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ARTE NO TEMP O DE D.

MANUEL I,
NOS 500 ANOS DA SUA MORTE
M U S E U N A C I O N A L D E A R T E A N T I G A

ART E NO T EMP O DE D. M ANUEL I ,


NOS 500 ANOS DA SUA MORTE

25 jun — 26 set
2021
Núcleo
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1 2

Percurso
Recomendado
1
O reinado de D. Manuel I (1495-1521)
correspondeu a uma intensidade de
produção artística e arquitetónica que se
traduziu num dos mais brilhantes períodos
da arte portuguesa. O gosto pessoal do rei,
a necessidade de estabelecimento de uma
identidade visual e simbólica do primeiro
monarca do novo ramo da dinastia de Avis,
a disponibilidade económica e a noção
da importância política que a expansão
territorial dava ao país terão estado na
origem do enorme interesse por formas
renovadas de representação artística.
Da sua importância teve D. Manuel
clara noção, utilizando-as numa prática
cerimonial, administrativa e política bem
articulada, quer nos resultados, quer na
criação de estruturas de base que regiam
e executavam as inúmeras empreitadas
«Vi o Reino Renovar» que admiravam os seus contemporâneos
Arte do tempo de e ainda hoje nos podem surpreender. É sobre
D. Manuel I nos 500 anos essa enorme dimensão expressiva da sua
atuação como rei que esta exposição reflete,
da sua morte através de áreas tão diversas e novas
como a pintura, a produção de documentos
ou o desenvolvimento da imprensa.
1 Destinado a encimar a guirlanda
do coroamento da igreja do mosteiro
2 As tapeçarias millefleurs foram das
produções têxteis de maior sucesso nos
de Santa Cruz de Coimbra, a execução Países-Baixos ao longo dos séculos XV
Anjo da imagem deste anjo terá sido entregue Tapeçaria e XVI, pois eram facilmente adaptáveis
Heráldico ao imaginador Diogo Pires, dito o Moço, Millefleurs a qualquer encomenda por simples
mestre português morador na cidade. com as inclusão de elementos heráldicos,
Diogo Pires- animais ou cenas figurativas, que se
-o-Moço Armas Reais
Diogo Pires figurara o tema angélico em destacavam sobre um fundo preenchido
(ativo 1511-1536)
1518-1522 muitas das suas esculturas, criando quer
Portuguesas por vegetação – uma composição
Calcário
seres alados segurando tarjas ou filacteras Países Baixos, de «mil flores». Trata-se, neste caso,
Proveniência: com inscrições votivas e comemorativas, Bruxelas (?), de uma obra com nítidas influências
Coimbra, Mosteiro 1500-1520
de Santa Cruz
quer tratando-as enquanto imagens Tapeçaria/algodão renascentistas, característica da
Museu Nacional autónomas dos mensageiros de Deus. (teia), lã e seda produção flamenga do primeiro quartel
de Machado de (trama)
Esta representação recorrente prende-se do século XVI, resultado provável de
Castro, inv. 4102;
E 61 não só com a evolução conceptual Proveniência: uma encomenda régia.
dos Arcanjos góticos representados Palácio Nacional
de Sintra, 1961;
com os emblemas das ordens militares doação, banqueiros Algumas incoerências heráldicas, como
de cavalaria, mas também com a difusão portugueses ao a conjugação das quinas pendentes e
Presidente do
do culto do Anjo Custódio sancionado Conselho, António das flores-de-lis, elementos que a casa
pelo papa em 1504. Oliveira Salazar, 1960; real nunca usou em simultâneo nas
Otto Bernheimer suas armas sugerem a reutilização do
(Munique), 1935-?,
O divino Miguel, na sua função de anjo barão Heinrich cartão pintado que estava na base da sua
da guarda, será o custódio de D. Manuel Freiherr von Tucher, manufatura e a dificuldade de controlar
-1925
– recuperando a histórica proteção Palácio Nacional o processo de produção à distância.
do Arcanjo São Miguel ao fundador de Sintra/PSML,
inv. PNS3556
D. Afonso Henriques –, do reino e,
por extensão, das casas de sua fundação
e devoção.

Núcleo 1 Vi o Reino Renovar


3-4 As reproduções figuram D. Manuel
(1469-1521) e D. Maria de Aragão
5 A heráldica desempenhou, no tempo
de D. Manuel, um importante papel
e Castela, (1482-1517) a partir das ao serviço da centralização do poder
D. Manuel estátuas concebidas por Nicolau Livro da real. O rei não só promulgou, em 1520,
Chanterene, em 1517, para o portal nobreza o regimento de armaria que fixava a
e D. Maria composição do corpo de oficiais de armas
axial do Mosteiro de Santa Maria de e da
Reproduções em Belém. ao serviço da Coroa, como mandou
gesso das estátuas perfeiçam das realizar três armoriais monumentais: o
de D. Manuel e de
A representação dos reis como doadores
armas dos Livro do Armeiro-mor, o Livro da Nobreza
D. Maria esculpidas
por Nicolau filia-se nos modelos dos panteões ducais Reis Christãos e Perfeiçam das Armas, que aqui se expõe,
Chanterene em 1517
da Borgonha e em estátuas dos Reis e nobres e o Livro de Armas da Guarda-Roupa.
para o portal axial
da Igreja de Santa Católicos, mas as imagens de linhagens Exemplo maior desta política foi, ainda,
Maria de Belém
D. Manuel e de D. Maria do portal real dos reinos a construção da sala de aparato no paço
c. 1958
Gesso patinado de Belém inauguram na arte portuguesa e senhorios de Sintra, em cujos tetos aparecem
Museu de Lisboa
a estatuária régia criada com efeitos de Portugal, pintadas as armas reais, as dos oito filhos
— EGEAC, triunfais, integradas no programa por António do monarca e as de 72 linhagens nobres
invs. ML.ESC.0759 messiânico que celebra D. Manuel como Godinho portuguesas.
e ML.ESC.0760 A captação da nobreza, com a qual o rei
o fundador da casa monástica escolhida
para seu panteão, como o novo Emanuel 15--] partilhou os seus sinais heráldicos, e a
Códice em pergaminho;
(do hebraico, Deus connosco). 63 fls. afirmação da dimensão imperial do seu
poder eram objetivos desta estratégia.
Arquivo Nacional
O rei, protegido pelo padroeiro São da Torre do Tombo, É exemplo significativo deste plano que
Jerónimo, e D. Maria pelo «percursor» Casa Real, Cartório as armas novas do soberano congolês
da Nobreza, liv. 20,
São João Batista, ladeados pelo infante Cód. Ref. PT/TT/ convertido ao cristianismo tenham sido
D. Fernando (o Infante Santo) e por CR/D-A/001/20 incluídas nos capítulos do Livro da
São Vicente, presenciam, juntos com nobreza dedicados à heráldica de todos
os anjos, as múltiplas adorações ao os reinos existentes no mundo: ao incluir
Salvador representadas nas cenas tais insígnias, os compiladores integravam
sagradas da Anunciação, Natividade neste rol um reino que se assumia como
e Adoração dos Magos. subsidiário da Coroa portuguesa, a qual,
assim, reforçava a sua dimensão imperial.

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6-7 Uma das mais opulentas produções
iluminadas do Renascimento florentino,
o conjunto de sete livros que compõem a
Bíblia dos chamada Bíblia dos Jerónimos (na verdade
Jerónimos, uma cópia dos comentários do franciscano
vols. I e II Nicolau de Lira, com um volume das
Sentenças do teólogo Pietro Lombardo)
1495 foi concebido, entre 1494 e 1497, na
Latim
Códice em velino;
oficina de Attavante degli Attavanti.
516 fl. (vol. I), 385 fls. Ao contrário do que se pensava até hoje,
(vol. II) é provável que tivesse resultado de uma
Arquivo Nacional encomenda direta, embora sigilosa,
da Torre do Tombo, do então duque de Beja, D. Manuel,
Ordem de São
Jerónimo, Mosteiro intermediada pelos irmãos Sernigi,
de Santa Maria de mercadores da nação florentina em
Belém, liv. 67 e 68, Lisboa.
Cód. Ref. PT/TT/
MSMB/A/L67; PT/
TT/MSMB/A/L68 Pouco antes de subir ao trono,
D. Manuel teria já em mente a construção
de um grande mosteiro dedicado a
S. Jerónimo, mas só após a sua morte
(1521), os livros foram ali depositados.
A influência das iluminuras desta Bíblia,
com a novidade da gramática ornamental
«ao antigo» e cenografias arquitetónicas
de inspiração clássica, foram decisivas
em boa parte das realizações posteriores
da Leitura Nova.

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2
Escrevia Garcia de Resende que as artes
do seu tempo, que era o tempo de
D. Manuel, estavam no «cume». Os pintores,
os iluminadores, os ourives e os escultores
eram melhores do que em qualquer outro
tempo e igualavam, ou quase, os génios
de Dürer, Rafael ou Miguel Ângelo. Se hoje
podemos considerar exageradas as suas
palavras, elas refletiam a consciência
de um momento alto da arte portuguesa.
D. Manuel não só reuniu na corte um
número importante de artistas – ao
mesmo tempo que custeou dispendiosas
empreitadas – como os enquadrou na
administração, conferindo-lhes tenças
e dando-lhes cargos de controlo das artes,
mas também de importância diplomática
e representativa.

Este grupo, que vivia na corte, participava


O poder das artes, entre nas suas cerimónias e na sua cultura,
criava objetos que refletiam a opulência
o deleite, a novidade e a e a mentalidade cortesã, numa espécie de
propaganda espelho onde o rei e os seus mais próximos
se podiam olhar e reconhecer. Ao mesmo
tempo, a arte saída das suas mãos, através da
exibição pública, multiplicava e disseminava
a identidade visual do rei e marcava
simbolicamente o seu poder.
8-9 Estas pinturas pretendiam traduzir
plasticamente certos aspetos da
10 Imagem destinada a servir de orago
na ermida dos freires de Santa Maria
espiritualidade do ramo coletino da de Belém, no sítio do Restelo, resulta
Jorge Afonso
(ativo 1504-†1540)
Ordem Clarissa e da própria instituidora Virgem com talvez de uma encomenda do infante
e patrona do convento, a rainha o menino D. Henrique, fundador do templo.
Anunciação D. Leonor. A inclusão do painel da (Nossa Quando, em 1502, arrancou em
Entrega da Regra, por exemplo, em que definitivo a grande empresa do Mosteiro
Senhora
a própria D. Leonor se fez representar, de Santa Maria de Belém, transferiu-se
Adoração refere-se à reivindicação das coletinas em
do Restelo) a capela para a igreja de Conceição.
dos Pastores seguir a regra inicial, depois substituída Oficina ativa
em Lisboa
Retábulo da Madre pela regra menos rigorosa dada pelo papa 1475-1500
A mudança não deixaria para trás
de Deus Urbano IV. A Adoração dos Pastores deste a imagem de Santa Maria do Restelo,
Calcário
1515
conjunto é, por outro lado, uma novidade policromado transportada em procissão fluvial
Óleo sobre madeira
de carvalho absoluta na pintura portuguesa. Apesar Proveniência: Lisboa, para a nova casa. Formalmente presa
Proveniência: do seu sucesso posterior, o tema do Igreja da Conceição à linguagem da escultura portuguesa
Velha; originalmente
Convento da Madre presépio era ainda relativamente raro: da Ermida de Nossa
do último gótico, a Nossa Senhora do
de Deus, Lisboa, 1912 três rústicos pastores surgiam por certo Restelo é original na sua iconografia
Senhora do Restelo
MNAA, invs. 1279 Pint
aos espetadores da época com uma da Ordem de Cristo, e apresenta precoces laivos de
e 2096 Pint
Belém
imagem invulgar, devedora das figuras Paróquia de Nossa italianismo, seguindo o tema híbrido
populares do teatro vicentino. Senhora da Conceição da Pietà-Madonna, caracterizada
Velha
pelo Menino Jesus «jacente» no regaço
Jorge Afonso chefiava um grupo de que prefigura a morte de Cristo,
pintores ligados à corte que participavam com a Virgem com as mãos postas
da cultura cortesã, convivendo com em adoração.
nobres e letrados e assistindo a autos,
cerimónias palatinas e pregações. Nestas
duas pinturas, plenas de inovações
iconográficas e subtilezas de leitura,
reflete-se assim o ambiente cultural
da corte de D. Manuel.

Núcleo 2 O Poder das Artes


11 É uma das raras imagens devocionais
do período manuelino que resiste em
12 O Profeta Habacuque, uma das
doze esculturas de profetas menores
Lisboa, poupada pelos grandes terramotos colocados no deambulatório da
Virgem com de 1531 e de 1755, e manteve-se na igreja O Profeta Charola do Convento de Cristo,
o Menino paroquial de São Lourenço à Mouraria Habacuque em Tomar. A peça abre o programa
até à extinção do culto. figurativo da Charola, de que ainda
Oficina ativa Olivier de Gand sobrevivem outras estátuas de profetas
em Lisboa A Virgem em adoração ao Menino (ativ. doc. 1498-1512) e santos doutores da Igreja colocados
1501-1525 e Fernão Muñoz
Calcário Jesus deitado, em abandono, no regaço, (ativ. doc. 1508-1518) na campanha dos mestres Olivier de
policromado enquadra-se na tipologia iconográfica c. 1511-1514 Gand e Fernão Muñoz, durante a
da Pietà-Madonna à semelhança da Nossa Madeira (carvalho) transformação manuelina da rotunda
Proveniência: policromada e
Igreja de Senhora do Restelo também aqui exposta, dourada medieval templária.
São Lourenço, apresentando ainda idêntica história
Lisboa Proveniência:
Museu de Lisboa cultual como protetora das parturientes. Tomar, Convento A filactera que o identifica, na qual se
– EGEAC, A peça partilha a linguagem escultórica de Cristo, leem versículos do Livro de Habacuque,
inv. ML.ESC.0673 deambulatório
com outras estátuas sagradas do período da charola
do Velho Testamento, sublinha o caráter
manuelino dos complexos monumentais Convento de Cristo, universalista do reinado manuelino.
ainda sobreviventes em Lisboa, com Tomar, «Eles todos virão, com violência: os
inv. 00-ESC-50
destaque para a Virgem com o Menino seus rostos buscarão o oriente, e eles
do Portal Sul do Mosteiro de Belém, a congregarão os cativos, como areia.
Virgem com o Menino da Torre de Belém, E escarnecerão dos reis, e dos príncipes
ou a estátua do Anjo da Anunciação do farão zombaria: eles se rirão de todas
Portal da igreja da Conceição Velha. as fortalezas, porque, amontoando terra,
as tomarão» (Habacuque, 1: 9.10).

Núcleo 2 O Poder das Artes


13 14 15 Estas três pinturas com o mesmo tema
fazem parte de três retábulos lisboetas.
Pintadas em datas muito próximas e
Gregório Lopes Gregório Lopes Autor desconhecido com diferentes autorias, enquadram-se
(ativo, 1513-†1550) (ativo, 1513-†1550)
na atividade das oficinas régias que,
e Jorge Leal (ativo,
1513-1525)
e colaboradores
Adoração no primeiro quartel do século XVI,
Adoração dos Magos trabalharam essencialmente para a corte,
Adoração dos Magos c. 1519 relacionadas com a grande oficina do
dos Magos Óleo sobre madeira pintor Jorge Afonso.
1523 de carvalho
1521 Óleo sobre madeira
Óleo sobre madeira Proveniência: Esta proximidade oficinal manifesta-se
de carvalho Proveniência: Convento de na composição idêntica das pinturas,
Ermida de Nossa São Bento de
Proveniência: Senhora do Paraíso, Xabregas (Beato que associam os reis adoradores ao
Capela do Salvador Lisboa (retábulo António) seu séquito, com pajens, arautos e
do Convento de do altar-mor) MNAA, inv. 33 Pint
São Francisco da MNAA, inv. 12 Pint cortesãos, replicando um cerimonial
Cidade, Lisboa cortesão inspirado, por certo, na
MNAA, inv. 5 Pint
etiqueta manuelina. Os ricos adereços
que todos exibem contribuem para
uma identificação simbólica entre as
personagens sacras e as pessoas reais
e eram bem conhecidos dos pintores
da época, já que muitos deles ocuparam
cargos de oficiais de armas.

Núcleo 2 O Poder das Artes


16 Reis de armas, arautos e passavantes
eram os oficiais encarregados do registo
17 A estadia de D. Manuel em Coimbra
em 1502, durante a peregrinação
e organização da heráldica régia e das a Santiago de Compostela, data
Rei de famílias da nobreza portuguesa. Anjo simbolicamente a renovação manuelina
Armas A exibição heráldica por estas estátuas de da cidade. Novos túmulos para
Heráldico
oficiais de armas identifica não só o reino, D. Afonso Henriques e D. Sancho I,
Oficina ativa como os homens que pela autoridade Mestre dos Túmulos em monumentais estruturas edificadas
em Tomar concedida pelo rei guardam os seus dos Reis, atrib. na nova igreja do mosteiro de Santa
1515-1520 c. 1525
Calcário
«símbolos e sinais», e com eles representam Cruz, legitimaram a linhagem régia de
Calcário policromado
a régia pessoa. As figurações destes oficiais D. Manuel. Segundo projeto de João de
Tomar, Câmara nos grandes empreendimentos da escrita Proveniência: Castilho, executado entre 1518 e 1522,
Municipal de Tomar Mosteiro de Santa
do reinado manuelino, como nos Clara, Coimbra durante a campanha dirigida por Diogo,
iluminados da Leitura Nova, são Museu Nacional de seu irmão, a obra juntou no mesmo
exemplares do papel que a heráldica Machado de Castro,
inv. 799; E 110
estaleiro muitos artistas de Portugal e
desempenhou na construção e manifestação de fora do reino. Destes, emerge a figura
do poder de D. Manuel e da importância do chamado «Mestre dos Túmulos
política e social dos seus agentes, entre dos Reis» (ativo em Coimbra c. 1515-
eles artistas como Jorge Afonso, António -1525?), provavelmente o autor deste
de Holanda ou Nicolau Chanterene, que Anjo Custódio.
desempenharam ofícios de reis de armas,
de arautos ou de passavantes. Esta peça segue a tradição portuguesa
de representação do Arcanjo São
Este militar em armadura representa o Rei Miguel. Proveniente de Santa Clara
de Armas Portugal. Na estatuária figurativa de Coimbra, a imagem representará,
portuguesa tem paralelo apenas nos assim, o anjo custódio do Mosteiro que
homens tenentes colocadas sobre mísulas, se identifica na imagem da igreja gótica,
entre os troncos e galhos arbóreos que lhes alusão repetida na moldura da corda
servem de enquadramento, no exterior com nós da ordem franciscana no bordo
do contraforte sudoeste da fachada do do escudo.
Convento de Cristo, em Tomar, associados
à obra de Diogo de Arruda dos meados
da segunda década de Quinhentos.
Núcleo 2 O Poder das Artes
18 A forma em tríptico destas pinturas
não nos esclarece muito sobre a sua
19-20 As oito tábuas do retábulo da Vida e
da Ordem de São Tiago do Museu
organização original no invulgar retábulo Nacional de Arte Antiga formavam
Mestre da Lourinhã realizado, em meados da década de 1510, Mestre da Lourinhã parte do retábulo-mor da igreja-sede da
(ativo, c. 1510-1530) (ativo, c. 1510-1530)
para o Convento de Nossa Senhora da Ordem no Castelo de Palmela. O pintor,
Serra de Almeirim. Investidura ativo em Portugal nas segunda e terceira
O Príncipe décadas do século XVI e cuja verdadeira
D. João de D. Pedro
A composição dos retratos do príncipe identidade se desconhece, teve provável
e São João D. João e do infante D. Luís, apresentados
Fernandes formação flamenga e contou, nesta
Baptista à Virgem com o Menino e Anjos pelos seus pelo Papa empreitada, com a colaboração de
santos patronos, inspira-se num modelo Alexandre III outros artistas da oficina régia lisboeta,
Virgem com muito usado na figuração de doadores talvez Gregório Lopes ou Cristóvão de
o Menino nas abas dos trípticos flamengos: pode Bênção Figueiredo.
e Anjos imaginar-se um retábulo onde rei e rainha, da Bandeira
as suas duas filhas (D. Isabel e D. Beatriz) da Ordem A invulgar associação de um ciclo
O Infante
e os seus seis filhos (D. João, D. Luís, de Santiago narrativo dedicado à vida de S. Tiago
D. Luís e São
D. Fernando, D. Afonso, D. Henrique pelo Papa a um conjunto de episódios relativos
e D. Duarte) estariam representados, Alexandre III ao processo da institucionalização da
Domingos cada um junto dos seus santos protetores, ordem, unindo numa mesma obra o
em painéis individuais, levando a relação Retábulo de Santiago político e o sagrado, enquadra-se no
c. 1515-1518 Óleo sobre madeira
Óleo sobre madeira
entre o sagrado e o político a níveis de carvalho
enorme esforço de afirmação e reforma
raramente alcançados. dos santiaguistas portugueses efetuado
MNAA, invs. 27 Pint, Proveniência: Igreja por D. Jorge de Lencastre (1481–1550),
25 Pint e 31 Pint de Santiago de
A dinastia de Avis usara já a reunião Palmela (retábulo o filho bastardo de D. João II que deteve
de figuras sagradas com as imagens da do altar-mor) o mestrado da Ordem desde 1492 até
MNAA, invs. 16 e 17
realeza, mas o retábulo de Almeirim Pint
à sua morte.
introduzia a novidade de usar a estrutura
retabular para expor a família reinante,
incluindo-a na narração do sagrado.

Núcleo 2 O Poder das Artes


21 O domínio ultramarino português e a
revelação de novos mundos proporcionou
23 Fragmento de teto com medalhão
recortado tendo ao centro o escudo
ampla matéria visual para a produção de partido de Portugal e Castela-Aragão,
Cortejo tapeçarias historiadas no mais importante
Medalhão representando as armas de D. Manuel
Triunfal centro criativo do seu tempo – a Flandres. com as armas e D. Maria, sua segunda mulher
com Girafas de D. Manuel (1482-1517). A peça tem sido dada
Série de tapeçarias Estão documentadas encomendas para e D. Maria como proveniente do paço episcopal
À Maneira de Portugal várias casas reais europeias de peças Coimbra, Oficina quinhentista, onde está hoje instalado
e da Índia
Manufatura de
de aparato com motivos de inspiração de Pero Anes o Museu Nacional de Machado de
1517-1521
Tournai, c. 1500-1505 exótica, mas podem distinguir-se, Madeira dourada
Castro, mas é mais plausível associá-lo
Tapeçaria/algodão genericamente, dois eixos temáticos e policromada à renovação do paço real de Coimbra
(teia), lã e seda
(trama) distintos nos cartões utilizados pelos no tempo de D. Manuel, empreitadas
Proveniência:
artífices flamengos: um, mais precoce, Coimbra, Paço de pedraria e carpintaria realizadas pelos
Proveniência:
Fundação Ricardo e de que esta obra faz parte, atenta às Episcopal; Paço Real mestres Marcos Pires e de Pero Anes.
de Coimbra
do Espírito Santo novidades de outras gentes e à fauna Museu Nacional de
Silva, 1949; Rita e flora das terras desconhecidas que Machado de Castro, O medalhão pode associar-se assim
de Acosta Lydig, inv. MNMC E 583
Nova Iorque, -1913 então se revelavam; outro, de conceção a uma ornamentação heráldica,
Museu de Artes posterior, enaltece os feitos e as conquistas «as guarnições», de uma das salas
Decorativas,
Fundação Ricardo militares dos portugueses, primeiro passo palatinas. A passagem posterior para
do Espírito Santo no caminho para Jerusalém e para a nova o paço episcopal estará relacionada
Silva, Lisboa,
inv. 37
reconquista cristã. com as intervenções do bispo-conde
D. Francisco de Lemos (1735-1822),

22
também reitor-reformador das Escolas
Gerais de Coimbra instaladas no
primitivo paço real, quando foram
Arca- alteadas as abóbadas das salas,
destruindo as velhas coberturas,
-relicário c. 1490
Madeira de carvalho de que restará esta memória material.
dos Santos policromada e dourada
Mártires Irmandade dos Passos
do Mosteiro de Santos-
de Lisboa o-Novo

Núcleo 2 O Poder das Artes


24 No reinado de D. Manuel I (1495-1521)
a ourivesaria portuguesa atingiu um dos
25-26 Peças fundamentais do cerimonial
cortesão e instrumentos de
momentos de maior criatividade artística, representação diplomática, estas peças
Gil Vicente,
atribuído
cujos ecos se sentiram por várias décadas, Gomil eram em simultâneo objetos de coleção
conseguida pela convergência de muitos e salva e parte integrante da “arte da mesa”.
Custódia artistas provenientes do resto da Europa, É neste contexto que se entendem,
atraídos pela riqueza da corte e pelo favor Portugal, c. 1530-1540 por exemplo, os presentes de D. Manuel
de Belém (gomil); c. 1520–1530
régio. ao papa Leão X, a propósito da
(salva)
Lisboa, 1506 Prata dourada embaixada portuguesa de 1514.
Ouro, esmaltes, De risco e realização atribuídos ao A intrincada decoração destas obras
vidro Proveniência:
dramaturgo e Mestre da Balança, Gil Sé de Coimbra de arte, identificadas no resto da Europa
Proveniência: Vicente (1465-1536), feita com o ouro do Museu Nacional como alla portoghese, caracteriza-se por
Mosteiro de Santa Machado de Castro,
tributo pago pelo régulo de Quíloa a Vasco invs. MNMC 6092; 027;
profundos e repuxados lavores ou de
Maria de Belém,
Casa Forte das da Gama, na sua segunda viagem à Índia, MNMC 6092A; 028 cinzel alto, técnica que se tornará
Necessidades tanto a sua arquitetura como uma profusa no seu mais característico elemento.
MNAA, inv. 740 Our
figuração escultórica contribuem para
glorificar a sua função última – a exposição As peças assim trabalhadas eram
do Corpo de Deus transubstanciado. designadas de bastiães ou historiadas,
com representações de temática bíblica,
Na parte superior da peça dispõe-se histórica ou mitológica; nos bicos e
uma microarquitectura, idêntica às nas asas dos gomis ganha forma um
das grandes peças do gótico tardio bestiário de fantasia, com relevos quase
internacional. É aqui que se observa uma escultóricos; e, finalmente, devem ser
pequena Anunciação, os Doze Apóstolos ressalvados os motivos de inspiração
ajoelhados em oração, anjos músicos, os botânica e animal, muitos deles bebidos
profetas que previram biblicamente o das gravuras ornamentais do Norte
advento do Messias, e, finalmente, Deus- da Europa.
-Pai e a cruz, numa consistente justificação
da ordem do mundo, garantida pela
dimensão quase sacralizada do próprio rei,
cujo nome, Emanuel (Deus connosco),
anunciava já essa natureza providencial.
Núcleo 2 O Poder das Artes
27-28 A ourivesaria foi uma das áreas artísticas
onde ocorreram, logo nos inícios do
29 Este gomil encerra um sincretismo
simbólico e cultural que traduz a glória
reinado de D. João III, grandes novidades e extensão do reinado de D. Manuel.
Gomil criativas. No campo das peças de aparato Gomil Faz parte de um pequeno conjunto de
e salva deu-se o lento abandono de obras de «primeiras encomendas» de porcelana
Prov. Fornos de
bastiães e das peças historiadas com feitos Zhangzhou, província
chinesa para exportação, feitas logo
1530-1540 heroicos e bíblicos, em favor de uma aquando dos primeiros contactos
de Fujian, China
Prata dourada
linguagem decorativa imersa na cultura Dinastia Ming, reinado dos portugueses na China, embora
Zhengde (1506-1521)
Coleção particular, clássica. c. 1519-1520 com tipologia islâmica, ostentando,
Londres
Porcelana ainda, nas duas faces do bojo, uma
A decoração da salva apresenta figuras Fundação Medeiros esfera armilar, entre outros elementos
afrontadas empunhando armas, centauros, e Almeida, inv. 824 decorativos chineses.
sereias, ictiocentauros, montados por
pequenos putti, mas sem o movimento A incipiente cópia da esfera armilar,
que habitualmente encontrávamos nas com o mote real (Spera in Deo) mal
de períodos anteriores: as cenas são mais grafado, traduz não só as dificuldades
estáticas, agora dispostas separadamente de interpretação do artesão chinês
por pequenos balaústres ou vasos muito como também o complicado circuito
alongados; ao centro, um brasão de da encomenda de peças de porcelana
armas de feitura posterior, das famílias daqueles territórios longínquos, feito
Pinto e Coutinho. O gomil mostra já uma através de intermediários.
evolução de composição, com o corpo
bojudo e achatado nos pólos, mas com
reminiscência dos grandes exemplares
manuelinos do início da centúria,
sobretudo nos múltiplos frisos com
motivos em flor-de-lis que enquadram
todas as faixas.

Núcleo 2 O Poder das Artes


30-32 Os marfins sapi-portugueses são
documentos relevantes das relações 33 34 35
luso-africanas na costa da Guiné,
Olifantes especificamente com os povos da antiga Carta do Rei Carta do Xá Carta do
Serra Leoa. Ali produzidos 1490 e 1540, de Melinde, da Pérsia Embaixador
Serra Leoa,
os olifantes, saleiros, talheres, píxides,
sapi-português Mohammed ao Rei do Preste João,
Primeiro quartel entre outras peças, foram esculpidos
do século XVI em presas de elefante pelos povos sape
Alalawi para D. Manuel I D. Mateus,
Marfim
(ou sapi) e eram usadas em rituais D. Manuel I [ant. 1521] para
MNAA, invs. 988 Div, fúnebres, em teatros de guerra e em pedindo a sua D. Manuel
Manuscrito em papel
989 Div e 932 Div
cerimónias áulicas. As fontes escritas proteção na I na qual
dão conta da entrada em Portugal de viagem para Arquivo Nacional lhe relatava
da Torre do Tombo,
peças diversas vindas da África Ocidental a Índia Coleção de Cartas, as queixas
e Central, incluindo ofertas diplomáticas [ant. 1521] Núcleo Antigo do que lhe
891, mç. 1, nº. 35,
reais de presas de elefante e marfins
Árabe Cód. Ref. PT/TT/ tinham feito
esculpidos. Manuscrito em papel CART/891.1/35 nas partes
Arquivo Nacional da Índia
Distinguindo-se da produção local, da Torre do Tombo, Goa, [1517]
combinam a plástica e as convenções Coleção de Cartas,
artísticas africanas — o talhe, os motivos Núcleo Antigo 891,
Manuscrito em papel
mç. 1, n.º 18,
de animais autóctones ou as zonas Cód. Ref. PT/TT/
Arquivo Nacional
decorativas — e elementos formais CART/891.1/18
da Torre do Tombo,
e iconográficos próprios da cultura Coleção de Cartas,
Núcleo Antigo 876,
visual europeia, caso das cenas de caça, n.º 11, Cód. Ref. PT/
incluindo a heráldica e a emblemática TT/CART/876/11
real manuelina.

Núcleo 2 O Poder das Artes


36 Cremos que estas pinturas formavam
originalmente os lados e a frente de uma
O ambicionado controlo do Oceano caixa onde se guardavam as relíquias
Índico levou D. Manuel a tecer Cristóvão de de Santa Auta, uma das companheiras
delicadas relações políticas Figueiredo (ativo,
de Santa Úrsula, e não um retábulo,
1515-1555)
e diplomáticas com vários potentados como sempre se pensou. Fechada,
africanos e asiáticos.
Chegada narrava a história de Santa Úrsula
A estratégia manuelina, que previa a
das Relíquias em quatro episódios; aberto, mostrava
queda do império turco, contou assim de Santa Auta o cofre com os despojos e as cenas
ao Mosteiro da partida das relíquias de Colónia
com a conivência persa, que dominava e da sua chegada ao Mosteiro da Madre
dois importantes pontos, Bassorá e da Madre
de Deus.
Ormuz, com o reino cristão da Etiópia, de Deus
e ainda com aliados de menor dimensão, A última pintura deste ciclo é uma
1522-1525
caso do rei de Melinde, senhor de um Óleo sobre madeira imagem invulgar de um acontecimento
dos portos mais ativos da costa oriental histórico do tempo, sacralizando um
Proveniência:
africana (atualmente no Quénia) Mosteiro da Madre momento e um edifício concretos.
e cúmplice precoce dos portugueses, de Deus A rainha esperou as relíquias, com
desde a primeira viagem de Vasco MNAA, inv. 1462-BR
Pint outras companheiras: o príncipe D. João
da Gama. recebeu-as e é retratado no grupo de
fidalgos que se vê à porta da igreja;
o cortejo veio de barco e aportou junto
do mosteiro, para onde a urna coberta
foi levada em procissão. Como pano de
fundo, ergue-se a fachada do mosteiro,
com o imponente portal com as armas e
os emblemas de D. Leonor, e a aplicação
na fachada de um tondo com a Virgem
e o Menino, importado de Florença,
das oficinas dos Della Robbia, um dos
vários que o convento possuía.

Núcleo 2 O Poder das Artes


37 Este medalhão, produzido nas oficinas
dos ceramistas florentinos Della Robbia,
38 São raros os monumentos civis de época
manuelina com figuração humana.
provém do mosteiro da Madre de Deus, Esta peça, representando os monarcas
Medalhão em Lisboa, fundado por D. Leonor em Fonte através de cabeças coroadas e símbolos
com as 1509, onde integrou um programa artístico Bicéfala heráldicos, destinar-se-ia a coroar
armas de de exaltação da casa real portuguesa. (reprodução) uma fonte. Os escudos aqui presentes
Originalmente, estava aplicado no torreão ostentam em relevo a esfera armilar e a
Portugal
poente do edifício, ladeado por dois outros Câmara Municipal inscrição e.m.p.r.p (Emanuel Primus Rex
Florença, Andrea medalhões, tendo ao centro cabeças de Viseu Portugaliae), das armas de D. Manuel,
a Giovanni Della humanas retratadas de perfil. Um deles Original: Oficina e o camaroeiro ou rastro, empresa da
Robbia
1501-1525
representa Dario, rei dos Persas; o outro, ativa em Lisboa rainha D. Leonor, mulher de D. João II
desaparecido, figuraria plausivelmente 1501-1515 e irmã do rei.
Barro cozido
Calcário
policromado Alexandre o Grande.
e vidrado
Proveniência: A serpente guardiã das águas, protetora
compra, José Pinto
Proveniência: A representação dos dois homens ilustres Leite, 1939 contra todos os males, enlaçada com
Lisboa, Mosteiro
da Madre de Deus;
da antiguidade terá sido aqui atualizada MNAA, inv. 644 Esc a coluna torsa, forma recorrente da
Museu Nacional para evocar o império construído sob a arquitetura do período manuelino,
de Belas-Artes e tutela da coroa portuguesa, conciliando manifesta o domínio do rei sobre a água
Arqueologia, 1884
MNAA, inv. 678 Esc Oriente e Ocidente sob as quinas de enquanto elemento primordial do bem
Portugal. comum, lembrando em simultâneo
a magnanimidade dos dois irmãos,
senhores da Casa de Beja.

Núcleo 2 O Poder das Artes


39 Este imponente brasão régio de
D. Manuel I ostentava-se sobre os
40-41 42
dois grandes arcos abatidos que
Brasão de compunham o piso térreo da Cadeia Painel de Azulejo
armas reais Comarcã de Évora, cujas obras azulejos com esfera
terminaram em 1505. Com a transferência com motivos armilar
da cadeia em 1899, os elementos
1505
Mármore
islâmicos
de interesse artístico, entre os quais Sevilha, Oficina
Proveniência: este escudo, passaram para o Museu Sevilha, Oficina
de Fernan Martinez
Guijarro ou de Pedro
Antiga Arqueológico anexo à Biblioteca Pública, de Fernan Martinez
de Herrera
Cadeia Comarcã Guijaro
de Évora
em 1901, e mais tarde para o Museu c. 1503 (nº40)
c. 1508-1509
de Évora. As obras da cadeia decorreram Corda seca com
Museu Frei Manuel Sevilha, c. 1500-1520
esmaltes policromos
do Cenáculo, entre 1497 e 1505, unindo-se (nº41)
inv. ME 1807 Corda seca e aresta
posteriormente a este edifício os novos com esmaltes
Proveniência:
Palácio Nacional
paços municipais erigidos entre 1513 policromos
de Sintra
e 1516 pelos mestres pedreiros Álvaro Proveniência: Sé Velha
Museu Nacional do
Azulejo, inv. 19 Az
Anes e Duarte de Medina. de Coimbra (nº 40);
desconhecida (nº41)
Museu Nacional do
O conjunto passou a ocupar o topo Azulejo, invs. 69 Az;
nascente da Praça Grande de Évora, 107 AZ
hoje Praça do Giraldo, que se converteu
a partir do século XVI no centro cívico
da cidade. A pedra de armas, de esmerado
lavor, tem ao centro o escudo real, de elmo
coroado e serpe no timbre, com paquife
de folhagens de acanto ocupando todo
o espaço livre do retângulo pétreo.

Núcleo 2 O Poder das Artes


3
No quadro das reformas administrativas
de D. Manuel, merecem destaque a
reforma dos forais e a reorganização do
arquivo régio, conhecida como Leitura
Nova. A primeira, iniciada em 1497, dotou
as cidades e vilas portuguesas de novos
instrumentos de direitos e obrigações.
Invariavelmente encabeçadas pelos símbolos
reais e começando pela fórmula titular
de apresentação do monarca, a reforma
dos forais foi um poderoso instrumento
simbólico de afirmação do poder real sobre
a totalidade do território.

Da mesma forma, a Leitura Nova, uma


recompilação e reorganização dos antigos
documentos régios, organizada em 61
livros, foi em primeiro lugar um ato de
modernização destinado à eficácia da
chancelaria régia. Mas a sumptuosidade
A reforma dos forais visual e material da Leitura Nova não deixa
dúvidas de que o projeto ia para além das
e a Leitura Nova: necessidades legais e administrativas,
a escrita e a iluminura consistindo também num importante
exercício de poder, que confirmava
como instrumentos materialmente o elevado estatuto
de poder da monarquia manuelina.
43 O Evangelista São Marcos, identificado
pela presença do leão, é, nesta escultura,
44-45 Estas duas tábuas são provenientes,
provavelmente, de um desmontado
a imagem do escrivão do Evangelho, retábulo do antigo Mosteiro de Santa
São Marcos figurado no cenário de um scriptorium. Garcia Fernandes
(ativo, 1514-1565)
Maria de Belém, talvez mesmo do
A obra terá provavelmente constituído primitivo retábulo da capela-mor.
Cornelis de Holanda uma predela do retábulo quinhentista São obras características de Garcia
(assinado) da capela-mor da igreja do mosteiro Os quatro Fernandes, um discípulo do pintor régio
1510-1525
Madeira (nogueira) cisterciense de Santa Maria de Salzedas, Evangelistas: Jorge Afonso.
policromada executado durante o abaciado de D. Frei São Mateus
e dourada
Brás de Cimbres (doc. 1503-m. 1530), e São João; Relacionado por convivência,
Proveniência: e retirado aquando da renovação São Lucas aprendizado e parentesco com os
doação, coleção
Comandante
do edifício no decorrer do século XVII. e São Marcos principais pintores lisboetas, participou
Ernesto Vilhena em parcerias dividindo empreitadas
(herdeiros), 1980; Composto «por vinte e um painéis c. 1530 com Gregório Lopes e, sobretudo, com
comprado pelo Óleo sobre madeira
colecionador na com figuras de vulto grandes afora de carvalho Cristóvão de Figueiredo. Importa aqui
região de Salzedas, muitas outras pequenas», seria, segundo destacar a minuciosa reprodução dos
1934 Proveniência:
MNAA, inv. 1201 Esc
a descrição da crónica monástica, Mosteiro de Santa
elementos e dos gestos da escrita, o
«dos melhores que se podem achar Maria de Belém segurar das penas e dos raspadores, dos
em Espanha», paradigmático das (inv. 59 Pint) tinteiros, fixos ou de trazer pendurados,
MNAA, invs. 60 e 59
grandiosas máquinas retabulares criadas Pint das cuidadas encadernações com as suas
durante o reinado de D. Manuel. ferragens decoradas.
O scriptorium evoca, por outro lado,
a cultura burocrática da época A abundante representação, na pintura
e os ambientes letrados da chancelaria manuelina e joanina, de folhas de
régia. pergaminho, papéis, livros, tinteiros
e penas, decorria certamente de um
crescente prestígio da cultura literária
em ambiente cortesão.

Núcleo 3 A reforma dos forais e a Leitura Nova


46 47 48 49 50 51
Livro Livro Livro Livro Livro Livro
Primeiro da Primeiro da Segundo das Ilhas Segundo dos Primeiro
Comarca da Comarca de da Comarca Místicos de Reis
Estremadura Além Douro da Beira 1510-1550-06-06
Códice em
1511-08-14 1518
pergaminho
1504-09-11 1538-04-05 Códice em Códice em
1521-07-28 Iluminura no
Códice em Códice em pergaminho pergaminho
Códice em frontispício
pergaminho pergaminho Frontispício iluminado Frontispício iluminado
pergaminho
Frontispício iluminado Frontispício iluminado
Frontispício iluminado Arquivo Nacional
Arquivo Nacional Arquivo Nacional
da Torre do Tombo,
Arquivo Nacional Arquivo Nacional da Torre do Tombo, da Torre do Tombo,
Arquivo Nacional Leitura Nova, liv. 36,
da Torre do Tombo, da Torre do Tombo, Leitura Nova, liv. 31, Leitura Nova, liv. 38,
da Torre do Tombo, fl. -5, Cód. Ref. PT/
Leitura Nova, liv. 17, Leitura Nova, liv. 7, fl. -18, Cód. Ref. PT/ Cód. Ref. PT/TT/
Leitura Nova, liv. 1, TT/LN/0036
Cód. Ref. PT/TT/ fl. -22, Cód. Ref. PT/ TT/LN/0031 LN/0038
Cód. Ref. PT/TT/
LN/0017 TT/LN/007
LN/001

Núcleo 3 A reforma dos forais e a Leitura Nova


52 53 54 A “Leitura Nova” é uma coleção de sessenta
e um registos arquivísticos de grandes
proporções, quarenta e três apresentando
Assinatura Livro Livro frontispícios iluminados executados de 1504
a 1552, dos quais vinte e oito foram feitos
do cronista Primeiro de primeiro
no reinado de D. Manuel.
Fernão Padroados das honras
de Pina e devassas Desempenhando um importante papel na
Códice em
1510-07-01
Frontispício
e Além Douro administração do poder régio no Portugal
pergaminho iluminado. Códice [Inquirições] manuelino, podemos ver estes volumes
Frontispício iluminado autenticado por
com data de junho Pedro Álvares da Grã como parte integrante do projeto mais amplo
1521
1520
Códice em que visava a perpetuação da memória do
Arquivo Nacional
Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
pergaminho seu reino e seus feitos e que incluía um
Frontispício iluminado
da Torre do Tombo, Leitura Nova, liv. 54,
com data de junho
vasto leque de outros livros, entre os quais
Leitura Nova, 53, Livro Cód. Ref. PT/TT/ se contava uma nova edição das crónicas
1520
dos Mestrados, LN/0054
Cód. Ref. PT/TT/ régias e novas leis para as cidades e vilas
Arquivo Nacional
LN/0053
da Torre do Tombo, portuguesas.
Leitura Nova, liv. 48,
Cód. Ref. PT/TT/
LN/0048 Para esta empreitada da Leitura Nova,
que quis também artística, o rei dispunha,
a par da oficina régia de iluminura, de dois
grandes iluminadores: António de Holanda,
originário dos Países Baixos e grande mestre
do estilo ganto-brugense, e Álvaro Pires, em
cuja obra confluem as influências flamenga
e florentina. Ambos trabalharam, em
paralelo, nos antifonários ou livros de coro
dos Jerónimos, em Belém, a partir de 1514,
outra grande empresa de iluminura.

Núcleo 3 A reforma dos forais e a Leitura Nova


55 56 57 58 59 60
Carta de Paz Carta de Tomé Conhecimento Testamento Minuta do Fernão de Pina
e Contrato Lopes para o por que conta de alvará pelo qual cronista-mor
entre Rei na qual que Tomé Lopes, D. Manuel I o rei D. João III e guarda-mor
Afonso de declarou as escrivão da mandou a Tomé da Torre do
Albuquerque pessoas capazes câmara real, 1517-04-07 Lopes, escrivão Tombo, recebeu
e o Rei de e a quem o tinha cargo
Papel da câmara, de Tomé Lopes,
que servia de
Calecute, mestre podia das coisas da Arquivo Nacional
guarda-mor da escrivão de
da Torre do Tombo,
26 de fevereiro entregar o ouro, Torre do Tombo, Gavetas, Gav. 16, mç. Torre do Tombo, câmara do
de 1515 para, por letras, recebera do 2, n. 2, Cód. Ref. PT/ que entregasse a Rei, obras e
o satisfazerem tesoureiro da TT/GAV/16/2/2
Fernão de Pina, documentação
Códice em por dois ou três casa da mina seu cronista-mor, com o encargo
pergaminho
meses 45.000 réis do todos os livros e de mandar
Arquivo Nacional ordenado de escrituras que trasladar a
da Torre do Tombo, 1513-04-10 3 caravelas, nela se achavam livraria, nova e
Leitura Nova, liv. 61,
Livro de demarcações
Papel
para despesa da e que da sua velha do Tombo
entre estes Reinos Arquivo Nacional Torre do Tombo entrega cobrasse
e os de Castela e os da Torre do Tombo, conhecimento 1532-08-28
contratos de Pazes, Corpo Cronológico, Códice em papel
Cód. Ref. PT/TT/ Parte I, mç. 12, 1515-10-26
LN/0061 nº. 108, Cód. Ref. Papel [c. 1529-01-29]
Arquivo Nacional
PT/TT/CC/1/12/108 Papel
da Torre do Tombo,
Arquivo Nacional
Chancelaria de
da Torre do Tombo, Arquivo Nacional
D. Manuel I, liv. 18,
Corpo Cronológico, da Torre do Tombo,
Cód. Ref. PT/TT/
Parte II, mç. 61, Coleção de cartas,
CHR/K/18/126-373
n.º 127, Cód. Ref. Núcleo Antigo 878,
PT/TT/CC/2/61/127 nº. 448, Cód. Ref. PT/
TT/CART/878/448

Núcleo 3 A reforma dos forais e a Leitura Nova


61 62 63 64 65 66-69
Alvará de Certidão de Poder e Fernão de Foral Escritório/
autorização uma carta de Regimento que Pina cavaleiro de Beja Escrivaninha
a Fernão de D. Manuel I levou Fernão de da casa real
Pina que estava dirigida a João Pina para fazer setenta mil 1510 Primeiro quartel
do século XVI
Códice manuscrito
encarregue da Luís, escudeiro em todo o Reino reis de tença em pergaminho Prata
reforma dos da casa d’ el as justificações em cada um
Arquivo Nacional Museu Regional
forais, para rei, escrivão dos para fazimento ano por tirar a da Torre do Tombo, Rainha Dona Leonor,
fazer e mandar contos na comarca dos forais limpo os forais Coleção de Forais, invs. MRB-OUR.96.1
(bandeja),
fazer por todo o e contador, dos concelhos liv. 42, Cód. Ref. PT/
TT/FRS/42 MRB-OUR.96.2
reino qualquer mandando dar 1515-1561 do reino (tinteiro),
Manuscrito em papel
diligência conhecimento, MRB-OUR.96.3
(areeiro) e
necessária a registar no livro Arquivo Nacional [15--]
MRB-OUR.96.3
da Torre do Tombo, Códice em
bem da mesma da câmara e Livro Segundo das Leis pergaminho (pena)
reforma cumprir a todos Extravagantes,
Arquivo Nacional
os juízes e justiças, Feitos Findos, Casa
da Suplicação, da Torre do Tombo,
1506-02-05 incluindo o auto liv. 2, Cód. Ref. PT/TT/ Leitura Nova, liv. 35,
Papel
da reunião do CS/A/001/0002 Cód. Ref. PT/TT/
LN/0035
Arquivo Nacional da juiz, vereadores e
Torre do Tombo, Leis
e ordenações, Leis,
homens bons com
mç. 8, n.º 109, os moradores de
Cód. Ref. PT/TT/
LO/003/0008/00109
Canaveses […]
1498-09-01
Papel

Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, Corpo
Cronológico, Parte I,
mç. 2, n. 119, Cód. Ref. PT/
TT/CC/1/2/119

Núcleo 3 A reforma dos forais e a Leitura Nova


70 O foral de Évora, o segundo a ser
promulgado por D. Manuel logo após
71-73 74
o de Lisboa, é um dos documentos
Foral Novo desta série que mais questões suscita. Tinteiros Ampulheta
de Évora A vista cavaleira da cidade lembra
os desenhos do escrivão régio Duarte Segundo quartel 1501-1525
d’Armas, enviado uns anos mais tarde do século XVI Prata dourada,
1 de setembro
Prata vidro, fio de seda (?)
e 1501 (1509-1510) a fazer o levantamento e de ouro
Duarte de Armas (?),
iluminura das fortalezas das terras raianas, de que Proveniência:
Casa do Senado, Proveniência:
Pergaminho deixou um completo testemunho, no Museu de Alberto conventos extintos,
Câmara Municipal
famoso Livro das Fortalezas. Sampaio, Guimarães, 1883
invs. MAS OD 1, MNAA, inv. 109 Our
de Évora
MAS OD 2 e MAS OD 3
Assinale-se, por outro lado, o dístico (depósito da Câmara
que a acompanha – EBVRA COLONIA Municipal de
Guimarães)
ROMANA – reivindicando um estatuto
de prestígio para a cidade, no âmbito do
interesse emergente pela cultura clássica.

Na verdade, Évora não foi uma colónia


mas sim um município romano, com
menos privilégios cívicos do que aqueles
que se atribuíam às colónias, iguais
aos dos cidadãos da capital do império.
É curioso, enfim, o registo de um
guindaste associado às obras da igreja
de S. Francisco, que servia de capela
do paço real, demonstração do interesse
do rei na grande empreitada das suas
casas de Évora.

Núcleo 3 A reforma dos forais e a Leitura Nova


4
Os primeiros exemplares conhecidos
de obras impressas em Portugal
datam do reinado de D. João II,
mas é com D. Manuel que a imprensa
verdadeiramente se implanta e
cresce com enorme rapidez. Obras
de natureza religiosa, literária, técnica,
pedagógica ou administrativa
ganham difusão através de oficinas
de impressores, quase todos
estrangeiros – alemães, franceses,
italianos e espanhóis –, que se fixam
em Lisboa, Coimbra ou Évora.

Para além das obras patrocinadas


pelo rei, a quantidade de corpos legais
e normativos, regras e constituições
mostram um precoce interesse em
utilizar a imprensa como instrumento
da administração. A par das edições
A imprensa: nacionais, D. Manuel recorreu
à imprensa europeia para divulgar
o prestígio de uma arte os feitos militares e as novidades
nova e eficaz trazidas pelas navegações portuguesas,
num claro intuito diplomático
e de propaganda do novo papel
internacional do reino.
75 76-78 79 80 81
De Republica Vita Christi Historia Marco Paulo Boosco
gubernanda de mui nobre Deleytoso
Autor: Ludolfo de Autor: Marco Polo
per regem Saxónia (c. 1295-1377) Vespasiano (1254-1323?)
Autor: Anónimo
Impressor: Nicolau Impressor: Valentim
Impressor:
Autor: Diogo Lopes de Saxónia & Valentim Autor: Anónimo Fernandes
Herman de Campos
Rebelo (?-1498) Fernandes Impressor: Valentino 1502
1515
Impressor: Antoine 1495 de Moravia Papel
Papel
Denidel Papel 1496
c. 1497 Papel Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional
Papel Biblioteca Nacional de Portugal, RES
de Portugal,
de Portugal, INC 1542, Biblioteca Nacional 431 V.
RES. 176 A.
Biblioteca Nacional INC 1543, INC 1544 de Portugal, INC 571
de Portugal,
INC 1466

Núcleo 4 A imprensa
82 Em 1516, começava a imprimir-se em
Almeirim uma monumental compilação 83 84 85
de poesia, coordenada por Garcia de
Cancioneiro Resende, secretário e cronista régio, Las Coplas Livro Grammatica
ele próprio também poeta, um dos
Geral de Mingo chamado Pastranae
escolhidos para integrar a embaixada
enviada a Roma, em 1514. Reunindo
Revulgo espelho de
Autor: Garcia
de Resende composições que circulavam já nas Cristina Autor: Juan de
Pastrana (século XV)
Autor: Hernando
(1470?-1536) cortes de D. Afonso V e de D. João II, Impressor:
de Pulgar
Impressor: Autor: Christine Valentim Fernandes
o Cancioneiro Geral contribuiu para a (1430-c. 1493)
Hermã de Cãmpos de Pisan (1363-1431) 1497
Impressor: Germão
1516 consolidação de uma identidade cortesã Impressor: Papel
Galharde
Papel Herman de Campos
manuelina, ao mesmo tempo que mostrava c. 1520
1518 Biblioteca Nacional
Papel
Biblioteca Nacional a pluralidade de referências que aqui se Papel de Portugal,
de Portugal, INC 1425.
RES 110 A.
cultivavam: a afinidade com modelos Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional
castelhanos, a literatura clássica e, em de Portugal,
de Portugal,
RES 218//18 V.
menor grau, a influência emergente RES 404 V.
de Itália – Dante, Petrarca, Bocaccio.

Além de numerosos louvores a D. Manuel,


perpassa também nesta coletânea poética
alguma desconfiança pela mudança
dos tempos, pelos gastos excessivos do
rei e da nobreza em práticas sumptuárias
permitidas pela riqueza ultramarina.

Núcleo 4 A imprensa
86 87 88 89 A Misericórdia de Lisboa, fundada
pela rainha D. Leonor em 1498, foi
o exemplo para a criação de uma
Nossa Senhora
Cartinha CARTINHA Breue da Misericórdia
rede de misericórdias por todo o
PERA E[N] memorial país que reorganizou o modelo de
Autor: Anónimo SINAR LEER : dos pecados assistência social até aí disperso
Impressor: Compromisso por uma pluralidade de confrarias,
CÕ AS
Bonhomini
de Cremona DOCTRINAS
da Confraria hospitais e albergarias. O compromisso
Autor: Garcia de
1502 DA PRUDE[N] Resende da Nossa de cada uma, tomado do modelo da
Papel
CIA E REGRA
(1470?-1536)
Impressor:
Cidade de Misericórdia de Lisboa, regia toda a
Biblioteca Nacional DE VIUER EM Germão Gaillarde Lisboa vida destas instituições. Esta versão,
de Portugal, 1521
RES. 5567 P. PAZ que retoma o texto do compromisso
Papel 27 de abril de 1520
António de Holanda
original, é um documento de aparato,
Autor: Anónimo Biblioteca Nacional (1480-1557), de função sobretudo simbólica, escrito
Impressor: de Portugal, iluminador (atrib.)
RES 91 P. sobre pergaminho, em caligrafia
Germão Galharde Manuscrito sobre
c. 1500 pergaminho; gótica cuidada, com pequenas capitais
Papel iluminuras a têmpera iluminadas e uma esmerada iluminação
e ouro
Biblioteca Nacional nos primeiros fólios, de flores e insetos
de Portugal, Santa Casa nas tarjas, ao gosto da iluminura ganto-
RES. 3837 P. da Misericórdia -brugense em voga durante o período
de Lisboa/ Arquivo
Histórico, manuelino.
inv. PT - SCMLSB/
SCML/CR/07/002
O rei expressou o seu contentamento
com este trabalho, mandando dar um
prémio de seis mil reais «a quem o
escreveo, e luminou», talvez António
de Holanda, com cujas obras a pintura
do primeiro fólio tem afinidades.

Núcleo 4 A imprensa
90 91 92 93 94
O Compromisso Flos Missale… MANUALE Cathecismo
da Confraria Sanctorum Eborensis… SECUNDU[M] pequeno
da Misericórdia CONSUETUDINEM
de Lisboa Autor: Anónimo Autor: Anónimo ALME COLYMBRIEÑ Autor: Diego Ortiz
Impressor: Herman Impressor: de Villegas
de Campis Germanum [SIC] (14??-1519)
Autor: Anónimo; 1513 Galhardu Impressor:
Impressores: Papel 1509 Autor: Anónimo Velentim Fernãdez
Valentym Fernandez Papel Impressor: Nicolaum 1504
e Hermam de Campos Biblioteca Nacional Gazini E Papel
1516 de Portugal, Biblioteca Nacional 1518
Res 157 A. de Portugal, Papel Biblioteca Nacional
Biblioteca da Ajuda, RES 155 A de Portugal,
inv. BA. 50-XII-4. Biblioteca Nacional RES 163 A.
de Portugal, Res 152 V.

Núcleo 4 A imprensa
95 O interesse de D. Manuel foi decisivo
para a implantação da imprensa em 96 97
Portugal. Das obras impressas quer por
A Regra & mandado do rei quer com o patrocínio
A Regra & Regra
de D. Leonor e de figuras notáveis
diffininções diffinçoões statutos &
da corte, ressaltam os títulos de índole
espiritual, moral e religiosa. Exceto o diffinções
Autor: Anónimo; Autor: Anónimo
Impressor: Cathecismo Pequeno, redigido nesta altura Impressor:
Autor: Anónimo
Valentim Fernandes por D. Diogo Ortiz, muitos dos exemplos Germão Galharde
c. 1504 Impressor:
1520
Papel têm origem medieva. Papel
Herman de Kempis
1509
Biblioteca Nacional Papel
Biblioteca Nacional
de Portugal, Estas obras visavam, igualmente, reforçar de Portugal,
Biblioteca Nacional
RES 127 V. a formação e o estatuto cultural da RES 124 V.
de Portugal,
corte régia. Assim, vemos o nome do rei RES 93 A.
associado a diversas edições de aparato.
Em 1513, era publicada em Lisboa,
por exemplo, sob a responsabilidade
de Hermão de Campos, Ho Flos sanctorum
em lingoajem portugues, em formato
in-fólio e amplamente ilustrada, uma
volumosa coleção de hagiografias que
conhecia então enorme circulação na
Europa.

A estas, fez D. Manuel acrescentar


santos nacionais, para o que solicitou
o contributo de D. Diogo de Sousa,
arcebispo de Braga.

Núcleo 4 A imprensa
98 A política manuelina de reordenamento
do reino, em termos impressórios, 99
manifestou-se também noutras áreas,
Reg[ra] e nomeadamente no âmbito de instituições
Almanach
ligadas aos interesses régios. Por volta de
statut[us] perpetuum
1504, era impressa A Regra e diffinçoões
da horde[m] da ordem do mestrado de nosso senhor jhesu
daujs christo, um volume em formato in-quarto.
Autor: Abraão Zacuto
(c. 1450-c. 1532?)
D. Manuel, cuja divisa aparece na segunda Impressor:
Autor: Anónimo Abraão d’Ortas
Impressor: página, investia na reformação da ordem 1496
Hermam de Campos militar de que era mestre, no cumprimento Papel
1516
Papel da sua estratégia de mobilização de todos Biblioteca Nacional
os recursos com vista à centralização do de Portugal,
Biblioteca Nacional poder. INC 187INC 187.
de Portugal,
RES 3008 V.
Outras ordens militares seguirão o
exemplo, e em 1509, era impressa por
Hermão de Campos a Regra statutos e
diffinções da ordem de Sanctiaguo. Poucos
anos depois, em 1516, este mesmo
impressor publicaria a Regra e statutus
da hordem daujs, em Almeirim. D. Jorge,
o filho bastardo de D. João II, era mestre
da ordem de Santiago e administrador
da de Avis, e fora, evidentemente,
sensibilizado para os benefícios de registar
sob forma impressa os estatutos das duas
instituições, que também desempenhavam
papel de relevo na distribuição de mercês
que fazia parte da estratégia manuelina.

Núcleo 4 A imprensa
100 O interesse quase exclusivo da imprensa,
nos seus primórdios em Portugal, por
101 102 103
temas religiosos e espirituais não impediu
Tractado o aparecimento de obras relacionadas Epistola Obedientia Gesta
da Sphera com a expansão marítima, cujo primeiro serenissimi Potentissimi proxime per
exemplo foi o Almanach perpetuum, principis Emanuelis Portugaleñ
Autor: João de do astrónomo judeu de origem espanhola, in India
Sacrobosco
(c. 1195-c. 1256)
Abraão Zacuto. Contratado por Autor: D. Manuel I Autor: Diogo
D. João II, serviu também D. Manuel, (r. 1495-1521) Pacheco
e Regiomontanus Autor: D. Manuel I
Impressor: (séculos XV-XVI)
(1436-1476) tendo presumivelmente sido consultado (r. 1495-1521)
Valentim Fernandes Impressor:
Impressor: Impressor:
Germão Galharde sobre a possibilidade do caminho 1505 Eucharius Silbert
Johannem
Papel 1505
c. 1516 marítimo para a Índia, ainda que tal não Papel
Weyssenburger
Papel 1507
evitasse a sua expulsão de Portugal no Biblioteca Nacional
Papel
contexto do édito de expulsão de judeus de Portugal, Biblioteca Nacional
Biblioteca Pública
RES 75//2 V. de Portugal,
de Évora, RES 404. e muçulmanos, em 1496. A sua obra, Biblioteca Nacional
RES 75/1 V.
de Portugal,
impressa nesse mesmo ano, seria em breve RES 6202 P.
utilizada na viagem de Vasco da Gama.

Do mesmo conjunto de pequenos manuais


técnicos, que continham elementos
essenciais para a prática da navegação
astronómica, listas de latitudes desde
Lisboa até ao equador e tabelas de
declinação solar, fazia parte o Tratado
da Sphera, do matemático e astrónomo
alemão Johannes Müller, mais conhecido
por Regiomontanus.

Núcleo 4 A imprensa
104 105 106 O esforço de propaganda internacional
dos feitos portugueses levou D. Manuel
a recorrer regularmente à imprensa.
Gesta Itinerariu[m] Paesi Assim, tanto em Portugal como em
proxime per portugalle[n] nouamente Roma foram impressas cartas dirigidas
retrouati aos sucessivos sumo-pontífices,
Portugalenses siu[m]
bem como orações de obediência
i[n] India a eles dirigidas e declamadas por
Autor: Fracanzio Autor: Fracanzio
da Montalboddo da Montalboddo embaixadores portugueses.
Autor: D. Manuel I (séculos XV-XVI)
(séculos XV-XVI)
(r. 1495-1521) Impressor: Zorzo
Impressor:
Impressor: de Rusconi Millanese; Nem sempre a iniciativa dessas
A. Scinzenzeler
Johannem Landen; 1521
1508 impressões partia do monarca
1507
Papel
Papel Biblioteca Nacional lusitano, e muitas delas foram sendo
Biblioteca Nacional de Portugal, impressas ao longo das duas primeiras
Biblioteca Nacional RES 3106 P.
de Portugal, DS XVI-3.
de Portugal, DS XVI-2. décadas do século XVI fora de
Portugal, respondendo a um público
internacional interessado nas notícias
oriundas de África, da Ásia e também
do Brasil. Importantes instrumentos
de propaganda manuelina, eram
meios privilegiados de divulgação
internacional das expedições marítimas
portuguesas e dos seus surpreendentes
resultados, em termos de conhecimentos
geográficos, de feitos náuticos e
militares, e de acumulação de riquezas.

Núcleo 4 A imprensa
107 Esta Anunciação faz parte do grande
retábulo da igreja das Comendadeiras
108 A história representa um dos episódios
bíblicos edificantes da aplicação
de Santiago, no Mosteiro de Santos-o- da justiça, tema particularmente caro
Gregório Lopes -Novo, pintado por Gregório Lopes, Francisco Henriques a D. Manuel. Dois juízes acercam-se da
(ativo 1513–†1550) (+1518)
talvez nos finais da década de 1530, bela Susana, esposa de Joaquim, enquanto
certamente por encomenda de D. Jorge O Profeta esta se banha. Perante os gritos da mulher,
Anunciação de Lencastre, Mestre de Santiago e os dois homens acusam-na de adultério,
Daniel
bastardo de D. João II. a que corresponderia a morte por
Retábulo de Santos- julgando os lapidação.
o-Novo
c. 1530 O pintor, nesta fase da sua carreira, dois velhos e a
Óleo sobre madeira
mostrava-se particularmente atento casta Susana O sábio Daniel, apesar da sua juventude,
de carvalho
às novidades culturais do humanismo 1508-1512
pois tinha apenas doze anos, interroga
Proveniência: português, evidentes nas citações de os homens separadamente, e, pelas
Mosteiro de Santos- Óleo sobre madeira
o-Novo, Lisboa, 1911 arquiteturas ao romano, representações de carvalho divergências nos seus relatos, conclui
MNAA, inv. 1170 Pint de ruínas ao modo da Antiguidade pela inocência de Susana, sendo ambos
MNAA, inv. 679 Pint
Clássica ou decorações renascentistas. (em depósito no condenados à sentença que se preparava
Museu Nacional
A Anunciação é também um mostruário de Frei Manuel do
para a mulher, cena que se vê no fundo
de novidades da época: as arquiteturas, Cenáculo, Évora) da pintura. A associação visual com as
a arca de couro e ferragens, o cetro figurações reais coevas ou com as gravuras
decorado com as Virtudes e, que decoram as Ordenações Manuelinas
anacronicamente, o livro impresso mostrando o rei na administração da
a duas cores, com texto e gravura, justiça, de onde resulta o progresso e o
que demonstra o prestígio adquirido bem-estar dos povos, cria uma evidente
pela imprensa. relação simbólica entre as justiças bíblica
e régia, entre o divino e o terreno, uma
estratégia amplamente utilizada nas obras
manuelinas. Este efeito era naturalmente
reforçado pela colocação do painel num
retábulo da igreja de S. Francisco de
Évora, que servia de capela palatina.

Núcleo 4 A imprensa
109-110 111 Iluminura dedicada à Adoração dos Magos,
do Livro de Horas conhecido como do
rei D. Manuel por ter sido encomendado
Pilhas António de Holanda
(1480-1557)
ainda em vida do monarca ao iluminador
de pesos flamengo António de Holanda (1480–
Adoração –1557). Sensível à novidade dos nativos
de pele escura do continente africano, o
Portugal, 1499
Bronze
dos Magos
artista introdu-los com grande pormenor
Proveniência:
Legado Barros Livro de Horas, na representação: tanto os dois mouros,
e S., 1981 (nº109); dito “de D. Manuel” à esquerda, como o negro nu, à direita.
Desconhecida Portugal, primeira
(nº110) metade do século XVI
Este último, de longos cabelos e argola
[fólio 89v, c. 1525] na orelha, é representado com tanga,
MNAA, inv. 429 Têmpera sobre turbante branco e escudo, adereços então
e 88 Met pergaminho
novos para os olhares europeus. São eles,
MNAA, inv. 14/130 pela singularidade da exótica presença,
Ilum
os verdadeiros focos de interesse da
representação.

Na tarja envolvente é representado um


conjunto de quarenta e quatro moedas
de ouro e de prata de elevado valor,
maioritariamente portuguesas e do
período manuelino, em alusão simultânea
à política de reforma monetária e à
dinâmica de uma economia baseada na
circulação fiduciária em larga escala.

Núcleo 4 A imprensa
112-121 A necessidade de sistematizar e
uniformizar a administração do reino e
123 D. Afonso de Portugal, bispo de Évora
e neto do duque de Bragança, foi uma
de organizar as finanças públicas, levou importante personagem durante os
Moedas de D. Manuel I a promulgar o primeiro D. Afonso de Portugal
(c. 1455-† 1522)
reinados de D. João II e D. Manuel.
D. Manuel I Regimento da Casa da Moeda de Autor de várias obras, compôs um tratado
Cruzado Lisboa (1498) e a ordenar a cunhagem, De de teoria monetária dedicado ao rei
1/4 Cruzado em Lisboa e no Porto, de várias séries D. Manuel, o De Numismate Tractatus,
Português Numismate
monetárias em ouro, prata e cobre. A estas em que alertava para os perigos de uma
1/2 Manuel
Tostão VL séries juntaram-se as produzidas no Estado
Tractatus moeda não suportada na efetiva riqueza
Vintém da Índia, casos de Goa e Malaca. [fls. 1v e 2] do país, defendendo o papel central
Cinquinho
Real Encadernado da cunhagem como símbolo e expressão
Ceitil Entre todas as moedas manuelinas é em conjunto com da autoridade régia.
Tractatus perutilis
1495-1521 necessário destacar, pela sua relevância, de Indulgentis
Ouro, prata e cobre o português, uma moeda cunhada a Sevilha: Jacob Mecenas requintado, foi também um
Cromberger s/d
INCM/Museu Casa
partir do ouro da Guiné e da Mina. Esta [c. 1517-1521] colecionador de antiguidades romanas:
da Moeda, invs. 4908, moeda começou a ser batida logo após Papel começou as obras no Paço dos Vimioso,
13128, 13131, 4906, o regresso de Vasco da Gama da Índia e junto à Sé de Évora, e construiu o paço
4909, 15862, 4913, Fundação da Casa
4930, 4943, 9428, transformou-se num símbolo do poder e de Bragança, rural da Sempre Noiva, além de ter
13199 prestígio do rei. Pensado e produzido para Museu-Biblioteca refeito a capela-mor da catedral, para a
da Casa de Bragança,
ser também um meio de propaganda, o Numismate Tractatus qual encomendou um enorme retábulo
português foi imitado em várias cidades - BDMII 59 [Tractatus flamengo, hoje no museu da cidade.
perutilis de Indulgentis
do Norte da Europa, devido ao seu peso - BDMII 58]
e toque, e tornou-se na moeda que mais
contribuiu para divulgar a ideologia
política de um império global na época
do rei Venturoso.

Núcleo 4 A imprensa
124 125 126 127 128
P[ri]mero Liuro O Primeiro Regiment’ Ordenações
[-segu[n]do] primeiro [-Quinto] e ordenações da India
liuro das [-quinto] das Livro das da fazenda
Ordenações Ordenações Ordenações Autor e Impressor:
Anónimo
Autor: Anónimo;
1520
Impressor:
Autor: Anónimo Autor: Anónimo Jacobo Cromberger, Papel
Armão de cãpos
Impressor: Impressor: Ioham impressor
1516
Valentym Fernandez Pedro Bonhomini 1521 Biblioteca Nacional
Papel
1512-1513 1514 Papel de Portugal, RES 80 A.
Papel Papel
Biblioteca Nacional
Biblioteca Nacional
de Portugal, RES 91 A.
Biblioteca Nacional Biblioteca Nacional de Portugal, RES. 72 A.
de Portugal, de Portugal, RES 68 A.
RES 2342 A.

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129 130 HORÁRIO

Terça – domingo: 10h00 – 18h00

P[ri]mero Rei Sentado Devido ao atual contexto de pandemia,


os horários do MNAA podem sofrer alterações
[-segu[n]do] no Trono consoante as diretrizes legais.
liuro das (fragmento)
Ordenações VISITAS ORIENTADAS
Países Baixos,
Bruxelas (?),
Autor: Anónimo
1500-1525 Grupos
Impressor: Terça-feira a Sábado
Lã e seda
Valentym Fernandez Marcação prévia obrigatória: se@mnaa.dgpc.pt
1512-1513
Proveniência: Aos domingos e nos dias 25 e 26 de setembro
Papel
transferência, não serão autorizadas visitas guiadas.
Paço Episcopal
Biblioteca Nacional
de Lamego, 1920
de Portugal, Grupos com orientação do MNAA
MNAA, inv. 67 Tap
RES 2342 A. Marcação prévia obrigatória: se@mnaa.dgpc.pt

VISITE O MNAA EM SEGURANÇA


– CLEAN & SAFE

Os Museus, Palácios e Monumentos nacionais


tutelados pela Direção-Geral do Património
Cultural (DGPC), onde se inclui o Museu Nacional
de Arte Antiga, associaram-se à campanha do
Turismo de Portugal com a atribuição do selo
«Clean & Safe» que certifica o cumprimento de
todos os requisitos definidos pela Direção-Geral
de Saúde.

Núcleo 4
COVID-19 | REGRAS PARA VISITAR
O MUSEU EM SEGURANÇA

— Use sempre a máscara;


— Desinfete as mãos no início e no fim da visita;
— Ao caminhar, mantenha uma distância
de 2 metros das outras pessoas;
— Família/pessoas coabitantes podem fazer
a visita em conjunto (máximo de 6 pessoas);
— Evite tocar nas várias superfícies;
— Evite formar grupos;
— Siga as orientações que sejam dadas pelos
funcionários.

OUTRAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES

Desinfetante de mãos de base alcoólica


disponível nas entradas, no acesso às salas
de exposição, loja e restaurante;
Cadeira de rodas disponível na entrada
(higienizada após cada utilização).

ACESSO ÀS SALAS DE EXPOSIÇÃO

O acesso ao Museu está atualmente condicionado


à capacidade do espaço:
— Rácio de 1 pessoa por cada 20m2;
— Distanciamento de 2 metros entre pessoas
não coabitantes.

O MNAA e o seu restaurante respeitam todas as


orientações e regras de higienização e prevenção
previstas pela DGS - Direção Geral de Saúde.

As condições de visita poderão ser alteradas


em qualquer momento mediante novas orientações
governamentais.

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