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Cara Psicanálise,

Em relação às suas parentes, Behaviorismo e Gestalt, você deu um salto enorme


para dentro. Se o Behaviorismo passou longe e a Gestalt apenas espiou o que acontece
dentro do indivíduo, você teve a ousadia de tentar desvendar esse mundo secreto que é a
vida psíquica. Essa atitude em relação ao ser humano, de tentar compreender o que talvez
nem saibamos que precisamos compreender, é notável. Não faço juízo de valor se tudo o
que foi proposto pelo seu maior amigo Freud é verdadeiro, pois há coisas que me parecem
coerentes e outras nem tanto, mas faço elogio a esse desejo de conhecer o que há de
humano no humano, o que se esconde no nosso inconsciente –a forma como nossos
medos, sonhos, fantasias, traumas, a formação do eu é protagonista do olhar que nos dirige
a ciência.

Na minha área, que é a educação, o exercício mais simples que você nos legou é o
mais fundamental: a escuta. O docente deve estar aberto à escutar o que o aluno tem para
dizer, ao que ele está sentindo, o que ele está expressando, pois assim criará a ponte que
permitirá o aprendizado. Mas não serve dizer que está escutando, quando na verdade não
se está. Qualquer pessoa percebe uma falsa atenção, crianças e jovens principalmente, por
isso é impossível enganá-los. Após a leitura que fiz do texto ‘Gaiolas e asas’, de Rubem
Alves, posso dizer que já vivi tanto uma experiência quanto a outra, e que elas estão
relacionadas com essa importância da escuta. Na escola, tanto no ensino médio como no
fundamental, tive professores que só estavam preocupados em passar o conteúdo, mas
indiferentes ao fato de que eu não estava me apropriando daqueles saberes. Eles não
estavam ouvindo senão o próprio eco, e por isso tenho dificuldade em lembrar o que é que
eu aprendi. Olhando para trás, o “passar de ano” e as notas boas, já não me parecem mais
um sinônimo perfeito de aprendizado, pois como Alves comentou, a escola têm
mecanismos – testes e avaliações – e esses também podem ser aprendidos. O aluno
pode aprender a passar na prova e não aprender os conhecimentos que estão contidos
nela, dois aprendizados muito diversos.

Por outro lado, também tive professores que me incentivaram não só a buscar o
conhecimento, mas a gostar do que eu estava buscando e a aproximar aqueles
conhecimentos de mim. Minha professora de artes do ensino médio, Giovana, é uma
educadora que com certeza posso ver como alguém que me deu asas. Apesar de não ter
talento para as artes, sempre gostei de fazer coisas nessa área – invenções, pinturas,
desenhos, etc. –, mas durante os últimos anos do ensino fundamental, essa matéria era
apenas uma obrigação pra mim porque eu não tinha nela muito espaço para criar de
verdade. Já com a professora Giovana, eu sentia que ela realmente se empolgava com as
idéias que eu trazia, mesmo que elas não fossem exatamente o que ela tinha planejado
para a matéria. Ela me dava as ‘ferramentas’, porque mostrava como as referências da arte,
mesmo de épocas distantes, estavam presentes no meu dia-a-dia, e que eu me apropriava
delas mesmo sem saber; e também ‘brinquedos’ porque permitia que eu me expressasse e
conseguisse relacionar o que eu estava sentindo com o que eu estava aprendendo.

Pensando nessa relação professor-aluno durante a pandemia, parece muito


assertivo o que Margaret Pires Couto traz sobre você, Psicanálise, ao falar da importância
da transferência como mola propulsora da tarefa educativa. Toda a tecnologia e
ferramentas de pesquisa que temos ao nosso dispor em casa (quem as tem, claro) não são
suficientes para suprir a falta da sala de aula. Pelo contrário, essa falta me causa uma
sensação de impotência em relação ao meu próprio aprendizado. Tenho sonhado bastante
durante a pandemia e muitos desses sonhos são negativos, e embora eu reconheça neles
as ansiedades que tenho sentido, não consigo resolvê-las mesmo assim. Normalmente, já
tenho a sensação de que por mais que eu estude, nunca é o suficiente para aprender o que
eu preciso durante a faculdade, e essa sensação se intensificou com o ERE. Ao mesmo
tempo que já é difícil estudar em casa, mesmo com os professores (alguns) tentando nos
passar os conteúdos de uma forma mais branda, parte de mim gostaria que houvesse uma
maneira de estudar mais, ler mais, fazer mais. Embora algumas pessoas lutem contra a
expressão “ano perdido” e prefiram “ano atípico”, e de fato esse ano o seja, ele também
está perdido de certa forma: perdemos o ano que esperávamos ter.

Saudações,
Natália

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