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Luis Stephanou1
RESUMO
Este texto busca demonstrar a força de permanência das desigualdades
sociais na composição dos territórios brasileiros. Está ancorado na reescrita de
fragmentos do trabalho de pesquisa realizado no bairro Restinga, em Porto
Alegre, que resultou da dissertação de mestrado “Tinga, teu povo te ama –
Memória e identidades num bairro de Porto Alegre”, apresentada no PPGDR-
UNISC em 2020.
As desigualdades sociais neste bairro se estabelecem na comparação
com outras regiões da cidade, mas também a partir do que se estrutura dentro
do próprio bairro. Com isso, se percebe a complexidade em torno do tema, pois
além dos dados concretos que demonstram estas desigualdades há as
percepções em torno do tema, muito mais abertas e polissêmicas.
O trabalho se ampara em dados censitários e em entrevistas realizadas
para o trabalho de campo da referida dissertação, que pode ser encontrada em
https://repositorio.unisc.br/jspui/handle/11624/2853
Palavras chave:
Desigualdades, complexidade, cidade, renda, organizações públicas.
INTRODUÇÃO
O Brasil está inserido no processo capitalista global a partir de
construções históricas e lógicas específicas, nas quais se acentuam o peso da
herança escravocrata, o patrimonialismo e a rapinagem. Não se deve pensar
que as desigualdades sociais são fruto de algum déficit ou erro no projeto de
desenvolvimento. Elas são resultado esperado deste processo (SOUZA, 2019).
A desigualdade social brasileira é uma das mais avassaladoras do mundo
e sua possibilidade de superação, seguindo os atuais padrões, é praticamente
nula. Estudo entre trinta países, coloca o Brasil na penúltima posição; seriam
necessárias nove gerações para que os mais pobres ascendessem à média
nacional (OCDE, 2018). Levaria 225 anos! Este estudo menciona a quebra do
elevador social; no Brasil, este elevador nunca funcionou.
Este artigo busca demonstrar a permanência da desigualdade social a
partir de um território específico, o bairro Restinga, em Porto Alegre – RS. Há a
desigualdade em relação a outras áreas da cidade, mas aqui serão sublinhadas
1Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade
de Santa Cruz do Sul – PPGDR/UNISC, Brasil. E-mail: riglosaragon@gmail.com
algumas desigualdades entre frações de território do próprio bairro e o quanto
fazem parte da estruturação da vida social também em escalas restritas.
Percepções sobre a desigualdade no bairro a partir de narrativas de
moradores demonstram uma complexidade que vai além dos indicadores
econômicos ou sociais.
A RESTINGA
A Restinga é um bairro situado na região sul de Porto Alegre, distante 27
quilômetros do centro da cidade. Sua superfície total é de aproximadamente 38
km², mas somente cerca de 1/5 desta área está ocupada com moradias e
equipamentos urbanos. O restante ainda é composto pela vegetação típica dos
morros de Porto Alegre e algumas extensões de áreas arenosas com pequenos
banhados. A Estrada João Antônio da Silveira, corta o bairro ao meio, sendo
praticamente a única via de interligação relevante com as vias que o unem a
outros bairros da cidade.
Mapa 01. Brasil, Rio Grande do Sul, Porto Alegre e localização da Restinga.
Fonte: elaborado por Luis Stephanou e Helena Vogt (2019), shapefiles do Setor Censitário IBGE,
2010.
Tal desigualdade é visível tanto na relação da composição de renda dos
moradores da Restinga com a cidade, como na diferenciação interna do bairro.
Em relação a Porto Alegre, se percebe que a renda per capita dos
moradores da Restinga se encontra nos dois extratos mais baixos (até um salário
mínimo e entre um salário e dois mil e quinhentos reais, ou seja, cerca de 2,5
salários mínimos),2 situação na qual uma parte considerável da cidade também
se encaixa.
Nos bairros limítrofes à Restinga, em 2010 não havia significativa
diferenciação de renda, excetuando a localidade na qual se encontra
implementado o Condomínio Terraville, maior renda da cidade.
Contudo, o mais interessante se relaciona à diferenciação interna entre
Restinga Velha e Restinga Nova. Passados mais de 30 anos da consolidação
dos dois assentamentos, a desigualdade, mesmo sem ser das mais extremas,
ainda persiste. Os moradores da Restinga Velha têm uma renda média
aproximada de até um salário mínimo, enquanto que a maior parte das famílias
situadas nas unidades vicinais da Restinga Nova consegue atingir uma renda
familiar mensal que parte do salário mínimo até R$ 2.500,00. Ou seja, é possível
inferir que a renda média na Restinga Nova seja aproximadamente o dobro da
renda familiar da Restinga Velha.
A persistência da desigualdade de renda, explicada pela história de como
surgiu o bairro, mesmo com políticas sociais e décadas de interação no mesmo
território, ainda é significativa. Nem todos pobres são igualmente pobres, algo
que neste microterritório espelha a própria sociedade brasileira. Como explicar
isso? Um dos fatores está associado à diferença de acesso a recursos dentro do
próprio bairro.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Neila Prestes de. Vilas de malocas e Bairro Restinga: a versão dos
removidos sobre o plano de confinamento em vila de transição – Eugenia na
Porto Alegre de 1967-1970. Porto Alegre, XIV Encontro Estadual de História –
ANPUH/RS, 18 a 21 julho de 2018.
GAMALHO, Nola Patrícia. Malocas e Periferia - A produção do Bairro
Restinga. Goiânia/GO, Revista Ateliê Geográfico, v. 4, nº. 2, abril 2010, p. 122-
141.
ObservaPOA – Observatório da Cidade de Porto Alegre. In.
http://www.observapoa.com.br/
OECD. A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility. Publicado
em 15 de junho de 2018. In. https://www.oecd.org/social/broken-elevator-how-
to-promote-social-mobility-9789264301085-en.htm
NUNES, Marion Kruse. Restinga. Porto Alegre, PMPA-SMC/Unidade Editorial,
1997.
SILVA, Rozeli da. Guerrilheira do amor. Porto Alegre, RBS publicações, 2004.