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“Esta obra suprema da razão (…) não encontrou até agora outro
símbolo alegórico propício ao entendimento generalizado (…) senão a
imagem do sol nascente. E é certo que será ainda por muito tempo
mais adequado, por causa das brumas que irão continuar a erguer-se
dos atoleiros, turíbulos e holocaustos nos altares dos ídolos, e que tão
facilmente o podem encobrir. Porém, quando nasce o sol, as névoas
nada podem contra ele”.
Considerações preliminares
O discurso sobre a Europa, isto é, sobre uma ideia de Europa revestida do mito
iluminista de progresso, foi desenvolvido para fazer a crítica ao chamado velho sistema
obscurantista de ensino, dito jesuítico, e para defender propagandisticamente um novo
modelo pautado pelos parâmetros de contornos utópicos típico do racionalismo das
Luzes. Escreve acertadamente Miguel Real que “Pombal hiperboliza todos os
traços da verdadeiramente existente e dominante decadência nacional, postulando a
existência de um absoluto vazio nacional”, e elege os Jesuítas como causa motora e
razão explicativa da ruína portuguesa; e “em nome da Europa (…) expulsa-os e
persegue-os, levando à extinção da Companhia de Jesus em 1773”[2].
Triunfo do regalismo
Pombal levou até ao extremo uma tendência regalista que se vinha acentuando
em Portugal desde o período da Restauração. Neste processo evolutivo marcaram o
andamento conceptual do regalismo, nas suas diferentes fases, o pensamento de
Francisco Velasco de Gouveia e a sua Justa aclamação do Sereníssimo Rei de Portugal
D. João IV, publicada em 1646, para legitimar a validade da elevação ao trono de D.
João IV, inspirado na filosofia política de F. Suarez. Também a obra de Manuel
Rodrigues Leitão intitulada Tratado analytico e apologetico sobre os provimentos das
Igrejas de Portugal, elaborado em 1659 e publicado só em 1715, depois da morte do
autor, obra que foi projectada no contexto de uma controvérsia sobre a capacidade de D.
João IV e os seus sucessores nomearem bispos para as sés vacantes. Esta polémica tinha
sido desencadeada pela obra do espanhol Francisco Ramos de Manzano (teórico
regalista afecto à corte espanhola) sobre La provision de los obispados vacantes en la
corona de Portugal, documento endereçado ao Papa Alexandre VII a fim de refutar a
teorizada faculdade de o rei português nomear bispos para as dioceses do seu reino[5].
Mas antes de Pombal foi, acima de todas estas, a obra de Gabriel Pereira de Castro
(1571-1652), De manu regia, publicada em 2 volumes entre 1622 e 1623 que é tida
como o principal tratado teórico do regalismo português. O livro tinha sido censurado e
inscrito no Index dos livros proibidos em 1640 por Roma. Todavia, vai ser reabilitado e
divulgado no período de D. João V, sendo para isso impresso em 1743 e depois muito
difundido e revisitado pelos ideólogos do absolutismo pombalista[6].
«só atingiu o climax pelos fins dos anos sessenta, com a emergência económico-política de uma burguesia
relativamente poderosa no litorial português, com o colbertismo industrial e com as reformas de conteúdo
agrário. Desde então, o primitivo esquema teocrático mostrou-se ineficaz como instrumento de guerra
económica e política. O principal teatro das operações deslocou-se da sociedade eclesiástica para a
sociedade civil. A cobertura doutrinária vinda de instâncias do direito divino cedeu por isso o lugar à
cobertura vinda das instâncias do direito natural»[15].
Além das doutrinas dos teóricos europeus que vão ser assimiladas para
fundamentar a prática do absolutismo esclarecido, Pombal vai dispor de uma espécie de
teólogos/ideólogos de serviço que lhe fazem a encomendada instrumentação teórica das
suas medidas legislativas de redefinição das relações Igreja/Estado. O afamado teólogo
e canonista António Pereira de Figueiredo (1725-1797)[18], padre oratoriano, vai ser
o arquitecto do estabelecimento das bases teóricas do regalismo pombalino, que visava
combater a tendência da contra-reforma tridentina que tinha reforçado a concentração
de poder no pontífice católico. Esta concentração teocrática do poder causava enormes
situações de conflito com os emergentes estados-nação[19].
Nesta linha como em outros escritos seus que se agendam nesta ordem de
preocupações teóricas, o Pe. Figueiredo estabelece o princípio do direito divino dos reis
e da sacralidade do seu poder conferida directamente por Deus aos soberanos temporais.
Define os fins do exercício desse poder que, em última análise, tem por objecto o bem e
melhoramento da sociedade humana e a felicidade de todos os vassalos. Para que a sua
acção política seja eficaz e a harmonia da comunidade dos súbditos seja garantida, é
absolutamente imprescindível que a Igreja seja submetida às leis dos monarcas
temporais, os quais são a autoridade suprema no seu terreno de domínio no respeitante
ao temporal. Tanto o poder real como o pontifício são ambos igualmente supremos nas
suas esferas de influência respectivas. No plano temporal entra a protecção que os reis
devem oferecer à Igreja, como também engloba as questões temporais da Igreja, pelo
que os Bispos e o clero em geral se devem submeter ao arbítrio e às leis do Estado para
dirimir essas questões. Assim, por exemplo, o poder real arrogava-se do direito de
impor tributação às instituições eclesiásticas presentes no seu Estado, dispensando
qualquer autorização de Roma para o efeito. Os bens materiais da Igreja passam a entrar
na alçada da legislação real, assim como a jurisdição eclesiástica sobre o temporal, as
isenções e as imunidades do clero deixam de se integrar no direito divino.
«Em virtude desta missão que aos apóstolos fez Cristo, ficaram eles constituídos ministros do Novo
Testamento (...), isto é, pastores da Igreja e administradores e dispenseiros de todos os sacramentos, que o
mesmo senhor instituíra (...). Nesta administração dos sacramentos se encerra não só o poder da ordem,
mas também o da jurisdição, isto é, não só o poder de consagrar o corpo de Cristo e absolver os pecados,
mas também o exercício destes e dos mais sacramentos, a eleição e missão dos novos ministros seus, o
poder de estabelecer novas leis concernentes a esta administração dos sacramentos, e, por isso, o poder de
dispensar neles todas as vezes que assim o pedisse a utilidade e necessidade dos fiéis (...). Este poder
dado por Cristo aos apóstolos para governarem as dioceses que a cada um coube por sorte, ou que cada
um por divina inspiração escolhia, era um poder absoluto e ilimitado que se estendia a todo o género de
casos»[22].
O conhecimento das suas ideias reformistas chegou até nós contidas não só na
sua epistolografia, mas também numas Instruções redigidas entre 1736/37, a pedido de
Marco António de Azevedo Coutinho, então embaixador de Portugal junto da corte
inglesa[29] ao ser colhido pela surpresa da sua nomeação por D. João V para a
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em Junho de 1736[30].
Estas sugestões que ficaram conhecidas pelo título de Instruções inéditas ou Instruções
políticas, escritas aos 77 anos de idade, contêm várias orientações reformistas para os
governantes do reino, nas várias áreas da governação, que pelo facto do seu autor as
considerar de muito arrojadas para serem acolhidas pelo seu solicitador, confia-as antes
ao seu sobrinho D. Luís da Cunha Manuel[31].
Considerando «os muitos homens» como «as verdadeiras minas do Estado» (isto
é, a grande vantagem de uma nação estaria no seu grande número de população), faz
uma crítica demolidora ao excesso de conventos que existiam no reino, os quais seriam
responsáveis por uma autêntica sangria populacional no país. De acordo com as suas
apreciações críticas informadas pelas teorias do fisiocratismo, o que o reino mais
precisava era de «homens que trabalhassem as terras, que por falta deles ficam incultas;
e homens que por serem muitos, se apliquem a tudo o que pode dar de comer; porque
não há algum que queira morrer de fome; e, enfim, homens que sirvam o Príncipe e a
República por terra e por mar, com utilidade do comércio[35].
É esta escassez de mão-de-obra de que Portugal padecia que fez deste reino
muito inferior a Castela e o coloca em perigo de ser dominado novamente pelo país
vizinho. A principal causa desta escassez está, segundo o diplomata, no número
descomunal de frades metidos nos conventos:
«A primeira e mais copiosa sangria por ser sucessiva, que sofre Portugal e malogra aquele benefício é a
do grande número de conventos de cada uma das ordens de frades e freiras que se têm estabelecido em
todas as províncias do reino, aumentando desta sorte as bocas que comem, sem braços que trabalhem e
vivendo à custa dos que, para se sustentarem e pagarem os tributos que se lhes impõem, cavam, semeiam
e colhem o que Deus lhes dá com o suor do seu rosto»[36].
Este excesso de casas religiosas é visto como um meio predador das forças vitais
do reino, sendo por isso considerado um abuso e um excesso intolerável. Mas tal facto
deve-se, na sua perspectiva, a um traço psicossomático característico dos portugueses:
«Para este abuso concorre a natural preguiça dos Portugueses, que a título de vocação
procuram ter no cesto o pão, sem o procurarem e sem servirem os ofícios de seu
país»[37].
«Outra ordem ou sociedade se introduziu em Portugal e subsiste nas mais partes do mundo católico
romano, que é a dos Jesuítas, anfíbios da religião, porque não são como os frades nem deixam de o ser.
Esta pois furtou às mais a benção de se saber enriquecer; mas estes bons padres não estão pelo menos
ociosos como os mais, de que tenho falado; antes os seus institutos os obrigam a frequentar os púlpitos e a
assistir nos confessionários, a doutrinar os povos, a ensinar as artes e a sacrificar as vidas pela propagação
da Fé, de sorte que a favor de tanta utilidade temporal e espiritual se pode sofrer a sua ambição, a que
todavia se lhes deve prescrever algum limite, como a todas as ordens, a quem chamei herdades ou que
herdam, porque sendo inalienáveis os bens que nelas entram ou por necessidade dos que lhes vendem ou
pela mal entendida devoção que eles inspiraram a quem lhos deixa, não têm os vassalos de el-rei em que
empreguem os cabedais que ajuntam para sustentarem as suas casas»[38].
Também não se pode dizer que Pombal tenha sido um anticongreganista radical,
pois apesar de ter perseguido os Jesuítas, favoreceu outras ordens. Isto não obstante ter
propugnado a reforma e limitação do poder das ordens monásticas em fidelidade à sua
política regalista, em particular ter submetido as ordens ao poder do Estado, refreando a
sua acumulação de títulos de propriedade e a sua expansão numérica além do que
entendia ser a necessidade do país. As medidas que para nós parecem anticatólicas, para
Pombal e para os ideólogos regalistas seus apaniguados eram vistas como uma forma de
purificar o catolicismo de perversões que se tinham tornado estruturais e uma maneira
de recolocá-lo no seu lugar próprio, valorizando a sua dimensão espiritualizante em
detrimento do seu comprometimento temporal. E, nesta declarada intenção reformista,
mais uma vez se pode encontrar eco do jansenismo internacional e do movimento
ascetizante da Igreja a que ele se associou de algum modo.
Pombal com esta reforma pretendeu sobremaneira provar que os Jesuítas
estavam errados e que eram os responsáveis pelo atraso português em relação à Europa,
mormente no domínio da instrução em que tanto investiram. Para tal adoptou as novas
propostas de pendor iluminista de alguns pedagogos que na década anterior à ascensão
de Sebastião José ao governo do reino se tinham destacado como protagonistas de
polémicas pedagógicas em torno de métodos e manuais de ensino dos Jesuítas em
Portugal. Uma boa parte das orientações e dos novos manuais propostos pela corrente
pedagógica iluminista crítica do ensino dos Jesuítas vai ser posta em vigor obrigatório
em substituição dos expurgados compêndios da Companhia de Jesus[44]. Nestes
antecedentes polémicos muito próximos do período da sua governação, o Marquês de
Pombal foi buscar argumentos científico-epistemológicos e material pedagógico-
didáctico já elaborado que precisava para munir a vertente teórico-epistemológica e
metodológica do seu antijesuitismo pedagógico.
Este instituto religioso tinha conhecido uma significativa evolução desde a sua
implementação em Portugal. De uma postura marcadamente rigorista e ortodoxista
experimentou uma mudança surpreendente no plano pedagógico e doutrinal a partir da
última década da I metade do século XVIII, em virtude da abertura de alguns dos seus
intelectuais e professores às ideias novas que corriam na Europa. A permeabilidade aos
conteúdos do iluminismo europeu é manifestada em algumas importantes polémicas que
protagonizaram contra os pedagogos jesuítas neste período[48].
Já no final da década de 30, Manuel Monteiro, o primeiro pedagogo que iria
abordar criticamente uma das vertentes de ensino ministrado nos colégios da
Companhia, tinha traduzido e publicado na oficina tipográfica da sua Ordem uma obra
de Voltaire, que trouxe a lume sob pseudónimo de Francisco Xavier Freire de
Andrade[49].
Esta obra didáctica tinha prestigiado imenso o ensino dos Jesuítas em Coimbra,
tornando-se o símbolo mais emblemático da sua tradição didáctica, pois como comenta
o historiador Rui Carita, «a história da Gramatica Latina de Manuel Álvares é, até certo
ponto, a história do ensino dos Jesuítas e uma das partes fundamentais da sua obra»[52].
Ao lado desta obra surgiu depois uma gramática latina para outros níveis de ensino da
autoria do jesuíta Bento Pereira que foi também alvo de substituição pela reforma
pombalina do ensino[53].
O autor recorre a esta forma epistolográfica como artifício literário para tecer
uma crítica global ao sistema de ensino português dominado pelos Jesuítas e para
propor uma reforma de pendor iluminista. Dizendo, assim, na primeira carta com que
inaugura a sua obra, que recebeu a solicitação do seu suposto correspondente para lhe
expor ideias e projectos reformistas no que dizia respeito à educação praticada no reino
de Portugal, começa por declarar: «Meu amigo e senhor: nesta última carta que recebo
de V. P. entre várias coisas que me propõe, é a principal o desejo que tem de que eu lhe
diga o meu parecer sobre o método dos estudos deste reino; e lhe diga seriamente se me
parece raciocinável para formar homens que sejam úteis para a República e Religião; ou
que coisa se pode para conseguir o dito intento»[64].
«que entenda que eu, dizendo o que me parece dos estudos, com isto digo mal da Religião da Companhia
de Jesus, que neste Reino é a que principalmente ensina a mocidade, devo declarar que não é esse o meu
ânimo. Eu venero esta Religião doutíssima, por agradecimento e por justiça. Por agradecimento, porque
esse pouco que sei, eles mo ensinaram, e, ainda que nas escolas não aprendesse tudo, aprendi-o
conversando com eles particularmente, e lendo os seus autores. Sempre conservei com eles intrínseca
amizade, e disto conservarei uma memória sempre eterna»[65].
Como nova performance pedagógica global, sugere que seja ministrado aos
alunos um ensino faseado, adequado às diferentes faixas etárias, aligeirando os
conteúdos mais maçudos e densos que fazem com que muitos ganhem aversão à escola
e percam o gosto de aprender. Para superar este sistema de ensino rígido, pesado, triste e
punitivo do ensino escolástico, advoga a recurso a uma metodologia de ensino atraente,
capaz de recorrer a métodos lúdicos e divertidos que façam os educandos ganhar gosto
pela aprendizagem. Para uma infusão de uma ainda maior motivação e confiança nos
alunos sugere a abolição dos castigos mais severos[67]. Na sua visão avançada da
didáctica, que, em alguns aspectos, mantém ainda um grande validade e actualidade,
defende a importância dos livros escolares serem ilustrados com gravuras de vária
ordem, para que os conteúdos sejam mais facilmente assimilados e para que os alunos
encarecem o estudo como uma espécie de divertimento: «Este é o ponto principal nos
estudos dos rapazes: não amofinar-lhes a paciência, mas instruí-los como quem se
diverte»[68].
Na esteira do que se tinha tornado moda, Verney ocupa-se da questão candente
da ortografia, da pontuação e da gramática latina para criticar os métodos adoptados
pelos professores inacianos na leccionação destes temas que tinham como manual
básico a Gramática de Álvares.
Com efeito, Verney tece uma crítica acirrada à colagem dos Jesuítas,
considerada por ele como inaceitável nos tempos que corriam, à tradição filosófica
escolástica que obstruía a desejada e urgente abertura às ideias novas em voga no
domínio do ensino da Filosofia. De tal modo que o Barbadinho afirma desta forma crua
que em Portugal «não se sabe de que cor seja isto a que chamam Filosofia». Quanto ao
termo Filosofia, caracteriza-o ele como sendo um «vocábulo bem grego nestes países»
para evocar o seu hermetismo e conhecimento restritivo, e, acima de tudo, para
denunciar a sua imobilização sustentada pelo apego à filosofia aristotélica. Aponta nesta
área, «o profundo abismo que separava Portugal dos restantes países da Europa» na sua
comparação iluminista pela bitola da cultura europeia de que tinha conhecimento
experiencial[74].
Apreciações do mesmo teor generalista, marcadas por algum excesso crítico, são
também dirigidas ao ensino da Lógica, uma das disciplinas basilares do sistema de
ensino da Companhia. Condena o conteúdo da sua leccionação por entender que se
encontrava preso a minudências ridículas e promovia a obrigatoriedade de exercícios
inúteis, sendo que «toda a Metafísica útil se reduz a definir com clareza alguns nomes
de que se servem os Filósofos»[78].
Uma das ideias mais arrojadas de Verney concerne à sua visão da educação da
mulher. Este pedagogo colocava a mulher em paridade com o homem em termos da
capacidade de aprendizagem, afirmando, contra todos os preconceitos do tempo, que «a
diferença de sexo não tem parentesco com a diferença de entendimento»[82].
Salientando que a mulher é a primeira mestra do homem, advoga o dever de lhe ser
ministrada uma educação adequada à sua missão na sociedade.
Sem poder abater totalmente o valor, difícil de contestar, de uma das figuras
mais notáveis da Companhia de Jesus em Portugal, Verney tenta, todavia, dar um duro
golpe num dos corpus mais brilhantes da sua literatura jesuíta e da literatura barroca de
seiscentos. Mas esta crítica à parenética de Vieira[84] mais uma vez deve ser
compreendida no esforço do autor para fundamentar a necessidade de revogação do
paradigma cultural hegemónico que ainda vigorava em Portugal e, em alternativa,
defender a instauração de um novo paradigma de pendor iluminista baseado numa
pedagogia que ajustasse o Homem, o Estado, a Sociedade, a Escola e a Religião à nova
mundividência que as descobertas científicas e as novas sínteses filosóficas estavam a
criar.
Dos princípios que estabelece para reger a nova política de ensino, aparece como
mais relevante e inovador em relação aos outros ideólogos já analisados, a defesa da
entrega ao Estado de toda a tutela da educação de crianças e jovens, ao qual devia ser
dada competência exclusiva para superintender nesta matéria. A sua tese vai encontrar
pleno eco no ideário reformista do ensino do despotismo esclarecido que pretendeu
colocar sob o controlo do Estado o monopólio de todos os sectores da vida social.
Embora considerasse a excepção do ensino da doutrina cristã na proposição do princípio
de estatização do ensino, o ideólogo sugere, no extremo, que fosse retirada aos
eclesiásticos a hegemonia e autonomia que detinham no campo da educação. Inscrito
numa matriz político-pedagógica sintonizada com a ideologia política de pendor
regalista, denuncia o domínio vergonhoso, para a supremacia do poder real, da
Universidade de Coimbra por uma «potência estrangeira», onde é fácil entrever quem
são aqui os visados nesta acusação: a Cúria Romana e os Jesuítas.
Para um reforma efectiva do ensino propõe a separação das ciências sagradas das
ciências humanas ou ditas profanas, que deveriam ser leccionadas distintamente e em
escolas separadas. Podemos aqui entrever bem patente, neste quadro de orientações
teóricas, o princípio operatório da laicização e secularização do ensino que iria ser
plenamente reivindicado no século seguinte, e de que Ribeiro Sanches é deste modo um
percursor[92]. O que é ainda mais evidente na sua proposta de entregar a leccionação
das ciências profanas a docentes não eclesiásticos, preconizando a importância de
estimular a aprendizagem destas disciplinas para o esclarecimento e progressividade do
reino, no seu desiderato de equiparação de Portugal aos países cultos da Europa[93].
«Não conhecem os direitos que separam o Sacerdócio do Império com justos limites, que Sua Majestade,
Nosso Senhor, prescreveu a um como a outro, contrariamente louvaram nas preocupações erros absurdos,
que me deram muito enquanto andei naqueles Países, e não há quem lhe tire da cabeça, que os
Portugueses foram e sempre são escravos da Cúria Romana e dos eclesiásticos por ela governados»[100].
RESUMO
O discurso sobre a Europa, isto é, sobre uma ideia de Europa revestida do mito
iluminista de progresso, foi explorado para fazer a crítica ao chamado velho sistema
obscurantista de ensino, dito jesuítico, e para defender propagandisticamente um novo modelo
pautado pelos parâmetros de contornos utópicos típico do racionalismo das Luzes.
A nossa comunicação pretende analisar a importância de uma ideia de Europa, por vezes
mitificada, que serviu como meta modelar de progresso na concepção, planeamento e na
propaganda estatal das reformas políticas protagonizadas pelo Marquês de Pombal.
ABSTRACT
The reforms of Marquês de Pombal, in general, and the reforms of the
Education, in particular, had always the intent to mobilize the recuperation of the delay
of Portugal and its colonial territories in relation to the models of progress of the most
advanced and cultured countries in Europe. In 1759, the minister Carvalho e Melo, in
the sequency of the interdiction of the education teached by the Company of Jesus and
the abolition of all its net of formative institutions in Portugal and its colonial territories,
particularly in Brazil, initiated a process of reform and renovation of portuguese
education system, bringing it under the control of the government.
The speech on Europe, that is, on a ideia of Europe coated with the illuminist
myth of progress, was explored to make a censure to the old call obscurantist system of
education, said jesuitic, and to defend a new model measured by the parameters of
utopian contours, typical of the rationalism of the Lights.
Our text analyzes the importance of an ideia of Europe, for times mythified, that
served as shape goal of progress in the conception, planning and in the state propaganda
of the political reforms carried out by Marquês de Pombal.
Como considera Zília de Castro: «Eram, sem dúvida, o ponto de chegada de uma longa
caminhada que tivera como marcos miliários o renascimento e a reforma, e como
figuras de ponta Bacon e Newton, Locke e Descartes, Grócio e Spinoza. Mas eram
também o resultado de transformações bem mais profundas, porque correspondiam a
uma mutação de valores: a terra substituíra o céu, o temporal ocupara o lugar do eterno,
o racional suprira o dogmático, a teologia cedera perante a filosofia. Trouxeram, assim,
a subalternização do sagrado e a tendência de o situar na mesma linha de utilidade
racional segundo a qual eram abordados tantos outros problemas». Zília Osório de
Castro, O regalismo em Portugal. António Pereira de Figueiredo, Separata da Revista
Cultura, História e Filosofia do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de
Lisboa, Tomo IV, 1987, p. 361.
Sobre o autor e a controvérsia que a sua obra suscitou ver Manuel Augusto Rodrigues,
A Universidade de Coimbra e o Porto na época moderna. Manuel Augusto Leitão e o
regalismo em Portugal, Separata da Revista História, Porto, 1988. Isto verifica-se
durante o período da pós-Restauração em que a Santa Sé resistiu em reconhecer a
independência de Portugal não estabelecendo relações diplomáticas com este reino
declarado autónomo de Castela. Nestes momentos de tensão e de ruptura com o papado,
Portugal chegou a ameaçar com a convocação de um Concílio Nacional, o que
equivaleria declarar um cisma e a formar uma igreja autónoma de Roma.
António Manuel Hespanha, «A Igreja», in José Mattoso (dir.), História de Portugal,
Vol. IV, Lisboa, 1990, p. 297.
Zília Osório de Castro, op. cit,, p. 357. Segundo esta estudiosa foi o regalismo dito heterodoxo que, desde
sensivelmente a segunda metade do século XVIII, orientou as relações entre a Igreja e o Estado em
Portugal e em Espanha. Ver a este propósito Menendez Pelayo, História de los Heterodoxos Españoles,
Madrid, 1965-1967, p. 394.
Com propriedade, o nome regalismo foi utilizado para designar de forma específica a
política espanhola de subtracção do poder da Igreja em favor do Estado, cujo início é
marcado simbolicamente com a ascensão dos Bourbons ao poder no princípio do século
XVIII. O auge da aplicação deste ideário regalista atingiu o seu apogeu com Carlos III
(1759-1788) e com Carlos IV (1788-1808). Cf. Richard Herro, The eighteenth century,
revolution in Spain, New Jersey, 1958, pp. 3-10.
Note-se que naquilo que podemos chamar os manuais estrangeiros adoptados para
inspirar a política regalista portuguesa nesta época, dominam as obras de matriz
germânica do jusnaturalismo e não as de matriz do catolicismo iluminado.
Ibidem.
Sobre esta figura relevante o iluminismo português ver a recente obra de Cândido dos
Santos, Padre António Pereira de Figueiredo: Erudição e polémica na segunda metade
do século XVIII, Lisboa, Roma Editora, 2005.
Cf. Pedro José Calafate Villa Simões, Conhecimento e método. A crise das Filosofias
da
Cf. António Leite, “A ideologia pombalina”, in Como interpretar Pombal?, op. cit., p.
32; e ver também Samuel J. Miller, Portugal and Rome, 1748-1830. An aspect of the
catholic Englightement, Roma, 1978, p. 30 e ss.
Cf. D. Luís da Cunha, “Carta a seu sobrinho D. Luís da Cunha Manuel”, BA, cód. 49-
XI-7, fl. 1v.
Ibidem, p. 45.
Ibidem. Nesta esteira crítica, começaram a aparecer pouco a pouco alguns escritos na
época desabonatórios em relação ao benefício da existência de ordens e denunciadores
da sua relaxação, preludiando a produção maciça de propaganda anticongreganista no
século seguinte. O próprio Marquês de Pombal redigiu um parecer em que propõe a
inibição de as ordens poderem ser proprietárias de bens de raiz. Cf. “Tratado em que se
mostra que os religiozos, posto que em particular, ou comum, não podem possuir bens
de raiz (...)”, BNL, Secção de reservados, cód. 10509. Este tratado precedeu a lei
pombalina de 25 de Junho de 1766 que visava cercear o direito de posse de bens
patrimoniais às comunidades de vida regular. Sobre esta questão ver Laurinda Abreu,
“Política religiosa do Marquês de Pombal: Algumas leis que abalaram a Igreja”, in
Revista do Século XVIII, op. cit., pp. 223-233.
D. Luís da Cunha, Instruções, op. cit., p. 48. O diplomata entende que o que é preciso
atalhar e inibir é o processo de multiplicação dos consagrados mais que fazer reformas
que acabariam por multiplicar ainda mais os mesmos religiosos, pois estas reformas
desdobrariam as ordens em ordens reformadas e não reformadas: «o abuso, porém,
ainda vai mais longe, porque as ditas ordens vão parindo com o especioso pretexto de
reforma, multiplicando-se assim os frades e os conventos que é o que verdadeiramente
se devia reformar». Ibidem, p. 48.
Já desde o princípio do século XVIII que D. Luís da Cunha tinha manifestado uma
extraordinária admiração pela Companhia de Jesus, como se denota nalguma
correspondência que chegou até nós. Cf. ARSI, Lus. 35, II.
Cf. Jean-Pierre Chantin, Le Jansenisme, Paris, 1996, p. 117 ; e ver Catherine Maire
(ed.), Jansenisme et Révolution. Actes du colloque de Versailles tenu au Palais des
Congrès les 13 et 14 octobre 1989, Paris, 1990.
Cf. José Eduardo Franco e Annabela Rita, O Mito do Marquês de Pombal, Lisboa,
Prefácio, 2004, passim.
Para uma visão geral dos títulos destas obras polémicas ver o Catálogo das obras
críticas a respeito do Novo Methodo da Gramatica Latina e mais obras dos Padres da
Congregação do Oratório, BA, cód. 50-I-66, nº 76.
Cf. José Sebastião da Silva Dias, A Congregação do Oratório, op. cit., pp. 53-54.
Voltaire, História de Carlos XII, rei da Suécia, escripta por Monsieur Voltaire, e
emendada segundo os reparos historicos e críticos de Monsieur de la Motray, Lisboa
Occidental, 1739. Esta obra foi novamente publicada em Lisboa em 1769.
Este jesuíta nascido na ilha da Madeira, que foi professor e reitor do Colégio das Artes de Coimbra, do
Colégio de Évora e da Casa Professa de Lisboa, era um religioso considerado muito sábio e virtuoso e
muito apreciado e respeitado pelos seus confrades da Província Portuguesa. Cf. ARSI, Lus., 66, fl. 165. A
obra gramatical de Manuel Álvares foi submetida ao prelo parcial ou integralmente em vários países,
conhecendo mais de 600 edições e a tradução em várias línguas: francês, alemão, inglês, boémio, chinês,
croata, espanhol, flamengo, húngaro, ilírico, italiano, japonês, polaco. Mesmo depois da sua proibição
pelo governo de D. José I, ela continuou a ser editada e utilizada como manual na II metade do século
XVIII e durante o século de oitocentos. Passados mais de 20 anos após a extinção dos Jesuítas, Feller em
1794, na segunda edição do seu Dicionário Histórico não deixa de exaltar as qualidades da gramática do
jesuíta Manuel Álvares, classificando-a com o adjectivo de «excelente gramática» e como sendo «a mais
recomendável para os colégios», dando-lhe mais valor pedagógico do que aquelas que ultimamente são
usadas em detrimento daquela. Cf. M. Ferreira Deusdado, Educadores Portugueses, Coimbra, 1910, p.
301.
Rui Carita, O Colégio dos Jesuítas do Funchal, op. cit., Vol. I, p. 58. Para uma consulta
mais acessível desta obra gramatical de Manuel Álvares ver a edição comemorativa dos
500 anos desta publicação realizada na capital madeirense: Pe. Manuel Álvares,
Gramatica Latina, Fac-símile da edição de 1572, Funchal, 1974.
Embora Manuel Monteiro se tenha destacado como o pedagogo que mais abertamente
deu início à tentativa de substituição da consagrada gramática alvariana, já outros
autores em Portugal e no estrangeiro tinham feito reparos e críticas a este manual que
não reuniu absoluto consenso quanto à excelência das suas virtualidades pedagógicas. O
alemão Gaspar Schopp (1576-1649), adversário declarado dos Jesuítas, tinha
inaugurado já o ataque cerrado a esta gramática dando voz mais sistemática às críticas e
propostas de aperfeiçoamento feitas por Francisco Sanchez em 1587 e por Nicolau
Orlando Pescentti em 1609. A crítica sistemática do filólogo alemão foi consignada nos
Rudimenta Grammaticae Philosophicae, obra vinda a público em 1628, completada no
mesmo ano nos Paradoxa Litteraria e no ano seguinte em Auctoriam ad Grammaticam
Philosophicam, o que não pôs em causa, todavia, o lugar de Manuel Álvares como um
dos mais importantes gramáticos europeus tanto antigos, como modernos. No panorama
português, o sargento-mor Manuel de Sousa pode ser considerado o primeiro a visar
criticamente, ainda que indirectamente, alguns aspectos da obra de Álvares na sua
Explicação das partes da oração, e, cinco anos depois, no Resumo para os
principiantes da explicação das oito partes da oração, e ainda em 1729 no seu Exame
de Sintaxe e reflexões sobre as suas regras. Cf. A. A. Banha de Andrade, “Manuel
Álvares”, in Dicionário de História da Igreja em Portugal, Vol. I, Lisboa, 1980, p. 168.
Esta obra foi impressa em Lisboa em 1752 numa das oficinas tipográficas que virá a ser
uma das mais produtivas na propaganda antijesuítica pombalina: a oficina de Miguel
Rodrigues.
Cf. ANTT, Livro VI dos Assentos do Senado Oriental; Mercês de D. João V, livro 36,
fl. 292. Documento datado de 23 de Fevereiro de 1745 relativo à doação da Casa das
Necessidades com obrigação de ensinar.
Sobre a vida e a obra de Verney ver o estudo clássico de António Alberto Banha de
Andrade, Vernei e a Cultura do seu tempo, Coimbra, 1966.
Luzes, iluminismo, iluminar eram os termos do programa cultural em voga nos países
mais avançados da Europa que sustentavam uma nova mundividência assente na razão
humana. A valorização da posição racionalista que pretendia refundar a sociedade e
criar um homem novo, tirando as consequências filosóficas e epistemológicas das
grandes descobertas científicas que se vinham realizando desde o século XVII. Sobre as
Luzes ver, entre outros, E. Cassier, La philosophie des Lumières, Paris, 1966; Pierre
Chaunu, La civilisation des Lumières, Paris, 1971.
António Alberto de Andrade, Vernei e a Cultura do seu tempo, Coimbra, 1966, p. 448.
António Verney sente-se mais próximo desta nova fase da Filosofia das Luzes que se
afirmou em 1760 e que trouxe a lume o trabalho mais brilhante que se veio a tornar o
expoente da síntese que então se empreendeu com o escopo de contraminar o peso da
Suma Teologica de São Tomás de Aquino e da escolástica aristotélica de que esta obra
era uma espécie de bíblia. Era aquela que podemos chamar a Suma Filosofica do século
das Luzes, a Encyclopédie française (1751-1764) de d’Alembert e Diderot, que Voltaire
complementou com o Dictionnaire philosophique portatif em 1764.
Ibidem.
Luís António Verney, op. cit., Vol. I, pp. 35-37. Concretiza que «o mestre devia ensinar
o discípulo a compor bem uma oração portuguesa breve, uma carta, um cumprimento,
ou coisa semelhante. Para isto tem o estudante toda a facilidade possível, porque o faz
em uma língua que sabe e na qual o mestre pode claramente mostrar-lhe os erros.
Quando o estudante soubesse fazer isto bem, então lhe aconselharia a converter em
Latim, fixando-lhe toda a liberdade de composição».
Ibidem, Vol. III, pp. 19, 22, 229, 250, 266 e 297. O que mais entristecia Verney no
domínio do ensino da Filosofia em Portugal era a ignorância que dizia grassar nos
meios académicos em relação às obras de Galileu, de Newton, de Bacon, de Gassendi,
de Descartes e de Locke.
Ibidem,, p. 239.
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem, carta 9º
Sobre o assunto ver o estudo de Gian Paolo Brizzi, La formazione della classe
dirigente nel sei-settecento. I seminaria nobiliorum nell’Italia centro settentrionale,
Bolonia, 1976.
Ibidem, Vol. V.
Luís António Verney, op. cit., Vol. II, p. 177. Tendo em mente nomeadamente esta
crítica a Vieira, Maria L. Gonçalves Pires no seu estudo sobre este tratado pedagógico
de Verney, salienta que por vezes o autor desferiu críticas categóricas, pouco
argumentadas e provadas e de «grande insensibilidade literária» com base no seu «Deus
único chamado razão». M. L. Gonçalves (ed. e introd.), O verdadeiro método de
estudar. Cartas sobre retórica e poética de Luís António Verney, Lisboa, 1991, p. 29. A
«introdução» da autoria a este grupo temático de cartas constitui uma boa síntese
actualizada sobre o pensamento pedagógico deste iluminista português.
Recorde-se que Verney era afecto aos intelectuais da Congregação do Oratório, os quais
contrapunham a figura de Vieira a outra figura brilhante da sua Congregação, a do
romancista Manuel Bernardes, cujo estilo mais ligeiro agradava mais aos intelectuais
iluministas do século XVIII, além da questão institucional facilitar tal valorização. Cf.
José Sebastião da Silva Dias, Seiscentismo e renovação em Portugal no século XVIII,
Separata da revista Biblos (Vol. 36), Lisboa, 1961.
Também esta obra veio a lume sem indicação de autor e, para iludir qualquer suspeição
sobre a sua pessoa, dava a indicação falsa de que tinha sido um manual traduzido do
francês. Recorde-se que os teóricos da gramática iluminista como era o caso de Verney
são devedores da corrente gramatológica que sustentava a existência de uma ordem
natural das palavras na frase, aquilo que podemos chamar grosso modo de gramática
natural. Este é um dos aspectos, à parte a motivação jesuítica, que motivaram a
elaboração de compêndios gramaticais alternativos e está na base das controvérsias que
estes novos manuais suscitaram em Portugal. De uma maneira geral, como nos esclarece
Pedro Calafate, «a questão residia na defesa de uma conexão das palavras na frase,
assente na lógica de categorias universais, ordem que, por isso, mereceu a designação de
‘natural’, sendo considerada pelos gramáticos de Port-Royal como a mais excelente
forma de expressão, por conciliar a clareza com a elegância e o estilo». Pedro Calafate,
Metamorfoses da palavra. Estudos sobre o pensamento português e brasileiro, Lisboa,
1998, p. 165. Este método natural busca as suas raízes mais profundas em Quintiliano,
em cujas Instituições de oratória os gramáticos quiseram ver expressas as primeiras
propostas pedagógicas de matiz naturalista, e mais recentemente, nas linhas do
pensamento sensista de Locke. Ver também sobre o assunto Ulrich Ricker, Grammaire
et Philosophie au siècles de Lumières, Lille, 1978 ; e Pedro Calafate, “Gramática e
Filosofia”, in Pedro Calafate (dir.), História do pensamento Filosófico Português, Vols.
III, Lisboa, 2001-2002, pp. 233-245.
Francisco Bernardo de Lima, Gazeta literaria, ou notícia exacta dos principaes escritos
modernos, Lisboa, Maio de 1762, p. 4
Sobre a vida e obra deste iluminista ver Maximino Correia, António Nunes Ribeiro
Sanches, Coimbra, 1967; Rómulo de Carvalho, Relações entre Portugal e a Rússia no
século XVIII, Lisboa, 1979; Luís de Pina, Verney, Ribeiro Sanches e Diderot na história
das universidades, Porto, 1955.
Estas cartas editadas pela primeira vez em 1760 foram redigidas a pedido do
embaixador de Portugal em França, Pedro da Costa e Almeida Salema. O dito
embaixador Salema ao receber a primeira tiragem de 50 exemplares que contou esta
edição só quis, todavia, divulgá-las depois de as ter prudentemente submetido à
apreciação do Conde de Oeiras que depois lhes deu a sua superior autorização para o
efeito. Isto está expresso numa carta em que se constata o novo ambiente de
subalternização da vida cultural ao controlo do governo pombalino. Sobre o pensamento
deste médico iluminista ver Ana Cristina Bartolomeu de Araújo, Ilustração, pedagogia
e ciência em António Nunes Ribeiro Sanches, Separata da Revista de História das Ideias
(Vol. 6), Coimbra, 1984.
Ribeiro Sanches, num documento que redigiu em 1770 sobre as “Precauções
necessárias para que o Reino venha a governar-se um dia somente pela jurisdição Real”,
advoga contra o que considera ter sido um «abuso introduzido nos séculos anteriores da
Ignorância» que na reforma em curso «ninguém deve ensinar legitimamente em Escola
Pública sem autoridade Real». Este e outros documentos deste médico português
ficaram inéditos no Arquivo Distrital de Braga (Ms. 140), sendo contemporaneamente
publicados por Vitor de Sá: Ribeiro Sanches, ‘Dificuldades que tem um reino velho
para emendar-se’ e outros textos, Selecção, apresent. e notas de Vítor de Sá, Porto,
s.d., p. 107. O que está em causa primeiramente e substantivamente para os ideólogos
regalistas é o reforço absoluto do poder real. Neste esforço postulavam que estaria a
chave para a instauração de uma nova ordem social e cultural de que a educação seria
um dos instrumentos utilizados pelo Estado para esse fim.
Cf. António Nunes Ribeiro Sanches, Cartas sobre a educação da Mocidade, Nova
edição revista e prefaciada pelo Dr. Maximino Lemos, Coimbra, 1922, pp. 65-66 e 73; e
ver Artur Viegas, “Ribeiro Sanches e os Jesuítas”, in Revista de História, Vol. 9, 1920,
pp. 81-87; 227-231 e 256-270.
Ribeiro Sanches, ‘Dificuldades que tem um reino velho para emendar-se, op. cit., p. 80.
Ibidem, p. 86.
Cf. Manuel Antunes, s.j., “O Marquês de Pombal”, in Como interpretar Pombal?, op.
cit., p. 129.
Marquês de Pombal, Compendio historico analitico. Do juizo que tenho formado das
dezassete cartas conthendas na collecão e estampadas no anno proximo passado de
1772 em Londres no idioma Inglez e recebida nesta vila de Pombal nos princípios de
Fevereiro deste presente anno de 1778, BNL, Secção de reservados, cód. 13032, fl.
40v.
É nesta época que economistas e filósofos, como é o caso de Adam Smith, conceberam
a ideia de progresso no quadro do iluminismo em afirmação. Entendia-se que a ideia de
progresso civilizacional, que implicava a optimização e aplicação concreta dos avanços
técnicos, científicos, culturais, pedagógicos e políticos para a felicidade e bem do povo
e prestígio dos reinos, como uma conquista setecentista, mas que tinha sido iniciada e
possibilitada pelos Descobrimentos marítimos do século XVI e pela abertura dos
horizontes gnoseológicos e da consequente planetarização das relações económicas. Cf.
R. C. Simmons, Savagery, englightment, opulence, Birmingham, 1989, p. 13.
Cf. Kenneth R. Maxwell, “Eighteenth century Portugal: faith and season, tradition and
innovation during a Golden Age”, in Jay A. Levenson (ed.), The age of the Barroque in
Portugal, Washington, 1993, p. 111.; Idem, “State and individual in eighteenth century
Portugal: The pombaline Inheritance”, in Portuguese Studies Review, Vol. 2, Nº 2,
Spring-Summer, 1993, p. 37. O esforço de adaptação das ideias e técnicas em voga na
Europa ao caso português pelos intelectuais e estadistas nacionais vai desenvolver um
pensamento político reformista específico que deve ser relevado e compreendido neste
contexto de grande expectativa do progresso iluminista.
Cf. Ivan Teixeira, Mecenato pombalino e Poesia Neoclássica, São Paulo, Edusp, 1999,
passim.