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Salvador | Bahia Junho de 2022

EDITORIAL: BOLSONARO, A MEDICALIZAÇÃO DA SOCIEDADE


PG.2 PG.4
DESTRUIÇÃO AVANÇA! E RACISMO NO BRASIL

AGRONEGÓCIOS X NATUREZA: A SÍNTESE ENTREVISTA DO MOMENTO


PG.6 PG.10
DA MORTE E DA DEVASTAÇÃO AMBIENTAL JOÃO COIMBRA

O PAPEL DA CULTURA NA NOVO AUMENTO DA TARIFA DO


PG.13 PG.16
REVOLUÇÃO BRASILEIRA TRANSPORTE URBANO

OS QUASE 200 ANOS DA SEÇÃO ESPECIAL: ELEIÇÕES


PG.17 PG.19
INDEPENDÊNCIA E O 2 DE JULHO 2022 - ANA KAREN

ESPAÇO CULTURAL - DO HARLEM ÀS MEMÓRIA - OSCAR NIEMEYER:


PG.21 PG.23
PERIFERIAS SOTEROPOLITANAS ARQUITETO COMUNISTA

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BAHIA | Junho de 2022

EDITORIAL
Edição nº 0023
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Bolsonaro, a destruição avança!

Foto: Isac Nóbrega/PR

Por Milton Pinheiro


Para além da erosão da vida social, (gestor).
destruição dos serviços públicos, cooptação O balcão do parlamento, através do
do parlamento para uma pauta de destruição Centrão, oficializou aquilo que talvez seja a
de direitos e do entreguismo do parque maior descoberta do último período de como
das empresas estratégicas brasileiras, o se lavar dinheiro e oficializar a corrupção,
agitador fascista Jair Bolsonaro quer levar ou seja, o orçamento secreto e as emendas
à máxima potência as formas de governar do relator. Esquema juridicamente urdido
que estão desestruturando o papel mínimo para continuar comprando parlamentares
do Estado e colocando em completo risco a ao modelo da velha política. O parlamento
vida social e ambiental em todo território brasileiro conseguiu tornar oficial o
nacional. Trata-se da mais absurda política processo de compra e venda de votos para
de reconfiguração do Estado através da operar os desejos obscuros e destrutivos
operação do caos controlado, em processo do poder executivo. E, agora, Artur Lira e o
de radicalização, e do aprofundamento do Centrão tentam tornar fixo para o próximo
golpe por dentro das instituições. ano, independente de quem ganhe à disputa
A desarticulação dos instrumentos presidencial, esse mesmo procedimento
que o Estado teria para conter a barbárie orçamentário. A excrecência fisiológica
social é um projeto político das frações quer se perpetuar.
burguesas que operam por dentro do bloco Ao lado dos gastos exorbitantes com
no poder e que são, ao fim e ao cabo, os o orçamento secreto, vide os repasses
patrões do governo Bolsonaro. Mesmo para os aliados do presidente da Câmara
que o agitador fascista apresente-se de Federal em Alagoas; os cortes, bloqueios
forma tão desarticulada que, em tese, e contingenciamentos do orçamento da
deixaria sobressair seu possível papel de Educação, Ciência & Tecnologia colocam em
lobo solitário, como forma midiática de risco a soberania nacional do ponto de vista
desconectar criador (burguesia) e criatura
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do conhecimento. E, afundam os serviços no processo de posse do Joe Biden, tanto


públicos na mais completa inanição para com vitória da oposição no primeiro ou no
atender ao povo brasileiro. segundo turno.
Na outra ponta da destruição do Brasil, O governo burguês-militar de Jair
o governo federal avança na privatização do Bolsonaro alimenta o uso da violência sobre
parque estratégico das empresas públicas as mais diversas lideranças da vida social,
brasileira: Petrobras, Eletrobras, Correios a exemplo de líderes populares, indígenas,
& Telégrafos e tantos outros setores que sem-teto, sem-terra, ambientalistas,
congregam esse conjunto importante de jornalistas (vejam os casos dos assassinatos
empresas que têm deixado de cumprir de Bruno Pereira e Dom Phillips). Mais
seu papel essencial para responder às recentemente, tivemos o ataque sobre
demandas da população. O projeto de Paulo as retomadas indígenas nas cidades de
Guedes, como gestor do comitê executivo Amambaí e Dourados, no Mato Grosso
da burguesia dentro do Estado, é avançar do Sul, com o assassinato de um indígena
sobre o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Guarani-kaiowá, e um conjunto de violências
Federal e outras estruturas públicas. A praticadas pela PM e Milícias que deixou
partir dessa lógica, Bolsonaro cumpre um muitos homens, mulheres e crianças feridas.
papel fundamental para os interesses das O processo eleitoral, em curso, mesmo
classes dominantes no aparelho de Estado. com a vitória do ex-presidente Lula sendo
Os serviços públicos estão cantada como redenção social para o
deliberadamente em completo caos. Brasil, não derrotará o bolsonarismo nas
As mudanças efetuadas na estrutura urnas. A esquerda revolucionária tem que
das instituições permitiram, ao governo apresentar seu projeto de independência
burguês-militar, avançar na destruição do de classe no primeiro turno, esse é o papel
meio ambiente, na invasão das terras das e a proposta do PCB com a pré-candidatura
populações indígenas, na construção da da economista Sofia Manzano; para que
violência dirigida que ataca pobres, pretos, possamos continuar ocupando as ruas
mulheres, lgbtqia+ e juventude das mais para derrotar as hordas neofascistas do
diversas periferias. O partido da ordem, bolsonarismo e construindo a organização
de natureza neofascista, é composto por da nossa classe.
policiais militares, segmentos das forças O reformismo de baixa intensidade da
armadas, milicianos dos mais diversos conciliação de classes tem parca condição
negócios da franja do Estado, segmentos de fazer enfrentamento ao bolsonarismo na
do agronegócio, classe média obscurantista luta de classes. Cabe ao bloco revolucionário
e neopentecostais do comércio da fé, que do proletariado organizar suas forças a partir
também operam no aparelho do Estado de ações anticapitalistas e antiimperialistas,
brasileiro. Esse partido da ordem, hoje, no sentido de disputar uma alternativa de
encontra-se armado e pode agir da mesma poder popular que opere na perspectiva do
forma que a turma de Donald Trump agiu socialismo.

omomentoba
EXPEDIENTE

Jornalista responsável Colaboradores desta edição


Milton Pinheiro MTB 72.595/SP Alexandre Mask, Gabriel
Conselho de Redação Galego, Gabriel Pereira,
Camila Oliver, Milton Pinheiro, Rômulo Giovani Damico, Cheyenne
Caires e João Abreu Ayalla e Marcela Carvalho,
Editora Revisão
Camila Oliver Camila Oliver
Diagramação e Capa
João Abreu
contato@omomento.org | www.omomento.org

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pg. 4

MEDICALIZAÇÃO DA SOCIEDADE E RACISMO NO BRASIL

Foto: Joyce Kelly


Por Rômulo Caires
Nas últimas décadas, o conceito de me- dais valeu-se de uma política de alianças com os
dicalização vem sendo cada vez mais mobili- setores plebeus.
zado para elucidar o avanço da medicina em Esse processo produziu uma série de teo-
direção ao corpo social, processo que mais do rias que advogavam pela igualdade e liberdade
que produzir saúde tem contribuído para a in- dos seres humanos e, com isso, alguns desses
dividualização de problemas que encontram reformadores estavam realmente interessados
suas determinações fundamentais no próprio em diminuir as injustiças sociais e melhorar a
desenvolvimento da sociedade. Nesse sentido, vida de amplos setores da população. Porém,
a medicalização não é meramente o uso abusi- esse período teve breve duração. A burguesia
vo de medicações, ainda que este aspecto faça foi revolucionária até a tomada de poder e logo
parte do fenômeno, mas pode ser compreen- se assustou com a possibilidade de os setores
dido como um processo mais abrangente que populares utilizarem as armas que a burguesia
transforma questões de ordem econômica, po- utilizou contra o feudalismo contra o próprio
lítica, cultural, educacional etc., em problemas modo de produção capitalista nascente. A Re-
médicos. volução Haitiana é um dos primeiros marcos
Desenvolvemos em texto anterior a im- da transformação da burguesia de classe revo-
portância das práticas de saúde e da medicina lucionária em classe conservadora. Os revolu-
na garantia da reprodução da força de trabalho. cionários haitianos logo compreenderam que a
Neste texto, aprofundaremos outro aspecto da ideia de igualdade e liberdade propagandeada
relação entre medicina e capitalismo: seu papel pela burguesia não valia para eles. A burguesia
no controle social e na normalização dos con- não aceitou que a população negra e formada
flitos. Desde o surgimento da “questão social” essencialmente por ex-escravizados fizesse
após a Revolução Francesa, em que uma série parte da “humanidade”.
de “reformadores” passaram a se preocupar Foi justamente no decorrer do século
com as condições de vida e saúde da massa da XIX que se generalizaram ideias que explica-
população, notou-se que a medicina tinha um vam os conflitos e as desigualdades existentes
papel importante em dirimir as insatisfações po- a partir da teoria das raças e do racismo cientí-
pulares. O Estado Moderno emerge e incorpora fico. A ciência foi convocada a explicar o objeto
em suas ações a realização de certas demandas “raça” e construiu todo um arcabouço que justi-
advindas das classes trabalhadoras, especial- ficava a exclusão a partir da suposta “inferiori-
mente no período de ascensão revolucionária dade natural” das raças não-brancas. A medici-
da burguesia, que para destronar as classes feu-
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na, enquanto prática reconhecida socialmente e toda a formação estatal está determinada
por estabelecer os parâmetros de normalidade, por este aspecto. O Estado brasileiro se formou
adentra essa seara e tem papel fundamental na como uma via de impedir a mobilização dos ex-
consolidação das teorias racistas que emergi- -escravizados e fixar o “lugar do negro” no país.
ram durante o século XIX. Não será objeto desse Nesse sentido, uma das principais armas
texto uma análise ampla da relação da medicina ideológicas utilizadas pela burguesia interna
com as teorias raciais, mas tomaremos o caso foram as teorias raciais importadas da Europa
brasileiro como exemplo de valor pois julgamos e a medicina teve papel fundamental nessa im-
que o Brasil foi um local no qual a medicina e a portação e também pela construção de formas
justificação ideológica do racismo operaram em peculiares de racismo à brasileira. Lembremos
máxima sintonia. do papel de alguns médicos como Nina Rodri-
Como exposto anteriormente, cabe ge- gues na formulação da ideia de “criminoso” e na
ralmente à medicina definir o que é normal e propaganda de concepções que tomavam as ca-
o que é patológico. Essa definição do que é do- racterísticas do negro enquanto sinais de dege-
ença não é neutra e depende diretamente das neração, como “fatores de risco” para o crime.
condições específicas de cada sociedade, do pe- Lembremos também das práticas higienistas
ríodo histórico em questão etc. Justamente no que mais do que preocupadas com as condições
período em que a burguesia se torna uma clas- sanitárias estavam preocupadas em expulsar os
se conservadora, o que Marx chamou de deca- negros de seus locais de moradia para abrir es-
dência ideológica da burguesia, amplia-se com paço para as construções que embelezariam as
mais força concepções naturalistas da história cidades brasileiras e as colocariam mais próxi-
humana. Uma dessas concepções pode ser ca- mas dos grandes centros europeus.
racterizada como paradigma psicopatológico, Não é menos importante o papel da eu-
no qual as lutas sociais são interpretadas não genia, que teve na figura do médico Renato
enquanto luta de classes mas enquanto luta Kewl seu principal expoente. A eugenia foi mo-
daqueles bem nascidos e considerados autênti- bilizada como uma via de impedir a reprodução
cos humanos e aqueles considerados inferiores do negro e garantir as condições da formação
e condenados a perecerem. Tais teorias foram de uma suposta “raça superior” em nosso país.
então utilizadas como máquina de guerra con- Mesmo que posteriormente algumas dessas te-
tra o proletariado como forma de justificar a su- orias tenham sido deixadas de lada pelas classes
perexploração de seus setores mais oprimidos, dominantes, vários de seus aspectos fundamen-
especialmente a classe trabalhadora negra. tais se mantiveram e se sofisticaram em teorias
Partindo do pressuposto de que o desen- posteriores. No Brasil nunca tivemos uma de-
volvimento do capitalismo ocorre de forma de- mocracia racial, mas muitos foram aqueles que
sigual ao redor do globo compreendemos que insistiram e insistem nessa ideia. Seja pela via
a via no qual o capitalismo emerge no Brasil da patologização do negro, da expropriação de
terá relação direta com as condições específi- suas formas de autocuidado, da justificação do
cas deste território. Antes de ser capitalista, o encarceramento em massa a partir da ideia de
lugar que veio a ser chamado Brasil funcionou “guerra as drogas” ou a construção de verdadei-
principalmente enquanto produtor de bens pri- ros campos de concentração nos manicômios, a
mários para exportação a partir principalmente medicina forneceu múltiplos argumentos “cien-
da escravização, exploração e desumanização tíficos” que contribuíram com a permanência
dos povos advindos de África. Os processos do negro como passível de ser superexplorado
de desenvolvimento da sociedade foram mar- e exterminado.
cados por seguidas “revoluções pelo alto” no Desta forma, percebemos o papel que
qual as transformações ocorriam à revelia das a medicina teve como prática justificadora do
demandas populares a partir da imposição de racismo no Brasil. A partir da especificidade
cima para baixo. da sociedade brasileira, marcada pelo sentido
O capitalismo brasileiro desenvolveu-se da colonização, a medicina operou como arma
a partir do fim do escravismo e de uma série de de controle social que não só deu uma suposta
medidas que além de não garantirem a “inclu- “motivação científica” para práticas de extermí-
são” da população negra na nova sociedade em nio no passado como ainda hoje tem papel na
formação, construiu uma gama de mecanismos reprodução de diversos mecanismos que infe-
que impulsionaram a inferiorização do negro riorizam a população negra. Construir práticas
como forma de branquear a força de trabalho e de saúde emancipatórias deve necessariamen-
expurgar seres considerados “inferiores” e não te passar pela crítica radical do processo de me-
compatíveis com o progresso nacional. Desde dicalização da sociedade e das diversas formas
pelo menos o fim da Revolução Haitiana, há de construção de um suposto lugar “natural”
um medo generalizado das classes dominantes que condena as pessoas não-brancas a terem
brasileiras da ocorrência de rebeliões escravas sua existência subjugada.
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AGRONEGÓCIOS X NATUREZA: A SÍNTESE


DA MORTE E DA DEVASTAÇÃO AMBIENTAL

Foto: Wikimedia Commons


Por Alexandre Mask
Abordamos de forma detalhada, em artigo anterior, que objetivo é aquilo que ocorre de forma imediata, afe-
as relações dos agrotóxicos com táticas de guerra, como tando diretamente seu objeto, e subjetivo é aquilo que
agentes causadores de fome e de morte, sob a tutela e res- acontece de forma indireta, enquanto consequência pos-
ponsabilidade do Agronegócio1. Há mais de 3 mil anos, es- terior de algo que ocorreu objetivamente no passado.
critos ocidentais e orientais - gregos, romanos e chineses -,
O Agro e a morte subjetiva
fazem referência ao uso de alguns produtos químicos em
práticas de controle de insetos, como arsênico e enxofre, Incontáveis pesquisas e artigos, além de livros e pe-
já conhecidos séculos antes da contemporaneidade (PAS- quenas publicações, abordam intoxicações por agrotóxi-
CHOAL, 2014). Entretanto, sua prática como controle sig- cos no Brasil e trazem à baila a dimensão dos efeitos cola-
nificativo de insetos e “pragas“2 começou no século XIX, terais do uso dos produtos químicos, proibidos em muitos
durante a Revolução Industrial, consolidando-se entre o países, mas de livre circulação e comercialização nos solos
final da primeira metade do século XX (MACHADO, 2014) brasileiros. Levando em consideração apenas o período
e a contrarrevolução verde3. de 2007 a 2014, destacam-se notificações de casos de in-
toxicação no Centro-Sul do país, a exemplo do Paraná, que
A falácia da campanha publicitária criminosa “Agro: a
ultrapassa a marca de 3700 ocorrências. Os estados de
Indústria-Riqueza do Brasil”, veiculada pela Rede Globo sob
Minas Gerais e São Paulo rompem a marca de 2000 casos
a pecha mentirosa e manipuladora “o Agro é tech, o Agro
notificados. O total de casos notificados no país supera 25
é pop, o Agro é tudo”, contribui cotidianamente na cons-
mil intoxicações por agrotóxicos. Considerando o período
tituição do Agronegócio como a ideologia do campo no
avaliado, chegamos a uma média superior a 3.125 casos
Brasil. Uma ideologia que propaga o mito do sistema ideal
anuais e 8 diários. Segundo Bochner6, lidamos com uma
e insubstituível, que esconde suas verdadeiras relações de
ordem de subnotificação de 1/50, ou seja, para cada notifi-
produção, como afeta e como é afetado em sua dinâmica
cação registrada, temos mais 50 não registradas, elevando
(SANTOS, A. D. G. D.; SILVA, D. V.; MACIEL, K. N., 2019).
potencialmente a gravidade dos números apresentados.
Para além dos agrotóxicos, a fim de compreender Os casos mencionados são de intoxicações agudas, onde
melhor as práticas e consequências do Agronegócio na as pessoas afetadas buscaram ajuda no sistema de saúde.
sociedade e derrubar os referidos mitos, reiterando a ver- Exposições crônicas são mais difíceis de contabilizar e ge-
dadeira expressão do Agrobiz que deu origem a essa sé- ralmente ficam de fora da análise (BOMBARDI, 2017).
rie de artigos “O Agro é GUERRA, o Agro é MORTE, o Agro
Contaminações por agrotóxicos chegam aos cida-
é FOME”4, analisemos dialeticamente a relação Agro e
dãos através da água potável e da chuva, e até pelo leite
Morte, as múltiplas faces pelas quais se apresenta, como
materno, dado seu caráter bioacumulativo (CARNEIRO,
elemento indissociável do latifúndio, uma síntese de des-
2015). Nos municípios do estado de Mato Grosso, onde há
truição e devastação.
uso intenso de agrotóxicos nas práticas do Agronegócio,
Filosófica e sociologicamente, as categorias objetivi- existem dados estatísticos significativos que relacionam a
dade e subjetividade têm conceitos muito amplos e com- exposição a esses venenos desde o nascimento e os casos
plexos, e variam de acordo com os autores e suas teorias de morbidade e mortalidade em menores de 20 anos cau-
acerca do tema. Partiremos das concepções de Marx5 e, sados por câncer7.
para simplificar a abordagem, utilizaremos essas catego-
No artigo anterior, no que se refere à pandemia de
rias em um sentido mais direto, partindo do pressuposto

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Covid-19, vimos que não podemos encontrar explicações vem conduzindo a sexta extinção em massa da biodiversi-
sobre o salto do vírus do pangolim para os seres huma- dade11.
nos sem considerar as práticas do agronegócio8. Segundo
Em 2020, o desmatamento da Amazônia foi 176% su-
Wallace:
perior ao compromisso firmado juridicamente, e mesmo
"Se o agronegócio multinacional pode definir a com acionamento do Superior Tribunal Federal para que
geografia da produção para obter enormes lucros, inde- as metas fossem cumpridas em 2021, o índice permane-
pendentemente dos surtos que possam ocorrer, quem ceu subindo12. Ainda em 2020, houve o encerramento da
paga os custos? Via de regra, os custos das fazendas década da biodiversidade (2011-2020), na qual deveriam
industriais são externalizados. (...) o Estado há muito é ser atingidas 20 metas adotadas pela Convenção das Na-
forçado a pagar pelos problemas causados por essas ções Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB)13. Resul-
fazendas; entre eles, problemas de saúde para seus tados desoladores, apesar de avanços importantes em
trabalhadores, poluição lançada em terras vizinhas, in- algumas áreas, seguem mantendo várias espécies sob o
toxicação alimentar e danos à infraestrutura de trans- risco de extinção, incluindo a espécie humana14. Um estu-
portes. Uma fenda em uma lagoa de aves de criação, do publicado na revista Nature15, em setembro de 2021,
que despeja toneladas de fezes em um afluente do Rio demonstra que o Brasil é o país com maior número de es-
Cape Fear, causando morte massiva de peixes, passa pécies de árvores ameaçadas de extinção, onde incêndios
a ser um problema para os governos locais. (...) Até os e desmatamentos destruíram uma parte significativa e vi-
apelos em favor da preservação da ganância global são tal do habitat de cerca de 85% dessas espécies.
insuficientes. Junto com a vida de um bilhão de pessoas,
A morte subjetiva do Agrobiz: expressão da morte in-
o establishment parece disposto a apostar grande parte
direta de pessoas, da fauna e da flora mundiais, causada
da produtividade econômica do mundo, que sofrerá de
pelos agronegócios, que perpassam práticas de grilagem,
forma catastrófica se ocorrer uma pandemia mais gra-
extração ilegal de madeira, agropecuária extensiva, mo-
ve. A miopia criminalmente negligente e politicamente
noculturas e participações influentes no garimpo.
protegida sempre é capaz de pagar, até que não seja
mais. Então, alguém leva a conta para casa." (WALLA- O Agro e a morte objetiva
CE, 2020). A morte não se faz presente apenas subjetivamente
Só no Brasil, no momento da escrita deste artigo, pas- quando o assunto é Agronegócio. Suas práticas não ape-
samos de 670 mil mortes causadas pela Covid-19. No mun- nas terminam em morte, como dependem dela para exis-
do, os óbitos são superiores a 6.35 milhões de pessoas9. O tir. Há séculos, povos indígenas manejam o fogo com sa-
Agronegócio é o responsável e o causador de milhões de bedoria, levando em consideração aspectos importantes
mortes indiretas no mundo, e não para por aí: para além como estação adequada, limites a pequenas porções de
dos assassinatos indiretos, um espectro de devastação do terra e o ciclo natural das agroflorestas16. Na contramão
Meio Ambiente se traduz em morte da biodiversidade, das práticas tradicionais, uma das atividades do Agrone-
desertificação, envenenamento do solo e da água. Conse- gócio inicia-se através da grilagem de imensuráveis exten-
quentemente, eventos como crises hídricas10 e climáticas sões de terras. O fogo é um de seus principais aliados, com
são resultado desse modelo de produção devastador, que uma dupla atuação: encobrindo invasões de terras públi-

Imagem: O Agro é Fogo (https://agroefogo.org.br)

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cas e os desmatamentos ilegais, ao mesmo tempo finaliza Agronegócio, o invasor. Entre o desaparecimento de Bru-
o processo de desmatamento, criando as condições para no e Dom e o massacre estatal dos Guarani Kaiowá, era
que a área esteja a serviço das monoculturas à base de assassinado com um tiro pelas costas Wesley da Silva, 37
veneno e fertilizantes, ou pastagens para a agropecuária anos, liderança camponesa em Rondônia, presidente da
extensiva. Da mesma forma que os agrotóxicos, as quei- associação rural Nova Esperança. Há suspeitas de ligação
madas também são utilizadas como armas para expulsar, do crime com o ex-senador e grileiro Ernandes Amorim21.
através do extermínio, povos originários e comunidades
Em de janeiro de 2022, em Belém do Pará, o ambien-
tradicionais, a saber, quilombolas, indígenas e campone-
talista José Gomes, conhecido como Zé do Lago, 61 anos,
ses. O uso do fogo como instrumento de controle territo-
foi encontrado morto junto à esposa de 37 anos, e sua fi-
rial. Segundo Aguiar e Torres (2021) “entre 1985 e 2019,
lha de 17 anos, assassinados a tiros de pistola. Crime se-
período que coincide com a emergência e consolidação da
gue até hoje sem prisões ou suspeitos, com procedimen-
economia do agronegócio, 90% do desmatamento no Brasil
tos de autópsia e exumação de corpos conduzidos fora da
ocorreu para a abertura de área de pastagens e monocul-
normalidade. Um caso repleto de desconfiança e equívo-
tivos e 10% para outros usos”, e “o uso criminoso do fogo
cos, questionados pela Comissão de Direitos Humanos da
pela cadeia do agronegócio” tem como objetivo o desma-
OAB-PA, sem respostas ou quaisquer esclarecimentos. A
tamento e limpeza para fins das suas ocupações.
única informação conhecida é que “trata-se de uma exe-
No início do mês de junho deste ano, o mundo se co- cução, provavelmente, a mando de alguém” e que “nas úl-
moveu com os assassinatos do indigenista Bruno Pereira timas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças
e do jornalista inglês Dom Phillips. Um duplo homicídio foram assassinadas no município em conflitos pela posse da
onde as vítimas foram esquartejadas e incineradas, e que terra. Em nenhum dos casos houve julgamento de algum res-
provavelmente nunca será realmente desvendado, dados ponsável pelos crimes, portanto, a taxa de impunidade é de
os limites impostos pela classe dominante em direção à 100%”22.
verdade. A solução encontrada pela Polícia Federal foi tão
rápida, que há quem desconfie já ser conhecida desde a
data dos seus desaparecimentos. Relações de produção
protegidas por instituições a serviço da burguesia propa-
gam livremente suas políticas de morte, amparadas pela
certeza da impunidade, ainda que diversos elementos
contrariem as versões oficiais apresentadas, como rela-
tórios da Univaja17, que denunciam atuações de grupos
criminosos (com conhecimento das autoridades) envolvi-
dos em caça e pesca ilegais, práticas diretamente ligadas
ao Agronegócio. Em depoimento na audiência pública das
comissões de Direitos Humanos e Temporária sobre a Cri-
minalidade na Região Norte, o advogado da Univaja, Eliesio
Marubo, registrou duras palavras embaladas no medo e
insegurança imanentes às suas atividades: “Que país é esse
que nós estamos vivendo, excelências? Quantos mais Brunos
e quantos mais Doms têm que morrer? É público e notório
que a diretoria da Univaja toda está marcada com a mesma
marca que Bruno e o Dom. Temos que andar com seguran- Imagem: Marcelo Camargo/EBC
ça, temos que andar com carro blindado. Isso não é vida, nós
não estamos em um país em guerra”18; em coletiva no dia Juntam-se a Bruno, Dom, Zé do Lago e Vitor nomes
seguinte Eliesio denunciou a inércia e descaso do gover- como Chico Mendes, Dorothy Stang, Maxciel Pereira dos
no Bolsonaro e da Funai: “Nem de Funai, nem de qualquer Santos e inúmeros indigenistas e ambientalistas, que fa-
ministério, nem de ninguém do Poder Executivo. Tivemos só zem do Brasil o país que mais mata em conflitos no cam-
[reuniões] com o Judiciário e o Legislativo”19. Três dias após po23. Crimes com conclusões duvidosas, contraditórias e
a audiência, e 20 dias após o desaparecimento de Bruno e insuficientes, que fortalecem o Agronegócio e seus pares
Dom, uma ação repressiva da PM de Mato Grosso do Sul em detrimento da paz, da saúde e do direito à vida no Bra-
finalizava, com três tiros, a vida do indígena Vitor Fernan- sil, e para além disso, transformam os protagonistas da
des, aos 42 anos de idade. Segundo nota publicada por luta de resistência em meros objetos do capital. A morte
uma das principais entidades representativas dos Guarani objetiva do Agro.
Kaiowá, a Aty Guasu, “são dois mortos, podendo ser maior A síntese de morte e devastação: a Morte Ab-
o número (a comunidade fala em pelo menos quatro), e ao soluta, a Agromorte
menos 10 feridos”. A ação foi capitaneada pela PM/MS e
O resultado dessa relação entre subjetivo e objetivo
por pistoleiros contratados por fazendeiros, tendo como
chamaremos de absoluto24, um olhar dialético de rela-
motivação o despejo ilegal de terras previamente reco-
ções e processos infinitos, inter-relacionados e indissociá-
nhecidas como pertencentes aos povos originários, que
veis do Agronegócio, a Dialética da Agromorte.
estão ali desde o início do século passado, e foram invadi-
das pelo Agronegócio, procedendo sem autorização judi- O Agronegócio é o principal responsável pela devas-
cial20. No caso, as instituições estatais estavam do lado do tação ambiental, que se expressa na destruição de flores-
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tas, envenenamento das águas, dos solos, de animais, de todas as determinações. Essa unidade é, pois, a verdade toda e absoluta, a ideia que se pensa
a si mesma, e decerto aqui, enquanto ideia pensante, enquanto ideia lógica” (HEGEL, 2012,
mulheres, de homens e de crianças, deixando um rastro §236, p.366).
de morte, direta e indiretamente, por onde quer que pas- 25 Chico Mendes, citado em https://www.gaiafoundation.org/chico-mendes-vive
se e se estabeleça. Sua fidelidade aos “pacotes tecnológi- REFERÊNCIAS:
cos”, associada ao capital financeiro (ASSUNÇÃO; SOUZA;
2020, p.1) e aos grandes conglomerados de mídia enfor- AGUIAR, DIANA; TORRES, MAURÍCIO. A boiada está passando: desmatar para grilar. 2021.
Disponível em: https://agroefogo.org.br/a-boiada-esta-passando-desmatar-para-grilar/.
mam seu padrão de produção e propagação. Uma verda- Acesso em: 25 jun. 2022.
deira “supremacia ruralista”, cada vez mais poderosa politi- AMAZÔNIA REAL; Ninguém ainda foi preso pela chacina de ambientalistas em São Félix do
camente, presente no Executivo e Legislativo de todas as Xingu. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/ninguem-preso-chacina-em-sao-felix-do-
-xingu. Acesso em 26 jun. 2022.
esferas do país, propagando agrogolpes (SANTOS, A. D. G. ASSUNÇÃO, JULIANO; SOUZA PRISCILA. Os impactos do Crédito Rural na produção agrope-
D.; SILVA, D. V.; MACIEL, K. N., 2019, p.3) e desestabilizando cuária e no uso da terra. Uma análise por linhas de crédito, tipo de produtor e finalidade do
as estruturas econômicas e sociopolíticas do Brasil, escon- crédito. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2020.
BOCHNER, R.; Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINTOX e as into-
dida atrás do véu do pop, tech e tudo, mas essencialmente xicações humanas por agrotóxicos no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 12 (1):
é expressão pura da Agromorte. 73-89, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/ZmbQGtHFnG9jC3sXGR7CVxC/.
Acesso em: 25 jun. 2022.
“No começo pensei que estivesse lutando para salvar BOMBARDI, Larissa Mies; Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União
Europeia. São Paulo: FFLCH - USP, 2017. 296 p.
seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a CARNEIRO, F. F. et al. (orgs.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos
Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015
humanidade” - Chico Mendes CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,
2009
COWIE, R.H., BOUCHET, P.; FONTAINE, B.; The Sixth Mass Extinction: fact, fiction or spe-
1 (MASK, 2022). culation?. Biol Rev, 97: 640-663 (2022). Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/
2 Partindo dos Princípios Agroecológicos, a antítese das práticas do Agronegócio, aspas fo- doi/10.1111/brv.12816. Acesso em 26 jun. 2022.
ram utilizadas na palavra praga, pois o termo mais adequado é indicadores biológicos, uma CURVO, Helen; PIGNATI, Wanderlei; PIGNATTI, Marta Gislene. Morbimortalidade por câncer
vez que servem como sinalizadores de desequilíbrios dos ecossistemas, e seus controles bioló- infantojuvenil associada ao uso agrícola de agrotóxicos no Estado de Mato Grosso, Brasil.
gicos são feitos de forma natural, buscando compreender e identificar qual deficiência pode CADERNOS SAÚDE COLETIVA (UFRJ), v. 21, p. 10-17, 2013.
ter causado esse desequilíbrio. ESCOBAR, Herton; Década da Biodiversidade termina sem nenhuma meta cumprida. Jornal
3 Ibidem. da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/decada-da-biodiversidade-termina-
4 Ibid. -sem-nenhuma-meta-cumprida. São Paulo, 2020. Acesso em: 25 jun. 2022.
5 Os estudos filosóficos e sociológicos, na Europa do século XIX, partiam das concepções FENG, X., MEROW, C., LIU, Z. et al. How deregulation, drought and increasing fire im-
de Hegel e repousavam sobre aspectos do pensamento, à luz da importância do papel de pact Amazonian biodiversity. Nature 597, 516–521 (2021). Disponível em: https://doi.
transformação social que a consciência teria de exercer sob a realidade, na perspectiva de org/10.1038/s41586-021-03876-7. Acesso em 25 jun. 2022.
Bruno Bauer e como a consciência teria que se adequar à realidade, concebida por Ludwig HEGEL, G. W. F.; Enciclopédia das ciências filosóficas: em compêndio (1830): volume I: a ciên-
Feuerbach. Marx suprassumiu essa dualidade “mundo vs natureza” ao formular seu materia- cia da lógica. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
lismo histórico e dialético, fazendo com que a filosofia, através da relação de subjetividade e IEMA, Instituto de Energia e Meio Ambiente; Crise hídrica, termelétricas e renováveis Consi-
objetividade, interviesse efetivamente na realidade (CHASIN, 2009). A dialética marxista per- derações sobre o planejamento energético e seus impactos ambientais e climáticos. 2021.
mitia, finalmente, a objetivação do subjetivo, tornando os conceitos de universal e particular Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/produto/crise-hidrica-termeletricas-e-reno-
indissociáveis e imprescindíveis para uma melhor compreensão da realidade. Para um maior vaveis. Acesso em: 25 jun. 2022.
aprofundamento, ver A Ideologia Alemã, Primeira Parte (MARX; ENGELS;2007, p.25-120) MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro; Dialética da Agroecologia. 2ª ed. São Paulo: Expressão Po-
6 (BOCHNER, 2007). pular, 2014, 360p.
7(CURVO et al; 2013). MAPA DE CONFLITOS: INJUSTIÇA AMBIENTAL E SAÚDE NO BRASIL. PA – Conflitos e dispu-
8(MASK, 2022). tas por terra na Amazônia são marcados por assassinatos na região. Disponível em: http://
9 ver https://www.worldometers.info/coronavirus/ mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/pa-conflitos-e-disputas-por-terra-na-amazonia-
10 (IEMA, 2021) -sao-marcados-por-assassinatos-na-regiao. Acesso em 26 jun. 2022.
11(COWIE; BOUCHET; FONTAINE, 2022) MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; A Ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia alemã e
12 (POTENZA, R. F. et al, 2021). seus representantes Feuerbach, B.Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes
13 ver https://www.cbd.int/sp/ (apenas em inglês) profetas (1845-1846), São Paulo: Boitempo, 2007
14 (ESCOBAR, 2020). MASK, Alexandre; Pacote do Veneno: o Agro é GUERRA, o Agro é MORTE, o Agro é FOME. O
15 “How deregulation, drought and increasing fire impact Amazonian biodiversity”, em tradu- Momento – O Diário do Povo. Salvador, 2022. Disponível em https://omomento.org/pacote-
ção direta “Como a desregulamentação, a seca e o aumento do fogo impactam a biodiversi- -do-veneno-o-agro-e-guerra-o-agro-e-morte-o-agro-e-fome. Acesso em 26 jun. 2022.
dade amazônica” (FENG et al, 2021). PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO; Justiça para Bruno Pereira e Dom Phillips!; Disponível
16 (STEWARD et al, 2021) em: https://pcb.org.br/portal2/28919. Acesso em 26 jun. 2022.
17 ver reportagem do Brasil de Fato: “Relatórios da Univaja contrariam PF e revelam atua- PASCHOAL, Adilson D.; Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: problemas e soluções. 1ª ed.
ção de saqueadores profissionais no Javari” disponível em: https://www.brasildefato.com. São Paulo: Expressão Popular, 2019, 181p.
br/2022/06/21/relatorios-da-univaja-contrariam-pf-e-revelam-atuacao-de-saqueadores- PAULA, E. A.; Silva Silvio Simione. Movimentos sociais na Amazônia brasileira: vinte anos sem
-profissionais-no-javari. Outra reportagem publicada pela Agência Pública bastante relevan- Chico Mendes. Revista NERA (UNESP), v. 13, p. 102-117, 2008.
te sobre o caso pode ser encontrada em https://apublica.org/2022/06/na-ultima-viagem-de- POTENZA, R. F. et al; Análise das emissões brasileiras de e suas implicações para as metas
-bruno-e-dom-nada-de-aventura. climáticas do Brasil 1970 – 2020, 2021; Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/
18 ver em https://www.brasildefato.com.br/2022/06/22/univaja-em-audiencia-no-senado- produto/analise-das-emissoes-brasileiras-de-gases-de-efeito-estufa-e-suas-implicacoes-pa-
-quantos-brunos-e-quantos-doms-tem-que-morrer ra-as-metas-climaticas-do-brasil-1970-2020. Acesso em: 25 jun. 2022.
19 ver em https://www.brasildefato.com.br/2022/06/24/governo-de-jair-bolsonaro-ignora- SANTOS, A. D. G. D.; SILVA, D. V.; MACIEL, K. N. A campanha publicitária “agro é tech, agro
-dialogo-com-indigenas-do-vale-do-javari é pop, agro é tudo”, da rede globo de televisão, como difusora da propaganda sobre o agro-
20 ver em https://www.brasildefato.com.br/2022/06/25/acao-da-pm-no-mato-grosso-do- negócio no brasil. Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação,
-sul-deixa-pelo-menos-um-indigena-morto-e-sete-feridos da Comunicação e da Cultura, v. 21, n. 1, p. 46-61, 2019. Disponível em: http://hdl.handle.
21 ver reportagem da CPT disponível em: https://cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/ net/20.500.11959/brapci/155273. Acesso em: 25 jun. 2022.
conflitos-no-campo/6076-lideranca-camponesa-e-assassinada-em-rondonia. Recomendo STEWARD, A. M. et al; Saberes que vêm de longe: usos tradicionais do fogo no Cerrado e
também, a leitura de outra reportagem da CPT sobre violência recente no campo, disponível Amazônia. Disponível em: https://agroefogo.org.br/saberes-que-vem-de-longe-usos-tradi-
em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/6075-agri- cionais-do-fogo-no-cerrado-e-amazonia. Acesso em: 25 jun. 2022.
cultor-e-atacado-com-tercado-nas-costas-em-assentamento-no-para THE GAIA FOUNDATION; Chico Mendes Vive!. Disponível em: https://www.gaiafoundation.
22 ver https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/5902-nota-publica-mais-um- org/chico-mendes-vive. Acesso em: 26 jun. 2022.
-massacre-no-campo-nao-pode-ficar-impune VENTURA, Zuenir; Chico Mendes - crime e castigo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,
23 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) faz um trabalho de levantamento estatístico dos con- 248p.
flitos no campo e os torna públicos. Os relatórios publicados pela CPT revelam a gravidade WALLACE, Rob. Pandemia e Agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São
da situação do país nas questões agrárias e seus conflitos, e a inércia e conivência das institui- Paulo: Elefante, 2020, 608p.
ções do Estado Burguês Brasileiro. Toda essa informação pode ser gratuitamente consultada
em https://www.cptnacional.org.br.
24 “A ideia, como unidade da ideia subjetiva e da objetiva, é o conceito da ideia, para o qual
a ideia como tal é o objeto; para o qual o objeto é ela: um objeto em que vieram reunir-se

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ENTREVISTA DO MOMENTO
JOÃO COIMBRA

Foto: Daniel Drummond

Entrevista por Rômulo Caires


João Coimbra é um advogado criminalista, mestre em direito pela Arizona State University
e doutorando em Estudos Africanos na Universidade Federal da Bahia, e tem experiência na
área de direitos humanos internacionais. Além de ser um comunista linha dura, é claro.

O MOMENTO - Todo Policial é um Assas- É por isso que não temos nenhum problema
sino? em dizer que todo policial é um assassino,
João Coimbra - Sim, sem sombra de dúvida. eles são e eles sabem disso. E se por algum
Todo policial é um assassino da mesma for- acaso houver uma pessoa de farda que não
ma que todo homem é machista, todo bran- concorda com a prática de seus colegas, ou
co é racista, toda pessoa sem deficiência é com a corrupção de seus superiores, ou com
capacitista e toda pessoa cis é transfóbica. a cultura de racismo genocida e estupro dos
seus quartéis, essa pessoa vai reconhecer
“Todo policial é um assassino” porque essa que estamos falando a verdade. Ela apontar
é uma afirmação de caráter amplo, que leva para si mesma e nos dizer “nem todo poli-
em consideração a nossa organização social cial” é tão desnecessário, inconveniente e
e seus problemas estruturais. É irrelevante inspirador de desconfiança como qualquer
dizer que “nem todo homem”, “nem todo outro “nem todo x”, “nem todo y”. Se ainda
branco”, etc., porque sabemos que não se se enganam de que vão conseguir mudar a
trata de uma generalização contra quais- instituição por dentro, antes disso devem
quer grupos de pessoas, mas uma constata- entender que sua instituição é falida e pre-
ção de uma violência de fato, que se dá via cisa ser desmantelada com urgência.
de regra. Apontar exceções só confirmam
essa regra. Não se trata de uma questão individual, mas
coletiva. São todos assassinos e devem pa-
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gar pelos seus crimes contra a classe traba- o racismo. O que eles querem é amenizá-lo,
lhadora. compreendê-lo sem ameaçá-lo ou se apro-
O MOMENTO - O dia seguinte ao fim da priar dele economicamente. Três táticas fa-
polícia, como vai ser? dadas ao fracasso.
João Coimbra - Vai ser ótimo! [risos] Veja, Primeiro, porque amenizar o racismo é
a polícia não faz parte da nossa vida. Pelo amenizar para alguns, e aí nós estamos fa-
menos não positivamente. Não nos ajudam lando de classe. Não se trata de superar a
quando nosso carro dá problema, não se im- violência contra os negros, mas de “não ser
portam em ver gente na rua passando fome, um negro qualquer”, um pensamento que
não ligam de passar o dia inteiro que Deus é moralmente desprezível e politicamente
deu dentro de um carro com o motor ligado, ineficiente, porque enquanto não conse-
queimando gasolina. São eles que permitem guirmos mudar a lógica de sociedade colo-
o latifúndio, que gera miséria no campo; são nial, o branco será sempre inocente e o ne-
eles que permitem o acúmulo de bens nos gro culpado até que provemos o contrário.
mercados (até estragarem) e o sem-núme- O que essa ideia do Capitalismo Negro traz
ro de casas vazias, como aqui em Salvador, é a profissionalização desse “provar a ino-
e por isso permitem a promoção da miséria cência”, algo que é uma violência exclusio-
na cidade. nista contra os negros pobres.
Imaginem só, uma vida em que nunca mais Compreender o racismo sem ameaçá-lo
ninguém vai ter medo de tomar um baculejo é outra marca dos movimentos negros li-
na rua? E se isso nunca aconteceu com você, berais, e ainda mais tola. Primeiro, porque
camarada, se você não sente esse medo, não é possível conhecer algo sem interagir
você já vive numa sociedade sem polícia. com ele, e no caso dos marxistas, sem bus-
As outras pessoas também têm o direito de car superá-lo. As elucubrações produzidas
sentir essa liberdade, de terem vidas plenas pelo movimento negro liberal são inócu-
sem um assassino armado na esquina. as porque não interagem com a realidade,
elas buscam construir uma solução antes de
O MOMENTO - Há uma contraposição en- lidar com o problema: uma fórmula certa
tre os comunistas e o movimento negro para a derrota. E a prática da vida prova que
liberal, que poderia ser sintetizada na se- temos razão, já que vemos suas palavras
guinte pergunta: quem vem primeiro raça da moda não passarem disso mesmo, suas
ou classe? abobrinhas não servirem de outra coisa se-
João Coimbra - Antes da raça e da classe, não para vender livros e palestras… Seus
o que vem primeiro é a violência, vamos co- mini-manuais não são nem mesmo voltados
meçar por aí… Chamamos de “Movimento para o público negro, mas para o branco que
Negro Liberal” esses grupos políticos que quer livrar-se da pecha de “racista”, como se
escondem seu alinhamento em nome da o racismo não fosse ele mesmo um proble-
“união da raça negra”, mas nunca falam so- ma estrutural do capitalismo!
bre como essa união se daria, ou qual seria o E terceiro é a tática mais sincera do movi-
resultado prático nas nossas vidas por conta mento negro liberal, que é a apropriação
dessa “união”. Defendem uma corrente de econômica do racismo e da discussão sobre
Capitalismo Negro que é um contrassenso, o tema. É, inclusive, o responsável por um
posto que o capitalismo é a continuação do ponto de tensão entre os negros e os in-
projeto racista da colonização. Às vezes, eu dígenas em todo país, e em determinadas
me vejo como quem estivesse falando gre- localidades com povos ciganos, judeus, asi-
go, camarada, me perdoe, mas eu não consi- áticos… Esse péssimo hábito do movimen-
go entender quem acha que vamos superar to negro liberal de ignorar outras raças no
o racismo sem discutir nossa posição histó- território nacional servem para duas coisas:
rica na sociedade. assegurar que só negros discutam o assunto
Mas, acontece que alguns grupos, e por isso no Brasil (reserva de mercado) e desmobili-
chamamos de “Movimento Negro Liberal”, zar a camaradagem entre todos nós contra a
não têm qualquer pretensão de acabar com estrutura racista, o que ameaçaria seus pri-
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vilégios de classe, seus pequenos confortos. das como bandidos, gente negra e indíge-
O que estamos tratando aqui é que raça e na é tratada como bandido, até mesmo no
classe não são algo que possa “vir primei- ideário popular a compreensão de bandido
ro”. São determinações interrelacionais, ou envolve a pele escura, a moda periférica, a
seja, dependem de você nascer numa socie- magreza e a juventude. É a justificativa do
dade racista e de classes. As pessoas negras genocídio! Os nossos jovens são tratados
são racializadas, assim como qualquer outra como criminosos, além disso, por terem há-
pessoa pode ser racializada no seu contex- bitos da vida comum criminalizados, como o
to, como acontecem com os latinos no Nor- uso recreativo de drogas. Uma desculpa es-
te Global, mas aqui não faria sentido. Somos farrapada para tentar justificar a presença
negros porque vivemos numa sociedade ra- assassina das polícias nas nossas periferias.
cista, e se hoje não somos mais escravizados O MOMENTO - Qual a proposta dos comu-
nós devemos isso a nossa Ancestralidade, nistas sobre as drogas?
nossa luta política. E somos classe trabalha- João Coimbra - Nós defendemos o fim do
dora porque somos explorados, reduzidos a tráfico de drogas, e isso significa dizer que é
coisa… uma violência que foi iniciada pelo preciso dar um basta na farsa da “guerra às
barbarismo europeu na empresa colonial - e drogas”. Nosso inimigo não é um produto,
dura até hoje, por enquanto. nossos inimigos são os homens e mulheres
O MOMENTO - João, comunista defende que lucram com o sofrimento do povo. Ló-
bandido? gico que eu não estou falando do pequeno
João Coimbra - Essa pergunta é engraçada nem do médio traficante.
porque ela é construída sobre uma mentira. Acabar com a “guerra às drogas” significa
A mentira é que o “bandido” é um problema defender um amplo e antirracista plano de
social: é o vilão que lhe aguarda e lhe rou- legalização das drogas, para que as comuni-
ba uma bolsa ou um celular, ou para alguns dades que mais sofreram sob o jugo assas-
mais politizados seria “o político ladrão” que sino do porco fardado sejam as primeiras a
desvia dinheiro público. Antes de responder receberem o investimento por esse recolhi-
a essa pergunta, precisamos entender duas mento. Teremos emprego, renda, controle
coisas: o que é “crime” e o que vem a ser um de qualidade e controle de venda e consu-
“bandido”. (e o spoiler da resposta é que mo de drogas por parte da população bra-
sim, os comunistas defendem sim). sileira, e abordaremos enfim a dependência
Então, em primeiro lugar, o “crime” não é química da forma como precisa ser tratada:
algo que ocorre contra a sociedade, mas como uma questão de saúde pública.
por conta dela. “Crime” é o que o legislativo A produção de droga em escala industrial
decide que é crime, e que o judiciário aplica precisa ser abolida, e para isso precisamos ir
contra alguém. Não é uma coisa que existe até a sua indústria: o latifúndio. Só o latifún-
na natureza, o que existe na natureza somos dio é capaz de produzir toneladas e tonela-
nós, nossa conduta e os resultados dela. As das de produtos agrícolas, e as drogas mais
pessoas que defendem essa mentira cha- sintéticas que circulam no país dependem
mada “criminalidade” acham que o mundo de laboratórios químicos de altíssima com-
seria melhor “sem os bandidos”, mas igno- plexidade para serem produzidas, importa-
ram que nossa sociedade foi construída e é das e produzidas pela burguesia nacional.
mantida por várias violências diferentes… Acabar com o tráfico de drogas será benéfi-
O que estamos querendo dizer que é a clas- co para a população tanto para a segurança
se dominante, por ser a que tem o poder de pública quanto para a saúde pública quanto
definir o que é crime ou não, acaba por defi- para a economia nacional.
nir “quem é bandido” ou não, e como ele se É o tipo de projeto que só não é posto em
parece. prática porque vai de encontro aos interes-
É essa a nossa segunda questão frente a ses da classe dominante: nossos inimigos,
essa pergunta: a criminalização da pobreza os inimigos do povo.
e o racismo. As pessoas pobres são trata-
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O PAPEL DA CULTURA NA
REVOLUÇÃO BRASILEIRA

Don L com uma bandeira do PCB em show no RS - Foto: Facebook PCB-RN


Por Gabriel Galego
I _ a língua do povo artísticas são as primeiras responsáveis pela
formação das consciências sociais, influen-
Dentro da sociedade capitalista moder-
ciando fortemente as massas. Nossa consci-
na, a produção do trabalho artístico cumpre
ência, enquanto brasileiros, é formada por
um papel essencial, do ponto de vista ideo-
referências culturais diversas – seja da cul-
lógico. A classe trabalhadora, seja ela rural
tura popular e tradicional, como o samba, o
ou urbana, antes de acessar o conhecimen-
jongo, o maracatu rural etc.; seja da cultura
to letrado e científico, primeiro apreende
de massas, nacional ou internacional. A lin-
a brasilidade através de nossas manifesta-
guagem oral – e aqui as culturas populares
ções culturais, que perpassam festividades
cumprem um papel fundamental – tem um
populares e manifestações artísticas. De-
enraizamento muito mais profundo na for-
pois da família e da religião, as linguagens
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mação da consciência brasileira. sacerdotes e suas inúmeras práticas e sa-


bedorias – aprofundando os conhecimen-
A linguagem acadêmica e o pensamen-
tos acerca da formação cultural brasileira
to filosófico ainda são de difícil acesso para
em suas dimensões artísticas e espirituais.
a maior parte da população. Esses são co-
Esses conhecimentos faltam aos marxistas
nhecimentos restritos às universidades e a
contemporâneos, mas é indispensável.
outros espaços de poder, como o Estado e
a mídia. Por exemplo, em 1960, 39,6% da Como diria Marx, em suas famosas te-
população brasileira era analfabeta. Hoje, ses contra Feuerbach, o educador também
segundo o IBGE, a taxa está em 6,6%. Entre- precisa ser educado. Se podemos oferecer
tanto, segundo a Associação Brasileira de a ciência do proletariado para as massas,
Estágios, apenas 5% da população brasileira deixemos que as massas nos ofereçam a
detém o título de ensino superior completo. sabedoria e a estética popular, indígena e
O conhecimento letrado, dentro da histó- quilombola, assim como suas formas de or-
ria do Brasil, sempre foi inacessível para ganização popular. Somente assim podere-
as classes populares – e, mais do que isso, mos construir uma Revolução genuinamen-
foi um instrumento de opressão e domi- te brasileira – uma reordenação radical da
nação da classe dominante. política e economia fundada no marxismo,
mas incluindo os diversos povos e nações
Mas, por que essa particularidade histó-
presentes no Brasil e, o mais importante,
rica da formação da consciência brasileira é
nunca esquecido das potencialidades revo-
fundamental para os comunistas?
lucionárias do sentimento e da fé.
A ciência continua sendo um dos ele-
mentos centrais para o desenvolvimento
da sociedade capitalista e sua manutenção. II _ Os comunistas e a produção cultural
Mas, as massas falam a língua das artes e
da religiosidade. As tradições populares e No ciclo entre 1945-1964, o Partido
tradicionais da cultura brasileira, afro-brasi- Comunista Brasileiro nutria ilusões na es-
leiras e das culturas indígenas estão quase tratégia conciliatória e nacional-libertado-
sempre ligadas à espiritualidade e à expres- ra. Entretanto, também gozava de grande
são artística. Algo não pode nunca ser per- prestígio no seio popular. A questão cultu-
dido de vista pelos comunistas brasileiros: ral tinha uma importância crucial para en-
a ciência é o sustento da nossa atuação po- tender Brasil. Nessa época, foram feitas sín-
lítica, tática e estratégia, mas a arte e a es- teses muito relevantes para entendermos
piritualidade são as melhores formas de co- a cultura brasileira, que nos servem ainda
municação com os povos. Queremos educar hoje. Por exemplo, em 1937 dois jovens in-
a classe e levar o conhecimento científico, telectuais, Edison Carneiro e Aydano Ferráz,
mas não podemos descartar a arte popu- então militantes do PCB, estavam à frente
lar e a espiritualidade como insignificantes da organização do II Congresso Afro-Brasi-
ou falsas diante da ciência do proletariado leiro, que pela primeira vez colocou dezenas
para entendermos a realidade brasileira. de mães de santo dentro da universidade e
Essa atitude, isto é, o menosprezo do co- criou laços profícuos do Partido com os po-
nhecimento intrínseco às formas de consci- vos de terreiro.
ência artística e espiritual, é o que chamo de Era notável a capilaridade do PCB den-
“cientificismo”. tro dos chamados intelectuais, artistas e
Os comunistas brasileiros, interessados cientistas, com personalidades preocupa-
em compreender verdadeiramente sua pá- das com a questão da cultura1. Astrojildo Pe-
tria, têm o dever de aprender com os mes- reira, no artigo “Cultura, Classe e Política”,
tres e mestras da cultura popular, com os escrito em 1960, retoma o pensamento de
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Lenin e de Sílvio Romero para pensar uma Atualmente, somos a minoria dentro do
particularidade da cultura brasileira: existe debate público, inclusive dentro da esquer-
um antagonismo entre a cultura popular e da. Por outro lado, desde 1990 os comunis-
a cultura das classes dominantes. A luta de tas forjaram uma leitura científica eficaz
classes se estabelece também nas disputas da realidade econômica e social brasileira.
dentro da cultura nacional. Avançamos com a nossa estratégia, efetu-
ando uma profunda autocrítica e descar-
A cultura dominante, em sua modali-
tando a ideia do etapismo. Olhando desse
dade brasileira, é sempre subordinada ao
ponto de vista, pudemos superar problemas
imperialismo, sobretudo o norte-america-
teóricos graves que enviesavam a leitura da
no. Astrojildo, com toda razão, fala que “os
conjuntura e da estratégia do Partido. Hou-
imperialistas sabem muito bem que não
ve avanço na construção científica e uma
podem exercer plenamente a sua função
sólida formação política, o que tem dado re-
dominadora sem uma combinação adequa-
sultados muito significativos, sobretudo na
da de pressões econômicas e políticas com
editoração independente e na formação de
pressões ideológicas e culturais” (p. 258).
quadros de cientistas competentes. Esta-
Outro pensador marxista, Nelson Werneck
mos engatinhando em direção a uma influ-
Sodré, analisa o mesmo fenômeno de domi-
ência decisiva no campo ideológico. Apesar
nação cultural no quadro brasileiro. Em seu
desses passos, atualmente não temos um
livro, “Ideologia do Colonialismo”, escrito
grande nome marxista, seja cientista ou ar-
em 1961, demonstra como essa subordi-
tista, dedicado a questão da cultura popular
nação dos países subdesenvolvidos pelas
e das artes.
produções culturais do centro está enraíza
desde a colonização e aparece na chamada Nos últimos cinco anos, tem aparecido
“ideologia do colonialismo” e na “transplan- nomes da arte independente que se identi-
tação cultural”. Em Introdução a Revolução ficam com o comunismo, como Siba, FBC e
Brasileira, em que aborda também essas ca- Don L. Dentro da juventude, como tem sido
tegorias, segue a mesma lógica levantada o costume da renovação de quadros dos co-
por Astrojildo, comentando que munistas, já vemos nomes que começam a
se destacar, sobretudo no hip-hop, mas ain-
Não era possível que se aceitasse
da são pouco conhecidos do grande público.
como a face real [do Brasil] aquela em
Estou convencido que essa falta de presen-
que estavam agrupados escravos negros,
ça na cultura nos impede de criar uma co-
trabalhadores mestiços livres, comer-
municação mais efetiva com as massas, que
ciantes urbanos, pequenos funcionários.
toque as mentes, mas também os corações.
Esta era o Brasil, sem dúvida, — mas o
A inserção dos comunistas na produção cul-
Brasil que se devia esconder, como se es-
tural e na criação artística, reconhecendo
condem as vergonhas, aparentando iden-
a potencialidade de sua cultura popular –
tidade com os padrões externos, alarde-
está diretamente ligada à nossa inserção
ando que também aqui havia gente do
nas massas, sendo uma de suas múltiplas
mesmo molde que o europeu de classe
determinações.
superior. (Introdução a Revolução Brasi-
1 Importante pontuar que a relação do Partido com a pro-
leira, p. 138) dução intelectual nunca foi isenta de atritos – basta pen-
sarmos na política do realismo socialista. Ou no desprezo
Essa configuração da luta de classes dos comunistas pela arte abstrata na primeira metade do
dentro da cultura nacional, que além dos século XX, interpretada como “arte burguesa”. Existe uma
relação entre o controle do Partido e a liberdade individual
pobres e negros, ainda abarca as centenas do artista, do ponto de vista da forma e do conteúdo das
de etnias indígenas – essa disputa entre obras artísticas – que, por vezes e em determinadas condi-
ções históricas, se torna uma contradição.
Brasil e Brazil, como diria Aldir Blanc – ainda
não se esgotou.

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pg. 16

NOVO AUMENTO DA TARIFA DO


TRANSPORTE URBANO

Foto: Wikimedia Commons


Por Gabriel Pereira
Em conduções demoradas, antigas e superlotadas, Além de a tarifa ser um constante golpe no bolso da
os soteropolitanos disputam por espaço para chegar ao classe trabalhadora e o medo da contaminação pela co-
seu destino. O ano de 2022 é o sexto ano seguido com vid-19, a falta de segurança no transporte público conti-
aumento da tarifa rodoviária em Salvador, fazendo com nua alarmante. Em 2021, foram registados cerca de 1.100
que sejamos a capital nordestina com a passagem mais assaltos a ônibus em Salvador, uma média de quatro assal-
cara. Infelizmente, não podemos dizer que o aumento da tos por dia.
tarifa resulta em melhoria no transporte da cidade. Não é A secretaria de segurança pública, questionada pela
difícil encontrar ônibus rodando com a lataria enferrujada, reportagem do Bahia Notícias, diz que o investimento em
pneus carecas, e insetos andando em seu interior. tecnologia de segurança é de responsabilidade das em-
Durante a pior fase da pandemia da covid-19, além de presas que administram os coletivos.
ser autorizado novo reajuste na tarifa (abril de 2021), a fro- "A Secretaria da Segurança Pública informa que coleti-
ta de ônibus rodou com capacidade reduzida, dobrando vos são bens privados, logo, cabe às empresas investirem
a demora nos pontos de ônibus e causando superlotação em tecnologia da segurança, mas reforça que a pasta já se
num momento em que aglomerações deveriam ser evita- colocou à disposição dos consórcios que administram o
das, fazendo com que o transporte público da cidade ser- sistema de transporte coletivo para consultorias sobre sis-
visse como um verdadeiro roteador do vírus entre a classe temas integrados de combate a este tipo de crime", disse
trabalhadora. a SSP em nota.
O aumento de 11,61% para linhas metropolitanas que A forma em que hoje está estabelecido o sistema de
partem de terminais rodoviários e de 11,80% para linhas transporte público em Salvador, e no restante de país, não
convencionais e semiurbanas é justificado pela prefeitura foi feita pensando em facilitar a mobilidade urbana dos
com base na correção de índices como: variação do diesel; usuários (malha social composta basicamente pela classe
INPC (Índice Nacional de Preço ao Consumidor); IPCA (Ín- trabalhadora). Com suas engrenagens nas mãos da bur-
dice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo). guesia empresarial, o serviço “público” de transporte se
torna mais uma mercadoria feita para dar lucro ao seu pro-
Tarifas do transporte metropolitano de prietário e um importante balcão de negociatas no jogo
Salvador 10/06/2022 político.
A má gestão nessa estrutura afeta negativamente a
Linhas Tarifa atual Tarifa reajustada vida de milhares de pessoas diariamente, privando a classe
Anel 1 R$ 4,30 R$ 4,80 trabalhadora do seu direito pleno de ir e vir na cidade para
Anel 2 R$ 6,10 R$ 6,80 diversas atividades possíveis, seja a procura de um em-
Anel 3 R$ 8,60 R$ 9,60 prego, estudo, lazer ou saúde. Para garantir melhoria na
Fonte: Agerba qualidade de vida desses usuários, é necessário um estado
que enfrente os grandes monopólios de coletivos e impo-
Anel 1: Ônibus que atendem as cidades de Simões Filho e nha uma nova estrutura que vise suprir as necessidades
Lauro de Freitas;
Anel 2: Ônibus que atendem as cidades de Camaçari e Can- dos trabalhadores e usuários do transporte público, com
deias; segurança, eficiência e tarifas justas, no que não puder ser
Anel 3: Ônibus que atendem as cidades de Dias D'Ávila, Mata gratuito.
de São João, São Sebastião do Passé, Madre de Deus.

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pg. 17

OS QUASE 200 ANOS DA


INDEPENDÊNCIA E O 2 DE JULHO

Foto: Rhaic Pastor Piancó


Por Giovani Damico
No último Sábado, em 2 de Julho, o povo tradição de “festa pé no chão” onde o povo toma
baiano foi às ruas comemorar o tradicional corte- as ruas do Centro Histórico soteropolitano.
jo que leva o nome desta data. No entanto, a fes-
tividade e data de lutas efervescentes este ano O 2 de Julho é uma data que representa, so-
carregava um conteúdo emblemático: Em 2022, bretudo para a população baiana, a intervenção
se comemoram os 200 anos desde o longínquo direta das massas populares na história do Bra-
“Grito de Independência ou Morte” de Pedro I, sil, onde a independência, outrora formalizada
marca folclórica da Independência formal do “Por cima”, ou seja, via decreto e proclamação
Brasil, a despeito de sua materialização só vir a do Imperador Dom Pedro I, passa então à sua
ocorrer em 2 de Julho de 1823 na Bahia. Outro materialização concreta apenas com a Guerra de
aspecto conjuntural – mas não menos importan- Independência travada na Bahia, culminando no
te – é o Cenário de retomada das Ruas pós biênio Histórico 2 de Julho, com a expulsão completa
pandêmico, marcada ainda por uma crescente das tropas portuguesas. O imaginário popular
polarização na política brasileira e baiana, não à se relembra assim todos os anos de que não fo-
toa, 5 presidenciáveis (Ciro, Tebet, Lula, Bolso- ram gritos folclóricos nem altas negociatas que
naro e Sofia Manzano) estiveram presentes no nos libertaram do jugo colonial, mas sim a orga-
Cortejo, com destaque para Sofia Manzano (PCB) nização popular que contou com uma aliança en-
que percorreu o trajeto na íntegra, nutrindo a tre proletários das cidades, população indígena

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pg. 18

e quilombola, num esforço de libertação. dependência de classe se fizeram presentes,


dentre estes segmentos da luta urbana, luta por
Este 2 de Julho situa-se em um contexto moradia como o MSTB e Comitê Baiano Contra
onde a polarização em torno das Eleições fez a Fome, o Despejo, o Desemprego e a Carestia.
do Cortejo palco de disputa de holofotes de um Remontando ao Caráter histórico do 2 de Julho
lado, e palco de disputa da luta política das mas- de uma data de Luta Popular. Em particular, no
sas do outro. Evidentemente que existe margem ano de 2022, após dois anos sem a realização da
para uma costura entre as duas faces da disputa Festividade, a presença de um cortejo massivo,
política, mas o esgarçamento das contradições onde até mesmo as redes de telefonia tiveram
sociais aponta para as claras diferenças dos gru- forte dificuldade de operar na região causando
pamentos que ocupam as ruas na perspectiva de quase um “apagão de dados móveis”, bem como
“comícios eleitorais” e dos grupos que ocupam ocasionando uma passeata bastante extensa,
organicamente as ruas, como parte fundamental apertada pelos trechos estreitos do Centro His-
de sua estratégia política. O Bloco do Poder Po- tórico, numa expressão de que a luta popular se-
pular, figurou enquanto expressão da amálgama gue viva, e se constrói no quotidiano das ruas,
entre organização popular de base, com uma in- com suas nuances, onde gritos, tambores, ade-
tervenção direta do proletariado nas ruas, e ao sivos, panfletos e diversos dizeres ecoaram num
mesmo tempo trouxe o prisma eleitoral para o chamado a uma independência de Classe.
seio do 2 de Julho, apresentando as pré-candi-
daturas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), O 2 de Julho deste ano ocorreu assim me-
presentes no Ato com a já citada, presidenciável diante um contexto onde a carestia, a alta dos
Sofia Manzano, bem como a Pré-candidatura ao combustíveis, da conta de luz, bem como a tragé-
Governo da Bahia com Giovani Damico, e as Pré- dia do genocídio em curso, ocasionado pelo go-
-candidaturas a Deputados/as Federais com João verno fascista situado no Governo Federal, fize-
Coimbra, Cheyenne Ayalla, Ana Karen e Inês Mel- ram emergir as massas sociais de nosso estado,
gaço. num cortejo que contou com caravanas dos di-
versos cantos da Bahia, com presença das Univer-
Outros partidos e movimentos sociais se fi- sidades Estaduais, em luta permanente contra os
zeram presentes no Cortejo, com participações diversos ataques. Este foi certamente um 2 de
de diversas naturezas. A presença puramente Julho que prepara terreno para os 200 anos da
eleitoreira de Jair Bolsonaro, que construiu uma Independência do Brasil, que de fato tomará lu-
“Motociata” completamente discrepante com a gar não no fatídico 7 de Setembro de 2022, mas
história do 2 de Julho, não à toa resultando em sim em 2 de Julho de 2023. Tal marcação deve
uma atividade profundamente esvaziada e num chamar atenção de nossa classe para a necessi-
circuito hegemonizado pela pequena-burguesia, dade de uma nova empreitada histórica da classe
na orla da Barra. Outras expressões puramente trabalhadora brasileira, abrindo de vez as portas
eleitoreiras tiveram mostra em presenças como de uma nova independência, a independência de
a de Simone Tebet (MDB), numa curta caminhada classe neste país, fruto de um movimento revo-
em parte do trajeto, bem como Ciro Gomes (PDT) lucionário que extirpe de vez as raízes da explo-
e Lula (PT). ração em nossas terras.

A presença de Lula buscou ostentar uma po-


larização com Bolsonaro, tendo Lula participado
de um trecho da caminhada na Soledade. No en-
tanto, o verdadeiro ensejo da presença do petis-
ta se deu na realização de um Comício na Arena
Fonte Nova, onde membros do PT de sua alta cú-
pula e parte de suas bases se fizeram presentes.
Ainda assim, se fez notável a presença burocráti-
ca de muitos dos segmentos petistas, em grande
parte funcionários da máquina pública da Bahia,
que acompanhavam os comandos de Rui Costa,
numa espécie de pequeno “Abadá do Governo do
Estado”.

Outros movimentos sociais com maior in-

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SEÇÃO ESPECIAL: ELEIÇÕES 2022


BIOGRAFIA DE ANA KAREN

Poetisa, Médica de Família e Comunidade, Pro- pliação e manutenção das Casas de Estudantes Uni-
fessora, Educadora Popular, Feminista Classista e versitários de Uibaí (CEUs), que se intensificaram
Comunista: Ana Karen Oliveira assume a pré - candi- quando mudou para a capital e foi morar na CEU -
datura a deputada federal pelo PCB Bahia Salvador, na Rua do Sodré. Morou em torno de dois
Ana Karen nasceu em Uibaí, cidade do sertão anos na capital, onde além da luta por moradia es-
baiano, em 18 de agosto de 1989, onde morou até tudantil, envolveu-se em lutas mais amplas, como o
os 17 anos. Estudou em uma Associação de Pais e Plebiscito Popular pela Reestatização da Vale do Rio
Mestres, o Colégio Cassimira Maria Machado, que Doce.
ajudou a construir e levantar os muros em mutirões. Aos 19 anos, passou em medicina na Universida-
Aos 11 anos, começou a se envolver na arte enga- de Estadual de Feira de Santana (UEFS) e refundou,
jada através de movimentos de poesia e teatro do junto com outras colegas, a CEU - Feira na cidade. Na
oprimido, nos grupos Língua Solta e nos Movimen- UEFS, na primeira semana de aula, conheceu o Di-
tos “Uibaí tem Sede” e Praça Inquieta. O envolvimen- retório Acadêmico de Medicina (DAMEFS) e as suas
to com a arte e com a política atravessaram sua vida lutas junto aos movimentos sociais e em defesa do
desde a infância, quando começou a escrever poesia SUS e das universidades públicas. Na mesma sema-
e literatura aos 7 anos e a acompanhar os pais nas na, começou a participar das reuniões do diretório
atividades associativas e políticas partidárias de es- e logo passou a sua coordenação. Durante os seis
querda que embalavam a cidade. Seus pais vieram anos de curso, manteve-se na organização do ME
de famílias de pequenos agricultores e de formas de medicina, tanto na UEFS, como a nível nacional,
diferentes, foram decisivos na vida de Ana. Seu Zé na Direção Nacional de Estudantes de Medicina (DE-
Alves, primeiro filho de família de lavradores que NEM), onde esteve na Coordenação de Extensão
conseguiu fazer o ensino universitário e Dona Ri- Universitária (CExU) por duas gestões. Pela DENEM,
somar, uma mulher extremamente forte e valente, esteve em estágio em Cuba, onde conheceu de for-
trabalhadora ambulante e contadora de histórias, ma mais aprofundada a Revolução Cubana e a orga-
que começou a lavar roupa desde a infância para so- nização do seu sistema de saúde.
breviver. Nos primeiros meses de aula, também entrou em
Ainda em Uibaí, envolveu-se nas lutas pela am- um grupo do Movimento Estudantil, o Ousar. Mili-

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SEÇÃO ESPECIAL: ELEIÇÕES 2022
tou no coletivo em torno de 4 anos, período que foi uma vez representando o CFCAM na Venezuela, no
Coordenadora Geral do DCE UEFS e esteve envolvi- XVII Congresso da FDIM, momento que coordenou
da em diversas lutas que estavam ligadas ao projeto os trabalhos do grupo de jovens e passou a ser res-
de Universidade Popular, como o coletivo Pró - Ban- ponsável pela a Comissão de Resgate Histórico da
dejão, a luta pelo Passe Livre, a reorganização do Fó- FDIM América.
rum de Estudantes das UEBAs e a criação e manu- Sua formatura em medicina se deu em 2015 e
tenção da Ocupação Lucas da Feira, junto ao MSTB. logo em seguida entrou na residência de Medicina
Em março de 2013, depois de estudar várias estra- de Família e Comunidade (MFC). Um outro olhar so-
tégias e forças políticas, resolveu entrar na União bre o cuidado em saúde, sobre a determinação so-
da Juventude Comunista ( UJC). Protagonizou sua cial do processo saúde - doença e sobre o território
organização no Estado junto com outros jovens e foram determinantes na escolha da especialidade,
se tornou a primeira Secretária Política, tarefa que voltada para o cuidado na Atenção Primária. Como
cumpriu até 2017. Nesse período, o coletivo cresceu o slogan da especialidade diz: “ Médicos de gente”,
e se consolidou nas maiores cidades baianas, com não de doenças.
importante expressão no Movimento Estudantil. No
VII Congresso da UJC, em 2015, foi eleita para sua Durante a residência trabalhou no Alto do Ca-
Direção Nacional, onde assumiu a pasta responsável brito, bairro no Subúrbio Ferroviário de Salvador e
pela construção do Movimento por uma Universida- no Parque Verde 2, bairro da periferia de Camaçari.
de Popular (MUP), porém saiu da direção em 2016 Nesses locais, esteve envolvida com várias ativida-
para cumprir tarefa no movimento feminista classis- des nos territórios, organizando lutas junto com jo-
ta. vens e moradores locais, a exemplo da reorganiza-
ção da Frente Baiana Contra a Privatização da Saúde
Em agosto de 2013, esteve na rearticulação do e em Defesa do SUS. Nesse período, também prota-
PCB na Bahia, que teve importante peso da UJC. gonizou a fundação do Núcleo da Unidade Classista
Desde esse período, começou a cumprir tarefas na de Saúde de Salvador e Região Metropolitana e es-
Direção Provisória do partido e em novembro de teve na primeira coordenação estadual da Unidade
2013, nos marcos do XV Congresso Nacional (abril Classista na Bahia, onde assumiu por um tempo a
de 2014) passou a compor o Comitê Regional da secretaria política. Para além disso, realizou de for-
Bahia, onde cumpriu tarefas na agitação e propra- ma concomitante a residência o curso de Monitores
ganda, nas finanças e sobretudo, na organização de em Educação Popular pelo 13 de maio, ampliando o
mulheres e da juventude. escopo dos trabalhos de extensão popular e organi-
A luta feminista está presente em sua vida desde zação comunitária.
a juventude, porém ganhou mais expressão com a Ainda na área profissional foi preceptora da Resi-
entrada no PCB. Em setembro de 2013, participou dência de Medicina de Família e Comunidade em Ca-
do I Ativo de Organização do Coletivo Feminista maçari e fez especialização em Saúde Internacional
Classista Ana Montenegro em São Paulo. Nesse ati- e Soberania Sanitária. Hoje é professora da Universi-
vo, assumiu várias tarefas na confecção da I Decla- dade Estadual de Feira de Santana, supervisora do
ração Política Nacional do coletivo e a responsabili- Programa Mais Médicos, compõe o Conselho Fiscal
dade de organização do coletivo na Bahia. Em 2015, da Associação dos Docentes da UEFS ( ADUFS), mes-
escreveu a proposta do I Encontro Nacional do CF- tranda em educação pela FACED - UFBA, pesquisa-
CAM e esteve, junto com a Secretária de Mulheres dora no grupo Marxismo, Políticas de Trabalho e
do PCB e militantes de São Paulo, na organização, Educação (MTE - UFBA) e do Laboratório de Estudos
formulação e sistematização do encontro e das suas Marxistas (LEMarx-UESB), com estudos na área do
teses. Nesse encontro, que aconteceu em novem- feminismo, violência à mulher, em especial violência
bro de 2015, foi eleita para a primeira Coordenação obstétrica, saúde mental, saúde pública e educação
Nacional do CFCAM, assumindo a Secretaria de Or- médica.
ganização. Esteve nesta secretaria até final de 2016,
quando passou a assumir a Secretaria Política, tarefa Faz parte do Comitê Central do PCB desde o seu
que cumpre até o momento . XVI Congresso, que teve sua etapa nacional em
2021. Recentemente, escreveu o prefácio do livro
Tem representado o Coletivo em importantes Ser ou Não Ser Feminista e outras obras seleciona-
tarefas internacionais. Em setembro de 2016, parti- das, de Ana Montenegro. É secretária política da cé-
cipou do XVI Congresso da Federação Democrática lula do PCB, em Feira de Santana, e é pré - candidata
Internacional de Mulheres (FDIM) em Bogotá, quan- a deputada federal pelo PCB/Bahia.
do o coletivo passou a ser membro dessa importan-
te organização e em abril deste ano, esteve mais

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ESPAÇO CULTURAL
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DO HARLEM ÀS PERIFERIAS SOTEROPOLITANAS

Foto: Marcela Carvalho

Por Cheyenne Ayalla e Marcela Carvalho

A proposta de cine-debate enquanto um do lugar. Para além de um evento realizado num


espaço pedagógico e estratégico de interação parque urbano dentro de um contexto histórico
entre comunistas sob a perspectiva Marxista-le- e territorial de forte tensionamento e enfrenta-
ninista apresentou-se como um espaço crítico e mento ao braço armado do estado americano, a
de reflexão acerca da política que se encontra construção do documentário nos aponta para a
nos diversos locais que nos cercam. Se a histó- urgência do debate crítico acerca dos modos de
ria da humanidade é a história da luta de classes, produção capitalista do espaço da cidade, cam-
torna-se pertinente a realização de um espaço po de disputa social diretamente marcado pela
de debate como este, onde é possível fazer uma força repressora da ação policial, mas também
análise da obra cinematográfica em questão pela precarização da moradia, do acesso à saúde
para compreender a dinamicidade da história e e ao saneamento, à educação bem como aos es-
da sociedade como uma grande escola de conhe- paços de brincar e convivência coletiva.
cimentos, contradições e conflitos. Tendo em vista a materialidade que consti-
Num primeiro momento, o documentário tui o lugar e a vida da população periférica evi-
musicado “Summer Of Soul”, reflete um bálsamo denciados no bairro do Harlem, cabe ressaltar
de memórias e sentimentos ao espectador da que um documentário como “Summer of Soul”
obra. Imerso sobre a construção musical do Festi- pode nos dizer muito mais do que um modo de
val de Cultura realizado no bairro do Harlem, em operar a reivindicação dos espaços coletivos da
1968, na cidade de Nova York (EUA), é possível cidade através da cultura, esta que é campo de
apreender como o evento, para além das cenas disputa ideológica importante aos comunistas,
de alegria, refletem a realidade urbana das áre- como já fora apontado em texto anterior. Ao re-
as periféricas demarcada pela desumanização, alizarmos um salto geográfico para os centros
a marginalização e a segregação sócio-espacial urbanos que constituem boa parte das cidades

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ESPAÇO CULTURAL
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latino americanas, imersas, portanto, num ca- uma ausência de discurso político formativo
pitalismo periférico, veremos que em ambas as mais contundente ao longo do filme. Em diver-
construções - seja a cidade de um país coloni- sos momentos do documentário, a construção
zado ou não - o espaço urbano, principalmente do Festival é retratado num viés conciliatório
aqueles que constituem o território periférico entre artistas, população residente do Harlem
da cidade expressam a máxima segregadora e e figuras públicas do campo político que esta-
histórica mantida não só pelo poder econômico, vam associadas diretamente à promoção de po-
mas social que implica em todas as problemáti- líticas de planejamento urbano que atacavam
cas já mencionadas que o capitalismo impõem. diretamente o bairro do Harlem, seja através
Mesmo que o Brasil e os EUA apresentem uma através da negligência estatal como através do
série de diferenças quanto a construção da luta alto adensamento populacional do bairro oca-
antiimperialista e antiracista, o sentido de mino- sionado pela expulsão da população marginali-
rar os povos explorados continua sob o mesmo zada do centro de Nova York. Por outro lado, o
escopo, uma vez que a base da dinâmica do siste- documentário evidencia os Panteras Negras e a
ma capitalista encontra-se na escravidão traba- icônica imortal Nina Simone como fundamentais
lhista precarizada e mal remunerada. A ausência à construção do discurso radicalizado que con-
de condições materiais que atravessam a urgên- sidera a luta armada, a educação revolucionária
cia das condições mínimas de bem-estar humano e a organização da classe trabalhadora naquele
é chave de reflexão exposta sobre o bairro do mesmo período.
Harlem, mas que também nos provoca sobre as Por fim, apesar de extremamente sufocan-
periferias soteropolitanas, considerando o efei- te a conjuntura que se apresenta, a construção
to colateral da imensa concentração de riqueza do horizonte comunista nos revela um lugar
e superexploração do trabalho que esses dois mais a par das necessidades do povo. A partir
países estão imersos. dessa breve análise construída através de alguns
Podemos ainda mencionar, que o Festival aspectos históricos e sociais demonstrados pelo
Cultural do Harlem se mostra como um grito de documentário é imprescindível conclamar a to-
fúrias através das músicas, declamações de fé e d_s para a efetivação da perspectiva comunista
histórias diversas que se entrelaçam com o mo- no mundo de modo que seja possível findar o sis-
mento histórico da década de 1968 o qual estava tema opressor capitalista. Como nos aponta Karl
imerso em guerras imperialistas. Nesse cenário, Marx, "não temos nada a perder a não ser nossos
concomitantemente, a luta pelos direitos civis grilhões”.
dentro do país dos Ianques o documentário tam- Venceremos, camaradas!
bém rememora o banho de sangue pelo qual fo-
ram ceifadas as vidas de diversas lideranças da
comunidade negra como o pacifista Martin Lu-
ther King e do revolucionário Malcom-X. É pre-
ciso ainda destacar que a construção do Festival
Cultural do Harlem contou com a segurança dos
militantes também revolucionários que compu-
nha o grupo antirracista de autodefesa Os Pan-
teras Negras. Em uma perspectiva cultural, o
documentário musicado traz expressões estéti-
cas, mas que, simbolicamente, é um meio de re-
sistência, sejam elas pelo cabelo, roupas, ritmos,
dança e algo mais intrínsecos que a própria exis-
tência - sem ao menos pensar - a identificação
como uma unidade. Ademais, as músicas presen-
tes, como o próprio Blues, se torna o ritmo da
dor que está presente diariamente na vida dessa
população cantando essas dores como protesto,
onde nas letras, sejam elas de cunho religioso ou
não, é modo de questionamento e emanar suas
dores por meio desse ritmo.
Não podemos deixar de levantar que há

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MEMÓRIA
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OSCAR NIEMEYER: ARQUITETO COMUNISTA

Foto: Roger Pic

Por Marcela Carvalho

“[...]Onde a luz não inunda os quadros, onde o O marxista Nelson Werneck Sodré, em seu
artifício das palavras não encontra lugar [...]" texto “Memórias de um escritor”, ressalta que as ma-
nifestações artísticas do Modernismo, mesmo que
Sodré, Memórias de um escritor. fincadas as raízes em seus motivos nacionais, prestam
alguns serviços como “a busca pela simplicidade” na
Se o campo da crítica historiográfica da arquite- forma. Ainda que o texto do Sodré seja, em sua maio-
tura moderna brasileira vem, há muito, exercendo seu ria, uma crítica ao que se conforma em torno da nossa
papel essencial na retomada e reconhecimento de al- literatura moderna no séc. XX, pensemos na simpli-
guns grandes nomes que apontam para o significado cidade enquanto aspecto autêntico de significação
da arquitetura enquanto substância da história, é pre- bem como na disseminação de uma estrutura visual
ciso antecipar que este significado encontra-se funda- de sentido ideológico no campo da arquitetura. À me-
mentalmente debruçado sobre como a revelação da dida que sua trajetória profissional amadurece sobre
expressividade plástica e formal pode incidir sobre a a prancheta, as relações projetuais estabelecidas pelo
sociedade e o seu futuro. Pensando nisso, é impossí- arquiteto demonstravam de forma cada vez mais con-
vel não rememorar a dimensão simbólico-expressiva tundente as formulações estéticas de um comunista:
da arquitetura, assumida através de um vocabulário sua busca pela expressividade, a invenção plástica
formal muito próprio do nosso camarada, arquiteto e como determinante da criação de uma obra de arte
comunista Oscar Niemeyer. na paisagem urbana que tratasse de um “presente

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ESPAÇO CULTURAL
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generoso”, uma vontade do vir a ser frente aos escom- da arquitetura promovida por Oscar manifestada
bros da democracia burguesa em seus horizontes es- na mediação entre a expressividade da curva livre e
treitos. certa imposição geométrica que se dá a partir do de-
À primeira linha, este primeiro traço genérico senvolvimento tecnológico estrutural possibilitado na
e necessário sobre o papel, é uma ação limitada na técnica do concreto armado, encontrava-se essencial-
fixação de um sonho, desnudada na mediação do mente vinculada a sua trajetória enquanto militante
cumprimento da função social da arquitetura e da do Partido Comunista Brasileiro. Não podemos deixar
experiência de sua concepção controversa na reali- de rememorar que a condição de sua obra no am-
dade concreta. Encontramos nessa mesma linha não biente urbano, a qualidade estética que a arquitetu-
apenas a força dos croquis que eleva a expressividade ra assume em caráter cenográfico - visto a escala de
plástica à mera relação formal canônica, mas a prima- representação quase territorial das suas edificações
zia de um reflexo estético que recupera através dessa - encontra-se fortemente marcada pela construção
forma uma autoconsciência acerca do gênero huma- do espaço imagético moderno diretamente relacio-
no. nado ao cinema e a literatura. Através do PCB, Oscar
compartilhou junto a Rui Santos, Astrojildo Pereira,
De sua retórica projetual se estabelece, portan- João Tinoco de Freitas e outros, experiências de pro-
to, uma provocação: mesmo não se tratando de uma dução cinematográfica, aparato pelo qual o Partido
“fotografia” da realidade, Oscar reconhece o caráter também desenvolvia crítica social e cinema engajado
decisivo de sua intervenção. Conforme o arquiteto a partir dos anos 50/60, resultando na criação da pro-
condensa toda carga expressiva da totalidade do pro- dutora Liberdade Filmes, projeto norteado por Rui e
jeto - o que envolve técnica construtiva, solução for- Oscar.
mal, estrutura do espaço que considera seu entorno
- a configuração da linguagem de sua obra através Se nesse período o Partido Comunista Brasi-
da linha, ou seja, a pureza do traço enquanto sínte- leiro ascende vertiginosamente no que diz respeito à
se onde se reúnem essas dimensões, denuncia a ar- intervenção dos comunistas frente à diversidade de
quitetura enquanto campo de possibilidade restrito manifestações abarcadas pelo campo da cultura e
obrigada a aceitar a decadência de sua missão social, da arte, o arquiteto Oscar Niemeyer certamente será
sem perder de vista o fim particular imanente da ar- lembrado em sua atuação. Por fim, apontamos para
quitetura enquanto manifestação artística que funda a indispensável rememoração do mestre secular, seu
determinada consciência estética e histórica. pensamento estético na relação de homem com a
operação “sensível-visual” que a arquitetura propõe
Nesse sentido, Oscar apodera-se da essência com mais afinco.
do labor do arquiteto, sabendo ele mesmo que “a
arquitetura não mudaria a vida, mas a vida mudaria
a arquitetura”. Mesmo limitado, buscava sempre re-
memorar as palavras de Lênin no seu gesto criador
ao compreender que “o reflexo do real na consciência
não se trata de um ato simples e direto” no que diz res-
peito à representação sensível ou de uma certa con-
formação da imagem da realidade, como nos aponta
Gyorgy Lukacs. Em Oscar, a arquitetura está a serviço
da catarse que não dizia apenas da experiência de per-
correr o espaço concebido e apreender a linguagem
que estrutura o significado particular de cada obra,
mas de como a operação de adentrar o cenário urba-
no, de conceber o espaço do lugar humano diante do
elevado grau de generalidade da Modernidade, exigia
associar objetivamente a qualidade estética à espan-
tosa monumentalidade e clareza da forma. Cabe res-
saltar que este caminho lhe permitiu extrapolar tanto
a desordem do consumo de imagens bem como o fun-
cionalismo exacerbado, duas condições que desman-
cham o sentido da arquitetura produzida no séc. XX
em uma imagem da produtividade mecânica.
Para Roberto Segre, as acepções estéticas

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