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CAPÍTULO 4

O DESENVOLVIMENTO DO COMPORTAMENTO

O capítulo anterior introduziu a idéia de que poderia haver um componente genético no controle
do comportamento. Contudo, também deve ficar claro que o seu próprio comportamento e aquele dos
animais irão variar com, entre outras coisas, a experiência. Neste capítulo quero explorar ambas essas
áreas e ao mesmo tempo salientar a integração que deve existir entre ambas.

GENES E COMPORTAMENTO

Efeitos de Genes Únicos, Moscas Forrageiras, e Abelhas Higiênicas


Larvas de moscas de fruta gastam a maior parte de seu tempo forrageando. Elas rastejam sobre
seu alimento, abocanhando leveduras com ganchos de alimentação. No laboratório de Marla Sokolowski
há larvas de Drosophila melanogaster que exibem dois fenótipos de comportamento de forrageio muito
diferentes. Quando podem se alimentar em uma placa de Petri coberta com leveduras, as larvas de uma
população irão se mover por distâncias consideráveis (por volta de 8 centímetros, o que é um longo
caminho para uma pequenina larva) em um período de teste de 5 minutos, enquanto as larvas de outra
população pouco ou nada se moverão. As últimas são conhecidas como “assentadas” e as primeiras como
“errantes”. Moscas que exibem ambos esses fenótipos ou estratégias são encontradas na natureza onde
ocorrem com freqüências de aproximadamente 70% errantes e 30% assentadas.
Os que estão familiarizados com padrões básicos de herança genética devem achar essas
freqüências, uma proporção de 3:1, altamente sugestiva de um padrão Mendeliano simples que reflete um
sistema que envolve um único gene com um alelo dominante e um alelo recessivo. Através de um
programa de cruzamentos cuidadosamente controlados, Sokolowski e seus colaboradores confirmaram
que esse é o caso.
Seus resultados identificaram um único gene que eles denominaram de foraging que tem duas
formas, a dominante forR (errante) e a recessiva forS (assentada). Moscas homozigotas para forR portanto
exibem o fenótipo errante, assim como as moscas heterozigotas. Aqueles indivíduos homozigotos para
forS exibem o fenótipo assentado. Os pesquisadores foram até capazes de identificar a posição exata do
gene em um local chamado de 24A3-C5 no cromossomo 2 do genoma da Drosophila.
Há ocasiões, contudo, quando uma mosca que tem o genótipo forS homozigoto irá se comportar
como uma errante. Isso ocorre especificamente quando a mosca forS se encontra em um ambiente que é
escasso de alimento. Claramente sob essas condições ser uma errante – se movimentar para encontrar
alimento – é a única estratégia que pode compensar. Então por que o genótipo/fenótipo assentado
persiste? Para responder a essa questão, Sokolowski e seus colegas criaram grandes populações de
Drosophila sob dois conjuntos de condições muito diferentes e cuidadosamente controlados. Um grupo
de moscas foi criado em densidades larvais muito altas e um segundo grupo foi criado em densidades
larvais muito baixas. Depois de 74 gerações, as proporções de assentadas e errantes em cada população
foram examinadas e em ambos os casos descobriu-se que tinha ocorrido uma forte seleção direcional.
Sob condições de alta densidade, o fenótipo errante tinha se tornado relativamente mais comum,
i.e., tinha sido selecionado favoravelmente e o fenótipo assentado tinha sido desfavoravelmente
selecionado. Em baixas densidades populacionais tinha ocorrido o oposto e um aumento nas moscas
assentadas foi registrado.
Parece provável que em densidades maiores, as larvas de mosca teriam que se mover mais para
longe quando se alimentam. A alta densidade de competidores pela fonte de alimento pode fazer a
distribuição do próprio alimento ficar fragmentada, ou poderia ser que uma mosca forrageira precise se
mover por uma distância maior conforme se movimenta em torno e sobre suas vizinhas para encontrar um
local para se alimentar. Nesse cenário, se uma assentada fosse ficar parada provavelmente morreria de
fome e o comportamento errante seria favoravelmente selecionado. Mas quando o alimento é super
abundante, e a competição é baixa porque as densidades larvais são baixas, uma assentada pode se sair
bem e melhor que uma errante simplesmente porque os custos energéticos relativamente altos associados
à movimentação não compensam. Na natureza, o alimento está distribuído de maneira fragmentada e os
fragmentos tendem a variar em qualidade e quantidade. As densidades populacionais provavelmente
também variam de local para local com o tempo. Assim, deve estar claro agora para você porque o
polimorfismo errante/assentado persiste.
Assim, variação em apenas um dos 13.061 genes de Drosophila leva a uma diferença observável
no comportamento. Efeitos de genes únicos foram registrados em várias outras espécies. Por exemplo,
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Walter Rothenbuler demonstrou que a variação nos comportamento das abelhas, Apis mellifera, chamadas
de higiênicas e não higiênicas, está relacionada a variação em apenas dois genes, cada um tendo dois
alelos e cada um afetando um comportamento em uma seqüência de dois comportamentos. Uma abelha
higiênica homozigota (uurr) irá destampar (abrir) células de criação que contêm uma larva morta. Irá
então remover o cadáver da colméia. Abelhas homozigotas não higiênicas (UURR) não exibem nenhum
desses comportamentos. Um cruzamento entre essas duas linhagens irá resultar em uma geração F1
heterozigota de indivíduos não higiênicos (UuRr), mostrando que os alelos não higiênicos são ambos
dominantes com relação aos alelos higiênicos. Os resultados de retrocruzamentos produzem uma
combinação de comportamentos. Alguns indivíduos se comportam da típica maneira higiênica ou não
higiênica, mas abelhas que descobrem mas deixam o cadáver e abelhas que não descobrem, mas irão
remover um cadáver de uma célula aberta, são também produzidas. Isso demonstra que dois genes estão
envolvidos, um gene para descobrir a célula e um gene para remover o cadáver.

Efeitos Pleiotrópicos
Seria muito errado acreditar, contudo, que em todos os casos a variação em um único gene está
relacionada a variação em uma única característica fenotípica. Alguns genes são pleiotrópicos, o que quer
dizer que variação em um deles é expressa como uma variação em várias características fenotípicas
diferentes. Por exemplo, no Capítulo 3 discutimos o papel do gene per no controle dos ritmos circadianos
em uma ampla variedade de espécies. O mesmo gene tem um papel a desempenhar no cortejo da
Drosophila. Machos de moscas de fruta “cantam” para incitar as fêmeas a se acasalarem com eles. O
canto é produzido quando o macho estende e vibra uma das asas e consiste de um murmúrio e uma série
de pulsos. O murmúrio parece marcar a fêmea para o acasalamento e os pulsos parecem ser o gatilho que
permite que a cópula ocorra. Moscas que possuem diferentes mutações no gene per têm cantos que
pulsam em diferentes freqüências. O significado adaptativo dessas variações no canto, porém, permanece
uma área de especulação e debate.

Fenótipos Poligênicos
Outras variações fenotípicas são descritas como sendo poligênicas porque resultam do efeito
combinado de variação em vários loci. O canto de cortejo de outro inseto, nesse caso o grilo, fornece um
bom exemplo de um traço comportamental poligênico. Como a Drosophila que acabamos de discutir, os
grilos machos “cantam” para atrair fêmeas. Os cantos dos grilos são também mecânicos de origem e são
produzidos quando os animais abrem e fecham suas asas dianteiras especialmente modificadas. Quando
as asas se abrem nenhum som é emitido, mas conforme elas se fecham raspam uma contra a outra e
resultam em um pulso sonoro. Os membros de cada espécie cantam um canto específico caracterizado
principalmente pela duração desses pulsos e os silêncios entre eles. A comparação de sonogramas de duas
espécies de grilo e de híbridos das duas revela que os cantos dos híbridos têm características dos cantos
de ambas as espécies parentais, mas são distintos deles e uns dos outros. Essa observação, junto com o
fato de que o canto é um produto da forma da asa, musculatura, e sistema nervoso, sugere fortemente que
a produção do canto nessa espécie é poligênica.

O AMBIENTE E COMPORTAMENTO

Abelhas Higiênicas Revisitadas


Anteriormente neste capítulo mencionei rapidamente que apesar de seu genótipo, Drosophila
assentadas se comportavam como errantes durante épocas de escassez alimentar. Esse é um exemplo claro
do fato de que diferenças genéticas entre indivíduos não necessariamente significam que aqueles
indivíduos são submissamente “obrigados” a realizar um comportamento particular. Embora o
componente genético seja sem dúvida importante, os genes têm seu efeito contra o pano de fundo de um
ambiente complexo e considerações ambientais podem afetar fortemente o comportamento.
O comportamento de limpeza do berçário das abelhas higiênicas fornece um exemplo útil da
interação entre genes, ambiente, e comportamento. Lembre-se que as abelhas que são homozigotas para
ambos os genes higiênicos irão destampar as células de criação que contêm uma larva morta e remover o
corpo, mas abelhas não higiênicas não. As abelhas higiênicas podem ter a capacidae genética de realizar
suas tarefas de limpeza, mas uma característica da divisão de trabalho entre as operárias em uma colméia
é que existe uma estruturação etária particular na realização das tarefas. O comportamento higiênico tende
a ser realizado mais comumente por abelhas de meia-idade, que irão eventualmente mudar de
comportamento conforme ficarem mais velhas, deixarão a colméia, e se tornarão forrageiras.
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A mudança para o forrageio ocorre como uma resposta a mudanças no “ambiente interno” da
abelha. Operárias da colméia tipicamente têm baixas concentrações de hormônio juvenil em seu sangue.
Mostrou-se que um aumento no hormônio juvenil circulante desencadeia o início do forrageio. Esse
processo ocorre naturalmente conforme a abelha fica mais velha, mas o momento real da mudança pode
ser variado de acordo com as “necessidades” da colméia. Por exemplo, em uma colônia com um número
suficiente de abelhas forrageiras mais velhas as abelhas mais jovens irão se desenvolver mais lentamente
em termos comportamentais.
Recentemente, mostrou-se que a expressão de comportamento higiênico em abelhas operárias é
também parcialmente controlada pelo ambiente. Você se lembra que para se comportar higienicamente
uma operária deve ter o genótipo apropriado. Contudo, parece que para uma abelha individual a
quantidade de tempo que ela gasta em suas tarefas higiênicas e a idade em que as abandona para tornar-se
uma forrageira são controladas em parte não pelo genótipo e o ambiente hormonal interno do próprio
animal, mas pelos genótipos de suas companheiras de colméia e portanto o ambiente genético e social em
que ela vive.
Para manipular a composição genética da colméia, os pesquisadores primeiro selecionaram duas
linhagens comportamentalmente diferentes de abelhas, uma higiênica e outra não higiênica. Isso foi feito
primeiro apresentando favos contendo crias mortas a várias colônias e então avaliando a velocidade com
que elas os limpavam. Rainhas e zangões foram tirados da colônia mais higiênica e postos para cruzar. As
colônias resultantes foram novamente testadas quanto a seu nível de higiene e zangões da mais higiênica
foram acasalados com rainhas da geração anterior. Isso foi repetido por seis gerações e o resultado foi
uma linhagem de abelhas higiênicas geneticamente homogênea. Exatamente a mesma estratégia foi usada
para desenvolver uma linhagem de comparação de abelhas não higiênicas.
Colméias experimentais foram estabelecidas usando abelhas das duas linhagens, de maneira que
as proporções de indivíduos higiênicos e não higiênicos em cada uma delas variasse. Uma colméia
continha apenas 25% de abelhas higiênicas, uma segunda continha 50% e uma terceira 100%. Uma quarta
colméia também foi estabelecida contendo apenas indivíduos não higiênicos. A intervalos, uma área fixa
de crias mortas por congelamento foi introduzida em cada uma dessas colméias e os níveis de
comportamento higiênico e as identidades dos indivíduos que o realizavam foram registrados.
As abelhas higiênicas individuais em uma colônia que continha principalmente abelhas não
higiênicas eram mais prováveis de estar envolvidas nas tarefas de limpeza a qualquer momento dado do
que suas companheiras em colméias higiênicas. Além disso, as abelhas operárias mais empenhadas
limpavam cada uma um número maior de células por dia do que suas companheiras menos ativas. Isso é
provavelmente função do fato de que há numericamente menos delas para limpar um favo de tamanho
equivalente. Também é aparente que as abelhas higiênicas na colméia de 25% de higiênicas retardam sua
mudança para forrageiras para bem depois da sua meia idade usual de cerca de 19 dias. Assim, parece que
apesar de sua semelhança genética dois indivíduos da linhagem higiênica poderiam diferir na extensão
com que realizam o comportamento higiênico dependendo do ambiente em que se encontram.

APRENDIZADO, A MODIFICAÇÃO DO COMPORTAMENTO

Alguns aspectos do comportamento de um animal são realizados de maneira rigidamente


previsível, de maneira que cada vez que um estímulo particular é apresentado uma resposta previsível
será registrada. Presumivelmente, qualquer variação nesses padrões de comportamento que existiu no
passado foi desfavoravelmente selecionada e eliminada pela seleção natural. Mas como tenho certeza que
você sabe a partir de suas próprias experiências, nem todos os comportamentos podem ser caracterizados
desse modo. Em muitas situações a flexibilidade de resposta é uma vantagem definitiva, e assim não
deveria ser uma surpresa que muitos comportamentos podem ser permanentemente modificados como
resultado de experiência. Essa modificação pode ser atribuída ao aprendizado.

Comportamento Inato
Muitos animais devem realizar um grande número de comportamentos bastante variados que não
tiveram oportunidade de aprender. Isso pode ser porque nunca encontraram seus pais, ou quaisquer
membros da geração parental, de quem aprender, ou porque sua sobrevivência depende de serem capazes
de realizar o comportamento muito cedo depois de chocarem ou nascerem, não dando tempo para o
aprendizado. Tais comportamentos são chamados de inatos. O comportamento de pedir dos filhotes de
gaivota prateada que discutimos no Capítulo 2 é um exemplo de um comportamento inato. Você sem
dúvida se lembra que esses filhotes pedem bicando os bicos de seus pais em uma tentativa de estimulá-los
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a regurgitar uma refeição. Também vimos que um molde com a mais vaga semelhança com o bico de uma
ave genitora iria estimular o pedir pelo filhote. Estou retornando a esse exemplo porque quero enfatizar
um ponto importante sobre os comportamentos inatos. Embora eles possam por definição ser realizados
sem prática, seria completamente errado supor que são inflexíveis em caráter, como Jack Hailman
demonstrou. Hailman apresentou para filhotes de gaivota prateada moldes das cabeças e bicos de gaivotas
adultas ou de gaivotas alegres. A gaivota alegre (Larus atricilla) é um parente próximo da gaivota
prateada e assim os dois moldes eram muito parecidos na forma. Contudo, enquanto a gaivota prateada
tem uma cabeça branca com um bico amarelo com um ponto vermelho na ponta, o bico da gaivota alegre
é todo vermelho e sua cabeça é preta.
Inicialmente as aves jovens não mostraram preferência por qualquer modelo, bicando ambos
sempre que eram apresentados. Esse não é um achado surpreendente, dado que já sabemos sobre as
respostas de gaivotas prateadas jovens a estímulos parecidos com bicos. Mas à medida que os dias
passaram um padrão diferente foi revelado. Com o tempo os filhotes começaram a mostrar uma forte
preferência pelo molde da gaivota prateada e tornaram-se progressivamente menos interessados no
modelo da gaivota alegre.
Certamente, embora esses filhotes possam bicar ambos os moldes, seus esforços só serão
recompensados por seus pais – que se parecem mais com um molde de que com o outro. Parece portanto
que os filhotes associam o modelo/estímulo da gaivota prateada com alimento e dirigem seus esforços de
acordo. Assim, por um processo que Hailman chamou de “afinamento perceptual” o comportamento inato
dessas aves jovens é refinado com o tempo, ou colocando de outra forma – elas aprendem.

Habituação
Eu me lembro de me mudar uma vez para um apartamento em um cruzamento movimentado
quando era estudante de graduação em Edinburgo. De início eu pensei que o barulho do tráfego era
insuportável e simplesmente não podia entender que poderia ficar lá até terminar meu contrato. Mas
certamente algumas semanas depois quando um amigo novo na área me visitou e reclamou do barulho, eu
me vi explicando que quase não o notava. Isso é um exemplo da capacidade que temos de ignorar
estímulos sem importância, um processo chamado de habituação.

Quando um Lagostim Deveria Sacudir a Cauda?


No Capítulo 2 eu descrevi o processo pelo qual um estímulo detectado pelos pelos sensoriais do
abdome de um lagostim pode resultar no animal realizar uma poderosa sacudida da cauda que o projeta
pela água em velocidade. Você se lembra que o propósito desse comportamento é permitir ao animal
escapar da fonte da estimulação, que poderia em muitos casos ser um predador. Comportamentos de fuga
como esse são candidatos primários a habituação porque nem todo estímulo é um predador.
Se um lagostim é tocado no abdome repetidamente (cerca de um toque por minuto) a
probabilidade de que irá ocorrer uma sacudida de cauda diminui rapidamente. De fato, depois de apenas
10 toques a resposta pode diminuir a zero – a habituação aconteceu e a sua recuperação pode levar várias
horas.
Mas pense por um momento sobre o que deve acontecer durante uma sacudida de cauda. Se a
sacudida de cauda pode ser induzida quando o movimento da água desloca os pelos sensoriais do abdome,
certamente esperaríamos que uma única sacudida da cauda seria suficiente para habituar completamente o
comportamento porque à medida que o animal se lança pela coluna d’água esses pelos devem ser
repetidamente e vigorosamente estimulados. Se isso ocorresse seria um verdadeiro problema para o
indivíduo. Um estímulo que é repetido em intervalos de 1 minuto é provavelmente apenas um pedaço de
vegetação flutuante em vez de uma ameaça real. Mas pode ser necessário mais de que uma sacudida para
fugir de um predador persistente.
Esse problema é evitado porque o reflexo de sacudida da cauda controlado pelo LGI é sua própria
proteção contra inibição. Se o LGI é estimulado eletricamente pouco antes do estímulo de toque ser
aplicado, nenhuma resposta comportamental é registrada, e se o animal é testado 2 horas depois (dessa
vez sem um estímulo ao LGI) ele irá realizar uma sacudida de cauda. O mecanismo pelo qual isso ocorre
é a mesma depressão da transmissão sináptica e inibição derivada do comando discutidas no Capítulo 2.

Aprendizado Associativo em Aplysia


A capacidade de um animal de aprender por associação é claramente muito importante
biologicamente, e exemplos de aprendizado associativo envolvendo todas as áreas do reino animal podem
ser encontrados na literatura. Mas o animal que nos forneceu a compreensão mais detalhada dos
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mecanismos envolvidos no processo não é um rato de laboratório ou um pombo ou um primata, é na
verdade uma lesma. A lesma marinha Aplysia californica é um herbívoro marinho que pode crescer até 1
metro de comprimento e alcançar um peso de até 7 quilos.
Da mesma maneira que Pavlov foi capaz de treinar cães a associar um estímulo condicionado
(CS) com uma resposta condicionada (CR), Thomas Carew e seus colegas puderam treinar a Aplysia a
associar um estímulo aplicado ao sifão com a aplicação subseqüente de outro estímulo à cauda do animal.
Isso quer dizer que eles demonstraram que Aplysia podia lembrar que um estímulo precedia outro.
Em um de seus experimentos, os pesquisadores aplicaram um estímulo tátil leve ao sifão de seus
animais de teste e assim desencadearam o reflexo de retirada da brânquia dos animais (um
comportamento defensivo). Se o estímulo é repetido em intervalos de 90 segundos o reflexo rapidamente
habitua, um processo que se manifesta como uma diminuição seqüencial na intensidade (quantidade e
período de tempo) da retirada da brânquia. A desabituação, ou reativação do reflexo se você preferir, pode
ser conseguida se uma pinçada aguda é aplicada à cauda do animal. O fato de que um comportamento
habituado pode se desabituar tem sentido biológico, afinal embora seja seguro para a Aplysia “supor” que
um toque repetido em uma parte de seu corpo é apenas uma planta aquática se movendo na corrente,
certamente não é seguro supor que um novo estímulo é a mesma coisa. Em termos de condicionamento
ou aprendizado associativo podemos encarar a estimulação periódica tátil do animal como sendo um
estímulo não condicionado (US) e do reflexo de retirada da brânquia como a resposta não condicionada
apropriada (UR).
Para descobrir se Aplysia era capaz de aprender por associação, Carew e seus colegas parearam
um pequeno choque elétrico à cauda (nesse caso o US) com um estímulo condicionado (CS) que tinha a
forma da estimulação tátil do sifão. O tratamento recebido por um grupo de animais envolveu a aplicação
do US e então do CS imediatamente depois dele a cada 5 minutos (CS-US pareados), enquanto a
estimulação aplicada aos animais em um segundo grupo envolveu a alternância do US e do CS a cada 2,5
minutos. Depois de um período de 30 tentativas os animais no grupo CS-US pareados exibiam uma
resposta muito mais forte ao US do que os animais no grupo CS-US não pareados. Esses achados
sugerem que não apenas a Aplysia é capaz de aprender que um estímulo precede outro, mas que de
alguma maneira as informações sobre a relação entre os dois estímulos é retida na memória do animal por
um período de cerca de 4 dias.

A Memória de Aplysia
Experimentos envolvendo as vias neurais do
reflexo de retirada da brânquia de Aplysia forneceram
conclusões importantes sobre pelo menos um dos
mecanismos pelo qual a memória opera. Imagine uma via
neural simplificada em que três neurônios sensoriais
diferentes cada um tem o potencial de estimular um
neurônio motor que irá por sua vez desencadear o reflexo
de retirada da brânquia. Um desses neurônios fornece uma
conexão com a cauda do animal, um liga ao sifão, e o
terceiro se conecta com o manto. Experimentalmente, é
possível estimular artificialmente cada um desses neurônios
para simular o tipo de estimulação que discutimos quando
consideramos a maneira pela qual Aplysia aprende por associação. Monitorando mudanças no
comportamento dos neurônios individuais e as sinapses que eles formam, podemos determinar seu papel
no processo de aprendizado.
Uma maneira de fazer isso é “treinar” nosso modelo neural a associar um estímulo com outro da
mesma maneira que Carew e seus colegas fizeram com o animal inteiro. Assim, se a estimulação da área
do sifão é sempre acoplada com estimulação da cauda, temos uma condição de CS-US pareados e
esperaríamos que o aprendizado acontecesse. Para comparação, nunca esperaríamos que a estimulação do
manto seguida por estimulação da cauda nunca resultasse em aprendizado. O condicionamento resulta em
atividade aumentada do neurônio motor na condição US-CS. Mas como isso acontece?
A estimulação da cauda causa a estimulação do interneurônio modulador, que forma sinapses
com os neurônios sensoriais do sifão e do manto. Essa estimulação desencadeia a liberação de serotonina
nessas sinapses. Se um dos neurônios sensoriais dispara ao mesmo tempo em que ocorre essa liberação de
serotonina (como aconteceria em nossa condição CS-US), uma mudança relativamente permanente na
sinapse do neurônio sensorial ocorre, com o resultado de que ela irá subsequentemente liberar
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quantidades maiores que o normal de neurotransmissor. Quando isso acontece a resposta do neurônio
motor é amplificada e a força do reflexo irá aumentar. Assim, nesse exemplo o aprendizado acontece por
um aumento na efetividade de uma via neural.

Aprendizado Social
A partir de nossa experiência diária poderia parecer óbvio que os indivíduos devem ser capazes
de aprender uns com os outros. Por exemplo, com que freqüência você tenta algo novo porque viu um
amigo tentar a mesma coisa e claramente gostar dela? Com que freqüência você aprendeu ao menos os
rudimentos de uma tarefa primeiro vendo-a ser realizada? Tenho certeza que isso é uma ocorrência
comum durante sua vida de estudante.
Os animais podem aprender uns com os outros por imitação ou mímica. A distinção aqui é sutil,
mas importante. O aprendizado por imitação envolve a realização de um novo padrão de comportamento
que irá resulta em uma recompensa imediata. Um comportamento que é aprendido por mímica, por outro
lado, não terá recompensa imediata tangível associada a ele. Aves canoras jovens, por exemplo, aprendem
alguns dos detalhes específicos de seu canto de tutores adultos. As recompensas associadas com esse
aprendizado não estarão disponíveis até que as aves cantem como adultas e assim claramente acontece
aprendizado por mímica.
Filhotes de galináceos de um dia de idade instintivamente bicam sementes ou objetos
semelhantes. Em experimentos envolvendo um galináceo ator que podia bicar uma conta coberta com a
substância metil-antranilato, de gosto amargo, na presença de um frango observador que não podia bicar,
os pesquisadores descobriram que o observador ia subsequentemente evitar bicar contas de aspecto
semelhante. A conclusão tirada, i.e. que o observador aprendeu, por imitação, a evitar metil-antranilato
porque viu a reação do ator ao gosto amargo, é adicionalmente sustentada pelo fato de que se a conta do
ator for substituída por uma que não tem gosto amargo, o observador não irá depois evitá-la.

NAVEGAÇÃO

Em um experimento etológico hoje tido como um clássico desse tipo, NikoTinbergen demonstrou
que a vespa cavadora fêmea (Philanthus triangulum) é capaz de retornar diretamente para o buraco de seu
ninho depois de um vôo de abastecimento porque primeiro ela memoriza as posições relativas de objetos
em seu ambiente. Em seu experimento, Tinbergen circundou um ninho de vespa com um anel de cones de
pinheiro. Então, depois da vespa emergir de sua toca e voar para longe, ele moveu o anel de cones uma
pequena distância, de maneira que o ninho agora estava fora dele. Em seu retorno a vespa voou para o
centro do anel e não para o buraco. Tenho certeza de que você está ciente do uso semelhante de
referências geográficas conforme se desloca em seu próprio ambiente. Mas estou igualmente certo de que
você pode se deslocar em um ambiente familiar (o interior da sua casa, por exemplo) no escuro quando
não há sinais disponíveis, sugerindo que a memória de pontos de referência por si só não é uma
explicação suficiente da capacidade de um animal de achar seu caminho.

Deposição de Trilha
Quando partiu para combater o Minotauro, o herói Teseu foi advertido por Ariadne a desenrolar
um novelo de lã conforme entrasse no labirinto. Era a esperança de Ariadne que tendo matado o monstro,
Teseu seria capaz de seguir sua trilha e retornar para ela em segurança. Isso ele certamente fez, embora o
resto da estória não tenha saído da maneira que Ariadne queria. João e Maria tentaram uma tática
semelhante quando foram abandonados na floresta. Mas sua trilha consistia de pedaços de pão e os
pássaros os comeram – uma pena eles não terem um novelo de lã.
A deposição e o seguimento de trilhas como um método de navegação são comuns em todo o
reino animal. Formigas, por exemplo, usam trilhas de feromônio como método pelo qual várias
forrageiras podem explorar eficientemente uma fonte de alimento recentemente descoberta. Quando
encontra uma fonte de alimento que é muito grande para explorar com sucesso sozinha, uma formiga
forrageira irá retornar rapidamente, e por uma rota direta, para seu ninho. Conforme faz isso, deposita
uma trilha de feromônio no solo atrás dela. No ninho, o indivíduo que retorna realiza comportamentos
estereotipados planejados para recrutar outras para a fonte de alimento. Seguindo a trilha essas recrutas
podem ir diretamente para ela. À medida que cada uma delas retorna para o ninho também deposita
feromônios e assim a trilha é reforçada. Eventualmente a fonte de alimento ficará exaurida e os animais
vão parar de retornar dela. Não irá acontecer reforço da trilha e rapidamente a trilha irá desaparecer. Sua
vida curta torna as trilhas de feromônios um auxílio de navegação particularmente adequado nessa
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situação. Se durassem muito muitas formigas iriam perder um tempo de forrageio valioso seguindo trilhas
que não davam retorno.

Contabilização de Dedução
Embora a rota de partida de uma formiga forrageira tenha sido particularmente tortuosa e levado
um tempo considerável, a viagem de retorno foi incrivelmente direta e muito rápida. Obviamente como
descobridor do alimento esse indivíduo não tinha uma trilha para seguir para o ninho. Assim, como ele
encontra seu caminho para casa?
A navegação desse tipo é chamada de integração de trajeto ou contabilização de dedução. Se
refere à capacidade de um indivíduo de deduzir sua posição atual em relação a outra localização levando
em conta a direção e distância que percorreu entre as duas.

Deduzindo Direção e Distância


Para deduzir a direção em que deve viajar para retornar para uma localização anterior, um
indivíduo deve medir as várias mudanças de direção que fez durante sua jornada e a partir delas computar
um vetor de retorno adequado. Para fazer isso, algumas espécies como a nossa são capazes de usar sinais
internos. Por exemplo, as células sensoriais dos canais semicirculares em sua orelha, parte de seu sistema
vestibular, fornecem a você informações sobre a rotação de seu corpo no espaço. Sem você perceber você
pode usar essas informações para navegar um trajeto deduzido através de um espaço familiar na
escuridão.
Formigas, em comum com várias outras espécies, por outro lado, dependem de sinais externos
para guiá-las para seu destino. A formiga do deserto Cataglyphis fortis é capaz de comportamento de
retorno direto. Se deixássemos que uma formiga do deserto encontrasse uma fonte de alimento, mas então
antes que ela tivesse a chance de partir em sua viagem de retorno a movêssemos 2 metros para leste do
alimento e então a deixássemos ir, o trajeto que ela seguiria seria direto mas terminaria em um ponto
aproximadamente 2 metros a leste do ninho. O ângulo de viagem e a distância percorrida estariam certos,
mas o ponto final estaria errado. Evidentemente a formiga não foi capaz de levar em conta nosso
deslocamento experimental e corrigir sua trajetória.
Achados como esse sugerem que as formigas do deserto usam sinais ambientais globais em vez
de pontos de referência locais para navegar. De fato, formigas do deserto usam a posição do sol, ou mais
precisamente o ângulo entre sua direção de movimento e a posição do sol com relação ao plano horizontal
(o azimute solar). Isso significa com certeza que elas devem poder levar em conta o movimento do sol
pelo céu conforme o dia passa. Evidências de que elas podem fazer isso vêm de um experimento
notavelmente simples em que uma formiga em retorno é presa no meio do caminho sob uma caixa à
prova de luz. Quando ela é liberada algumas horas depois o sol certamente mudou de posição. A formiga
contudo continuará ao longo de sua trajetória original, aparentemente inconsciente de nossa intervenção.
Seria errado pensar que as formigas ignoram ponto de referências quando navegam. Pesquisas
realizadas por Tsukasa Fukushi demonstraram que formigas da madeira Formica japonica usam pontos
de referência visuais para navegação em preferência a trilhas químicas ou sinais celestiais. Quando
realizava um experimento de deslocamento essencialmente semelhante àquele que eu descrevi acima,
Fukushi descobriu que em vez de se comportar como as formigas do deserto e seguir um trajeto paralelo
ao correto, as formigas deslocadas para leste ou oeste de sua posição de captura seguiam trajetos que
pareciam inicialmente como se fossem levar a formiga para casa. Mas numa inspeção mais detalhada,
esses trajetos todos tinham uma trajetória que os faria convergir em um ponto cerca de 13 metros atrás do
ninho. Fukushi supôs que a convergência ocorria porque as formigas estavam mirando um ponto de
referência em algum lugar distante e usando-a para guiar-se para casa. Para testar sua hipótese ele
realizou uma série de experimentos usando folhas grandes para bloquear vários componentes do campo
visual das formigas; em alguns casos a linha do horizonte era obscurecida e em outros a vegetação mais
próxima ao solo era removida da vista. Os achados demonstram que as formigas estavam de fato usando
aspectos do horizonte, topos de árvores proeminentes por exemplo, como guia de navegação.
Foi demonstrado que formigas regularmente páram, se viram, e olham para um ponto de
referência ambiental proeminente conforme se distanciam dele durante uma viagem de forrageio.
Acredita-se que durante essas caminhadas de aprendizado como são conhecidas, as formigas memorizam
objetos chave em seu campo visual e que em viagens subseqüentes podem comparar essas memórias
instantâneas com visualizações reais. Dessa maneira podem deduzir informações sobre a distância e a
direção de seu alvo.
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Paul Graham e Thomas Collett demonstraram que formigas da madeira da espécie Formica rufa
usam esse tipo de informação visual para computar distâncias durante suas viagens de forrageio. Eles
treinaram formigas para seguir uma via de 1 metro de comprimento até o alimento que envolvia que
andassem paralelas a uma parede de 20 cm de altura a uma distância de 20 cm de sua base. Se as formigas
estivessem usando a linha do horizonte criada pelo topo dessa parede como ponto de referência pela qual
navegar, uma maneira simples em que poderiam fazer isso seria manter a margem superior da parede
numa posição apropriada no campo retiniano, nesse caso representada por uma elevação de 45º.
Para testar a hipótese de que as formigas podem julgar distância dessa maneira, a equipe realizou
experimentos em que ou a altura da parede ou a distância da base da parede onde a formiga iniciava sua
jornada era alterada. Em qualquer caso o efeito seria uma não correspondência entre a elevação “correta”
de 45º e a elevação real do topo da parede. Assim, por exemplo, algumas formigas foram colocadas a 20
cm de uma parede de 40 cm de altura. Nesse cenário a elevação do topo da parede certamente é muito
alta, e como previsto observou-se que as formigas gradualmente se moviam para longe da parede
conforme andavam, dessa forma reduzindo a elevação. Igualmente, formigas colocadas a 40 cm de
distância de uma parede de 20 cm de altura (elevação muito baixa) se moviam na direção da parede
conforme andavam. Assim parece que em ambos os casos as formigas poderiam usar o despareamento
entre a elevação que aprenderam e a que observam para corrigir seu curso.
Mamíferos e aves têm vários sinais que podem usar para estimar sua distância de um ponto de
referência. Além das propriedades da imagem retiniana que mostramos que as formigas usam, os sistemas
visuais dos membros desses grupos poderiam permitir que eles levassem em conta fatores como
convergência binocular e disparidade, paralaxe de movimento, e acomodação (a focalização automática
do olho). Contudo, surpreendentemente pouco se sabe sobre os meios pelos quais essas informações são
realmente usadas.
Além de seu trabalho com formigas da madeira, Thomas Collett e
seus colaboradores mostraram que gerbos podem usar o tamanho da
imagem retiniana para julgar distância. Para fazer isso eles treinaram
gerbos a viajar para um alimentador a uma distância fixa à frente de um
cilindro negro (o único ponto de referência proeminente no ambiente). Os
gerbos viajavam mais próximo da base antes de começar a procurar por
comida quando o cilindro foi substituído por um menor. Isso sugere que
estavam correspondendo o tamanho da imagem retiniana que tinham
aprendido com aquela que observavam. Mas quando o cilindro foi
substituído por um maior, os gerbos procuraram por alimento mais ou menos na mesma distância de sua
base do que durante o treinamento; isso mostra que outros sinais também foram utilizados. Se humanos
são submetidos a testes que são grosseiramente semelhantes àqueles usados por Collett para investigar o
uso do tamanho da imagem retiniana na estimativa da distância, resultados semelhantes foram obtidos.
Mas se pombos são testados, há pouca ou nenhuma evidência para sugerir que usem os mesmos sinais.

Usando Informações Espaciais a Partir de Múltiplos Pontos de Referência


Na realidade com certeza é altamente improvável que um ambiente irá conter um único ponto de
referência. Então deve existir a possibilidade de que os animais usem informações derivadas de uma
variedade de pontos de referência simultaneamente. Márcia Spetch e seus colaboradores realizaram vários
experimentos planejados para aumentar nossa compreensão da maneira pela qual várias espécies
poderiam usar esse tipo de informação.
Em um conjunto de experimentos, indivíduos foram treinados para procurar um objetivo (uma
posição em uma tela de toque) que tinha coordenadas fixas com relação a um conjunto de quatro objetos
na tela, e estava à mesma distância de cada um deles. Durante os testes as posições relativas desses
objetos foram alteradas e suas distâncias do centro do arranjo foram aumentadas. Os resultados mostram
que os humanos usam informações sobre a configuração dos vários objetos no arranjo para identificar as
posições dos quatro pontos de referência e para identificar a área de busca. Fazendo isso eles
corretamente procuram o objetivo no arranjo sem levar em conta as identidades dos objetos. Pombos, por
outro lado, não parecem usar as informações de configuração da mesma forma. Eles buscam em uma área
que está na direção correta a partir da posição de um dos objetos, e assim parecem usar informações de
configuração em vez de identidade do objeto para resolver esse componente do problema. Mas para
resolver o segundo componente do problema – onde realmente procurar – eles não usam. Não conseguem
levar em conta a expansão do arranjo e parecem ter aprendido que o objetivo está a uma distância fixa de
um componente do arranjo em vez de equidistante de cada um deles. Em testes semelhantes, gerbos usam
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as informações fornecidas por seu ambiente de maneira mais semelhante a aves do que a humanos.
Abelhas, por outro lado, inicialmente parecem resolver esses problemas de encontrar pontos de referência
e assim à primeira vista poderia se pensar que estivessem processando informações espaciais de maneira
semelhante aos humanos, mas a inspeção mais próxima dos dados sugere que os insetos não usam de fato
as informações de configuração. Em vez disso parece que tratam cada objeto no arranjo como sendo
independente dos outros.

Mapas Cognitivos
A capacidade de um animal de definir várias localizações dentro de seu ambiente e então integrar
essas informações é a base do mapa cognitivo. Animais que têm um mapa cognitivo são capazes de
projetar rotas por suas cercanias com base nas informações que armazenaram no mapa. Por exemplo,
ratos podem ser treinados a nadar em água opaca até a segurança de uma plataforma que está invisível
para eles porque sua superfície está abaixo daquela da água. Em um experimento envolvendo um desses
labirintos de água o rato é sempre colocado na água no mesmo local durante o treinamento e rapidamente
aprende a nadar uma rota muito direta para a plataforma. Então durante o teste um de dois parâmetros do
teste é alterado. Em alguns casos o rato é colocado na água em um novo local; em outro o rato é colocado
no local original, mas a plataforma é movimentada. Quando o rato é movimentado mas a plataforma
permanece no mesmo local, a rota é quase tão direta quanto durante o treinamento. Nesses experimentos
os ratos devem ter usado seus mapas cognitivos para deduzir a posição da plataforma. Mas veja o que
acontece quando a plataforma é mudada: os ratos eventualmente a encontram, mas apenas depois de
fazerem uma busca exaustiva da área em que esperavam encontrá-la com base em seu mapa.

MIGRAÇÃO

Como feitos de navegação, os comportamentos de retorno de longa distância de pombos são


certamente impressionantes. Mas na minha opinião os comportamentos mais notáveis de movimento
animal são as migrações em massa periódicas feitas por uma ampla variedade de espécies. As migrações
podem ser definidas como movimentos persistentes e muito diretos que levam indivíduos de um local
para outra localização claramente definida, e geralmente para um habitat diferente. Ao longo do caminho
outras motivações comportamentais (acasalamento por exemplo, e talvez até mesmo alimentação) são
geralmente suspensas. Um aspecto chave dos movimentos migratórios é que eles têm comportamentos de
partida e de chegada muito distintos. Os animais migram porque se beneficiam disso. Por exemplo, pode
permitir a eles escapar dos rigores do inverno ou permitir a eles se reproduzir em um ambiente seguro
e/ou particularmente produtivo. Mas há custos para a migração também. As jornadas geralmente longas
são árduas por si mesmas, e no mundo de hoje em rápida mudança a dependência não de um, mas de dois
habitats e possivelmente áreas de parada entre eles coloca a conservação de várias espécies em uma
posição de considerável preocupação.
No capítulo 3 eu mencionei que o início da migração está sob controle endógeno envolvendo a
ação combinada de sinais ambientais e ritmos internos. Neste capítulo gostaria de considerar brevemente
a jornada propriamente dita, e em particular a capacidade de indivíduos de chegar ao lugar certo.
Tartarugas verdes Chelonia mydas, salmões Onchorynchus nerka e toutinegras Sylvia atricapilla
podem parecer ter pouco em comum. Mas quando se trata de migração, enfrentam um problema
semelhante. Como navegam por milhares de quilômetros de terreno não familiar e então chegam em um
destino particular, e no caso de alguns indivíduos em retorno, dentro de metros de um local que usaram
no passado? Tente por um momento imaginar como deve ser desafiador fazer pesquisas nessa área. A
jornada da tartaruga envolve o movimento dos animais de um lado para outro por 2500 quilometros de
Oceano Atlântico aberto entre a costa do Brasil e a Ilha de Ascensão. Milhares de filhotes de salmão
devem deixar os rios de reprodução para cada peixe que finalmente retorna, tornando quase impossível
seguir o progresso de um indivíduo. E qualquer pesquisa em laboratório envolvendo esses animais deve
também levar em conta a transição fisiológica feita pelos animais conforme se mudam da água doce para
a água salgada e voltam novamente. Mas apesar dessas dificuldades foram feitos alguns avanços
impressionantes na nossa compreensão da migração.
Em termos da capacidade dos indivíduos de navegar por longas distâncias, parece improvável que
os animais usem os mesmos sinais durante os movimentos migratórios que usam durante outras formas de
navegação. Está bem documentado que o sol, as estrelas, e os campos de luz polarizada são usados como
compassos pelas aves. E sabe-se que os salmões usam seu olfato para volta para seus territórios de
desova. Quando se trata de encontrar uma localização muito específica em uma extremidade ou outra da
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jornada migratória, uma território que foi usado no ano anterior, por exemplo o reconhecimento de pontos
de referência locais, deve ser crucial.

Campos Magnéticos: Mapas ou Compassos?


Aves migratórias e tartarugas são capazes de sentir os campos magnéticos da terra e podem ser
capazes de usá-lo na navegação. Tartarugas jovens são certamente sensíveis a campos magnéticos
cambiantes no laboratório, mas experimentos recentes que envolveram prender imãs ao dorso de
tartarugas adultas migrantes e então monitorar seu progresso por satélite não conseguiram mostrar o
rompimento esperado em sua capacidade migratória. Nesse caso então poderia parecer que o sentido
magnético não é importante, ou que os animais são capazes de usar informações de uma variedade de
fontes diferentes.
As migrações anuais da ave australiana de olhos prateados
Zosterops l. lateralis entre os territórios tasmanianos de acasalamento e
seus territórios australianos podem contudo ser afetadas se o sentido
magnético da ave for corrompido. Quando Wolfgang Wiltschko e seus
colegas submeteram aves migratórias a um pulso magnético forte,
descobriram que o comportamento de orientação de seus animais diferiu
significativamente daquele de aves controles não tratadas. A partir desses
resultados pode ser tirada a conclusão de que aves de olhos prateados
adultas dependem de informações do campo magnético durante suas jornadas migratórias. Aqui eu digo
aves adultas porque experimentos anteriores usando aves jovens não produziram os mesmos resultados.
Parece que a idade do animal está ligada ao seu comportamento de orientação.
Com a idade supõe-se que vem a experiência. Migrantes adultos fizeram a jornada enquanto
jovens não. Essa diferença em experiência levou Wiltchko e sua equipe a sugerir que nesse caso as
informações do campo magnético são usadas como mapa em vez de como compasso. A lógica dessa
sugestão é a seguinte. As aves de teste adultas e as aves controles adultas estão familiarizadas com a
variedade de fatores de navegação em suas áreas de reprodução e não reprodução e ao longo da rota
migratória entre elas. Tiveram então ampla oportunidade de desenvolver completamente um mapa de
navegação, que supostamente inclui algumas informações sobre gradientes magnéticos em seu ambiente.
Os jovens, por outro lado, tiveram pouca experiência sobre sua área de partida e nenhuma experiência
sobre a rota migratória ou o destino. Como conseqüência não se esperaria que tivessem desenvolvido um
mapa e devem em vez disso depender de informações inatas para determinar sua direção migratória. O
fato de que os jovens não foram afetados pelo pulso magnético sugere que ele não afeta o sentido de
compasso. O efeito que ele tem nas aves adultas deve portanto estar afetando seu sentido de mapa.

A Genética da Migração
A discussão anterior sugere que há componentes inatos à navegação migratória. Evidências
adicionais de que esse certamente é caso vêm do trabalho muito impressionante sobre o comportamento
migratório de populações da toutinegra européia (Sylvia atricapilla) realizado por Peter Berthold e
Andréas Helbig. Discretas populações reprodutivas dessas toutinegras migram para territórios discretos
de invernada. Toutinegras húngaras, por exemplo, migram através dos Bálcãs e Turquia para invernar no
leste da África enquanto populações alemãs geralmente migram pela Espanha para invernar no oeste da
África. Eu digo geralmente porque em anos recentes uma subpopulação de toutinegras alemãs começou a
invernar na Grã-Bretanha (as toutinegras da Grã-Bretanha migram para o oeste da África). Prender
toutinegras na Grã-Bretanha durante o inverno e anilhá-las para permitir a relocalização das aves em seus
territórios de reprodução revelou que essa população se originou em uma região particular da Alemanha
central. Berthold comparou a orientação migratória dessas aves da Alemanha central com aves alemãs do
sudoeste em gaiolas em funil, e descobriu que as aves da Alemanha central se orientavam para o oeste em
direção à Grã-Bretanha enquanto as aves alemãs do sudoeste se orientavam para a Espanha. Além do
mais, a prole de ambos os grupos de aves, sem ter tido experiência migratória prévia, se orientava na
direção favorita de sua população. Assim, parece que no caso das toutinegras a orientação migratória é
herdada pela prole.
Andréas Helbig realizou experimentos de cruzamento seletivo para demonstrar adicionalmente
esse componente genético da orientação migratória. Ele pegou aves de populações alemãs que migram
pela Espanha e populações austríacas que migram pela Turquia. Quando pareou aves de acordo com sua
população de origem, descobriu que sua prole se comportava do modo esperado e se orientava nas
mesmas direções que seus pais. Mas veja o que aconteceu quando ele criou “híbridos” cruzando aves
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alemãs e austríacas: eles preferiram uma direção intermediária entre aquelas dos genitores. Assim, os
híbridos devem herdar uma mistura de genes parentais que faz alguns deles migrarem da maneira alemã, e
alguns da maneira austríaca, mas em média se comportamento de maneira intermediária.

APLICAÇÃO: O ENGODO DAS LUZES BRILHANTES

Quando emergem de seus ninhos, as tartarugas correm para o mar. É importante que cheguem lá
logo que possível porque se ainda estiverem na praia quando o sol nascer serão presas fáceis para vários
predadores e também estarão vulneráveis à desidratação. Sabemos há algum tempo como elas se orientam
para o mar. Tartarugas jovens exibem uma fototaxia positiva forte – são conduzidas para fontes de luz
brilhante. Em uma praia o horizonte natural mais brilhante desde a perspectiva de uma tartaruga recém-
eclodida é sempre na direção do mar. Mas depois de milhões de anos de direcionamento bem-sucedido
para o mar, as tartarugas hoje enfrentam um problema real – fotopoluição antropogênica. Hoje, as fontes
mais brilhantes de luz em uma praia provavelmente não são as naturais. Mais provavelmente, são um
reflexo urbano, iluminação de estrada, ou uma fogueira de praia abandonada. A fotopoluição resulta em
desorientação e no comprometimento da capacidade da tartaruga de encontrar o mar. Muitas tartarugas
recém-eclodidas são comumente desviadas para rodovias onde são atropeladas, ou queimadas em
fogueiras abandonadas, ou se perdem e ficam exaustas nas dunas atrás da praia. Apenas na Flórida
estima-se que aproximadamente um milhão de tartarugas sucumba ao engodo das fontes não naturais de
luz a cada ano.
O que pode ser feito para melhorar essa situação? Realizando estudos comportamentais
envolvendo testes de escolha, Balir Witherington estabeleceu que tartarugas respondem mais fortemente a
alguns comprimentos de onda do que a outros. A maioria das espécies que ele testou mostrou alguma
aversão a luz mais amarela mas forte atração para luz azul. Assim, um passo prático que poderia ser
tomado seria assegurar que as luzes próximo das praias fossem amarelas.
Outras medidas que poderiam ser tomadas envolvem a proteção das tartarugas contra as fontes de
luz. O uso aumentado de iluminação direcional angulada para longe das praias poderia ajudar nisso. No
caso do reflexo de uma cidade distante, o manuseio das dunas para manter sua altura e sua vegetação
pode ser altamente eficiente. As tartarugas são também mais atraídas para uma fonte de luz constante do
que para uma intermitente. Para ajudar nisso a iluminação convencional ao longo dos caminhos para as
praias de desova das tartarugas na Austrália foram trocadas por luzes que piscam.

Traduzido de:
SCOTT, Graham. Essential Animal Behavior. Oxford: Balckwell Publishing, 2005.

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