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Universidade Federal de Alagoas

Graduação em História
Disciplina: Introdução aos Estudos Históricos
Professor: Elias Ferreira Veras

Elaborado por Rafael da Silva Oliveira. Novembro/2021

FICHAMENTO

Pg. BLOCH, Marc. “A observação histórica”. In: Apologia da História ou o Ofício do


Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
69/70 No início do parágrafo, Bloch afirma ser impossível, ao historiador, constatar os fatos de
sua própria pesquisa e complementa ao dizer que apenas relatos de testemunhas poderia
ser usado como fonte. Em seguida, há uma excelente analogia ao dizer que os
historiadores estão “na situação do investigador que se esforça para reconstruir um crime
ao qual não assistiu”. A história, diferentemente das áreas que abordam a atualidade,
parte de um conhecimento indereto, no qual jamais poderemos experenciar. No entanto, é
necessário ser cauteloso ao fazer tal afirmação. Citando um exemplo de um comandante
do exército que escreve seu relato da vitória de uma batalha, o autor diz que o
comandante conseguira observar boa parte do evento, todavia foi preciso buscar fontes
alternativas de demais presentes para incluir momentos-chave. Bloch questiona,
portanto, a “observação direta” do comandante na escrita de um relato presente.
70 Assim sendo, segundo Bloch: “[...] no imenso tecido de acontecimentos, gestos e
palavras de que se compõem o destino de um grupo humano, o indivíduo percebe apenas
um cantinho, estreitamente limitado por seus sentidos e sua faculdade de atenção;
porque, além disso, ele nunca possui a consciência imediata senão de seus próprios
estados mentais: todo conhecimento da humanidade, qualquer que seja, no tempo, seu
ponto de aplicação, irá beber sempre nos testemunhos dos outros uma grande parte de
sua substância. O investigador do presente não é, quanto a isso, melhor aquinhoado que
o historiador do passado.”(p.70).
71/72 Em uma região onde hoje se encontra a Síria, arqueólogos descobriram esqueletos de
crianças em jarros de cerâmica. A suposição mais coerente é de se tratar de restos
mortais de sacrifícios humanos. Bloch assume que em casos de crenças e ritos religiosos,
o único caminho para buscar informações é através de testemunhas ou comparando a
culturas parecidas que habitavam a mesma localidade no espaço e tempo. Em
contrapartida, nega quanto ao fato do sacrifício ser um conhecimento indireto.
Considerar tal afirmação — que seja um conhecimento indireto — implicaria na negação
da importância da interpretação a partir da percepção do historiador, que busca entre as
possibilidades a real substância do objeto. Mais a frente é dito: “Os especialistas do
método geralmente entenderam como conhecimento indireto aquele que não atinge o
espírito do historiador senão pelo canal de espíritos humanos diferentes.”(p.72). Ou seja,
a dependência de um intermediário, por meio de um documento (escrituras, pinturas,
etc.) ou relatos pessoais.
73 “O conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no
presente, deve ser, um conhecimento através de vestígios.”(p.73). A palavra “vestígio” é
introduzida neste momento do texto para indicar a relação do mesmo com o objeto da
pesquisa como um todo através do tempo. Um vestígio é a marca deixada pelos que nos
antecederam, podendo ser qualquer expressão artística ou objeto que defina a bagagem
cultural de um determinado povo ou civilização.
75/76 A nossa compreensão do passado está a todo momento em processo de transformação,
mesmo que o passado, em si, seja o mesmo. Há todo momento descobre-se novas
informações do já conhecido, mas também, civilizações e culturas nunca antes
conhecidas pela contemporaneidade, como no exemplo citado por Bloch: “Imensos
contingentes da humanidade saíram das brumas. O Egito e a Caldéia sacudiram suas
mortalhas. As cidades da Ásia central revelaram suas línguas, que ninguém mais sabia
falar, e suas religiões, há muito extintas. Uma civilização inteirinha ignorada acaba de se
levantar do túmulo, nas margens do Indo.”(p.75). Apesar da persistência do pesquisador,
“o passado é seu tirano”. Há campos das ciências do passado humano onde uma mísera
fonte histórica é luxo. Mesmos depois de vários longos anos de pesquisa, surgem
momentos onde o mais o honesto a fazer é confessar a própria ignorância.
78/79 Seria papel do historiador reunir documentos, depois averiguar a autenticidade e
veracidade de seu conteúdo? De acordo com o autor: não. Não existe uma pesquisa
histórica na qual o historiador não tenha em mente, desde o início, o que busca e seu
objetivo com a mesma. “Nunca, em nenhuma ciência, a observação passiva gerou algo
de fecundo. Supondo, aliás, que ela seja possível.”(p.79). O historiador deve fazer
questionamentos ao documento procurando por respostas, mas nem sempre são feitas as
melhores perguntas. É recorrente, ao pesquisador, fazer perguntas baseadas no senso
comum, de maneira até imperceptível a si próprio, apresentando preconceitos
culturalmente internalizados. Bloch recomenda ter um objetivo, um caminho a seguir
durante a pesquisa. Possivelmente esse caminho não permanecerá o mesmo ao decorrer
dela, porém, sem ele, implicaria num grande erro metodológico.
80/81 Cada situação pede uma análise metódica diferente das demais. Todo o campo da história
é repleto de especificidades que diverge uma era histórica de outra, que estabele uma
ruptura entre, por exemplo, Idade Antiga e Idade Medieval. Mesmo que falemos de
momentos históricos dentro de uma mesma era, ainda sim, essas especificidades se farão
presentes. A pesquisa não é apenas feita através de escrituras velhas, chatas, em idiomas
antigos e caindo aos pedaços. É fundamental observar a história no todo, afinal, “que
historiador das religiões se contentaria em compilar tratados de teologia e coletâneas de
hinos? Ele sabe muito bem que as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos
santuários, a disposição e os mobiliários dos túmulos têm tanto a lhe dizer sobre as
crenças e as sensibilidades mortas quanto muitos escritos.”(p.80).
81 É exigido do pesquisador uma sensibilidade investigativa que vá além do óbvio, do que
parece ser. Pouquíssimas pessoas estão preparadas para extrair de um vestígio ou
documento algo que corrobore um campo de pesquisa historiográfica. O conselho de
Bloch é que o historiador deva conhecer, ao menos um pouco, todas a principais técnicas
da profissão e saber escolher em qual momento utilizar uma ou outra. Todavia rejeita a
multiplicidade de competências em um só homem, defendendo que pesquisadores de
diversas áreas diferentes coperem entre si.
82 O historiador, que se propõe realizar uma pesquisa, é dependente de locais que
armazenam arquivos e documentos. Sem isso, seu trabalho seria dificultado em níveis
tão absurdos que seria melhor procurar uma agulha no palheiro. Bloch lamenta, então, o
descaso no qual esse trabalho de armazenamento é submetido. Ele fala sobre o primeiro
tomo das Fontes da História da França, de Émile Molinier, que desde sua primeira edição
em 1901, jamais fora editado. E assim prossegue: “A ferramenta, decerto, não faz
ciência. Mas uma sociedade que pretende respeitar as ciências não deveria se
desinteressar de sua ferramentas.”(p.82)
83 “Os documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito de, não se sabe, qual misterioso
decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal
solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à análise, e os
problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o alcance de exercícios
técnicos, tocam eles mesmo no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra
assim posto em jogo é nada menos que a passagem da lembrança através das
gerações.”(p.83). Bloch sugere que os autores da historiografia não apenas liste, no final
do livro, todos os arquivos no qual baseia suas informações, mas sim, que dedique, ao
menos, um capítulo específico para responder uma pergunta: “Como posso saber o que
vou lhes dizer?”. De acordo com Bloch, isso acarretaria numa melhor experiência
literária tanto ao leitor pesquisador, quanto ao leitor leigo.
85 Catástrofes naturais, revoluções e guerras são muitas vezes motores de grande perda de
vasta documentação historiográfica. Contudo, elas também trazem consigo documentos
que jamais seriam abertos ao público se não forçosamente. “São as revoluções que
forçam as portas dos armários de ferro e obrigam os ministros à fuga, antes que tenham
achado tempo para queimar suas notas secretas. Nos antigos arquivos judiciários, os
fundos de falências têm disponíveis atualmente os papéis de empresas que, se lhes
houvesse sido dada a oportunidade de levar a cabo uma existência frutífera e honroda,
acabariam por destinar a destruição o conteúdo de suas papelarias. [...]. Mas é nos
Arquivos Nacionais que os lemos hoje. Se a comunidade dos monges dionisianos tivesse
sobrevivido à revolução, seria certo que nos permitiria vasculhar em seus cofres?”(p.85).
Para Bloch, a negligência com que são tratados os documentos e a “paixão pelo sigilo”
são as responsáveis pelo esquecimento e pela ignorância no saber histórico.

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