Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
EDITORIAL
Edição nº 0023
pg. 2
omomentoba
EXPEDIENTE
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 4
na, enquanto prática reconhecida socialmente e toda a formação estatal está determinada
por estabelecer os parâmetros de normalidade, por este aspecto. O Estado brasileiro se formou
adentra essa seara e tem papel fundamental na como uma via de impedir a mobilização dos ex-
consolidação das teorias racistas que emergi- -escravizados e fixar o “lugar do negro” no país.
ram durante o século XIX. Não será objeto desse Nesse sentido, uma das principais armas
texto uma análise ampla da relação da medicina ideológicas utilizadas pela burguesia interna
com as teorias raciais, mas tomaremos o caso foram as teorias raciais importadas da Europa
brasileiro como exemplo de valor pois julgamos e a medicina teve papel fundamental nessa im-
que o Brasil foi um local no qual a medicina e a portação e também pela construção de formas
justificação ideológica do racismo operaram em peculiares de racismo à brasileira. Lembremos
máxima sintonia. do papel de alguns médicos como Nina Rodri-
Como exposto anteriormente, cabe ge- gues na formulação da ideia de “criminoso” e na
ralmente à medicina definir o que é normal e propaganda de concepções que tomavam as ca-
o que é patológico. Essa definição do que é do- racterísticas do negro enquanto sinais de dege-
ença não é neutra e depende diretamente das neração, como “fatores de risco” para o crime.
condições específicas de cada sociedade, do pe- Lembremos também das práticas higienistas
ríodo histórico em questão etc. Justamente no que mais do que preocupadas com as condições
período em que a burguesia se torna uma clas- sanitárias estavam preocupadas em expulsar os
se conservadora, o que Marx chamou de deca- negros de seus locais de moradia para abrir es-
dência ideológica da burguesia, amplia-se com paço para as construções que embelezariam as
mais força concepções naturalistas da história cidades brasileiras e as colocariam mais próxi-
humana. Uma dessas concepções pode ser ca- mas dos grandes centros europeus.
racterizada como paradigma psicopatológico, Não é menos importante o papel da eu-
no qual as lutas sociais são interpretadas não genia, que teve na figura do médico Renato
enquanto luta de classes mas enquanto luta Kewl seu principal expoente. A eugenia foi mo-
daqueles bem nascidos e considerados autênti- bilizada como uma via de impedir a reprodução
cos humanos e aqueles considerados inferiores do negro e garantir as condições da formação
e condenados a perecerem. Tais teorias foram de uma suposta “raça superior” em nosso país.
então utilizadas como máquina de guerra con- Mesmo que posteriormente algumas dessas te-
tra o proletariado como forma de justificar a su- orias tenham sido deixadas de lada pelas classes
perexploração de seus setores mais oprimidos, dominantes, vários de seus aspectos fundamen-
especialmente a classe trabalhadora negra. tais se mantiveram e se sofisticaram em teorias
Partindo do pressuposto de que o desen- posteriores. No Brasil nunca tivemos uma de-
volvimento do capitalismo ocorre de forma de- mocracia racial, mas muitos foram aqueles que
sigual ao redor do globo compreendemos que insistiram e insistem nessa ideia. Seja pela via
a via no qual o capitalismo emerge no Brasil da patologização do negro, da expropriação de
terá relação direta com as condições específi- suas formas de autocuidado, da justificação do
cas deste território. Antes de ser capitalista, o encarceramento em massa a partir da ideia de
lugar que veio a ser chamado Brasil funcionou “guerra as drogas” ou a construção de verdadei-
principalmente enquanto produtor de bens pri- ros campos de concentração nos manicômios, a
mários para exportação a partir principalmente medicina forneceu múltiplos argumentos “cien-
da escravização, exploração e desumanização tíficos” que contribuíram com a permanência
dos povos advindos de África. Os processos do negro como passível de ser superexplorado
de desenvolvimento da sociedade foram mar- e exterminado.
cados por seguidas “revoluções pelo alto” no Desta forma, percebemos o papel que
qual as transformações ocorriam à revelia das a medicina teve como prática justificadora do
demandas populares a partir da imposição de racismo no Brasil. A partir da especificidade
cima para baixo. da sociedade brasileira, marcada pelo sentido
O capitalismo brasileiro desenvolveu-se da colonização, a medicina operou como arma
a partir do fim do escravismo e de uma série de de controle social que não só deu uma suposta
medidas que além de não garantirem a “inclu- “motivação científica” para práticas de extermí-
são” da população negra na nova sociedade em nio no passado como ainda hoje tem papel na
formação, construiu uma gama de mecanismos reprodução de diversos mecanismos que infe-
que impulsionaram a inferiorização do negro riorizam a população negra. Construir práticas
como forma de branquear a força de trabalho e de saúde emancipatórias deve necessariamen-
expurgar seres considerados “inferiores” e não te passar pela crítica radical do processo de me-
compatíveis com o progresso nacional. Desde dicalização da sociedade e das diversas formas
pelo menos o fim da Revolução Haitiana, há de construção de um suposto lugar “natural”
um medo generalizado das classes dominantes que condena as pessoas não-brancas a terem
brasileiras da ocorrência de rebeliões escravas sua existência subjugada.
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 6
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 7
Covid-19, vimos que não podemos encontrar explicações vem conduzindo a sexta extinção em massa da biodiversi-
sobre o salto do vírus do pangolim para os seres huma- dade11.
nos sem considerar as práticas do agronegócio8. Segundo
Em 2020, o desmatamento da Amazônia foi 176% su-
Wallace:
perior ao compromisso firmado juridicamente, e mesmo
"Se o agronegócio multinacional pode definir a com acionamento do Superior Tribunal Federal para que
geografia da produção para obter enormes lucros, inde- as metas fossem cumpridas em 2021, o índice permane-
pendentemente dos surtos que possam ocorrer, quem ceu subindo12. Ainda em 2020, houve o encerramento da
paga os custos? Via de regra, os custos das fazendas década da biodiversidade (2011-2020), na qual deveriam
industriais são externalizados. (...) o Estado há muito é ser atingidas 20 metas adotadas pela Convenção das Na-
forçado a pagar pelos problemas causados por essas ções Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB)13. Resul-
fazendas; entre eles, problemas de saúde para seus tados desoladores, apesar de avanços importantes em
trabalhadores, poluição lançada em terras vizinhas, in- algumas áreas, seguem mantendo várias espécies sob o
toxicação alimentar e danos à infraestrutura de trans- risco de extinção, incluindo a espécie humana14. Um estu-
portes. Uma fenda em uma lagoa de aves de criação, do publicado na revista Nature15, em setembro de 2021,
que despeja toneladas de fezes em um afluente do Rio demonstra que o Brasil é o país com maior número de es-
Cape Fear, causando morte massiva de peixes, passa pécies de árvores ameaçadas de extinção, onde incêndios
a ser um problema para os governos locais. (...) Até os e desmatamentos destruíram uma parte significativa e vi-
apelos em favor da preservação da ganância global são tal do habitat de cerca de 85% dessas espécies.
insuficientes. Junto com a vida de um bilhão de pessoas,
A morte subjetiva do Agrobiz: expressão da morte in-
o establishment parece disposto a apostar grande parte
direta de pessoas, da fauna e da flora mundiais, causada
da produtividade econômica do mundo, que sofrerá de
pelos agronegócios, que perpassam práticas de grilagem,
forma catastrófica se ocorrer uma pandemia mais gra-
extração ilegal de madeira, agropecuária extensiva, mo-
ve. A miopia criminalmente negligente e politicamente
noculturas e participações influentes no garimpo.
protegida sempre é capaz de pagar, até que não seja
mais. Então, alguém leva a conta para casa." (WALLA- O Agro e a morte objetiva
CE, 2020). A morte não se faz presente apenas subjetivamente
Só no Brasil, no momento da escrita deste artigo, pas- quando o assunto é Agronegócio. Suas práticas não ape-
samos de 670 mil mortes causadas pela Covid-19. No mun- nas terminam em morte, como dependem dela para exis-
do, os óbitos são superiores a 6.35 milhões de pessoas9. O tir. Há séculos, povos indígenas manejam o fogo com sa-
Agronegócio é o responsável e o causador de milhões de bedoria, levando em consideração aspectos importantes
mortes indiretas no mundo, e não para por aí: para além como estação adequada, limites a pequenas porções de
dos assassinatos indiretos, um espectro de devastação do terra e o ciclo natural das agroflorestas16. Na contramão
Meio Ambiente se traduz em morte da biodiversidade, das práticas tradicionais, uma das atividades do Agrone-
desertificação, envenenamento do solo e da água. Conse- gócio inicia-se através da grilagem de imensuráveis exten-
quentemente, eventos como crises hídricas10 e climáticas sões de terras. O fogo é um de seus principais aliados, com
são resultado desse modelo de produção devastador, que uma dupla atuação: encobrindo invasões de terras públi-
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 8
cas e os desmatamentos ilegais, ao mesmo tempo finaliza Agronegócio, o invasor. Entre o desaparecimento de Bru-
o processo de desmatamento, criando as condições para no e Dom e o massacre estatal dos Guarani Kaiowá, era
que a área esteja a serviço das monoculturas à base de assassinado com um tiro pelas costas Wesley da Silva, 37
veneno e fertilizantes, ou pastagens para a agropecuária anos, liderança camponesa em Rondônia, presidente da
extensiva. Da mesma forma que os agrotóxicos, as quei- associação rural Nova Esperança. Há suspeitas de ligação
madas também são utilizadas como armas para expulsar, do crime com o ex-senador e grileiro Ernandes Amorim21.
através do extermínio, povos originários e comunidades
Em de janeiro de 2022, em Belém do Pará, o ambien-
tradicionais, a saber, quilombolas, indígenas e campone-
talista José Gomes, conhecido como Zé do Lago, 61 anos,
ses. O uso do fogo como instrumento de controle territo-
foi encontrado morto junto à esposa de 37 anos, e sua fi-
rial. Segundo Aguiar e Torres (2021) “entre 1985 e 2019,
lha de 17 anos, assassinados a tiros de pistola. Crime se-
período que coincide com a emergência e consolidação da
gue até hoje sem prisões ou suspeitos, com procedimen-
economia do agronegócio, 90% do desmatamento no Brasil
tos de autópsia e exumação de corpos conduzidos fora da
ocorreu para a abertura de área de pastagens e monocul-
normalidade. Um caso repleto de desconfiança e equívo-
tivos e 10% para outros usos”, e “o uso criminoso do fogo
cos, questionados pela Comissão de Direitos Humanos da
pela cadeia do agronegócio” tem como objetivo o desma-
OAB-PA, sem respostas ou quaisquer esclarecimentos. A
tamento e limpeza para fins das suas ocupações.
única informação conhecida é que “trata-se de uma exe-
No início do mês de junho deste ano, o mundo se co- cução, provavelmente, a mando de alguém” e que “nas úl-
moveu com os assassinatos do indigenista Bruno Pereira timas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças
e do jornalista inglês Dom Phillips. Um duplo homicídio foram assassinadas no município em conflitos pela posse da
onde as vítimas foram esquartejadas e incineradas, e que terra. Em nenhum dos casos houve julgamento de algum res-
provavelmente nunca será realmente desvendado, dados ponsável pelos crimes, portanto, a taxa de impunidade é de
os limites impostos pela classe dominante em direção à 100%”22.
verdade. A solução encontrada pela Polícia Federal foi tão
rápida, que há quem desconfie já ser conhecida desde a
data dos seus desaparecimentos. Relações de produção
protegidas por instituições a serviço da burguesia propa-
gam livremente suas políticas de morte, amparadas pela
certeza da impunidade, ainda que diversos elementos
contrariem as versões oficiais apresentadas, como rela-
tórios da Univaja17, que denunciam atuações de grupos
criminosos (com conhecimento das autoridades) envolvi-
dos em caça e pesca ilegais, práticas diretamente ligadas
ao Agronegócio. Em depoimento na audiência pública das
comissões de Direitos Humanos e Temporária sobre a Cri-
minalidade na Região Norte, o advogado da Univaja, Eliesio
Marubo, registrou duras palavras embaladas no medo e
insegurança imanentes às suas atividades: “Que país é esse
que nós estamos vivendo, excelências? Quantos mais Brunos
e quantos mais Doms têm que morrer? É público e notório
que a diretoria da Univaja toda está marcada com a mesma
marca que Bruno e o Dom. Temos que andar com seguran- Imagem: Marcelo Camargo/EBC
ça, temos que andar com carro blindado. Isso não é vida, nós
não estamos em um país em guerra”18; em coletiva no dia Juntam-se a Bruno, Dom, Zé do Lago e Vitor nomes
seguinte Eliesio denunciou a inércia e descaso do gover- como Chico Mendes, Dorothy Stang, Maxciel Pereira dos
no Bolsonaro e da Funai: “Nem de Funai, nem de qualquer Santos e inúmeros indigenistas e ambientalistas, que fa-
ministério, nem de ninguém do Poder Executivo. Tivemos só zem do Brasil o país que mais mata em conflitos no cam-
[reuniões] com o Judiciário e o Legislativo”19. Três dias após po23. Crimes com conclusões duvidosas, contraditórias e
a audiência, e 20 dias após o desaparecimento de Bruno e insuficientes, que fortalecem o Agronegócio e seus pares
Dom, uma ação repressiva da PM de Mato Grosso do Sul em detrimento da paz, da saúde e do direito à vida no Bra-
finalizava, com três tiros, a vida do indígena Vitor Fernan- sil, e para além disso, transformam os protagonistas da
des, aos 42 anos de idade. Segundo nota publicada por luta de resistência em meros objetos do capital. A morte
uma das principais entidades representativas dos Guarani objetiva do Agro.
Kaiowá, a Aty Guasu, “são dois mortos, podendo ser maior A síntese de morte e devastação: a Morte Ab-
o número (a comunidade fala em pelo menos quatro), e ao soluta, a Agromorte
menos 10 feridos”. A ação foi capitaneada pela PM/MS e
O resultado dessa relação entre subjetivo e objetivo
por pistoleiros contratados por fazendeiros, tendo como
chamaremos de absoluto24, um olhar dialético de rela-
motivação o despejo ilegal de terras previamente reco-
ções e processos infinitos, inter-relacionados e indissociá-
nhecidas como pertencentes aos povos originários, que
veis do Agronegócio, a Dialética da Agromorte.
estão ali desde o início do século passado, e foram invadi-
das pelo Agronegócio, procedendo sem autorização judi- O Agronegócio é o principal responsável pela devas-
cial20. No caso, as instituições estatais estavam do lado do tação ambiental, que se expressa na destruição de flores-
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 9
tas, envenenamento das águas, dos solos, de animais, de todas as determinações. Essa unidade é, pois, a verdade toda e absoluta, a ideia que se pensa
a si mesma, e decerto aqui, enquanto ideia pensante, enquanto ideia lógica” (HEGEL, 2012,
mulheres, de homens e de crianças, deixando um rastro §236, p.366).
de morte, direta e indiretamente, por onde quer que pas- 25 Chico Mendes, citado em https://www.gaiafoundation.org/chico-mendes-vive
se e se estabeleça. Sua fidelidade aos “pacotes tecnológi- REFERÊNCIAS:
cos”, associada ao capital financeiro (ASSUNÇÃO; SOUZA;
2020, p.1) e aos grandes conglomerados de mídia enfor- AGUIAR, DIANA; TORRES, MAURÍCIO. A boiada está passando: desmatar para grilar. 2021.
Disponível em: https://agroefogo.org.br/a-boiada-esta-passando-desmatar-para-grilar/.
mam seu padrão de produção e propagação. Uma verda- Acesso em: 25 jun. 2022.
deira “supremacia ruralista”, cada vez mais poderosa politi- AMAZÔNIA REAL; Ninguém ainda foi preso pela chacina de ambientalistas em São Félix do
camente, presente no Executivo e Legislativo de todas as Xingu. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/ninguem-preso-chacina-em-sao-felix-do-
-xingu. Acesso em 26 jun. 2022.
esferas do país, propagando agrogolpes (SANTOS, A. D. G. ASSUNÇÃO, JULIANO; SOUZA PRISCILA. Os impactos do Crédito Rural na produção agrope-
D.; SILVA, D. V.; MACIEL, K. N., 2019, p.3) e desestabilizando cuária e no uso da terra. Uma análise por linhas de crédito, tipo de produtor e finalidade do
as estruturas econômicas e sociopolíticas do Brasil, escon- crédito. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2020.
BOCHNER, R.; Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINTOX e as into-
dida atrás do véu do pop, tech e tudo, mas essencialmente xicações humanas por agrotóxicos no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 12 (1):
é expressão pura da Agromorte. 73-89, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/ZmbQGtHFnG9jC3sXGR7CVxC/.
Acesso em: 25 jun. 2022.
“No começo pensei que estivesse lutando para salvar BOMBARDI, Larissa Mies; Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União
Europeia. São Paulo: FFLCH - USP, 2017. 296 p.
seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a CARNEIRO, F. F. et al. (orgs.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos
Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015
humanidade” - Chico Mendes CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,
2009
COWIE, R.H., BOUCHET, P.; FONTAINE, B.; The Sixth Mass Extinction: fact, fiction or spe-
1 (MASK, 2022). culation?. Biol Rev, 97: 640-663 (2022). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/
2 Partindo dos Princípios Agroecológicos, a antítese das práticas do Agronegócio, aspas fo- doi/10.1111/brv.12816. Acesso em 26 jun. 2022.
ram utilizadas na palavra praga, pois o termo mais adequado é indicadores biológicos, uma CURVO, Helen; PIGNATI, Wanderlei; PIGNATTI, Marta Gislene. Morbimortalidade por câncer
vez que servem como sinalizadores de desequilíbrios dos ecossistemas, e seus controles bioló- infantojuvenil associada ao uso agrícola de agrotóxicos no Estado de Mato Grosso, Brasil.
gicos são feitos de forma natural, buscando compreender e identificar qual deficiência pode CADERNOS SAÚDE COLETIVA (UFRJ), v. 21, p. 10-17, 2013.
ter causado esse desequilíbrio. ESCOBAR, Herton; Década da Biodiversidade termina sem nenhuma meta cumprida. Jornal
3 Ibidem. da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/decada-da-biodiversidade-termina-
4 Ibid. -sem-nenhuma-meta-cumprida. São Paulo, 2020. Acesso em: 25 jun. 2022.
5 Os estudos filosóficos e sociológicos, na Europa do século XIX, partiam das concepções FENG, X., MEROW, C., LIU, Z. et al. How deregulation, drought and increasing fire im-
de Hegel e repousavam sobre aspectos do pensamento, à luz da importância do papel de pact Amazonian biodiversity. Nature 597, 516–521 (2021). Disponível em: https://doi.
transformação social que a consciência teria de exercer sob a realidade, na perspectiva de org/10.1038/s41586-021-03876-7. Acesso em 25 jun. 2022.
Bruno Bauer e como a consciência teria que se adequar à realidade, concebida por Ludwig HEGEL, G. W. F.; Enciclopédia das ciências filosóficas: em compêndio (1830): volume I: a ciên-
Feuerbach. Marx suprassumiu essa dualidade “mundo vs natureza” ao formular seu materia- cia da lógica. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
lismo histórico e dialético, fazendo com que a filosofia, através da relação de subjetividade e IEMA, Instituto de Energia e Meio Ambiente; Crise hídrica, termelétricas e renováveis Consi-
objetividade, interviesse efetivamente na realidade (CHASIN, 2009). A dialética marxista per- derações sobre o planejamento energético e seus impactos ambientais e climáticos. 2021.
mitia, finalmente, a objetivação do subjetivo, tornando os conceitos de universal e particular Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/produto/crise-hidrica-termeletricas-e-reno-
indissociáveis e imprescindíveis para uma melhor compreensão da realidade. Para um maior vaveis. Acesso em: 25 jun. 2022.
aprofundamento, ver A Ideologia Alemã, Primeira Parte (MARX; ENGELS;2007, p.25-120) MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro; Dialética da Agroecologia. 2ª ed. São Paulo: Expressão Po-
6 (BOCHNER, 2007). pular, 2014, 360p.
7(CURVO et al; 2013). MAPA DE CONFLITOS: INJUSTIÇA AMBIENTAL E SAÚDE NO BRASIL. PA – Conflitos e dispu-
8(MASK, 2022). tas por terra na Amazônia são marcados por assassinatos na região. Disponível em: http://
9 ver https://www.worldometers.info/coronavirus/ mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/pa-conflitos-e-disputas-por-terra-na-amazonia-
10 (IEMA, 2021) -sao-marcados-por-assassinatos-na-regiao. Acesso em 26 jun. 2022.
11(COWIE; BOUCHET; FONTAINE, 2022) MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; A Ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia alemã e
12 (POTENZA, R. F. et al, 2021). seus representantes Feuerbach, B.Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes
13 ver https://www.cbd.int/sp/ (apenas em inglês) profetas (1845-1846), São Paulo: Boitempo, 2007
14 (ESCOBAR, 2020). MASK, Alexandre; Pacote do Veneno: o Agro é GUERRA, o Agro é MORTE, o Agro é FOME. O
15 “How deregulation, drought and increasing fire impact Amazonian biodiversity”, em tradu- Momento – O Diário do Povo. Salvador, 2022. Disponível em https://omomento.org/pacote-
ção direta “Como a desregulamentação, a seca e o aumento do fogo impactam a biodiversi- -do-veneno-o-agro-e-guerra-o-agro-e-morte-o-agro-e-fome. Acesso em 26 jun. 2022.
dade amazônica” (FENG et al, 2021). PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO; Justiça para Bruno Pereira e Dom Phillips!; Disponível
16 (STEWARD et al, 2021) em: https://pcb.org.br/portal2/28919. Acesso em 26 jun. 2022.
17 ver reportagem do Brasil de Fato: “Relatórios da Univaja contrariam PF e revelam atua- PASCHOAL, Adilson D.; Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: problemas e soluções. 1ª ed.
ção de saqueadores profissionais no Javari” disponível em: https://www.brasildefato.com. São Paulo: Expressão Popular, 2019, 181p.
br/2022/06/21/relatorios-da-univaja-contrariam-pf-e-revelam-atuacao-de-saqueadores- PAULA, E. A.; Silva Silvio Simione. Movimentos sociais na Amazônia brasileira: vinte anos sem
-profissionais-no-javari. Outra reportagem publicada pela Agência Pública bastante relevan- Chico Mendes. Revista NERA (UNESP), v. 13, p. 102-117, 2008.
te sobre o caso pode ser encontrada em https://apublica.org/2022/06/na-ultima-viagem-de- POTENZA, R. F. et al; Análise das emissões brasileiras de e suas implicações para as metas
-bruno-e-dom-nada-de-aventura. climáticas do Brasil 1970 – 2020, 2021; Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/
18 ver em https://www.brasildefato.com.br/2022/06/22/univaja-em-audiencia-no-senado- produto/analise-das-emissoes-brasileiras-de-gases-de-efeito-estufa-e-suas-implicacoes-pa-
-quantos-brunos-e-quantos-doms-tem-que-morrer ra-as-metas-climaticas-do-brasil-1970-2020. Acesso em: 25 jun. 2022.
19 ver em https://www.brasildefato.com.br/2022/06/24/governo-de-jair-bolsonaro-ignora- SANTOS, A. D. G. D.; SILVA, D. V.; MACIEL, K. N. A campanha publicitária “agro é tech, agro
-dialogo-com-indigenas-do-vale-do-javari é pop, agro é tudo”, da rede globo de televisão, como difusora da propaganda sobre o agro-
20 ver em https://www.brasildefato.com.br/2022/06/25/acao-da-pm-no-mato-grosso-do- negócio no brasil. Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação,
-sul-deixa-pelo-menos-um-indigena-morto-e-sete-feridos da Comunicação e da Cultura, v. 21, n. 1, p. 46-61, 2019. Disponível em: http://hdl.handle.
21 ver reportagem da CPT disponível em: https://cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/ net/20.500.11959/brapci/155273. Acesso em: 25 jun. 2022.
conflitos-no-campo/6076-lideranca-camponesa-e-assassinada-em-rondonia. Recomendo STEWARD, A. M. et al; Saberes que vêm de longe: usos tradicionais do fogo no Cerrado e
também, a leitura de outra reportagem da CPT sobre violência recente no campo, disponível Amazônia. Disponível em: https://agroefogo.org.br/saberes-que-vem-de-longe-usos-tradi-
em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/6075-agri- cionais-do-fogo-no-cerrado-e-amazonia. Acesso em: 25 jun. 2022.
cultor-e-atacado-com-tercado-nas-costas-em-assentamento-no-para THE GAIA FOUNDATION; Chico Mendes Vive!. Disponível em: https://www.gaiafoundation.
22 ver https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/5902-nota-publica-mais-um- org/chico-mendes-vive. Acesso em: 26 jun. 2022.
-massacre-no-campo-nao-pode-ficar-impune VENTURA, Zuenir; Chico Mendes - crime e castigo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,
23 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) faz um trabalho de levantamento estatístico dos con- 248p.
flitos no campo e os torna públicos. Os relatórios publicados pela CPT revelam a gravidade WALLACE, Rob. Pandemia e Agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São
da situação do país nas questões agrárias e seus conflitos, e a inércia e conivência das institui- Paulo: Elefante, 2020, 608p.
ções do Estado Burguês Brasileiro. Toda essa informação pode ser gratuitamente consultada
em https://www.cptnacional.org.br.
24 “A ideia, como unidade da ideia subjetiva e da objetiva, é o conceito da ideia, para o qual
a ideia como tal é o objeto; para o qual o objeto é ela: um objeto em que vieram reunir-se
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 10
ENTREVISTA DO MOMENTO
JOÃO COIMBRA
O MOMENTO - Todo Policial é um Assas- É por isso que não temos nenhum problema
sino? em dizer que todo policial é um assassino,
João Coimbra - Sim, sem sombra de dúvida. eles são e eles sabem disso. E se por algum
Todo policial é um assassino da mesma for- acaso houver uma pessoa de farda que não
ma que todo homem é machista, todo bran- concorda com a prática de seus colegas, ou
co é racista, toda pessoa sem deficiência é com a corrupção de seus superiores, ou com
capacitista e toda pessoa cis é transfóbica. a cultura de racismo genocida e estupro dos
seus quartéis, essa pessoa vai reconhecer
“Todo policial é um assassino” porque essa que estamos falando a verdade. Ela apontar
é uma afirmação de caráter amplo, que leva para si mesma e nos dizer “nem todo poli-
em consideração a nossa organização social cial” é tão desnecessário, inconveniente e
e seus problemas estruturais. É irrelevante inspirador de desconfiança como qualquer
dizer que “nem todo homem”, “nem todo outro “nem todo x”, “nem todo y”. Se ainda
branco”, etc., porque sabemos que não se se enganam de que vão conseguir mudar a
trata de uma generalização contra quais- instituição por dentro, antes disso devem
quer grupos de pessoas, mas uma constata- entender que sua instituição é falida e pre-
ção de uma violência de fato, que se dá via cisa ser desmantelada com urgência.
de regra. Apontar exceções só confirmam
essa regra. Não se trata de uma questão individual, mas
coletiva. São todos assassinos e devem pa-
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 11
gar pelos seus crimes contra a classe traba- o racismo. O que eles querem é amenizá-lo,
lhadora. compreendê-lo sem ameaçá-lo ou se apro-
O MOMENTO - O dia seguinte ao fim da priar dele economicamente. Três táticas fa-
polícia, como vai ser? dadas ao fracasso.
João Coimbra - Vai ser ótimo! [risos] Veja, Primeiro, porque amenizar o racismo é
a polícia não faz parte da nossa vida. Pelo amenizar para alguns, e aí nós estamos fa-
menos não positivamente. Não nos ajudam lando de classe. Não se trata de superar a
quando nosso carro dá problema, não se im- violência contra os negros, mas de “não ser
portam em ver gente na rua passando fome, um negro qualquer”, um pensamento que
não ligam de passar o dia inteiro que Deus é moralmente desprezível e politicamente
deu dentro de um carro com o motor ligado, ineficiente, porque enquanto não conse-
queimando gasolina. São eles que permitem guirmos mudar a lógica de sociedade colo-
o latifúndio, que gera miséria no campo; são nial, o branco será sempre inocente e o ne-
eles que permitem o acúmulo de bens nos gro culpado até que provemos o contrário.
mercados (até estragarem) e o sem-núme- O que essa ideia do Capitalismo Negro traz
ro de casas vazias, como aqui em Salvador, é a profissionalização desse “provar a ino-
e por isso permitem a promoção da miséria cência”, algo que é uma violência exclusio-
na cidade. nista contra os negros pobres.
Imaginem só, uma vida em que nunca mais Compreender o racismo sem ameaçá-lo
ninguém vai ter medo de tomar um baculejo é outra marca dos movimentos negros li-
na rua? E se isso nunca aconteceu com você, berais, e ainda mais tola. Primeiro, porque
camarada, se você não sente esse medo, não é possível conhecer algo sem interagir
você já vive numa sociedade sem polícia. com ele, e no caso dos marxistas, sem bus-
As outras pessoas também têm o direito de car superá-lo. As elucubrações produzidas
sentir essa liberdade, de terem vidas plenas pelo movimento negro liberal são inócu-
sem um assassino armado na esquina. as porque não interagem com a realidade,
elas buscam construir uma solução antes de
O MOMENTO - Há uma contraposição en- lidar com o problema: uma fórmula certa
tre os comunistas e o movimento negro para a derrota. E a prática da vida prova que
liberal, que poderia ser sintetizada na se- temos razão, já que vemos suas palavras
guinte pergunta: quem vem primeiro raça da moda não passarem disso mesmo, suas
ou classe? abobrinhas não servirem de outra coisa se-
João Coimbra - Antes da raça e da classe, não para vender livros e palestras… Seus
o que vem primeiro é a violência, vamos co- mini-manuais não são nem mesmo voltados
meçar por aí… Chamamos de “Movimento para o público negro, mas para o branco que
Negro Liberal” esses grupos políticos que quer livrar-se da pecha de “racista”, como se
escondem seu alinhamento em nome da o racismo não fosse ele mesmo um proble-
“união da raça negra”, mas nunca falam so- ma estrutural do capitalismo!
bre como essa união se daria, ou qual seria o E terceiro é a tática mais sincera do movi-
resultado prático nas nossas vidas por conta mento negro liberal, que é a apropriação
dessa “união”. Defendem uma corrente de econômica do racismo e da discussão sobre
Capitalismo Negro que é um contrassenso, o tema. É, inclusive, o responsável por um
posto que o capitalismo é a continuação do ponto de tensão entre os negros e os in-
projeto racista da colonização. Às vezes, eu dígenas em todo país, e em determinadas
me vejo como quem estivesse falando gre- localidades com povos ciganos, judeus, asi-
go, camarada, me perdoe, mas eu não consi- áticos… Esse péssimo hábito do movimen-
go entender quem acha que vamos superar to negro liberal de ignorar outras raças no
o racismo sem discutir nossa posição histó- território nacional servem para duas coisas:
rica na sociedade. assegurar que só negros discutam o assunto
Mas, acontece que alguns grupos, e por isso no Brasil (reserva de mercado) e desmobili-
chamamos de “Movimento Negro Liberal”, zar a camaradagem entre todos nós contra a
não têm qualquer pretensão de acabar com estrutura racista, o que ameaçaria seus pri-
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 12
vilégios de classe, seus pequenos confortos. das como bandidos, gente negra e indíge-
O que estamos tratando aqui é que raça e na é tratada como bandido, até mesmo no
classe não são algo que possa “vir primei- ideário popular a compreensão de bandido
ro”. São determinações interrelacionais, ou envolve a pele escura, a moda periférica, a
seja, dependem de você nascer numa socie- magreza e a juventude. É a justificativa do
dade racista e de classes. As pessoas negras genocídio! Os nossos jovens são tratados
são racializadas, assim como qualquer outra como criminosos, além disso, por terem há-
pessoa pode ser racializada no seu contex- bitos da vida comum criminalizados, como o
to, como acontecem com os latinos no Nor- uso recreativo de drogas. Uma desculpa es-
te Global, mas aqui não faria sentido. Somos farrapada para tentar justificar a presença
negros porque vivemos numa sociedade ra- assassina das polícias nas nossas periferias.
cista, e se hoje não somos mais escravizados O MOMENTO - Qual a proposta dos comu-
nós devemos isso a nossa Ancestralidade, nistas sobre as drogas?
nossa luta política. E somos classe trabalha- João Coimbra - Nós defendemos o fim do
dora porque somos explorados, reduzidos a tráfico de drogas, e isso significa dizer que é
coisa… uma violência que foi iniciada pelo preciso dar um basta na farsa da “guerra às
barbarismo europeu na empresa colonial - e drogas”. Nosso inimigo não é um produto,
dura até hoje, por enquanto. nossos inimigos são os homens e mulheres
O MOMENTO - João, comunista defende que lucram com o sofrimento do povo. Ló-
bandido? gico que eu não estou falando do pequeno
João Coimbra - Essa pergunta é engraçada nem do médio traficante.
porque ela é construída sobre uma mentira. Acabar com a “guerra às drogas” significa
A mentira é que o “bandido” é um problema defender um amplo e antirracista plano de
social: é o vilão que lhe aguarda e lhe rou- legalização das drogas, para que as comuni-
ba uma bolsa ou um celular, ou para alguns dades que mais sofreram sob o jugo assas-
mais politizados seria “o político ladrão” que sino do porco fardado sejam as primeiras a
desvia dinheiro público. Antes de responder receberem o investimento por esse recolhi-
a essa pergunta, precisamos entender duas mento. Teremos emprego, renda, controle
coisas: o que é “crime” e o que vem a ser um de qualidade e controle de venda e consu-
“bandido”. (e o spoiler da resposta é que mo de drogas por parte da população bra-
sim, os comunistas defendem sim). sileira, e abordaremos enfim a dependência
Então, em primeiro lugar, o “crime” não é química da forma como precisa ser tratada:
algo que ocorre contra a sociedade, mas como uma questão de saúde pública.
por conta dela. “Crime” é o que o legislativo A produção de droga em escala industrial
decide que é crime, e que o judiciário aplica precisa ser abolida, e para isso precisamos ir
contra alguém. Não é uma coisa que existe até a sua indústria: o latifúndio. Só o latifún-
na natureza, o que existe na natureza somos dio é capaz de produzir toneladas e tonela-
nós, nossa conduta e os resultados dela. As das de produtos agrícolas, e as drogas mais
pessoas que defendem essa mentira cha- sintéticas que circulam no país dependem
mada “criminalidade” acham que o mundo de laboratórios químicos de altíssima com-
seria melhor “sem os bandidos”, mas igno- plexidade para serem produzidas, importa-
ram que nossa sociedade foi construída e é das e produzidas pela burguesia nacional.
mantida por várias violências diferentes… Acabar com o tráfico de drogas será benéfi-
O que estamos querendo dizer que é a clas- co para a população tanto para a segurança
se dominante, por ser a que tem o poder de pública quanto para a saúde pública quanto
definir o que é crime ou não, acaba por defi- para a economia nacional.
nir “quem é bandido” ou não, e como ele se É o tipo de projeto que só não é posto em
parece. prática porque vai de encontro aos interes-
É essa a nossa segunda questão frente a ses da classe dominante: nossos inimigos,
essa pergunta: a criminalização da pobreza os inimigos do povo.
e o racismo. As pessoas pobres são trata-
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 13
O PAPEL DA CULTURA NA
REVOLUÇÃO BRASILEIRA
Lenin e de Sílvio Romero para pensar uma Atualmente, somos a minoria dentro do
particularidade da cultura brasileira: existe debate público, inclusive dentro da esquer-
um antagonismo entre a cultura popular e da. Por outro lado, desde 1990 os comunis-
a cultura das classes dominantes. A luta de tas forjaram uma leitura científica eficaz
classes se estabelece também nas disputas da realidade econômica e social brasileira.
dentro da cultura nacional. Avançamos com a nossa estratégia, efetu-
ando uma profunda autocrítica e descar-
A cultura dominante, em sua modali-
tando a ideia do etapismo. Olhando desse
dade brasileira, é sempre subordinada ao
ponto de vista, pudemos superar problemas
imperialismo, sobretudo o norte-america-
teóricos graves que enviesavam a leitura da
no. Astrojildo, com toda razão, fala que “os
conjuntura e da estratégia do Partido. Hou-
imperialistas sabem muito bem que não
ve avanço na construção científica e uma
podem exercer plenamente a sua função
sólida formação política, o que tem dado re-
dominadora sem uma combinação adequa-
sultados muito significativos, sobretudo na
da de pressões econômicas e políticas com
editoração independente e na formação de
pressões ideológicas e culturais” (p. 258).
quadros de cientistas competentes. Esta-
Outro pensador marxista, Nelson Werneck
mos engatinhando em direção a uma influ-
Sodré, analisa o mesmo fenômeno de domi-
ência decisiva no campo ideológico. Apesar
nação cultural no quadro brasileiro. Em seu
desses passos, atualmente não temos um
livro, “Ideologia do Colonialismo”, escrito
grande nome marxista, seja cientista ou ar-
em 1961, demonstra como essa subordi-
tista, dedicado a questão da cultura popular
nação dos países subdesenvolvidos pelas
e das artes.
produções culturais do centro está enraíza
desde a colonização e aparece na chamada Nos últimos cinco anos, tem aparecido
“ideologia do colonialismo” e na “transplan- nomes da arte independente que se identi-
tação cultural”. Em Introdução a Revolução ficam com o comunismo, como Siba, FBC e
Brasileira, em que aborda também essas ca- Don L. Dentro da juventude, como tem sido
tegorias, segue a mesma lógica levantada o costume da renovação de quadros dos co-
por Astrojildo, comentando que munistas, já vemos nomes que começam a
se destacar, sobretudo no hip-hop, mas ain-
Não era possível que se aceitasse
da são pouco conhecidos do grande público.
como a face real [do Brasil] aquela em
Estou convencido que essa falta de presen-
que estavam agrupados escravos negros,
ça na cultura nos impede de criar uma co-
trabalhadores mestiços livres, comer-
municação mais efetiva com as massas, que
ciantes urbanos, pequenos funcionários.
toque as mentes, mas também os corações.
Esta era o Brasil, sem dúvida, — mas o
A inserção dos comunistas na produção cul-
Brasil que se devia esconder, como se es-
tural e na criação artística, reconhecendo
condem as vergonhas, aparentando iden-
a potencialidade de sua cultura popular –
tidade com os padrões externos, alarde-
está diretamente ligada à nossa inserção
ando que também aqui havia gente do
nas massas, sendo uma de suas múltiplas
mesmo molde que o europeu de classe
determinações.
superior. (Introdução a Revolução Brasi-
1 Importante pontuar que a relação do Partido com a pro-
leira, p. 138) dução intelectual nunca foi isenta de atritos – basta pen-
sarmos na política do realismo socialista. Ou no desprezo
Essa configuração da luta de classes dos comunistas pela arte abstrata na primeira metade do
dentro da cultura nacional, que além dos século XX, interpretada como “arte burguesa”. Existe uma
relação entre o controle do Partido e a liberdade individual
pobres e negros, ainda abarca as centenas do artista, do ponto de vista da forma e do conteúdo das
de etnias indígenas – essa disputa entre obras artísticas – que, por vezes e em determinadas condi-
ções históricas, se torna uma contradição.
Brasil e Brazil, como diria Aldir Blanc – ainda
não se esgotou.
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 16
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 17
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 18
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 19
Poetisa, Médica de Família e Comunidade, Pro- pliação e manutenção das Casas de Estudantes Uni-
fessora, Educadora Popular, Feminista Classista e versitários de Uibaí (CEUs), que se intensificaram
Comunista: Ana Karen Oliveira assume a pré - candi- quando mudou para a capital e foi morar na CEU -
datura a deputada federal pelo PCB Bahia Salvador, na Rua do Sodré. Morou em torno de dois
Ana Karen nasceu em Uibaí, cidade do sertão anos na capital, onde além da luta por moradia es-
baiano, em 18 de agosto de 1989, onde morou até tudantil, envolveu-se em lutas mais amplas, como o
os 17 anos. Estudou em uma Associação de Pais e Plebiscito Popular pela Reestatização da Vale do Rio
Mestres, o Colégio Cassimira Maria Machado, que Doce.
ajudou a construir e levantar os muros em mutirões. Aos 19 anos, passou em medicina na Universida-
Aos 11 anos, começou a se envolver na arte enga- de Estadual de Feira de Santana (UEFS) e refundou,
jada através de movimentos de poesia e teatro do junto com outras colegas, a CEU - Feira na cidade. Na
oprimido, nos grupos Língua Solta e nos Movimen- UEFS, na primeira semana de aula, conheceu o Di-
tos “Uibaí tem Sede” e Praça Inquieta. O envolvimen- retório Acadêmico de Medicina (DAMEFS) e as suas
to com a arte e com a política atravessaram sua vida lutas junto aos movimentos sociais e em defesa do
desde a infância, quando começou a escrever poesia SUS e das universidades públicas. Na mesma sema-
e literatura aos 7 anos e a acompanhar os pais nas na, começou a participar das reuniões do diretório
atividades associativas e políticas partidárias de es- e logo passou a sua coordenação. Durante os seis
querda que embalavam a cidade. Seus pais vieram anos de curso, manteve-se na organização do ME
de famílias de pequenos agricultores e de formas de medicina, tanto na UEFS, como a nível nacional,
diferentes, foram decisivos na vida de Ana. Seu Zé na Direção Nacional de Estudantes de Medicina (DE-
Alves, primeiro filho de família de lavradores que NEM), onde esteve na Coordenação de Extensão
conseguiu fazer o ensino universitário e Dona Ri- Universitária (CExU) por duas gestões. Pela DENEM,
somar, uma mulher extremamente forte e valente, esteve em estágio em Cuba, onde conheceu de for-
trabalhadora ambulante e contadora de histórias, ma mais aprofundada a Revolução Cubana e a orga-
que começou a lavar roupa desde a infância para so- nização do seu sistema de saúde.
breviver. Nos primeiros meses de aula, também entrou em
Ainda em Uibaí, envolveu-se nas lutas pela am- um grupo do Movimento Estudantil, o Ousar. Mili-
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
pg. 20
SEÇÃO ESPECIAL: ELEIÇÕES 2022
tou no coletivo em torno de 4 anos, período que foi uma vez representando o CFCAM na Venezuela, no
Coordenadora Geral do DCE UEFS e esteve envolvi- XVII Congresso da FDIM, momento que coordenou
da em diversas lutas que estavam ligadas ao projeto os trabalhos do grupo de jovens e passou a ser res-
de Universidade Popular, como o coletivo Pró - Ban- ponsável pela a Comissão de Resgate Histórico da
dejão, a luta pelo Passe Livre, a reorganização do Fó- FDIM América.
rum de Estudantes das UEBAs e a criação e manu- Sua formatura em medicina se deu em 2015 e
tenção da Ocupação Lucas da Feira, junto ao MSTB. logo em seguida entrou na residência de Medicina
Em março de 2013, depois de estudar várias estra- de Família e Comunidade (MFC). Um outro olhar so-
tégias e forças políticas, resolveu entrar na União bre o cuidado em saúde, sobre a determinação so-
da Juventude Comunista ( UJC). Protagonizou sua cial do processo saúde - doença e sobre o território
organização no Estado junto com outros jovens e foram determinantes na escolha da especialidade,
se tornou a primeira Secretária Política, tarefa que voltada para o cuidado na Atenção Primária. Como
cumpriu até 2017. Nesse período, o coletivo cresceu o slogan da especialidade diz: “ Médicos de gente”,
e se consolidou nas maiores cidades baianas, com não de doenças.
importante expressão no Movimento Estudantil. No
VII Congresso da UJC, em 2015, foi eleita para sua Durante a residência trabalhou no Alto do Ca-
Direção Nacional, onde assumiu a pasta responsável brito, bairro no Subúrbio Ferroviário de Salvador e
pela construção do Movimento por uma Universida- no Parque Verde 2, bairro da periferia de Camaçari.
de Popular (MUP), porém saiu da direção em 2016 Nesses locais, esteve envolvida com várias ativida-
para cumprir tarefa no movimento feminista classis- des nos territórios, organizando lutas junto com jo-
ta. vens e moradores locais, a exemplo da reorganiza-
ção da Frente Baiana Contra a Privatização da Saúde
Em agosto de 2013, esteve na rearticulação do e em Defesa do SUS. Nesse período, também prota-
PCB na Bahia, que teve importante peso da UJC. gonizou a fundação do Núcleo da Unidade Classista
Desde esse período, começou a cumprir tarefas na de Saúde de Salvador e Região Metropolitana e es-
Direção Provisória do partido e em novembro de teve na primeira coordenação estadual da Unidade
2013, nos marcos do XV Congresso Nacional (abril Classista na Bahia, onde assumiu por um tempo a
de 2014) passou a compor o Comitê Regional da secretaria política. Para além disso, realizou de for-
Bahia, onde cumpriu tarefas na agitação e propra- ma concomitante a residência o curso de Monitores
ganda, nas finanças e sobretudo, na organização de em Educação Popular pelo 13 de maio, ampliando o
mulheres e da juventude. escopo dos trabalhos de extensão popular e organi-
A luta feminista está presente em sua vida desde zação comunitária.
a juventude, porém ganhou mais expressão com a Ainda na área profissional foi preceptora da Resi-
entrada no PCB. Em setembro de 2013, participou dência de Medicina de Família e Comunidade em Ca-
do I Ativo de Organização do Coletivo Feminista maçari e fez especialização em Saúde Internacional
Classista Ana Montenegro em São Paulo. Nesse ati- e Soberania Sanitária. Hoje é professora da Universi-
vo, assumiu várias tarefas na confecção da I Decla- dade Estadual de Feira de Santana, supervisora do
ração Política Nacional do coletivo e a responsabili- Programa Mais Médicos, compõe o Conselho Fiscal
dade de organização do coletivo na Bahia. Em 2015, da Associação dos Docentes da UEFS ( ADUFS), mes-
escreveu a proposta do I Encontro Nacional do CF- tranda em educação pela FACED - UFBA, pesquisa-
CAM e esteve, junto com a Secretária de Mulheres dora no grupo Marxismo, Políticas de Trabalho e
do PCB e militantes de São Paulo, na organização, Educação (MTE - UFBA) e do Laboratório de Estudos
formulação e sistematização do encontro e das suas Marxistas (LEMarx-UESB), com estudos na área do
teses. Nesse encontro, que aconteceu em novem- feminismo, violência à mulher, em especial violência
bro de 2015, foi eleita para a primeira Coordenação obstétrica, saúde mental, saúde pública e educação
Nacional do CFCAM, assumindo a Secretaria de Or- médica.
ganização. Esteve nesta secretaria até final de 2016,
quando passou a assumir a Secretaria Política, tarefa Faz parte do Comitê Central do PCB desde o seu
que cumpre até o momento . XVI Congresso, que teve sua etapa nacional em
2021. Recentemente, escreveu o prefácio do livro
Tem representado o Coletivo em importantes Ser ou Não Ser Feminista e outras obras seleciona-
tarefas internacionais. Em setembro de 2016, parti- das, de Ana Montenegro. É secretária política da cé-
cipou do XVI Congresso da Federação Democrática lula do PCB, em Feira de Santana, e é pré - candidata
Internacional de Mulheres (FDIM) em Bogotá, quan- a deputada federal pelo PCB/Bahia.
do o coletivo passou a ser membro dessa importan-
te organização e em abril deste ano, esteve mais
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
ESPAÇO CULTURAL
pg. 21
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
ESPAÇO CULTURAL
pg. 22
latino americanas, imersas, portanto, num ca- uma ausência de discurso político formativo
pitalismo periférico, veremos que em ambas as mais contundente ao longo do filme. Em diver-
construções - seja a cidade de um país coloni- sos momentos do documentário, a construção
zado ou não - o espaço urbano, principalmente do Festival é retratado num viés conciliatório
aqueles que constituem o território periférico entre artistas, população residente do Harlem
da cidade expressam a máxima segregadora e e figuras públicas do campo político que esta-
histórica mantida não só pelo poder econômico, vam associadas diretamente à promoção de po-
mas social que implica em todas as problemáti- líticas de planejamento urbano que atacavam
cas já mencionadas que o capitalismo impõem. diretamente o bairro do Harlem, seja através
Mesmo que o Brasil e os EUA apresentem uma através da negligência estatal como através do
série de diferenças quanto a construção da luta alto adensamento populacional do bairro oca-
antiimperialista e antiracista, o sentido de mino- sionado pela expulsão da população marginali-
rar os povos explorados continua sob o mesmo zada do centro de Nova York. Por outro lado, o
escopo, uma vez que a base da dinâmica do siste- documentário evidencia os Panteras Negras e a
ma capitalista encontra-se na escravidão traba- icônica imortal Nina Simone como fundamentais
lhista precarizada e mal remunerada. A ausência à construção do discurso radicalizado que con-
de condições materiais que atravessam a urgên- sidera a luta armada, a educação revolucionária
cia das condições mínimas de bem-estar humano e a organização da classe trabalhadora naquele
é chave de reflexão exposta sobre o bairro do mesmo período.
Harlem, mas que também nos provoca sobre as Por fim, apesar de extremamente sufocan-
periferias soteropolitanas, considerando o efei- te a conjuntura que se apresenta, a construção
to colateral da imensa concentração de riqueza do horizonte comunista nos revela um lugar
e superexploração do trabalho que esses dois mais a par das necessidades do povo. A partir
países estão imersos. dessa breve análise construída através de alguns
Podemos ainda mencionar, que o Festival aspectos históricos e sociais demonstrados pelo
Cultural do Harlem se mostra como um grito de documentário é imprescindível conclamar a to-
fúrias através das músicas, declamações de fé e d_s para a efetivação da perspectiva comunista
histórias diversas que se entrelaçam com o mo- no mundo de modo que seja possível findar o sis-
mento histórico da década de 1968 o qual estava tema opressor capitalista. Como nos aponta Karl
imerso em guerras imperialistas. Nesse cenário, Marx, "não temos nada a perder a não ser nossos
concomitantemente, a luta pelos direitos civis grilhões”.
dentro do país dos Ianques o documentário tam- Venceremos, camaradas!
bém rememora o banho de sangue pelo qual fo-
ram ceifadas as vidas de diversas lideranças da
comunidade negra como o pacifista Martin Lu-
ther King e do revolucionário Malcom-X. É pre-
ciso ainda destacar que a construção do Festival
Cultural do Harlem contou com a segurança dos
militantes também revolucionários que compu-
nha o grupo antirracista de autodefesa Os Pan-
teras Negras. Em uma perspectiva cultural, o
documentário musicado traz expressões estéti-
cas, mas que, simbolicamente, é um meio de re-
sistência, sejam elas pelo cabelo, roupas, ritmos,
dança e algo mais intrínsecos que a própria exis-
tência - sem ao menos pensar - a identificação
como uma unidade. Ademais, as músicas presen-
tes, como o próprio Blues, se torna o ritmo da
dor que está presente diariamente na vida dessa
população cantando essas dores como protesto,
onde nas letras, sejam elas de cunho religioso ou
não, é modo de questionamento e emanar suas
dores por meio desse ritmo.
Não podemos deixar de levantar que há
omomentoba www.omomento.org
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
MEMÓRIA
pg. 23
“[...]Onde a luz não inunda os quadros, onde o O marxista Nelson Werneck Sodré, em seu
artifício das palavras não encontra lugar [...]" texto “Memórias de um escritor”, ressalta que as ma-
nifestações artísticas do Modernismo, mesmo que
Sodré, Memórias de um escritor. fincadas as raízes em seus motivos nacionais, prestam
alguns serviços como “a busca pela simplicidade” na
Se o campo da crítica historiográfica da arquite- forma. Ainda que o texto do Sodré seja, em sua maio-
tura moderna brasileira vem, há muito, exercendo seu ria, uma crítica ao que se conforma em torno da nossa
papel essencial na retomada e reconhecimento de al- literatura moderna no séc. XX, pensemos na simpli-
guns grandes nomes que apontam para o significado cidade enquanto aspecto autêntico de significação
da arquitetura enquanto substância da história, é pre- bem como na disseminação de uma estrutura visual
ciso antecipar que este significado encontra-se funda- de sentido ideológico no campo da arquitetura. À me-
mentalmente debruçado sobre como a revelação da dida que sua trajetória profissional amadurece sobre
expressividade plástica e formal pode incidir sobre a a prancheta, as relações projetuais estabelecidas pelo
sociedade e o seu futuro. Pensando nisso, é impossí- arquiteto demonstravam de forma cada vez mais con-
vel não rememorar a dimensão simbólico-expressiva tundente as formulações estéticas de um comunista:
da arquitetura, assumida através de um vocabulário sua busca pela expressividade, a invenção plástica
formal muito próprio do nosso camarada, arquiteto e como determinante da criação de uma obra de arte
comunista Oscar Niemeyer. na paisagem urbana que tratasse de um “presente
www.omomento.org omomentoba
BAHIA | Junho de 2022
Edição nº 0023
ESPAÇO CULTURAL
pg. 24
generoso”, uma vontade do vir a ser frente aos escom- da arquitetura promovida por Oscar manifestada
bros da democracia burguesa em seus horizontes es- na mediação entre a expressividade da curva livre e
treitos. certa imposição geométrica que se dá a partir do de-
À primeira linha, este primeiro traço genérico senvolvimento tecnológico estrutural possibilitado na
e necessário sobre o papel, é uma ação limitada na técnica do concreto armado, encontrava-se essencial-
fixação de um sonho, desnudada na mediação do mente vinculada a sua trajetória enquanto militante
cumprimento da função social da arquitetura e da do Partido Comunista Brasileiro. Não podemos deixar
experiência de sua concepção controversa na reali- de rememorar que a condição de sua obra no am-
dade concreta. Encontramos nessa mesma linha não biente urbano, a qualidade estética que a arquitetu-
apenas a força dos croquis que eleva a expressividade ra assume em caráter cenográfico - visto a escala de
plástica à mera relação formal canônica, mas a prima- representação quase territorial das suas edificações
zia de um reflexo estético que recupera através dessa - encontra-se fortemente marcada pela construção
forma uma autoconsciência acerca do gênero huma- do espaço imagético moderno diretamente relacio-
no. nado ao cinema e a literatura. Através do PCB, Oscar
compartilhou junto a Rui Santos, Astrojildo Pereira,
De sua retórica projetual se estabelece, portan- João Tinoco de Freitas e outros, experiências de pro-
to, uma provocação: mesmo não se tratando de uma dução cinematográfica, aparato pelo qual o Partido
“fotografia” da realidade, Oscar reconhece o caráter também desenvolvia crítica social e cinema engajado
decisivo de sua intervenção. Conforme o arquiteto a partir dos anos 50/60, resultando na criação da pro-
condensa toda carga expressiva da totalidade do pro- dutora Liberdade Filmes, projeto norteado por Rui e
jeto - o que envolve técnica construtiva, solução for- Oscar.
mal, estrutura do espaço que considera seu entorno
- a configuração da linguagem de sua obra através Se nesse período o Partido Comunista Brasi-
da linha, ou seja, a pureza do traço enquanto sínte- leiro ascende vertiginosamente no que diz respeito à
se onde se reúnem essas dimensões, denuncia a ar- intervenção dos comunistas frente à diversidade de
quitetura enquanto campo de possibilidade restrito manifestações abarcadas pelo campo da cultura e
obrigada a aceitar a decadência de sua missão social, da arte, o arquiteto Oscar Niemeyer certamente será
sem perder de vista o fim particular imanente da ar- lembrado em sua atuação. Por fim, apontamos para
quitetura enquanto manifestação artística que funda a indispensável rememoração do mestre secular, seu
determinada consciência estética e histórica. pensamento estético na relação de homem com a
operação “sensível-visual” que a arquitetura propõe
Nesse sentido, Oscar apodera-se da essência com mais afinco.
do labor do arquiteto, sabendo ele mesmo que “a
arquitetura não mudaria a vida, mas a vida mudaria
a arquitetura”. Mesmo limitado, buscava sempre re-
memorar as palavras de Lênin no seu gesto criador
ao compreender que “o reflexo do real na consciência
não se trata de um ato simples e direto” no que diz res-
peito à representação sensível ou de uma certa con-
formação da imagem da realidade, como nos aponta
Gyorgy Lukacs. Em Oscar, a arquitetura está a serviço
da catarse que não dizia apenas da experiência de per-
correr o espaço concebido e apreender a linguagem
que estrutura o significado particular de cada obra,
mas de como a operação de adentrar o cenário urba-
no, de conceber o espaço do lugar humano diante do
elevado grau de generalidade da Modernidade, exigia
associar objetivamente a qualidade estética à espan-
tosa monumentalidade e clareza da forma. Cabe res-
saltar que este caminho lhe permitiu extrapolar tanto
a desordem do consumo de imagens bem como o fun-
cionalismo exacerbado, duas condições que desman-
cham o sentido da arquitetura produzida no séc. XX
em uma imagem da produtividade mecânica.
Para Roberto Segre, as acepções estéticas
omomentoba www.omomento.org