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A filosofia dos porcos

Personagens

Igor, 44 anos, vestindo uma camisa e uma bermuda, está fechando a torneira.
Em seguida ele vai até a porta e a atende, depois de ouvir algumas batidas.
Gael, 3o anos, vestindo uma camisa social, calça social. Gema também uma
vestimenta social.

1 ATO

O servo do porco

“Nunca lute com um porco: ambos ficarão sujos, mas o porco adorará.” Pensamento

atribuído a George Bernard Shaw, Mark Twain e Abraham Lincoln, mas não há fontes que

comprovem nenhuma das autorias.

A história começa com Igor entrando no banheiro e lavando as mãos. Em seguida, se

olha no espelho, com um leve roxo debaixo do olho esquerdo. Em um corte, vemos Igor

entrar no quarto, sentar na cama e passar as mãos na cabeça, em uma clara menção a um
estado de preocupação. Depois pega um frasco e toma uma pílula. Mais um corte e vemos

Igor na cozinha, mexendo em alguns utensílios, ele pega o frasco e toma mais uma pílula. Em

seguida, senta no sofá e olha para frente, por alguns segundos. Pega, mais uma vez, a

medicação e coloca uma cápsula na palma da mão e fica olhando. Off:

“Depois que o vírus se espalhou no país, um agente do governo bateu na minha

porta e me ofereceu essa medicação. Ele me disse que eu estaria salvo de todos os males

causado pelo vírus”.

Há um corte e vemos Igor, novamente, lavando as mãos no banheiro. Depois no

quarto, na cozinha e sentando no sofá. Repedindo exatamente tudo que havia feito, enquanto

ouvimos mais um off: “Sinto-me dando voltas intermináveis. Pareço estar em um círculo

sem fim”

Na terceira vez em que vemos Igor no banheiro, ao invés de sair água na bica, saí uma

água suja, o que o assusta, pois ao voltar a ver a água, ele percebe que ela, na verdade, este

saindo limpa da bica. Vai para o quarto e fica apagando e acendendo a luz. Vemos Gael,

aparecendo atrás de Igor, ele vai virando o rosto devagar, por sentir a presença do irmão, mas

quando se vira totalmente, percebe que está sozinho em sua casa. Vai até a cozinha e toma

mais uma medicação e depois senta no sofá. Desta vez, ao invés de tomar 1 cápsula apenas,

coloca várias na palma da mão e toma todas. Igor, depois de ter inserido as cápsulas, caí no

carpete da sala. Tempos depois, Igor escuta algumas batidas na porta. Levanta-se, ainda um

pouco tonto, e atende. Gema entra na casa.

Igor

— Pois, não...

Gema
— Eu sou amiga do seu irmão. Gema, prazer!

Igor

— Amiga?

Gema

— Isso mesmo! Não faz muito tempo que vocês discutiram. Então, ele me
pediu um favor. Disse para intermediar um encontro, já que vocês discutiram
feio da última vez.

Igor

— Isso não é possível...

Gema

— Por quê?

• Por alguns segundos o silêncio toma conta da sala.

Igor

— Meu irmão está morto. Está tentando me dizer que nada aconteceu?

Gema

— Eu não estou entendendo... Seu irmão me trouxe aqui. Ele está lá fora,
esperando que eu o chame.

Igor
— Como?

Enquanto Igor fica confuso com a informação, Gema dá um sinal para que
Gael descesse as escadas e entrasse na casa. Quando Igor assiste Gael
entrando na casa, seus olhos ficam assustados. Gema se retira e fecha a
porta.

Gael

— Parece surpreso... Eu não vim aqui para brigar.

Igor

— Não, isso não está acontecendo! Você morreu... Você está morto... Isso
só pode ser uma brincadeira de mau gosto, ou são essas pílulas... é isso?
Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

Gael

— Pílulas? Eu não sei do que você está falando...

Igor

— Como? Como isso é possível?

Gael

— Olha, a última vez em que estive aqui, nós discutimos e eu saí daqui
muito mal. Temos muitas diferença e temos que aceitá-las, claro. Você não é
e nunca vai ser meu inimigo... Eu sei que você é um eleitor de um
presidente que estimula violência, tortura e tudo de mais terrível que eu
possa imaginar, inclusive já brigamos por isso... mas eu não quero ficar
distante de você...
• Gael, senta na cadeira à frente de seu irmão, que ao vê-lo
sentado, também senta no sofá.

Igor

— Eu me lembro de quando brincávamos na floresta perto da nossa casa...

Gael

— Eu também me lembro.

Igor

— Na verdade, é a única lembrança que ainda mora dentro da minha cabeça.


Você está muito bem, meu irmão! Está corado. Sempre fomos pessoas
completamente diferentes, isso é verdade...

Gael

— Não precisamos falar sobre isso.

Igor

— Naquele dia na floresta a gente correu e nos distanciamos do churrasco


que nossa família estava fazendo. Era o seu aniversário de 13 anos. Eu
lembro como as pessoas lhe agradavam... A gente correu tanto e chegamos em
um lago. Você não queria entrar, lembra?

Gael

— Eu lembro...

Igor

— Eu insisti tanto, que você aceitou entrar... O seu medo foi passando e
você começou a ter mais coragem até chegar ao fundo. Eu não fiz,
absolutamente, nada. Eu fiquei olhando você se afogar... Você teve sorte,
pois o nosso tio estava nos procurando e ouviu os seus gritos...
• Igor muda a expressão. Se antes ele parecia perdido, agora, seu
olhar revelava-se com intensa maldade.

Gael

— Não precisava me lembrar disso. Eu estou aqui tentando me acertar com


você. Tanta coisa aconteceu de lá para cá. Não somos mais crianças, não
somos mais...

Igor

— Parece um anjinho! Um anjinho, com boas intenções... Um maldito anjinho,


disposto a reatar com o irmão...

• Depois dessa fala, Igor dá um sorriso. Gael, agora, começa a


expressar o olhar perdido e amedrontado muito usado por Igor
durante a projeção.

Gael

— Eu...

Nesse momento Igor dá um salto e derruba o irmão no chão, em uma ação


inesperada. Vemos as mãos de Igor enforcando Gael, depois vemos as pernas
de Gael debatendo, até pararem de reagir. A cena volta para o rosto de
Gael, que está com os olhos fechados. Igor se levanta, vai até o banheiro e
lava as mãos. Depois vai até o quarto, passa as mãos na cabeça, em um
visível estado de preocupação e toma a pílula, em seguida.

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