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1.

ESTADO DE TENSÃO

1.1. INTRODUÇÃO

Sobre qualquer corpo situado no seio da crusta terrestre actuam forças que tenderão a
deslocá-lo, a deformá-lo ou a fracturá-lo: o corpo está sujeito a um estado de tensão.

As forças actuantes podem ser de dois tipos:

i. Forças distribuídas, i.e., forças que actuam em todos os pontos de um corpo e que
resultam da situação desse corpo num campo de forças tal como um campo gravitacional ou um
campo electromagnético;

ii. Forças externas, i.e., forças que pressupõem uma superfície externa em que se
aplicam, no corpo onde actuam.

A estas últimas forças associa-se a noção de tensão, grandeza que melhor exprime a
importância das forças exercidas sobre o corpo actuado. Efectivamente, observando a Fig.1.1,
intuitivamente, se tem a noção de que a força exercida sobre o corpo A terá um efeito menor
sobre esse corpo que o produzido por igual força no corpo B. A disparidade dos
comportamentos resulta das diferentes áreas das superfícies de aplicação da força actuante.

Fig.1.1- Noção intuitiva da noção de tensão versus força (v. texto).

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Uma tensão define-se como sendo a força exercida por unidade de área. No Anexo I,
dá-se uma tabela de conversão das unidades de tensão correntemente encontradas na literatura
geológica. Actualmente, as unidades mais frequentemente usadas são, em tectonofísica, o
megapascal (1MPa =106 Pa) ou o gigapascal (1GPa =109 Pa) e, em textos mais gerais, o
quilobar (1kbar =103 bar). Como se depreende daquele quadro, 1kbar = 102 MPa.

Para que o estado de tensão de um corpo fique perfeitamente determinado, é


necessário definir o estado de tensão em todos os pontos desse corpo. Por sua vez, para definir
o estado de tensão num dado ponto do corpo, é necessário conhecer as tensões actuantes em
todos os planos (facetas) que passam por esse ponto. Mas, como veremos, é suficiente
conhecer as tensões exercidas em três quaisquer facetas normais entre si, que contenham o
ponto considerado.

1.2. DEFINIÇÃO E NOTAÇÃO DAS COMPONENTES DE TENSÃO

Seja δF a resultante das forças actuantes num ponto O de um dado corpo (Fig.1.2.).
Sendo δA a área de um elemento de superfície plano (faceta) centrado em O, a tensão nesse
ponto, através da faceta considerada, é definida como sendo:

δF
pON = lim (1.1)
δA=0
δA

A força actuante δF é, habitualmente, decomposta em duas componentes: uma normal


(δFn), segundo a direcção da normal ON à faceta; outra, tangencial (δFt), dita de corte, actuante
ao longo da própria faceta. Correspondentemente, define-se uma tensão normal, representada
habitualmente pela letra grega sigma (σ), e uma tensão de corte, representada habitualmente
pela letra grega tau (τ):

δFn
δF = δFn + δFt ⇒ σ = lim (1.2)
δA=0 δA
δFt
⇒ τ = lim (1.3)
δA=0 δA

N N

9
δF δF
δFn
δA O δA O
δFt

a. b.
Fig.1.2- a) Força δF actuante numa faceta normal a ON e de área δA
b) Decomposição de δF segundo a normal à faceta (δFn) e tangencialmente à faceta (δFt)

A fim de caracterizar o estado de tensão num ponto torna-se necessário definir um


referencial. Na maioria dos casos, adopta-se um referencial cartesiano.
Seja um referencial cartesiano, [XYZ], cuja origem coincide com o ponto considerado, O,
e em que OZ é normal ao elemento de superfície (Fig.1.3- a).
A força (vector δF) será decomposta em três componentes: uma, normal à faceta, e
duas que se orientam tangencialmente e que resultam da decomposição da componente
tangencial δFt segundo os eixos OX e OY.
Como o eixo coordenado OZ coincide com a normal à faceta, designaremos a
componente normal δFn por δFz; das duas componentes tangenciais, a actuante segundo OX

será designada por δFzx e a que actua segundo OY, por δFzy. Como se vê, nesta notação, o
primeiro subíndice numa componente de corte indica a direcção da normal à faceta e o segundo
subíndice especifica a direcção de actuação da força tangencial.

TO = δFt Z
UO = δFzx
VO = δFzy δF δFzy
O V
Y
δA V Y
δFz
O δFt δFzx δFt
U T
U
T

X
X
a. b.

Fig.1.3- a) Decomposição de δF em δFZ e δFt e desta, por sua vez, em δFzx e δFzy.
b) Pormenor de a), ilustrando a decomposição de δFt no plano da faceta
OZ é a normal à faceta e [XYZ] é o referencial cartesiano adoptado.

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Dada esta decomposição da força actuante na faceta considerada, a definição das
correspondentes componentes do estado de tensão em O, através dessa faceta, far-se-á de
acordo com as seguintes equações (v. Fig.1.3):

δF = δFZ + δFt (1.4a)

δF = δFz + (δFzx + δFzy) (1.4b)

δFz
σ z = δA=0
lim (1.5)
δA

τzx = lim δFzx (1.6)


δA=0 δA
δFzy
τzy = lim (1.7)
δA=0
δA

Analogamente, a tensão no ponto O, através da faceta normal a OX, terá as


componentes:
σx τxy τxz

e a tensão no mesmo ponto, através da faceta normal a OY, terá as componentes:

σy τyx τyz

As nove componentes, acabadas de definir, descrevem o estado de tensão no ponto O


do corpo considerado. Para simplificar, discriminam-se os valores dessas componentes segundo
um esquema fixo, ou seja, mediante uma matriz 3x3, cujos elementos se dispõem, sempre,
como seguidamente se indica:

σx τxy τxz

τyx σy τyz (1.8)

τzx τzy σz

Conhecida esta matriz, é possível determinar as componentes normal e de corte da


tensão actuante no ponto O, através de qualquer faceta, cuja orientação relativamente ao
referencial [XYZ] seja conhecida.

Z
σz σx

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τxy
τzy
τzx
τyz τyx
τxz O Y
σY σY σY
τxy τyx τyx
σx Y

τxy

X X σx
a. b.
Fig.1.4- a) Cubo de aresta infinitesimal, orientado segundo o referencial cartesiano adoptado, [XYZ]. As tensões
actuantes
nas suas faces correspondem às nove componentes do estado de tensão em O (centro do cubo)
b) Representação da faceta normal a Z, indicando-se as tensões exercidas nas quatro facetas paralelas a Z.

As nove componentes do estado de tensão num ponto são facilmente visualizáveis,


considerando um cubo infinitesimal centrado nesse ponto e cujas arestas sejam as direcções
dos eixos coordenados: as componentes normais actuam perpendicularmente às faces do cubo
enquanto que as componentes de corte actuam tangencialmente a essas faces e segundo as
direcções das arestas do cubo (Fig.1.4).1

Se se admitir que o corpo (e, portanto, o elemento cúbico representado na Fig.1.4.) não
se move, os momentos criados pelas forças actuantes (as quais ocasionariam rotações em torno
de OX, OY e OZ) deverão anular-se, ou seja,
Forçaij x braço − Forçaji x braço = 0

Para que não haja, por exemplo, uma rotação do cubo em torno de Z (v. Fig. 1.4-b), ter-se-á:

(τxy x a2) x a /2 − (τyx x a2) x a /2 = 0

sendo a a medida da aresta do cubo.


Conclui-se que
τxy = τyx (1.9a)

1
Note-se que, sendo o cubo infinitesimal, o seu centro e os seus vértices confundem-se num ponto único (o ponto O,
cujo estado de tensão se pretende descrever).

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Analogamente, para obstar rotações do cubo em torno de X e de Y, concluiremos que
τzy = τyz e τxz = τzx (1.9b,c)

Conclusão: a matriz que descreve o estado de tensão num ponto de um corpo em


repouso é simétrica, havendo apenas seis componentes distintas:

σx τxy τxz

τxy σy τyz (1.10)

τxz τyz σz

1.3. TENSÕES PRINCIPAIS

Os valores assumidos pelas componentes do estado de tensão de um ponto de um


corpo (i.e., os valores dos elementos da matriz 1.10) dependem do referencial adoptado, ou seja,
da orientação do cubo infinitesimal ilustrado na Fig.1.4.
Demonstra-se que, qualquer que seja o estado de tensão num ponto, é sempre possível
orientar aquele cubo, de tal forma que nas suas faces só actuem tensões normais, anulando-se
as tensões de corte. Essas tensões normais designam-se por tensões principais e,
habitualmente, simbolizam-se por σ1, σ2 e σ3 . Por convenção,

σ3 ≤ σ2 ≤ σ1

Poderemos, então, definir tensão principal como sendo uma tensão normal exercida
sobre uma faceta onde a componente de corte é nula.2
Portanto, se o referencial adoptado for tal que os eixos tenham as direcções das tensões
principais (que são, sempre, três direcções perpendiculares entre si), a matriz que descreve o
estado de tensão será da forma:

σ1 0 0

0 σ2 0 (1.11)

0 0 σ3

2
A recíproca também é verdadeira.

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Naturalmente, o estado de tensão num ponto pode ser definido recorrendo a qualquer
referencial cartesiano. Contudo, a forma mais simples de o fazer é através das tensões
principais, como decorre da comparação das matrizes 1.10 e 1.11.

Também é obvio que o estado de tensão num ponto é independente do referencial


adoptado. Tal implica que entre as seis componentes da matriz 10.10 e as três componentes da
matriz 10.11 se estabelecem relações bem determinadas. Tais relações designam-se por
invariantes do estado de tensão e, considerando os números de componentes acima referidos,
concluir-se-á que se definem três invariantes. Pode demonstrar-se que tais invariantes são:

J1 = σ1 + σ2 + σ3 = σx + σy + σz (1.12a)

J2 = σ1 σ2 + σ1 σ3 + σ2 σ3 = σx σy + σx σz + σx σz − τxy2 − τxz2 − τyz2 (1.12b)

J3 = σ1 σ2 σ3 = σx σy σz + 2 τxy τxz τyz − σx τyz2 − σy τxz2 − σz τxy2 (1.12c)

Portanto, diferentes matrizes da forma 1.10 e uma matriz da forma 1.11 descreverão o
mesmo estado de tensão num ponto se (e só se) os elementos dessas matrizes satisfizerem as
três equações, 1.12a, b, c.

1.4. SINAIS CONVENCIONAIS DAS TENSÕES

Uma tensão normal pode ser compressiva ou pode ser tractiva. A distinção deste
carácter faz-se mediante a atribuição de um sinal convencional, de mais (valor positivo) ou de
menos (valor negativo). A convenção adoptada varia de autor para autor e, frequentemente,
consoante a natureza do problema em causa.

Em Mecânica das Rochas, onde os estados de tensão decorrem, predominantemente,


da actuação de forças compressivas, a convenção adoptada é a seguinte:

tensões normais compressivas são positivas;


tensões normais tractivas são negativas.

Tratando-se das tensões principais, σ1 representará a máxima compressão (ou mínima

tracção) e σ3 representará a mínima compressão (ou a máxima tracção).

Em Elasticidade e, em geral, quando há necessidade de relacionar estados de tensão


com estados de deformação, porque às tracções correspondem alongamentos positivos e às
compressões correspondem contracções (alongamentos negativos), a convenção mais
conveniente é a oposta da anterior, isto é:

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tensões normais compressivas são negativas;
tensões normais tractivas são positivas.

Então, σ1 representará a máxima tracção (ou mínima compressão) e σ3 representará a


mínima tracção (ou a máxima compressão).

Ao ler qualquer trabalho, deve-se, pois, ter em conta a convenção de sinais adoptada.
Em Geologia Estrutural, encontram-se exemplos de ambas as notações, mas, em
trabalhos de índole geral e em Tectónica, a convenção mais frequente é a adoptada em
Mecânica das Rochas.
Para se passar de uma convenção para outra, e tratando-se de tensões principais, todas
as tensões mudarão de sinal e σ1 e σ3 trocarão entre si.
As tensões de corte subordinam-se, também, a uma convenção de sinal, consoante o
sentido da sua actuação. Em Mecânica das Rochas, uma tensão de corte é considerada positiva
quando dirigida para a esquerda da normal (vista da faceta para fora) à faceta em que actua
(Fig.1.5).

σ + va σ − va
τ + va τ − va
a. b.

Fig.1.5- Convenção de sinais mais comum em Mecânica das Rochas: em a) as componentes normal e de corte
são positivas; em b) as mesmas componentes são negativas.

1.5. TENSÕES ACTUANTES NUMA FACETA DE ORIENTAÇÃO CONHECIDA

Definido o estado de tensão num ponto, é possível determinar as componentes normal e


de corte actuantes nesse ponto, através de qualquer faceta, cuja orientação relativamente ao
referencial adoptado seja conhecida. Em geral, por se tornar mais simples, esse referencial
corresponde às três direcções principais do estado de tensão (i.e., às direcções das tensões
principais, σ1, σ2 e σ3). Esse problema, ilustrado na Fig.1.6, pode ser resolvido analiticamente,
recorrendo a fórmulas. Vamos, porém, fazê-lo mediante uma construção geométrica.
Antes, relembremos como se pode definir a atitude um plano relativamente a um
referencial cartesiano (Fig.1.6). A atitude de um plano será definida pelos ângulos (φ1, φ2 e φ3)
que a sua normal (ON) define com os eixos coordenados. Em vez destes ângulos, há vantagem,

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do ponto de vista analítico, em usar os chamados co-senos directores da normal ao plano. Eles
designam-se pelas letras l, m e n, definindo-se assim:

l = cos φ1 m = cos φ2 n = cos φ3 (1.13)

Entre os co-senos directores de qualquer recta verifica-se a seguinte relação:

l2+m2+n2=1 (1.14)

Z (σ3)

σ
φ3
φ1
τ
φ2
O

Y
(σ2)
X (σ1)

Fig.1.6- Tensão normal (σ) e tensão de corte (τ) actuantes numa faceta que passa pelo ponto O.
A orientação da faceta relativamente aos eixos coordenados é definida pelos ângulos φ1, φ2 e φ3

Antes de abordarmos a situação geral de um estado de tensão triaxial (como tem vindo
a ser feito), comecemos por considerar uma situação a duas dimensões. Na verdade, o estado
de tensão num ponto, frequentemente, é independente de uma das três direcções principais.
Nesse caso, os problemas tornam-se bidimensionais e, portanto, mais simples. Além da sua
possível aplicabilidade na prática, a consideração de estados de tensão bidimensionais tem
interesse didáctico, pois permite, por generalização dos conceitos, compreender mais facilmente
a situação geral de estados de tensão triaxiais.

16
1.5.1. Estado de tensão bidimensional
Neste caso, em vez do cubo descrito na Fig.1.4, bastará considerar um elemento
infinitesimal quadrangular, centrado em torno do ponto considerado (Fig.1.7).

Y Y
65

26
26 σ2 = 20
O O
35 X X

σ1 = 80
a. b.

Fig.1.7- Estado de tensão bidimensional num ponto O. (Tensões em MPa)


a) Descrito com um referencial cartesiano geral b) Descrito relativamente às direcções principais.

Nesta situação, há a considerar apenas duas tensões principais e as matrizes 10.10 e


10.11 tomam as formas, respectivamente,
σx τxy σ1 0
e (1.15)
τxy σy 0 σ2

Agora, também surgem invariantes do estado de tensão, mas que se reduzem a duas:

J 1 = σ1 + σ2 = σ x + σy (1.16a)

J2 = σ1 σ2 = σx σy − τxy2 (1.16b)

O problema enunciado − determinação do estado de tensão num ponto, através de uma


dada faceta − está ilustrado na Fig.1.8 (compare-se com a Fig.1.6).

Y (σ2 )

N
σ
τ
O X (σ1 )

Fig.1.8- Considerada uma faceta que passa por O, de orientação conhecida relativamente às direcções das tensões
principais, é possível determinar a componente normal (σ) e a componente de corte (τ ) actuantes nessa faceta.

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Como ficou dito, vamos adoptar uma resolução geométrica, a qual passa pela definição
do chamado diagrama (ou círculo) de Mohr.

1.5.1.1. Diagrama de Mohr a duas dimensões

A Fig.1.9 ilustra o diagrama de Mohr aplicável a uma situação bidimensional.

σ2

φ P N

τ τ φ
O σ1

τP P


0 σ2 σ1 0 σ2 σP σ1
½(σ1+σ2) ½(σ1-σ2)

Fig.1.9- a) Definição do círculo de Mohr b) Resolução da situação ilustrada: o ponto P representa a faceta normal
a ON e as suas coordenadas (τP e σP) são as componentes, normal e de corte, nela actuantes.

No diagrama, os eixos coordenados são o eixo das tensões normais (em abcissas) e o
eixo das tensões de corte (em ordenadas), perpendiculares entre si e graduados nas mesmas
unidades de tensão. A origem corresponde a valores nulos daquelas componentes. A
circunferência tem o seu centro sobre o eixo das abcissas e intersecta esse eixo em dois pontos,
correspondentes aos valores de σ1 e de σ2 .3 Portanto, o raio da circunferência de Mohr é igual
a ½(σ1 − σ2).
Para determinar as componentes do estado de tensão numa faceta, cuja normal defina
um ângulo igual a Φ com σ1 , marca-se um ângulo igual a 2 Φ , a partir do ponto (σ1,o). O ponto
da circunferência de Mohr obtido (P, na Fig.1.9) representará a faceta considerada e as suas
coordenadas (τP e σP ) são as componentes pretendidas.
Dada a simetria do diagrama de Mohr, habitualmente, só se traça uma
semicircunferência, pelo que o eixo das ordenadas dá, apenas, os valores absolutos das

3
Note-se que, por convenção, σ2 ≤ σ 1

18
tensões de corte. O sentido de uma tensão de corte, então calculada, obter-se-á, atendendo ao
critério descrito na Fig.1.10.

σ1 σ2

Fig.1.10- Na faceta F, o sentido das componentes de corte é o da convergência para O, nos sectores
bissectados por σ1 , e o da divergência a partir de O, nos sectores bissectados por σ2. (N.B.:
pressupõe-
se a convenção de que as tensões normais positivas são compressivas)

Do diagrama de Mohr poderá concluir-se que, num estado de tensão bidimensional, a


tensão de corte máxima (e o sinal é irrelevante, pois apenas traduz um sentido) ocorre nas duas
facetas orientadas a 45º das direcções principais (Fig. 1.11). Conclui-se, ainda, que esse valor
máximo é igual ao raio da circunferência de Mohr, ou seja,
½ (σ1 − σ2) (1.17)

σ2
τ F1
F1’ F1 σ=½(σ1+σ2)
½(σ1−σ2)
τ=½(σ1−σ2)
0 σ1
τ=−½(σ1−σ2)
F2
σ=½(σ1+σ2)
σ2 0 σ2 σ1 σ1 σ

−½(σ1−σ2) F2’ F2

Fig.1.11- Diagramas de Mohr que descrevem dois estados de tensão distintos. Em qualquer dos casos, a tensão de
corte máxima ocorre através das facetas (F1 e F2) orientadas a 45º das direcções das tensões principais.
O seu valor também é o mesmo, pois, neste caso, (σ1 − σ2) é constante.

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1.5.2. Diagrama de Mohr (estado de tensão triaxial)

O diagrama de Mohr definido para estados de tensão bidimensionais pode ser estendido
a situações triaxiais.
As componentes do estado de tensão observadas numa faceta que contenha uma das
direcções principais podem ser determinadas, recorrendo a um diagrama de Mohr bidimensional
(Fig.1.12). Por exemplo, se uma faceta contém σi , as componentes de tensão nela actuantes
podem ser determinadas sobre a circunferência de Mohr σj − σk (i, j, k =1, 2, 3).

τ
Cada ponto P da circunferência
representa uma faceta que contém
σ1 e cuja normal define um ângulo
P φ1 com σ2 (ou seja, 90º− φ1 com σ3).
2φ1
0 σ3 σ2 σ

τ Q
Cada ponto Q da circunferência
representa uma faceta que contém
σ2 e cuja normal define um ângulo
φ2 com σ1 (ou seja, 90º− φ2 com σ3).
2φ2
0 σ3 σ1 σ

τ
Cada ponto R da circunferência
representa uma faceta que contém
σ3 e cuja normal define um ângulo
R φ3 com σ1 (ou seja, 90º− φ3 com σ2).
2φ3
0 σ2 σ1 σ

Fig.1.12- Diagramas de Mohr que descrevem os estados de tensão bidimensionais, ocorrentes em cada um dos
planos principais (σ1−σ2, σ2−σ3 e σ1−σ3) de um estado de tensão triaxial

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Demonstra-se que diferentes facetas com uma inclinação constante relativamente, por
exemplo, à direcção de σ3 (ou seja, a cujas normais corresponde um valor fixo do co-seno
director n), corresponderão, no diagrama de Mohr, a circunferências concêntricas com a
circunferência σ1 − σ2 (a qual corresponde ao lugar geométrico dos pontos representativos de
facetas, cujas normais tenham um co-seno director n = 0).
Analogamente, o traçado de circunferências concêntricas à correspondente a l = 0
(circunferência σ3 − σ2 ) permite definir facetas a inclinações constantes de σ1 , enquanto que
circunferências concêntricas à correspondente a m = 0 (circunferência σ3 − σ1 ) permite definir
facetas a inclinações constantes de σ2 (Fig.1.13).

τ
τ 0>n>1
0>l>1

n=0

l=0

0 0 σ3 σ2 σ
σ2 σ1 σ

Fig.1.13- (V. texto).

Juntando, num mesmo diagrama, os três círculos de Mohr, obtém-se o diagrama


aplicável a um estado de tensão triaxial (Fig.1.14).

0 σ3 σ2 σ1 σ

Fig.1.14- Diagrama de Mohr aplicável a estados de tensão triaxiais. Só pontos da área sombreada representam
2 2 2
facetas, pois a todos os outros pontos do diagrama corresponderia uma soma l +m +n = 1

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Dado que os co-senos directores (l, m e n ) de qualquer recta (referida a eixos
rectangulares) são tais que l 2+ m 2+ n 2
= 1, o ponto representativo de uma dada faceta (cuja
orientação é definida pelos ângulos que a sua normal define com as três direcções principais, ou
pelos correspondentes co-senos directores) cai sempre dentro do domínio sombreado na
Fig.1.14.
O ponto do diagrama correspondente a uma dada faceta pode ser determinado, desde
que se conheçam dois dos co-senos directores da sua normal (uma vez que sendo l2+m2+n2
igual a 1, basta conhecer dois deles para que o terceiro fique determinado, em valor absoluto).
Ou seja, basta conhecer dois dos ângulos que a normal essa faceta define com as direcções
principais.
Na prática, depois de ter traçado o diagrama de Mohr, para determinar o ponto
representativo de uma dada faceta, procede-se da seguinte maneira (Fig.1.15):

Z (σ1)
N φ1 = NÔX ; l = cos φ1
φ2 = NÔY ; m = cos φ2
σP φ3 = NÔZ ; n = cos φ3

τP ( l2 + m2 + n2 = 1 )
O Y (σ2)
P

X (σ3)

Fig.1.15- Construção de Mohr para a determinação da tensão normal (σP) e da tensão de corte (τP) ocorrentes numa
faceta
com a orientação ilustrada, para um estado de tensão, no ponto O, definido por σ1, σ2 e σ3, dados.

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i. Define-se um arco igual ao dobro do ângulo que a normal à faceta define com σ1 ,
sobre a circunferência σ1 − σ2 (obtendo-se o ponto A), ou sobre a circunferência σ1 − σ3
(obtendo-se o ponto B), sendo esse arco medido a partir do ponto de abcissa σ1 ;

ii. Traça-se, a partir de A (ou de B) um arco de circunferência concêntrico com a


circunferência correspondente a l =0 (circunferência σ2 − σ3);

iii. Define-se, a partir do ponto de abcissa σ3, um arco igual ao dobro do ângulo que a
normal à faceta define com σ3 , sobre a circunferência σ3 − σ2 (obtendo-se o ponto C), ou sobre a
circunferência σ3 − σ1 (obtendo-se o ponto D);

iv. Traça-se, a partir de C (ou de D) um arco de circunferência concêntrico com a


circunferência correspondente a n = 0 (circunferência σ2 − σ1);

O ponto de intersecção dos dois arcos traçados em ii. e iv. (ponto P, na Fig.1.15) é o
ponto representativo da faceta considerada e as suas coordenadas são as componentes (normal
e de corte) do estado de tensão em O, segundo aquela faceta.

Naturalmente, o ponto P poderia ser confirmado pelo traçado do arco concêntrico à


circunferência σ2 − σ1 , correspondente ao valor do co-seno director m da normal à faceta. Esse
traçado seria feito em moldes análogos aos descritos acima, sendo o ângulo 2Φ2 marcado a
partir de σ2.

1.6. PLANOS DE MÁXIMA TENSÃO DE CORTE

Da construção de Mohr (Fig.1.16) é evidente que, qualquer que seja o estado de tensão
triaxial, a tensão de corte máxima ocorre segundo as duas facetas que se intersectam segundo a
direcção de σ2 e que bissectam as direcções de σ1 e σ3 .

Verifica-se que essa tensão máxima é:

τmáx = ½ (σ1 − σ3) (1.18)

e, ainda, que a tensão normal exercida nessas duas facetas é igual a

½ (σ1 + σ3)

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Fig.1.16- Facetas onde ocorrem máximos relativos de tensão de corte.

1.7. ESTADOS DE TENSÃO ESPECIAIS

Na Fig.1.17 descrevem-se através diagramas de Mohr vários casos particulares de


estados de tensão, que correspondem a situações frequentes, naturais ou laboratoriais.

τ UNIAXIAIS τ

σ3=σ2=0 σ1 σ σ3 σ1=σ2=0 σ

τ BIAXIAIS τ τ

σ3=0 σ2 σ1 σ σ3 σ2=0 σ1 σ3 σ2 σ1=0 σ

τ τ
CORTE PURO COMPRESSÃO HIDROSTÁTICA

σ3=−σ1 σ2=0 σ1 σ 0 σ1=σ2=σ3 σ


Fig.1.17- (V. texto)

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Definem-se as seguintes situações de estados de tensão:
i. Uniaxiais (Fig.1.17a,b): duas das tensões principais são nulas; podem ser
compressivos (σ1>0) ou tractivos (σ3<0);
ii. Biaxiais (Fig.1.17c): uma (e só uma) das tensões principais é nula; um caso particular
− dito de corte puro − corresponde à situação em que σ2=0 e σ1=|σ3| (Fig.1.17d):
iii. Hidrostáticos (Fig.1.17e): as três tensões principais são iguais; um estado hidrostático
pode ser compressivo (situação de um corpo no seio de um líquido) ou tractivo (análogo à da
situação de enchimento de um balão).

1.8. TENSÃO MÉDIA E TENSÃO DEVIATÓRICA

Num estado de tensão hidrostático, como se vê no diagrama de Mohr que o representa


(Fig.1.18-d), a tensão normal que actua sobre uma faceta é independente da orientação dessa
faceta e a concomitante tensão de corte é, permanentemente, nula. O efeito de tal estado de
tensão é o de ocasionar dilatação (aumento ou diminuição de volume) sem que haja distorção do
corpo.
Num estado de tensão não-hidrostático (biaxial ou triaxial) é sempre possível considerar
duas componentes:

i. Uma causadora de variação de volume - componente hidrostática - definida por uma


tensão média,
σ = 1/3 (σ1 + σ2 + σ3 ) (1.19)

ii. Outra, causadora de distorção - componente deviatórica - dada pela diferença entre a
componente normal total e o valor da componente hidrostática.

Assim, a tensão normal (σ ) actuante segundo uma faceta pode ser decomposta em
duas partes:
− tensão hidrostática, σ ;4

− tensão deviatórica, σ' = σ − σ (1.20)

Analogamente, segundo as três direcções principais de um estado de tensão, poderão


definir-se três tensões deviatóricas principais:

σ 1 ' = σ1 − σ σ 2 ' = σ2 − σ e σ 3 ' = σ3 − σ (1.21)

4
Alguns autores designam-na por tensão isotrópica.

25
Passar-se de um estado de tensão (real) para o estado de tensão deviatórico
corresponde, do ponto de vista da construção de Mohr, a uma translação das circunferências
desse diagrama, ou seja, modificam-se os valores das tensões normais actuantes nas facetas,
mas não os das tensões de corte. Este resultado é, de resto evidente, se atendermos à
inexistência de tensões de corte nos estados de tensão hidrostáticos.
Em termos gerais, a decomposição acima referida traduz-se pela seguinte
decomposição da matriz 1.8

σx τxy τxz σ 0 0 σ'x τxy τxz

τyx σy τyz = 0 σ 0 + τyx σ'y τyz (1.22)

τzx τzy σz 0 0 σ τzx τzy σ'z

Repare-se que, de acordo com (1.12a),

σ = J1 /3 = (σx + σy + σz)/3 (1.24)

e que, atendendo a (1.19) e (1.20),

(σ'x + σ'y + σ'z) = (σ'1 + σ'2 + σ'3) = 0 (1.25)

A componente deviatórica está relacionada com a deformação permanente dos


materiais e, em geodinâmica, é particularmente importante em problemas de cedência e fluxo
das rochas.

1.9. TENSÃO LITOSTÁTICA

Uma hipótese corrente em Geologia, válida como uma primeira aproximação, é a de que
um corpo no seio da crusta terrestre está sujeito a um estado de tensão hidrostático, designado
por tensão litostática.5 Ela resulta do peso das rochas sobrejacentes, equivalendo ao peso de
uma coluna cilíndrica de altura z (profundidade a que se situa o corpo considerado) e de base
com uma área unitária. O seu valor é dado por

pz = ∫ ρ(z) g dz (1.26)

em que ρ (z) exprime a variação da densidade das rochas com a profundidade z e g é a


aceleração da gravidade.

5
Este estado de tensão litostático foi designado por Anderson, ao considerar a formação de falhas, por estado standard.

26
Sendo ρ(z) praticamente constante e igual a um valor médio ρ, aquela expressão toma a
forma
pz = ρ g z (1.27)

Fazendo
g = 981 cm.s-2 ≅ 1000 cm.s-2
conclui-se que
pz ≅ 10 ρ z MPa (z, km) (1.28)

Finalmente, considerando um valor médio de ρ como sendo 2,4 g.cm-3


teremos

pz ≅ 24 z MPa (z, km) (1.29)

1.10. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO ESTADO DE TENSÃO NUM PONTO

1.10.1. Elipsóides de tensão

O estado de tensão num ponto pode ser descrito pela quádrica de tensão de Cauchy, a
qual, referida às direcções principais do estado de tensão é expressa pela equação
σ1 x2 + σ2 y2 + σ3 z2 = ± k2

em que k é uma constante arbitrária . Sendo as tensões principais todas compressivas ou todas
tractivas, aquela superfície é um elipsóide de semieixos iguais a k/√σ1 , k/√σ2 , k/√σ3 .
Em Geologia, frequentemente, em vez do elipsóide de Cauchy usa-se o elipsóide de
tensão de Lamé, que difere daquele por os semieixos (definidos também ao longo das direcções
principais) serem iguais a σ1 , σ2 , σ3 (Fig.1.18).

σ3
σ2 σ1

Fig.1.18- Elipsóide de tensão de Lamé

27
Um elipsóide de tensão, tal como um diagrama de Mohr, descreve o estado de tensão
num ponto. A completa descrição do estado de tensão num corpo requer a especificação do
estado de tensão em todos os seus pontos. Assim, a especificação do elipsóide de tensão para
cada ponto desse corpo dá uma imagem clara da variação do estado de tensão (em grandeza e
orientação) de ponto para ponto desse corpo.

Em muitos casos, porém, é suficiente uma descrição meramente qualitativa da variação


das tensões principais, em orientação e grandeza relativa. Tal passa pela definição de
trajectórias de tensão e linhas similares.

1.10.2. Trajectórias de tensão

Trajectórias de tensão ou isostáticas são linhas (geralmente curvas) que em cada ponto
são tangentes às direcções das tensões principais. Como estas direcções são perpendiculares
entre si, as isostáticas, numa situação bidimensional, constituem duas famílias de curvas
ortogonais (i.e., intersectam-se, sempre, segundo ângulos rectos) e, numa situação
tridimensional, constituem três famílias de curvas ortogonais (Fig.1.19).
As situações representadas na Fig.1.19 são bidimensionais. No caso da Fig.1.19-a, tal
será válido, na medida em que a área crustal em causa puder ser considerada como
homogénea em torno da vertical de A. Em Geologia, tal hipótese simplificadora é usualmente
admitida, quando se consideram estados de tensão em blocos crustais.

a. b.

Fig.1.19- a) Isostáticas para o estado de tensão originado por uma tensão compressiva exercida em A.
Essa compressão poderia resultar de uma intrusão de magma numa câmara subvulcânica, representada
pelo ponto A.
b) Isostáticas para o estado de tensão associado a uma abertura circular.

28
Na Fig.1.19 está, também, patente uma circunstância importante: sempre que uma
isostática encontra uma superfície livre (onde a tensão de corte é nula), ou intersecta-a segundo
um ângulo recto ou orienta-se tangencialmente a essa superfície.

Uma outra representação comum em Geologia Estrutural é a das direcções de máxima


tensão de corte (slip-lines). Como vimos na secção 1.6., as tensões de corte máximas ocorrem
nos dois planos que se intersectam segundo σ2, a ±45º de σ1 (e de σ3), pelo que a situação
também se reduz a uma representação bidimensional, no plano σ1 − σ3 . As slip-lines consistirão
em dois sistemas de curvas ortogonais, bissectoras das isostáticas que descrevem σ1 e σ3
(Fig.1.20-a).

O traçado de slip-lines torna-se relevante, porque a fracturação das rochas dá-se,


frequentemente, em resultado das tensões de corte, pelo que aquelas trajectórias
corresponderiam à orientação das potenciais fracturas (como é o caso, nomeadamente, das
falhas geológicas). Veremos, no entanto, que a fracturação por corte não ocorre segundo os
planos de tensão de corte máxima, mas sim segundo planos orientados, em média, a ±30º de σ1.
Correspondentemente, naqueles diagramas, em vez de slip-lines a 45º, traçam-se linhas a ±30º
de σ1, que materializarão as orientações mais prováveis das possíveis falhas, no bloco crustal
considerado Fig.1.20-b).

Fig.1.20- a) Traçado de slip-lines b) Trajectórias a 30º das tensões principais.

Além das curvas já referidas, outras são, frequentemente, traçadas:

- isóbaras, curvas de tensão principal constante; definem-se, a duas dimensões, duas


famílias de curvas, uma referente a σ1, outra a σ2 ;

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- isópacas, curvas de tensão média, ½(σ1 + σ2), constante;

- isocromáticas, curvas de tensão diferencial, (σ1 − σ2), constante;

- isoclínicas, lugares geométricos dos pontos em que as direcções principais definem um


ângulo constante com uma direcção de referência.

As duas últimas curvas têm designações que resultam da aplicação directa da


fotoelasticidade, técnica muito utilizada em Mecânica das Rochas, para a determinação de
estados de tensão das rochas in situ.

O princípio do método baseia-se em que certos materiais opticamente isotrópicos se tornam


anisotrópicos, quando sujeitos a um estado de tensão. A birrefringência adquirida por uma folha desse
material é proporcional a (σ1 − σ2), donde, observando-o em nicois cruzados, surgem isocromáticas (na
acepção da Mineralogia Óptica, i.e., franjas com igual cor de interferência), directamente correspondentes
às isocromáticas (na acepção acima dada). Por outro lado, as direcções das refringências principais
coincidem com as direcções das tensões principais: logo, observando em nicois cruzados, as áreas extintas
(isogiras, na Mineralogia Óptica) correspondem aos lugares geométricos dos pontos em que as tensões
principais têm uma dada orientação, ou seja, materializam as isoclínicas acima referidas. Por rotação dos
nicois cruzados, determinar-se-ão as isoclínicas correspondentes a diferentes orientações das tensões
principais.

Neste capítulo, abordaram-se os conceitos de força (uma grandeza vectorial) e de estado de tensão (um
tensor de 2ª ordem).

> Devem-se usar forças em problemas tais como os de Estática.

> Devem-se usar tensões em problemas tais como os da produção de estruturas ou de fracturação.

N.B.: Problemas (enunciados e resoluções) sobre a matéria deste capítulo, assim como dos capítulos

subsequentes, podem ser vistos on-line noutra secção deste mesmo site (www.fc.up.pt).

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