudam a corroborar uma idéia geral de oriente ou orientalismo33
(SAID, 2007).
Por outro lado estas mesmas histórias reservam um espaço para os imigrantes em
vias de assimilação pela sociedade norte-americana, como no caso dos comerciantes de
Chinatown e da mãe e filha que rezam por aquele que vem libertar seu povo. O Batman,
assim como o Super-Homem são super-heróis que encarnam os ideais norte-americanos de
liberdade, e aqui nestas histórias pode-se perceber como o Batman em seu papel de libertar
o povo chinês, na alegoria do velho chinês acorrentado, representa um ideal de nação livre.
Esta alegoria aponta para o ideal de nação e a preocupação da época, compartilhada pela
Escola de Chicago, com a integração do imigrante a sua nova sociedade. Os Estados
Unidos nesse caso representa um lugar onde o imigrante pode ser livre, mas em
contrapartida precisaria abdicar de certos traços tradicionais, como o “anel de Khan” e
algumas de suas superstições. Estes quadrinhos demonstram o próprio conflito cultural por
que passa o imigrante e como a assimilação é um processo negociado em que alguns de
seus traços culturais tornam-se mais exaltados e outros esquecidos.
O tema da migração e assimilação compreende uma das principais preocupações da
Escola de Chicago de Sociologia, corrente de pensamento a que esta pesquisa recorre como
forma de teorizar a produção do imaginário urbano nos quadrinhos do Batman. A cidade
                                                            
33
Orientalismo define a visão eurocêntrica que trata de forma indistinta as culturas ditas orientais, representando toda
uma vasta de gama de culturas e sociedades “fora” do contexto ocidental e europeu sob o signo homogêneo do
orientalismo. Há na construção desta representação imprecisa e unívoca do que seria o Oriente mecanismos implícitos de
dominação que podem ser encontrados em várias esferas, inclusive na literatura ocidental, como nos demonstra Said
(2007), desde Homero a Flaubert. Nos quadrinhos do Batman essas representações imprecisas são abundantes.

 
85 

de Gotham é composta por bairros imigrantes e em muito sentido detém o imaginário


norte-americano de um melting pot34 cultural que teria dado origem à nação.
A representação da cidade dividida em bairros étnicos faz parte de um claro período
histórico por que passou os Estados Unidos e esse momento histórico reflete-se tanto nas
histórias em quadrinhos quanto nas teorias sociológicas. A cidade de Gotham representa os
problemas das metrópoles de sua época, principalmente as cidades do contexto norte-
americano, abaladas pela grande depressão de 1930 e as fortes ondas de imigração
ocorridas ao longo do século XIX e início do XX.
A questão do espaço territorial que os imigrantes ocupam nos quadrinhos do
Batman é bastante interessante. A noção de gueto como trabalhada por Louis Wirth (1966)
compreende a noção de segregação espacial e social. O gueto representa não apenas um
distanciamento físico como também social. Temos aqui o caso de Chinatown no Batman e
mesmo o beco ou gueto Hogan no menino amarelo.
No texto The Asimmilation of Races (1921), Park considera a assimilação como um
processo natural e espontâneo em que indivíduos adquirem a língua, as atitudes, hábitos e
formas de comportamento de outro grupo social. No entanto este processo não exige a
criação de uma homogeneidade cultural neste grupo social maior. Portanto este autor inclui
também a contribuição do imigrante no grupo social que o adota.
Para este autor a assimilação seria também um processo de emancipação do
indivíduo através da quebra dos laços tradicionais. A homogeneidade metropolitana que o
imigrante haveria de assumir, segundo Park (1921), seria algo bastante próximo da
discussão de individualidade em Simmel (2006), como veremos mais detalhadamente no
capítulo 4. A assimilação exige uma outra espécie de homogeneidade, aquela do laissez-
faire ou laissez-aller da ação individual. Portanto, qual seria a homogeneidade ou
característica dos metropolitanos? Propriamente a obliteração de signos de casta e classe
que permitem a liberdade de ação do indivíduo, uma espécie de homogeneidade que
remove o tabu social e permite que o indivíduo transite entre diferentes grupos (PARK,
1921). Esta é a discussão de impessoalidade e individualismo como vimos em Simmel
(2006). Em uma releitura de Park a partir de Simmel, afirmo que a noção de
homogeneidade que o imigrante deveria abraçar seria esta de impessoalidade,
individualidade e liberdade.
                                                            
34
Segundo Park e Burgess (1921) a noção da assimilação como popularmente concebida nos Estados Unidos foi
simbolicamente expressa na parábola do melting pot ou de uma espécie de caldeirão de misturas culturais e raciais.

 
86 

Seria através da impessoalidade como algo que homogeneíza que se atingiria a


capacidade de convivência entre diferentes grupos culturais e sociais na metrópole. No
entanto a cor da pele, segundo Robert Park, mesmo sendo um fator puramente externo
torna-se um obstáculo para a assimilação de certos grupos, mais precisamente orientais e
negros. As citações abaixo reiteram esta idéia.

In America it has become proverbial that a Pole, Lithuaniam, or Norwegian cannot be


distinguished, in the second generation, from an American born of native parents35
(PARK, 1921, p. 757).

(…) the chief obstacle to the assimilation of the Negro and the Oriental are not mental but
physical traits. It is not because the Negro and the Japanese are so differently constituted
that they do not assimilate36 (PARK, 1921, p. 760).

The fact that the Japanese bears in his features a distinctive racial hallmark, that he wears,
so to speak, a racial uniform, classifies him. He cannot become a mere individual,
indistinguishable in the cosmopolitan mass of the population, as is true, for example, of
the Irish, and, to a lesser extent, of some of the other immigrant races37 (PARK, 1921, p.
761).

A raça seria um fator que distingue e dificulta a impessoalidade e, portanto, a


assimilação dos negros e orientais.
O Sociólogo Emory Bogardus (apud COULON, 1995), estudando a imigração
japonesa nos Estados Unidos, utiliza-se do ciclo de assimilação de Park e o define em sete
etapas, rejeitando a idéia de assimilação. A sétima e última etapa seria a da segunda
geração de imigrantes, transformada em híbridos culturais. Autores como Frank Frazier
(apud COULON, 1995) e William Brown (apud COULON, 1995) também rejeitam a
noção de assimilação ao estudar os negros nos Estados Unidos. Segundo eles os negros
tornam-se aculturados, mas não são de fato assimilados já que não têm igualdade de
direitos.
Mas o que os quadrinhos do Batman nos revelam sobre estas teorias? Chineses e
orientais chegaram aos Estados Unidos, assim como o irlandês, ao longo do século XIX,
mas ainda no século XX são vistos como o “outro”. Esta questão da não-assimilação
estaria ligada à representação racial?

                                                            
35
O trecho correspondente na tradução é: “Nos Estados Unidos tem se tornado proverbial que poloneses, lituânios ou
noruegueses não se podem ser distinguidos em sua segunda geração de um americano nascido de pais nativos”.
36
O trecho correspondente na tradução é: “O maior obstáculo para a assimilação do negro e do oriental não são questões
mentais, mas físicas. Não é porque o negro e o japonês são tão diferentemente constituídos que eles não são assimilados”.
37
O trecho correspondente na tradução é: “O fato de que os japoneses carregam uma distintiva marca racial, que ele
veste, por assim dizer, uma veste racial que o classifica. Ele não pode ser tornar um mero indivíduo indistinto na massa
da população metropolitana, como acontece, por exemplo, com o irlandês e em uma menor extensão com outros grupos
de imigrantes”.

 
87 

Em 1849 acontece a primeira onda de migração chinesa, trazidos como mão de obra
barata para trabalhar principalmente em minas de ouro e construção de ferrovias. Apesar
de em 1872 ter sido proibida a importação da mão de obra braçal chinesa , em 1882 já
havia 130 mil chineses no país. Esse ano representou um marco da imigração chinesa nos
Estados Unidos: 39 mil chineses migraram para o país somente neste ano. O movimento
anti-migração chinesa tomou força na medida em que muitos trabalhadores organizados
passaram a reclamar do fato de que a mão-de-obra chinesa seria muito barata e que a sua
concorrência seria desleal. Neste mesmo ano, 1882, a imigração chinesa especializada e
não-especializada foi proibida. Esta proibição somente foi revogada em 1902
(BOGARDUS, 1919).
Vimos com Appel e Appel (1994) como o irlandês foi caricaturado de forma
estereotipada até haver a suavização e mesmo o declínio de sua representação em cartuns.
Para estes autores o declínio foi um processo natural da assimilação. A partir do momento
em que são assimilados deixam de ser exóticos e ameaçadores, e por isso passam a ser um
objeto caricatural menos interessante.
Os chineses, hindus e mongóis são representados no Batman sem características de
beleza, ao contrário dos heróis Batman e Robin. A cor da sua pele é visivelmente diferente.
Essa questão fica mais evidente a partir do momento em que Sheldon Lenox, na DC n° 35,
passa-se pelo chinês Sin Fang utilizando luvas amareladas, como esclarece o próprio
Lenox.
Embora os chineses tenham sido vítimas de cartuns durante o século XIX, assim
como os irlandeses, os primeiros continuam a ser representados como imigrante na década
de 1930 e 1940, como demonstrado a partir dos quadrinhos do Batman. Segue abaixo
cartum da Puck de 1887 criticando a imigração chineses, tratada como “o problema
chinês”.

 
88 

Ilustração 39: cartum da Puck publicado em 1887. (Fonte: Immigration and


Caricature: Ethnic Images from the Appel Collection. Disponível no site do
Michigan State University Museum
http://museum.msu.edu/Exhibitions/Virtual/ImmigrationandCaricature/).

Temos na imagem um chinês e um índio olhando cartazes na parede, onde pode-se


ler: “Proibição da imigração chinesa”; “Os chineses devem ir embora”. Acima deles uma
locomotiva corre com um índio para a direita da imagem, escrito “vá para o oeste”,
enquanto outra locomotiva corre para a esquerda com um chinês atrás, desta vez escrito
“vá para o oriente”. Porque houve o declínio da representação gráfica estereotipada do
irlandês, mas o mesmo não aconteceu com o chinês? As teorias de Park e Bogardus
apontam para a questão racial.
Os quadrinhos tratados aqui constroem noções étnicas estereotipadas em que o
traço do chinês muitas vezes fica entre o realismo, estilo característico dos quadrinhos de
super-aventura, e a construção caricata destes imigrantes.

 
89 

Os quadrinhos do Batman demonstram o conflito tanto entre imigrantes e


estabelecidos, como entre os imigrantes que vivem os conflitos do processo de assimilação.
Este conflito é mais evidente na filha, imigrante de segunda geração que reza com a sua
mãe, assim como no velho chinês libertado. Neste processo há um esforço que exige a
revisão de certos valores e a adoção de outros, aqueles, como colocado por Park (1921), de
participação na vida social e compartilhamento de ideais norte-americanos. Nestas
passagens o Batman surge como aquele que liberta e assegura o direito de liberdade ao
povo chinês. Esta noção de liberdade relaciona-se com a noção de liberdade metropolitana,
utilizando aqui a noção de assimilação e liberdade em Robert Park (1921). É então no
espaço urbano impessoal que age o Batman, efetivando o direito de liberdade do povo
chinês, realizando o próprio ideal norte-americano maior.

4.1.2 O tema da imigração no Super-Homem

A esta altura o leitor pode estar se perguntando sobre o tema da migração nos
quadrinhos do Super-Homem, outro super-herói que luta por liberdade nos moldes do
american dream. Nas histórias dos primeiros anos de vida deste super-herói a presença da
migração é muito pequena, quiçá nula. Em um ou outro quadrinho vemos surgir um
imigrante. Cito a breve passagem de um personagem na Action Comics n°3. Esta história
mostra o desabamento em uma mina de carvão e a ação de nosso herói salvando os
trabalhadores soterrados. Em meio aos escombros o Super-Homem encontra Stanislaw
Kober, resgatando-o. Este personagem é claramente reconhecido como imigrante não só
por seu nome como por sua fala. No hospital, depois de saber que ficaria para sempre
aleijado por conta do desabamento, Kober afirma: “Meses atrás nós sabia a mina é
insegura – mas quando nós fala aos supervisores do chefe eles dizem: ‘não gosta trabalho,
Stanislaw? Pede demissão!’ ”; “Mas nós não demite – tem mulher, crianças, contas! Então
de volta nós temos que ir para a mina e longas horas de trabalho e pouco pagamento... e
talvez para morrer!”38. O dono da mina, em entrevista a Clark Kent afirma que Kober não
tem direito a pensão apesar de ter ficado aleijado em serviço. O imigrante é representado

                                                            
38
Cito a fala original: “Months ago we know mine is unsafe - - but when we tell boss’s foremen they say: ‘no-like job,
Stanislaw? Quit!’ ”; “But we no-quit – got wife, kids, bills! So back we go to mine an long hours an little pay… an
maybe to die!”.

 
90 

aqui como o trabalhador explorado. Um homem honrado e trabalhador, muito diferente da


representação ambígua que o imigrante assume no Batman.

4.1.3 Super-Homem: o imigrante intergaláctico

A relação do Super-Homem com a migração é muito forte a despeito da rara


presença de personagens estrangeiros em suas histórias. Não é de se admirar que dois
garotos filhos de imigrantes judeus criados nos Estados Unidos construíssem
representações simpáticas a imigrantes, vistos aqui como trabalhadores. O Super-Homem é
o próprio imigrante intergaláctico, vindo de outro planeta em um cápsula.
Os primeiros quadros da primeira história em quadrinhos do Super-Homem, a
Action Comics n° 1, contam que conforme um planeta distante era destruído um cientista
colocou seu filho, ainda bebê, em uma cápsula espacial lançada em direção à Terra. A
criança teria sido encontrada e levada a um orfanato. Desde cedo esta criança teria
superforça e em sua maturidade tornou-se o Super-Homem.

Ilustração 40: imagem retirada da revista Superman n° 1 republicada no


livro The Superman Chronicles Volume I (2005).

Na revista Superman n°1, de julho de 1939, a origem do nosso herói é recontada


com acréscimos de detalhes: seu planeta original seria Krypton e ele teria sido achado por

 
91 

um casal de idosos, os Kent, que depois de o terem levado ao orfanato resolveram retornar
e o adotar.
Essa história nos lembra alguma coisa? De certa forma remete à viagem dos
imigrantes que tiverem que cruzar o mar até o novo mundo, reverberando em uma
experiência e imaginário mítico da construção dos Estados Unidos como nação multi-
cultural. Autores como Umberto Eco (2008) ou Sérgio Augusto (1971), por sua vez,
remontam a construção do Super-Homem como um mito moderno que recorre a esquemas
e heróis da mitologia clássica. O Super-Homem venceria qualquer herói grego, de Hércules
a Sansão, além de ter uma moralidade messiânica. O Super-Homem em sua cápsula
assemelha-se a Moisés, o profeta judeu que quando bebê também foi colocado em uma
cápsula para ser levado pelas águas do Nilo.
O Super-Homem é um mito moderno que representa a moralidade bem como os
ideais norte-americanos de liberdade e assimilação. Ele é o imigrante intergaláctico
símbolo da cidadania e do sucesso dos não-nascidos nos Estados Unidos que foram
assimilados e integrados a essa sociedade. O Super-Homem, mesmo não tendo nascido nos
EUA, é patriótico e superamericano em suas ações e ideais. Ao mesmo tempo em que
representa o ideal da assimilação, nosso herói representa o sucesso máximo desta. Apesar
do tema da migração não estar presente de forma explícita no Super-Homem através da
constante presença de personagens imigrantes, a construção do personagem principal
reflete o próprio ideal da assimilação.

4.2 Crime

Neste tópico interessa compreender que tipo de cidade é representada através dos
crimes nas histórias em quadrinhos do Batman e Super-Homem. O que seria à primeira
vista uma simples separação entre cidades pela questão do dia e da noite, revela
representações complexas que vão além da idéia de Gotham ser noturna porque seu
personagem principal é um morcego: o tipo de crime que toma lugar em uma cidade como
Gotham é de caráter diferente do tipo de crime em Metrópolis. As diferenças entre as
referidas cidades extrapolam a mera noção de representações de cidades em seu período
diurno ou noturno. A própria frase "Metropolis is New York in the daytime; Gotham City is

 
92 

New York at night" tem sido atribuída ao famoso roteirista e desenhista de quadrinhos
Frank Miller.
É claro que os períodos do dia diferenciam o caráter dos espaços. Determinado
espaço não é o mesmo de dia e de noite, assim como qualquer cidade não é a mesma de
sábado à noite em uma segunda pela manhã. No entanto a representação de Gotham e
Metropolis diverge em muitos outros aspectos, como na própria questão de que tipo de
crime, criminoso e vítima existem nestas histórias em quadrinhos. Nunca é demais
salientar como o crime é importante para as narrativas de superaventura em quadrinhos. É
a partir de um problema que o super-herói tem que inexoravelmente resolver que a história
desenvolve-se, geralmente este problema é um crime.
Para uma análise inicial comparativa de que tipos de crime/problema que o super-
herói tem que solucionar, cito as primeiras cinco histórias do Batman e Super-Homem
como uma forma de traçar um panorama que possibilite uma identificação de que tipos de
crime ocorrem em cada uma destas cidades. Em seguida faz-se uma abordagem mais
específica de casos que exemplificam melhor estas diferenças.
Na revista Action Comics n° 1 o Super-Homem impede um marido de bater em sua
esposa e convence o governador da inocência de uma outra mulher que teria sido
condenada à pena de morte.

Ilustração 41: imagem retirada da revista Action Comics n° 1 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume I (2005).

Na Action Comics n° 2 nosso herói convence um lobista da indústria de armas a


parar de financiar uma guerra na América do Sul. Por meio da força ele leva este lobista a

 
93 

se alistar e lutar na guerra, este mesmo homem afirma ter começado a odiar guerras e no
próximo quadro vemos este personagem retornando para os Estados Unidos convencido a
não mais fabricar armas.
Na Action Comics n°3 ele convence um dono de mina a melhorar as condições de
segurança e trabalho. Ele consegue tal feito colocando o dono da mina em uma situação de
desabamento.
Na Action Comics n°4 ele testemunha um atropelamento correndo para salvar o
motorista de uma tragédia maior. Em seguida ele escuta o plano de um treinador de um
time de futebol americano para seqüestrar dois jogadores do time adversário. Super-
Homem assume a posição de um destes jogadores, ganha o jogo e ameaça expor o
treinador do time adversário se ele não pedir demissão após o jogo, o que ele faz.
Na Action Comics n ° 5 o nosso herói fica sabendo da notícia de uma represa em
iminente rompimento. Durante a viagem para salvar a represa e a vida dos moradores
próximos ele também evita que uma ponte caia enquanto um trem passava sobre ela. Ele
não consegue impedir que a represa rompa, mas consegue retardar o processo, fazendo
com que a cidade próxima seja evacuada.
Em uma breve análise destes cinco exemplos de crime/problema pode-se observar
que Metropolis tem como um dos seus maiores desafios o crime de dimensão moral e
problemas advindos da modernidade tecnológica, como atropelamentos, quedas de pontes
e rompimentos de represas. O Super-Homem sempre consegue converter o criminoso à sua
moralidade, o que veremos, não acontece no Batman.
Já na primeira história em quadrinhos do Batman, a Detective Comics n° 27, a
história desenvolve-se a partir de séries de assassinatos que se descobre mais tarde estão
ligados a uma sociedade de indústrias químicas. Um dos sócios estava matando os outros.
Ao final o sócio que havia planejado os crimes tenta atirar no Batman, mas leva um soco e
cai em um tanque de ácido. Abaixo vemos a capa da primeira história em quadrinhos do
Batman com gângsters armados.

 
94 

Ilustração 42: capa da revista Detective Comics n°


29 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

Na Detective Comics n° 28 os jornais anunciam ter acontecido o quinto roubo de


jóias de mais de cem mil dólares. O Batman prende a gangue de ladrões e faz com que o
seu chefe confesse por escrito todos os seus crimes, em seguida ele é deixado amarrado na
porta da delegacia.
Na Detective Comics n° 29 o nosso herói luta contra o Doutor Morte que
desenvolveu uma espécie de gás mortífero. Há um incêndio no laboratório do Doutor
Morte com este dentro. Em chamas o Doutor Morte começa a gargalhar e chama o Batman
de tolo. O Batman, que consegue escapar do incêndio, responde: “Você é o tolo! Ele
enlouqueceu!”.
Na Detective Comics n° 30 acontecem assassinatos e roubos de diamantes que o
nosso herói descobre terem sido orquestrados pelo Doutor Morte, aquele que supostamente
havia morrido na história em quadrinhos anterior. Batman recupera os diamantes e deixa o
Doutor Morte amarrado no chão para ser preso pela polícia.
Na Detective Comics n° 31 o Batman luta contra “o monge louco”, que é definido
como “um homem com espantosas habilidades e cujo cérebro é produto de anos de estudos
intensos e isolamento”.

 
95 

Em uma análise rápida sobre os tipos de crime em Gotham pode-se perceber a


questão das gangues e crime organizado, bem como a questão do crime relacionado a
loucura ou perturbação mental.
Em linhas gerais, portanto, podemos separar Gotham como a cidade das gangues,
crime organizado e loucura, enquanto Metropolis seria a cidade de problemas técnicos e
crimes morais.

4.2.1 Metrópolis: o crime moral e os problemas técnicos

O crime em sua dimensão moral no Super-Homem é sempre resolvido pelo


convencimento que o nosso herói empreende, mesmo que muitas vezes através da
persuasão física como no caso em que ele bate em um homem que batia em uma mulher ou
mesmo quando ele obriga um lobista a se alistar na guerra. A questão é que nosso herói
sempre consegue a conversão dos criminosos ao cumprimento de sua moralidade. Há aqui
a vocação messiânica deste super-herói.
Em uma época de dessacralização e perda de referências religiosas eis que surge
um mito moderno. Segundo Umberto Eco (2008), a crise do sagrado vivida por nossa
época advém da perda de símbolos objetivos e universais. Esta perda manifesta-se nas mais
diversas esferas, desde a religiosa até a artística. A arte moderna teria perdido a sua
universalidade, transformando-se em produtora de símbolos subjetivos e particulares,
compartilhável entre poucos.
A cultura de massa, no entanto, desempenha o papel de reconstituir essa
universalidade do sentir e do ver perdida por outras esferas antes detentoras da capacidade
de construção de um discurso de grandes narrativas de explicações universais e
totalizantes. O mito do Super-Homem, como um produto da cultura de massa, representa
um mito moderno capaz de projetar as imagens e anseios da sociedade moderna. Entre
outros valores sociais, há nos quadrinhos do Super-Homem a manifestação de símbolos
religiosos. Basta lembrar que nosso herói foi decalcado em heróis do passado, como
Hércules e Aquiles, além de apresentar várias características das religiões judaica e cristã.
Assim como Moisés, o messias levado rio abaixo em um cesto, o Super-Homem foi
enviado em uma cápsula espacial do seu planeta de origem, Krypton, até a Terra.

 
96 

Kal-El [nome do Super-Homem em seu planeta natal] veio de um mundo edênico, veio do
céu, Cristo às avessas. Como Rômulo-Remo, Perseu, Zeus, Dionísio, Fleur de Marie
(lembram-se Eugène Sue?), Tarzan e os gêmeos da Tour de Nesle, e outras tantas crianças
de messiânica dinastia, foi salvo por acaso (AUGUSTO, 1971, p. 29-30).

O Super-Homem é uma espécie de messias moderno enviado de outro planeta com


a missão de nos salvar através da instituição de valores morais impregnados de valores e
símbolos religiosos. Iuri Reblin explica que Kal-El, o nome do Super-Homem em seu
planeta de origem, significa em hebraico “tudo isso é Deus”!

Toda a origem do personagem [Super-Homem] é inspirada em elementos e estruturas


atinentes à crença judaico-cristã da vinda do Messias. Superman é um enviado de outro
mundo, com poderes sobre-humanos, para lutar pelos ideais morais e religiosos que são
caros pelo povo (REBLIN, 2010, p. 20).

O Super-Homem é uma personagem imbuída de valores morais salvadores e suas


missões geralmente têm um desenvolvimento moral. A outra questão ou problema que este
super-herói enfrenta são os atropelamentos, quedas de pontes, rompimentos de barragens e
outros tipos de problemas técnicos típicos do cotidiano das grandes metrópoles.
A noção de risco nas cidades modernas assume um caráter aleatório e técnico.
Qualquer um pode se tornar vítima ou estatística de acidentes, caracterizando o que Ben
Singer (2001) chamou de aleatoriedade da morte na metrópole moderna. Este autor
demonstrou como o surgimento do sensacionalismo em jornais e revistas da virada do
século XIX para o século XX estava intimamente relacionado com a representação da
morte diante das transformações técnicas e sociais advindas da modernidade. Os jornais da
época reportavam as mortes e retratavam seus instantes através de ilustrações. Inicialmente
os casos mais recorrentes foram os de acidentes com bondes elétricos, logo substituídos
por carros.
Vimos como no Super-Homem os casos de acidentes envolvendo questões técnicas
geralmente estavam ligados à engenharia, no caso de pontes e barragens, ou transportes, no
caso de carros e trens. É curioso, no entanto, que mesmo o bonde tendo perdido espaço
para outros meios de transporte ao longo do século XX, a Action Comics n° 7, de 1938,
apresenta em seu quadrinho inicial uma imagem do Super-Homem levantando um bonde
sobre seus trilhos. No entanto a guerra do nosso herói sempre teve como alvo os acidentes
causados por automóveis, como demonstra a recorrência do tema em várias histórias.

 
97 

Ilustração 43: imagem retirada da revista Action Comics n° 7 republicada no livro


The Superman Chronicles Volume I (2005).

O automóvel é fruto da Segunda Revolução Industrial, que teve início a partir da


segunda metade do século XIX. Este objeto tornou-se um dos símbolos do século XX,
representando ideais de ciência, progresso, velocidade, mobilidade e modernidade. Além
de ter todas estas noções associadas, o automóvel era antes de tudo um meio de transporte
individual, em contraste com o bonde, por exemplo, e desta maneira associava-se ainda
com a idéia de liberdade e mobilidade individual.
Em contraponto a estas noções positivas atribuídas ao automóvel e ao
desenvolvimento técnico, outra noção, a de risco ou perigo, também fazia parte de um
imaginário social sobre este meio de transporte.
No Super-Homem os acidentes de carro são grandes males a serem combatidos. Já
na Action Comics n° 4 de 1938 pode-se observar o perigo dos motoristas bêbados e a
formação de multidões assustadas em torno dos atropelamentos. Na figura abaixo que
mostra um atropelamento de um pedestre lê-se: “Empolgado por velocidade demoníaca,
um bêbado e irresponsável motorista corre rápido – e mais rápido, até que!
Abruptamente... Um grito estridente... Um forte impacto – Ele bateu em um pedestre!
Irracionalmente assustado, o motorista pressiona seu carro a grande velocidade, e escapa
aterrorizado de sua cena do crime!”.

 
98 

Ilustração 44: imagem retirada da revista Action Comics n° 4 republicada no livro The
Superman Chronicles Volume I (2005).

Em seguida uma multidão se forma em torno do atropelamento, um homem


comenta que a vítima está em agonia, enquanto outros pedem por uma ambulância. O
Super-Homem segue o motorista que quase causa um acidente com um trem. Vemos
abaixo a multidão em volta do acidente.

Ilustração 45: imagem retirada da revista Action


Comics n° 4 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume I (2005).

A questão dos automóveis nos quadrinhos do Super-Homem fica mais evidente na


história publicada em 1939 na revista Action Comics n° 12. Esta história inicia-se com uma
aglomeração na frente do prédio do Daily Star, jornal em que trabalha Clark Kent. O nosso

 
99 

herói, em seu papel de Clark Kent, aproxima-se da multidão e pergunta o que teria
acontecido, um homem responde que “alguém foi atropelado por um motorista
imprudente”. Clark abaixa-se perto do corpo enquanto a multidão permanece em pé e um
homem pergunta: “ele era um amigo seu?”, nesse momento Clark Kent se dá conta de que
conhece a vítima e responde: “Santo Deus! Charlie Martin – Morto!”. Vemos abaixo dois
quadrinhos do atropelamento.

Ilustração 46: imagem retirada da revista Action Comics n° 12 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume I (2005).

Em seguida Clark Kent, em seu papel de cidadão comum, telefona para o prefeito e
pergunta por que a sua cidade tem uma das piores situações de trânsito no país. O prefeito
concorda que o trânsito é mesmo muito ruim, mas questiona: “o que se pode fazer?”
Clark resolve fazer alguma coisa, mas não sem antes colocar as vestes do Super-
Homem, demonstrando que o que o homem comum não consegue resolver diante da
burocratização do mundo de fato se torna, para usar o bordão, “um trabalho para o Super-
Homem”.
Nosso herói invade o estúdio de uma rádio para fazer um anúncio: “Atenção
cidadãos desta cidade! Um aviso do Super-Homem – prestem bastante atenção! As taxas
de morte por acidentes de carro desta comunidade é algo que deveria envergonhar a todos
nós! Está constantemente crescendo e é inteiramente devido aos motoristas imprudentes e à
ineficiência! Mais pessoas foram desnecessariamente mortas por carros do que na Primeira
Guerra Mundial! A partir deste momento eu declaro guerra aos motoristas imprudentes – a
partir de agora, motoristas homicidas responderão a mim!”
Suas primeiras ações de “guerra” são destruir os carros do estacionamento
temporário de violadores do trânsito e de uma loja que vende carros usados em mal estado.

 
100 

Segundo nosso herói, estes carros usados são acidentes ambulantes. Em seguida o Super-
Homem posiciona-se no topo de um arranha-céu à procura de “violadores do trânsito”
quando enxerga um carro trafegando do lado contrário da pista com um motorista bêbado
dentro. Nosso herói para o carro e dá um grande susto no motorista pulando de uma ponte
com o carro suspenso no ar. O motorista promete não mais beber e em seguida desmaia
antes do Super-Homem o colocar em segurança de volta na rua.
Após recolocar este carro na rua, nosso herói é atropelado por um veículo em alta
velocidade que foge sem prestar socorro. O Super-Homem persegue o carro e os
tripulantes assustados pensam que ele é o fantasma do homem atropelado. O suposto
fantasma afirma que enquanto eles forem motoristas imprudentes ele os irá assombrar.
O nosso herói segue para uma indústria de carros com a intenção de questionar ao
seu dono o porquê de seus carros estarem envolvidos na maioria dos acidentes de trânsito.
O dono da indústria responde que seria apenas azar, enquanto o Super-Homem argumenta:
“Você mente! É porque vocês usam peças e metal inferior para gerar maiores lucros ao
custo de vidas humanas!”. O empresário responde que supondo que esse fosse o caso, o
que o Super-Homem poderia fazer a respeito? O Super-Homem então destrói os
equipamentos e maquinarias da fábrica.
Para finalizar sua “guerra contra motoristas imprudentes” nosso herói empreende
ainda uma reforma urbana, modificando o trajeto de uma via com curva. Abaixo vê-se uma
placa escrito “curva perigosa à frente”. O Super-Homem afirma: “Dizem que uma linha
reta é a distância mais curta entre dois pontos”. No último quadro os motoristas agradecem
ao Super-Homem que diz “dirijam em linha reta senhores, com os meus cumprimentos”.

 
101 

Ilustração 47: imagem retirada da revista Action Comics n° 12 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume I (2005).

Para finalizar suas ações o Super-Homem obriga o prefeito para ver os corpos de
vítimas do trânsito, afirmando que o prefeito os havia matado condenando-os à morte por
não ter tratado com seriedade as leis de trânsito. Enfim o prefeito assegura o Super-
Homem de que ele o havia mostrado um novo ponto de vista e que a partir de agora ele iria
fazer tudo o que lhe fosse possível para que as leis de trânsito fossem rigidamente
empregadas.
Esta história da Action Comics n° 12 é bastante interessante porque aqui temos o
Super-Homem enfrentando questões morais e técnicas ao mesmo tempo. Há uma falta de
cumprimento das leis de trânsito que se coloca no campo moral, desde os motoristas que
bebem e dirigem até o prefeito. Para estes temos ações morais desde “sustos” a
argumentações. Para as questões técnicas como traçados de ruas e fábricas que usam
materiais de segunda qualidade temos a intervenção técnica de um super-herói que é capaz
de em segundos abrir uma estrada sobre um morro ou destruir uma fábrica.

 
102 

4.2.2 Gotham: Crime organizado

Este tópico sobre o crime em Gotham inicia-se com a análise de duas histórias
emblemáticas que mostram o assassinato dos pais na origem do Batman e do Robin: a
Detective Comics n° 38 de abril de 1940, primeira aparição do Robin e a história “A Lenda
de Batman: Quem é ele e como surgiu” publicada na revista Batman n° 1 de 1940. Esta
última história conta como os pais de Bruce Wayne foram assassinados por um assaltante
quando voltavam para casa depois de uma sessão de cinema. O jovem Wayne testemunhou
o assassinato e mais tarde jurou lutar contra o crime, tornando-se o Batman quando adulto.
Vemos abaixo o assassinato. No último quadro o olhar do garoto que mais tarde vai se
tornar o Batman assiste à morte de seus pais diante de uma silhueta de cidade impassível
que se coloca ao fundo da cena.

Ilustração 48: imagem retirada da revista Batman n°


1 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

 
103 

Ilustração 49: imagem retirada da revista Batman n° 1 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

A Detective Comics n° 38 por sua vez mostra como o jovem Dick Grayson resolve
se tornar o super-herói Robin depois de também ter seus pais assassinados. Dick Grayson
trabalhava em um circo com seu pai e mãe até os dois morrerem em uma apresentação que
foi sabotada por gângsteres. Os pais do Robin (Dick Grayson) são mortos durante um
“acidente provocado” ou sabotagem durante uma apresentação por conta do dono do circo
não ter cedido à extorsão dos gângsteres.
Nestas duas histórias vemos como o assassinato dos pais é o arauto trágico que
transforma tanto Bruce como Dick em super-heróis. Para estes dois personagens o crime
específico (morte dos pais) é o evento que muda suas vidas e lhes dá existência enquanto
super-heróis. Na mesma medida os crimes em geral sustentam esta existência.
No quadro abaixo, à esquerda, aparece Dick ouvindo a ameaça dos gângsteres ao
dono do circo. Lê-se: “Se você pagar, a gente te protege, entendeu, Haly?”; “Sim, entendi!
Vocês são gângsteres! Estão me chantageando e eu vou chamar a polícia!”. No quadro à
direita lê-se: “Você não quer morrer, quer? Seja inteligente! Pague e evite acidentes no
show”, o dono do circo responde: “Pra fora! Pra fora” e o gângster conclui: “Ok, amigo! É
o seu funeral... ‘Acidentes’ irão acontecer!”.

Ilustração 50: imagem retirada da revista Detective Comics n° 38 republicada


no livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

 
104 

No quadro acima assistimos a um caso de extorsão do crime organizado. Segundo


Landesco (1968), o crime organizado em Chicago cresceu com a venda de bebida alcoólica
durante a Lei Seca, da exploração de jogos de azar, da relação com os políticos e a fraude
eleitoral, assim como por meio de chantagens e extorsões. Em seu início as extorsões eram
feitas com ameaças por cartas requisitando dinheiro a ser entregue em local e hora
determinados. Quando as vítimas não cumpriam o pagamento geralmente lhes eram
enviadas bombas. Landesco (1968) afirma que esta prática de chantagem por meio de carta
e bomba teria sido implantada nos Estados Unidos por imigrantes italianos que conheciam
o funcionamento da Mão Negra italiana, associação criminosa do sul da Itália. Nos Estados
Unidos Black Hand ou Mão Negra tornou-se o termo para este tipo de extorsão praticada
por pequenos grupos de imigrantes. O governo começou a investigar de forma mais firme
os correios e este tipo de crime tomou outra forma, passou a ser feito pessoalmente ou por
meio de telefonemas, e a represália às vitimas que se negavam a pagar gradualmente
deixou de ser feita por bombas e assumiu outro caráter como o de surras e assassinatos por
armas de fogo. As práticas de extorsão e “proteção” do crime organizado são herdeiras da
Mão Negra.
Em várias histórias do Batman aparecem organizações criminosas que se utilizam
destas práticas. Na Detective Comics n° 52, por exemplo, vemos a máfia chinesa cobrar
“proteção” de comerciantes de Chinatown. Na Detective Comics n° 40 o gângster Roxy
Brenner tenta chantagear um estúdio de filmagens cobrando por sua “proteção” ou
acidentes iriam acontecer.

4.2.3 Crime e Pertubação Mental no Batman

Gotham é uma cidade que tem desde pequenos grupos criminosos a grandes
organizações criminosas. Outra questão que se relaciona ao crime nesta cidade é a doença
mental. Não raro as organizações criminosas são comandadas por indivíduos com
perturbações mentais como veremos no caso dos vilões Doutor Morte e Coringa.
Faris e Dunham (1948) fizeram um interessante estudo sobre perturbações mentais
em áreas urbanas a partir da análise de casos de internações em instituições de saúde
mental na cidade de Chicago. Partindo de noções que relacionam grau de urbanização com

 
105 

desorganização social, tais autores lançaram indagações sobre a incidência da perturbação


mental na cidade de Chicago.

A relação entre urbanismo e desorganização social foi há muito tempo reconhecida e


demonstrada. Comparações grosseiras urbano-rurais das taxas de dependência, crime,
divórcio e abandono, suicídio e prostituição, mostraram que esses problemas são mais
sérios nas cidades, especialmente nas grandes cidades industriais em rápida expansão”
(FARIS ; DUNHAM, 1948, p. 406).

Para Faris e Dunham (1948) no entanto, o espaço urbano é heterogêneo, havendo


áreas com desorganização social enquanto outras seriam áreas estáveis e organizadas.
Utilizando do sistema de zonas concêntricas de Burgess, esses autores demonstraram como
a extrema desorganização estava limitada aos bairros próximos à área central da cidade,
mais especificamente à zona da hobohemia39, e a bairros de população pobre, negra e
imigrante. As maiores taxas de perturbação encontravam-se nestas zonas desorganizadas.
Há, portanto, uma diferenciação da vida mental e social na cidade que segue uma
lógica espacial.

Esta exposição estabelece definidamente o fato de que a insanidade, como outros


problemas sociais, se adapta à estrutura ecológica da cidade. Como tal a distribuição da
insanidade parece ser uma função do crescimento e expansão da cidade e mais
especificamente de certos tipos indeterminados de processos sociais (FARIS ; DUNHAM,
1948, p. 435).

Em Gotham City todo personagem rotulado de louco representa uma ameaça à


ordem, desde os maiores vilões a personagens secundários.
Na Detective Comics n° 36 somos apresentados ao Professor Hugo Strange,
definido pelo narrador da história como “o homem mais perigoso do mundo! Cientista,
filósofo e um gênio criminoso. Pouco se sabe sobre ele... Mesmo assim é, com certeza, o
maior estrategista do crime do mundo”, um homem com uma “brilhante mas distorcida
mente”.

                                                            
39
As zonas da hobohemia seriam distritos com aluguéis de baixo custo geralmente ocupados por hobos ou homens sem
domicílio fixo e grande mobilidade em busca de trabalho.

 
106 

Ilustração 51: imagem retirada da


revista Detective Comics n° 36
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Este vilão é o chefe de uma gangue que tem feito vários assaltos a bancos na
cidade. Seu esconderijo fica em um armazém próximo ao cais do porto. Neste ponto há a
aproximação com as teorias da Escola de Chicago inclusive com a noção da espacialização
da criminalidade e delinqüência em áreas industriais e comerciais. Abaixo vemos o
Batman no galpão lutando com os homens da gangue.

 
107 

Ilustração 52: imagem retirada da revista Detective Comics n° 36 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Na Detective Comics n° 36 de 1940 Hugo Strange é capturado e preso pelo Batman,


mas na história publicada na revista Batman n° 1 do mesmo ano Strange consegue fugir da
prisão e o primeiro passo de seu próximo plano passa pelo manicômio da cidade, onde ele
liberta todos os internos.

Ilustração 53: imagem retirada da revista Batman n° 1


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1
(2005).

 
108 

No primeiro quadro lê-se: “E mais uma vez o Professor Hugo Strange está livre
para executar seu próximo plano diabólico”; “Extra! O Professor Hugo Strange escapa da
prisão!”. No segundo quadro anuncia o narrador: “Na noite seguinte, no manicômio da
cidade...”; “Libertem todos, rápido!”; “Vamos, seus malucos!”.
Na mesma revista Batman n° 1 de 1940 são publicadas duas histórias com o
Coringa. Na primeira delas o narrador o descreve como “um mestre do crime” que
“aterroriza as ruas da cidade”. Nesta, que foi a primeira aparição do famoso vilão, o
Coringa anuncia previamente para toda a cidade, por meio do radio, vítima e horário em
que irá cometer seus crimes. Assim ele executa uma série de assassinatos deixando suas
vítimas mortas com um sorriso assustador. Nesta mesma história o Batman refere-se ao
Coringa como um maníaco. Ao final o nosso super-herói captura e deixa o vilão amarrado
na porta da delegacia.

Ilustração 54: imagem retirada da revista Batman n° 1 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

Na segunda história sobre o Coringa publicada na revista Batman n°1 ele consegue
escapar da prisão e volta a cometer seus crimes. Desta vez o narrador refere-se a ele como
maluco, enquanto o Batman o descreve como “um homem incomum! É astuto,
escorregadio e, acima de tudo, cruel!”. Ao final desta história o Coringa luta com o Batman

 
109 

e por engano esfaqueia-se a si mesmo. Nosso herói foge achando que ele estava morto. No
entanto ele fora levado por uma ambulância para um hospital.
Na revista Batman n° 2 de 1940 o super-herói descobre que o Coringa está no
hospital e resolve seqüestrá-lo antes que ele esteja forte o bastante para fugir. Mas qual
seria o plano do Batman? Precisamente seqüestrar e levar o Coringa a um famoso
especialista cerebral que o possa curar e transformar em um cidadão de valor40!
Nesta história surgem as noções mais interessantes sobre a loucura enquanto
problema e solução no Batman. Apesar de ter uma solução esboçada, o Coringa consegue
fugir antes de o Batman chegar ao hospital e junta-se a uma gangue, a Crime Syndicate Inc.
O que poderia ser mais perigoso que um louco nos quadrinhos do Batman? Um louco com
sua própria gangue.
A Detective Comics n° 41 demonstra o caráter potencialmente perigoso da loucura
nos quadrinhos do Batman. Esta história inicia-se com os dois quadrinhos abaixo. Lê-se:
“Um maníaco homicida escapou do asilo de loucos...”; “Hee! Hee! Me prender, eles irão?
Me chamam de louco, eh? Hee hee! Eu sou esperto o bastante para escapar!”; “Mais tarde,
no chão de uma elegante escola privada para garotos das redondezas, o supervisor escolar é
encontrado morto... estrangulado...”

Ilustração 55: imagem retirada da revista


Detective Comics n° 41 republicada no livro The
Batman Chronicles Volume 2 (2006).

A narrativa é construída de tal forma que em dois quadrinhos apenas o fugitivo do


“Asilo de Loucos” comete um assassinato. Mais adiante este mesmo personagem mata um
                                                            
40
Cito a fala do Batman no original: “My plan is to abduct the joker from the hospital before he becomes strong and wily
enough to slip through the hands of the police. Then we’ll take him to a famous brain specialist for an operation, so that
he can be cured an turned into a valuable citizen”.

 
110 

zelador da escola, ficando claro para o leitor que ele havia confundido tanto o supervisor
quanto o zelador com guardas do asilo enviados para prendê-lo. Mais adiante o Robin luta
com o “maníaco” e o prende.

Ilustração 56: imagem retirada da revista Detective


Comics n° 41 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 2 (2006).

Na imagem acima lê-se: “Repentinamente o louco vê o Robin e pula!”; “Outro!


Todos tentando me levar de volta. Eu escapei, mas você não escapará hee! Hee! Você não
escapará!”. Abaixo o Robin anuncia: “Ok amigo, parece que seus dias de esfaquear
acabaram!”

Ilustração 57: imagem retirada da revista


Detective Comics n° 41 republicada no

 
111 

livro The Batman Chronicles Volume 2


(2006).

A partir dos exemplos analisados pode-se perceber como a loucura está associada
ao crime e caracteriza, ao lado do crime organizado, um dos maiores perigos da cidade de
Gotham. Na passagem em que o Professor Hugo Strange manda soltar todos os loucos do
manicômio ele aterroriza a cidade com a idéia de homens com perturbação mental estão a
solta. Gotham seria um espaço da loucura em potencial, um espaço em que loucos estão
soltos?
Essa cidade com homens loucos soltos nas ruas de certa forma representa um medo
da cidade moderna em que se pode deparar a qualquer momento com um louco quando não
se sabe ao certo com quem lidamos no dia a dia em meio à multidão e ao anonimato.
Gotham pode ser vista assim como uma representação da cidade moderna como espaço da
loucura aos moldes da relação entre desorganização social, urbanização e perturbação
mental traçadas por Faris e Dunham (1948). A cidade como espaço em que a loucura,
assim como outros fenômenos ligados a desorganização social se agravam. Não por acaso
um destes outros fenômenos, segundo apontamentos de vários pensadores da Escola de
Chicago, seriam a criminalidade e a delinqüência.
As gangues enquanto crime organizado são grupos geralmente formados a partir de
pequenas gangues ou grupos de garotos de bairro. Estas gangues de bairro, no entanto, não
se assemelham em nada às gangues do crime organizado como era o caso da gangue de
Capone. É importante lembrar que em inglês o termo gang significa grupo, no entanto, em
seu uso moderno, está associado ao crime organizado. As gangues de garotos de bairro ou
de esquina41 (WHYTE, 2005) geralmente estavam ligadas aos índices de delinqüência e
envolvidas em pequenos crimes, embora algumas não fossem criminosas, culminando em
clubes atléticos ou políticos.

                                                            
41
William Foote Whyte (2005) lança em 1943 o livro Street Corner Society, defendido como sua tese de doutoramento
pela Universidade de Chicago, embora seu trabalho de campo tivesse sido desenvolvido durante a década de 1930 no
âmbito de um programa de bolsas da Universidade de Harvard. Foote Whyte etnografa de forma sensacional o bairro de
Eastern City, área pobre e degrada de Boston, majoritariamente habitada por imigrantes italianos, tendo sido
originalmente habitada por imigrantes irlandeses. Este bairro tinha um histórico de abrigar imigrantes e ocupava um lugar
bastante nebuloso na idéia dos americanos de classe –média. O bairro tinha uma imagem de lugar perigoso e com alta
criminalidade. Foote Whyte relata a existência de quatro tipos de organização no bairro: a gangue de esquina, o clube
organizado por “rapazes formados”, a organização mafiosa e a política partidária. Os dois primeiros abrigam os “peixes
miúdos”: os “rapazes de esquina”, que ocupam a posição mais baixa na hierarquia social, e os “rapazes formados”, que se
encontram em meio a trajetórias de ascensão social. Já os gângsteres e os políticos seriam os “peixes graúdos”, ocupando
o topo da hierarquia local. Whyte (ibid.) aponta que as organizações mafiosas se desenvolveram durante a Lei Seca,
começando atividades ilegais de venda de bebidas.

 
112 

4.3 Delinqüência

Veremos a seguir duas histórias em quadrinhos a partir das discussões sobre


delinquência da Escola de Chicago. O subtópico 4.3.1 intitulado Delinquência nos
quadrinhos do Super-Homem analisa a história deste super-herói publicada na Action
Comics n° 8 de janeiro de 1939, enquanto o subtópico 4.3.2 dedica-se à história The Crime
School for Boys publicada na revista Batman n°3 de 1940.

4.3.1 Delinqüência nos quadrinhos do Super-Homem

A revista Action Comics n° 8 inicia-se com a imagem do Super-Homem saltando


sobre um ônibus de dois andares com cidadãos que parecem entusiasmados com a sua
proeza. Ao fundo uma cidade próspera de arranha-céus modernos.

Ilustração 58: imagem retirada da revista Action comics n° 8 republicada no


livro The Superman Chronicles Volume 1 (2006).

Após este quadro de abertura há um corte e somos levados para uma “Seção da
Corte Juvenil” em que um Frankie Marello, um adolescente, está sendo acusado por
agressão.

 
113 

Ilustração 59: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Ao falar em sua defesa o garoto usa gírias o que leva o juiz a sentenciar: “Você fala
como um criminoso durão. Neste caso eu não tenho outra escolha a não ser...”. Neste ponto
a fala do juiz é interrompida pela mãe do garoto que afirma: “Claro que ele fala duro – o
que mais nós é42 ensinado, sua excelência – mas ele é apenas como os outros garotos em
nossa vizinhança... duros, ressentidos, desprivilegiados. Ele é meu único filho, senhor ele
poderia ter sido um bom garoto exceto por seu ambiente. Ele ainda pode ser – se você for
misericordioso!”.

Ilustração 60: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

O garoto Frank Marello, um provável filho de imigrantes, é sumariamente rotulado


por sua fala de “criminoso durão” ao mesmo tempo em que é considerado um produto do
                                                            
42
A frase original contém o erro gramatical proposital evidenciado pelo sublinhado: “What’s more he is tough” ao invés
de “What’s more he was tough”. Na versão em português optei por trocar o sujeito da frase ele por nós e assim conservar
o erro de concordância verbal.

 
114 

meio por sua mãe, embora ela veja possibilidades dele ainda se tornar um “bom garoto”.
Estudos da Escola de Chicago sobre delinqüência demonstram um padrão espacial deste
fenômeno que relaciona delinqüência a desorganização social, imigração e bairros
fisicamente deteriorados.
O Super-Homem está presente no julgamento como o repórter Clark Kent, ele
pensa consigo mesmo: “A mãe está certa! Mas se eu conheço a Corte da Lei... seu apelo
não tem uma chance!”. Ao final o garoto é condenado, mas o Super-Homem, com sua
super-audição escuta a conversa de quatro rapazes, amigos da gangue de Frankie. Ele
descobre que os garotos marcaram uma reunião à noite em um beco do seu bairro e o
Super-Homem resolve investigar. Vemos na imagem abaixo o nosso herói saindo de sua
janela passar pela imponente cidade de arranha-céus durante a noite para chegar a um
bairro pobre.

Ilustração 61: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Ao chegar ao bairro pobre ele observa de cima de um prédio velho a reunião e


descobre que um receptador de objetos roubados estava lucrando com os pequenos crimes
dos garotos. Abaixo vemos os garotos conversando em um beco do bairro.

 
115 

Ilustração 62: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Vemos abaixo outra imagem dos garotos entrando na loja do receptador.

Ilustração 63: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Landesco (1968) aponta que no mundo das gangues o assaltante é geralmente


condenado e o receptador fica com os bens. E é exatamente isso o que planeja fazer
Gimpy, o interceptador. Quando passa a sentir cobrança na participação dos lucros ele
planeja incriminar um a um dos garotos, como havia feito com o primeiro que foi
condenado, ligando para o polícia e delatando os roubos. O Super-Homem age dando uma
surra no interceptador, adjetivado pelo narrador como “um repugnante corruptor da
juventude”, avisando-lhe para sair da cidade em uma hora.
O Super-Homem corre para salvar os garotos de serem presos em flagrante em
roubos noturnos. Em vários quadros aparece a cidade de arranha-céus iluminada ao fundo,
uma cidade amarela e alaranjada mesmo à noite, ou ainda uma cidade de prédios altos e

 
116 

traçado retilíneo, como vemos nos quadros em que o nosso herói carrega os quatro garotos
no braço.

Ilustração 64: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Ilustração 65: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

 
117 

Ilustração 66: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Ilustração 67: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

As histórias do Super-Homem geralmente se passam na cidade imponente e


iluminada com grandes arranha-céus. No entanto, nesta história que se inicia na parte rica
da cidade vê-se a todo o tempo uma diferenciação do espaço urbano na medida em que o
Super-Homem vai ao slum e depois retorna à área rica para salvar os garotos e mais uma
vez retornar ao bairro pobre.
Depois dos garotos se converterem à moral do Super-Homem e resolverem se
tornar honestos, nosso herói afirma: “A culpa de vocês terem se tornado delinqüentes não é
inteiramente de vocês – são esses bairros pobres – suas condições pobres de vida – se
houvesse apenas uma maneira de eu conseguir remediá-la!”. A solução, no entanto, surge
assim que o Super-Homem lê uma manchete de jornal noticiando que o governo iria
reconstruir com projetos de moradia moderna áreas de uma cidade na Flórida atingida por
um ciclone.
Em seguida nosso herói manda todos os moradores saírem do bairro para executar o
seu plano que foi definido por ele mesmo aos garotos do bairro como: “Uma idéia! – Uma
maravilhosa, inspiração gloriosa! – Não se importem com os detalhes! – Agora faça
conforme eu digo!”. O Super-Homem literalmente ataca o slum ou bairro pobre. Ele
começa a destruir as casas enquanto os moradores assustados correm para as ruas
perguntando se seria um terremoto ou um furacão.

 
118 

Ilustração 68: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Nosso herói afirma nos quadros abaixo, enquanto derruba as casas do bairro:
“Então o Governo reconstrói áreas destruídas com apartamentos modernos para aluguel de
baixo custo? (...) Quando eu terminar, esta cidade estará livre de seus infestados,
criminosos e imundos bairros pobres43!”

Ilustração 69: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

                                                            
43
A versão original seria: filthy, crime, festering slums.

 
119 

Ilustração 70: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

O Super-Homem deixa o bairro em destroços e em algumas semanas o antigo


bairro pobre apresenta agora “enormes apartamentos projetados” em estilo moderno, como
vemos abaixo.

Ilustração 71: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Na imagem acima se lê: “Durante as próximas semanas, o entulho é limpo, pelotões


de emergência começam a eregir enormes apartamentos projetados... e em algum tempo os
bairros pobres são substituídos por esplêndidas condições de habitação”.
O último quadro desta história mostra o chefe de polícia, em entrevista com Clark
Kent, afirmando que: “Você pode dizer aos seus leitores que nós não pouparemos nenhum
esforço para prender o Super-Homem – mas cá entre nós... eu acho que ele fez uma coisa

 
120 

esplêndida e eu gostaria de lhe apertar a mão!”. Este quadro mostra, não por acaso, o chefe
de polícia apertando a mão do Clark Kent sem saber que este é o Super-Homem.

Ilustração 72: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

As conseqüências desta reforma urbana vão ser colhidas na história seguinte. Na


Action Comics n° 9 o Super-Homem passa a ser procurado, havendo inclusive uma
recompensa para quem o prender. Uma coletiva de imprensa foi chamada para o anúncio
do chefe de polícia: “Um homem com a posse de super-força chamado Super-Homem
destruiu nossa área de bairros pobres, causando apartamentos modernos em substituição a
habitações velhas e populosas”. Em resposta os repórteres comentaram: “Que bom!”; “O
mundo precisa de mais homens como ele!” e o chefe de policia responde: “Independente
dos seus motivos e de nossa aprovação pessoal, permanece o fato de que ele destruiu
intencionalmente propriedade pública e deve pagar a integridade da pena à lei como
qualquer outro transgressor!”
A sua reforma urbana, apesar de reprovada oficialmente é apreciada e aplaudida
pela população em geral, inclusive pelos homens da lei, como o chefe de polícia. Apesar de
ter feito algo ilegal a opinião pública está do lado do nosso herói. A questão da
delinqüência nesta história do Super-Homem está diretamente ligada ao ambiente urbano,
logo as soluções estão em projetos modernos para a cidade. Veremos a seguir como o
mesmo tema da delinqüência tem outras causas e outras soluções nos quadrinhos do
Batman.

 
121 

4.3.2 Delinqüência no Batman 

Na história The Crime School for Boys, publicada na revista Batman n°3, o Batman
luta contra a formação de uma escola dirigida por um criminoso para ensinar e inserir
crianças e adolescentes de um bairro pobre na vida do crime. Vemos abaixo a capa desta
história.

Ilustração 73: imagem retirada da


revista Batman n° 3 republicada no
livro The Batman Chronicles Volume
2 (2006).

Em uma de suas vigílias noturnas o Batman vê a gangue acima roubando um


galpão. Ao lutar com estes criminosos o nosso herói impressiona-se ao encontrar um jovem
garoto entre o bando. O garoto foge mas o Batman o segue sorrateiramente até um velho e
abandonado galpão na área pobre da cidade ou, segundo o narrador, “the slum section of
the city”.

 
122 

Ilustração 74: imagem retirada da revista Batman n° 3 republicada


no livro The Batman Chronicles Volume 2 (2006).

Dentro deste galpão o criminoso chamado Pockets ensina garotos a retirar carteiras
da calça de transeuntes, além de prometer aos seus melhores pupilos serem inseridos na
famosa gangue do Big Boy Daniel’s.

Ilustração 75: imagem retirada da revista Batman n° 3


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 2 (2006).

Mais tarde em sua casa o Batman explica ao Robin porque não encerrou
prontamente com a escola: “Mesmo que eu entregasse o professor a para a polícia isso não

 
123 

faria com que os garotos parassem de admirar criminosos. Nós temos que ser sutis (...).
Nós temos que fazer com que esses garotos odeiem o crime e a maldade, e não admirarem
um gângster extorsionário como o Big Boy Daniels, que provavelmente é o ideal deles”. O
Batman, portanto, alugou um velho celeiro no bairro pobre e resolveu abrir um ginásio
para as “as crianças desprivilegiadas desta vizinhança”. Além de tudo Dick Grayson, o
Robin, passou a freqüentar o bairro e o ginásio, de início ele chegou a brigar com um
garoto que se disse ser “o chefe do quarteirão”, como vemos em sua primeira chegada ao
bairro, no quadrinho abaixo.

Ilustração 76: imagem retirada da revista Batman n° 3


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 2
(2006).

Na imagem abaixo, em que o Dick Grayson luta com o “chefe do quarteirão”


vemos mais claramente como o bairro pobre está localizado em uma zona portuária.

 
124 

Ilustração 77: imagem retirada da revista Batman n° 3


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 2
(2006).

Em seguida Dick faz amizade com todos os garotos e lhes passa a servir de
exemplo, convidando-os para o ginásio e lhes ensinando através do esporte a serem o que
este personagem considera como honestos: jogar o “fair play” ou jogo limpo.

Ilustração 78: imagem retirada da revista Batman n° 3 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 2 (2006).

No entanto, mesmo que em menor freqüência, os garotos continuavam indo à


“escola do crime”. O Batman então entra em ação na noite em que o Big Boy Daniels
resolveu fazer uma visita à escola para recrutar alguns garotos. Nosso herói acaba com a
gangue do Big Boy e humilha o seu chefe na frente das crianças ao o convidar para uma

 
125 

luta sem armas. Big Boy Daniels, ao perceber que estava perdendo a briga saca um
revólver. Assim as próprias crianças se viram contra os gângsters ao perceber que eles não
usam de “fair play” em suas lutas.
Ao final as crianças decepcionam-se com a vida de crimes e resolvem seguir uma
vida honesta, além de continuarem a freqüentar o ginásio de esportes. Dick Grayson
comenta com Bruce Wayne, o Batman, que eles haviam terminado este trabalho, e o nosso
herói responde: “Nós fizemos o nosso, sim, mas cabe a outras cidades fazerem o mesmo,
construir mais áreas de recreação, ginásios – encorajar os jovens a ir a escola e igrejas,
fazendo isso nós varreremos o crime”. Nesta história do Batman, portanto, a solução para a
delinqüência veio por meio da criação do ginásio e da desconstrução da referência para
esses garotos dos gângsters como modelo.
Tomando as histórias da Action Comics n° 8 e a Crime School for Boys da revista
Batman n°3 gostaria de apontar coincidências e divergências entre elas no tratamento da
delinqüência.
Percebe-se nas duas histórias uma espacialização da pobreza e da delinqüência,
assim como uma transformação desta em problema social, bem como a necessidade de
respostas e soluções para esta questão. Nestas duas histórias a delinqüência surge em áreas
de bairros pobres através da formação espontânea de grupos de garotos que eventualmente
se ligam a estruturas mais organizadas do crime, seja no caso da Escola do Pockets e da
gangue do Big Boy Daniels ou no caso do interceptador Gimpy.
O padrão espacial da delinqüência foi apontado por Clifford Shaw (1948). Para este
autor as áreas de delinqüência teriam características específicas como a deterioração física,
a pobreza, a residência em meio a indústria e comércio, a concentração de imigrantes, a
carência de organização da vizinhança para a vida comunitária convencional, assim como
altas taxas de crimes de adultos.
Para Shaw (1948) os criminosos mais velhos seriam modelos de sucesso para as
crianças do bairro que vêm de famílias pobres e trabalhadoras, o próprio modelo dos pais,
por mais presente que seja, geralmente entra em conflito com o modelo do gângster bem
sucedido. A ação do Batman é bastante forte neste sentido de desfazer o gângster como
ideal ou modelo para os garotos do bairro.
Shaw (1948) trata a delinqüência como um produto social e não como um
fenômeno individual de tendências inatas. O delinqüente é produto de seu meio, como
também apontam as histórias em quadrinhos aqui referidas, embora o Super-Homem

 
126 

pareça colocar a sua causa mais na estrutura física e condições de moradia do bairro
deteriorado, enquanto para o Batman o meio considerado é o social. A solução para a
delinqüência para o primeiro reside na reforma de apartamentos modernos, enquanto que
para o segundo está na construção de espaços que fortaleçam os laços sociais, como
igrejas, escolas e ginásios esportivos.
Nas duas histórias está presente a idéia de que os garotos podem sim sair da
situação de delinqüência, reiterando a noção de que eles não seriam delinqüentes de forma
inata. Por conta das altas taxas de delinqüência nos bairros imigrantes e pobres em finais
do século XIX e início do século XX era comum a formulação de que os imigrantes seriam
inatamente criminosos e violentos. A explicação do porque das taxas de delinqüência
serem tão altas entre os imigrantes seria, segundo Clifford Shaw (1948), por conta da
desorganização social e dos padrões culturais confusos dos grupos imigrantes que sofrem
mudanças bruscas entre perda das tradições e assimilação de padrões culturais novos.
Apesar da Escola de Chicago ter identificado um padrão entre delinqüência e áreas pobres
da cidade a sua causa não se encontrava na questão da deterioração física dos bairros e sim
na desorganização social dos mesmos. Há neste ponto um diálogo dos quadrinhos com as
teorias da Escola de Chicago na medida em tanto no Batman como no Super-Homem os
bairros pobres e degradados são reconhecidos como o padrão espacial da delinqüência,
embora o Batman se aproxime mais destas resoluções ao propor soluções que emergem do
fortalecimento da vida comunitária, enquanto o Super-Homem encontra uma resposta na
reforma urbana de cunho modernista. O Super-Homem, por outro lado, aponta a área pobre
como área imigrante ao colocar um garoto chamado Frankie Marello, provável filho de
imigrantes, no tribunal. A sua mãe inclusive comete erros gramaticais, típico dos recém-
chegados obrigados a aprender o inglês como segunda língua. De certa forma a fala errada
denota também a falta de escolas e educação formal nestas áreas.
Nas duas cidades percebe-se a heterogeneidade sócio-espacial na medida em que há
a separação entre as áreas ricas e pobres. A Action Comics n°8 mostra isso claramente.
Dentro da mesma história o Super-Homem acessa essas diferentes zonas da cidade. No
Batman existe também a área pobre dos slums, assim como o bairro chinês e a zona rica,
como se pode perceber em várias histórias.
A gangue, segundo Frederick Thrasher (2000), pode ser tanto um grupo de garotos
de bairro como uma organização criminosa. Para este autor a zona das gangues seria o
cinturão de pobreza que circunda a área comercial central da cidade. Sua gênese está em

 
127 

agrupamentos sociais espontâneos de garotos e rapazes para jogos e brincadeiras. Esta


coletividade desenvolve tradição, solidariedade, consciência de grupo e vínculo a um
território.
A gangue é um fenômeno espontâneo que se forma nos interstícios tanto sociais
quanto geográficos da cidade. Desenvolve-se nos interstícios formados por zonas de
propriedades comerciais, industriais e ferroviárias, formando-se mais facilmente em
porções congestionadas e socialmente desorganizadas da cidade. Para Thrasher (2000), a
gangue em Chicago seria fundamentalmente um fenômeno dos filhos de imigrantes que
aderem a esta como uma forma de inserção e organização substitutas. Estes jovens tendem
a passar o tempo juntos para sair, se divertir e acabam se tornando solidários. A partir do
momento que encontram outros grupos hostis eles passam a se ver como grupo. Esta
formação espontânea com freqüência degenera em grupo delinquente, mas nem sempre. A
maioria das gangues, delinquentes ou não, quando da pesquisa de Thrasher, tinham a
aspiração de se tornar um clube atlético, como de fato se tornou a gangue ou turma de
garotos da antiga escola do crime dos quadrinhos do Batman.

 
128 

5 IMAGENS PANORÂMICAS: A CIDADE VISTA DO ALTO

Nos capítulos anteriores vimos como as representações das cidades de Gotham e


Metrópolis se aproximam em certos pontos na medida em que partilham de temas como
migração, crime e delinqüência. No entanto a forma como esses temas são tratados é
bastante distinta e corrobora uma construção também distinta das imagens dessas cidades.
Apesar da coincidência entre os temas, que eram questões que fervilhavam na sociedade
norte-americana da época, a representação da migração, da criminalidade e da delinqüência
tomam caminhos fundamentalmente distintos que apontam para a construção das imagens
destas cidades. Gotham é representada como uma cidade de imigrantes e crime organizado,
enquanto Metrópolis seria uma cidade de problemas técnicos e morais.
Nestas duas cidades temos também o elemento da verticalidade e crescimento
urbano. Vemos abaixo o Edifício Beverly da cidade do Batman, em que o nosso herói
dirige-se a uma luxuosa cobertura para impedir um assassinato na Detective Comics n° 29.

 
Ilustração 79: Imagem retirada
da Detective Comics n° 29
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).
 
Mas quais dos dois prédios seria o Edifício Beverly, já que os dois estão colocados
no mesmo plano e são quase idênticos, cada um ocupando um lado da rua? Isto não fica
claro para o leitor.
 

 
129 

 
Ilustração 80: O Batman na cobertura do Edifício Beverly. Imagem retirada da
Detective Comics n° 29 republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

Abaixo vemos o nosso herói em um canteiro de obras, que mais tarde se torna
comum nas cenas de luta do Batman.

Ilustração 81: Imagem retirada da Detective Comics n° 29


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).
 

 
130 

 
Ilustração 82: Imagem retirada da Detective Comics
n° 38 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).
 

 
Ilustração 83: Imagem retirada da Detective Comics
n° 38 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).
 

 
131 

Tanto no Batman como no Super-Homem estão presentes os grandes arranha-céus e


a verticalidade. A cidade do Super-Homem, no entanto, dá mais destaque aos seus
edifícios, como se pode perceber em quadros que mostram a cidade de cima. No Batman
os arranha-céus estão presentes inclusive nos canteiros de obras com suas estruturas de
ferro e aço onde o homem morcego e seu fiel ajudante, Robin, perseguem os bandidos da
cidade. Mas no Super-Homem os grandes edifícios têm mais destaque se comparado ao
Batman.
Vemos no Batman, portanto, uma preferência por mostrar o crescimento da cidade
através dos canteiros de obras que expõem o avanço tecnológico que permitiu a construção
de arranha-céus, as estruturas de ferro e aço produzidas em massa. Enquanto que no Super-
Homem os roteiristas e desenhistas têm uma preferência por representar os arranha-céus já
construídos. Isso não significa dizer que na cidade do Batman não tenhamos arranha-céus,
é que apenas eles não são enquadrados com tanto destaque quanto no Super-Homem. Em
Gotham os prédios são geralmente um amontoado de altas construções quase indistintas
entre si, enquanto que no Super-Homem as formas arquitetônicas destacam-se umas das
outras.
Tanto no Batman quanto no Super-Homem temos sempre um skyline de prédios
que definem a cidade, mas no Super-Homem os desenhistas geralmente dão ênfase e
destaque a estes prédios.
O Super-Homem em suas primeiras histórias ainda não voava, mas era capaz de
pular os mais altos prédios, levantar grandes pesos e correr mais rápido que um trem
expresso, conforme anuncia os primeiros quadros de sua primeira aventura de 1938. Desde
então vemos em suas histórias o anúncio e mesmo louvor das mais avançadas tecnologias
da época e o nosso herói como o homem capaz de controlá-las e superá-las. Entre estas
tecnologias estavam os arranha-céus, ícones da modernidade, os quais o nosso herói
poderia ultrapassar em um simples pulo!

 
132 

 
Ilustração 84: Imagem retirada da Action Comics n° 1 republicada no livro The
Superman Chronicles Volume 1 (2006).

Na imagem acima vemos Clark Kent, ainda sem a roupa do Super-Homem, pulando
um prédio e levantando uma viga de aço em um canteiro de construções.
Os arranha-céus realizam o desejo de obter uma visão panorâmica da cidade que
sob um olhar totalizante imobiliza e homogeniza todas as diferenças e conflitos vividos
pela cidade lá embaixo (CERTEAU, 1994). Entretanto, para Certeau (1994), o olhar fixo
do panorama não alcança as práticas cotidianas que verdadeiramente fazem a cidade.
No Super-Homem vemos surgir imagens panópticas de cidade nos saltos
precursores dos vôos do nosso herói. Este herói não precisa subir no World Trade Center
para ter a contemplação que Certeau chamou de “atopia-utopia do sabe óptico”, basta pular
e mais tarde voar para apreender a cidade na totalidade de um olhar.
A imagem panóptica da cidade nos primeiros quadrinhos do Super-Homem
geralmente são desenhadas como quadros de abertura das histórias. Esses quadros têm um
espaço de destaque na página, ocupam um terço desta e não necessariamente se relacionam
diretamente com as ações dos quadros seguintes, como vemos na imagem abaixo da Action
Comics n° 6, em que se vê a cidade e em seguida pula-se para outro quadro em que a
história desenrola-se na prática da vida cotidiana e não na distância da imagem fixa de
cidade. Pode-se notar nesta imagem que os prédios de fato se destacam no Super-Homem.

 
133 

Ilustração 85: Imagem retirada da Action Comics n° 6 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

A representação panóptica da cidade não é comum no Batman de finais de 1930 e


início de 1940. O Batman atual é um vigilante noturno que costuma buscar as alturas dos
edifícios para espreitar a cidade. No entanto, nas histórias aqui analisadas isso pouco
acontece. Mesmo quando vai à cobertura do Edifício Beverly na Detective Comics n° 29, o
nosso herói não olha para baixo e por isso, portanto, não temos esta visão distanciada da
cidade de que nos fala Certeau (1994), de do alto olhar para baixo e apreender a cidade em
uma imagem.
Na Detective Comics n° 36 o quadro de abertura anuncia que “em sua ronda,
Batman vê, de repente, um homem saltando de um carro em movimento”. O nosso herói se
encontra em cima de um prédio não muito alto e a imagem que temos é esta abaixo, de um
quadro que representa uma esquina. É mais uma vez a visão das práticas cotidianas e não
uma visão geral da cidade.

 
134 

Ilustração 86: imagem retirada da revista Detective Comics n° 36 republicada no


livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

Na história Professor Hugo e os Homens-Monstro da revista Batman n° 1, um


homem monstro gigante sobe até o topo de um arranha-céu, em uma clara referência ao
clássico King Kong de 1933. Se no filme Kong sobe até o topo do Empire State e de lá a
cidade se mostra em panorama, no Batman a cidade não se revela do topo, mesmo com o
nosso herói lutando do céu em seu avião, o batplano, contra o homem-monstro no arranha-
céu.

 
135 

Ilustração 87: Imagem do filme King Kong retirada do site Rotten Tomatoes.

 
Ilustração 88: Imagem retirada da revista Batman n° 1 republicada no livro The
Batman Chronicles Volume 1 (2005).
 

 
136 

Por que o homem-monstro subiu no arranha-céu? Com certeza não foi para olhar a
cidade. Segundo o narrador ele escala o prédio porque em sua perseguição ao batplano
pensou que lá de cima o conseguiria alcançar. Ele cai e tudo o que vemos além do topo do
edifício são névoas e um pequeno pedaço de cidade. A cidade panorama não existe.

Ilustração 89: Imagem retirada da revista Batman n° 1


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1
(2005).

No lado esquerdo da imagem acima quase não dá para ver através da névoa a ponte
e alguns prédios ao fundo enquanto o corpo do homem-monstro despenca para sua morte.
Em outras histórias em que o Batman usa seu avião ou em que sobe em topo de edifícios
ou mesmo em altas estruturas de aço de canteiros de obras, tampouco surgem imagens
panorâmicas da cidade. A cidade do Batman, quando nas alturas, se revela em prédios que
se colocam de forma indistinta ao fundo das cenas. Não há a contemplação de um
panorama. A elaboração da cidade em seus detalhes acontece sempre em quadros que
retratam becos ou ainda um olhar de cima que se projeta para baixo para destacar apenas
uma rua ou janelas do edifício da frente, mas raramente a cidade de forma panorâmica.
Na imagem abaixo da Detective Comics n° 28 vemos o Batman lutando contra uma
gangue de ladrões de jóias no topo de um edifício. A cidade ao fundo é escura, de prédios
indistinguíveis. O elemento arquitetônico que se destaca é o pórtico da fachada do prédio
em que a luta se passa e uma chaminé vermelha, bem como o telhado do edifício vizinho.

 
137 

Ilustração 90: Imagem retirada da revista Detective Comics n° 28 republicada


no livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

Na continuação desta luta o Batman salta para o telhado de um prédio vizinho. Em


nenhum momento, no entanto, vemos a cidade ser mostrada do alto ou ainda a rua abaixo.
Vemos apenas as janelas do edifício no quadro abaixo da esquerda, e o edifício em que a
luta aconteceu no quadro da direita.

Ilustração 91: Imagem retirada da revista Detective Comics n° 28 republicada no


livro The Batman Chronicles Volume 1 (2005).

 
138 

Na história em quadrinhos O Retorno do Coringa, da revista Batman n° 1, temos


uma luta no telhado em que não há visão panorâmica da cidade, apenas detalhes dos
edifícios próximos, becos e escadarias.

Ilustração 92: Imagem retirada da revista Batman n° 1


republicada no livro The Batman Chronicles Volume 1
(2005).

Ilustração 93: Imagem retirada da revista Batman n° 1 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

O Batman, mesmo quando no alto, parece não ter o desejo de olhar para baixo e
exercitar a contemplação panorâmica de sua cidade. As imagens mais comuns desta cidade
se revelam em pequenos quadros ao fundo dos saltos do nosso herói mascarado. As
representações mais amplas de Gotham a reduzem a um amontoado de prédios, enquanto

 
139 

Metrópolis se mostra em imagens e panoramas dignos de cartões postais que exibem


prédios modernos de traçados arrojados.

Ilustração 94: imagem retirada da revista Action comics n° 6 republicada no livro


The Superman Chronicles Volume 1 (2006).

Ilustração 95: imagem retirada da revista Action comics n° 7 republicada no


livro The Superman Chronicles Volume 1 (2006).

No quadro de abertura da já citada história do Professor Hugo e os Homens-


Monstro, da revista Batman n° 1, há um interessante panorama de Gotham City que escapa

 
140 

um pouco do comum nas histórias do Batman porque, apesar de representar uma cidade de
prédios indistinguíveis, há a presença dos letreiros e propagandas na cidade.

Ilustração 96: Imagem retirada da revista Batman n° 1 republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

A diferença entre as representações destas cidades duas cidades é bastante


interessante. Ao passo que Gotham esconde-se por trás de breves panoramas de uma
cidade escura de prédios sem fim e sem destaques arquitetônicos, Metrópolis destaca-se
em estilos arquitetônicos, cores e traços.

 
141 

6 CONCLUSÕES

Sobre Gotham, Metrópolis ou Nova York? Os dois lados da mesma moeda

Como se pode perceber, em geral as aventuras de super-heróis passam-se em


grandes metrópoles, o que nos leva a refletir sobre o papel das cidades no desenvolvimento
e na própria necessidade de existência do super-herói. É na metrópole moderna que os
super-heróis encontraram sua casa, tornando-se ao mesmo tempo produto e defensores das
grandes cidades. É difícil imaginar o Batman ou o Super-Homem em um espaço urbano
sem crimes ou problemas. São as próprias cidades que dão vida aos super-heróis na medida
em que precisam de combatentes do crime e soluções que vão desde questões técnicas e
urbanísticas a questões sociais.
A literatura em quadrinhos nasceu na modernidade e manteve desde sua criação
fortes relações com o modo de vida nas grandes cidades modernas. Através do Batman e
do Super-Homem vimos em uma interpretação original como a questão da dupla
identidade nos quadrinhos de super-heróis representa uma tentativa de superar o paradoxo
moderno vivido pelos homens citadinos, uma tentativa de ultrapassar o anonimato e ao
mesmo tempo exercer o máximo da liberdade metropolitana.
Vimos em várias passagens como a cidade de Metrópolis e Gotham são distintas. A
primeira é uma cidade diurna que se aproxima do urbanismo progressista e a segunda uma
cidade noturna, representação crítica das cidades modernas. Mais do que simples
representações de cidades, Gotham City e Metrópolis são sínteses das concepções urbanas
de sua época. Essas duas cidades na verdade são representações da cidade de Nova York.
Mas como o mesmo objeto, a cidade moderna de forma geral ou Nova York de forma
específica, pode gerar interpretações tão distintas? Como aponta Pesavento, várias
representações, inclusive antagônicas, podem ser constituintes do imaginário urbano de
uma cidade.

Ora, uma metrópole propicia aos seus habitantes representações contraditórias do espaço e
das sociabilidades que aí têm lugar. Ela é, por um lado, luz, sedução, meca da cultura,
civilização, sinônimo de progresso. Mas, por outro lado, ela pode ser representada como
ameaçadora, centro de perdição, império do crime e da barbárie, mostrando uma faceta de
insegurança e medo para quem nela habita. São, sem dúvida, visões contraditórias, de
atração e repúdio, de sedução e rechaço, que, paradoxalmente, podem conviver no mesmo
portador. (PESAVENTO, 1999, p. 19).

Nos primeiros quadrinhos do Batman existem passagens em que este herói atua
explicitamente em Nova York, principalmente antes da revista Batman n° 4, de 1940, em

 
142 

que a cidade do Batman passou a se chamar Gotham. A primeira referência à cidade de


Nova York apareceu na Detective Comics n° 31, quinta publicação do Batman de setembro
de 1939. Na imagem abaixo o narrador declara “na escuridão de Nova York...”, enquanto
nosso herói mascarado salta de um edifício.

Ilustração 97: Imagem retirada da


revista Detective Comics n° 31
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Na Detective Comics n° 33 de novembro de 1939 vemos Bruce Wayne caminhando


“pelas ruas apinhadas de Manhattan”, em referência explícita à famosa ilha da cidade de
Nova York.

 
143 

Ilustração 98: Imagem retirada da


revista Detective Comics n° 33
republicada no livro The Batman
Chronicles Volume 1 (2005).

Na revista Batman n° 2 há ainda uma breve referência ao Empire State Building. O


Robin leva uma coronhada pelas costas durante uma luta contra uma gangue, e ao acordar
pergunta ironicamente ao Batman: “o que me atingiu, o Empire State Building?”
Na história Professor Hugo e os Homens-Monstro, da revista Batman n° 1,
homens-monstro aterrorizam a multidão em Manhattan.

Ilustração 99: Imagem retirada da


revista Batman n° 1 republicada no
livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

 
144 

Ilustração 100: Imagem retirada da revista Batman n° 1 republicada no livro The Batman Chronicles
Volume 1 (2005).

As referências a Nova York na cidade do Super-Homem não são tão explícitas. Mas
na revista Superman n° 2, do outono de 1939, o Super-Homem está em uma viagem e
envia um telegrama para Metrópolis, localizada aqui no estado de Nova York.
Apesar de Gotham e Metrópolis serem cidades imaginárias inspiradas na cidade de
Nova York, as diferenças entre estas duas cidades vão desde as suas representações em
panoramas até as sociabilidades ou práticas do cotidiano, como diria Certeau, que
constroem essas cidades. Como procurei demonstrar, a primeira cidade é sempre
representada em panoramas sombrios de prédios indistinguíveis, enquanto a segunda é
constantemente contemplada de cima, iluminada e com prédios que se destacam. Da
mesma forma, os tipos de crimes e problemas enfrentados por essas cidades, bem como as
soluções que elas exigem corroboram para a construção de imagens distintas de cidades.
Mesmo durante a noite a cidade de Metrópolis é iluminada e seus prédios
destacam-se e impõem-se, reiterando a tese aqui defendida, de que as explicações sobre as
diferenças de representações entre estas cidades vão muito além da simples questão do dia
e da noite. Vemos abaixo imagens da Metrópolis noturna e iluminada.

 
145 

Ilustração 101: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Ilustração 102: imagem retirada da revista Action


comics n° 8 republicada no livro The Superman
Chronicles Volume 1 (2006).

Ilustração 103: imagem retirada da revista Action comics n° 11


republicada no livro The Superman Chronicles Volume 1 (2006).

 
146 

A tese central desta dissertação deposita na Modernidade e na formação tanto de


imaginários progressistas quanto críticos a seu respeito a chave explicativa de como
Gotham e Metrópolis são representações da mesma cidade e entretanto a primeira é uma
sombria cidade de arranha-céus e criminalidade enquanto a segunda tem problemas morais
e técnicos. Além desta última freqüentemente se submeter a reformas urbanas de cunho
modernista, como vimos no capítulo 4 em que o Super-Homem derruba favelas para que o
governo construa apartamentos modernos em seu lugar, ou ainda quando este herói
empreende uma pequena reforma urbana ao transformar uma curva em reta em favor do
escoamento do tráfego de automóveis, aderindo aos preceitos urbanísticos modernistas que
apregoavam a funcionalidade e estética do traçado urbano geométrico e das linhas retas.
Tendo em vista que a Modernidade e suas transformações tanto atraíram as mais
ardorosas utopias de progresso quanto as mais nostálgicas críticas de perda tanto da
natureza quanto dos laços comunitários, com as metrópoles modernas, um dos mais
evidentes frutos das transformações da modernidade, não poderia ser diferente. Ora
tratadas como espaço de conhecimento, liberdade, progresso, técnica e razão, ora vistas
como caóticas, barulhentas, poluídas e tumultuadas, as cidades modernas passaram a
comportar estas visões tão diversas. Raymond Williams resume bem a convivência entre
estas representações antagônicas sobre a cidade:

(...) não há como não reconhecer esse sentimento, e eu próprio o experimentei muitas e
muitas vezes: os grandes prédios da civilização; os pontos de encontro; as bibliotecas e
teatros, as torres e cúpulas; e – muitas vezes ainda mais emocionante – as casas, as ruas, a
tensão e o entusiasmo de estar no meio de tanta gente, com tantas metas diferentes. Já me
vi em muitas cidades e experimentei essa sensação – nas diferenças físicas entre
Estocolmo, Florença, Paris e Milão, esta qualidade identificável e comovente: o centro, a
atividade, a luz. Como todo mundo, também já senti o caos dos metrôs e engarrafamentos
de trânsito; a monotonia das casas idênticas enfileiradas; a pressão agressiva de multidões
de desconhecidos (WILLIAMS, 2011, p. 17).

Metrópolis e Gotham são sínteses das interpretações sobre a modernidade e as


grandes cidades. Apesar de antagônicas em muitos pontos, mostram-se como dois lados da
mesma moeda, como possibilidades de leituras sobre o mesmo objeto histórico, as cidades
modernas. Criadas como claras releituras da cidade de Nova York, suas representações
remetem em muito sentido à especificidade desta cidade e de outras grandes cidades norte-
americanas da época que enfrentam desafios comuns, por exemplo, a migração e o crime
organizado. Mas em sentido mais geral elas representam noções que não são exclusivas da
cidade de Nova York e que levantam questões mais amplas sobre as cidades modernas.

 
147 

Estas duas cidades dos quadrinhos foram construídas em diálogo com as


concepções urbanas predominantes de sua época. Apesar de imaginárias, as suas
representações talvez possam se encaixar na representação de qualquer grande cidade.
Tomando São Paulo como exemplo, ela pode ser tratada como cidade das oportunidades,
cultura e museus, ou cidade da solidão, frieza e crime. Essas representações mais gerais
que remetem às cidades modernas não são, portanto, exclusivas de Nova York e podem
ajudar a pensar outras produções simbólicas sobre o urbano, sejam ficcionais ou não.
Como procurei demonstrar ao longo desta dissertação, as diferenças entre estas
cidades dos quadrinhos nos remetem à modernidade. Metrópolis é a cidade luz e representa
todo um imaginário construído sobre a liberdade e o progresso das cidades modernas,
enquanto Gotham representa a crítica, a sombra, a loucura e a desorganização social das
grandes cidades.

 
148 

REFERÊNCIAS

AMARAL, Rita. Antropologia e internet: pesquisa e campo no meio virtual. Disponível


em: < http://www.n-a-u.org/Amaral1-a.html>. Acesso em: 27 ago.2010.

APPEL, John; APPEL, Selma. Comics da imigração na América. São Paulo: Perspectiva,
1994.

AUGUSTO, Sérgio. “É um pássaro? É um avião? É super-homem? Não, é Deus”. Revista


de Cultura: o mundo dos Super-Heróis, ano 65, n. 4, maio 1971.

BALZER, Jens. Hully Gee, I’m a hieroglyphe: mobilizing the Gaze and the invention of
comics in New York city, 1895”. In: AHRENS, Jörn; METELING, Arno (Org.). Comics
and the city: urban space in print, picture and sequence. Nova York: The Continuum
Internacional, 2010.

BECKER, Howard. Outsiders: studies in the sociology of deviance. New York: Free Press,
1991.

______. A escola de Chicago. Mana, Rio de Janeiro, out. 1996.


BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1976.
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX.”. In: FORTUNA, Carlos. Cidade,
cultura e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras: Celta, 1997.

______. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Obras escolhidas, vol. 1-
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994.

BERGER, Peter ; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de


sociologia do conhecimento. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

BOGARDUS, Emory S. Essentials of americanization. Los Angeles: University of


Southern California, 1919.

BURROWS, E. e M. Wallace. Gotham: a history of New York city to 1898. Oxford:


Oxford University, 1999.

CANDIDO, Antônio. O discurso e a cidade. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades, 2004.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 6. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1995.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis: Vozes,


1994.

 
149 

CIRNE, Moacy. Ideologia e Desmistificação dos Super-Heróis. Revista de Cultura: o


mundo dos Super-Heróis, ano 65, n. 4, maio 1971.

CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopia e realidades de uma antologia. São Paulo:


Perspectiva, 2003.

COHEN, Haron ; Klawa, Laonte. Os quadrinhos e a comunicação de massa. In: MOYA,


Álvaro de. Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1977.

COULON, Alain. A escola de Chicago. Campinas: Papirus, 1995.


CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Tempo imperfeito: uma etnografia do arquivo. Mana,
Rio de Janeiro, v.10, n.2, 2004.

DURKHEIM, Emile. O individualismo e os intelectuais. Revista de Direito do Cesusc, n.2


jan./jun., 2007.

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ECO, Umberto. O mito do superman. In: ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São
Paulo: Perspectiva, 2008.

FARÍS, Robert E. L; Dunham, Warren. Perturbações mentais em áreas urbanas. In:


PIERSON, D. (Org.). Estudos de ecologia humana: leituras de sociologia e antropologia
social. São Paulo: Martins Fontes; 1948.

FERRARA, L. D. Olhar periferico. 2. ed. São Paulo: FAPESP, 1993.


______. Ver a cidade. São Paulo: Nobel, 1988.
FINGER, Bill; KANE, Bob; ROBINSON, Jerry. The Batman chronicles. New York: DC
Comics, 2005. v.1.
______. The Batman chronicles. New York: DC Comics, 2006. v. 2.
______. The Batman chronicles. New York: DC Comics, 2007a. v. 3.
______. The Batman chronicles. New York: DC Comics, 2007b. v. 4.
FRANCO, Edgar. História em quadrinhos e arquitetura. 2. ed. João Pessoa: Marca da
Fantasia, 2012.

FREHSE, Fraya. Potencialidades de uma etnografia das ruas do passado. Disponível em:
< http://www.n-a-u.org/fraya2008.html> Acesso em: 27 ago. 2010.

GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
GIUMBELLI, Emerson. Para além do trabalho de campo: reflexões supostamente
malinowskianas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.17, n. 48, 2002.

HAROUEL, Jean-Louis. História do urbanismo. Campinas: Papirus, 1990.


HOWARD, Ebenezer. Cidades-jardins de amanhã. São Paulo: Annablume, 2002.

 
150 

HUGO, Victor. Notre Dame. In: CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopia e realidades de
uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 2003.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996.


LANDESCO, John. Organized crime in Chicago. Chicago: University of Chicago, 1968.

LEGROS, Patrick; MONNEYRON, Frédéric; RENARD, Jean-Bruno; TACUSSEL,


Patrick. Sociologia do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2007.
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo; Martins Fontes, 2006.
MAGNANI, José Guilherme. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana.
Revista brasileira de ciências sociais, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002.

MARNY, Jacques. Sociologia das histórias aos quadrinhos. Barcelos: Companhia Editora
do Minho, 1988.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2004.


MORIN, Philippe. New York. In: THÉVENET, Jean-Marc: RAMBERTt, Francis. Archi &
BD: La ville dessinée. Paris: Cité de l’architecture & du patrimoine, 2010.

MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos. Porto Alegre: L & PM, 1986.
______. Era uma vez um menino amarelo. In: MOYA, Álvaro de. Shazam! São Paulo:
Perspectiva, 1977.

MUMFORD, Lewis. Cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. Belo


Horizonte: Itatiaia, 1965.

NEVES, L. F. Baêta. Dialética da origem e a ideologia da permanência dos SH. Revista de


Cultura: o mundo dos Super-Heróis. Ano 65, n.4, maio 1971.

NOVAES, Sylvia Caiuby. Imagem, magia e imaginação: desafios ao texto antropológico.


Maná, Rio de Janeiro, v.14, n.2, p. 455-475, 2008.

PARK, R. Um roteiro de investigação sobre a cidade. In: VELHO, G. (Org.). O fenômeno


urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

______. The assimilation of races. In: PARK, Robert E; BURGESS, Ernest W.


Introduction to the science of sociology. Illinois: University of Chicago, 1921.

PARK, Robert E; BURGESS, Ernest W. Introduction to the science of sociology. Illinois:


University of Chicago, 1921.

PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.


PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. Porto
Alegre: Universidade/UFGRS, 1999.

 
151 

PRADO, Rosane Manhães. Cidade pequena: paraíso e inferno da pessoalidade. Cadernos


de antropologia e imagem, Rio de Janeiro, n. 4, p. 31-54, 1997.

REBLIN, Iuri Andréas. Os super-heróis e a jornada humana: uma incursão pela cultura e
pela religião”. In: VIANA, Nildo ; REBLIN, Iuri Andréas (Org.). Super-heróis, cultura e
sociedade: aproximações multidisciplinares sobre o mundo dos quadrinhos. Aparecida, SP:
Idéias & Letras, 2011.

______. A teologia e a saga dos super-heróis: valores e crenças apresentados e


representados no gibi. Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS. v. 22, maio/ago.
2010.

SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo:


Companhia das Letras, 2007.

SEVCENKO, Nicolau. Introdução: o prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do


progresso”. In: SEVCENKO, Nicolau (Org). História da vida privada no Brasil
República: da belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. v.3.

SHAW, Clifford. Delinqüência juvenil e desorganização social. In: PIERSON, D. (Org.).


Estudos de ecologia humana: leituras de sociologia e antropologia social. São Paulo:
Martins Fontes; 1948.

SIEGEL, Jerry; SHUSTER, Joe. The superman chronicles. New York: DC Comics, 2006.
v.1.

______. The Superman chronicles. New York: DC Comics, 2007a. v.2.

______. The Superman chronicles. New York: DC Comics, 2007b. v.3.

______. The Superman chronicles. New York: DC Comics, 2008. v.4.

SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: FORTUNA, Carlos. Cidade, cultura e
globalização: ensaios de sociologia. Oeiras: Celta, 1997.

______. O dinheiro na cultura moderna. In: SOUZA, Jessé; ÖELZE, Berthold (Org).
Simmel e a modernidade. Brasilia: UNB, 1998.

______. La moda. In: ______. Sobre la aventura, Barcelona: Península, 1988.


______. Questões fundamentais de sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.

SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In:


Charney, Leo e Schwartz, R. O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cossac
& Naify, 2001.

 
152 

SITTE, Camillo. A construção das cidades: segundo seus princípios artísticos. São Paulo:
Ática, 1992.

THÉVENET, Jean-Marc; RAMBERT, Francis. Échanges Croisés. In: THÉVENET, Jean-


Marc; RAMBERT, Francis. Archi & BD: La ville dessinée. Paris: Cité de l’architecture &
du patrimoine, 2010.

THRASHER, Frederick. The Gang: a study of 1,313 gangs in Chicago. Peotone, IL: New


Chicago School, 2000.

VERGUEIRO, Waldomiro. Super-heróis e cultura americana. In: VIANA, Nildo;


REBLIN, Iuri Andréas (Org.). Super-heróis, cultura e sociedade: aproximações
multidisciplinares sobre o mundo dos quadrinhos. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2011.

VIANA, Nildo. Heróis e super-heróis no mundo dos quadrinhos. Rio de Janeiro: Achiamé,
2005.
______. Breve história dos super-heróis. In: VIANA, Nildo; REBLIN, Iuri Andréas
(Org.). Super-heróis, cultura e sociedade: aproximações multidisciplinares sobre o mundo
dos quadrinhos. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2011.

WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: USP, 2000.


WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.

______. A ‘objetvidade’ do conhecimento nas Ciências Sociais. In COHN, Gabriel (Org.).


Max Weber. São Paulo: Ática, 2006.

______. Conceito e categorias de cidade. In: VELHO, Otávio G. (Org.). O fenômeno


Urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

WHITE, Mark D. ; ARP, Robert. Batman and philosophy. New Jersey: J. Wiley, 2008.

WHYTE, William Foote. Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.


WILLIAMS. Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.

WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: FORTUNA, Carlos. Cidade, cultura
e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras: Celta, 1997.

______. The Guetto. Chicago: The University Of Chicago, 1966.

WRIGHT, W. Bradford. Comic book nation: the transformation of youth culture in


america. Baltimore: The Johns Hopkins University, 2003.

 
153 

Sites

Collectors Society. Disponível em http://www.collectors-society.com/Default.aspx


Michigan State University Museum. Disponível em: <
http://museum.msu.edu/Exhibitions/Virtual/ImmigrationandCaricature/

Mundo HQ. Disponível em: < http://www.mundohq.com.br/site/index.php


My Comic Shop. Disponível em: < http://www.mycomicshop.com/
Paul Gravett. Disponível em: < http://www.paulgravett.com/index.php
Rotten Tomatoes. Disponível em: < http://www.rottentomatoes.com/

Você também pode gostar