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VI CONGRESSO BAIANO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA E

IV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

AUTISMO E DESENHO: REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

EIXO TEMÁTICO: Pesquisa em Educação Especial/Inclusiva

RESUMO

A pesquisa aqui apresentada busca tecer considerações a respeito de determinadas


opções de se trabalhar Arte na Educação Especial, focalizando com maior propriedade
questão de análise de desenhos realizados por um desenhista com autismo. Teorias
de autores como Kellogg (1969), Attack (1995), Bergson (2001), Nietzsche (2007),
Lowenfeld (1977), entre outros, são utilizadas como fundamento para sustentar as
observações sobre comportamento do indivíduo e suas produções imagéticas. As
ideias dos filósofos são apresentadas em sua essência e buscou-se, nessa vertente
singular filosófica, fazer uma relação com a produção de desenhos, levando-se em
consideração determinadas práticas observadas, refletidas e estudadas pelos
pesquisadores.

Palavras-chave: Desenho, Arte-Educação, Autismo.

INTRODUÇÃO

A expressão é um fenômeno necessário para todo o ser humano, muitos autores tecem
considerações sobre a mesma fundamentados em tal premissa. Dentre vários autores
que trabalham o assunto, serão utilizadas teorias de Arno Stern (1977), Pillar (1996),
Atack (1995), entre outros. A linguagem verbal e escrita predomina em nossa sociedade
de uma forma muito importante, sendo considerada por muitos autores um dos
principais fundamentos do pensamento racional. Outras formas de expressão também
existem, no entanto, é nítido que na educação essas formas de expressão ainda não
encontraram um lugar privilegiado. Segundo Pillar (1996), Kant foi um filósofo muito
importante nesse aspecto, pois foi o primeiro a considerar a arte como autônoma em
relação ao pensamento lógico, a mesma autora afirma também que arte é um
conhecimento específico que escapa ao modelo racional de expressão. No que diz
respeito às Artes Visuais, Stern (1997) preconiza que as mesmas poderiam e deveriam
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ser trabalhadas com mais propriedade, competência sendo que, para tal, muitos
estudos são necessários no intuito de se conseguir uma forma otimizada de se trabalhar
Arte na Educação (FREEMAN, 1980; BERGSON, 2001).

Outro aspecto significativo da arte é que ela desvela o mundo da pessoa que pratica a
mesma, seja desenho, música, dança etc. No caso desse estudo, muitos aspectos
foram levantados a respeito do desenho realizado por José (autista, 21 anos de idade).
Ou seja: na educação inclusiva é significativo lançar mão da expressão subjetiva por
meio da linguagem visual, pois a mesma contém determinadas lógicas, estando
carregada de um simbolismo que traz um discurso sobre o indivíduo que expressa. Tal
exemplo também é encontrado no universo da criança, do artista, enfim de qualquer
ser humano, pois se trata de uma representação, espelho que produz um duplo do
indivíduo. Sobre o autismo, Mello (2003) aduz que é uma síndrome definida por
alterações presentes desde idades muito precoces, tipicamente antes dos três anos de
idade, e que se caracteriza sempre por desvios qualitativos na comunicação, na
interação social e no uso da imaginação.

OBJETIVOS

• Observar o comportamento de um indivíduo com autismo e suas


produções imagéticas.

• Discorrer sobre autismo e representação gráfica.

• Analisar desenho

METODOLOGIA

Em termos de procedimentos, convém esclarecer que as ações foram buscadas em um


ambiente frequentado pela pessoa investigada, uma APAE, buscando assim uma
melhor compreensão do fenômeno, e valorizando as singularidades subjetivas, uma
vez que questões qualitativas estão preocupadas com o contexto no qual o estudo é
realizado:

[...] na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o


ambiente natural. Os investigadores introduzem-se e
despendem grandes quantidades de tempo em escolas,
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famílias, bairros e outros locais tentando elucidar


questões educativas (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.47).

Assim sendo, o local de estudo é particularmente relevante. O presente estudo está


sendo compreendido como um estudo de caso, pois focaliza uma situação, um
fenômeno particular, como é o caso do aluno e sua relação com a arte no aspecto
inclusivo no dia a dia em ambiente escolar, tratando-se de uma descrição densa de
determinado estudo englobando muitas variáveis.

Na concepção de André (2005), o estudo de caso é o estudo da particularidade e da


complexidade de um caso singular, podendo ser chamado de estudo de caso intrínseco,
que é quando o pesquisador tem um interesse voltado para determinado caso
específico. Assim, existe a pretensão de obter informações sobre a história de vida
desse aluno, buscando tal história nos elementos formais presentes no desenho que
realizou. A questão heurística também é trabalhada, pois que ilumina a compreensão
do leitor sobre o fenômeno estudado. Complementando, está sendo compreendido que
esta pesquisa se encaixa em estudo etnográfico, pois

Para que seja reconhecido como um estudo de caso


etnográfico é preciso, antes de tudo, que enfatize o
conhecimento do singular e adicionalmente que preencha
os requisitos da etnografia. Geralmente o caso se volta
para uma instância em particular, seja uma pessoa, uma
instituição, um programa inovador, um grupo social
(ANDRÉ, 2005, p.24).

Como procedimento metodológico, foi solicitado a José que desenhasse a si mesmo


ou colasse uma foto sua em uma folha de papel. Possuía à sua disposição a foto, papel
tamanho A4 (aproximadamente), cola, lápis de cera, lápis de cor, caneta esferográfica
azul e lápis grafite. Demonstrou ter compreendido o que lhe fora solicitado, tendo
escolhido elaborar um desenho com lápis grafite. Silencioso, calmo e demoradamente
elaborou o desenho, conforme figura 1.
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RESULTADOS

Na época da elaboração do desenho analisado, José possuía 21 anos de idade. Como


característica do autismo, vive em um mundo pessoal, bastante complexo e misterioso,
inclusive para psicólogos e educadores que lidam diariamente com autistas. Muitas
vezes, consegue entrosamento com outras pessoas, mas em outros momentos,
recolhe-se tacitamente em seu mundo que é considerado impenetrável.

Figura 1 – Desenho de José. Autorretrato. Grafite sobre papel A4

Formalmente considerando, logo no primeiro olhar demonstra uma preocupação em


localizar o desenho no centro da folha de papel, estipulando um equilíbrio que coloca a
forma em evidência no espaço trabalhado. Com o que parece ser uma atitude
responsável e preciosa, determina esteticamente uma ordem matemática em termos
de topologia do desenho em relação ao espaço, ou seja, observa com acuidade visual
o local estipulado para execução do desenho, fica claro determinado cálculo espacial
entre as margens verticais e horizontais do espaço. José deixa transparecer uma
preocupação que não é comumente vista em desenhos, pois desvela uma elaboração
estruturalmente calculada, pensada com profundidade em termos matemáticos e
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espaciais. Transportando esse olhar lançado no desenho para o aspecto


calculadamente pensado, pode ser vista uma relação utilizada entre as partes
componentes do desenho. Ou seja: as linhas externas trazem também uma medida
notavelmente pensada, assim como também as formas arredondadas que se
encontram localizadas dentro de um ambiente oval determinado por uma linha externa
da qual partem os radiais, assim como também uma outra linha descendente que
caminha para a base do papel.

O desenho executado deixa visível uma questão unitária importante, como que
representando um mundo autossuficiente. No entanto, na medida em que se encontra
fechado em si mesmo, busca uma espécie de diálogo com o entorno por meio de linhas
alongadas que, provavelmente, podem aludir a uma tentativa de relação com o exterior.
Tais linhas apresentam-se em tamanhos variados, com intensidades de pressão
diferentes no que diz respeito à utilização do lápis sobre a superfície trabalhada.
Possuindo uma relação com as linhas radiais mencionadas, pode ser observada outra
linha localizada isoladamente vertendo para a margem inferior da folha. Tal linha
poderia ser interpretada de maneiras diversas em termos de conteúdo, levando-se em
conta a leitura que se faça da oval representado, pois que a mesma pode ser vista sob
dois ângulos diferentes: 1) como um rosto ou; 2) como o tronco de um corpo.

Considerando as duas hipóteses, vejamos:

1) Como um rosto: a parte oval maior estaria caracterizando a linha limítrofe com os
cabelos, e as linhas que partem da mesma seriam a representação dos cabelos.
Indubitavelmente, a linha direcionada para baixo seria a representação do pescoço. As
outras quatro ovais menores seriam representações de olhos e boca ou outras partes
do rosto. Assim sendo, a representação imagética de José, seguindo o que foi
solicitado, traz uma configuração de retrato 3X4, como visto em documentos de
identidade ou retrato detalhado do rosto do desenhista.

2) Como o tronco de um corpo: nesse caso, pode ser compreendido que os raios seriam
intenções de braços, da mesma forma que crianças muito pequenas representam
também os mesmos, sendo que a linha que caminha para baixo agora funciona
nitidamente como perna. Fica confusa a questão da forma que representaria a cabeça
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ou se ela não está representada no desenho. Ovais menores, no entanto, podem ser
uma alusão a órgãos internos, assim como também à cabeça.

Analisar o desenho de José seja como um rosto, seja como um corpo, fica clara a
compreensão do desenhista em representar a figura humana. Sem dúvida, pode ser
afirmado que no caso de José houve uma compreensão perfeita do que lhe foi
solicitado, tendo providenciado a elaboração do trabalho. Isso nos leva à confirmação
de que o autista, sendo uma pessoa que escapa aos moldes do que é chamado de
normalidade, reage com o ambiente dentro dos padrões no que diz respeito a fazer o
que dele é esperado, a expectativa colocada para o indivíduo. A real diferença, porém,
parece encontrar-se na forma com que promove esta resposta ou interação com o
outro.

A pessoa que está fruindo ou interpretando o desenho de um indivíduo que não se


encaixa nos padrões ditos normais, deve procurar entender essa produção de forma a
contemplar a singularidade e característica própria do desenho elaborado
(LOWENFELD, 1977). Nietzsche (2007) também deixa claro em sua vasta obra que
toda compreensão da arte poderia ser compreendida levando-se em conta a
subjetividade, uma determinada criatividade que viria das regiões intrínsecas do
indivíduo que expressa. Compreender um desenho, mesmo que elaborado por um
amador, nos remete a questões subjetivas, singulares, onde muitas vezes palavras
parecem ter uma determinada dificuldade de expressão, levando-se em conta a
característica silenciosa, formal, visual das Artes Visuais. Considerando, ainda, tratar-
se de desenho de um autista, é nítida a necessidade de subjetivação da leitura,
centrada em nuances da singularidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destacamos que a análise proposta traz como opção nítida questões alusivas à forma.
Notavelmente, o desenhista compreendeu com muita clareza o que lhe fora solicitado.
Exercícios em tal formado deveriam ser constantes na Educação Inclusiva, levando-se
em conta a necessidade de expressão do ser humano em uma outra linguagem que
escape ao verbal e à escrita.
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Como os pesquisadores não têm acesso constante com o desenhista, um outro


professor/pesquisador que lida constantemente com o indivíduo pesquisado poderia
incluir muitos elementos da história de vida do autista, podendo assim contribuir
também em diferentes nuances para uma inclusão social desejada, compreensão que
parte do indivíduo consigo mesmo e com o outro.

No caso em análise, fica constatado que José entende ter representado uma figura
humana que é ele mesmo, sendo fator significativo que as outras pessoas possam
também compartilhar com ele tal compreensão. Tal fenômeno agrega valores para uma
relação de inclusão social, uma vez que José percebe que foi compreendido na sua
forma individual de expressão. Contrariamente, comentários como: você não é assim;
uma pessoa não é assim, demonstra uma extrema falta de conhecimento e
sensibilidade por parte da pessoa que está falando, sendo fator disfórico que com
certeza irá desagradar ao desenhista, uma vez que na verdade não está sendo
compreendido, pois entendeu e representou o que lhe fora solicitado. Ademais, no caso
particular de José, seria extremamente complicado deixar claro, por meio de palavras,
que ele representou uma figura humana.

REFERÊNCIAS
Alinhamento à esquerda, espaçamento simples (conforme ABNT).
ANDRÉ. Marli. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília:
Liber livro, 2005.

ATACK, Sally M. Atividades artísticas para deficientes. Campinas: Papirus, 1995.


BERGSON, Henry. Creative evolution. New York: Dover, 2001.

BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sári Knopp. Investigação qualitativa em educação.


Porto: Editora Porto, 1994.

FREEMAN, Norman. Strategies of representation in young children. London:


Academic Press, 1980.

LOWENFELD, Victor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre


Jou, 1977.

MELLO. Ana Maria S. Guia Prático de Autismo, AMA - Associação de Amigos do


Autista, 2003.

NIETZSCHE, F. Aurora. São Paulo: Escala, 2007.


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PILLAR, A. D. Desenho e construção de conhecimento na criança. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1996.
STERN, Arno. Iniciação à educação criadora. Lisboa: Sociocultural, 1977.

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