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tes formas de representar a relação ensino/a Penso que o professor age assim porque
prendizagem escolar ou, mais especificamente, ele acredita que o conhecimento pode ser
a sala de aula. Falaremos, inicialmente, de transmHldo para o aluno. Ele acredita no mHo
modelos pedagógicos e, na falta de terminologia da transmissão do conhecimento - do conheci
mais atualizada, ou adequada, falaremos em mento enquanto forma ou estrutura; não só
pedagogia diretiva, pedagogia não-dlretlva e, enquanto conteúdo. O professor acredita, por
talvez criando um novo termo, pedagogia rela tanto, numa determinada epistemologia. Isto é,
clonal. Mostraremos como tais modelos são, por numa "explicação" - ou, melhor, crença - da
sua vez, sustentados, cada um deles, por deter gênese e do desenvolvimento do conhecimento,
minada epistemologia. Epistemologia que se "explicação" da qual ele não tomou consciência
mostrou refratária a toda exuberante crítica da e que, nem por isso, é menos eficaz. Diz um
sociologia da educação que se desenvolveu no professor (Becker, 1992): O conhecimento "se
país, do final dos anos 70 até agora. dá à medida que as coisas vão aparecendo e
sendo introduzidas por nós nas crianças... ".
Outro professor diz: o conhecimento "é transmi
A) Pedagogia diretiva e seu pressuposto tido, sim; através do meio ambiente, família,
• epistemológico percepções, tudo". Outro, ainda: o conhecimen
to se dá "na medida em que a pessoa é estimu
Pensemos no primeiro modelo. Para lada, ela é perguntada, ela é incitada, ela é
configurá-lo é só entrar numa sala de aula; é questionada, ela é, até, obrigada a dar uma
pouco provável que a gente se engane. O que resposta... ". Como se configura esta epistemolo
encontramos aí? Um professor que observa gia?
seus alunos entrarem na sala, aguardando que Falemos, como na linguagem epistemoló
se sentem, que fiquem quietos e silenciosos. As gica, em suJeHo e objeto. O sujeito é o elemen
carteiras estão devidamente enfileiradas e to conhecedor, o centro do conhecimento. O
suficientemente afastadas umas das outras para objeto é tudo o que o sujeito não é. -O que é o
evitar que os alunos troquem conversas. Se o não-sujeito? -O mundo onde ele está mergulha
silêncio e a quietude não se fizerem logo, o do: isto é, o meio físico e/ou social. Segundo a
professor gritará para um aluno, xingará outra epistemologia que subjaz à prática desse pro
aluna até que a palavra seja monopólio seu. fessor, o indivíduo, ao nascer, nada tem em
Quando isto acontecer, ele começará a dar a termos de conhecimento: é uma folha de papel
aula. em branco; é tabula rasa. É assim o sujeito na
Como é esta aula? O professor fala e o visão epistemológica desse professor: uma folha
aluno escuta O professor dita e o aluno copia. em branco. Então, de onde vem o seu conheci
O professor decide o que fazer e o aluno execu mento (conteúdo) e a sua capacidade de conhe
ta. O professor ensina e o aluno aprende. Se cer (estrutura)? Vem do meio físico e/ou social.
alguém observasse uma sala de aula na década Empirismo. é o nome desta explicação da gêne
de 60 ou de 50, ou, quem sabe, de dois séculos se e do desenvolvimento do conhecimento.
atrás, diria, provavelmente, a mesn1a coisa: Sobre a "tabula rasa', segundo a qual "não há
falaria como Paulo Freire, no Pedagogia do nada no nosso intelecto que não tenha entrado
Oprimido. Por que o professor age assim? lá através dos nossos sentidos', diz Popper
Muitos dirão, porque aprendeu que é assim que (1991): "Essa idéia não é simplesmente errada,
se ensina. Para mim, esta resposta é correta, mas grosseiramente errada ... •(p. 160). Volte-
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que ele encontrará o seu caminho. O professor poder que é exercido sem reservas, com legiti
deve "policiar-se" para interferir o mínimo posSí midade epistemológica, no modelo anterior, é
vel. Qualquer semelhança com a "liberdade de aqui escamoteado. Ora, a tram� de poder, em
mercado" do neo-liberalismo é mais do que qualquer ambiente humano, pode ser disfarça
coincidência da, mas não eliminada Acontece que, na esc0-
O professor não-diretivo acredita que o la, há limites disciplinares intransponiveis. O que
aluno aprende por si mesmo. Ele pode, 1')0 acontece, então, com o pedagogo não-diretivo?
máximo, auxiliar a aprendizagem do aluno, Ou ele arranja uma forma mais "subliminar" de I
despertando o conhecimento que já existe nele. exercer o poder ou ele sucumbe. Freqüentemen
-Ensinar? -Nem pensar! Ensinar prejudica o te, o poder, exercido deste modo, assume
aluno. Como diz um professor (Becker, 1992): formas mais perversas que na forma explícita do
"Ninguém pode transmitir. É o aluno que apren modelo anterior. Assim como no regime da "livre
de." Outro professor afirma: "Tu não transmite iniciativa" ou de "liberdade de mercado" o
o conhecimento. Tu oportuniza, propicia, leva a estado aumenta seu poder para garantir a
pessoa a conhecer". Outro, ainda: ... acho que
• continuidade e, até, o aumento cios privilégios
ninguém pode ensinar ninguém; pode tentar da minoria rica utilizando, não a perseguição
transmitir, pode tentar mostrar. .. acho que a política, mas a expropriação dos salários e a
pessoa aprende praticamente por si... ". Que desmoralização das instituições representativas
epistemologia sustenta este modelo pedagógi dos trabalhadores, assim também, por mecanis
co? mos indiretos exerce-se, por vezes, numa sala
A epistemologia que fundamenta essa de aula não-diretiva, um poder tão predatório
postura pedagógica é a aprlorlsta e pode ser como o da sala de aula diretiva .. Por isso, Celma
assim representada, a nível de modelo: (1979) afirma que os alunos tinham pavor de
sua professora não-diretiva
Como vimos, uma pedagogia desse tipo
s -+ O não é gratuita Ela tem legitimidade teórica:
extrai sua fundamentação da epistemologia
apriorista O professor parece, no entanto, não
":Apriorismo" vem de a prior&, isto é, aquilo que tomar consciência disso. Esta mesma epistemo
é posto antes como condição do que vem logia, que concebe o ser humano como cIotacIo
depois. -O que é posto antes? -A bagagem de um saber "de nascença", conceberá, tam
hereditária Esta epistemologia acredita que o bém, dependendo das conveniências, um ser
ser humano nasce com o conhecimento já humano desprovido da mesma capacidade,
programado na sua herança genética. Basta um "deficitário". Este "déficit", porém , não tem
mínimo de exercicio para que se desenvolvam causa externa; sua origem é hereditária. -Onde
ossos, músculos e nervos e assim a criança se detecta maior incidência de difICUldades ou
passe a postar-se ereta, engatinhar, caminhar, retardas de aprendizagem? -Entre os miseráveis,
correr, andar de bicicleta... assim também com os mal-nutridos, os pobres, os (l18I'ginalizaclos...
o conhecimento. Tudo está previsto. É suficiente Está, aí, a teoria da carência cultural para garan
proceder a ações quaisquer para que tudo tir a interpretação de que marginalização econô
aconteça em termos de conhecimento. A interfe mico-social e "déficit" cognitivo são sinônimos.
rência do meio - físico ou social - deve ser A criança marginalizada, entregue a si mesma,
reduziãa ao mínimo. É só pensar no Emfllo de numa sala de aula não-diretiva, produzirá, com
Rousseau ou nas crianças de Summerhill (Sny alta probabilidade, menos, em termos de conhe
ders, 1974). As ações espontâneas farão a cimento, que uma criança de classe média ou
criança transitar por fases de desenvolvimento, alta Trata-se, aqui, de acordo com o apriorismo,
cronologicamente fIXas, que são chamadas de de "défICit" herdado; epistemoJogicamente
"estágios" e que são, freqüentemente, confundi legitimado, portanto.
dos com os estágios da Epistemologia Genética Traduzindo em relação pedagógica o
piagetiana; nesta, os estágios são, ao contrário, modelo epistemológico apriorista, temos:
cronologicamente, variáveis. Voltemos ao papel
do professor.
O professor, imbuído de uma epiStemolo A -+ P
gia apriorista - inconsciente, na maioria das
vezes - renuncia àquilo que seria a caracteristica
fundamental da ação docente: a intervenção no
processo de aprendizagem do aluno. Ora, o
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o aluno (A), pelas suas condiçOes prévias, este material; este processo far-se-á por refle
determina a ação - ou inanição - do professor xlonamento e reflexão (Piaget, 1977), a partir
(P). das questOes levantadas pelos próprios alunos
Nesta relação, o pólo do ensino é desau e das perguntas levantadas pelo professor, e de
torizado e o da aprendizagem é tornado absolu todos os desdobramentos que daí ocorrerem. O
to. A relação vai perdendo sua fecundidade na professor não acredita no ensino em seu sentido
exata medida em que se absolutiza um dos convencional ou tradicional, pois não acredita
pólos. Em outras palavras, a relação torna-se que um conhecimento (conteúdo) e uma condi
impossível na medida mesma em que pretende ção prévia de conhecimento (estrutura) possa
avançar. Ensino e aprendizagem não conse transitar, por força do ensino, da cabeça do
guem fecundar-se mutuamente: a aprendizagem professor para a cabeça do aluno. Não acredita
por julgar-se auto-suficiente e o ensino por ser na tese de que a mente do aluno é tabula rasa,
proibido de interferir. O resultado é um processo isto é, que o aluno, frente a um conhecimento
que caminha inevitavelmente para o fracasso, novo, seja totalmente ignorante e tenha que
com prejuízo imposto a ambos os pólos. O aprender tudo da estaca zero, não importa o
professor é despojado de sua função, "sucatea estágio do desenvolvimento em que se encon
do". O aluno guindado a um status que ele não tre. Ele acredita que tudo o que o aluno cons
tem e sua não-aprendizagem explicada como truiu até hoje em sua vida serve de patamar
"déficit" herdado; impossível, portanto, de ser para continuar a construir e que alguma porta
superado. abrir-se-á para o novo conhecimento - é só
questão de descobri-Ia; ele descobre isto por
construção. "Aprender é proceder a uma síntese
C) Pedagogia relaciona I e seu pressuposto indefinidamente renovada entre a continuidade
epistemológico e a novidade" (Inhelder et alii, 1977, p.263);
aprendizagem é por excelência, construção;
O professor e os alunos entram na sala de ação e tomada de consciência da coordenação
aula. O professor traz algum material - algo que, das ações, portanto. Professor e aluno determi
presume, tem significado para os alunos. Propõe nam-se mutuamente. Como vemos, a epistemo
que eles explorem este material - cuja natureza logia deste professor mostra diferenças funda
depende do destinatário: crianças de pré-escola, mentais com relação às anteriores. Como se
de primeiro grau, de segundo grau, universitá configura ela? A nível de modelo, podemos
rios, etc. Esgotada a exploração do material, o representá-Ia assim:
professor dirige um determinado número de
perguntas, explorando, sistematicamente, dife
rentes aspectos problemáticos a que o material s ... O
dá lugar. Pode solicitar, em seguida, que os
alunos representem - desenhando, pintando,
escrevendo, fazendo cartunismo, teatralizando, O professor tem todo um saber construí
etc. - o que elaboraram. A partir daí, discute-se do, sobretudo numa determinada direção do
a direção, a problemática, o material da(s) saber formalizado. Este professor, que age
próxima(s) aula(s). segundo o modelo pedagógico relacional,
Por que o professor age assim? Porque professa uma epistemologia também relacional.
ele acredita - melhor, compreende (teoria) - que Ele concebe a criança (o adolescente, o adulto),
o aluno só aprenderá alguma coisa, isto é, seu aluno, como tendo uma história de conheci
construirá algum conhecimento novo, se ele agir mento já percorrida: a aprendizagem da língua
e problematizar a sua ação. Em outras palavras, materna é um fenômeno que absolutamente não
ele sabe que há duas cOlldições necessárias pode ser subestimado; eu ousaria dizer que a
para que algum conhecimento novo seja cons criança que fala uma língua tem condições,
truído: a) que o aluno aja (assimilação) sobre o respeitado o nível de formalização, de aprender
material que o professor presume que tenha qualquer coisa. Aliás, o ser humano, ao nascer,
algo de cognitivamente interessante, ou melhor, não é tabula rasa. Antes, ao contrário, ele traz
significativo para o aluno; b) que o aluno uma herança biológica que é o oposto da "folha
responda para si mesmo às perturbações (aco de papel em branco". Diz Popper, lembrando
modação) provocadas pela assimilação deste que a afirmação de que "nada há no intelecto
material, ou, que o aluno se aproprie, neste que não tenha passado primeiramente pelos
segundo momento, não mais do material, mas sentidos· é grosseiramente errada: "basta que
dos mecanismos íntimos de suas ações sobre nos lembremos dos 10 bilhOes de neurônios do
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nosso córtex cerebral, alguns deles (as células por outro prisma teórico, também de Piaget. A
piramidais do córtex) cada um com um total teoria da ab8traçlo reftexlonant., uma teoria
estimado em 10 mil sinapses- (p. 160) . Para explicativa que é mais competente que a teoria
Piaget, mentor por excelência de uma epistemo da equilibração para explicar o qlle acontece ao
logia relacionaJ, não se pode exagerar a impor nível das trocas simbólicas, ao nfvel da -manipu
tância da bagagem hereditária nem a importân lação" dos simbolos, das relações sociais e não
cia do meio social. só ao nfvel da manipulação dos objetos do
O que ele rejeita, no entanto, é a crença mundo físico, com sua gama interminável de
de que a bagagem hereditária já traz, em si, aspectos expioráveís. Deixemos, no entanto, a
programados os instrumentos (estruturas) do teoria da abstração - já referida acima - para
conhecimento e segundo a qual bastaria o outra ocasião (Cf. Becker, 1993).
processo de maturação para estes instrumentos O professor' acredita que seu aluno é
manifestarem-se em Idades previsíveis, segundo capaz de aprender sempre. Esta capacidade
estágios cronologicamente fixos (apriorismo). precísa, no entanto, ser vista sob duas dimen
Rejeita, de outro lado, que a simples pressão do sões, entre si, complementares. A estrutura, ou
meio social sobre o sujeito determinaria nele condição prévia de todo o aprender, que indica
mecanicamente, as estruturas do conhecer a capacidade lógica do aluno, e o conteúdo.
(empirismo). Para Piaget, o conhecimento tem Lembremos que, para Piaget (1967), a estrutura
início quando o recém-nascido age assimilando é orgânica, antes de ser formal. A dinamização
alguma coisa do meio físico ou social. Este ou dialetização do processo de aprendizagem
conteúdo assimilado, ao entrar no mundo do exige, portanto, dupla atenção do professor. O
sujeito, provoca, aí, perturbações, pois traz professor, além de ensinar, precisa aprender o
consigo algo novo para o qual a estrutura que seu aluno já construiu até o momento -
assimiladora não tem instrumento. Urge, então, condição prévia das aprendizagens futuras. O
que o sujeito refaça seus instrumentos de aluno precisa aprender o que o professor tem a
assimilação em função da novidade. Este refazer ensinar (conteúdos da cultura formalizada, por
do sujeito sobre si mesmo é a acomodação. É exemplo); isto desafiará a intencionalidade de
este movimento, esta ação que refaz o equilibrio sua consciência (Freire, 1979) ou provocará um
perdido; porém, o refaz em outro nível, criando desequillbrio (Piaget, 1936; 1967) que exigirá do
algo novo no sujeito. Este algo novo fará com aluno respostas em dU8$ dimensões comple
que as próximas assimilaçOes sejam diferentes mentares: em conteúdo e em estrutura Para
das anteriores, sejam melhores: equilibração Freire, o professor, além de ensinar, passa a
majorante, isto é, o novo equilibrio é mais con aprender; e o aluno, além de aprender, passa a
sistente que o anterior. O sujeito constrói - daí, ensinar. Nesta relação, professor e alunos
conatrutlvlsmo - seu conhecimento em duas avançam no tempo. As relações de sala de aula,
dimensões complementares, como conteúdo e de cristalizadas - com toda a dose de monotonia
corno forma ou estrutura; como conteúdo ou que as caracteriza - passam a ser fluídas. O
como condição prévia de assimilação de qual professor construirá, a cada dia, a sua docência,
quer conteúdo. dinamizando seu processo de aprender. Os
No mundo interno (endógeno) do sujeito, alunos construirão, a cada dia, a sua discência,
algo novo foi criado. Algo que é síntese do que ensinando, aoS colegas e ao professor, novas
existia, antes, como sujeito - originariamente, da coisas. Mas, o que avança mesmo nesse pro
bagagem hereditária - e do conteúdo que é cesso é a condição prévia de todo aprender ou
assimilado do meio social. O sujeito cria um de todo conhecimento, isto é, a capacidade
outro, dentro dele mesmo, que não existia construída de, por um lado, apropriar-se critica
originariamente. E cria-o por força de sua ação mente da realidade física e/ou social e, por
(assimiladora e acomodadora). A ação do outro, de çonstruir sempre mais e novos conhe
sujeito, portanto, constitui, correlativamente, o cimentos. Traduzindo pedagogicamente o
objeto e o próprio sujeito. Sujeito e objeto não modelo epistemológico, temos:
existem antes da ação do sujeito. A consciência
não existe antes da ação do sujeito. Porque a
consciência é, segundo Piaget, construída pelo A ++ P
próprio sujeito na medida em que ele"'S8 apro
pria dos mecanismos íntimos de suas ações, ou,
melhor dito, da coordenação de suas ações. A tendência, nessa sala de aula é a de
Este processo constitutivo não tem fim, e superar, por um lado, a disciplina poIicialesca e
nem começo absoluto. Ele pode ser explicado a figura autoritária do professor que a represen-
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ta, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo passado porque ai se encontra o embrião do
do conteúdo. Não se tr� de instalar um regime futuro. VIVe-se intensamente o presente na
de anomia (ausência de regras ou leis de convi medida em que se constrói o futuro, buscando
vência), ou o laaaez-falr., nem de esvaziar o no passadosua fecundação. Dos escombros do
conteúdo curricular; estas coisas são caracteris passado delineia-se o horizonte do futuro;
ticas do segundo modelo epistemológico com o origina-se, dai, o significado que dá plenitude ao
qual confunde-se, freqQentemente, uma propos presente. Para quem pensa que estou dese
ta construtivista Trata-se, antes, de criticar, nhando um mar de rosas, alerto que, para
radicalmente, a disciplina policialesca e construir grande número de indivíduos, configura-se
uma disciplina intelectual e regras de convivên como extremamente penoso mexer no passado.
cia, o que permite criar um ambiente fecundo de Como diz a mãe de um menino de rua: Para
aprendizagem. Trata-se, também, de recriar que vou lembrar o passado se ele não tem nada
cada conhecimento que a humanidade já criou de bom? Aqui, os conceitos, muito próximos
(pois não há outra forma de entender-se a entre si, de tomada de consciência de Piaget e
aprendizagem, segundo a psicologia genética de conscientização de Freire são excepcional
piagetiana - só se aprende o que é (re)criado mente fecundos para dialetizar o processo
para si e, sobretudo, de criar conhecimentos passado-presente-futuro. A convicção que a
novos: novas respostas para antigas perguntas epistemologia genética nos traz é a de que este
e novas perguntas refazendo antigas respostas; é o caminho para jogar-se para o futuro, para
e, não em última análise, respostas novas para adiantar-se aos acontecimentos. Para não andar
perguntas novas. Trata-se, numa palavra, de a reboque da história, mas para fazer história;
construir o mundo que se quer, e não de repro para ser sujeito, portanto.
duzir/repetir o mundo que os antepassados
construíram para eles ou herdaram de seus
antepassados.
O resultado dessa sala de aula é a cons CONSID ERAÇOES FINAIS
trução e a descoberta do novo, é a criação de
uma atitude de busca, e de coragem que esta Ajuntemos, num todo, os vários modelos,
busca exige. Esta sala de aula não reproduz o epistemológicos e pedagógicos, que deixamos
passado pelo passado, mas. debruça-se sobre o para trás:
QUADRO I
Comparação dos modelos pedagógico e epistemológico
EPISTEMOLOGIA PEDAGOGIA
Teoria Modelo Modelo Teoria
Empirismo S �O A�P Diretivismo
Apriorismo S�O A�P Não-Diretivismo
Construtivismo SMO AMP Ped. Relacional
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QUADRO 11
Comparação dos modelos biológico, psicológico e sociológico
Por falta de espaço não colocamos neste epistemologias do senso comum, tornando-o
quadro os modelos epistemológico e pedagógi incapaz de tomar consciência das amarras que
co. Para fazer isso é só trazer o QUADRO I e pó aprisionam seu fazer e seu pensar. Pudemos
lo ao lado do QUADRO 11. experienciar o quanto de fecundidade te6rico
critica - aliás, inesgotável - a epistemologia
Em nossas pesquisas, ou em observaçOes genética piagetiana possibilita. O �nsamento
informais, detectamos o seguinte comportamen de Paulo Freire tem mostrado, em alguns mo
to: professores que participavam de greves do mentos, uma fecundidade similar, em termos
magistério público estadual ou federal, como pedagógicos [e, também, em termos epistemoló
·militantes progressistas·, mostrando compreen gicos (Cf. Andreola, 1993)).
são - a nível macro - do que acontecia na eco Uma proposta pedagógica, dimensionada
nomia e na polftica, ao retornar à sala de aula pelo tamanho do futuro que vislumbramos, deve
(nível micro) , após o término da greve, voltavam ser construída sobre o poder constitutivo e
a ser professores plenamente sintonizados com criador da ação humana - "é a ação' que dá
o modelo A. Sua critica sociológica, freqüente significado às coisas!·. Mas não a ação aprisio
mente lúcida, exercida, via de regra, segundo nada: aprisionada pelo treinamento, pela mono
parâmetros marxistas, mostrava-se incapaz de tonia mortífera da repetição, pela predatória
atingir sua ação docente (prática); também não imposição autoritária. Mas sim, a ação que, num
atingia seu modelo pedagógico (teoria) . Por primeiro momento, realiza os desejos humanos,
quê? suas necessidades e, num segundo momento,
Não se desmonta um modelo pedagógico apreende simbolicamente o que realizou no
arcaico, somente pela critica sociológica, por primeiro momento: não só assimilação, mas
mais importante que seja esta. Segundo nossa assimilação e acomodação; não só reflexiona
hipótese, a desmontagem de um modelo peda mento, mas reflexionamento e reflexão; não só
gógico só pode ser realizada completamente ação de primeiro grau, mas ação de primeiro e
pela critica epistemológica. Em outras palavras, de segundo graus - e de enésimo grau; numa
a critica epistemológica é insubstituível para a palavra, não só prática, mas prática e teoria. A
superação .de práticas pedagógicas flXistas, acomodação, a reflexão, as açOes de segundo
reprodutivistas, conservadoras - sustentadas por grau e a teoria retroagem sobre a assimilação,
epistemologias empirista ou apriorista. Note-se o reflexionamento, as açOes de primeiro grau e
que estas epistemologias fundam, por um lado, a prática, transtormando-os. Poder-se-á, assim,
o positivismo e, de forma menos fácil de mos enfrentar o desafio de partir da experiência do
trar, o néo-positivismo, e, por outro, o idealismo educando, recuperando o sentido do processo
ou o racionalismo. pedagógico, isto é, recuperando e (re) constituin
Pensamos, também, que a formação do o próprio sentido do mundo do educando...
docente precisa incluir, cada vez mais, a critica e do educador.
epistemológica. Nossa pesquisa sobre a episte Uma proposta pedagógica relacional visa
mologia do professor (Becker, 1992) mostrolfo a sugar o mundo do educando para dentro do
quanto esta critica está ausente e o quanto seu mundo conceitual do educador. Este mundo
primitivismo conserva o professor prisioneiro de conceitual do educador sofre perturbações, mais
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ou menos profundas, com a assimilação deste teórica, pêra e reflete, perguntando-se pelo
conteúdo novo. A alternativa é: responder ou significado de suas açOes futuras e, progressiva
sucumbir. A resposta abre um novo mundo de mente, das açOes do coletivo onde ele se Inse
criaçOes. A não-resposta çpndena o professor re? Esta, parece-me, é a pergunta fundamental
às velhas fórmulas que deScrevemos, acima e, que pennlte iniciar o processo de r....ur.çlo
conseqüentemente, à perda do significado de do algnlftcado e da construção de um mundo
-
sua existência A condição para que o professor de significaçOes futuras que justificarão a vida
responda.está. como vimos, numa critica radical individual e coletiva
não só de seu modelo pedagógico, mas de sua
concepção epistemológica.
***
Para enfrentar este desafio, o professor
deveria responder, antes, a seguinte questão:
que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um Nota
individuo subserviente, dócil, cumpridor de
1. VersAo simplificada deste texto foi publicada na
ordens sem perguntar pelo significado das
revista Palxlo de Aprender, da Secretaria Munlcl
mesmas, ou um individuo pensante, critico, que,
paI'de Educação de Porto Alegre.
perante cada nova encruzilhada prática ou
***
Referêncl.. Bibliográficas
***
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