Você está na página 1de 7

COCEPÇÕES DE DESEVOLVIMETO E APREDIZAGEM SEGUDO A TEORIA

PIAGETIAA

Sandra R. T. Gatti
Notas de aula

O objetivo do presente trabalho é realizar uma pequena síntese das principais teses defendidas
pela teoria piagetiana sobre desenvolvimento e aprendizagem.
Para tanto, dividirei minha análise em duas partes: inicialmente procurarei estabelecer alguns
pontos fundamentais da teoria, refletindo sobre os fatores que determinam o desenvolvimento e como
eles ocorrem.
Na parte dois do estudo, veremos que apesar da obra de Piaget não ser um tratado sobre
educação, sua construção teórica resultou em valiosas contribuições para o campo educacional.

PARTE 1:

Jean Piaget (1896 – 1980), dedicou-se ao estudo da natureza do desenvolvimento do


conhecimento, buscando determinar como o indivíduo constrói formas de pensar mais elaboradas,
desde um estágio inicial de uma inteligência prática até o pensamento formal, lógico dedutivo, a
partir da adolescência. Ou seja, buscou compreender o processo de desenvolvimento da inteligência.
Havia na época, duas correntes teóricas que se propunham a trabalhar com o tema: 1) o
empirismo: que afirmava que o desenvolvimento intelectual era determinado pelo meio ambiente, ou
seja, ao nascer o indivíduo seria submetido a estímulos externos que desencadeariam reações que
seriam ou não assimiladas e 2) o racionalismo: que defendia a idéia de que o desenvolvimento é
determinado pelo sujeito, que já nasce inteligente e apenas se organiza em contato com o meio.
Piaget rejeita as posições anteriores e apresenta uma visão interacionista, assumindo que o
pensamento lógico é construído através da constante interação do indivíduo com o mundo. Isto
representa um ponto significativo na teoria, pois aponta a necessidade de uma elaboração interna no
processo de desenvolvimento.
Assim, entre uma experiência proporcionada pelo ambiente e a conduta resultante do indivíduo,
existe um processo interno de construção, sugerindo uma participação ativa do sujeito no processo de
desenvolvimento.
A preocupação central do trabalho de Piaget refere-se à elaboração de uma teoria do
conhecimento. Sua Epistemologia Genética (episteme = conhecimento; logia = estudo) reflete a
1

formação como Biólogo, pois assume que só conhecimento possibilita ao indivíduo um estado de
equilíbrio interno que o capacita a adaptar-se ao meio.
O que se propõe a epistemologia genética é pois pôr a descoberto as raízes das diversas variedades de
conhecimento, desde as suas formas mais elementares e seguir sua evolução até os níveis seguintes até,
inclusive, o pensamento científico (Piaget, 1972, p.8).

Em busca da determinação dos processos responsáveis pela formação dos conhecimentos


(psicogênese), Piaget analisou o sujeito epistêmico, ou seja, estudou os “processos de pensamento
presentes desde a infância inicial até a idade adulta”.(Rappaport, 1981, p.51).
O autor lembra que
A grande lição contida no estudo da gênese ou das gêneses é (...) mostrar que não existem jamais
conhecimentos absolutos. (...) Afirmar a necessidade de recuar à gênese é lembrar a experiência de uma
construção indefinida e, sobretudo, insistir no fato que, para compreender suas razões e seus mecanismos, é
preciso conhecer todas as suas fases ou pelo menos, o máximo possível. (Piaget, 1972, p. 9).

O trabalho de Piaget possui um caráter de cientificidade, na medida em que não apenas descreve
o processo de desenvolvimento da inteligência, mas busca apoiar suas teses em dados empíricos.
Através do método clínico, aprofundou o conhecimento sobre os processos mentais das
crianças. Tal método consistia em questionar o sujeito diante de objetos, permitindo que ele os
manipulasse concretamente. Assim, a partir de suas respostas, tentava-se inferir sobre o processo de
construção do conhecimento.∗
Antes de prosseguirmos, seria interessante discutir alguns conceitos fundamentais da teoria,
essenciais para sua compreensão.
A teoria piagetiana define dois conjuntos de elementos:
1.Variantes: estruturas mentais, formas de pensamento que mudam e se adaptam a fim
de garantir o equilíbrio entre o indivíduo e o meio.
2.1 Esquema: unidade estrutural básica de pensamento e ação, instala-se através
do contato físico e social. Pode ser conceituado como uma disposição comportamental
específica, como uma idéia que formamos a respeito de uma pessoa, objeto ou situação
ou ainda como uma forma de solucionar problemas abstratos (Rappaport, 1981).
1.2 Estrutura: sistema organizado de esquemas que se relacionam, conservam e
tendem ao equilíbrio. A estrutura cognitiva determina a amplitude e a natureza das trocas
com o meio em um determinado estágio de desenvolvimento.


A descoberta de uma lógica anterior à linguagem, a lógica da ação, chama a atenção de Piaget para a importância das
manipulações para o estudo do pensamento. Dessa forma, as entrevistas realizadas anteriormente, apenas verbalmente
forneciam apenas um quadro incompleto sobre a estrutura cognitiva e sobre o desenvolvimento.
2

2.Invariantes: representados pelas grandes funções mentais (organização e adaptação),


compreendidas como tendências inerentes a todos as espécies.∗ A adaptação ocorre através
da organização. O organismo discrimina entre os estímulos e sensações que recebe e os
organiza em alguma forma de estrutura.
A adaptação se dá através de dois processos:
2.1 Assimilação: ocorre quando uma nova situação ou um novo elemento é
incorporado e assimilado à estrutura cognitiva já existente.
2.2 Acomodação: processo de busca e ajustamento a condições novas e mutáveis
no ambiente, de tal forma que a estrutura cognitiva preexistente é modificada para lidar
com as novas informações.
É importante que se diga que os processos acima descritos são complementares, uma vez que a
assimilação sempre pressupõe algum grau de acomodação e a acomodação só é possível em função
do processo de assimilação.
A inteligência é concebida na teoria como um mecanismo de adaptação do organismo a uma
nova situação e implica na construção contínua de novas estruturas cognitivas. Assim, pode-se dizer
que não herdamos inteligência e sim um organismo que se desenvolverá em contato com o
ambiente.∗
Para Piaget, o desenvolvimento

(...) é uma equilibração progressiva a partir de um estado inferior até um estado mais elevado de equilíbrio
(Piaget, 1964, p.3).

Assim, seria correto afirmar que é a busca do equilíbrio que impulsiona a mente em direção a
níveis mais elevados de pensamento. Mas podemos questionar: quais fatores são responsáveis por
desencadear o processo de desenvolvimento?
Há quatro condições, segundo a teoria piagetiana.
1.Maturação biológica: encarada na teoria como condição de responder ao meio, um
potencial para o desenvolvimento e não como seu único determinante.
2.Experiência física: é entendida como toda experiência resultante das ações realizadas
materialmente. Através dela, pode-se construir dois tipos de conhecimento: a) o físico – a
partir da interação com os objetos e da abstração das ações que exerce, o indivíduo descobre


Implícitas em nossa herança biológica.

A concepção de ambiente na teoria inclui aspectos físicos e sociais que concorrerão para propiciar experiências que
poderão provocar desequilíbrios no indivíduo. A partir desta noção, pode-se concluir que a pobreza na estimulação
interfere no processo de desenvolvimento da inteligência.
3

suas propriedades físicas; e o b) lógico matemático – a partir da ação sobre os objetos, a


criança constrói relações lógicas.
3.Experiência social: diz respeito ao tipo de aprendizagem que depende das relações
interpessoais, da instrução verbal e das experiências de natureza social ou cultural.
Processo de equilibração: é a marca da teoria piagetiana, considerado o mais importante
fator no desenvolvimento do conhecimento, é um processo contínuo responsável por
coordenar os demais, expostos acima e proporcionar o surgimento de estágios
progressivos de equilíbrio. Representa a essência do funcionamento adaptativo, constante
em todos os níveis de desenvolvimento, ainda que os estados de equilíbrio de cada
estágio sejam qualitativamente distintos.

Desequilíbrio

Figura 1: Esquema ilustrativo do processo de equilibração.


A partir dos estudos realizados, Piaget observou que as crianças exibem em diversas faixas
etárias, diferentes formas de interagir com o ambiente, que ele denominou estágios de
desenvolvimento.∗ Pode-se dizer que
(...) cada fase corresponde a determinadas características que são modificadas em função da melhor
organização. Cada estágio constitui uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no
sentido de uma equilibração sempre mais completa e de uma interiorização progressiva (Rappaport, 1981,
p. 65).

Faremos a seguir uma breve síntese das principais características que marcam os diferentes
períodos.
• Período Sensório motor (0 a 2 anos): inicialmente o comportamento do recém-nascido é
caracterizado por reflexos hereditários (por exemplo, sugar, agarrar, etc.), que se tornam cada vez


É importante dizer que os estágios de desenvolvimento não são determinados pelas idades. A psicologia genética
concebe o desenvolvimento intelectual como uma sucessão de estágios que traduzem diferentes formas de organização
mental.
4

mais eficientes e combinam-se na formação de esquemas sensoriais-motores. Não existe nenhuma


diferenciação entre o sujeito e o mundo exterior e consequentemente, o eu está no centro da
realidade. Tal centração é denominada por Piaget de egocentrismo. Através dos progressos da
inteligência sensório-motora, a criança poderá construir um universo objetivo que lhe proporcionará a
distinção entre os objetos externos e o próprio corpo. Gradualmente, adquire comportamentos que lhe
permitem organizar a realidade à sua volta, conquistando noções como a permanência dos objetos e
causalidade. Sua linguagem vai desde a repetição de sílabas até a palavra-frase (por exemplo, “água”
para dizer que deseja beber água). Ao final do período, terá conseguido atingir uma forma de
equilíbrio que permitirá a solução de uma série de novas situações, apesar de permanecer egocêntrica
e ainda limitada em suas possibilidades intelectuais.
• Período Pré-operacional (2 a 7 anos): com o desenvolvimento progressivo da linguagem,
além da inteligência prática decorrente dos esquemas sensoriais motores formados anteriormente, a
criança poderá formar esquemas simbólicos. O pensamento ainda é egocêntrico e o indivíduo não
consegue conceber mentalmente o ponto de vista de outra pessoa. O raciocínio pré-lógico que surge
por volta dos quatro anos é baseado em aparências perceptuais (por exemplo, meia xícara de água
que encha completamente um copo pequeno é mais do que meia xícara de água que não complete um
copo grande). A criança é incapaz de considerar mais de um atributo de cada vez, assim, por
exemplo, as rosas não podem, ao mesmo tempo, ser flores. No que diz respeito à linguagem observa-
se a presença concomitante da linguagem socializada (aquela com intenção de comunicação) e da
linguagem egocêntrica (aquela que não necessita necessariamente de um interlocutor e não tem
função de comunicação). Quanto ao desenvolvimento dos julgamentos morais, a criança pré-escolar
avalia uma situação em função do ato praticado, sem considerar as intenções do indivíduo.
• Período das operações concretas (7 a 12 anos): Este é um período caracterizado por grandes
aquisições intelectuais. Nota-se um declínio do egocentrismo e um crescente aumento do pensamento
lógico. A criança atinge o conceito de conservação, podendo reconhecer que meia xícara de água tem
o mesmo volume, independentemente do recipiente que a contenha. Adquire a capacidade de
raciocinar retrospectivamente e prospectivamente no tempo (reversibilidade), o que acelera
imensamente o raciocínio lógico. Nesta fase, o sujeito pode dispor os objetos em série, classifica-los
em grupos e executar outras operações lógicas. Os julgamentos morais da criança passam a
considerar as intenções do sujeito que pratica a ação. Ocorrerá um declínio do egocentrismo social e
da linguagem egocêntrica.
• Período das operações formais (a partir dos 12 anos): o indivíduo torna-se capaz de
raciocinar logicamente sobre proposições, coisas ou propriedades abstratas, e é exatamente tal
capacidade que caracteriza o período. A formação de esquemas conceituais abstratos permite ao
5

adolescente a elaboração de conclusões lógicas para problemas puramente hipotéticos. É interessante


observar que nem todos os adultos atingem este último e mais elevado nível de desenvolvimento
intelectual.
Um ponto fundamental que não pode passar despercebido em nossa discussão é a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento na teoria.
Não se pode dizer que Piaget não dá importância à aprendizagem, este apenas não era seu objeto
de estudo.
Na teoria, a aprendizagem representa apenas o contato do organismo com o mundo, com novas
experiências. A partir deste contato, o processo de construção, as transformações que poderão ocorrer
na estrutura cognitiva são consideradas como desenvolvimento.
Podemos afirmar que o desenvolvimento precede a aprendizagem, na medida em que, a
estrutura cognitiva preexistente determina a aprendizagem futura. Uma nova informação que esteja
muito além da compreensão do indivíduo não será capaz de desequilibra-lo.
Assim, a aprendizagem pode ser o estopim de um processo de equilibração.
Neste momento de nossa discussão seria interessante buscar sintetizar as idéias principais
discutidas até aqui.
Na teoria piagetiana, o indivíduo herda uma série de estruturas biológicas (sensoriais e
neurológicas) que o predispõe ao aparecimento de certas estruturas mentais. O contato com o
ambiente lhe oferece diversas situações e experiências que poderão desequilibrar suas estruturas
cognitivas.
Neste caso, as funções invariantes (organização e adaptação) irão atuar no sentido de
possibilitar um novo estado de equilíbrio.
A nova situação poderá ser assimilada à estrutura existente, modificando-a de certa forma, ou
ainda, no caso de tal assimilação ser impossível, o indivíduo deverá reorganizar suas formas de
pensamento, resultando na acomodação.
O processo de desenvolvimento é para Piaget um processo de equilibração sucessiva que
permite a passagem de um nível de menor conhecimento para outro, mais relevante.

PARTE 2:

A teoria de Piaget, ao analisar de forma sistemática a gênese das noções básicas do pensamento
racional, fez surgir
(...) grandes esperanças sobre a possível utilização destes conhecimentos no campo educacional e,
concretamente, na aprendizagem escolar. (Coll, 1992, p.172).
6

O Construtivismo gerou algumas contribuições para a educação, que iremos apresentar


brevemente a seguir sem, entretanto, nos ater nas aplicações equivocadas da teoria.
A primeira contribuição que gostaria de destacar, refere-se à compreensão do erro como natural
no processo de desenvolvimento da inteligência, revelando a organização da estrutura cognitiva da
criança em determinado momento.
Um segundo aspecto, diz respeito ao papel ativo do sujeito na construção do conhecimento. Isto
implica que o indivíduo, através de um processo de reorganização interna, constrói conceitos. Em
outras palavras, o conhecimento não é uma cópia da realidade.
Talvez a maior contribuição tenha sido no aspecto metodológico, já que, admitindo a
aprendizagem como o contato com o novo, que pode gerar desequilíbrios, as experiências educativas
devem ter este perfil. Ou seja, a atividade deve ser problematizadora e prever a ação do aluno.
Neste processo, a avaliação passa a ter função diagnóstica, a fim de permitir um constante
replanejamento.

REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COLL, C. (1992). As contribuições da psicologia para a educação: teoria genética e aprendizagem escolar. In.
LEITE, L. B. Piaget e a Escola de Genebra. Ed. Cortez.
PIAGET, J. (1964). Seis estudos de psicologia. 12a. Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro.
PIAGET, J. (1972). A epistemologia genética. Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 110 p.
PIAGET, J. (1987). O nascimento da inteligência na criança. 4a. Ed. Guanabara Rio de Janeiro, 389 p.
PULASKI, M. A. S. (1986). Compreendendo Piaget – uma introdução ao desenvolvimento cognitivo da
criança. Ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 230 p.
RAPPAPORT, C. L. (1981). Modelo Piagetiano. In. ____ Teorias do desenvolvimento – Conceitos
fundamentais. v1, pp. 51 –75.

Você também pode gostar