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Resumo: Deleuze não se debruçou sobre a pedagogia, porém é possível encontrar em suas obras
filosóficas uma potência para pensar a educação e o aprender. A intenção do ensaio é capturar do
pensamento filosófico de Deleuze aberturas para pensar o aprender como uma experiência estética,
uma experiência que se dá quando o corpo é afetado pelos encontros, pelos signos, pelos blocos de
sensações, produzindo uma abertura vital para os processos de criação, pois não se aprende reprodu-
zindo, mas fazendo de outro modo, com o corpo aberto às experiências do sensível, às experiências
de um pensamento violentado pelas forças do fora, formando clarões desabadores do pedagógico e
ao mesmo tempo destacando o aprender como criação ou mesmo invenção de uma vida.
Palavras-chave: Deleuze; Aprender como experiência estética; Diferença.
Resumen: Deleuze no se centró en la pedagogía, pero es posible encontrar en sus obras filosóficas un
poder para pensar sobre la educación y el aprendizaje. La intención de este ensayo es capturar aper-
turas en el pensamiento filosófico de Deleuze para pensar en el aprendizaje como una experiencia
estética, una experiencia que ocurre cuando el cuerpo se ve afectado por encuentros, signos, bloques
de sensaciones, produciendo una apertura vital para los procesos de creación, porque no se aprende
reproduciendo, sino haciéndolo de otra manera, con el cuerpo abierto a las experiencias de lo sensi-
ble, a las experiencias de un pensamiento violado por las fuerzas del exterior, formando destellos de
lo pedagógico y al mismo tiempo destacando el aprendizaje como creación o incluso invención de
toda una vida.
Palabras claves: Deleuze; El aprendizaje como experiencia estética; Diferencia.
Do que dar a pensar na educação 12 contida o intelecto, todas as Ideias, por isso
Não há como negar que a base da o conhecimento é uma função da alma raci-
educação formal é delineada por uma ima- onal, a alma como única possível para o sa-
gem dogmática. Nela, o aprender remete ao ber. O corpo, por sua vez, é mero instrumen-
exercício da recognição e está calcado em to de aperfeiçoamento, recipiente da alma
uma matriz platônica que convoca uma ima- (AZEREDO, 2010). Sendo eterna e superior,
gem abstrata do pensamento (RAMOS; BRI- a alma pertence ao mundo inteligível, mun-
TO, 2018). Em breves linhas, pelo pensa- do das Ideias, ao passo que o corpo é pere-
mento da tradição, o homem é perspectiva- ne, desprezível, está encarcerado no mundo
do pela dicotomia corpo e mente, valorando dos sentidos, imperfeito como a sua própria
a alma em detrimento da carne. A alma é condição de humano, como sugere a leitura
como uma bússola para o corpo e nela está platônica. A questão, explica Gallo (2017, p.
2), “é quando a alma se encarna em um
*
Professora da Universidade Federal do Pará no corpo que nasce, dadas as limitações do ma-
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciên-
cias e no Programa de Pós-graduação em Artes. E- terial, ela se esquece de todas as ideias. Ao
mail: mrdbrito@hotmail.com. longo da vida, a alma vai, aos poucos, se
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Doutorando em Educação em Ciências e Matemáti-
‘recordando’ daquilo que já sabia”. O
cas pela Universidade Federal do Pará. E-mail:
dhemerson-santos@hotmail.com. aprender, nessa perspectiva, apresenta-se
BRITO, Maria dos Remédios de; COSTA, Dhemersson Warly Santos. Deleuze: o aprender como ex-
periência estética. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Número 32/33: nov. 2019 – out.
2020, p. 120-135. DOI: https://doi.org/10.26512/resafe.v1i32/33.35117
Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação - RESAFE
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como um ato de recognição, isto é, alma isso, uma espécie de cientificismo no proces-
(mente) retorna a saber aquilo que outrora so pedagógico (CARDOSO JR, 2006).
sabia. Tal processo de recordar-se pode ser
Dessa concepção, surgem os currí-
modelado, aperfeiçoado e acelerado com o culos fechados, os planos de aula imutáveis,
treino. os modelos pedagógicos estruturados, os
livros e as sequências didáticas que remetem
Na perspectiva da recognição platô- à ideia de que é possível, através do ensino,
nica que é o submundo do aprendi- controlar o processo de aprendizagem, to-
zado na pedagogia ocidental, o que mando como prisma que todos aprendem
importa é o saber. Isto é, aprender é
adquirir, é colocar-se de posse de da mesma forma e ao mesmo tempo, exclu-
um saber. É esse saber que pode ser indo, assim, o perfil que atravessa os corpo
verificado, quantificado pelos pro- na experiência do aprender é universalizan-
cessos avaliativos que dedicam-se a te.
afirmar se um aluno aprendeu ou
não, o quanto aprendeu. No âmbito Sobre o ensino, existem alguns en-
da recognição pura, adquirimos, frentamentos, porém o que sobressai é o
com o aprendizado, algo que já pos-
suíamos; aprendemos para recupe- modelo a ser seguido, seja em práticas edu-
rar, em nós, algo de que já estáva- cativas, como na forma didático-
mos de posse, mas não sabíamos metodológica, ou mesmo na postura daque-
(GALLO, 2017, p. 5). le que tem em mãos a tarefa de ensinar.
Na figura do professor, é erigida a
Na história da educação, muitas teo- mentalidade da transmissão, na qual a ima-
rias sobre a aprendizagem foram lançadas, gem do erro se torna um fantasma, portanto
algumas consolidadas, outras refutadas; con- a recomendação é desconfiar das influên-
tudo, o aprender como recognição retorna, cias, pois elas podem ser capazes de tomar o
em certa medida, aos processos pedagógi- falso como verdadeiro. Além disso, o saber
cos, ainda que a visão platônica e dos pen- assume um lugar de verdade, sendo esta a
sadores da tradição pareça muito diferente sancionadora daquilo que pode oferecer
do mundo que testemunhamos contempo- respostas ou soluções. Esse procedimento
raneamente (GALLO, 2017). em sua forma dogmática parece ser susten-
Condizentes com essa proposta, in- tando por uma maquinaria identitária que
troduziu-se na Educação a relação entre “en- não deixa de ser fundamental para o apare-
sino e aprendizagem” como elementos indis- lho de poder. Essa imagem deseja procurar
sociáveis entre si: “é preciso que alguém en- o rosto. Sua obsessão é tatuar a marca, o
sine” e “aprende-se aquilo que é ensinado”. que é adequado para assumir o melhor pa-
Este último ponto, em especial, é fundamen- pel no campo social e político. Por exemplo,
tal às teorias pedagógicas, pois quando se se exige um tipo de rosto para o professor,
aprende somente aquilo que é ensinado, contudo, se esse rosto tiver um desvio, é co-
logo é possível modelar o que, quando e locado como esquisito, fora de lugar, fora da
como o aluno aprende, instaurando, com ordem, fora do respeitável, pois saiu do mo-
Referências
ARAÚJO, André Vinícius Nascimento. Deleuze e Kant: a experiência estética e a gênese do
pensamento. Revista Perspectiva Filosófica, v. 44, n. 1, ago. 2017, p. 137-156.
AZEREDO, Verônica Pacheco. Nietzsche e a justificação estética do mundo. Prometheus-
Journal of Philosophy, v. 3, n. 5, jun. 2010, p. 61-68.