Escola e a Trama Subjetiva do Fracasso Escolar Felipe Severo Pinho Cardozo
Giovana Teixeira Campos
Giovanna Peres Martos
Guilherme Dias Leite Melo
Mariana Triñanes de Almeida
Mauricio Marques Ramos Junior
RESUMO O presente trabalho discute diferentes processos subjetivos que se configuram no fracasso escolar e o papel da psicologia na escola nesse momento. A Teoria da Subjetividade foi norteadora dessas reflexões. Discutimos a lógica padronizada pautada pelo diagnóstico e a preponderância de aspectos são normativos no processo de compreensão dos estudantes. A pesquisa foi realizada com dois participantes, um estudante e uma psicóloga escolar, a partir do método construtivo interpretativo. A partir da pesquisa consideramos que o diagnóstico universaliza processos que são singulares e que as práticas da psicologia na escola podem ser facilitadoras de dinâmicas não patologizantes.
INTRODUÇÃO • O presente busca investigar a forma como o fracasso escolar vem sendo compreendido a partir da psicologia escolar e entender o fenômeno da não aprendizagem como permeado por aspectos centrais da subjetividade social e impregnados de sentidos pessoais. • O fenômeno da não aprendizagem e do fracasso escolar é um tema recorrente na pauta dos estudos científicos que unem Educação e Psicologia, impactando a atuação de profissionais como psicólogos, professores e pedagogos. • Sendo assim, o fracasso é uma das questões mais preocupantes da educação, pois pode resultar na evasão escolar, se caracterizando como um dos temas que mais suscita preocupação, tanto em nível nacional como internacional. INTRODUÇÃO • No Brasil e em países da América Latina, a situação do fracasso é ainda mais grave e vem sendo estudada por diversos autores, partindo da superação da visão culpabilizadora do aluno carente culturalmente e vítima da pobreza como determinantes dos problemas de aprendizagem. • Com isso, o fracasso escolar vem sido compreendido como um fenômeno multidimensional já que as causas são múltiplas e não estão limitadas às condições da pessoa ou do ambiente, tomados de forma dicotômica ou isolados. • Levando em consideração a vivência singular de cada aluno, a pesquisa busca conhecer a relação entre aprendizagem e a experiência singular da pessoa. METODOLOGIA • O trabalho foi de natureza qualitativa, para compreender os fenômenos subjetivos da pessoa e dos grupos sociais. • 1) Caráter construtivo interpretativo; 2) Conversacional e dialógico; 3) Valorização do singular. • O singular não é somente o caso único que exemplifica discursos ou narrativas, mas é a expressão complexa do humano na sua qualidade subjetiva. CENÁRIO DA PESQUISA, INSTRUMENTOS E PARTICIPANTES ● A pesquisa foi desenvolvida em uma escola da rede pública do Distrito Federal – Brasil, localizada em um bairro de classe média alta. A maioria dos alunos da escola pertence a periferia desse bairro. ● Os participantes da pesquisa foram dois pré adolescentes com idades entre 9 e 13 anos, reconhecidos como estudantes com baixo desempenho escolar - dificuldade de aprendizagem identificada pelo professor, ou ainda indicações de baixo rendimento, relacionado às notas das provas. ● Durante cinco meses, foram realizadas visitas periódicas e frequentes à escola, participando de conversas entre os professores, conselho de classe – alguns momentos em sala de aula, e outros no intervalo com professores e alunos, onde foram a maioria das conversas com os alunos. ● O trabalho foi de caráter comunicacional, dialógico e conversacional, em que ocorreu inicialmente em grupo com o objetivo de verificar se um estudante, descrevendo sua vivência, poderia provocar os demais a fazerem o mesmo e a comentarem a vivência dos demais. ● Posteriormente, dois foram selecionados, totalizando em quatro encontro formais com cada um deles. ANÁLISE E CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO: O CASO DE PEDRO
● Nesta etapa, foram apresentados trechos ● Em um momento de conversa, Pedro
de conversação com as informações estava realizando uma tarefa na sala de advindas dos instrumentos (dinâmicas aula e não conseguia finalizá-la. Segue o conversacionais, complemento de frases, diálogo: além de informações do cotidiano da ○ Pedro: “não consigo mais fazer, ela disse escola). que eu não ia conseguir...” (fez referência ● Os trechos são extratos de diálogo a sua professora). expressos na conversação entre aluno e pesquisador, e entre pesquisador e ○ Pesquisador: “mas ela não disse isso, psicóloga da escola. Pedro, eu lembro até de você ser ● Tudo isso serve para entender a vivência elogiado.” subjetiva do aluno a partir de um olhar ○ Pedro: “eu sei, mas se eles gostassem crítico da trama que envolve o fracasso mesmo de mim eu já teria passado, eu só escolar quero viver minha vida fora daqui (escola), nem sei por que eu venho a escola.” O CASO DE PEDRO ● O primeiro aspecto da análise construtiva ● Pedro, em uma frase, cita que quer ser interpretativa é que Pedro deixa claro que professor no futuro, porque quando tiver o mais importante é viver a vida fora da um aluno como ele, não vai fazer o escola, o que evidencia que esse mesmo que fazem com ele (os contexto não participa de outras professores). instâncias de sua vida. ● Nesse momento, há um estranhamento ● Os processos subjetivos são simbólicos e por parte do pesquisador, pois há emocionais, então, se as emoções contradições em querer viver a vida fora geradas pelas experiências não forem da escola, mas ainda assim quer voltar a positivas, ou se não há envolvimento ela e ser um professor diferente dos que emocional com o contexto, a chance é ele tem hoje. grande de que não mobilizamos ● Nas aulas ele sempre ajuda a professora processos subjetivos que nos impliquem a pegar os materiais e a organizar as nesses ambientes. atividades propostas PEDRO E SUA SUBJETIVIDADE ● Em comportamento visível, os ● Para circunscrever a trama subjetiva de professores o veem como um bom aluno, Pedro, o pesquisador apresenta um pois ele não fala muito, não atrapalha e diálogo com a psicóloga da escola (em ajuda quando é solicitado a fazer algo. Ou que a mesma acreditava que o aluno seja, ele cumpre o estereótipo de que um tinha Deficiência Intelectual), cujo nome bom aluno é aquele se coloca como fictício é Carla: passivo às orientações do professor. ● ○ Pesquisador: “então Carla, em linhas No entanto, a subjetividade não se gerias esse é meu projeto, discutir o expressa diretamente pelos fracasso escolar a partir da vivência dos comportamentos da pessoa, mas na alunos. Seria bom me aproximar deles, integração dos sentidos gerados e participar das atividades e conseguir criar expressões nas vivências atuais. um vinculo para poder conversar.” ● O autor pontua que é como um ○ Carla: “entendi, acho que a escola precisa microcosmo singular aonde as muito desse tipo de projeto. Então você experiências são vividas e geradas. vai trabalhar com os alunos laudados.” A CARÊNCIA DE PSICÓLOGO ESCOLAR ● O trabalho do psicólogo escolar acontece ● A articulação das informações e as apenas quando existe demanda dos questões trazidas pelo caso de Pedro nos alunos ou quando é necessário fazer uma permitem construir o indicador de prática avaliação, o que demonstra a concepção patologizante, que permeia a atividade que o trabalho do psicólogo escolar é de dessa profissional. “apagar o fogo”. Isto é, não existem ● Nesse sentido, os profissionais da projetos a longo prazo ou atividades psicologia são também responsáveis por promovidas pela psicóloga da escola. propagar a atuação pelo médico ● Isso foi confirmado a partir da fala do biomédico, buscando explicações pesquisador com a psicóloga, em que a orgânicas em detrimento de compreender mesma diz que não costuma entrar em o aluno em seu processo de sala de aula, pois acha que isso mais aprendizagem e desenvolvimento atrapalha que ajuda. singular. Com isso, podemos analisar como Pedro emerge como um aluno desacreditado em seu potencial de aprendizagem.
Fica evidente, pelo que foi trazido na análise e
construção da informação, que Pedro, para além da capacidade ou vontade de continuar aprendendo, pensa criticamente sobre sua vivência no contexto escolar, a ponto de querer se tornar um professor e fazer diferente do que experimentava subjetivamente na escola. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos diálogos e dos indicadores, foi possível gerar hipótese de que a vivência do fracasso escolar de Pedro decorre de um constante mal-estar em relação a esse contexto, bem como de uma vivência marcada para momentos em que foi retirada dele a possibilidade de emergir como agente ou sujeito, dando lugar ao laudo diagnóstico. As questões apresentadas neste estudo alimentam qualitativamente a discussão sobre a forma como o diagnóstico se insere no contexto educativo, que justifica o processo do fracasso escolar. Pedro, assim como outros tantos, têm na sua história um diagnóstico que toma o lugar da produções do aluno, apagando seus processos pessoais e não constituindo como ativo na experiência do aprender. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • Arroyo, M. G. (2008). Fracasso-sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento de educação básica. • Batista e Tacca (2015). Histórias de subjetividade e aprendizagem: reconhecendo competências onde imperava o limite. Curitiba: Editora CRV. • Benevides, R., & Passos, E. (mar./ago. de 2005). Humanização na saúde: um novo modismo? • Interface - Comunicação, Saúde, Educação., 9 (17), pp. 389 - 406. • Esteban, M. T. (2009). Avaliação e fracasso escolar: questões para debate sobre a democratização da escola. Revista Lusófona de Educação, (13), 123 - 134. • European Commission. (2011). Tackling early school leaving: A key contribution to the Europe 2020 Agenda. Brussels, Belgium: Author. • Pezzi, F. A. S.; Donelli, T. M. S., & Marin, A. H. (2016). School Failure in the Perception of Adolescents, Parents and Teachers. Psico - USF, 21 (2), 319 - 330. • Gallert, A. Z., Loureiro, D. G., Silva, M. d., & Souza, R. C. (2011). Subjetividade na pesquisa qualitativa: uma aproximação da produção teórica de González Rey. Brasília, DF, Brasil. • González Rey, F. L. (2002). Pesquisa Qualitativa em Psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Cengage Learning. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • González Rey, L. F. (2003). Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. • González Rey, L. F. (2005). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo: Cengage Learning. • González Rey, F.; Mitjáns Martínez, A. (2016). Una epistemología para el estudio de la subjetividad: Sus implicaciones metodológicas. Psicoperspectivas, v. 15, n. 1, p. 5 - 16. • Heckert, A. L., & de Barros, M. B. (jun de 2007). Fracasso escolar: do que se trata? Psicologia e educação, debates “possíveis”. Periódicos Eletrônicos em Psicologia (25), pp. 109 - 122. • Leon, F. L., & Menezes-Filho, N. A. (2002). Reprovação, avanço e evasão escolar no Brasil. Pesquisa e planejamento econômico, 32(3). • Moysés, M. A., & Collares, C. A. (1997). Inteligência abstraída, crianças silenciadas: as avaliações de inteligência. Psicologia USP, 8(1), pp. 63 - 89. • Patto, M. H. (2010). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo. • Paulilo, A. Luiz. (2017). A compreensão histórica do fracasso escolar no Brasil. Cadernos de Pesquisa, 47 (166), 1252 - 1267. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • Ribeiro, S. C. (mai./ago. de 1991). A pedagogia da repetência. Estudos Avançados, 5(12), pp. 7 - 21. • Souza, J. M. (2017). Escola! Cuidado crianças: o cotidiano escolar e as (im)possibilidades de educação libertadora (Tese de doutorado). Brasília, DF, Brasil: Universidade de Brasília. • Vázquez-Recio, R. & López-Gil, M. (2018). Interseccionalidad, jóvenes “si sistema” y resistencia. Una mirada diferente del fracaso/abandono escolar. Revista Brasileira de Educação, 23, e230094.