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PEIRCE

UNIVERSO SEMIÓTICO

Nelson Valente
CHARLES SANDERS PEIRCE (1839-1914)

Para este pensador, um signo:

“é aquilo que representa alguma coisa para alguém, sob determinado


prisma”. A coisa representada denomina-a objeto.
Em famoso pensamento de Peirce, temos o entendimento de que o
pensamento não está em nós, nós é que estamos em pensamento.
Não reagimos mecanicamente às situações, de forma sempre igual.
Estamos sempre em movimento, criando novos signos, aprendendo.
Nasce, no limiar do Século XX, a Semiótica. Ao longo de quarenta anos,
um homem, numa assombrosa quietude, havia construído, paciente e
criteriosamente, uma ciência, que se tornou um legado para a Humanidade.
Este filósofo, chamado Charles Sanders Peirce, até poucas horas antes de sua
morte, lutava, na verdade, pela criação da Lógica, com o estatuto da ciência.
Sua vida, no entanto, foi uma travessia dialógica consigo mesmo, pois
nenhuma Universidade sequer o considerou como lógico e tampouco
filósofo. Não é de se espantar, porém, que só um ser humano capaz de se
lançar numa aventura bem-sucedida, rumo ao conhecimento pleno de 2500
anos de cultura filosófica, fosse capaz de conduzir-nos à criação de uma
filosofia científica da linguagem: a Semiótica. Charles Sanders Peirce não foi
um homem de seu próprio tempo, mais foi o homem que desvendou a
amplidão científica para todos os tempos.
A investigação semiótica abrange virtualmente todas as áreas do
conhecimento envolvidas com as linguagens ou sistemas de significação, tais
como a linguística (linguagem verbal), a matemática (linguagem dos
números), a biologia (linguagem da vida), o direito (linguagem das leis), as
artes (linguagem estética) etc.
As "ferramentas" da ciência dos signos se mostram úteis nos mais
diversos campos de investigação justamente por sua abertura e amplitude. Ao
ordenar esse conjunto de relações, podemos antever o seu significado e
aplicabilidade no mundo da(s) linguagem (ns). É nesse processo que os dados
da realidade podem ganhar o status de informação, conhecimento e, em
alguns casos, sabedoria.
A pretensão de apresentar a Semiótica em poucas linhas pode ter
resultado em reprováveis simplificações. Um campo de conhecimento tão
amplo e complexo exige certamente um espaço-tempo maior que o presente,
motivo pelo qual este alerta introdutório faz-se necessário. Isto posto, nada
mais adequado que procurar partir de questões centrais, indispensáveis para
delinear um mapa hipertextual que permita uma orientação de novos
navegantes pelos mares da assim definida ciência dos signos ou processos de
significação.
Arthur Conan Doyle

Para Sherlock Holmes, fenômeno é o crime. Nas histórias criadas por


Conan Doyle é inevitável falar de crimes, mas a comparação entre os
trabalhos do jornalista e do detetive não cabe somente à editoria de polícia. A
analogia é acerca do método utilizado por ambos os profissionais, a história
de Holmes é só uma ilustração para a lógica semiótica. Esse artigo tem como
objetivo analisar a série Sherlock Holmes, baseada nos livros de Sir Arthur
Conan Doyle.
No primeiro caso investigado por Sherlok Holmes, “Um estudo em
vermelho”, um homem é assassinado em uma casa vazia que estava para ser
alugada.
Ao chegar no local, Sherlok não vai direto à cena do crime, como explica
o Dr. John Watson. Já o Doutor John Watson, seu assessor, é igualmente
reconhecido, especialmente pela frase: “Elementar, meu caro Watson”. O
personagem é apresentado a Holmes logo após chegar da guerra do
Afeganistão e ainda possuía traumas por isso, que se perdem com o passar do
tempo e a ajuda do amigo. Este médico é quem o ajuda, sobretudo nos
momentos de solidão e confusão.
Buscando histórias por trás de cada detalhe dos personagens e das cenas
com que têm contato, os dois solucionam casos complexos de todos os tipos.
Além disso, são capazes de deduzir características e experiências pessoais de
quem quiserem, através de entrelinhas, sem que tenham feito uma única
pergunta, sequer. Isso tudo, baseando-se simplesmente em indícios nas cenas
dos crimes e através de contatos com as vítimas e envolvidos, sobretudo de
casos policiais. Entre contatos com a polícia local e particulares, eles vão
tecendo suas aventuras e despertando os mais diversos sentimentos nos
amantes de dedução.
Eu havia imaginado que, tão logo chegasse, Sherlock Holmes correria em
direção à casa no afã de mergulhar no estudo do mistério. Nada poderia estar
mais longe de sua intenção do que isso. Com um ar displicente que, naquelas
circunstâncias, parecia bem próximo à afetação, pôs-se a caminhar de um
lado para outro na calçada, olhando vagamente o chão, o céu, as outras casas
e o gradeado sobre o muro. Terminada essa observação, percorreu lentamente
a senda do jardim, ou melhor, o gramado que o margeava, com os olhos
cravados no chão.
Para Holmes, é um erro teorizar antes de ter todos os indícios; esta ação
prejudicaria o raciocínio. Então, antes de ver o corpo e criar conjecturas, o
detetive vai a busca de signos que possam estar na rua, em frente à casa e nos
locais em volta dela. Holmes tem o conhecimento de que teria chovido na
noite anterior após uma semana sem chuvas. Neste primeiro momento,
Sherlock identifica marcas (signos) de uma carruagem e de ferraduras de
cavalo que teriam parado em frente à residência na noite do crime. Com as
pegadas dos cavalos, ele pode concluir que a carruagem teria ficado à espera
do cocheiro por algum tempo. Outro ponto notado nas marcas deixadas pela
carruagem é que as rodas eram finas, características de carros de aluguel.
O objeto desse signo, segundo o detetive, será a carruagem que trouxe
assassino e vítima. Depois, ele encontra pegadas (mais signos) na lama que
existe em torno do local. Algumas das pegadas são signos que representam os
policiais (objeto) que passaram pelo local, outras representam dois
investigadores que também tentavam desvendar o mistério (objeto) e mais
duas pegadas diferentes que não pertenciam a ninguém que tenha passado por
lá depois do assassinato. Sherlok identifica as pegadas (signos) que seriam do
assassino e da vítima (objeto principal). Um dos homens usava botas de bico
quadrado e o outro um sapato de bico fino, provavelmente elegante. As
pegadas ainda demonstraram que bico quadrado poderia ser alto e jovem,
visto que ele pulou uma possa d’água enquanto o bico fino a teria
contornado. Nesta primeira parte da investigação, o detetive foi o
interpretante. As várias pegadas e marcas, os signos. Os resultados a que
Holmes chegou os objetos. A lógica funcionou da seguinte maneira: vários
signos afetaram a mente de um interpretante que gerou a representação dos
objetos. A primeira tríade foi aplicada, mas esta etapa ainda continua para o
detetive porque o signo quando interpretado gera um objeto que se torna
outro signo a ser traduzido. Agora, Sherlock Holmes tem de interpretar os
primeiros resultados que encontrou. A primeira coisa que observei, quando lá
cheguei, foi que as rodas de um carro haviam feito dois sulcos perto do meio-
fio. Não chovera por uma semana antes da noite passada, portanto, se as
rodas deixaram marcas tão profundas, isso só poderia ter acontecido durante
a noite... Uma vez que carro esteve lá depois que começou a chover, e
nenhum carro parou por ali durante a manhã, conforme afirmou Gregson,
conclui-se que as marcas foram feitas durante a noite... são do carro que
trouxe os dois indivíduos para a casa. O detetive interpretante deixou que o
signo “marca da carruagem” afetasse sua mente de forma que ele pudesse
traduzir aquele signo. O que o interpretante leu foi: os dois sulcos no chão
representam uma carruagem; as quatro marcas de ferradura no chão
representam um cavalo que puxava o carro. Até este ponto, uma tradução
lógica e maquinal. Mas, com estas informações, o detetive pode ligar a
afirmação de Gregson que não houvera outra carruagem no local desde a
noite anterior às leituras das marcas citadas anteriormente. Holmes talvez
tenha pensado: “Se não houve outra carruagem, quem teria parado ali noite
passada?”. O objeto carruagem se tornou o signo carruagem, que precisa de
uma tradução mais complexa para encontrar o novo objeto. Para interpretar
este signo, Sherlock tem a dedução como ferramenta, conceito a ser abordado
oportunamente neste trabalho. Traduzido os signos da carruagem, o detetive
passa para outras representações. Com a direção das pegadas da vítima e do
assassino, ele pôde constatar que os dois indivíduos chegaram ao local do
crime amigavelmente. Não havia sinais de luta ou de que alguém tivesse sido
arrastado. O detetive também notou pela distância entre as pegadas que um
dos homens era bem mais alto que o outro.
Com todo esse percurso de “Um estudo em vermelho”, Holmes traçou
relações sígnicas com ele na figura de interpretante, as pegadas como signos
e as primeiras hipóteses encontradas, o objeto. Para traçar essa lógica é
preciso, porém, limitar ou apropriar para a ocasião, momentaneamente, os
conceitos das tríades propostas por Pierce. Essa limitação torna possível que
um método de apuração seja descrito de forma teórica. Como Holmes atua
em busca de um resultado, causa ou objeto, essa lógica pode ser aplicada por
ele. O signo afeta a mente de um interpretante que gera um outro signo,
representação de um objeto. Ainda preso à engrenagem interpretante, signo,
objeto, descrita anteriormente, Sherlock Holmes segue as pegadas até o
interior da casa.
A partir de agora, mais uma engrenagem se junta à anterior para a
formação de uma nova tríade: Ícone: é a relação do signo consigo mesmo. O
signo pode ser aspecto ou aparência, uma mera qualidade. Uma pintura,
chamada abstrata, por exemplo, desconsiderando o fato de que é um quadro
que está lá, o que já faria dela um existente singular e não uma pura
qualidade, mas considerando-a apenas no seu caráter qualitativo (cores,
luminosidade, volumes, texturas, formas...) só pode ser um ícone. Este signo
é referente à imagem... Qualquer qualidade tem, por isso, condições de ser
um substituto de qualquer coisa que a ele se assemelhe... Daí que os ícones
sejam capazes de produzir em nossa mente as mais imponderáveis relações
de comparação... diante de ícones costumamos dizer: “Parece uma escada...”
“Não. Parece uma cachoeira...” e assim por diante sempre no nível do parecer
Índice: é a relação do signo com seu objeto dinâmico... O índice, como seu
próprio nome diz, é um signo que como tal funciona porque indica uma outra
coisa com a qual ele está factualmente ligado.
Há, entre ambos, uma conexão de fato. Assim, o girassol é um índice,
isto é, aponta para o lugar do sol no céu. A posição sol no céu, por seu turno,
indica a hora do dia. Rastros, pegadas, resíduos, remanências são todos
índices de alguma coisa que por lá passou deixando suas marcas... Mas só
funciona como signo quando uma mente interpretadora estabelece a conexão
em uma dessas direções. Nessa medida o índice é sempre dual: ligação de
uma coisa com outra. Símbolo: é a relação do signo com seu interpretante...
extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por
convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu
objeto.
A cena do crime passa a ser vista como uma fotografia, uma única
imagem ou um ícone. Dentro dele, Sherlock encontra índices e símbolos a
serem traduzidos. Ainda que o detetive tenha adentrado à segunda tríade, ele
nunca abandonou a primeira e continua na representação de interpretante. A
partir de agora, a lógica se aprofunda mais, o interpretante analisa um signo,
que pode ser um ícone, um índice ou um símbolo. A partir dessa análise, um
objeto é gerado, que pode ser um outro signo. A lógica continua a mesma, um
interpretante traduz um signo que representa um objeto ou gera na mente
desse interpretante um objeto.
O que Holmes vê quando entra na casa? O detetive se depara com a cena
do crime ou ícone do crime. Imaginemos que o tempo congelou para que
fosse possível analisar as minúcias de tudo que está posto. A imagem que se
apresenta ao interpretante fica conforme a descrição de John Watson ao
entrar na casa. Um pequeno corredor, com o pavimento descoberto e
empoeirado, levava à cozinha e às áreas de serviço. Tinha duas portas: uma à
direita e outra à esquerda. Uma delas, era evidente, estivera fechada por
várias semanas. A outra dava passagem à sala de jantar, dependência onde
ocorrera o estranho caso. Holmes entrou e eu o segui... Dr. Watson, que
acompanha Holmes, descreve ainda a sala de jantar, local onde ocorrera
crime. Ele só se esquece de mencionar que na poeira do chão da sala as
pegadas continuam e mostram como teria se passado a movimentação antes
do assassinato. A descrição do ícone prossegue: A sala era ampla e quadrada
e a total ausência de mobília dava a impressão de que era ainda maior. Um
papel vulgar e muito vistoso forrava as paredes, mas, em vários lugares,
estava manchado de mofo e, em algumas partes, rasgara-se em grandes tiras
que, penduradas, deixavam ver o reboco amarelo. Frente à porta, havia uma
pomposa lareira que acabava em uma platibanda de falso mármore branco.
Em um canto havia um toco de vela vermelha.
A única janela estava tão suja que apenas filtrava uma luz fosca e incerta,
tingido tudo de uma tonalidade cinza, intensificada pela espessa camada de
poeira que a tudo cobria.
No meio da sala estava a vítima, homem entre 40 e 44 anos e de estatura
média. Tipo físico com ombros largos, cabelos pretos e crespos. Usava uma
barba curta e cerrada. Elegantemente vestido, estava de fraque e colete de
tecido grosso e de qualidade, calças claras e os colarinhos e punhos da camisa
estavam bem limpos. Ao lado dele havia uma cartola bem-feita. “Suas mãos
estavam crispadas e os braços, abertos. Suas pernas, porém, estavam
contorcidas, sugerindo uma agonia sofrida”, narra Watson. “O rosto rígido
guardava uma expressão de terror e, segundo me pareceu, também de um
ódio que eu jamais vira em rosto humano”, emenda. Dentro desse ícone
descrito, Sherlock então vai à procura dos índices e símbolos e encontra seis
signos. Como já dito anteriormente, a vítima não apresentava sinas de lesões,
mas, ao redor do morto, havia várias gotas de sangue (índice). Não havia
sinais de luta, mas provavelmente o sangue seria do assassino. O detetive
então dá início a uma revista nas roupas da vítima e encontra uma aliança
(símbolo), que não pertencia ao homem, mas a uma mulher. Holmes também
cheira a boca do morto e sente um odor acre (índice), a vítima teria sido
envenenada ou levada a isso. Com uma lupa e uma fita métrica Sherlock se
põe a examinar o local. Na poeira, observa as passadas das botas quadradas
(índice) e concluí a altura do assino e que ele teria percorrido a sala por
diversas vezes e em agitação crescente, devido ao fato das passadas se
alargarem cada vez mais. O resto de cinzas (índice) no piso é identificada
pelo detetive como de um charuto Trichinopoly. A um canto da sala, escrito
em letras de sangue encontrava-se a palavra alemã rache (símbolo), que
significa vingança. A palavra ainda faz observar que o assassino teria unhas
grandes, visto que quando escreveu arranhou a parede. A palavra ainda serve
para confirmar a altura do criminoso porque é mais como que naquela
posição, as pessoas escrevam à altura dos olhos. Com toda essa perícia,
Sherlock já encontra pistas suficientes para dizer como o crime ocorreu e
apontar um primeiro suspeito ainda sem nome: o cocheiro.
O método de Holmes, então, está na observação dos pormenores, dos
detalhes de cada elemento. Afirmação que é feita constantemente pelo
personagem ao Dr. Watson. Sherlock afirma nas tramas que seu método é
apenas ciência e procede nos casos como se fizesse uma perícia. Observando-
o, era inevitável a comparação com um cão de caça puro-sangue bem
treinado, correndo de um lado para outro atrás da presa e ganindo de
ansiedade pelo momento em que iria farejá-la. Por vinte minutos ou mais, ele
continuou em suas buscas, aferindo meticulosamente distâncias entre marcas
invisíveis para mim e uma vez ou outra, medido a parede com a fita métrica
num procedimento que me era incompreensível. A certa altura, colheu do
assoalho, com todo o cuidado, um montinho de pó acinzentado, guardando-o
em um envelope. Por fim, examinou com a lente a palavra grafada na parede,
analisando cada letra da forma mais detida. Feito isso, pareceu satisfeito,
porque guardou a lente e a fita métrica no bolso. Holmes é um perito
criminalista e busca comprovar cientificamente as hipóteses que tem.
Assim como Peirce, Sherlock não acredita em sexto sentido ou intuição.
Ele acredita na perspicácia da mente. Um repórter, da mesma forma, não
pode fazer afirmações baseadas no senso intuitivo. É preciso de provas ou de
que as hipóteses sejam confirmadas por documentos ou fontes dotadas de
credibilidade. Dentro das proposições peirceanas, toda pessoa faz uso da
chamada argumentação ao desenvolver uma ação mental.
Quando Holmes observa que a terra em frente à casa na Lauriston
Gardens está molhada, ele pode ter pensado: ‘Se durante a madrugada
choveu, logo, pela manhã a terra ainda pode estar úmida’. Acerca das marcas
da carruagem: ‘Se a terra está úmida e as marcas da carruagem não
desapareceram com a chuva, as marcas foram feitas durante ou logo após o
fim da chuva. Logo, a carruagem esteve aqui durante a madrugada’. Todo
esse complexo de pensamentos seria o argumento de Sherlock. Para que esse
silogismo seja efetivo e se aproxime da verdade, ele faz uso da tríade
indução, dedução e abdução, para testar essas possibilidades.
Porém, nada escapa ao olhar sábio, perfeccionista e crítico do detetive
Sherlock Holmes, que observa até cada microcaracterística cautelosamente.
Assim, ele infere, através das entrelinhas, relações sociais, políticas,
cotidianas e econômicas de quem está sendo analisado. Com toda sua astúcia,
as provas se fazem óbvias, tornando as relações e deduções gerais muito
claras a seus olhos. Por ter pistas muitas vezes ocultas e necessitarem de uma
leitura por trás da simples aparência, deduzimos que Holmes tem um olhar
majoritariamente indicial, significando que as pistas são visíveis somente
para ele.
Vale a pena abrir um parêntese e destacar a abdução como tipo de
raciocínio ou argumento, e como base da indução e dedução, mais conhecidas
do pensamento moderno. A abdução está em posição de primeira (a indução
na posição de segunda e a dedução na posição de terceira). Como paralela a
primeiridade, a abdução é o momento do insight, é uma quase adivinhação da
resposta a um problema, trata-se da elaboração de uma hipótese, que será
observada e demonstrada por indução e dedução. Outra palavra corrente que
corresponde ao raciocínio abdutivo é o feeling, presente no pesquisador ou no
professor atento aos processos dos quais faz parte. O reconhecimento deste
momento “divinatório” é notório no pensamento de Peirce, é o princípio da
investigação, dando lugar ao que poderia parecer estrangeiro ao fazer ciência.
O próprio Peirce pode ser lembrado como exemplo de abdução. Quando
jovem, abduziu que havia algo em comum nos fenômenos todos que estudava
nas mais diferentes áreas. A hipótese que levantou foi comprovada após
décadas de estudos.
O silogismo ou o argumento se divide em três elementos; regra, caso e
resultado. A regra se apresenta: todos os feijões daquela horta são brancos. O
caso: os feijões do pote são daquela horta. O resultado: todos os feijões deste
pote são brancos. Esse silogismo representa o conceito de dedução. A
sugestão de observar uma regra e aplicá-la a um caso para se obter um
resultado é um exercício constante na vida cotidiana. A indução também
pode ser formada a partir de um silogismo. O caso: choveu esta manhã.
Resultado: A chuva molhou a rua. Regra: a água molha a tudo. O
interpretante destes signos é induzido a acreditar que a chuva molhou a rua
porque realmente choveu e a regra diz que a água deixa tudo molhado. Dos
elementos da tríade, a Abdução é considerada por Pierce, a mais importante
porque transmite a ideia de criação, princípio e evolução. Pierce também
chama esse elemento por hipótese. A regra: a água molha a tudo. Resultado: a
rua ficou molhada. Já em “Um Estudo em Vermelho”, entendemos que o
casaco úmido da vítima é tomado como um índice, pois indica que a mulher
esteve na chuva há pouco tempo.
Caso: um caminhão despejou água ao passar por aqui. Na abdução, o
caso é a hipótese do que poderia ter ocorrido. Poderia ter sido a chuva a ter
molhado a rua, ou o Corpo de Argumento, de modo simplificado, é a junção
de uma série de premissas que levam a uma conclusão. Bombeiros que foi
apagar um incêndio e deixou tudo molhado. “A abdução permite formular um
prognóstico geral, mas sem garantia de um resultado bem-sucedido”. É um
processo no qual se formam hipóteses que são testadas sistematicamente,
subtraindo o que não se confirma até que se aproxime da verdade.
Nessa situação Sherlock Holmes diria, eliminando as coisas impossíveis,
o que sobrar, mesmo que improvável, deve ser a verdade.
Para Pierce, o processo cognitivo contém os três tipos de argumento:
indução, abdução (ou hipótese) e dedução. Em suma, Sherlock começa
observando, registrando e confrontando diversos dados observáveis
(indução); ele, então, erige uma hipótese como ponto de partida ou interpreta
os fatos observados de modo a identificar possíveis causas de eventos
resultantes (abdução); ele demonstra de modo analítico as consequências
necessariamente inerentes às hipóteses formuladas (dedução); ele submete as
hipóteses e as consequências daí deduzidas ao teste de observação e, em seu
sentido mais amplo, “experimenta” (indução). Assim, as hipóteses
estabelecidas e selecionadas uma após outra acabam por formar uma rede que
converge para a identificação da hipótese fundamental: a identidade do
criminoso.
O pensamento investigativo neste estágio funde as três tríades da lógica
peirceana, descritas neste trabalho, para se tornar um sistema de observação e
ação mental. A terceira tríade – indução, dedução, abdução; a segunda tríade
– ícone, índice, símbolo estarão contidos na primeira tríade: interpretante,
signo, objeto. O elo que liga essas tríades é o caráter dialético do signo e o
argumento, em forma de descrição dos fatos que serão analisados por esse
sistema. O método reivindicado por Holmes como dele é também peirceano.
O interpretante pensa acerca do signo ou é afetado por ele para chegar à
representação de um objeto. Os signos que afetam ou que são analisados pelo
interpretante podem ser índices, ícones ou símbolos. Quando o significante
ou o objeto é gerado, ele se transforma em um novo signo que pode ser uma
dedução, abdução ou indução.
O objetivo de trabalhar com Sherlock Holmes para dar uma leveza ao
material e deixá-lo mais atraente a leitura obteve sucesso em parte. Na
medida em que é curioso misturar literatura de ficção e teorias científicas, só
isso já pode ser considerado atrativo. As descrições de trechos das tramas de
Doyle também colaboram para deixar parte da leitura agradável ou atraente.
Mas é inevitável se chegar à complexidade que a semiótica exige. Ao
transpor essa barreira, o complexo pode perder para o simples e a
simplicidade é sempre mais agradável. De todo modo, Sherlock Holmes
conseguiu cumprir a função que lhe coube, ilustrar o pensamento analítico ou
a lógica investigativa.
Ao assistir os episódios escolhidos, foi possível comprovar na prática
essa afirmação, já que por mais que seja perceptível que Sherlock Holmes
encare tudo como índice, nós interpretamos de diferentes formas. Foi
possível caracterizar as provas analisadas pelo detetive também como ícones
e símbolos.
Assim, atribuímos a ele a definição de semioticista por excelência, uma
vez que a caracterização estudada da ciência da semiótica pode se fazer
semelhante à interpretação dos objetos feita por Sherlock Holmes.
Neste artigo, estabeleceremos relações entre os conceitos recuperados e
um episódio de cada temporada publicada até então. A saber: Um Estudo em
Vermelho (Temporada 1, Episódio 1), Um Escândalo em Belgravia
(Temporada 2, Episódio 1), O Sinal dos Três (Temporada 3, Episódio 2) e As
Seis Thatchers (Temporada 4, Episódio 1). Com esse parâmetro, são descritas
as cenas de dedução de Sherlock Holmes e John Watson, para assim serem
identificadas as correlações.
Um Estudo em Rosa
É no primeiro episódio da série que Sherlock Holmes conhece Dr. John
Watson, através de um amigo em comum e que acabam dividindo o mesmo
apartamento. Em seu caso inaugural no seriado, o detetive investiga a história
de uma vítima que teria cometido suicídio e sua possível relação com outras
quatro mortes. A trama se desenvolve a partir do momento em que Sherlock
descobre a participação de um serial killer que induziria suas vítimas ao
próprio assassinato. Em “Um estudo em Rosa”, Watson tem seu primeiro
contato e participação com as investigações detalhistas de Sherlock Holmes.
Uma cena emblemática do olhar perfeccionista e apurado de Holmes é a
de seu primeiro encontro com Watson. O protagonista descobre a antiga
profissão e o país do qual seu futuro parceiro de investigações acaba de
chegar. Além disso, Sherlock deduz situações pessoais vividas por Watson,
sem que o mesmo tenha falado uma única palavra. Os signos “postura
militar”, “corte de cabelo”, “pele bronzeada – porém não acima dos pulsos”
indicando que Watson não esteve viajando de férias e “fala de outra época”
proporcionaram a Sherlock uma leitura rápida sobre a escolarização e vida do
personagem. A junção dos fatores fez com que o detetive deduzisse que
Watson seria um médico ex-militar. Além disso, Holmes percebe que o
mancar de John é um trauma resultante de um ferimento de campo, já que
não pedira para se sentar. Assim, o protagonista infere ser algo psicológico e
que, provavelmente, Watson mantém frequência na terapia. Tudo isso
acontece em poucos segundos e é somente visível para o detetive, que acaba
por perguntar a Watson: “Afeganistão ou Iraque?”.
A postura séria e o cabelo bem aparado de Watson são,
convencionalmente, entendidos como um padrão comportamental militar,
portanto, podem ser associados ao conceito de símbolo. O mancar de John,
quando relacionado ao trauma, pode ser tomado como índice, ao passo que
aponta, nas entrelinhas, um afetamento psicológico. Já dentro de seu
primeiro caso, Sherlock é chamado pelo detetive Lestrade para investigar a
cena e vai ao local com Watson. Ao olhar o corpo da quarta vítima, começa a
analisar os fatores que ajudam a solucionar o caso: o casaco úmido indica que
a vítima esteve na chuva nas últimas horas, mas não choveu em Londres. O
guarda-chuva que estava em seu bolso estava seco e a gola do casaco úmida
por baixo. Assim, ele percebe que ventou muito forte, já que não foi possível
abri-lo e a gola é que foi utilizada para proteção. Percebendo que têm
pequenos respingos de lama no calcanhar e na panturrilha apenas na perna
direita da mulher, Holmes deduz que a vítima estava com uma mala de
rodinhas pequena, o que indica que veio passar apenas uma noite, já que era
uma mulher vaidosa. Esse cuidado com a aparência é percebido através da
combinação de cores de suas roupas, vendo também que ela poderia ser uma
profissional da imprensa. Juntando isso ao fato do seu casaco ainda não estar
seco, Sherlock Holmes deduz que a vítima viajou faz poucas horas.
O casaco úmido pode ser um índice, já que é perceptível, através desse
signo, o fato de que a vítima esteve na chuva há pouco tempo. As peças de
roupa cor-de-rosa, combinando entre si, unhas bem-feitas e uso de joias são
símbolos da vaidade e do padrão social da vítima.
Ele analisa as joias, limpas e polidas e sua aliança, símbolo de um
casamento ou união. Tomando como índice o aspecto do anel “sujo” por fora
e “limpo” por dentro, é possível perceber que a vítima viveu um casamento
infeliz, o qual Sherlock diz ser de aproximadamente 10 anos. Ainda
observando os mesmos índices, o detetive percebe que era uma mulher
adúltera, já que não utilizava muito as mãos para trabalhar e frequentemente
retirava o anel, para assim, enganar os amantes.
Já Watson analisa a mulher de acordo com seus conhecimentos de
medicina e os índices presentes. Quando não sente cheiro de álcool, infere
que ela teria sido morta por asfixia, provavelmente por convulsão por drogas.
Mas ao observar que a mala não se encontra no local do crime, Holmes
rapidamente descarta a possibilidade de suicídio. Pelo tempo de viagem e
circunstâncias climáticas recentes, Sherlock Holmes, sob o olhar curioso de
Watson e do detetive da polícia, manda que Gregson Lestrade vá com sua
equipe para Cardiff, cidade onde infere que vítima esteve anteriormente. Mais
tarde, é possível perceber que Holmes acerta em todos os palpites.
Um Escândalo em Belgravia
No primeiro episódio da segunda temporada, após um confronto com seu
arqui-inimigo, John Moriarty, Sherlock Holmes tem a vida “salva” por Irene
Adler, personagem que se revelará criminosa em seu próximo caso. Diante de
vários possíveis crimes que se apresentam para ele, os quais julga serem
tediosos, Sherlock é contatado para recuperar fotos e arquivos importantes
para a monarquia inglesa. Tais arquivos se encontram num dispositivo
pertencente a Adler, conhecida profissionalmente como A Mulher.
Entretanto, a personagem não tem interesse em divulgar ou vender as fotos,
pois ela pretende apenas mantê-las sob seu poder como forma de proteção.
Sherlock, então, se encontra num impasse, pois há outras pessoas interessadas
no conteúdo do dispositivo de Irene. Assim, a vida d’a Mulher se encontra
em perigo.
Ao ser contatado, Sherlock é intimado a acompanhar um segurança,
entretanto não fica claro o local de destino. Apenas por analisar o perfil do
rapaz, o detetive descobre para onde será encaminhado: o terno de 700 libras
é tomado como símbolo, pois ajuda na pressuposição de que o segurança
trabalha para alguém importante e provavelmente com boa condição
financeira. Mesmo com sua profissão, o homem está desarmado e com unhas
feitas e limpas, simbolizando que trabalha em local fechado e fora de perigo.
Ao observar diferentes tipos de pelos distribuídos disfarçadamente pelo terno,
Holmes os toma como índices e percebe que o segurança trabalha em um
local com três cães de pequeno porte. Diante disso, é encaminhado para o
Palácio de Buckingham, residência oficial e principal local de trabalho da
monarquia Inglesa
Ao conhecer a Srta. Adler, se apresentando a Sherlock com seu corpo
despido, o detetive fica atônito. Diferente do que acontece com todas as
outras pessoas, Sherlock não consegue ler as características d’A Mulher. O
detetive até olha para Watson, que se encontra no mesmo cômodo e identifica
suas características usuais: mesma camisa há dois dias, barba feita por
barbeador elétrico, sapatos novos que sugerem um encontro à noite,
frustração expressa em seu olhar por não manter contato com a irmã, e até
identificou que não dormiu bem ou por muito tempo, já está com olheiras,
símbolo convencionado para tal.
Irene ironiza o fato de Sherlock estar frustrado com sua incapacidade de
lê-la: “Sabe qual é o grande problema com disfarces, Sr. Holmes? Sempre
fica uma característica nossa.” O que Holmes não sabia, mas estava prestes a
descobrir, era que, mesmo com o corpo despido, Irene revelava um
importante fator a ser decifrado: a senha para o cofre que guarda o dispositivo
que Holmes queria. O detetive, ao olhar Irene, descobre a senha do cofre: os
números do código eram as medidas físicas de seu corpo, o que percebemos
como índices.
O Sinal dos Três
Neste episódio, a trama se desenvolve a partir da morte de um guarda.
Em meio ao casamento de John Watson e Mary Elizabeth e enquanto
Sherlock tenta solucionar outro caso proposto, descobre que alguém ali será
assassinado. Através de uma investigação “introspectiva”, desenrolada
sobretudo nos pensamentos de Holmes, o detetive descobre a estrutura do
crime que ocorreria no casamento de seu amigo, e, ao mesmo tempo,
encontra as respostas para o caso da morte do guarda, já que o assassino era o
mesmo.
Em meio a estranha coincidência, Holmes começa, durante seu discurso
de padrinho do casamento, a procurar pela pessoa que será assassinada
naquele local. Primeiramente, ele pensa em quem se esforça para ir a um
casamento e assim, só poderia ser morto nesse tipo de evento. Assim, pensa
em alguém que não sai muito e um encontro planejado é uma exceção rara.
Essa pessoa, então, precisa morar em um lugar inacessível ou desconhecido.
É reservada, obcecada por segurança, e está sob constante ameaça.
Com essas suposições, Sherlock lembra que Watson descreve seu ex-
superior no exército como um homem discreto. Convidado para o casamento,
mesmo nunca saindo de casa, o major Harry Shoto esteve em uma missão e
voltou como único sobrevivente, mesmo que com sequelas físicas e
psicológicas. Por esse motivo, o doutor diz que ele é ameaçado
constantemente e por várias pessoas, já que se torna um ícone da guerra, na
medida em que suscita lembranças dos soldados que não voltaram para casa
em suas famílias. Quando chega ao casamento, o major se apresenta e conta a
Watson que tem morado “no meio do nada”.
Assim, Holmes infere que Shoto será o assassinado da noite e pede que
ele se retire do salão através de um bilhete discreto. Porém, ao tentar
descobrir a forma como aconteceria o crime, Holmes pensa nas semelhanças
entre o uniforme do major e o de um guarda, morto misteriosamente. Os dois
usam um cinto na cintura, perfeitamente ajustado. Com esse símbolo,
relacionados à sua profissão, Holmes rapidamente observa as semelhanças e
deduz que o caso do guarda, não solucionado, foi um ensaio para o da noite
do casamento, que seria semelhante. O assassinato aconteceria quase como
um suicídio: assim que o major retirasse o acessório, uma “faca invisível”,
por dentro do cinto, mataria o homem, cortando uma das principais vias de
circulação do sangue.
Após convencer Shoto a não retirar o cinto sem cuidados médicos,
Holmes e Watson tentam encontrar o assassino. Se o crime acontecesse como
planejado, procurariam o criminoso dentre os convidados da festa,
possivelmente através de fotos. Astutamente, o detetive percebe que o
criminoso se esconderia dos registros do casamento – entendidos por nós
como ícones –, sendo a única pessoa que está sempre por trás das câmeras.
Com uma rápida pesquisa feita pelo celular, na internet, o detetive descobre
que o irmão do fotógrafo contratado foi morto na incursão em que Major
Shoto era comandante. Mesmo tomando cuidado com todos os detalhes,
Holmes e Watson solucionam mais um caso e conseguem prender o assassino
do crime anterior – ensaio – e salvar a vida do estimado amigo do noivo.
As Seis Thatchers
No primeiro episódio da quarta temporada, após assassinar o personagem
Augustus Magnussen – o “Napoleão da chantagem” – no episódio anterior,
Holmes está de volta depois de ser mandado para um exílio pelo seu irmão
Mycroft, quando o mesmo recebe uma mensagem que retratava uma trama a
ser revelada. Este episódio apresenta um segredo antigo e oculto de Mary,
esposa de Watson, e as consequências de ter sido uma agente secreta. Os
dados que revelavam seu passado poderiam ser encontrados em uma das seis
esculturas idênticas do busto de Margaret Tatcher e, por isso, Holmes e seu
amigo tentam, a todo custo, impedir que tais segredos sejam revelados.
Holmes e Watson, porém, se deparam com Vivian Norbury, que trabalha para
o governo, junto com Mycroft. Esta, ao fim, acaba por assassinar Mary
Watson quando a esposa de John salva a vida de Holmes.
Um casal contata Sherlock para desvendar a morte de seu filho
adolescente. O detetive facilmente desvenda o crime, entretanto o que
chamou sua atenção ao visitar o casal foi uma escultura de um busto que
havia sido derrubado noite anterior. Holmes fica intrigado com a obra, a qual
conseguimos apontar como ícone, na medida em que se assemelha fielmente
ao semblante de Margareth Thatcher, a ex-primeira-ministra do país e líder
do governo britânico. Ao mesmo tempo, as esculturas também podem ser
consideradas símbolos, por retratarem uma personalidade importante naquele
nicho específico.
Em outro caso paralelo, ainda dentro do mesmo episódio, um senhor, o
qual foi deixado por sua esposa, visita Holmes para descobrir o porquê de ter
sido abandonado. Sherlock o lê de cima a baixo: identifica que nem sempre
trabalhou como atualmente – em lugares fechados –, pois antes fazia
trabalhos manuais. Isso devido ao indício percebido pelo detetive: a mão
direita possui quase o dobro do tamanho da mão esquerda. O cliente
confirma, dizendo que era carpinteiro, assim como o pai. Holmes também
deduz que o homem tem tentado parar de fumar, mas sem sucesso, porque
observa diversos cigarros eletrônicos avulsos guardados em seu bolso. A
tatuagem com o nome “Akako” pode ser entendida como ícone de que teve
uma namorada japonesa importante, mas como tentou removê-la, hoje se
sente indiferente à mulher. Ao final, Holmes diz ao senhor, com seu senso de
humor, que a esposa o deixou por causa de seu mau-hálito devido ao cigarro.
A análise dos episódios nos permite observar que Sherlock é capaz de ler
pistas de naturezas diversas para solucionar crimes misteriosos. Em O Sinal
dos Três, por exemplo, percebemos como as fotos do casamento podem ser
consideradas ícones, na medida em que retratam a realidade. Já em “Um
Estudo em Vermelho”, entendemos que o casaco úmido da vítima é tomado
como um índice, pois indica que a mulher esteve na chuva há pouco tempo.
O terno de 700 libras do episódio Um Escândalo em Belgravia pode ser um
símbolo, indicando que a pessoa trabalha para alguém com boa condição
financeira.
Holmes é um ser superior e nada lhe passa despercebido. Durante a série
Sherlock, é possível observar que suas deduções partem das características
exclusivas das pessoas ao seu redor, uma vez que todas carregam rastros do
próprio passado, presente e, muitas vezes, futuro. Sendo assim, o detetive
desnuda cada um com seu “olhar constante e que se projeta sobre todos”
(COLI, 2010, p. 257), simplesmente por estarem ali.
Como apurado, o índice é um signo que faz relação física e remete a um
momento, algo ou alguém, não estando evidente a todos. Porém, nada escapa
ao olhar sábio, perfeccionista e crítico do detetive Sherlock Holmes, que
observa até cada microcaracterística cautelosamente. Assim, ele infere,
através das entrelinhas, relações sociais, políticas, cotidianas e econômicas de
quem está sendo analisado. Com toda sua astúcia, as provas se fazem óbvias,
tornando as relações e deduções gerais muito claras a seus olhos. Por ter
pistas muitas vezes ocultas e necessitarem de uma leitura por trás da simples
aparência, deduzimos que Holmes tem um olhar majoritariamente indicial,
significando que as pistas são visíveis somente para ele.
Ao assistir os episódios escolhidos, foi possível comprovar na prática
essa afirmação, já que por mais que seja perceptível que Sherlock Holmes
encare tudo como índice, nós interpretamos de diferentes formas. Foi
possível caracterizar as provas analisadas pelo detetive também como ícones
e símbolos. Após o estudo sobre a tricotomia peirceana juntamente com a
série Sherlock, foi possível analisar a leitura dos objetos como índices por
parte do detetive. Coli (2010) nos ajuda a chegar num ultimato quando fala
sobre o trabalho de Sherlock Holmes:
Seus diagnósticos são nutridos por uma objetividade 'científica'. A ficção
conduz o raciocínio ao extremo do anonimato catalogado e fichado da
polícia, que existe nos fatos. Ele torna cada um vulnerável. Inocente ou
criminoso, o olhar que atravessa é o mesmo." (Coli, 2010, p. 257).

SEMIÓTICA

A semiótica, cada vez mais, vem sendo utilizada no campo


comunicacional como método de pesquisa nas mais diversas áreas, seja nos
estudos das linguagens musical e gestual, da linguagem fotográfica,
cinematográfica, pedagógica e pictórica, bem como pela linguagem poética,
publicitária e jornalística.
Assim, fica cada vez mais evidente a necessidade de se compreender a
relação do homem e a infinidade de signos existentes em nossa sociedade
atual. A linguagem humana tem se multiplicado em várias formas e novas
estruturas e novos meios de disseminação desta linguagem têm sido criado.
O mundo era tangível e apreensível pela contemplação e pela indução,
abarcado nas faculdades do imaginário. O homem criava signos, seres e
representações grandiosas, utópicas, oníricas, como deuses, dragões, heróis,
seres divinos ou profanos. E de toda essa teia de signos regidos pelo regime
da imaginação, nasceu o mito – a maneira de representar o mundo frente a
uma consciência indutiva e representativa, num sentido de persistir, perdurar,
de fixar um legado, algo a repercutir e não ser esquecido mesmo que possa
ser distorcido.
O cérebro humano ainda é um mistério que não foi totalmente
desvendado e isso implica no comportamento do ser humano dentro e fora de
seu ambiente de trabalho. A mente humana é repleta de complexidades. Uma
mesma ação pode causar dezenas de outras reações em uma dezena de
pessoas diferentes. Cada uma tem uma forma de reagir a uma certa situação.
Cientistas norte-americanos, já no início da década de 80, descobriram
uma onda cerebral que lhes permitiu observar o funcionamento da mente e
até da consciência. Esta sutil onda cerebral só aparecia quando o indivíduo
descobria uma falta de sentido no final de uma frase comum (“A faxineira
varreu o chão com réguas”). A onda aparecia registrada numa tela logo que a
mente reagia ao absurdo. Trata-se então de uma sutil assinatura elétrica da
mente humana, relatada pelo doutor Steven A.Hillyard da Universidade da
Califórnia. Estes sinais que acompanhavam processos mentais específicos
foram chamados event-related-potencials (ERPs).
A citada experiência científica comprova hoje, mais do que nunca, que,
além de a vida do homem moderno ser regida por signos, os meios de
comunicação empenham-se numa luta contra a 'estereotipação' da linguagem
diária, uma vez que, quanto mais previsível for uma mensagem, tanto menor
será a informação dessa mensagem. Isto não é nenhuma novidade. Compara-
se a frase comum como “Ponha um vaso sobre a mesa” com a famosa e bem
antiga frase de propaganda “Ponha um tigre no seu carro”.
As mensagens criptográficas foram usadas nos anos 60 também como
recurso de publicidade: no L.P. “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”,
lançado pelos Beatles em abril de 1967 na Inglaterra, e em outros long-
playning subsequentes, havia uma série de “pistas” que indicavam uma
suposta morte de um dos componentes da banda, Paul MacCartney. A capa
do LP, que é uma verdadeira obra artística de montagem, apresentava uma
série de índices e ícones como a mão espalmada sobre a cabeça de Paul
(indicando parada) e, dentre numerosas fotos, a do poeta da morte, Edgar
Allan Poe.
O cérebro do homem é uma máquina hipercomplexa que, embora com
funcionamento globalizante, é inteiramente fracionado em suas funções, as
quais vão desde a lembrança do nome de um amigo até as de resolução dos
problemas mais intricados da vida de uma pessoa. O cérebro tem perto de
trinta bilhões de neurônios, uma parte dos quais especializados, outra a ser
desenvolvida ao longo da vida, conforme a vivência de cada pessoa. Há
neurônios capazes de identificar cores; outras, formas; alguns, movimentos.
Os dois hemisférios cerebrais apresentam características diferentes. O
esquerdo encarrega-se das atividades lógicas, verbais e matemáticas: respeita
a sequência, nomeia, encaixa, verifica linearmente, analisa, conceitua, usa
signos linguísticos, considera importante a sintaxe. O direito processa as
imagens e a intuição: vê similaridade (é analógico), é emoção, busca os
paradigmas e rejeita os sintagmas, usa signos icônicos (navega melhor no
“Windows” do que no “DOS”, enxerga diversas informações ao mesmo
tempo (simultaneidade).
A mente ocidental tende para o pensamento linear e a mente oriental para
o pensamento em imagens. Os orientais utilizam intensamente os dois
hemisférios cerebrais, uma vez que o idioma japonês é composto de
ideogramas que correspondem a sons. Quando lidos, a “imagem” ou desenho
do ideograma é processado pelo hemisfério direito, enquanto o som
correspondente ao vocábulo é interpretado pelo esquerdo. O mundo
ocidental, reduzindo tudo ao discurso lógico ou ideológico, acabaria com o
lobo direito do cérebro atrofiado. Cremos nós que com a “invasão dos
ícones” em todas as grandes cidades do ocidente, sobretudo nas mensagens
publicitárias, nos videoclips, nas navegações pelo cyberspace (rede mundial
de informação eivada de ícones), quebrar-se-á a “ilusão de contiguidade” e o
mundo inteiro se orientará.
Tudo no mundo de hoje parece girar em torno da “informação”. As
abordagens novas não se referem tanto à capacidade que o homem pós-
moderno tem para aproveitar adequadamente suas potencialidades cerebrais.
Fala-se em “revolução digital”, traduzindo como competência para
acesso à informação. Oras, o simples acesso à informação não se traduz por
conhecimento. Haverá talvez necessidade de, num futuro próximo,
automatização interpretativa do volume de informações que chegam até nós.
Desde os primórdios da humanidade, buscam-se explicações para o
processo do conhecimento humano. Muito cedo, pensadores da antiguidade
formularam hipóteses e geraram teorias que definiam a expressão humana
como um processo representativo de suas formas de ver o mundo. Assim
descobriram o signo, conceituaram-no e o decompuseram na intenção de,
desta forma, compreender o conhecimento humano.
Creio que agora podemos divisar, na História da Cultura, a ocorrência de
um processo gradativo de abstração sígnica que vai do ícone ao símbolo
(segundo a graduação das categorias de Peirce), pois o desenho da pedra
mencionada anteriormente é um ícone, bem como o desenho da cabeça de um
boi para representar o boi é índice do boi. O índice, segundo Peirce, está
fisicamente conectado com seu objeto, ambos formando um par orgânico. O
desenho, enfim, da cabeça de um boi, feito nas paredes de uma caverna pelo
Homo Sapiens, é em si um ícone, mas, como tem o objeto (boi) uma conexão
de contiguidade (proximidade física), tornou-se um índice naquele momento.
Poderá passar, no transcorrer dos séculos, porém, na escrita pictográfica, o
símbolo. Como se viu, confirma-se a hipótese: primeiro veio a similaridade,
depois a contiguidade.
A Semiótica, sabemos, está bem perto da origem da vida, uma vez que,
sem informação e energia, aquela última não existe. Presume-se que o
Universo tenha quinze bilhões de anos e sabe-se que ele não é somente este
punhado de estrelas que vemos no céu à noite, quando não poluição. Apenas
na nossa galáxia há 250 bilhões de estrelas; o que vemos é parte dela e há
bilhões de galáxias no Universo.
Se passaram a existir seres vivos na Terra, após o “Bing-Bang”, grande
explosão de toda matéria universal, foi graças às fusões nucleares do interior
das estrelas. Muito tempo deve ter passado até que nosso sistema planetário
tivesse esta trajetória estável e talvez um bilhão de anos até o aparecimento
de moléculas orgânicas sobre a Terra.
A descoberta do código genético revela-nos a vida como linguagem. Na
análise da evolução da molécula de ADN (ácido desoxirribonucléico),
substância universal portadora do referido código, percebeu-se que aquela é
capaz de armazenar informações mediante uma linguagem entre átomos. Esta
linguagem é valiosa e legítima para todos os seres vivos, chamados
“máquinas químicas” que perambulam sobre a Terra.
A vida, portanto, depende de informação que, por sua vez, coordena a
energia-geradora dos processos dinâmicos no meio biológico. O homem é um
universo em miniatura. As vibrações de energia existentes no Cosmo também
existem em cada célula do corpo e da mente do ser humano. Cada célula
cumpre sempre o papel que deve cumprir no instante biológico exato.
Segundo Crocomo, cada molécula tem de saber o que as outras moléculas
estão fazendo e cada molécula deve ser capaz de receber mensagens,
devendo, por assim dizer, ser suficientemente disciplinada para obter ordens
e em muitos casos transmitir mensagens.
Já neste ponto, é importante ressaltar que a biologia moderna se compõe
de dois grandes ramos: a biologia molecular ou celular e a biologia evolutiva.
A cronologia cósmica, a natureza foi conseguindo estocar mais e mais
informações na molécula de ADN, e assim conseguiu organismos mais e
mais complexos na escala evolutiva.
Se pudéssemos perguntar a Peirce sobre os fatos da História que ninguém
conhece, por estarem perdidos na noite dos tempos, ele nos responderia com
inúmeras indagações:
Deixarão essas coisas de realmente existir por inexiste qualquer
esperança de o nosso conhecimento alcançá-las?
Depois da morte do universo e depois de a vida ter cessado para sempre,
não continuará a colisão de átomos, conquanto já não exista espírito que
possa notar isso? E responderia: - " Há uns poucos anos, não sabíamos de
que substâncias são constituídas as estrelas, cuja luz para atingir-nos pode
ter exigido tempo superior ao da existência da raça humana. Não se pode
dizer, enfim, que haja uma questão que não possa vir a ser resolvida. Seja o
que for que pensemos, temos presente à consciência ou sensação, imagem,
concepção ou outra representação, servindo de signo. Mas segue-se da nossa
própria existência que tudo aquilo que nos é presente constitui manifestação
fenomenal de nossa pessoa".
Outra pergunta a Peirce: - Que tipo de criaturas seremos dentro de 100
anos? Como hoje, ou profundamente diferentes?
Será que com isso estaremos mais perto de construir um cérebro
artificial, uma máquina capaz de não só obedecer a comandos, mas também
de mostrar que tem consciência de si mesma, “personalidade”? Ou de seu
desejo de nos destruir. Potencialmente, seria um retorno ao mito de
Frankenstein, mas, nesse caso, ganharia a criatura. Algo a se pensar, não?
Peirce responderia:
- “A ideia é que máquinas inteligentes — a inteligência artificial (IA) —
não só serão uma realidade como nos sobrepujarão. De certa forma, segue a
ideia, nos tornaríamos obsoletos. A visão de um cérebro sem um corpo é
muito simplista; se criarmos uma máquina inteligente, não será uma
inteligência humana. Será outra coisa. E não temos a menor ideia da moral
desse tipo de inteligência.”

CHARLES SANDERS PEIRCE

CHARLES SANDERS PEIRCE (1839-1914), pensador norte-americano,


instituidor do pragmatismo como método de conhecimento, manteve relações
intelectuais com todos os filósofos importantes de seu momento histórico –
dentre eles: William James, Henry James, John Dewey, Gottlob Frege,
Bertrand Russell.
Não realizou carreira universitária, e seus textos foram publicados
esparsamente, reunidos pós-morte.
A posição pragmática (espécie de versão neopositivista mais avançada)
consiste no método para a determinação de significados, concebidos como
produtos factíveis.
O pragmatismo não se propõe, com Peirce, como filosofia. Seu
estamento é de recurso para o pensamento filosófico, instrumento para o que-
fazer filosofante.
Algumas constantes na metodologia peirceana.
Sua estrutura de raciocínio e demonstração apoia-se sempre em relações
triádicas. Nisso, deriva direta sugestão da dialética hegeliana (tese, antítese,
síntese).
Todo significado parte de uma hipótese, a que se segue uma operação –
que vai até uma experimentação (ou mesmo um resultado).
O objeto é conhecido e diferenciado pelas consequências práticas que
acarreta e pelos fatos em que resulta.
A concepção de um objeto equivale à concepção de como funciona ou do
que pode realizar. Tal a proposição pragmática, da metodologia de C. S.
Peirce.
Três são os elementos lógicos que permitem a decifração dos fenômenos,
ou sua conceituação:
PRIMEIRIDADE;
SECUNDIDADE;
TERCEIRIDADE
Esse sistema triádico identifica as categorias lógicas para C. S. Peirce.
PRIMEIRIDADE é uma qualidade sensitiva, ou sensação percebida (um
orgasmo, um soluço, por exemplo). Resume-se na ideia daquilo que
independe de algo mais. A primeiridade caracteriza os fenômenos singulares,
idiossincráticos, excludentes. Os sentimentos ou as qualidades puras incluem-
se na categoria das primeiridades.
SECUNDIDADE é reação, resposta. Existindo um duplo termo, nas
quais uma coisa acontece à outra. O nome de uma coisa ou fato é uma relação
de duplo termo. Assim, a percepção sensível que permite conhecer os eventos
ou sua mudança (troca de estado, troca de posição, referencial) – constitui-se
na categoria lógica da segundidade.
TERCEIRIDADE é representação. A ideia que se faz de um terceiro,
entre um segundo e um primeiro; uma ponte entre dois termos ou elementos.
A terceiridade predomina na generalidade, na continuidade que permite, por
exemplo, a elaboração de leis. Toda lei depende de um referencial (primeiro e
segundo), de que ela é o terceiro. O signo, segundo Peirce, é a ideia mais
simples da terceiridade.
SIGNO – segundo Charles Sanders Peirce, é aquilo que representa
alguma coisa para alguém, sob determinado prisma.
A coisa representada denomina-a objeto.
O primeiro signo denomina-se REPRESENTAMEN. Cria na mente da
pessoa, o qual é direcionado como emissão, um signo equivalente a si
próprio.
A flor que existe no mundo independe de minha vontade. A palavra flor
(ou flower, ou fleur, ou fiore) é um signo gerado pelo primeiro signo que é a
flor.
Esse outro signo, mais desenvolvido que o representamen, denomina-o
Peirce interpretante.
Decorre nova relação triádica – signo / objeto / interpretante, como
abaixo:

INTERPRETANTE

SIGNO OBJETO

Entre signo-interpretante e interpretante-objeto, as relações são causais.


Já entre signo e objeto não há relação de pertinência, porque arbitrária.
O signo não pertence ao objeto, o objeto não pertence ao signo.
Decorre que o interpretante passa a funcionar como a chave da relação
(inexistente) signo e objeto. As três entidades formam a relação triádica do
signo.
Peirce configura a palavra signo numa acepção muito larga e elástica.
Pode ser uma palavra, uma ação, um pensamento ou qualquer coisa que
admita um interpretante, com o qual mantém uma relação de duplo termo.
A partir de um interpretante, e por causa dele, torna-se possível um
signo.
Nem interpretante, nem signo, estão contidos na primeiridade ou na
segundidade. Como categoria lógica, ambos se incluem na terceiridade.
Peirce concebe os signos em três divisões amplas: ÍCONE, ÍNDICE e
SÍMBOLO.
A partir da exemplificação abaixo, a indução dos conceitos.
Assim:
a)impressão digital na carteira de identidade (ÍCONE);
b)impressão digital do ladrão (ÍNDICE) ou a impressão digital;
c)impressão digital, como símbolo de campanha a favor da
alfabetização (SÍMBOLO).
ÍCONE é um signo que é uma imagem. Caracteriza-se por uma
associação de semelhança, independe do objeto que lhe deu origem, quer se
trata de coisa real ou inexistente.
ÍNDICE é um signo que é um indicador. Relaciona-se efetivamente com
o objeto, por contiguidade. Aquilo que desperta a atenção num objeto, num
fato, é seu índice. Permite, por via de consequência, a contiguidade entre
duas experiências ou duas porções de uma mesma experiência.
SÍMBOLO é o signo que é uma abstração de um concreto. Refere-se ao
objeto que denota em virtude de uma lei, e, portanto, é arbitrário e
convencionado. A possível conexão entre significado e significante não
depende da presença (ou ausência) de alguma similitude. Enquanto o índice
define contiguidade, o símbolo, não. Fundamental no signo que é um símbolo
incide em seu caráter definitivamente convencional.
Essa é a divisão triádica dos signos, segundo Peirce.
O signo apresenta, ainda três subcategorias básicas. A partir dessa nova
proposição triádica, C. S. Peirce concebe que todo o signo, em si próprio,
pode ser:
a)mera qualidade;
b)existência concreta;
c)lei geral.
QUALI-SIGNO é todo signo que é uma qualidade. Como tal,
semanticamente, um determinante. O azul é um determinante (qualidade) de
cor.
SIN-SIGNO é todo o signo que é uma coisa existente, um acontecimento
real. Em princípio, envolve vários quali-signos (ou permite vários
determinantes). O vermelho é soma dos quali-signos de vermelho (que é uma
cor, que é sinal de proibição, que é sinal de alerta, que é sinal de perigo). O
vermelho é o signo de si próprio (sin-signo), somatório de todos os quali-
signos de vermelho. Uma palavra, como tal é seu sin-signo.
LEGI-SIGNO é o signo que é uma lei. O vermelho como pare, na
codificação visual das leis de trânsito, é um legi-signo. Contudo, inexiste
legi-signo sem sin-signos prévios. O vermelho existe antes como sin-signo,
antes de ser uma lei de trânsito.
A partir da divisão das partes que interagem na constituição do signo,
Peirce estabeleceu classificações triádicas (tricotomias) dos tipos possíveis de
signos. As três tricotomias mais conhecidas consideram a relação:
1º) do signo consigo mesmo (seu representâmen);
2º) do signo com seu objeto dinâmico;
3º) do signo com seu interpretante.

1ª TRICOTOMIA (signo em relação a si mesmo): organiza os signos a


partir das aparências do representâmen (do próprio signo).
O quali-signo é uma qualidade sígnica imediata, tal como a impressão
causada por uma cor. O quali-signo é uma espécie de pré-signo, pois se essa
qualidade se singulariza ou individualiza, ela se torna um sin-signo.
Ex.: as impressões que as cores azuis e rosa podem causar em um
indivíduo, antes de singularizadas, são quali-signos, meras sensações ou
qualidades.
O sin-signo é o resultado da singularização do quali-signo. A partir de
um sin-signo pode-se gerar uma ideia universalizada (uma convenção, uma
lei que substitui o conjunto que a singularidade representa), tornando-se
assim um legi-signo.
Ex.: se o indivíduo acha que as sensações são de seriedade, para o azul, e
de delicadeza, para a rosa, é porque ele percebe essas cores dessa forma
singular.
O legi-signo é o resultado de uma impressão mediada por convenções,
por leis gerais estabelecidas socialmente.
Ex.: a ideia geral de que “azul transmite seriedade e deve ser associada
ao sexo masculino” e “rosa transmite delicadeza e deve ser associada ao sexo
feminino” é uma convenção. Essa ideia se tornou uma lei geral, culturalmente
convencionada em nossa sociedade. Trata-se agora de um legi-signo.
2ª TRICOTOMIA (signo em relação ao objeto dinâmico): organiza os
signos conforme a relação entre ele e o objeto que ele substitui.
O ícone, de forma semelhante ao quali-signo, representa uma parte da
semiose em que se destacam alguns aspectos qualitativos do objeto. O ícone é
o resultado da relação de semelhança ou analogia entre o signo e o objeto que
ele substitui.
Ex.: um retrato ou uma caricatura são semelhantes aos objetos que eles
substituem; eles são signos icônicos.
O índice, assim como o sin-signo, resulta de uma singularização. Um
signo indicial é o resultado de uma a relação por associação ou referência. A
categoria indicial se evidencia pelo vestígio, pelos indícios.
Ex.: rastros de pneus, pegadas ou cheiro de fumaça não se parecem com
os objetos que eles substituem (pneus, animais ou a fumaça), mas nós
associamos uns aos outros, respectivamente; são exemplos de signos
indiciais.
O símbolo resulta, tal como o legi-signo, da convenção. A relação entre o
signo e o objeto que ele representa é arbitrária, legitimada por regras.
Ex.: a pomba branca é símbolo de paz, um retângulo verde com um
losango amarelo, círculo azul e estrelas é um dos símbolos do Brasil, mas em
nenhum desses casos há relação de semelhança ou de associação singular;
trata-se de regras, leis convenções.
3ª TRICOTOMIA (relação entre o signo e o interpretante): organiza os
signos a partir da sua relação com as significações desse signo.
Em lógica formal, o rema corresponde ao que se chama de termo, isto é,
um enunciado impassível de averiguação de verdade. Em língua portuguesa,
uma palavra qualquer (“menino”, por exemplo) fora de um contexto sintático
é um rema.
Se a palavra “menino” se insere em uma sentença, como em “o menino
está doente”, podemos verificar seu grau de veracidade. Em lugar de um
termo, temos uma sentença; em Semiótica, essa sentença chama-se dicente
(dici-signo ou dissisigno). Investigamos se o menino está verdadeiramente
doente porque a sentença não nos forneceu os motivos pelos quais se afirmou
isso, mas temos elementos para tal averiguação.
Se houvesse informações comprobatórias, não se trataria mais de um
dicente, mas de um argumento. A sentença “O menino está doente porque
apresenta manchas vermelhas e temperatura alta” traz um raciocínio
completo, justificado, com caráter conclusivo. Nesse caso, temos então um
argumento.
RESUMINDO

São três os elementos lógicos que permitem a decifração dos fenômenos,


ou sua conceituação: PRIMEIRIDADE, SECUNDIDADE e
TERCEIRIDADE. Esse sistema triádico identifica as categorias lógicas para
C. S. Peirce. PRIMEIRIDADE é uma qualidade sensitiva, ou sensação
percebida (um orgasmo, um soluço, por exemplo). Resume-se na ideia
daquilo que independe de algo mais. A primeiridade caracteriza os
fenômenos singulares, idiossincráticos, excludentes. Os sentimentos ou as
qualidades puras incluem-se na categoria das primeiridade. SECUNDIDADE
é reação, resposta. Existindo um duplo termo, nas quais uma coisa acontece à
outra. O nome de uma coisa ou fato é uma relação de duplo termo. Assim, a
percepção sensível que permite conhecer os eventos ou sua mudança (troca
de estado, troca de posição, referencial) - constitui-se na categoria lógica da
secundidade. TERCEIRIDADE é representação. A ideia que se faz de um
terceiro, entre um segundo e um primeiro; uma ponte entre dois termos ou
elementos. A terceiridade predomina na generalidade, na continuidade que
permite, por exemplo, a elaboração de leis. Toda lei depende de um
referencial (primeiro e segundo), de que ela é o terceiro. O signo, segundo
Peirce, é a ideia mais simples da terceiridade. SIGNO Segundo Charles
Sanders Peirce, é aquilo que representa alguma coisa para alguém, sob
determinado prisma. A coisa representada denomina-a objeto. O primeiro
signo denomina-se REPRESENTAMEN. Cria na mente da pessoa, o qual é
direcionado como emissão, um signo equivalente a si próprio. A flor que
existe no mundo independe de minha vontade. A palavra flor (ou flower, ou
fleur, ou fiore) é um signo gerado pelo primeiro signo que é a flor. Esse outro
signo, mais desenvolvido que o representamen, denomina-o Peirce
interpretante. Decorre nova relação triádica - signo / objeto / interpretante,
como abaixo:
INTERPRETANTE

SIGNO OBJETO

Entre signo-interpretante e interpretante-objeto, as relações são causais.


Já entre signo e objeto não há relação de pertinência, porque arbitrária. O
signo não pertence ao objeto, o objeto não pertence ao signo. Decorre que o
interpretante passa a funcionar como a chave da relação (inexistente) signo e
objeto. As três entidades formam a relação triádica do signo. Peirce configura
a palavra signo numa acepção muito larga e elástica. Pode ser uma palavra,
uma ação, um pensamento ou qualquer coisa que admita um interpretante,
com o qual mantém uma relação de duplo termo. A partir de um
interpretante, e por causa dele, torna-se possível um signo. Nem interpretante,
nem signo, estão contidos na primeiridade ou na secundidade. Como
categoria lógica, ambos se incluem na terceiridade. Peirce concebe os signos
em três divisões amplas: ÍCONE, ÍNDICE e SÍMBOLO. A partir da
exemplificação abaixo, a indução dos conceitos. Assim: a impressão digital
na carteira de identidade (ÍCONE), a impressão digital do ladrão (ÍNDICE)
ou a impressão digital, como símbolo de campanha a favor da alfabetização
(SÍMBOLO). ÍCONE é um signo que é uma imagem. Caracteriza-se por uma
associação de semelhança, independe do objeto que lhe deu origem, quer se
trata de coisa real ou inexistente. ÍNDICE é um signo que é um indicador.
Relaciona-se efetivamente com o objeto, por contiguidade. Aquilo que
desperta a atenção num objeto, num fato, é seu índice. Permite, por via de
consequência, a contiguidade entre duas experiências ou duas porções de uma
mesma experiência. SÍMBOLO é o signo que é uma abstração de um
concreto. Refere-se ao objeto que denota em virtude de uma lei, e, portanto, é
arbitrário e convencionado. A possível conexão entre significado e
significante não existe.
GLOSSÁRIO
Os significados dos termos semióticos aqui apresentados, com intuito
eminentemente didático, encontram-se nas obras que buscam intepretar o
pensamento de Charles Sanders Peirce, as quais contam da bibliografia. São
acepções mais frequentes e que, servindo como instrumental para os
semioticistas em muitos casos, coincidem com as próprias definições do
Autor, tornando-se assim impraticável referi-las,

Abdução: adoção de uma hipótese/argumento que apresenta fatos em


suas premissas.

Acepção: o mesmo que sentido.

Argumento: signo de razão, signo de lei, correspondente a um juízo.

CD-Rom: compact-disc: (ready only memory) mídia de armazenamento


de dados digitais.

Cognição: elemento constitutivo no processo do signo triádico ou


semiose/parte de uma cadeia infinita de semiose ilimitada, de acordo com a
qual ela é determinada por uma cognição prévia na mente do intérprete.

Contexto: processo de signos cuja coerência ou unidade é suscitada


diretamente pelo referente (coisa ou situação a que os signos referem).

Contiguidade: inferência por proximidade.

Crítica: subdivisão da Lógica/procede a uma classificação dos


argumentos, determinando a validade e o grau de força de cada um de seus
tipos.

Cyberspace: ciberespaço/espaço cibernético/cultura da era das redes


informáticas.

Dedução: único tipo de argumento que é compulsório.


Diagrama: representa algo por relação diádicas análogas em algumas
partes.

Diagramas paradigmáticos: referem-se a todas as outras formas da


mesma língua que pertencem ao mesmo paradigma.

Diagramas sintagmáticos: desenvolvem-se na linearidade da


língua/referem-se principalmente às relações temporais, espaciais e
conceituais.

Dicente: o mesmo que dicissigno.

Dicissigno: signo de fato, signo de uma existência real.

E-mail: (Eletronic mail)/ correio eletrônico/rede computacional.

Entes biológicos simulados: simulação digital de comportamentos


inteligentes (peixes, pássaros),

Entropia: medida da desordem introduzida numa estrutura informacional.

Faneron: vide phaneron

Faneroscopia: vide phaneroscopia e fenomenologia.

Fenomenologia: base fundamental para qualquer ciência/observa os


fenômenos e, mediante a análise, postula as formas ou propriedades
universais destes fenômenos.

Gramática especulativa: subdivisão da Lógica/teoria geral da natureza


significado dos signos.

Hipermídia: forma comunicacional alternativa que inclui áudio, fotos e


vídeo.

Hipertexto: escrita não sequencial, onde autor e leitor possuem a


capacidade de criar interativamente.
Ícone: é um representamen que, em virtude de qualidades próprias, se
qualifica como signo em relação a um objeto, representando-o por traços de
semelhança ou analogia, e de tal modo que novos aspectos, verdades ou
propriedades relativos ao Objeto podem ser descobertos ou
revelados/primeiridade/possibilidade.

Ícone puro: ícone genuíno/só pode ser uma possibilidade, em virtude de


sua qualidade/primeiridade.

Ícones degenerados: são os hipoícones (imagens, diagramas e metáforas).

Ideoscopia: consiste em descrever e classificar as ideias que pertencem à


experiência ordinária ou que emergem naturalmente em conexão com a vida
corrente, sem levar em consideração a sua psicologia ou se válidas ou não-
válidas.

Imagem: participa de qualidade simples, ou primeira primeiridade.

Indicador: o mesmo que índice.

Índice: signo que se refere ao objeto designado em virtude de ser


realmente afetado por ele/secundidade/existente.

Indução: argumento que emerge de uma hipótese.

Interpretante: supersigno que está sempre se refazendo ao refazer a


relação entre o signo objeto/terceiridade/significação/interpretação de um
signo.

Interpretante dinâmico: provoca uma reação ativa na mente


interpretadora/nível de secundidade.

Interpretante emocional: prova de que compreendemos o efeito adequado


de um signo, embora as bases de sua verdade, neste caso, sejam muito tênues.
Interpretante energético: exige esforço por parte do intérprete.
Interpretante final: informação programada/opera com normas fixadas
pelas leis impostas em temas absolutos à nossa aceitação/domina as certezas
lógicas oferecidas pela dedução e pela indução/provoca na mente
interpretadora o reconhecimento das normas estabelecidas pelo uso comum e
desenvolvidas sob a forma de leis que caracterizam convenções e
hábitos/nível de terceiridade/decide sobre a interpretação verdadeira de um
signo, se o exame do assunto fosse levado a um ponto em que se atingisse
uma opinião definitiva.

Interpretante imediato: informação não-programada/provoca na mente


interpretadora, apenas, a captação sensível de sua qualidade que é um
signo/nível de primeiridade.

Interpretante lógico: descrito como sendo a compreensão de um conceito


geral, divide-se em lógico dinâmico (espécie de “ensaio dramático” indutivo
e ativo, um rearranjo dos elementos levantados pelo Interpretante Lógico
Imediato) e lógico final (que se apresenta como um hábito deliberadamente
formado, inter-relacionando condições e comportamentos anteriores, que o
signo está calculado para produzir).

Intérprete: usuário do signo.

Isoformismo: processo de identificação fundo-forma.

Jornalismo marrom: jornalismo sensacionalista/sem ética.

Legissigno: convenção ou lei estabelecida pelos homens.


Lógica: teoria do pensamento deliberado ou autocontrolado/ciência das
leis gerais dos signos desdobráveis em três ramos: Gramática especulativa,
Crítica e Metodêutica.

Lógica transuacional: o mesmo que Metodêutica.

Mass media: meios poderosos de difusão de informação.

Mediação: representação/terceiridade/pensamento em signos.


Mediático: relativo a Media ou Medium.

Mente: o mesmo que semiose.

Metáfora: representa o caráter representativo de um representamen ,


representando um paralelismo em outra coisa/representa um paralelismo com
alguma outra coisa.

Metodêutica: subdivisão da Lógica/ dedica ao estudo dos métodos a


serem observados na investigação, exposição e aplicação da verdade.

Midiático: relativo a Mídia.

Objeto dinâmico: refere-se a relações ilimitadas que o objeto contém ou


suscita e que é o único passível de investigação científica.

Objeto do signo: coisa, objeto ou evento, concretos e identificados.

Objeto imediato: refere-se a uma ideia particular do objeto/uma


qualidade de sensação que só pode ser conhecido por sentimento.

Obsistência ou resitência: aquilo no que a secundidade difere da


primeiridade/elemento que, tomado em conexão com a Originalidade, faz de
uma coisa aquilo que uma outra a obriga a ser.

Originalidade: é ser tal como aquele ser é, independentemente de


qualquer outra coisa.

Phaneron: tudo que está presente à mente em qualquer sentido ou em


qualquer modo que seja, não levando em consideração de que se trata de um
fato ou ficção/qualidade de um sentimento.

Phaneroscopia: descrição dos phanerons ou fenômenos.

Pragmático (nível): implica nas relações significantes com o intérprete,


ou seja, com aquele que utilza o signo.
Primeiridade ou Primariedade: modo ou modalidade de ser daquilo que é
tal como é, positivamente e sem qualquer referência a outra coisa/forma
quase-sígnica da consciência.

Qualidade: algo que é tal como é, e que está de tal modo livre da
Obsistência que não é nem mesmo auto-idêntico ou individual/primeiridade.

Qualissigno: qualidade que é um signo.

Reação: relação de dependência/secundidade/caráter factual da


experiência/conflito.

Referente: o mesmo que Objeto.

Relação: vide Reação.

Relação triádica: relação em que o primeiro correlato (Representamen)


determina, sob certo aspecto, um terceiro correlato (Interpretante), estando
em alguma relação existencial para com o segundo correlato (Objeto).

Rema: signo que para seu interpretante funciona como signo de uma
possibilidade que pode ou não se verificar.

Repertório: espécie de vocabulário, de estoque de signos conhecidos e


utilizados por um indivíduo.

Representame ou representamen: o mesmo que signo.

Retórica especulativa: o mesmo que Lógica Transuacional.

Secundidade ou Secundariedade: modo de ser daquilo que é tal como é,


com respeito a um segundo, mas sem levar em consideração qualquer
terceiro/forma quase-sígnica da consciência.

Semântico (nível): quando envolve relações de significado, entre signo e


referente.
Semiose: processo de geração infinita de significações.

Semiótica: teoria geral dos signos/doutrina quase necessária ou formal


dos signos/Lógica.

Sentido: efeito total que o signo foi calculado para produzir e que ele
produz imediatamente na mente, sem qualquer reflexão prévia/interpretante
imediato.

Sentimento (feeling): um estado de consciência flagrado em qualquer de


seus momentos.

Significação: efeito produzido pelo signo sobre o intérprete em condições


que permitissem ao signo exercitar seu efeito total; é o resultado
interpretativo a que todo e qualquer intérprete está destinado a chegar, se o
signo receber a suficiente consideração/Interpretante final.

Significado: efeito direto realmente produzido no intérprete pelo signo; é


aquilo que é concretamente experimentado em cada ato de interpretação,
dependendo, portanto, do intérprete e da condição do ato e sendo diferente de
outra interpretação/interpretante dinâmico.

Signo: é um Primeiro que está em tal genuína relação como um Segundo,


chamado seu Objeto, de forma a ser capaz de determinar que um Terceiro,
chamado seu Interpretante, assuma a mesma relação triádica (com o Objeto)
que ele, signo, mantém em relação ao mesmo objeto/uma coisa que
representa outra coisa, seu objeto, para um intérprete.

Símbolo: signo que se refere ao Objeto em virtude de uma convenção, lei


ou associação geral de ideias/terceiridade/nível pragmático/lei ou
pensamento.

Similaridade: inferência por semelhança.

Sinsigno: é uma coisa ou evento existente, tomado como signo.

Sintático (nível): quando se refere às relações formais dos signos entre si.
Telepresença: viver além do espaço físico, em espaço virtual, através da
comunicação.

Terceiridade ou Terciaridade: modo de ser daquilo que é tal como é, ao


estabelecer uma relação entre um segundo e um terceiro/aproxima um
primeiro e um segundo numa síntese intelectual.

Texto: processo de signos em geral (não somente conjunto verbal), que


tendem a eludir seus referentes, tornando-se referentes de si mesmos e
criando um campo referencial próprio.

Transuação: mediação ou modificação da primeiridade e da secundidade


pela terceiridade, tomada à parte da secundidade e da terceiridade.

SEMIÓTICA

Língua
Sons e ruídos combinados (sonora, tônica + sentido). Cada uma tem uma
articulação própria. Com as palavras CASA e HOUSE nos chegam as cadeias
sonora e sentido. A palavra MORATO nos chega, pelo menos inicialmente,
somente a cadeia sonora. Nos falta o sentido. A língua é um fenômeno
coletivo. Pertence a um grupo. Está relacionado ao aprendizado.

Fala
Pertence ao indivíduo > expressão.

Linguagem
Sistema de signos. Os signos estão interrelacionados. Não são um
agrupamento de elementos. É um sistema socializado mais amplo que a
língua. Ex.: linguagem cinematográfica. Os elementos que a compõem estão
mais próximos da abstração. É a matéria que pode dar forma à criação.
Comunicação é o ato ou efeito de emitir, transmitir, receber, trocar
mensagens através de métodos e processos convencionados, como a
linguagem. Todo o processo de comunicação pressupõe um sistema de
significação como condição necessária.
Comunicar é a transformação de um sistema em outro sistema. Como um
organismo vivo.

Linguagem e representação
Signo: uma coisa que representa uma outra coisa. Representação: “estar
no lugar de”. Signo, do grego seme. Semeion (natureza) e symbolon (cultura).
Charles Sanders Pierce Indução (“testagem”) — dedução — abdução
(“insight”)

Não se tem o objeto na sua totalidade, mas índices, fragmentos. Signo é


uma representação de algo para alguém.
Três tipos de raciocínio:
• Abdução: como as ideias surgem (possibilidades)
• Indução: testagem das hipóteses
• Dedução: conclusão das hipóteses
Categorias:
• Primeiridade
• Secundidade
• Terceiridade
A informação que tenho do objeto me escapa na sua totalidade, sou
falível na minha percepção.
Semiose: ação do signo (possibilidade de ação, do movimento que o
signo pode ter).
O objeto que se observa é imediato e não dinâmico, não é sobre a
totalidade. Capacidade de estabelecer relações.
Podemos notar que a comunicação só é possível graças a signos que
representam algo e/ou coisas.
Como afirmava Peirce, o universo é semiótico, e o homem interage com
os sinais, lendo os que o antecedem e formulando novos sinais em
suprimento das necessidades emergentes, ou seja, unifica todas as ciências
com a semiótica, tudo pode ser convertido a signo, ou seja, todo elemento é
passível de significações.
Define-se a Semiótica como a ciência que estuda os signos e as leis que
regem sua geração, transmissão e interpretação. Seu objeto compreende,
assim, todos os sistemas de comunicação humanos ou animais e, dentro
desses últimos, tanto a linguagem verbal como as dicções emotivas, os gestos
e qualquer atividade comunicativa ou significativa (publicidade, sinalização
de trânsito, artes, moda, rituais, etc).
A Invasão dos signos não é apenas típica de uma civilização industrial
citadina onde impera todo um sistema complexo de sons e sinais. Pelo
contrário, Homo Sapiens teria vivido também num universo de signos
indiciais: nuvens (tempo), folhas (estações), sulcos na terra (cultivo), musgo
(norte), movimento do sol (horário), perfume, flores (direção do vento), pelos
(caça). Umberto Eco, apud Brosso e Valente (1999: p.19).
Eco adverte que os fenômenos naturais em si não dizem nada, ou seja,
“os fenômenos naturais dizem algo ao homem à medida que este aprende
a lê-los. O homem vive num mundo de signos não porque vive na natureza
mas porque, mesmo quando está sozinho, vive na sociedade: aquela
sociedade camponesa que não se teria constituído e não teria podido
sobreviver se não tivesse elaborado os próprios códigos, os próprios sistemas
de interpretação dos dados materiais (que por isso mesmo se tornam dados
culturais)”. Eco, apud Brosso e Valente (1999).
Primeiro veio à imagem, e após a escrita, constando-se que o Homo
Sapiens utilizou inicialmente do objeto-símbolo e a memória para guardar
informações: o túmulo de um companheiro, uma pedra (objeto-símbolo)
colocado sobre o túmulo, aproveitamento de vários neurônios e manutenção
de apenas alguns com a informação necessária. Esta, em parte passa a ser
extra-somática. Conforme Mascarenhas apud Brosso e Valente (1999).
Contudo certos autores, como Lévi-Strauss, consideram que a Semiótica
está mais voltada para os signos da natureza, enquanto a Semiologia se ocupa
dos signos da cultura.
Portanto qualquer criação tem que se preocupar principalmente com os
signos que representam o público a ser atingido.
A linguagem visual é espacial e global. O objeto, tal como a imagem fixa
que representa objeto, está situado no espaço. Esta linguagem usufrui, pois,
essencialmente, das três dimensões espaciais, mesmo na imagem em que a
perspectiva cria a ilusão de profundidade. A percepção visual é antes de mais
global - milhares de informações simultâneas são transmitidas num "abrir e
fechar de olhos" e, se bem que nem todas as mensagens são analisadas e
decodificadas, são numerosas as que são registradas.
Esse campo de visão fornece-lhe um ponto de vista preciso, o qual
influencia a sua percepção subjetiva do mundo visível. A estruturalidade do
olho permite-lhe estabelecer relações significativas entre elementos visuais,
realçar este ou aquele ponto, focar a sua atenção sobre um elemento em
detrimento dos outros, que, de certo modo, são colocados “fora da ideia e / ou
foco".

No dia 10 de setembro de 1839, em Cambridge, Massachusetts, nasce o


filósofo, (que só foi reconhecido como filosofo depois de morto), Charles
Sandres Peirce. Filho de um matemático e professor de astronomia em
Harvard, membro de uma família de quatro filhos, sendo um professor de
matemática, um engenheiro de minas e outro diplomata. Peirce, aos dezesseis
anos começou a estudar Kant. Seu avô paterno foi bibliotecário na
Universidade de Harvard e o materno, Elijah H. Mills, advogado, fundou uma
escola de Direito, tornando-se senador de Massachusetts. (Brosso e Valente
(1999).
Como podemos notar, o filósofo criou-se e viveu num meio cultural
extremamente profícuo. Segundo os autores citados anteriormente, Peirce aos
onze anos, precocemente escreveu uma História da Química, aos vinte e três
anos publica Teoria Química da Interpretação e mais tarde, em 1869, publica
uma tabela de elementos químicos, antecipando a de Mendeleev e foi o
primeiro aluno da Harvard a receber um grau summa cum laude em química.
Peirce, teve uma passagem pela matemática (publicou: Álgebra
Universal da Lógica, Álgebra das Relações Diádicas, Lógica do Número),
física (foi considerado um físico importante para área da física da gravidade),
psicologia (primeiro psicólogo experimental americano), linguística, filologia
(publicou uma pesquisa filológica sobre a pronúncia shakespeariana e
conhecia mais de dez línguas, chegando desenvolver uma gramática árabe,
um ensaio sobre a pronúncia do grego antigo e estudou sobre a ordem
cronológica dos diálogos platônicos). Poeta, especialista em história
(especializou-se na lógica de se delinear a história a partir de documentos
antigos e de testemunhos), entre outros também escreveu uma novela de
ficção e foi nomeado membro da Academia Americana de Ciências e Artes,
em 1867, a qual apresentou cinco estudos sobre Lógica (Esta nomeação era
uma forma de reconhecimento da Lógica como ciência).
Peirce publicou em vida, cerca de 800 artigos e ensaios em diversas
revistas cientificas da época, os quais, reunidos, poderiam formar cerca de 24
grossos volumes, porém, seus manuscritos que deixou de publicar, renderiam
90 mil páginas catalogadas, onde os mesmos foram entregues a biblioteca de
Harvard, pela sua segunda esposa. Caso venha ser publicado, somará 104
volumes. Foram nestes manuscritos não publicados que se encontravam os
estudos sobre semiótica. Dados estes, encontrados na obra de Brosso e
Valente do ano de 1999.
Peirce tinha convicção de que toda a sua produção não publicada seria
muito difícil organizá-las, até por ele mesmo, devido à forma assistemática.
Mas na década de 20, Hartshorne e Weiss, tornaram-se seus editores sendo
que somente entre 1931 e 1935, foram publicados os primeiros seis volumes
intitulados Collected Papers, como afirma em apontamentos o Professor Aldo
Litaiff, o filósofo Max H. Fisch teve a incumbência, a partir de 1928, de
trabalhar intensamente na organização e catalogação do conjunto dessa
monumental obra.
Devido sua pluralidade no mundo científico, Peirce morreu na pobreza,
porém consciente que não alcançaria grande projeção no campo acadêmico,
ao contrário de seu grande amigo e iniciador do “pragmatismo” e
“pragmaticismo” William James (1842-1910). Peirce não concordava com a
extensão de significado que James aplicou à palavra “pragmatismo” e
“pragmaticismo”.
O sistema filosófico de Peirce, que pode ser dividido em três pontos:
I. Fenomenologia (origem da semiótica): observa o fenômeno
diretamente de forma empirista;
II. Ciências Normativas:
- Estética (forma);
- Ética (regra de ação);
- Semiótica (Gramática Pura – Linguística), Lógica Crítica (Formal –
Aristóteles e Freige), Retórica Pura (Parte da Linguística).
III. Metafísica: Ciências das Realidades (sociais – Relacionais).
Semiótica ou Semiologia nasceu do grego (semeiotiké (téchne) = a arte
dos sinais e signos). É a Teoria Geral dos Signos, entendendo-se por signo,
toda e qualquer coisa que substitua ou represente outra, em certas medidas,
para certos efeitos. Alguma coisa que se organize ou tenda a organizar sob a
forma de linguagem (verbal ou não) é considerado estudo da semiótica.
“o ato articulador da Semiótica não tenha sido aquele de superar todas as
ciências, ela se insere num quadro contextual onde não há limites impostos,
quer pela Psicologia, pela Linguística ou pela Antropologia Cultural. No
âmbito da fenomenologia ou da Estética, por exemplo, é constatável o
impulso gerado pela Semiótica.” (Brosso e Valente -1999. p.15)

“além de a vida do homem moderno ser totalmente regida por signos, os


meios de comunicação empenham-se numa luta contra a estereotipação da
linguagem, quanto mais previsível for uma mensagem, tanto menor será a
informação dessa mensagem” (Brosso e Valente, 1999. p.22)
COMUNICAÇÃO

Vivemos no século da comunicação. Para alguns, o nosso mundo


constituiria já uma autêntica "aldeia global", habitada por umas “tribos
planetárias”, possibilitadas uma e outra, pelas novas tecnologias de
informação e comunicação. Para outros, a sobrecarga de "informação" e
"comunicação" não se traduz, necessariamente, em maior aproximação e
solidariedade entre os homens, conduzindo antes a novas formas de
individualismo e etnocentrismo.
"Comunicar" significa, etimologicamente, "pôr em comum".

A palavra comunicação tem origem no latim communnis, comum, ou


seja, quando uma pessoa procura comunicar-se com alguém, está tentando
estabelecer uma comunidade com ele, uma sintonização entre ambos.

Resumindo:
Comunicação é toda transmissão de informações. Toda vez que
alguém dá alguma informação a alguém, está havendo comunicação.
A comunicação exige, pelo menos, três elementos:
Emissor: (fonte ou comunicador) – que emite informação;
Mensagem: qualquer sinal cujo significado possa ser interpretado;
Receptor: (destinatário ou perceptor) – pessoa que recebe a mensagem.
Logo, comunicação é um processo de dar e receber informações.
Para que uma mensagem possa ser recebida e interpretada
corretamente, emissor e receptor devem conhecer o código utilizado.
No processo de comunicação, os papéis de emissor e receptor se
alternam. Ora um é o emissor, ora é o receptor – de acordo com a mensagem
e a resposta dada.
Esse mecanismo de retorno ou resposta da mensagem – que garante se
houve compreensão – é indispensável à afetividade do processo de
comunicação e recebe o nome de retroalimentação, embora a forma mais
conhecida seja a expressão inglesa feedback.
Canal e ruído são outros elementos integrantes do processo de
comunicação. Canal é o meio utilizado para a transmissão da mensagem e
ruído é a denominação de qualquer interferência que prejudique a
comunicação.
Uma pessoa comunica simultaneamente através de seus gestos, expressão
facial, movimentos e postura corporal, tom de voz, e até mesmo pelo modo
de se vestir.
Logo, comunicação é um processo verbal e não-verbal de fazer
solicitações ao receptor.
A comunicação é uma atividade complexa. O receptor tem de avaliar
todas as diferentes maneiras pelas quais o emissor transmite suas mensagens,
e tem também que ter bom conhecimento a respeito de seu próprio sistema de
recepção, isto é, seu próprio sistema de interpretação.
Exemplo:
Quando A fala, B avalia o significado verbal da mensagem de A.
Ele também presta atenção ao tom de voz com que A fala.
Ele também observa o que A faz; ele observa a linguagem corporal e as
expressões faciais que acompanham a mensagem de A.
Ele também avalia o que A está dizendo dentro de um contexto social. O
contexto pode ser o modo pelo qual B tenha visto as reações de A quanto a
ele próprio e a outras pessoas no passado. Enfim, o receptor B concentra-se
na avaliação tanto do conteúdo verbal quando do conteúdo não verbal da
mensagem de A, visando estabelecer um julgamento sobre o que A queria
dizer com sua comunicação.
Uma palavra tem significado para nós na medida em que somos capazes
de usá-la para comunicar aos outros o que sabemos e obter o saber que os
outros procuram comunicar-nos. O significado de uma palavra é mais
precisamente a soma de todas as predições condicionais de que se pretende
negar. Peirce identifica três graus de significado:
1º) capacidade de comunicação;
2º) intenção de comunicação;
3º) potencial de revolução, o que faz mudar o mundo.
No processo de comunicação, que simplificadamente podemos entender
como a troca de uma mensagem entre um Emissor e um Receptor, os Signos
desempenham um papel fundamental. Sem Signos, não há mensagem, nada
podemos pôr em comum.
Edgar Allan Poe

Um padre é chamado para ajudar um homem que acaba de receber uma


ameaça de morte. Quando o padre chega em socorro, sabe que nada mais há a
fazer. As quatro sentinelas, encarregadas da vigilância do edifício em que o
indivíduo ameaçado se encontrava, afirmam que ninguém entrou no local. O
padre, entretanto, constata pegadas recentes na neve, que significavam
exatamente o contrário. Padre Brown tinha certeza que todos viram o
assassino adentrando despreocupadamente na residência da vítima. Mas os
vigilantes não se deram conta de que o carteiro que passava por lá todas as
tardes poderia ser um criminoso. Este é um breve resumo de “O Homem
Invisível”, um dos mais instigantes contos do escritor inglês Gilbert Keith
Chesterton (1874-1936). Sobre o episódio, o protagonista, o padre–detetive
Brown, conclui com lucidez: “ninguém presta atenção em carteiros, contudo,
eles têm paixões como qualquer outro homem”. O comentário de padre
Brown parece fazer eco a importantes características da vida metropolitana,
analisadas por George Simmel, em seu artigo, “A metrópole e a vida mental”,
publicado pela primeira vez em 1902
Edgar Allan Poe, com “Os Crimes da rua Morgue”, inauguraria este tipo
de narrativa, em 1841, e o detetive por ele criado, Dupin serviria de modelo
para toda uma legião de detetives ficcionais, como o padre Brown, de
Chestertonii, ou o mais famoso de todos, Sherlock Holmes, de Arthur Conan
Doyle. Os sinais da vida metropolitana e da multidão que dominava as
grandes capitais oitocentistas não escapam também a um poeta como
Baudelaire (1821-1867) que em “A uma passante” celebra o amor que nasce
de um encontro rápido, mas arguto de olhares em meio ao frenético alarido
da rua.
Se a vida em metrópole convida de uma certa forma a um olhar blasé, se
o outro se torna invisível em meio ao excesso de estímulos, não se pode negar
que são muitos aqueles que tentam fugir a esse processo e se põem a
escrutinizar os sinais que irrompem nas grandes cidades, dissecando a
multidão e seus signos. Poe, Baudelaire, Chesterton fazem isso por meio da
literatura. Em nossa perspectiva, também a semiótica desenvolvida por
Peirce, entre o final do século XIX e início do século XX, levando a cabo a
proposta não concretizada de Locke de construção de uma ciência dos signos,
constitui-se numa forma de impedir que tudo se torne irremediavelmente
invisível, como o carteiro de Chesterton. Tal qual a literatura oitocentista, a
semiótica peirceana lida com uma visão atenta característica fundamental
para quem vive nas grandes cidades do período, ao analisar a importância do
olhar no século XIX: Abrir os olhos mentais, olhar bem para o fenômeno e
dizer quais são as características que nele nunca estão ausentes é primeira
tarefa do fenomenólogo, de acordo com Peirce. À fenomenologia, na
arquitetura filosófica do autor, cabe a tarefa de fornecer o fundamento
observacional para as demais disciplinas filosóficas.
É do estudo da fenomenologia que Peirce extrai as categorias mais
universais da experiência que servirão de base para a estruturação de sua
tipologia sígnica.
Poe, é um autor, contemporâneo a Peirce, que também parece estar atento
aos signos que irrompem nas grandes cidades, signos que nas narrativas
poeanas despertam inúmeros fluxos decifratórios. Em “O Homem da
Multidão” (Poe, 1993), deparamo-nos com a imersão do protagonista na
massa londrina e com o exame detalhado, pormenorizado de cada um dos
indivíduos com os quais se depara durante um passeio noturno.
Tal qual o narrador de “O Homem da Multidão”, outro e mais célebre
personagem poeano, Dupin, o detetive já mencionado, também almeja
apreender os signos em sua totalidade. O personagem nos é apresentado
como alguém capaz de chegar aos pensamentos mais íntimos de um
indivíduo, pela observação e análise da mais ínfima mudança de expressão ou
do gesto que, à maioria, passa despercebido.
E o detetive assemelha-se ao semioticista. Sujeitos que a partir século
XIX se dedicam de uma forma ou de outra a penetrar no âmago das
representações que proliferam nas metrópoles. “A julgar por suas
referências ao livro, ‘Os Crimes da Rua Morgue’ de Poe, Peirce certamente
gostava de história de detetives”, observam Thomaz e Jean Sebeok . Os dois
autores traçam um paralelo entre a conduta do filósofo ao desvendar o furto
de seu relógio e os métodos investigativos de Sherlock Holmes e Dupin e
constatam que a abdução é um elo fundamental entre o método adotado por
Peirce e aquele dos detetives ficcionais.
Ao esclarecer o processo de formação da hipótese abdutiva, Peirce
observa que nós frequentemente retiramos da observação fortes sugestões de
verdade sem sermos capazes de especificar quais foram as circunstâncias por
nós observadas que conduziram a essas sugestões
Peirce, o filósofo bem-sucedido em suas suposições, era tal qual o
detetive da ficção, um exímio observador, atento ao próprio processo de
observação. Um século de sinais é também um século de observadores
infatigáveis.
E de intérpretes.
Os primeiros exemplares de A interpretação dos sonhos (Freud, 2001)
aparecem em 1899. Na obra, Freud concebe um método de interpretação
fundamentado nas livres associações que o sonhador pode fazer quando
desperto. Assim como a psicanálise, também o marxismo é fruto do século
XIX. A ideia de que por trás de todo o mundo manifesto se oculta um mundo
latente, apresenta-se nos oitocentos tanto no pensamento marxista, quanto na
psicanálise. (Poderíamos incluir aí também a narrativa policial. Nas palavras
de Brecht, trata-se de um gênero literário que lida invariavelmente com a
ideia de que por trás dos eventos que nos são reportados, existem outros
eventos que não são ditos
Os pensadores oitocentistas não se deteriam apenas em signos exteriores,
mas também em signos mentais, inclusive nos sonhos. A abrangência da
concepção de signo peirceana parece sintonizar-se com mais esta
representação, sobre a qual se debruça um dos mais importantes pensadores
do período, já que Peirce não restringe sua concepção de signo às entidades
existentes, tomando como signo também os sonhos e aquilo que é matéria da
nossa imaginação.
Apesar do caráter abstrato da semiótica peirceana, em diversas
passagens, vemo-nos diante de exemplos ilustrativos que revelam a atenção
de Peirce à multiplicidade de sinais que revestem a existência cotidiana. Ao
identificar aquilo que é essencialmente um signo, numa passagem dos
Collected Papers, refere-se ao jornal diário, entre outros exemplos. Em outro
momento, ao definir signo como: uma classe geral que inclui figuras,
sintomas, palavras, sentenças, livros, livrarias, sinais, ordens de comando,
representantes legislativos, microscópios, concertos musicais e as
performances desses concertos, fornece uma amostra da abrangência de sua
teoria, além de se mostrar atento aos elementos do dia a dia.
Peirce sentia, observava e estudava o mundo a sua volta com voracidade.
Sua capacidade de trafegar em diferentes áreas era espantosa, e certamente
está relacionada com a ousada proposição feita ainda jovem: tinha por
hipótese que os fenômenos deviam ter algo em comum, queria distinguir
categorias fundamentais que estivessem presentes em qualquer processo
relacional. Este projeto desenvolveu-se por toda a sua vida, com frutos. A
semiótica de Peirce está baseada nas categorias fenomenológicas a que
chegou, e que precisamos compreender para iniciar o aprendizado em
semiótica.
Todo e qualquer fenômeno, seja ele cultural, natural, social, individual,
comunicativo, cognitivo; desde a interação entre células, até o diálogo entre o
rio e as árvores e plantas circundantes, toda troca de informações ou afetos,
corresponde às categorias encontradas por Peirce, que são o fundamento
fenomenológico de sua semiótica. Destaque-se que, já aqui, é notório que
estamos sempre em relação. Qualquer ser é constituído em uma rede de
relações, que, ao mesmo tempo, ajuda a constituir. Para o objetivo deste
texto, parece suficiente ter em mente que há diversas fenomenologias, e que
elas têm em comum o entendimento de que as coisas ou fatos não são
conhecidos diretamente, há sempre a mediação de uma mente ou de um
signo.
Peirce constituiu uma fenomenologia própria, assentada nas três
categorias que percebe em todos os fenômenos, essas categorias foram
nominadas primeiridade, secundidade e terceiridade. A terceiridade está
assentada na secundidade e primeiridade; a secundidade está assentada na
primeiridade; a primeiridade é autônoma. Em outras palavras, não há terceiro
sem segundo e primeiro; não há segundo sem primeiro. Há primeiro. Estas
são categorias básicas de todas as coisas, sejam físicas, psicológicas, reais,
sonhadas ou imaginárias. Vamos agora procurar caracterizar cada uma delas.
A primeiridade é livre e original, da qualidade do sentir e do ser presente.
Não pode ser analisada, pensada, pois o pensamento demanda tempo o que
retira a sensação do presente. A análise divide seu objeto em partes, e a
primeiridade é indivisível. Qualquer processo emocional ou de pensamento
tem uma base de primeiridade, de sentimento, precedida pela secundidade,
que diz respeito à ação e reação dos objetos, que podem ser coisas ou ideias,
reais ou imaginários. A secundidade é a categoria da existência, pois
existimos tropeçando em coisas, recebendo ideias e sonhos, esbarrando em
imagens, pessoas, e tudo o que vier ocupando um tempo e um espaço. Diz-se
secundidade pois necessita de dois, uma mente e um outro, ocorrendo um
impacto, uma reação. A ação e reação têm por fundo os sentimentos da
primeiridade, que começam a se manifestar por meio do encontro com algo.
Ao pensarmos, entendermos, aos termos consciência, já estamos em
terceiridade, esse momento fenomenológico em que uma mente interpreta o
contato com algo tendo por base um sentimento. É terceiro, depende do
segundo e do primeiro. Sempre que ocorre uma percepção, sempre que
compreendemos algo completamos um ciclo semiótico. É a camada
consciente da interpretação, da compreensão, talvez por isso a mais fácil de
entender, porém ocorre calcada na secundidade e na primeiridade.
As três categorias são a base constituinte de qualquer fenômeno,
portanto, para saber se há um fenômeno, é necessário identificar as três
categorias. Seria interessante que nesse momento o leitor ou leitora
suspendesse a leitura para testar as categorias apresentadas. Tente perceber
que tudo, o diálogo das plantas com o ar e a luz; o contato dos animais com
as coisas; os pensamentos que elaboramos, toda relação semiótica tem uma
mente, com sentimentos prévios, que encontra com um outro, seja ele objeto,
ideia ou ambiente, e produz um significado. Exercite, tente identificar as três
categorias. Nem sempre é simples, pois nossas percepções são imediatas.
Mas algumas perguntas podem ajudar: ao produzirmos um significado,
estamos isentos de preconcepções? O que nos faz pensar, produzir
significados, não é a leitura de textos e do mundo, o contato com seres vivos
ou artificiais, ou seja, com o outro?
Com isso, estamos preparados para a definição de signo. O signo é o
resultado da interpretação que uma mente dá a um objeto. De acordo com as
três categorias fundamentais, há um sentimento livre e infinito, que se depara
com um objeto. Este objeto pode ser uma coisa material, uma ideia, um
sonho.
Como resultado deste impacto produz-se uma interpretação, um
significado. Um exemplo simples. A leitora tem uma experiência de uma
palavra que virá. Ainda não sabe qual é, então é livre para qualquer coisa. Lá
vem a palavra: árvore. A palavra gerou um significado, que é fruto da
experiência da leitora em relação com a imagem da palavra: árvore. Cada
leitora, cada leitor, imaginará uma árvore, ou o que for. O significado gerado
é um signo, que representa “árvore”, com base em experiências prévias. O
mesmo processo acontece a cada vez que respondemos a algo.
Um vulto movimenta-se em meu campo visual, surpreendo-me
levemente, viro, é o gato, entendi, sossego. Gero um signo, gato, pleno de
significados prévios para mim. Este signo pode ser representado por escrito
pela sequência de letras g-a-t-o, de forma que posso apresentar o resultado de
minha interpretação como objeto ao leitor, e o leitor gerará outro signo, de
acordo com sua experiência com gatos. Ou seja, estamos em uma cadeia de
signos, um signo gera outro signo, sempre por meio do confronto entre
objetos (reais ou imaginários) e pré-concepções, gerando interpretações,
signos, que se tornarão objetos a outras mentes.
O mundo dos signos está em constante movimento, e o que para mim é
significado (meu gato), para você é um objeto que pode resultar em “bicho
mau”, ou Frajola, Tom & Jerry, ou seu namorado, ou... O processo gerador
de signos é chamado de semiose. A semiótica estuda a semiose, os processos
geradores de signos.
Em uma floresta, por exemplo, há diálogos e negociações entre a flora, a
fauna, o clima, as estações do ano, que ocorrem por séculos para que se
chegue à formação que conhecemos e muitas vezes vemos como estática,
imediata. Sim, para Peirce, a floresta está em semiose.
A semiótica de Peirce, por sua característica fundamentalmente triádica,
questiona as dicotomias e dualismos característicos do conhecimento
moderno. Para o pensamento moderno – hegemônico em nossas
universidades – o conhecimento é uma relação entre sujeito e objeto, sendo
que há posicionamentos que priorizam o sujeito, como o racionalismo, e há
posicionamentos que priorizam o objeto, como o empirismo. Tal dualidade se
estende em outros pares: natureza x cultura; razão x sentimento; verdade x
mentira.
O raciocínio vinculado à visão de mundo dualista entende que algo ou é
natureza, ou é cultura; ou é razão, ou é sentimento; sempre ou isso, ou aquilo,
prejudicando a compreensão de que os atos humanos podem ser naturais e
culturais ao mesmo tempo, como meu ato de escrever, natural e cultural. O
resultado racional é sempre fundamentado em sentimentos, por mais que se
diga que a razão é objetiva.
Não podemos garantir o bem erradicando o mal, pois cada um de nós
guarda emoções contraditórias. Por fim, cada polo de cada dualidade depende
do outro polo para existir. Como definir o que é alto sem uma referência de
baixo? Por ser triádica, a visão de mundo semiótica questiona a oposição
entre os pares, pois a semiose necessita da mente, do objeto e do signo, não
pode faltar nenhum dos fundamentos.
Assim, passamos a raciocinar em rede, por conexões que partem do
ponto primeiro, encontram-se com um segundo e alcançam um terceiro, e
assim sucessivamente. Podemos perguntar até que ponto o significado em
uma mente corresponde ao objeto, mas já não podemos dizer que o
significado é meramente subjetivo (pois há um objeto); tampouco que se trata
da “realidade das coisas” (já que o significado é sempre elaborado em uma
mente).
As questões passam a ser outras, pois estamos em uma rede de signos,
que nos produz, e nesta rede somos criativos, constituindo-a por meio de
nossas produções sígnicas.
A apresentação do diagrama do pensamento de Peirce é importante para
que procuremos compreender que a semiótica é parte de um sistema
filosófico, de uma visão de mundo. O funcionamento dos signos é análogo
aos métodos ou aos raciocínios porque todos estão em função das categorias
fenomenológicas fundamentais, não poderia ser diferente. No entanto, a
teoria geral dos signos está no caminho de estudo dos raciocínios e dos
métodos. O que tem por consequência que os signos pedagógicos, por
exemplo, devem ter coerência com os raciocínios e métodos envolvidos.
O signo pode ser analisado em suas propriedades internas, como ao
propormos a análise de um texto escrito, de um poema. Outra possibilidade é
analisar a que o signo se refere ou representa, como quando usamos um
escrito de Galileu Galilei como fonte do pensamento moderno. E, ainda, o
signo pode ser analisado quanto ao que pode despertar em seus receptores,
que potenciais estão ali implícitos, por exemplo, quando um professor
prepara aula, escolhe um filme para inspirar os alunos a pensarem
determinadas questões.
Para tratar de linguagens específicas, há semióticas específicas, como a
semiótica da imagem, da literatura, da música. A especificidade refere-se ao
aprofundamento nas características sígnicas pertinentes ao objeto investigado
ou à problemática envolvida.
Entende-se que é pertinente situar a semiótica em seu quadro mais amplo
e genérico, identificando suas bases e refletindo sobre elas, e procurar,
dependendo do caso, as semióticas específicas que atendam às inquietações.
Perceba que a semiótica oferece um caminho lógico de compreensão de
como ocorre o aprendizado, da perspectiva do receptor, da perspectiva do
enunciador, indagando o potencial do objeto, porém sempre levando em
conta que tais posições são móveis, ora sou professor enunciador, na
sequência o aluno enuncia e eu passo a ser receptor, minha conduta e
gestualidade são objetos significantes para meus leitores-alunos, cada relação
é fundamentada em sentimentos e encontros, para gerar significações. Em
outras palavras, a compreensão é baseada em ética e estética.
Entendo que a semiótica traz fundamentos altamente inspiradores para
pensarmos a dinâmica dos processos educacionais, estamos conectados, em
rede, significando e sendo significados, somos signos, criamos signos,
geramos signos, nossas leituras são fundadas em nosso capital de
conhecimentos e experiências em diálogo com o mundo, pessoas, coisas ou
ideias.
A partir da semiótica, não há como pensar a educação sem pensar como
ocorre o pensamento, como cada mente pode ler e ser lida, pois estamos em
processo de aprendizado na mesma proporção em que estamos vivos, já que a
vida depende de conexão, relação, interdependência.
O pensamento semiótico não propõe um futuro previamente definido,
pois entende que o futuro será o que estamos agora a constituir, na leitura de
signos e constituindo outros signos. Assim como não conseguimos extirpar o
passado, somos históricos e recebemos heranças culturais, familiares, sociais,
políticas, também estamos a gerar o futuro. Não temos como saber como
nossos signos serão aproveitados, mas podemos postular que as leituras feitas
dependerão dos potenciais que estiverem à disposição.
No início do texto não vamos encontrar na obra peirceana uma semiótica
que tivesse como objeto de estudo o século XIX e suas transformações,
embora sua teoria, ao não se limitar aos signos verbais, ao ser capaz de
abarcar tanto fenômenos físicos quanto sociais, pareça talhada para dar conta
dessa complexidade. Estamos diante de um homem em sintonia com seu
tempo, quando o problema do signo fascinava e entusiasmava também
autores como Poe, Simmel, Baudelaire, Freud, entre outros.
REFERÊNCIAS

COLI, Jorge. O Corpo da Liberdade: Reflexões sobre a pintura do século


XIX. São Paulo: Cosac&Naify, 2010. 392 p.

PEIRCE, Charles Sanders. Estudos Coligidos. Col. Os pensadores, trad.


bras., São Paulo: abril, 1980 (ant.).

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. 2ª ed., trad. bras., São


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WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. trad. bras.,


São Paulo: C.E.N., 1968 (1921).

VALENTE, Nelson. BROSSO, Rubens. Elementos de Semiótica –


Comunicação verbal e alfabeto visual. Coleção Universidades. São Paulo:
Editora Panorama.1999

_________________. Teoria Lógica dos Signos, Intermedial Editora,São


Paulo,2009

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