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I Consenso da Sociedade

Brasileira de Infectologia
para o Manuseio e Terapia
da Hepatite C

2008
I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

O I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C é uma publicação médica científica da Sociedade
Brasileira de Infectolgia, produzida pela Office Editora e Publicidade Ltda, com o apoio da Schering-Plough e distribuída exclusivamente à classe médica.
Diretor Responsável: Nelson dos Santos Jr. – Diretor de Arte: Roberto E. A. Issa – Diretora Financeira: Waléria Barnabá – Publicidade: Adriana Pimentel
Cruz e Rodolfo B. Faustino – Jornalista Responsável: Cynthia de Oliveira Araujo (MTb 23.684) – Redação: Flávia Lo Bello, Luciana Rodriguez e Vivian
Ortiz – Gerente de Produção Gráfica: Nell Santoro – Produção Gráfica: Roberto Barnabá – Office Editora e Publicidade Ltda. – Rua General Eloy Alfaro,
239 – Chácara Inglesa – CEP 04139-060 – São Paulo – SP – Brasil – Tels.: (11) 5594-5455/5594-1770 / 5078-6815/5587-5300 – Fax (11) 2275-6813
- e-mail: redacao.office@uol.com.br. Coordenação Editorial pela SBI: Fernando Fulanetti. É proibida a reprodução total ou parcial dos artigos sem a
autorização dos autores e da SBI. Os conceitos aqui emitidos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião
da Schering-Plough.
Diretoria

I Consenso da Sociedade Brasileira


de Infectologia para o Manuseio
e Terapia da Hepatite C

Sociedade Brasileira de Infectologia

Presidente 2º Tesoureiro
Juvencio José Duailibe Furtado Carlos Roberto Brites

Vice-presidente Coordenador Científico


Marcelo Simão Ferreira João Silva de Mendonça

1º Secretário Coordenador de
Mauro José Costa Salles Informática
Hamilton Antônio Bonilha
2º Secretária de Moraes
Beatriz Grinsztejn
Coordenadora de
1º Tesoureiro Divulgação
Francisco Bonasser Filho Thaís Guimarães

www.infectologia.org.br

2008
I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Consenso da Sociedade Brasileira


de Infectologia para o Manuseio
e Terapia da Hepatite C
Grupo de
Consenso VHC.

A
cada ano, a cada momento, as notícias O Comitê dividiu os principais tópicos entre
originadas de estudos clínicos e da seus membros que, a seguir, os revisaram,
pesquisa básica nos fornecem uma redigindo um Suplemento de Condutas
enorme quantidade de informação nova no publicado juntamente com o BJID, 2007
campo da hepatite viral. O Comitê Científico (11) Supl. 1) no qual os destaques e uma
de Hepatites Virais da Sociedade Brasileira de revisão mais profunda foram elaborados e
Infectologia vem trabalhando para padronizar documentados (aconselhamos o leitor a ler
as principais questões práticas no tratamento também o Suplemento de Condutas). Em
diário de pacientes infectados com VHB ou seguida, fizemos uma reunião de consenso
VHC. Foi nossa decisão abordar um dos vírus, em Mogi das Cruzes, na qual as questões
VHB (e delta) e VHC, em anos alternados, mais importantes foram discutidas de forma
publicando nosso “Consenso” sobre controle muito prática e direta, desde políticas públicas
clínico. No ano passado publicamos o primei- até os aspectos terapêuticos mais comple-
ro Consenso em VHB (BJID, 2007 (11):2-6) xos. Os resultados são resumidos na forma
e, neste ano, acabamos de finalizar nosso de pergunta/tópico-resposta/declaração no
Consenso em VHC, basicamente como uma BJID (2007 (11): 446-450). A principal men-
atualização do Consenso de 2002 e 2004 sagem de nossa declaração foi a coragem
da Sociedade Paulista de Infectologia - SPI. de agir em favor da vida. Muitos de nós têm

2 Sociedade Brasileira de Infectologia


Comitê Científico

adotado algumas práticas baseadas em


conhecimento muito recente, apesar da
Comitê Científico de Hepatites Virais
inexistência de políticas formais e oficiais
da Sociedade Brasileira de Infectologia
que as suportem. Muitos de nós têm
aguardado novos compostos. E, nesse
Blue Tree Park
meio-tempo, muitos pacientes estão
Mogi das Cruzes - SP, 25 e 26 de agosto de 2007.
morrendo em conseqüência de doen-
ças hepáticas crônicas. Infelizmente, as
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
notícias do campo de batalha não são
João Silva de Mendonça
muito boas. Os novos compostos são
Antonio Alci Barone
muito decepcionantes (com baixa po- Fernando Lopes Gonçales Júnior
tência, desenvolvimento de resistência, Marcelo Simão Ferreira*
não podem ser usados sem interferon Roberto Focaccia
e apresentam vários efeitos colaterais Jean-Michel Pawlotsky**
sérios) e as novas políticas são muito
difíceis de empregar na prática diária.
No entanto, o uso de interferon pegui- Grupo de Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia
lado e ribavirina de maneira otimizada,
a luta pela adesão ao tratamento e Ana Tereza Rodrigues Viso
outras maneiras de tratar e monitorar Aline Gonzalez Vigani
a progressão da doença hepática são André Cosme de Oliveira
reais e devem ser colocados em práti- Carlos Eduardo de Melo
ca. É muito importante destacar que a Carlos Brites Alves
baixa dose de manutenção do interferon Décio Diament
peguilado parece ser muito promissora Edson Abdala
e a exposição ao interferon alfa salvou Edgard De Bortholi
vidas. É por esta razão que optamos Eduardo Sellan Lopes Gonçales
por declarar que o que pensamos já Evandro Sobroza de Mello
é o padrão de cuidados e o padrão Fátima Mitiko Tengan
ouro para lidar com este vírus de difícil Heloísa Pedrosa Mitre*
Kleber Dias do Prado
tratamento e com as complicações
Neiva Sellan Lopes Gonçales
crônicas da infecção pelo VHC. Nossa
Norma de Paula Cavalheiro
posição será reavaliada nos próximos
Rinaldo Focaccia Siciliano
dois anos, mas até lá podemos estar
Rodrigo Nogueira Angerami*
confiantes de que nossa orientação é de
Umbeliana Barbosa de Oliveira
grande valia para os leitores. Finalmente,
Venâncio Avancini Ferreira Alves*
gostaría­mos de agradecer os subsídios
educacionais oferecidos à SBI pela Ro-
che e pela Schering-Plough e destacar * Membros que não participaram da Reunião de Consenso ocorrida no
que não houve nenhuma interferência Hotel Blue Tree Park, em Mogi das Cruzes, SP, entre os dias 25 e 26
de agosto de 2007.
dessas companhias nas decisões de
** Convidado especial.
nosso grupo de consenso.

Sociedade Brasileira de Infectologia 3


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I Consenso da Sociedade Brasileira


de Infectologia para o Manuseio e
Terapia da Hepatite C

Tomada de Decisão com Impactos Sociais e Coletivos O profissional de saúde infectado: há alguma
restrição para sua atuação?
Triagem sorológica para o VHC: quando e A priori não se restringe a atuação de profissionais de
como? “Campanhas” de diagnose? Grupos mais saúde portadores de hepatite C. Entretanto, recomenda-
vulneráveis? se rigor extremo nas medidas de aplicação e educação
Recomenda-se que as “Campanhas” de detecção relacionadas às normas de biossegurança e ressalta-se
sejam realizadas para grupos de maior vulnerabilidade*, que os dados ainda são insuficientes para uma recomen-
determinadas categorias profissionais (profissionais da dação definitiva.
saúde, profissionais que trabalham em contato com san-
gue), pessoas institucionalizadas (presidiários, menores Hepatite C é DST?
infratores, etc.) e familiares de portadores de hepatite Embora a hepatite C não seja conceitualmente uma
C, além de infectados pelo HIV. Ressalta-se que sejam DST, a transmissão sexual é possível, de baixa freqüência,
acompanhadas da orientação clara de que o diagnóstico e incrementada pela presença de lesões genitais, práticas
de triagem deve ser confirmado por método de maior sen- sexuais de risco ou infecção pelo HIV. Nessas situações,
sibilidade e especificidade, bem como que o diagnóstico o uso do preservativo é recomendado. Casais heteros-
confirmado não necessariamente implicará tratamento sexuais monogâmicos e sorologicamente discordantes
da infecção. A idade é um fator a ser considerado, pois podem utilizar o preservativo por decisão própria após
ao longo da vida as pessoas com mais idade estiveram serem adequadamente orientados. Alerta-se para o risco
mais expostas ao risco de contágio. de transmissão intradomiciliar pelo compartilhamento de
utensílios com a presença de sangue.
* antecedente de transfusão de hemoderivados, antecedente
de cirurgias de grande porte, exposição parenteral não segura
(injeções não descartáveis, uso de substâncias injetáveis lícitas
Hepatite C no ciclo gravídico-puerperal:
ou ilícitas com compartilhamento de utensílios, realização de
procedimentos terapêuticos, diagnósticos e estéticos sem engravidar ou não? Cesárea ou vaginal?
material descartável ou adequadamente esterilizado - p. ex.:
Amamentar?
tatuagem, acupuntura, piercing, manicures, tratamento dentário,
etc.) e uso de drogas inaladas compartilhando utensílios. Não se contra-indica a gestação para as mulhe-

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res em idade fértil portadoras de infecção pelo VHC, “Momentos de decisão”: basal (uma medida e
respeitando-se as contra-indicações relacionadas ao quando? Várias medidas?), Semanas 4, 12, 24,
período de terapia. Em relação ao parto, deve ser de RFT, RVS... Que mais?
indicação obstétrica. Ressalta-se, porém, que a carga A carga viral basal deve ser realizada em um período
viral elevada do VHC pode ser um fator relevante nessa próximo em relação ao início da terapia. Pode ser única
decisão, mas não temos como apontar uma conduta desde que realizada em condições técnicas ideais. Na
definitiva no momento. A amamentação é permitida, semana 4, a detecção será qualitativa para definir a
ressalvando que o mamilo deve ser cuidadosamente presença de Resposta Virológica Rápida (não detecção
preparado e não utilizado na presença de fissuras e do RNA viral). Na semana 12, quantitativa, adotando-se
sangramentos. A gestante com infecção pelo HIV cons- os critérios de Resposta Virológica Precoce Ausente
titui uma exceção, com nítido incremento no risco de (ausência de queda maior que 2 log), Resposta Viro-
transmissão perinatal do VHC. lógica Precoce Parcial (queda maior ou igual a 2 log) e
Resposta Virológica Precoce Completa (não detecção de
Prevenção carga viral). Na semana 24 a detecção será qualitativa
• Transmissão inaparente do VHC na sociedade e e se houver detecção, a terapia instituída com objetivos
no ambiente da saúde: o que recomendar para as exclusivamente virológicos deverá ser interrompida. A
Vigilâncias Sanitárias? pesquisa de Resposta ao Final da Terapia - ressaltando
Recomenda-se rigor extremo na fiscalização dos as diferenças na duração da mesma em diferentes ge-
estabelecimentos de saúde e estética, bem como edu- nótipos e pacientes - e Resposta Virológica Sustentada,
cação continuada aos profissionais que atuam nessa deve ser realizada de forma qualitativa. No caso da RVS,
área. Também ressalta-se a necessidade de educação 24 semanas após o término da terapia.
continuada aos profissionais da rede de assistência em Ressalte-se que o monitoramento será desnecessário
todos os níveis em que os pacientes sejam atendidos - da durante a terapia nos casos em que houve a RVR e se
atenção básica até a alta complexidade. mantém adesão adequada à terapia.

• Vacinas: quais e quando? RVS na semana 12?


Enfatiza-se a necessidade de vacinar os portadores Não se considera que a aferição de RVS 12 semanas
de hepatite C suscetíveis, contra hepatite B e hepatite A. após o término da terapia seja uma medida útil ou válida
Ressalta-se a necessidade de facilitar a disponibilização no momento.
da vacina contra hepatite A na rede pública.
Alterações metabólicas: HOMA e Testes de
O Laboratório na Era da Terapia Tolerância Oral à Glicose (TTG) - quando solicitar,
Individualizada como interpretar
Vários estudos apontam para o papel da hepatite C
Quantificação para todos os genótipos? como um fator implicado no desenvolvimento do diabe-
Sim, recomenda-se que todos os pacientes tenham tes tipo 2 em pacientes sob alto risco (sexo masculino,
ao menos uma quantificação de sua carga viral. idade superior a 40 anos e sobrepeso). Em modelos
Que método usar para quantificar? experimentais, o vírus da hepatite C mostrou induzir re-
Recomenda-se que o método utilizado seja reprodu- sistência à insulina, incluindo a produção aumentada de
tível, sensível e com ampla linearidade. TNF como um dos fatores contribuidores para esse fato.

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Além disso, resistência à insulina está também associada • Como aferir: painéis plasmáticos vs. Fibroscan
ao desenvolvimento de esteatose e progressão da fibrose A sensibilidade e o Valor Preditivo Positivo (VPP) são
hepática, principalmente em pacientes infectados pelo incrementados pela associação dos métodos.
genótipo 1. Desse modo, parece haver uma associação
entre a resistência à insulina e as características associa- A biópsia hepática está morta. Viva a biópsia
das aos pacientes, com uma pior resposta ao tratamento hepática!
do vírus da hepatite C: cirrose, obesidade e infecção • Biópsia para todos os genótipos? E para todos os
concomitante pelo HIV (quando fazendo uso de drogas pacientes?
anti-retrovirais), entre outras. Sim, salvo contra-indicações clínicas, a biópsia deve
Resumindo: o vírus da hepatite C promove resistência ser realizada para todos os pacientes com RNA do VHC
à insulina, que induz a esteatose, fibrose e resistência ao detectado.
tratamento com interferon-alfa. Uma questão central é a absoluta necessidade de uma
O modelo matemático denominado Homeostasis boa representatividade do parênquima hepático, já que
Model for Assessment [HOMA= (níveis plasmáticos de biópsias pouco adequadas freqüentemente produzem
insulina de jejum x níveis plasmáticos de glicose de subestadiamento da doença. É altamente recomendado
jejum)/22.5] tem demonstrado utilidade na avaliação da que seja feita uma biópsia por agulha (biópsias em cunha
sensibilidade à insulina, embora não esteja completado produzem amostras subcapsulares e que não se prestam
padronizado para todas as situações clínicas, razão pela ao estadiamento nem da fibrose nem da inflamação);
qual sua utilização não é rotineiramente indicada, apenas agulhas que produzem biópsias muito finas limitam muito
para as situações revisadas adiante (alterações metabó- o estadiamento arquitetural e não devem ser utilizadas.
licas) e no Proceedings. Agulhas do tipo Trucut gauge 14 ou que produzam amos-
tras de calibre equivalente são recomendadas, com pelo
Monitoramento não-invasivo da fibrose menos 1,5 cm de comprimento e/ou 10 espaços-porta
• Valor da simplicidade: plaquetopenia como representados. No caso da biópsia ser feita durante
marcador de cirrose hepática procedimento cirúrgico, ela deve ser feita logo no início
A plaquetopenia em um portador de hepatite C é da cirurgia, para evitar os artefatos produzidos no tecido
um indicativo de fibrose hepática moderada a severa. A hepático pela cirurgia.
associação de outras provas bioquímicas eleva a sensi- O laudo da biópsia deve incluir um sistema de esta-
bilidade desse diagnóstico de fibrose avançada (relação diamento e graduação (METAVIR ou SBP preferencial-
AST/ALT + plaquetas) - APRI. mente). Deve ser ressaltado, no entanto, que o padrão
das alterações inflamatórias deve ser detalhadamente
• Quando indicar? descrito (componentes portal, de interface e lobular),
O monitoramento não-invasivo da fibrose hepática pois tem gradativamente assumido importância tanto na
estará indicado nos casos de (i) contra-indicação ou predição de evolução da doença quanto no diagnósti-
dificuldade de acesso a biópsia hepática, (ii) monitora- co diferencial com outras doenças. É papel central da
mento de fibrose hepática a fim de antecipar a realização biópsia, também, excluir a presença de outras doenças
de uma nova biópsia em pacientes de maior risco de hepáticas - a esteatoepatite (alcoólica ou não-alcoólica),
progressão - imunodeprimidos - ou portadores de F1 e por exemplo, freqüentemente coexiste com a hepatite
(iii) nos pacientes com cirrose hepática sob terapia para C, e sabidamente tem importante impacto na evolução
modulação da fibrose (manutenção de interferon). da doença.

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• Valor dos métodos de imagem e plasmáticos na Terapia


diagnose da fibrose hepática: quem precisa de
endoscopia? Terapia não-medicamentosa e inespecífica do
Pacientes com evidências indiretas de hipertensão VHC: síndrome metabólica, NASH, diabetes,
portal (sinais ultra-sonográficos, plaquetopenia) devem obesidade: evidências para a utilização de dieta,
realizar previamente Endoscopia Digestiva Alta (EDA) hipolipemiantes e antidiabéticos
para a detecção de varizes esofagianas que prescin- Recomenda-se que as condições associadas com
diriam a biópsia hepática no diagnóstico de cirrose piora da fibrose hepática e menor taxa de RVS, tais
hepática. como obesidade, diabetes tipo 2, esteatoepatite não-
alcoólica, esteatose, dislipidemia e síndrome metabólica
Manuseio Clínico em Situações sejam sempre controladas, se possível, antes de instituir
Limítrofes terapia antiviral.

Hipertensão portal na prática clínica: manuseio


O paciente com doenças associadas, como
clínico de plaquetopenia pré-terapia
usar o interferon alfa e medidas específicas
Não existem evidências conclusivas sobre o manejo
em: usuários de drogas e doença mental;
da plaquetopenia pré-terapia; entretanto, algumas alter-
marginalizados sociais e encarcerados;
nativas podem ser consideradas e estão revisadas no
portadores de doença renal no pré e
Proceedings.
pós-transplante renal; no portador de doença
auto-imune e manifestações extra-hepáticas
Transplante hepático na prática clínica: limites
A princípio, em uma abordagem multiprofissional ou
do pós-transplante. Fibrogênese, terapia após o
em centros especializados, que permitam adequado
transplante, controle da rejeição e o doador vivo
monitoramento e controle de todas as situações clínicas
A hepatopatia pelo VHC corresponde a quase me-
próprias da doença de base e potencializadas ou de-
tade das indicações de transplante de fígado. Atual-
sencadeadas pela terapia do VHC, recomenda-se que
mente, no Brasil, a distribuição do órgão obedece a
a terapia contra o VHC possa ser instituída. Ressalta-
um critério de gravidade, utilizando-se o MELD (Model
for End-Stage Liver Disease). Após o transplante, re- se que no caso das manifestações auto-imunes (em
cidiva histológica ocorre em até 80% dos pacientes, e particular, crioglobulinemias e hepatite auto-imune), a
a carga viral pré-transplante é um dos fatores de risco terapia contra o VHC deve ser realizada - observando
mais significativos. Por este motivo, o tratamento pré- as premissas feitas - e o uso concomitante de corti-
transplante deve sempre ser considerado, inclusive em costeróides e outros imunossupressores pode ser feito
cirróticos descompensados, desde que realizado em quando indicado.
centro especializado e com grupo de transplante ativo.
Indica-se, geralmente, tratamento para hepatite crônica Ribavirina: dose plena sempre? E quanto (0,8 g,
pós-transplante quando há fibrose maior ou igual a 2 1 g, 11 mg/kg/dia, 15 mg/kg/dia)?
ou atividade periportal maior ou igual a 3. O tempo A dose de ribavirina deve ser sempre plena. Reco-
de tratamento é de pelo menos 48 semanas, porém menda-se a dose por peso de 15 mg/kg/dia ou 1 g para
deve ser individualizado conforme perfil de resposta pacientes com menos de 75 kg. A dose mínima a ser
virológica. considerada em ajustes é de 11 mg/kg/dia.

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Efeitos adversos freqüentes: como lidar na prática • O interferon alfa convencional está morto? Se não,
com anemia, neutropenia e plaquetopenia antes e quando usar?
durante/desencadeada pela terapia? Quais são os A SBI entende que a terapia com interferon alfa con-
limites basais reais para cirróticos e não-cirróticos vencional não se justifica mais e não deve ser realizada.
serem tratados? Como revertê-los?
Os critérios mínimos para terapia serão hemoglobina • Dose de interferon, o “peso” do “peso”
maior ou igual a 10 g/dl, neutrófilos acima de 1.500/mm3 e A dose do interferon peguilado alfa-2a deverá ser de
plaquetas acima de 60.000/mm3. Pacientes com queda de 270 mcg/semana para os pacientes com mais de 85 kg e
hemoglobina a níveis inferiores a 10 g/dl e/ou queda maior alta carga viral (maior que 850.000 UI/ml). A dose do inter-
ou igual a 3,5 g/dl com manifestações clínicas devem utilizar feron peguilado alfa-2b deve ser 1,5 mcg/kg/semana.
eritropoietina na dose de 40.000 UI/semana até o término
da terapia ou controle da anemia. Pacientes com redução Terapia curta, longa, padrão... Individualizar sempre?
de neutrófilos a menos de 750/mm3 devem utilizar filgrastim Recomenda-se que os pacientes com RVR, sem co-
na dose de 300 mcg uma a três vezes por semana até o morbidades (esteatose severa, cirrose) e baixa carga viral
controle da neutropenia. Pacientes com queda de plaquetas (menor que 250.000 UI/ml para o genótipo 1) podem ter
a menos que 25.000/mm3 devem interromper a terapia. sua terapia reduzida para 12 semanas para os genótipos
Os esquemas de ajuste da dose do interferon em valores 2 e 3, e 24 semanas para o genótipo 1. Os pacientes
intermediários estão apresentados no Proceedings. com alta carga viral e RVPc devem ser tratados pelo
tempo padrão e os pacientes com resposta lenta (RVR
Quando tratar: o paciente, o médico, o sistema... ausente, RVPp presente, semana 24 negativo) devem ter
• O paciente quer tratar. Como lidar com isso? sua terapia estendida em 24 semanas.
Não há uma posição definida sobre essa situação.
Enfatiza-se a necessidade de orientar à exaustão e com • O medo de suspender o tratamento: como lidar
clareza as indicações de terapia e os fatores associados com essa decisão?
à progressão da doença. Enfatiza-se que se o objetivo da terapia é virológico,
a ausência de RVP e a detecção viral na semana 24 im-
• Antecipar a indicação da terapia vale a pena? plicam, necessariamente, a interrupção da terapia.
Quando?
A terapia pode ser considerada para portadores de • Manutenção do interferon: quando e como?
lesão estrutural grau 1 (F1 METAVIR) e que apresentem “Watchfull waiting” ainda é válido?
septos incompletos, atividade A3 (METAVIR), idade inferior Considera-se a terapia de manutenção com interferon
a 60 anos e co-fatores associados com risco de progres- alfa peguilado para pacientes com lesão estrutural maior
são (obesidade, esteatoepatite não-alcoólica, etc.). que F3 e/ou sinais de hipertensão portal (varizes de esô-
fago, esplenomegalia, dilatação de vasos) e/ou contagem
Uso do interferon e da ribavirina de plaquetas menor que 110.000/mm3 que sejam Child A
O paciente, o vírus e a medicação: fatores relevantes ou B, sem antecedente de descompensação grave ou po-
na predição de resposta antes e durante a terapia tencialmente não controlável, sem carcinoma hepatocelular
Em relação aos elementos já descritos não houve ne- (CHC) e que sejam recidivantes, respondedores parciais ou
nhuma alteração relevante. Verificar abaixo os conceitos não-respondedores ao interferon alfa peguilado associado
de individualização baseada na resposta precoce. a ribavirina (ou apenas interferon quando houver contra-

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indicação a ribavirina) utilizado com comprovada adesão tratamento inicial constituírem um grupo bastante hetero-
e por período mínimo de 12 semanas. Também deve ser gêneo, é necessário qualificar e selecionar criteriosamente
considerado para os pacientes com contra-indicação para os pacientes que devem ser retratados. Vários fatores que
o uso de terapia em doses plenas. Pacientes Child C po- podem ter influenciado a não-resposta devem ser modi-
deriam ser tratados em centros especializados quando em ficados antes do início ou mesmo durante o novo ciclo
lista de transplante. Esquema proposto*: interferon alfa-2b terapêutico. Atualmente considera-se que os pacientes
peguilado 0.5-1.0 mcg/kg/semana via SC; interferon alfa- mais difíceis de responder ao retratamento são os não-
2a peguilado 90 mcg/semana via SC. Duração*: mínimo respondedores verdadeiros, os indivíduos de raça negra,
de 24 meses, indefinida, ou até o aparecimento de terapia os infectados pelo genótipo 1, os com alta carga viral,
antiviral comprovadamente eficaz e segura. Monitorar o os com hepatopatia avançada ou os que apresentam
aparecimento de complicações (CHC, hemorragia diges- condições intercorrentes, como obesidade e outras.
tiva, encefalopatia, etc.). Os que foram previamente tratados com IFN em
monoterapia ou com a combinação de IFN mais riba-
• Impacto da redução da dose de interferon e/ou virina têm maiores chances de desenvolver resposta
ribavirina nos diversos momentos da terapia virológica sustentada do que os não-respondedores à
Todos os esforços devem ser no sentido de manter combinação de interferon peguilado mais ribavirina. Tam-
a terapia sempre plena. bém são melhores os resultados dos que apresentaram
recaídas durante (breakthroug) ou após o tratamento do
• VPP e Valor Preditivo Negativo (VPN) na prática que os não-respondedores verdadeiros. Pacientes não-
clínica: monoinfectados e co-infectados com HIV aderentes ao tratamento prévio ou os que necessitaram
Os dados de preditividade positivos na presença de RVR diminuir as doses de IFN ou ribavirina por conta de cito-
e negativos na RVP ausente são igualmente válidos para penias ou outros efeitos adversos costumam responder
monoinfectados pelo VHC e co-infectados com o HIV. melhor ao retratamento do que os que receberam doses
completas. É claro que os fatores responsáveis pela não-
• Retratamento: quando e como? aderência devem ser corrigidos, bem como devem ser
A terapia será sempre considerada quando o tra- adequadamente abordadas as reduções de doses dos
tamento pregresso foi considerado subótimo para os medicamentos. Nos não-respondedores devemos utilizar
conceitos atuais (adesão ruim, doses insuficientes, in- eritropoetina e filgrastrim mais precocemente e evitar a
terrupções indevidas, manuseio inadequado de eventos todo custo novas reduções das doses. Os usuários de
adversos, co-morbidades não controladas) e na presença drogas ou álcool que, por conta disto, não cumpriram
de recidiva. A terapia em não-respondedores reais ao adequadamente todas as etapas do tratamento anterior,
interferon peguilado e ribavirina apresenta chance de su- podem responder ao retratamento de forma mais adequa-
cesso insuficiente para a sua recomendação rotineira. da se estes co-fatores forem removidos. Isto também se
Pelo fato dos não-respondedores/recidivantes ao aplica aos pacientes que não tiveram um suporte social ou
cultural adequado. Os pacientes obesos, os resistentes à
* A posologia e a duração foram sugeridas com base em dados insulina, dislipidêmicos, esteatóticos, anêmicos, os com
preliminares e devem ser reavaliadas à luz dos resultados dos doenças hepáticas como hemocromatose, por exemplo,
estudos em curso. devem ser retratados, de preferência, após a correta abor-
A monoterapia com ribavirina, embora descrita, não possui
dagem diagnóstica e terapêutica destas condições asso-
um nível de evidência suficiente para a sua recomendação no
momento. ciadas. As doses de Peg-Interferon devem ser as mesmas

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utilizadas para os virgens de tratamento. Consideramos • CD4: limites mínimos para tratar e tomada de
que no retratamento as doses de ribavirina devam ser decisão no paciente com imunidade reconstituída
as maiores possíveis. O tempo de retratamento, dada a ou não imunossuprimido
escassez de trabalhos com grandes casuísticas, deve ser A indicação precisa da terapêutica nos pacientes
de 48 semanas para todos os genótipos. No momento, co-infectados HIV-VHC está entre os pacientes com
não dispomos de dados consolidados na literatura que CD4 maior que 350 céls./mm3. Nos pacientes com CD4
respaldem o uso de doses maiores de PEG-IFN e/ou entre 200 e 350 céls./mm3, a decisão de tratar a infecção
ribavirina, o uso de doses de indução ou a extensão do pelo VHC deve levar em conta outros fatores, como por
tempo de tratamento para mais do que 48 semanas nos exemplo a duração da infecção pelo VHC, a gravidade
casos de retratamento. Quanto à regra da semana 12, há da enfermidade hepática, o grau de supressão do HIV
fortes evidências de que pacientes que não negativam o e os preditores clássicos da resposta ao tratamento do
RNA-HCV nessa época terão uma muito pequena pos- VHC, como o genótipo e a carga viral.
sibilidade de apresentar resposta virológica sustentada, A obtenção da resposta virológica sustentada pode
devendo ter seu tratamento interrompido. ser predita com base na negativação sérica de RNA-HCV
na 4ª semana de terapia. Por outro lado, uma redução
Interferon: backbone da terapia atual. E futura? menor que 2 logIU/ml da carga viral do VHC na 12ª
Perspectivas e frustrações semana e/ou a presença de viremia detectável na 24ª
Os resultados preliminares das terapias em desen- semana prediz ausência de resposta virológica, indicando
volvimento mostram que o interferon alfa ainda será o a suspensão da terapêutica.
princípio ativo da terapia por muitos anos. Por essa razão Trabalhos em andamento, estudam a manutenção da
adotamos várias das condutas aqui apresentadas. terapêutica em co-infectados não-respondedores na 24ª
semana, por 72 semanas. Talvez este seja o real tempo de
Co-infecções tratamento para os pacientes HIV positivos, ou até com
• TARV 2007 e terapia VHC: interações relevantes tempo superior e com doses menores e fracionadas.
As concentrações de alguns anti-retrovirais inibidores
da transcriptase reversa análogos nucleosídeos (ITRAN) • O co-infectado com HIV não imunossuprimido é um
podem diminuir devido à ribavirina, porém não parecem “monoinfectado”?
ter conseqüências clínicas. Sim, o comportamento evolutivo é equivalente.
Os efeitos adversos dos ITRANs têm sido associados
com a co-infecção com VHC, sexo feminino, obesidade • Infecções virais múltiplas: quem tratar primeiro e
e exposição prolongada destes fármacos. As principais como tratar?
associações com menor repercussão hepática entre os Existem cuidados a serem tomados em relação ao
ITRANs são: lamivudina e abacavir (3TC/ABC); lamivudina vírus dominante entre VHB e VHC. Ao se tratar o domi-
e zidovudina (3TC/AZT); lamivudina, abacavir e zidovu- nante, o outro vírus poderá se tornar ativo. Há a neces-
dina (3TC/ABC/AZT), e entricitabina (FTC) e tenofovir. sidade da utilização de quantificação do HBV DNA para
Apesar de que trabalhos atuais têm apontado para uma o manuseio dessa situação.
interferência da ribavirina sobre o abacavir, devendo a O HTLV aparentemente modula a resposta imune do
sua utilização no esquema HAART nos pacientes em hospedeiro, fato que deve ser considerado e está deta-
terapêutica para o VHC ser vista com cautela. lhado no Proceedings.
A maior toxicidade se apresenta principalmente com o Não se estabelece uma conduta consensual nas co-
uso concomitante de didanosina (ddI) com a ribavirina. infecções múltiplas.

10 Sociedade Brasileira de Infectologia


Sumário

Sumário
12 Aspectos Epidemiológicos da Hepatite C no 66 Aspectos Básicos da Terapia da
Brasil Hepatite C: Mecanismos de Ação do
Décio Diament Interferon-Alfa e da Ribavirina e as Bases
da Individualização
14 Transmissão Sexual do VHC Carlos Eduardo de Melo, Evaldo Stanislau Affonso
Kleber Dias do Prado de Araújo, Antonio Alci Barone

17 Transmissão Perinatal do Vírus da Hepatite C 69


Abordagem Terapêutica na Hepatite C Aguda
Umbeliana Barbosa de Oliveira Rodrigo Nogueira Angerami, Fernando Lopes
Gonçales Júnior
20 Hepatite por VHC - Aspectos Virológicos e
suas Implicações Práticas
Antonio Alci Barone
76 Tratamento da Hepatite Crônica C em
Pacientes Virgens de Tratamento
Marcelo Simão Ferreira
24
Patogenia da Hepatite C - Consenso VHC 2007
Ana Tereza R. Viso 82 Retratamento dos Pacientes com Hepatite
por Vírus C que Apresentaram Falha
32
Terapia Antifibrótica na Hepatite C Crônica Terapêutica
Rinaldo Focaccia Siciliano, Antonio Alci Barone Fernando Lopes Gonçales Júnior

35
Diagnóstico Laboratorial para Hepatite C 85 Terapia de Manutenção para Modular a
Neiva Sellan Lopes Gonçales, Fernando Lopes Fibrose Hepática
Gonçales Júnior Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio
Alci Barone
40
Hepatite C: Genotipagem
Norma de Paula Cavalheiro
90 Tratamento de Pacientes com Manifestações
Extra-Hepáticas da Infecção pelo Vírus da
44 Marcadores Não-Invasivos para o Diagnóstico Hepatite C
de Fibrose Hepática na Hepatite C
Fátima Mitiko Tengan, Antonio Alci Barone
Eduardo Sellan Lopes Gonçales, Adriana Flávia
Feltrim Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior
96 Tratamento do Vhc Pré e Pós-Transplante
Hepático
48 Hepatite Crônica pelo Vírus C - Anatomia Edson Abdala, Daniela Rosa Magalhães
Patológica
Gotardo, Patrícia Rodrigues Bonazzi,
Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini
Telésforo Bacchella
Ferreira Alves

54 Co-infecção do Vírus da Hepatite B (VHB) e do 103


Manuseio dos Eventos Adversos
Vírus da Hepatite C (VHC) Aline Gonzalez Vigani
Heloísa Pedrosa Mitre, João Silva de Mendonça
109 Opções Terapêuticas no Manuseio da

Plaquetopenia nos Pacientes com VHC
58
Co-Infecção VHC-HTLV
André Cosme de Oliveira
Carlos Brites Alves

60 Diretrizes Básicas para o Tratamento da 111


Perspectivas Terapêuticas para Hepatite C
Co-Infecção Hiv-Vhc Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci
Edgard De Bortholi Barone, Jean-Michel Pawlotsky

Sociedade Brasileira de Infectologia 11


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Aspectos Epidemiológicos da
Hepatite C no Brasil
Décio Diament
Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo - SP - Brasil.

A
verdadeira dimensão da nosticados está na Região Sudeste, 2,61%. Considerando a população
situação epidemiológica da seguida pelas regiões Sul, Centro- brasileira contabilizada no Censo
hepatite C crônica no Brasil Oeste, Nordeste e Norte (gráfico 2). de 2000 do Instituto Brasileiro de
ainda é desconhecida. Segundo Essa distribuição reflete a maior Geografia e Estatística (IBGE) de
dados do Ministério da Saúde, de disponibilidade de recursos nas re- aproximadamente 170 milhões de
1994 a 2005 foram diagnosticados giões Sudeste e Sul do país, assim habitantes e considerando que
52.489 casos, sendo que no último como a grande concentração popu- cerca de 80% dos indivíduos com
ano contabilizado nessa série os lacional nessas áreas. Por outro la- sorologia positiva são portadores da
dados estão incompletos. A ten- do, inquéritos sorológicos realizados doença crônica, podemos calcular
dência é de aumento do número nas regiões Centro-Oeste, Nordeste que devem existir de 400.000 a
de casos diagnosticados durante e no Distrito Federal mostraram 3.800.000 casos da doença. Esses
esse período, pois o acesso aos taxas de prevalência similares a um números, quando comparados com
meios diagnósticos tem se tornado inquérito prévio feito na cidade de os dados do Ministério da Saúde,
mais disponível tanto nos serviços São Paulo (fig. 1). permitem concluir que há um nú-
de atendimento públicos como nos Os dados obtidos nesses inquéri- mero muito grande de casos não
privados (gráfico 1). tos sorológicos apontam para taxas diagnosticados da doença. Como
O maior número de casos diag- de prevalência variando de 0,28 a a tendência tem sido um crescente

Gráfico 1. Número de casos diagnosticados de hepatite C Gráfico 2. Distribuição dos casos por macrorregião
reportados pelo Ministério da Saúde de 1994 a 2005, (Ministério da Saúde).
Casos de hepatite C diagnosticados
totalizando 52.489 casos.
14000

12000

10000
Nº de casos

8000

6000

4000

2000

0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Ano

12 Sociedade Brasileira de Infectologia


Décio Diament

Figura 1. Prevalência da hepatite C em inquéritos sorológicos em Gráfico 3. Distribuição de casos de hepatite C crônica segundo a via de
diversas regiões do país. transmissão em 17.204 indivíduos no Estado de S. Paulo de 1998 a 2006.

(Galizzi Filho J, comunicação pessoal, para os


dados dos inquéritos do Centro-Oeste, Distrito
Federal e Nordeste; Focaccia R, comunicação
pessoal, para dado de São Paulo).
Fonte: CVE-SP

número de casos diagnosticados, no investigação da via de transmissão mostraram que a prevalência é baixa,
futuro próximo haverá um aumento deve ser aperfeiçoada e devem ser variando de 0,4 a 0,7%. Entretanto,
significativo da demanda por servi- incluídos na investigação epidemio- um estudo que apurou o grau de
ços de diagnóstico e tratamento da lógica itens como administração de conhecimento desses profissionais
hepatite C crônica. medicação por seringas não des- acerca da doença mostrou que
Outro dado interessante é que do cartáveis, acupuntura, tatuagens e este é muito baixo, evidenciando a
total de 52.493 casos de hepatites “piercings”. Outro dado que difere necessidade de maior ênfase no trei-
crônicas notificados ao Centro de do habitual é a transmissão sexual namento e na educação continua­
Vigilância Epidemiológica de São em 10%, bem acima do esperado, da, visando torná-los capazes de,
Paulo (CVE-SP) de 1998 a 2006, so- que seria menos de 1%. além de proteger adequadamente,
mente 17.204 (33%) foram confirma- Outro aspecto a ser considerado também prevenir a transmissão aos
dos como hepatite C. Outros 10.690 é a ocorrência de hepatite C em pacientes e quiçá ajudarem no diag-
(20%) casos são classificados como grupos de risco diferenciado, ou nóstico, uma vez que diversas mani-
inconclusivos para hepatite C, 2.099 seja, aqueles não habituais, como festações extra-hepáticas aparecem
(4%) foram descartados, e 416 os descritos no gráfico 3. O primei- na cavidade bucal, como líquen
(0,79%) são de co-infecção B e C. ro grupo seria das manicures, pois plano oral, eritema nodoso, etc.
O restante são casos de hepatite supõe-se que o uso de instrumental
B, co-infecção B e D e casos em comunitário por essas profissionais Referências
investigação. as tornaria mais expostas ao risco
Dos 17.204 casos confirmados, de contaminação. Não há evidência 1. Bellíssimo-Rodrigues WT, Machado AA,
Bellíssimo-Rodrigues F et al. Prevalence
a principal via de contaminação foi a de que isso possa ocorrer e recente of hepatitis B and C among Brazilian
dentists. Infect Control Hosp Epidemiol
parenteral (uso de drogas ilícitas por inquérito sorológico conduzido na 2006;27:887-888.
via venosa e transfusões de sangue cidade de São Paulo em salões de 2. http://portal.saude.gov.br/portal/saude/vi-
sualizar_texto.cfm?idtxt=25340, acessado
e hemoderivados), seguidas da beleza localizados em shopping em 24/08/2007.
transmissão sexual. Os acidentes de centers e em bairros diversos não 3. h t t p : / / w w w. c v e . s a u d e . s p . g o v. b r /
htm/hepa_home.html, acessado em
trabalho contribuíram com poucos demonstrou taxas de prevalência di- 24/08/2007.
4. Leão JC, Teo CG & Porter SR. HCV infection:
casos (gráfico 3). ferentes da população geral (Oliveira, aspects of epidemiology and transmission
Fica evidente no gráfico 3 que ACDS - comunicação pessoal). relevant to oral health care workers. Int J
Oral Maxillofac Surg 2006;35(4):295-300.
40% dos casos notificados e confir- Outro grupo são os dentistas. 5. Takahama AJ, Tatsch F, Tannus G & Lopes
MA. Hepatitis C: incidence and knowledge
mados têm via de transmissão des- No Brasil, inquéritos sorológicos lo- among Brazilian dentists. Community Dent
conhecida. Esse dado sugere que a calizados e com casuística pequena Health 2005;22(3):184-7.

Sociedade Brasileira de Infectologia 13


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Transmissão Sexual do VHC


Kleber Dias do Prado
Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo - SP - Brasil.

E
mbora existam evidências de nos Estados Unidos ocorreram HCV são mais elevadas no primeiro
que a transmissão sexual do em pacientes que relatavam subgrupo. Isto pode se dever a di-
VHC ocorra, esta forma de contato sexual com indivíduo ferenças nas práticas sexuais entre
transmissão tem importância epide- portador do VHC nos seis me- os grupos, mas também a fatores
miológica secundária quando com- ses precedentes ou múltiplos não sexuais (compartilhamento de
parada às formas de transmissão contatos sexuais como únicos objetos de uso pessoal, tatuagens,
percutânea.(1) Dentre as evidências fatores de risco para aquisição uso de drogas ilícitas, etc.).(1) Estu-
que sustentam a possibilidade de da infecção.(1) dos de soroprevalência nos Estados
transmissão sexual do VHC, pode- O risco de aquisição do VHC por Unidos verificaram taxas medianas
mos enumerar: via sexual é variável nos diferentes de anti-HCV positivo em 6% das
1. Relatos de caso de hepatite C subgrupos de indivíduos. Podemos mulheres profissionais do sexo, e em
aguda com soroconversão do distinguir dois subgrupos principais 4% dos HSH, clientes de clínicas de
anti-HCV em parceiros sexuais de risco: DST e participantes de estudos de
de indivíduos infectados pelo 1. Indivíduos que possuem múl- vigilância em HIV. Estudos realizados
VHC, com exclusão de meca- tiplos parceiros sexuais ou em outras partes do mundo têm che-
nismos de transmissão não se- que têm práticas sexuais de gado a resultados semelhantes. (9-15)
xual e com elevada homologia risco para trauma de muco- Os fatores de risco detectados foram
genômica entre as cepas virais sa, o que inclui profissionais o número de parceiros sexuais re-
dos parceiros sexuais.(2-4) do sexo, homens que fazem centes e de toda a vida, práticas se-
2. Detecção de HCV-RNA em sexo com homens (HSH) ou xuais de risco, infecção pelo HIV ou
sêmen, secreção vaginal e cer- pacientes atendidos em clíni- presença de outras DST, todos eles
vical, embora em títulos baixos cas de doenças sexualmente apontando para a atividade sexual
na maioria das vezes.(5-8) transmissíveis (DST). como fator de risco de transmissão
3. Dados do Centers for Disease 2. Parceiros sexuais monogâmi- do VHC.(1)
Control and Prevention (CDC) cos heterossexuais estáveis de Entretanto, é importante assina-
assinalando que no período de portador crônico do VHC. lar que alguns estudos não têm con-
1995 a 2000, 18% dos casos De modo geral, as taxas de firmado estes achados. Estudando
de infecção aguda pelo VHC incidência e de prevalência de anti- a prevalência e incidência de anti-

14 Sociedade Brasileira de Infectologia


Kleber Dias do Prado

HCV positivo numa coorte de 1.085 virais em casais anti-HCV concor- RNA positivos (1,88%) após período
pacientes canadenses HSH e HIV dantes. Nesses estudos, encontrou- médio de exposição sexual não
positivos, Alary et al. encontraram se prevalência estimada de VHC em protegida de 23 ± 5 anos. E nem
valores de 2,9% e 0,038/100 pes- 2,8 a 11% no Sudeste Asiático, 0 a mesmo nestes 3 cônjuges puderam
soas-ano, respectivamente, ambos 6,3 % na Europa Setentrional e 2,7% a genotipagem e a análise seqüencial
associados significativamente ao nos Estados Unidos.(1) demonstrar claramente a presen-
uso de drogas injetáveis. Os autores Num dos primeiros estudos a ça da mesma cepa viral dos seus
consideraram rara a transmissão se- utilizar genotipagem e análise da respectivos parceiros. Concluem os
xual do VHC neste grupo.(16) Taketa seqüência de nucleotídeos da região autores pela raridade da transmissão
et al. estudaram a prevalência de hipervariável E2, Zylberberg et al., sexual do VHC.(22)
anti-HCV em tailandeses usuários estudando 24 casais anti-HCV con- Finalmente, o grande estudo de
de drogas injetáveis, profissionais cordantes, reduziram para 3 casais Vandelli et al., que estudaram pros-
do sexo ou portadores de DST. As os possíveis casos de transmissão pectivamente durante dez anos 895
prevalências foram de 85%, 2% e sexual do VHC. Mesmo assim, fa- casais heterossexuais monogâmicos
0%, respectivamente, com trans- tores não sexuais não puderam ser e estáveis, e verificaram 3 sorocon-
missão muito baixa ou nula nos dois excluídos e poderiam ter contribuído versões entre cônjuges, nenhuma
últimos grupos.(17) Marincovich et al. para a transmissão interconjugal do delas decorrente dos contatos se-
estudaram prospectivamente um VHC.(19) No Irã, Hajiani et al. estuda- xuais com os parceiros (em um caso
grupo de 171 casais discordantes ram a taxa de transmissão do VHC os genótipos eram diferentes e nos
para HIV e VHC. Os casos índices para comunicantes domiciliares outros dois houve discrepâncias na
eram 152 homens e 19 mulheres, sem fatores de risco percutâneos. análise seqüencial e filogenética).
e os cônjuges eram 152 mulheres Encontraram taxas de 1,33% para Assim, concluíram os autores que a
e 19 homens. Quarenta e três por os comunicantes e de 1% para os transmissão sexual do VHC nestes
cento tiveram relações vaginais controles (p>0,06). Apenas 2 de 59 pacientes é extremamente baixa
e/ou anais sem proteção, 15% cônjuges apresentaram evidências ou mesmo nula. Portanto, nenhu-
usavam sempre camisinha, mas de infecção (3,39%). Concluem os ma recomendação para o uso de
relatavam ruptura ou deslizamento autores ser a transmissão intrafamiliar preservativos parece necessária
durante algum ato sexual, e 22% possível, mas pouco freqüente.(20) nesta população. Estes casais não
tiveram relações orogenitais sem Em estudo recente, McMahon et praticavam sexo anal, sexo durante
proteção. Houve somente um caso al. verificaram que a transmissão do as menstruações e nem usavam
de soroconversão do HIV e nenhum VHC em 265 casais heterossexuais preservativos.(23)
de VHC durante follow-up de 529 usuários de drogas da cidade de O risco de transmissão sexual do
pessoas-ano. Houve 31 gravidezes, Nova York associava-se ao uso de VHC varia de 0 a 0,6% ao ano para
2 em mulheres portadoras do VHC. drogas injetáveis pelo casal, mas casais heterossexuais monogâmi-
Este estudo sugere que o VHC tem não ao padrão de atividade sexual. (21) cos estáveis até 1% ao ano para
transmissão muito baixa ou nula em Na mesma direção caminharam indivíduos com múltiplos parceiros
heterossexuais, mesmo quando o Boonyarad et al., que, estudando sexuais.(1) Dessa forma, recomenda-
parceiro é portador do HIV.(18) 160 cônjuges de portadores de ção formal de uso de preservativos
Para o segundo subgrupo, os hepatite C crônica (106 mulheres e somente se justifica de modo sis-
melhores estudos são aqueles que 54 homens), todos compondo ca- temático para estes últimos. O uso
excluíram fatores percutâneos de sais heterossexuais monogâmicos de preservativos também se justifica
infecção e que avaliaram o genótipo e estáveis, verificaram que apenas quando houver a presença de outras
e a seqüência genômica das cepas 3 cônjuges foram anti-HCV e HCV- DST, sexo durante o período mens-

Sociedade Brasileira de Infectologia 15


Transmissão Sexual do VHC

trual ou durante práticas sexuais que al. Use of versant TMA and bDNA 3.0 transvestite commercial sex workers in
assays to detect and quantify hepa- Montevideo, Uruguay. Am J Trop Med
podem traumatizar as superfícies titis C virus in semen. J Clin Lab Anal Hyg 2003;68(6):716-20.
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8. Bélec L, Legoff J, Si-Mohamed A et al. of evidence of sexual transmission of
outras). Finalmente, recomenda-se Cell-associated, non-replicating strand hepatitis C virus in a prospective cohort
(+) hepatitis C virus-RNA shedding in study of men who have sex with men. Am
o não compartilhamento de objetos cervicovaginal secretions from chroni- J Public Health 2005;95(3):502-5.
potencialmente contaminados com cally HCV-infected women. J Clin Virol 17. Taketa K, Ikeda S, Suganuma M et al.
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sangue, como lâminas, tesouras e 9. Van de Laar TJ, Van der Bij AK, Prins M et C virus, hepatitis B virus and human im-
al. Increase in HCV incidence among men
alicates de unha e cutículas, e es- who have sex with men in Amsterdam
munodeficiency virus among intravenous
drug users, commercial sex workers and
covas de dente.(1) most likely caused by sexual transmission. patients with sexually transmitted disea-
J Infect Dis 2007;196(2):230-8. ses in Chiang Mai, Thailand. Hepatol Res
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in HIV-positive men who have sex with J et al. Absence of hepatitis C virus
men linked to high-risk sexual behaviours. transmission in a prospective cohort of
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16 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Transmissão Perinatal do
Vírus da Hepatite C
Umbeliana Barbosa de Oliveira
Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo - SP - Brasil.

Introdução tivo. O risco de transmissão vertical Nível de viremia


aumentou nos casos de mães HIV Alguns estudos mostraram que

O
VHC (vírus da hepatite C) é positivo, significativamente. Acredita- a carga viral do VHC pode ser um
a causa mais freqüente de se que nestes casos a mãe tende a importante determinante da trans-
doença hepática crônica. apresentar maiores níveis de viremia missão vertical. Estudos mostraram
Sua principal via de transmissão é do VHC, aumentando o risco de sua que mulheres com carga viral abaixo
através da exposição ao sangue transmissão. de 1x10(5) cópias por ml apresentam
contaminado. A transmissão perina- Uma revisão mais recente pu- menor risco de transmissão vertical,
tal é uma das vias menos freqüentes blicada em 2001 (Yeung e cola- independente de haver co-infecção
de infecção pelo VHC. boradores), com levantamento de com HIV. Um estudo que comparou
publicações no período de 1992 a a carga viral entre mães com RNA-
Incidência 2000, identificou 77 estudos. Encon- HCV positivo, cujos filhos tinham ou
traram variáveis clínicas e demográ- não VHC (hepatite C crônica), mos-
A transmissão vertical do VHC ficas que influenciaram na taxa de trou que naqueles casos de provável
está documentada em numerosos transmissão. Os autores concluíram transmissão vertical, a carga viral da
estudos. Entretanto, a estimativa da que a co-infecção com HIV é o mais mãe era dez vezes maior do que nos
taxa de transmissão vertical é muito importante fator associado ao risco casos em que não ocorreu a trans-
variável devido a diversos fatores: de transmissão vertical do VHC. missão. Entretanto, existem também
• Metodologia do estudo Outros possíveis riscos, como dados discordantes em dois grandes
• Seleção da população maternal genótipo do VHC, tipo de parto e estudos, onde não se encontrou
• Riscos envolvidos na transmis- amamentação não foram conclu- diferença significativa entre nível do
são, como co-infecção com HIV, sivos. RNA-HCV das mães que transmiti-
altos níveis de RNA-HCV. ram, comparado à carga viral das
Uma revisão de literatura realizada Fatores de Risco mães que não transmitiram o VHC.
em 1998 identificou 976 crianças de
28 estudos com acompanhamento Como já mencionado, o principal Co-infecção com HIV
suficiente para estimar a taxa de fator de risco associado à transmis- Numerosos estudos mostraram
transmissão. Nestes estudos, a taxa são vertical do VHC é a infecção um aumento da taxa de transmissão
de transmissão vertical foi menor que concomitante com o HIV. Outros vertical do VHC nos casos de mu-
10% nos casos de mães HIV nega- fatores: lheres HIV positivo (19% x 4%). Parte

Sociedade Brasileira de Infectologia 17


Transmissão Perinatal do Vírus da Hepatite C

disso é explicada pelo fato de que tada. A explicação provável seria minado pelo VHC no momento da
mulheres HIV positivo apresentavam pela inativação do VHC pela ação passagem pelo canal do parto. Por
carga viral para VHC mais elevada. da acidez do estômago e pelo fato outro lado, a exposição ao sangue,
Um estudo mostrou que a média de que os níveis do RNA-HCV no às vezes, pode ser maior no parto
do nível de RNA-HCV em mulheres leite materno são muito baixos. cesáreo. Muitos estudos serão
co-infectadas com HIV foi dez vezes Portanto, a amamentação de uma necessários para estimar o risco
maior do que na monoinfecção pelo criança filha de mãe infectada pe- de transmissão perinatal do VHC.
VHC. Isso mostra que o aumento de lo VHC não aumenta o risco de No momento não é recomendado
risco na co-infecção pode ser anu- transmissão do VHC da mãe para parto cesáreo em gestantes infec-
lado após ajustar o risco pela carga a criança. O American College of tadas pelo VHC. Outros fatores de
viral, e o tratamento para HIV com Obstetricians and Gynecologists risco em relação ao parto foram
anti-retrovirais (ARV) pode reduzir o e a Academia Americana de Pe- observados: ruptura da membrana
risco de transmissão do VHC. Um diatria permitem a amamentação placentária em seis horas ou mais
estudo que comparou mulheres HIV por mães infectadas pelo VHC. É antes do parto; procedimentos in-
positivo e HIV negativo com carga importante ressaltar que nos casos vasivos como monitoramento fetal
viral para VHC semelhante mostrou de fissuras de mamilo, com possível interno (Blood 2000;96:2045).
que o risco em ambos os grupos de sangramento, a amamentação não
transmissão do VHC era similar. Nes- é recomendada. Manifestações Clínicas
se estudo, todas as mulheres com
HIV estavam em uso de ARV. Um Tipo de parto Geralmente, recém-nascidos
outro estudo mostrou que crianças A influência do tipo de parto na com infecção pelo VHC são assinto-
co-infectadas, que desenvolveram transmissão perinatal do VHC é máticos. Uma significativa proporção
infecção pelo HIV, têm maior risco completamente desconhecida. O nestes casos apresenta níveis de
de desenvolver infecção pelo VHC, parto por via vaginal já foi associado ALT normal.
comparadas a crianças que não a aumento de risco da transmissão Um estudo acompanhou 104
desenvolveram infecção pelo HIV no passado. Num estudo, Lin e crianças com transmissão vertical
(17,1% x 5,4%). A razão destes cols., em 1994, avaliaram 70 mulhe- do nascimento a uma média de 49
dados ainda não é clara. res grávidas. A taxa de transmissão meses (J Infect Dis 2000;181:419).
vertical de crianças nascidas de Embora o RNA-HCV em 90% destas
Genotipagem parto via vaginal foi de 32% contra crianças fosse positivo para o VHC,
Não existe evidência sobre a 6% nos casos de parto cesáreo. as manifestações clínicas foram ra-
influência do genótipo do VHC na Todavia, nesse estudo a alta taxa ras. Nenhuma criança apresentava
transmissão vertical. Os dados de transmissão estava associada a quadro de insuficiência hepática. A
encontrados até o momento não uma grande proporção de mulhe- maior parte apresentava elevação
permitem estabelecer uma relação res co-infectadas com HIV e VHC de ALT de forma persistente ou
entre o genótipo do VHC e o risco (76%). Como conclusão, nestes transitória. Geralmente a ALT era
de transmissão vertical. casos, o parto cesáreo está asso- normal ou levemente aumentada ao
ciado a uma diminuição de risco de nascimento, evoluindo com elevação
Amamentação transmissão do VHC em mulheres por volta do quarto ao sexto mês de
O RNA-HCV é detectável no co-infectadas. A elevação do risco idade, permanecendo elevada por
leite materno, colostro. Entretanto, em relação ao parto vaginal pode dois anos e declinando significativa-
a transmissão do VHC pela ama- estar relacionada à exposição do mente após este período.
mentação ainda não foi documen- recém-nascido ao sangue conta- Neste estudo, 20 crianças foram

18 Sociedade Brasileira de Infectologia


Umbeliana Barbosa de Oliveira

submetidas à biópsia hepática, crianças apresenta limitações. Pri- situações: co-infecção com HIV e
encontrando-se em todos os ca- meiramente, devido à passagem da mães com alta carga viral para o
sos evidência de hepatite crônica. IgG da mãe pela barreira placentária. VHC. Até o momento não existem
O grau de atividade inflamatória Portanto, a presença de anti-HCV intervenções efetivas para diminuir
variou de mínimo a moderado. Em no soro da criança não significa ne- o risco de transmissão do vírus VHC
três casos encontrou-se algum grau cessariamente infecção pelo VHC. O mãe-filho. Ainda não é de recomen-
de fibrose. clareamento do anti-HCV adquirido dação formal a indicação dos testes
Outros estudos sugerem que a passivamente da mãe pode demorar para VHC em mulheres grávidas.
infecção pelo VHC de transmissão mais de 12 meses, embora em 95%
vertical geralmente é assintomática dos casos, o clareamento ocorra em Referências
durante a infância, mas geralmente 12 meses.
1. Manzini P, Saracco G, Cerchier A et
está associada à elevação de ALT Em segundo lugar, a presença al. Human immunodeficiency virus
durante os primeiros 6 a 12 meses de anti-HCV maternal não significa infection as risk factor for mother-to-
child hepatitis C virus transmission;
de vida. necessariamente que a mãe tenha persistence of anti-hepatitis C virus in
Um grande estudo acompanhou infecção crônica pelo VHC. O diag- children is associated with the mother’s
anti-hepatitis C virus immunoblotting
266 crianças com transmissão peri- nóstico da transmissão vertical é pattern. Hepatology 1995;21:328.
natal do VHC por um período médio definido pela presença de RNA-HCV 2. Thomas SL, Newell ML, Peckham CS
et al. A review of hepatitis C virus (HCV)
de 4,2 anos. Nesse estudo, cerca na mãe e na criança. vertical transmission: risks of transmis-
de 20% das crianças apresentaram É importante ressaltar que o tes- sion to infants born to mothers with
and without HCV viraemia or human
clareamento espontâneo do VHC te do RNA-HCV também pode apre- immunodeficiency virus infection. Int J
e 80% evoluíram para infecção sentar resultados falsos-positivos Epidemiol 1998;27:108.
3. Yeung LT, King SM, Roberts EA. Mo-
crônica. ou falsos-negativos. O falso-positivo ther-to-infant transmission of hepatitis
O clareamento do VHC é de- pode ocorrer por contaminação C virus. Hepatology 2001;34:223.
4. Terrault N. Epidemiological evidence
finido pela perda da positividade de amostras positivas. Quanto for perinatal transmission of hepa-
do PCR para RNA-HCV naquelas aos resultados falsos-negativos, titis C virus. Viral Hepatitis Reviews
1998;4:245.
crianças que mantiveram o RNA- estes ocorrem devido à perda do 5. Lin HH, Kao JH, Hsu HY et al. Possible
HCV detectável no primeiro ano de RNA durante o armazenamento da role of high-titer maternal viremia in
perinatal transmission of hepatitis C
vida. A maioria destas crianças era amostra ou por uma falha na extra- virus. J Infect Dis 1994;169:638.
6. Kumar RM, Shahul S. Role of breast-
assintomática. ção do RNA.
feeding in transmission of hepatitis C vi-
Outros estudos com acompa- O consenso do NIH (National rus to infants of HCV-infected mothers.
J Hepatol 1998;29:191.
nhamento a longo prazo ainda Institute of Health) recomenda que 7. Azzari C, Resti M, Moriondo M et
serão necessários para determinar crianças nascidas de mães com al. Vertical transmission of HCV is
related to maternal peripheral blood
a proporção de crianças com VHC teste de VHC positivo devam ser mononuclear cell infection. Blood
crônica de transmissão vertical que submetidas ao teste de RNA-HCV 2000;96:2045.
8. Tovo PA, Pembrey LJ, Newell ML.
podem desenvolver insuficiência em duas ocasiões: entre 2 e 6 me- Persistence rate and progression of
hepática e hepatocarcinoma. ses e/ou testes do anti-HCV após vertically acquired hepatitis C infection.
J Infect Dis 2000;181:419.
15 meses. 9. Vogt M, Lang T, Frosner G et al. Preva-
Diagnóstico lence and clinical outcome of hepatitis
C infection in children who underwent
Conclusões cardiac surgery before the implemen-
O diagnóstico inicial da infecção tation of blood-donor screening. N Engl
J Med 1999;341:866.
pelo VHC em adultos é através da A incidência de transmissão verti- 10. Three broad modalities in the natural
pesquisa do anticorpo anti-HCV. cal do VHC é de aproximadamente 2 history of vertically acquired hepa-
titis C virus infection. Clin Infect Dis
Porém, a pesquisa do anti-HCV em a 5%. O risco é maior nas seguintes 2005;41:45.

Sociedade Brasileira de Infectologia 19


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Hepatite por VHC - Aspectos Virológicos


e suas Implicações Práticas
Antonio Alci Barone
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

O
vírus da hepatite C (VHC) rela, além de agentes de infecções polaridade positiva. O genoma do
é um membro da família em animais, como o vírus da diarréia VHC, com cerca de 10.000 nucleo­
Flaviviridae, com um gênero bovina e o vírus da peste suína. tídeos, é constituído de uma única
específico Hepacivirus. A esta família O VHC se apresenta em forma grande estrutura de leitura aberta
pertencem outros importantes pató- esférica com 50 nm de diâmetro e (ORF) flanqueada por duas regiões
genos para a espécie humana, como possui nucleocapsídeo envelopado não codificadoras, 5’ (inicial, na qual
os vírus da dengue e da febre ama- e um genoma RNA de fita linear com se encontra o IRES) e 3’ terminal.
Sua translação dá origem a uma
Figura 1. Organização do genoma do VHC, processamento da poliproteína grande poliproteína (com mais ou
e topologia das proteínas. menos 3.000 aminoácidos), que é
processada por proteases virais e
da célula hospedeira em proteínas
estruturais (core e envelope E1 e
E2 e p7) e não estruturais (NS2,
NS3, NS4 e NS5). Recentemente
foi identificada uma ORF alternativa
(ARF) que codifica uma proteína F,
com mais de 160 aminoácidos (não
está confirmada a sua expressão na
infecção natural pelo vírus C).
As proteínas estruturais são
clivadas por enzimas da célula pa-
rasitada; as proteínas do envelope
são extensamente glicosiladas e
estão envolvidas na ligação com
receptores, entrada e fusão do ví-
rus. A função da proteína p7 ainda
(apud Tellinghuissen TL et al. Journal of Virology 2007:8853-8867). não é conhecida. As proteínas não

20 Sociedade Brasileira de Infectologia


Antonio Alci Barone

estruturais sofrem autoclivagem, Figura 2. Ciclo do VHC na célula do hospedeiro.


inicialmente por NS2 e a seguir por
NS3 e se posicionam através da
membrana da célula hospedeira com
domínios transmembrana, no citosol
ou lúmen (fig. 1).
Ao contrário do VHB, o genoma
do VHC não invade o núcleo da cé-
lula infectada. Após a ligação através
de receptores (CD81, uma tetraspa-
nina e o receptor lipoprotéico de bai-
xa densidade - LDLR), o genoma do
VHC funciona diretamente como um
mRNA no citoplasma, onde a trans-
lação é iniciada através do IRES (sítio
interno de entrada do ribossoma) na
região 5’ NC. A proteína produzida
é então processada por enzimas
da célula e do próprio vírus, dando
origem às proteínas estruturais e não
estruturais. Após a síntese e matura-
ção, essas proteínas não estruturais (apud Tellinghuissen TL et al. Journal of Virology 2007:8853-8867).

e o RNA formam complexos de


replicação associados à membrana nismo rápido e muito eficiente para ao tratamento. Assim, o subtipo 1a
que catalisam a transcrição de fitas o vírus driblar a resposta imune e é mais freqüente nos EUA, 1b é
negativas de RNA intermediárias, a permanecer no hospedeiro. O pro- mais encontrado no Japão, 3a na
partir das quais moléculas progênies cesso de seleção e adaptação ao Escócia e 4a no Egito e no Zaire. No
de fitas positivas são geradas. O hospedeiro levou à evolução para Brasil, cerca de 2/3 dos pacientes
RNA genômico e proteínas do cap- distintos genótipos do VHC. A clas- apresentam o genótipo 1, seguidos
sídeo se unem formando o nucleo­ sificação mais utilizada foi proposta pelo tipo 3, com cerca de 20 a 30%
capsídeo, que é transportado em por Simmonds e cols. e baseia-se e o tipo 2 em menor proporção. Da
vesículas citoplásmicas. Passando na similaridade da seqüência de mesma forma, o subtipo 1b pode
pelo complexo de Golgi, unem-se nucleotídeos utilizando os seguintes causar formas graves da infecção
em assembléia com as demais partí- critérios: similaridade menor do que e, assim como o tipo 4, responde
culas e sofrem exocitose e liberação 72% caracteriza um novo tipo; entre menos favoravelmente ao tratamen-
das células (fig. 2). 75 e 86% dá origem a um subtipo. to com IFN-α. Por essa razão, os
Genótipos do vírus C: quando Existem 6 tipos, numerados de 1 a genótipos 1 e 4 devem ser tratados
se estuda o genoma do VHC, mes- 6, com os subtipos 1a, 1b, 1c, 2a, por 48 semanas.
mo obtido de um único indivíduo, 2b, 2c, 3a, 3b, 4a, 5a e 6a. Apesar Os importantes progressos sobre
verifica-se grande heterogeneida- do critério ser baseado em biologia os conhecimentos das hepatites
de. A coexistência de múltiplos molecular, essa classificação tem virais B e C são conseqüência de
mutantes tem sido denominada implicações práticas, patogenéti- alguns fatos que serão discutidos
quasiespécies e oferece um meca- cas, epidemiológicas e relacionadas a seguir:

Sociedade Brasileira de Infectologia 21


Hepatite por VHC - Aspectos Virológicos e Suas Implicações Práticas

1. O uso de chimpanzés como imunidade humoral e celular turais é comandada pelo IRES do
modelo para o estudo das puderam ser reconhecidos. vírus da encefalomiocardite. Através
hepatites virais Entretanto, o uso desses prima- dessa abordagem experimental
Embora não sejam hospedeiros tas subumanos apresenta vantagens tornou-se possível, pela primeira vez,
naturais desses agentes, reprodu- e desvantagens como: a replicação genuína e eficiente do
zem a doença e permitiram grandes • Vantagens: VHC in vitro em células de cultura
aquisições, tais como: - Único animal suscetível, doença de hepatoma humano denominada
- Estudos epidemiológicos: o aguda e crônica, população Huh7. Interessantemente, algumas
conhecimento dessas doenças não selecionada, biópsias se- substituições simples de aminoáci-
como transmissíveis; qüenciais. dos podem incrementar a eficiência
- Infectividade e títulos dos • Desvantagens: da replicação em até dez mil vezes
“pools” de VHC e VHB, obtidos - Considerações éticas em pri- em todas as proteínas não estrutu-
dos animais infectados; matas, custo e disponibilida- rais. O sistema replicon permitiu a
- Infectividade de clones mole- de, raridade da transmissão dissecção de importantes aspectos
culares de VHC e importância vertical, doença mais benigna, do ciclo de vida do vírus e a avaliação
dos elementos genéticos espe- resposta imune mais fraca e de novas estratégias antivirais de
cíficos para o vírus C; mais restrita. maneira mais simplificada. Entretan-
- Capacidade de neutralização to, alguns aspectos do ciclo vital do
de anticorpos específicos para 2. Uso dos replicons vírus não podem ser estudados por
os vírus B e C; Trata-se de um RNA subge- esse sistema.
- Imunidade protetora, testada nômico do VHC no qual a região
através de reexposição aos estrutural foi substituída pelo gene 3. Sistemas eficientes de culturas
vírus; da neomicina fosfotransferase e a de células para o VHC
- Mutantes com escape para translação das proteínas não estru- Um paciente masculino, 32
anos, oriental, apresentou quadro
Figura 3. Sistemas usados para o estudo in vitro do VHC. de hepatite fulminante. RNA-HCV
foi detectado no soro por RT-PCR
na fase aguda, não detectado na
fase de remissão. A partir dessas
amostras, o genoma completo do
VHC foi recuperado e clonado.
Essa cepa, denominada JFH1, tem
9678 pb no genoma, com uma
única grande ORF de 341-9439
nt e codifica 3033 aa (J Med Virol
2001;64 - Wakita T).
A transfecção dessa amostra em
cultura de células Huh-7.5.1 permitiu
a obtenção de partículas infectan-
tes do VHC, tanto para cultura de
tecidos como para chimpanzé, por
três grupos independentes de pes-
(apud Tellinghuissen TL et al. Journal of Virology 2007:8853-8867). quisadores. Essas pesquisas foram

22 Sociedade Brasileira de Infectologia


Antonio Alci Barone

publicadas em junho-julho de 2005 Em conclusão, os conhecimen- Referências


nos seguintes periódicos: tos mais recentes sobre os aspectos
1. Tellinghuissen TL et al. Studying hepatitis C
PNAS 102 (28), Nature Medicine virológicos do VHC têm permitido virus: making the best of a bad virus. Jour-
11 (7) e Science 309. um grande suporte em nossas nal of Virology 2007;81(17):8853-8867.
2. Barthenschlager B et al. Eficient he-
Os vírions infecciosos do VHC possibilidades de melhor estudar patitis C virus cell culture: what a di-
obtidos dessa maneira têm sido esse agente e, especialmente, o seu fference the host cell makes. PNAS
2005;102(28):9739-9740.
utilizados para infectar animais de relacionamento com o hospedeiro 3. Wakita T et al. Production of infectious
laboratório e células naive e essa humano. A partir dessa abordagem, hepatitis C virus in tissue culture from a
cloned viral genome. Nature Medicine
infecção pode ser monitorizada será possível entender melhor as 2005;11(7):791-796.
através da detecção da expressão maneiras de intervir sobre o vírus em 4. Lindenbach BD et al. Complete replication
of hepatitis C virus in cell culture. Science
de NS5A, por genes repórter ou pacientes cronicamente infectados, 2005;309:623-626.
pela mensuração direta do RNA evitando a progressão da doença e 5. Kato T et al. Sequence analysis of hepatitis
C virus isolated from a fulminant hepatitis
viral (fig. 3). suas conseqüências. patient. J Med Virol 2001;(64):334-339.

Sociedade Brasileira de Infectologia 23


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Patogenia da Hepatite C -
Consenso VHC 2007
Ana Tereza R. Viso
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

Introdução se que 20% dos pacientes evoluem uma única fase de leitura aberta, que
para cirrose num período que pode codifica uma poliproteína com cerca

O
vírus da hepatite C (VHC) variar de 10, 20,(2) ou 30 anos.(6) A de 3.000 aminoácidos. Esta polipro-
infecta aproximadamente progressão da fibrose eleva a mor- teína é clivada no pólo N-terminal em
130 milhões de indivíduos bidade e mortalidade na hepatite C três proteínas estruturais, o nucleo-
no mundo.(1) Estima-se que apro- crônica,7) podendo evoluir para óbito capsídeo (core), envelope um (E1)
ximadamente 15% dos indivíduos em decorrência das complicações e envelope dois (E2), que estão en-
infectados pelo VHC o eliminam da cirrose ou hepatocarcinoma.(2) volvidas na organização arquitetural
espontaneamente, 25% têm doença Diversos estudos têm associado do VHC. No pólo carboxi-terminal a
leve, enquanto 60% evoluem para a progressão da fibrose na hepatite poliproteína é clivada em seis pro-
doença crônica progressiva.(2) A eli- C a diversos fatores, como cinética teínas não-estruturais, NS2, NS3,
minação ou persistência da infecção e patogenicidade do VHC; interação NS4 (NS4A e NS4B), NS5 (NS5A
por esse vírus depende do balanço entre hospedeiro e VHC; fatores e NS5B) e NS6, responsáveis pelo
entre a efetividade, especificidade e intrínsecos ao hospedeiro, como ciclo biológico do vírus.(9)
rapidez das respostas inata e adap- dados demográficos, IMC, DM; O VHC entra no hospedeiro sus-
tativa, além da taxa de replicação exposição do hospedeiro a fatores cetível, penetra na corrente sangüí-
do VHC.(3) A persistência do VHC externos e a forma de aquisição nea, segue ao fígado por tropismo,
também pode ser determinada pela do VHC. passando por diversos tecidos como
infecção em sítios privilegiados (ex- pâncreas, tireóide, glândulas adre-
tra-hepática), inibição viral da apre- Ciclo de Vida e nais, baço, medula óssea, linfócitos
sentação do antígeno, supressão Patogenicidade do VHC B e T periféricos que pode infectar e
imune seletiva, regulação negativa se replicar.(10-12) O VHC pode também
dos genes de expressão do VHC, O VHC é um vírus pequeno, infectar diretamente o tecido linfático
mutações virais, a exaustão imune envelopado, que pertence à família e sua estimulação levar ao desenvol-
dos LT e a diferenciação incompleta Flaviviridae.(8) Seu genoma é cons- vimento de linfomas de células B.(13)
dos LT de memória.(4,5) tituído por uma molécula de RNA Sabe-se que o fígado é o principal
A fibrose é a principal complica- que é composta por duas regiões sítio de replicação do VHC e diver-
ção da hepatite C crônica e estima- terminais (UTR) 5’ e 3’ e entre estas, sos estudos têm mostrado que este

24 Sociedade Brasileira de Infectologia


Ana Tereza R. Viso

vírus infecta aproximadamente 10% sendo que similaridade menor do hepatocarcinoma que os genótipos
das células hepáticas.(5) A infecção que 67 a 69% caracteriza um novo 2 e 3.(34) No entanto, outros autores
do VHC em sítios extra-hepáticos tipo viral e similaridade entre 75 e afirmaram que o genótipo e a carga
pode favorecer o aparecimento de 80% dá origem a um subtipo.(20) viral do VHC não influenciam a pro-
variantes do VHC(14,15) e diminuir seu A progressão da fibrose na he- gressão da doença.(2,6)
reconhecimento pelo sistema imune patite C crônica foi associada à Sabe-se que a esteatose é um
do indivíduo. diversidade de quasiespécies do co-fator que influencia na progressão
Para a entrada na célula hospe- VHC.(21) A produção de novos vírus da fibrose na hepatite C crônica(35)
deira, a proteína do envelope do VHC é contrabalançada com a destruição e diversos estudos têm associado
E2 e/ou E1 reconhece e se liga ao das células infectadas por apoptose diretamente a esteatose ao genótipo
receptor CD81 presente na superfí- no tecido ou por degradação no 3 do VHC(36,37) e, por isto, o genótipo
cie dos hepatócitos e linfócitos.(16,17) sangue periférico, já que a meia- 3 tem sido apontado como citopá-
As partículas circulantes do VHC vida neste é de aproximadamente tico. (38,39) Kumar e colaboradores
estão associadas a lipoproteínas 2,7 horas.(7) Estudos experimentais identificaram a redução da esteatose
de muito baixa densidade (VLDL) e têm mostrado que NS3 e NS5 in- como única variável preditora da res-
baixa densidade (LDL), fato que leva duzem a apoptose em hepatócitos posta virológica ao tratamento da he-
a discussões na literatura de que o infectados.(22) patite C crônica pelo genótipo 3.(38)
receptor LDL também poderia ser Tanto o inóculo da infecção pelo
um receptor viral.(15) Após a interação VHC como a alta taxa de replicação Resposta Inata ao VHC
do envelope do vírus com a mem- viral podem ser responsáveis pela
brana da célula do hospedeiro, o persistência do vírus quando excede A resposta inata ao VHC é res-
VHC entra na célula por endocitose a resposta do hospedeiro. (4,23) Há ponsável pela ativação de citoci-
e no citoplasma sofre tradução do controvérsias se a carga viral do nas, como o interferon (IFN), que
RNA mensageiro e processamento VHC tem associação direta a lesões ativam proteínas antivirais inibindo a
das poliproteínas; depois disto, seu hepáticas mais intensas.(6,24,25) replicação do vírus, enquanto a res-
RNA se replica, os novos “RNA”s Há algumas evidências da lesão posta adaptativa ao VHC neutraliza
virais são empacotados e trans- citopática direta causada pelo VHC, partículas virais e destrói células in-
portados até a superfície da célula como a observação de lesões his- fectadas.(40) Estudos em chimpanzés
hospedeira para saírem e completar tológicas com infiltrado inflamatório infectados pelo VHC que eliminam o
novo ciclo.(18) escasso causadas pelo VHC;(26-28) vírus sem a resposta específica a LT
O VHC apresenta alta taxa de hepatite fulminante pelo VHC após sugerem que, em alguns casos, a
replicação, aproximadamente 1 quimioterapia em transplante de resposta inata seria suficiente para
x 1012 vírions ao dia, além de alta fígado (29) e síndrome colestática debelar a infecção.(41)
taxa de mutação, estimada em aguda pelo VHC após transplante O RNA do VHC é reconhecido
10-3 substituições de nucleotídeos de rim.(30) pela resposta inata através do re-
ao ano,(15) o que leva a grande he- Estudos sugerem que determi- ceptor TLR (Toll-like receptor), que
terogeneidade de apresentações, nados genótipos, como o 1, podem responde com a produção de INF-I
denominadas quasiespécies. (8) A ser mais citopáticos(31) ou induzir a α e β.(5,42) O IFN-I estimula a enzima
seleção e a adaptação do hospedei- maior progressão da doença que óxido nítrico sintetase (NOS), que
ro às quasiespécies do VHC deram outros,(32) além deste genótipo ter é expressa em hepatócitos e ma-
origem a distintos genótipos,(19) cuja maior associação com cronificação crófagos como isoforma (iNOS).(43)
classificação baseia-se na similari- do VHC. (33) O genótipo 1b foi as- Pacientes com VHC tratados com
dade da seqüência de nucleotídeos, sociado a maior risco de cirrose e IFN têm maiores níveis de iNOS que

Sociedade Brasileira de Infectologia 25


Patogenia da Hepatite C - Consenso VHC 2007

se correlacionam com diminuição te a proteases e nucleases in células dendríticas.(5) As células NK


dos níveis séricos de alanina amino- vitro, o que protege o VHC da respondem minutos ou horas após
trasferase.(44) detecção da resposta inata(40) a infecção pelo VHC através da po-
Além disso, o IFN-I induz a pro- - a proteína do core do VHC larização dos grânulos em direção
dução de diversas proteínas, como a interage com diversos fatores à célula infectada e liberação de
PKR (proteína quinase), a 2’,5’-oligo- celulares, como receptor de perforinas, que vão fragmentar o
adenilato sintetase (OAS) e a proteína TNF (fator de necrose tumoral), núcleo da célula infectada e induzir
Mx.(44) Elas são responsáveis pela o que diminui a atividade citolí- sua morte.(47) Elas inibem a replica-
expressão dos genes que inibem a tica dos LT(46) ção viral com produção de inter-
replicação deste vírus no interior dos - proteínas do core, proteases feron-gama (IFN-γ), que recrutam
hepatócitos, na tentativa de debelar NS3/4A e NS5A impedem a células inflamatórias intra-hepáticas
a infecção.(7,40) O INF se liga ao re- ação antiviral do IFN(40) e estimulam a resposta Th1, (48)
ceptor de INF (IFNR) na superfície - NS3/4A podem impedir o reco- induzindo a necrose ou apoptose
da célula parasitada e ativa a Janus nhecimento do receptor TRL(5) da célula infectada (49) pelo VHC.
kinase (JAK), que induz a fosforilação - NS5A e E2 podem ligar-se à Estudos sugerem que o VHC inibe
das proteínas do citoplasma chama- PKR bloqueando sua ativi­ genes de receptores da ativação
das STATs, 1 e 2 (Signal Transducer dade(5) das células NK, diminuindo a ação
of Activated Transcription). As STATs - múltiplas mutações no ISDR destas células e reduz o número e
formam um dímero que se dirige (região que determina a sen- função das mesmas em indivíduos
ao núcleo da célula onde forma um sibilidade ao INF) modificam cronicamente infectados.(40) As cé-
complexo com a proteína p48, cha- a região NS5A, que inibe a lulas NK também têm a capacidade
mado fator de estimulação de genes fosforilação do PKR, impedindo de aumentar as funções das células
ISGF3 (INF Stimulated Gene Factor sua ação antiviral(45) dendríticas na presença de células
3). Esse complexo se liga ao ISRE, - a região E2 do VHC contém hepáticas, mas essa capacidade
que é um promotor de RNA, e há es- uma seqüência de oito amino- está comprometida em células NK
tímulo dos genes responsáveis pela ácidos idênticos ao do PKR e derivadas de pacientes com hepa-
produção das proteínas de resposta essa seqüência do VHC é mais tite C crônica, onde a produção de
antiviral e do MHC.(44) freqüente no genótipo 1 do que IL-10 e TGF-β pode inibir a ação das
Alguns indivíduos têm alterações nos 2 e 3 do VHC, sendo uma células dendríticas.(50)
genéticas nas STATs e/ou na JAK, o provável causa de sua maior Após a entrada do VHC na célula
que impediria a formação das pro- resistência ao tratamento com hospedeira, a ligação da glicoproteí-
teínas antivirais.(45) INF(44) na E2 ao receptor CD81 das células
Diversas proteínas virais têm - mutações na seqüência ISDR NK inibe a função destas célu-
mostrado capacidade de escapar do NS5A suprimem a ação las,(7,51) alterando a resposta imune
à ação do interferon e a alta taxa antiviral da 2-5OAS. Esta pro- à infecção pelo VHC. A glico­p ro-
de resistência ao tratamento da teína está diminuída em não- teína E2 também inibe a citotoxici-
hepatite C com INF α é um exemplo respondedores ao tratamento dade e a produção de IFN-γ pelas
disso.(44,45) com INF(44) células NK.(40)
O VHC possui estratégias de As populações celulares no Diversos trabalhos têm sugeri-
evasão da resposta inata, como: fígado que participam da resposta do que a falta de reconhecimento
- o complexo de replicação viral inata são as células NK (Natural do VHC pelas células dendríticas
parece ser formado por uma Killer ou “matadoras naturais”), as contribui para a persistência da
membrana altamente resisten- células NKT, células de Kupffer e hepatite C.(50,52-54)

26 Sociedade Brasileira de Infectologia


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Resposta Humoral ao VHC prurido, que representam substan- ao VHC está associada à persistên-
cial morbidade ao paciente.(57) cia do vírus e progressão do dano
Após a infecção pelo VHC, há Há evidências de infecção pelo ao fígado.(67,68)
expressão da região hipervariável VHC resolvida pela resposta celular Na infecção aguda pelo VHC,
NS1/E2 do envelope na superfície com CD4+ e CD8+ específicos, o pico sérico de transaminases
do vírus que estimula os LB para onde não houve formação de anti- corresponde à resposta celular,
produção de altos títulos de anti- corpos contra este vírus,(59,60) mos- sugerindo que a lesão hepática é
corpos com o objetivo de debelar trando que nem sempre a resposta imunomediada. (5,64) Sabe-se que
a permanência do vírus.(44) O apa- humoral participa da resposta à após sua ativação, os LT entram
recimento de anticorpos contra o infecção pelo VHC. em proliferação clonal secretando
VHC é significativamente demorado, citocinas e outras substâncias que
podendo ser detectado de 7 a 31 Resposta Celular ao VHC podem afetar de forma variável a
semanas após a infecção.(7) O VHC função hepática.(69)
sofre pressão seletiva do hospe- Como há fraca resposta humoral Diversas citocinas atuam como
deiro, o que estimulará a elevada ao VHC, considera-se que a rea- mediadoras da inflamação na hepatite
variação nucleotídica e o apareci- tividade de linfócitos T citotóxicos C crônica e têm sido relacionadas à
mento de mutações das proteínas (LTC) ou LTCD8+ seja fundamental morte do hepatócito, colestase e fibro-
do envelope, selecionando variantes para a eliminação viral(61,62) e que sua se e, paradoxalmente, atuam na rege-
genômicas na tentativa de eliminar o ação deficiente seria um dos fatores neração após a injúria hepática. (69,70)
sítio de reconhecimento da resposta responsáveis pela cronificação da Discute-se que o desbalanço entre
imune.(55) A grande quantidade de infecção.(7,63,64) Os LTCD8+ podem a produção de citocinas Th1 e Th2
quasiespécies do VHC formada dri- eliminar o VHC do fígado por dois está relacionado com a progressão
bla a resposta humoral e a ação dos mecanismos: indução da apoptose da hepatite C crônica. A expressão
anticorpos neutralizantes do VHC em hepatócitos infectados ou pela de citocinas Th1 como IL (interleucina)
parece ser insuficiente ao controle supressão da replicação através da 2 e fator de necrose tumoral (TNF) α
da infecção,(7) conseqüentemente há produção de IFN-γ.(22,65) A respos- foi relacionada com a expressão de
persistência da mesma.(15) ta dos LTC é menos vigorosa em doença hepática mais agressiva, en-
O VHC pode mimetizar o sistema pacientes cronicamente infectados quanto a expressão de citocinas Th2,
imune levando ao escape viral ou do que durante a fase aguda da in- como IL-10, foi relacionada à doença
a uma imunidade pós-infecciosa, fecção.(4) Isto pode ser resultado da hepática mais branda.(71)
como a hepatite auto-imune tipo imunotolerância ou da exaustão da A produção de TNF-α é um dos
2.(2,56) Os anticorpos contra o VHC resposta dos LTCD8+ à alta carga eventos mais precoces da lesão he-
têm sido implicados no dano te- viral do VHC que persiste nos indiví- pática e o “gatilho” da produção das
cidual devido à formação de imu- duos cronicamente infectados.(4) outras citocinas,(72) além de estar im-
nocomplexos, como anticorpos Além dos LTCD8+, os LTCD4+ plicada na indução de apoptose dos
antinucleares, (57) auto-anticorpos também parecem estar envolvidos hepatócitos nas hepatites virais.(73)
contra citocromo P450 e anticorpo na lesão viral mediados pelo aumen- Citocinas como o interferon-γ
contra fígado e rim.(4) A deposição to da expressão do MHC classe II. (IFN-γ), TNF-α, interleucina (IL) 6 e
de imunocomplexos tem sido re- Estudos têm relacionado a resposta IL-8 estão aumentadas em indiví-
lacionada ao surgimento de mani- vigorosa e duradoura dos LTCD4+ duos com hepatite C crônica.(74-82)
festações extra-hepáticas, como à eliminação do VHC na infecção e alguns autores têm mostrado que
artrite, crioglobulinemia,(58) vasculite, aguda.(4,66) Por outro lado, a perda da esse aumento é proporcional à lesão
glomerulonefrite, síndrome Sicca e reatividade específica dos LTCD4+ histológica.(27,76,83,84)

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Patogenia da Hepatite C - Consenso VHC 2007

Há evidências de que a IL-4 pode Alguns alelos de MHC-II, como estudos sugerem que descendentes
modular a resposta imune em indi- o DR5, têm sido relacionados com afro-americanos (AA) têm pior evo-
víduos com VHC,(75) principalmente menor incidência de cirrose em lução da hepatite C devido à maior
pela ação da Th2 na hepatite C. indivíduos cronicamente infectados propensão à cronicidade, resistência
A IL-10 pode suprimir a prolife- pelo VHC.(94) Rehermann et al.(95) re- ao tratamento (maior porcentagem
ração tanto da resposta Th1 como conheceram LTC restritos a HLA-A2 de genótipo 1) e desenvolvimento
da Th2 e induzir a anergia.(85) Há evi- em 97% de pacientes cronicamente de hepatocarcinoma do que os des-
dências do aumento desta citocina infectados pelo VHC, em contraste cendentes caucasiano-americanos
na hepatite C crônica,(75) sendo que a 2% de controles negativos para (CA).(100,102) Analisando 99 indivíduos
alguns estudos relatam a redução da anti-HCV. Especula-se que a apre- cronicamente infectados e 31 que
atividade inflamatória(86) e outros da sentação de antígenos pelo MHC-II tiveram eliminação espontânea do
fibrose quando essa interleucina é seja defeituosa em células infectadas VHC, Sugimoto et al.(103) evidencia-
administrada a pacientes com VHC pelo VHC, pois algumas proteínas ram que nos AA havia uma resposta
crônica.(87) virais inibiriam a apresentação do LTCD4+ mais vigorosa que nos CA,
Em diversos trabalhos, o fator de antígeno através da imunorregulação com predomínio da resposta Th2
crescimento e transformação beta negativa induzida pelo INF.(44) e manutenção da infecção. A evo-
(TGF-β) está aumentado na hepatite Algumas citocinas pró-inflama- lução da hepatite C nas diferentes
C crônica e envolvido na progressão tórias parecem estar associadas etnias poderia ser devida a fatores
da fibrose, o que é discutido por à resposta da infecção viral, bem genéticos, como HLA classe-II que
alguns autores.(88,89) como a expressão de determinados poderiam definir a eliminação espon-
Tanto o TGF-β como a IL-10 têm haplótipos,(94) como os haplótipos tânea do VHC.(104)
sido analisados como moléculas da IL-10 que podem ser preditores Há diversos fatores extrínse-
imunomodulatórias, que atuam co- de uma eliminação espontânea do cos ao hospedeiro relacionados à
mo imunossupressores no fígado.(90) VHC.(96) Entretanto, há divergências progressão da hepatite C crônica,
Além disto, ambos têm sido descri- na literatura, pois outros autores não como o uso abusivo de álcool,
tos como inibidores da resposta imu- evidenciaram que o polimorfismo o tabagismo,(6,34,105-109) a aquisição
ne e reguladores da ação de células dos genes estudados seja fator re- do VHC por via endovenosa, a co-
dendríticas,(91) tentando estabelecer levante na eliminação do VHC ou na infecção com outros vírus como HIV,
o equilíbrio entre a resposta Th1 e resposta ao tratamento.(97-99) VHB e HTLV.(6,110,111)
Th2 nas doenças crônicas.(92) A influência dos dados demo- Os indivíduos que ingerem álcool
gráficos como idade, gênero (6,34) têm maior prevalência de infecção
Fatores do Hospedeiro e “raça” (100,101) na progressão da pelo VHC.(112,113) Estudos sugerem
Associados à Persistência e hepatite C pode ser devida às varia- que o álcool aumenta a habilidade
Progressão da Hepatite C ções genéticas existentes entre os do VHC para entrar e persistir no
mesmos. Algumas pesquisas des- organismo.(112) Outros discutem que
Na infecção pelo VHC, a cons- crevem que a positividade do VHC o uso de álcool afeta alguns compo-
tituição genética e o “status” imune aumenta com a idade, (34,101) onde nentes da resposta imune,(112) pode
do hospedeiro são importantes haveria maior chance de progressão alterar a resposta inflamatória das
fatores envolvidos na persistência da doença.(6,34) O gênero masculino é citocinas, aumentando a viremia e
e progressão do vírus,(23,93) pois in- mais prevalente em grande parte dos pode ser um importante co-fator no
fluenciam desde o reconhecimento e estudos de hepatite C(6,101) e, além desenvolvimento do hepatocarcino-
apresentação do antígeno até o tipo disto, ele foi associado à progressão ma.(114). Além disto, o uso de álcool
de resposta Th.(94) da doença para cirrose.(6,34) Alguns em indivíduos com VHC aumenta a

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Sociedade Brasileira de Infectologia 31


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Terapia Antifibrótica na
Hepatite C Crônica
Rinaldo Focaccia Siciliano, Antonio Alci Barone
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

A
s características histoló- Alguns autores identificaram fibrogênicos existentes no fígado,
gicas mais marcantes da fatores do hospedeiro associados das principais vias para formação
hepatite C crônica são a com a aceleração da progressão da fibrose e do seu potencial de
necrose hepatocelular, o infiltrado da fibrose hepática na infecção reversibilidade.
inflamatório e a fibrose. Diferen- pelo VHC. Os mais importantes A fibrose parece decorrer de
temente dos dois primeiros, que são idade superior a 40 anos ao um desequilíbrio entre a síntese e
apresentam flutuações, a fibrose momento da infecção pelo VHC, a degradação da matriz extracelu-
hepática evolui de forma progres- sexo masculino, consumo exces- lar, resultando em um acúmulo de
siva como uma seqüela patológica sivo de álcool e condições que tecido conjuntivo no fígado. Este
devido à lesão hepática crônica levam à imunodeficiência, como a processo é despertado e susten-
induzida pelo vírus C. A fibrose é re- infecção pelo HIV ou transplante. tado pela lesão hepática crônica
sultado do acúmulo de componen- Outros fatores também parecem causada pelo vírus da hepatite
tes da matriz extracelular levando a contribuir para uma progressão C e leva à desestruturação da
distorção da arquitetura do fígado, mais rápida para a fibrose, como arquitetura hepática normal, cul-
alterações da microcirculação he- a esteatose hepática, co-infecção minando com o desenvolvimento
pática e disfunções celulares. Este com VHB, obesidade e diabetes de cirrose/insuficiência hepática.
processo patológico hepático se mellitus. As células estreladas são os prin-
desenvolve lenta e progressiva- Avanços recentes produzidos cipais produtores de matriz extra-
mente, produzindo repercussões em estudos clínicos e de ciência celular no tecido hepático lesado.
clínicas somente no seu estágio básica trouxeram novas pers- Num fígado normal, encontram-se
final, a cirrose hepática, o que po- pectivas para o desenvolvimento presentes no espaço de Disse e
de levar décadas. Desta forma, o de terapias que possam conter a são os principais reservatórios de
reconhecimento do grau de fibrose progressão do processo fibrogê- vitamina A. A lesão hepática crô-
através da biópsia hepática ou de nico ou até promover a reversão nica secundária ao VHC, através
sua taxa de progressão é crucial da fibrose hepática. Estes avan- do aumento de radicais livres e
para o entendimento da história ços ocorreram a partir do reco- mediadores fibrogênicos, leva à
natural da hepatite C crônica. nhecimento dos tipos celulares ativação das células estreladas,

32 Sociedade Brasileira de Infectologia


Rinaldo Focaccia Siciliano, Antonio Alci Barone

sua proliferação e diferenciação e das próprias células estreladas, também por um papel antifibrótico
em miofibroblastos, adquirindo mas a importância de cada uma relacionado ao peg/interferon-
propriedade contrátil, pró-infla- delas e sua modulação ainda não alfa. Estudos clínicos recentes
matória e fibrogênica. Uma vez são muito claras. Vários fatores mostram regressão da fibrose
ativadas, migram para as regiões de crescimento solúveis regulam hepática, ou redução na sua taxa
de lesão com papel de reparo a ativação das células estreladas, de progressão em pacientes que
secretando grande quantidade assim como sua proliferação e a experimentaram algum esquema
de matriz extracelular. As células atividade fibrogênica (ex.: fator de terapêutico contendo interferon-
estreladas ativadas também pro- crescimento derivado de plaque- alfa ou peginterferon. Este efeito é
duzem citocinas que perpetuam tas, TGFβ, endotelina-1). mais aparente ainda entre pacien-
seu estado de ativação, bem O reconhecimento dos meca- tes com hepatite C que obtiveram
como são estimuladas pela apop- nismos que envolvem o processo resposta bioquímica ou virológica
tose de hepatócitos lesados. Os de fibrose hepática levou a uma após a terapia. Devemos destacar
leucócitos atraídos pelo processo nova perspectiva de desenvolvi- que a maior parte destes estudos
inflamatório hepático secundário mento de drogas antifibrinogê­ teve um desenho retrospectivo e o
à infecção pelo VHC também nicas em modelos animais. En- objetivo principal foi uma avaliação
induzem a produção de colágeno tretanto, ainda existe uma barreira da resposta virológica ao tratamen-
pelas células estreladas. Estas para que os resultados positivos to com interferon-alfa.
células ativadas, por sua vez, têm obtidos em laboratório possam Embora a fibrose hepática
atividade pró-inflamatória, alimen- ser reproduzidos em humanos. seja um processo dinâmico, sua
tando um ciclo vicioso. Novas linhas de pesquisa buscam regressão é lenta e necessita de
Em condições fisiológicas, o atenuar a ativação das células terapia e seguimento prolongados.
excesso de matriz extracelular é estreladas, inibir algumas de suas Estudos multicêntricos prospec-
degradado através de um controle propriedades quando ativadas, tivos comparativos avaliando o
exercido pelas metaloproteinases. promover sua apoptose ou es- impacto histológico da terapia de
Os miofibroblastos hepáticos ativa- timular a degradação da matriz manutenção com peginterferon
dos, além de produzirem grandes extracelular. Não existem terapias em baixas doses vs. placebo em
quantidades de colágeno Tipo específicas antifibróticas aprova- pacientes com hepatite C “não-
I e Tipo III, secretam inibidores das para uso em humanos, mas respondedores” encontram-se
teciduais de metaloproteinases, muito esforço tem sido emprega- atualmente em curso. Resultados
que atuam como um bloqueio à do em estudos laboratoriais nesta interinos destes trabalhos são
atividade colagenolítica. Várias promissora área. bastante promissores; com cer-
partes deste processo de acúmulo Na prática clínica, o tratamento ca de pouco mais de dois anos
da matriz extracelular no tecido da hepatite C com peg/interferon- de terapia com peginterferon já
hepático começam a ser com- alfa associado à ribavirina é o apontam redução da fibrose ou de
preendidas, mas existem ainda único esquema farmacológico complicações clínicas decorrentes
muitas lacunas. Além da eficiente atualmente disponível capaz de da cirrose hepática. Os resulta-
ação das metaloproteinases co- modificar a evolução natural da dos finais com análise histológica
mo colagenolíticos, a degradação fibrose hepática. Isto ocorre não após seguimento de longo prazo
da matriz extracelular no fígado simplesmente pela supressão e inclusão de grande número de
também pode ocorrer através da da viremia (resposta virológica pacientes poderão consolidar
ação de neutrófilos, macrófagos sustentada), mas possivelmente uma avaliação de segurança, be-

Sociedade Brasileira de Infectologia 33


Terapia Antifibrótica na Hepatite C Crônica

nefício clínico, histológico e custo- abandono do etilismo, prevenção e Third AASLD Single Topic Conference.
Hepatology 2007;45(1):242-9.
efetividade do uso prolongado de controle da obesidade e prevenção 3. Bataller R and Brenner DA. Liver fibrosis.
J Clin Invest 2005;115(2):209-18.
peginterferon em baixas doses na da co-infecção com HIV ou VHB. 4. Marcellin P, Asselah T and Boyer N. Fibro-
hepatite C. Embora muito progresso te- sis and disease progression in hepatitis C.
Hepatology 2002;36(5 Suppl 1):S47-56.
A atuação do clínico para modi- nha sido conquistado em ciência 5. Friedman SL and Bansal MB. Reversal of
hepatic fibrosis - fact or fantasy? Hepato-
ficar favoravelmente a história natu- básica no conhecimento dos me- logy 2006;43(2 Suppl 1):S82-8.
ral da fibrose hepática relacionada canismos biológicos que levam 6. Everson GT, Hoefs JC, Seeff LB et al.
Impact of disease severity on outcome
à hepatite C não deve ser restrita ao desenvolvimento da fibrose of antiviral therapy for chronic hepatitis
à remoção do VHC como fator hepática, ainda são aguardados C: Lessons from the HALT-C trial. Hepa-
tology 2006;44(6):1675-84.
agressor/pró-inflamatório hepático ensaios clínicos que possam va- 7. Kaiser P, Hass H, Lutze B et al. Long-
term low dose treatment with pegylated
(resposta virológica sustentada) ou lidar novas drogas ou estratégias interferon alpha 2b leads to a significant
uso do interferon como potencial antifibrogênicas. reduction in fibrosis and inflammatory
score in chronic hepatitis C nonresponder
antifibrótico. Na prática diária, patients with fibrosis or cirrhosis. 57th
Annual Meeting of the American Asso-
outras estratégias para atenuar Referências ciation for the Study of Liver Diseases.
a progressão da fibrose hepática Massachusetts - USA 2006.
1. Albanis E and Friedman SL. Antifibrotic 8. Afdhal N, Freilich B, Levine R et al.
baseiam-se na ação sobre fatores agents for liver disease. Am J Transplant Colchicine versus peg-interferon long-
2006;6(1):12-9. term (COPILOT) trial: interim analysis of
modificáveis que podem interfe- 2. Friedman SL, Rockey DC and Bissell clinical outcomes at year 2. Hepatology
rir na história natural do vírus C: DM. Hepatic fibrosis 2006: report of the 2004;40:238A.

34 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Diagnóstico Laboratorial
para Hepatite c
Neiva Sellan Lopes Gonçales, Fernando Lopes Gonçales Júnior
Grupo de Estudos das Hepatites - MI/FCM/UNICAMP - Campinas - SP - Brasil.

Detecção Sorológica do VHC testes padrão ouro de alta sensibili- clínico uma abordagem diferenciada
dade.(1) Entretanto, raros resultados dos indivíduos anti-HCV positivos.

O
diagnóstico sorológico de falsos-positivos para o anti-HCV No entanto, podem existir situações
pacientes infectados pelo podem ocorrer, principalmente em onde o RNA do VHC não é detec-
vírus da hepatite C (VHC) populações com prevalências me- tado, (RNA do VHC negativo) e o
pode ser realizado utilizando-se nores que 10%.(2-4) indivíduo apresenta infecção ativa
duas categorias de testes. Testes Muitas razões existem para que pelo VHC. Isto pode ocorrer em indi-
indiretos, que detectam anticorpos os laboratórios não utilizem na rotina víduos onde os títulos de anticorpos
contra o VHC e testes diretos, que o teste suplementar baseado em anti-HCV estão elevados e os títulos
detectam, quantificam ou caracteri- imunoblot, como por exemplo o RI- de RNA são baixos.(5) Assim, o RNA
zam componentes da partícula viral, BA (Recombinant Immunoblot Based do VHC pode não ser detectável
como a pesquisa do RNA do VHC e Assay), para complementar o diag- em determinados indivíduos na fase
o teste de detecção do antígeno do nóstico de infecção pelo VHC. Entre aguda da hepatite C, porém estes
core do VHC. as principais razões está a ausência achados são transitórios e uma
Os anticorpos anti-HCV são de padrões laboratoriais que avaliem infecção crônica pode se desen-
habitualmente detectados utilizando- seu desempenho e interpretação, volver.(6) Em adição, a positividade
se ensaios imunoenzimáticos de aliados a sua real acurácia, além do intermitente do RNA do VHC tem
terceira (EIA/ELISA-3) e quarta (EIA/ seu alto custo. Este teste, também, sido observada entre indivíduos
ELISA versão 4) gerações, os quais não distingue infecção presente com infecção crônica pelo VHC.(6-8)
contêm antígenos do core e genes de passada, sendo que seu uso é A negatividade do resultado do RNA
não-estruturais do VHC. Nos testes apenas indicado para confirmação do VHC pode indicar uma infecção
de EIA que detectam o anti-HCV, do resultado do EIA. resolvida. Entre indivíduos anti-HCV
disponíveis no mercado, a determi- Já o uso de testes de detecção positivos que adquiriram a infecção
nação da especificidade foi maior de ácidos nucléicos (NAT) permite di- após os 45 anos, 15 a 25% resolvem
que 99%. Já a sua sensibilidade foi ferenciar os indivíduos virêmicos dos a mesma espontaneamente. Esta
de 95-99%, sendo mais difícil de não-virêmicos, através da detecção proporção aumenta para 40 a 45%
determinar, devido à ausência de do RNA do VHC, possibilitando ao entre os que adquiriram a infecção

Sociedade Brasileira de Infectologia 35


Diagnóstico Laboratorial para Hepatite c

pelo VHC quando crianças ou adul- diagnóstico é o uso da relação den- Em pacientes com hepatite crô-
tos jovens.(9) sidade óptica dividida pelo valor de nica de causas desconhecidas com
Diferentes testes baseados no corte (DO/C ou S/C - Sample/Cutoff) EIA anti-HCV negativo, em particular
teste chamado Reação em Cadeia como um indicador de real positivida- em pacientes imunocomprometi-
da Polimerase (PCR) têm sido de- de do teste. Estudos realizados em dos,(14) a pesquisa do RNA do VHC
senvolvidos para detectar diretamen- nosso meio mostram que em EIA qualitativa deve ser realizada. A
te a partícula viral. A PCR “em tempo repetidamente reagentes com DO/C presença do RNA do VHC confirma
real” (real time PCR) apresenta como maior que 3 se associam a 100% de o diagnóstico, porém um resultado
característica a amplificação conco- resultados verdadeiros positivos (valor negativo não exclui a infecção pelo
mitante com a detecção, permitindo preditivo positivo) e apresentam em VHC. Nestes casos, uma nova pes-
a avaliação do número de genomas torno de 92% de positividade para o quisa do RNA do VHC é recomen-
virais no início e durante todo o de- RNA do VHC por RT-PCR.(13) O valor dada, seis meses após a primeira
correr da reação. A detecção qualita- preditivo positivo aumenta em relação investigação.
tiva do RNA do VHC por transcrição à população estudada quando asso- A detecção do antígeno do core
reversa (RT) e PCR é geralmente ciado a fatores de risco, ALT elevadas do vírus da hepatite C através de
aceita como o teste mais sensível e presença de doença hepática. um EIA pode ser uma alternativa
e padronizado, até agora.(10,11) Ape- Os testes de EIA apresentam no diagnóstico precoce da infecção
sar disso, existe variabilidade dos excelente reprodutibilidade em pa- pelo VHC.
resultados entre laboratórios, como cientes imunocompetentes, porém O “VHC core antigen ELISA” foi
pode ser evidenciado pela utilização em pacientes hemodialisados e/ou desenvolvido para ser utilizado co-
de painéis internacionais de profi­ imunocomprometidos a sensibilida- mo um teste sorológico de triagem,
ciência. A acurácia e a confiabilidade de se reduz significativamente.(14) para detecção do antígeno do core
dos resultados estão diretamente Em populações de baixo risco, do VHC, principalmente no período
envolvidas com os procedimentos como doadores de sangue ou em de janela imunológica, quando não
laboratoriais adotados na execução triagens populacionais aleatórias, são detectados os anticorpos. Este
dos testes.(12) A falta de cuidados que não apresentam fatores de ris- ensaio durante estudos realizados
preliminares na coleta das amostras, co para aquisição de infecção pelo mostrou sensibilidade próxima
associada com o tempo de preparo VHC, o EIA negativo é suficiente para dos testes de amplificação de
e separação das amostras, pode excluir a presença do VHC. Entre- ácidos nucléicos (NAT) com uma
ocasionar resultados incorretos. É tanto, resultados falsos-positivos diferença média de detecção de 1
de extrema importância que todos podem ocorrer nestas populações. a 2 dias.(15)
os procedimentos laboratoriais Nestes casos, a pesquisa do RNA A partir deste ensaio, um novo
obedeçam às Boas Práticas de do VHC qualitativa deve ser realizada ensaio foi desenvolvido para detectar
Laboratório e sigam rigorosamente para confirmar o diagnóstico. e quantificar o antígeno do core do
os protocolos padronizados pelos Em populações de alto risco, VHC. Este novo ensaio, através de
fabricantes dos conjuntos diagnós- quando existe suspeita clínica de modificações incorporadas, como
ticos e reagentes. infecção pelo VHC, a positividade a dissociação de imunocomplexos,
O uso cuidadoso do NAT, pa- do EIA confirma a exposição ao que permite a detecção de antígenos
dronizado para a detecção do RNA VHC. A pesquisa do RNA do VHC livres e antígeno do core ligado a
do VHC, e dos testes EIA (especifi- qualitativa deve ser realizada para anticorpos, e a mudança na ampli-
cidade aliada à sensibilidade) fazem identificar os indivíduos com infecção ficação do sinal, através da modifi-
juntos o padrão ouro. crônica dos que eliminaram o VHC cação do conjugado, aumentaram a
Uma alternativa para auxiliar no espontaneamente. sensibilidade do teste. Estudos de-

36 Sociedade Brasileira de Infectologia


Neiva Sellan Lopes Gonçales, Fernando Lopes Gonçales Júnior

monstram que este teste pode redu- diagnóstico rápido e de baixo custo diluições apropriadas do material em
zir a janela imunológica em 3,3 dias é necessário. análise devem ser feitas para garantir
em relação ao teste anterior (VHC Os ensaios de detecção qualitati- a acurácia da quantificação.
core antigen ELISA). Este aumento va do RNA do VHC são ferramentas O ensaio ideal para RNA do
de sensibilidade tem levado a um importantes porque são significativa- VHC deve ter um limite de detec-
decréscimo significativo de 58 dias mente mais sensíveis que a maioria ção inferior de 5 a 50 UI/ml e 6 a
no período de janela imunológica. A dos testes quantitativos. Os ensaios 7 log10 de curva de linearidade. Os
diferença entre este EIA e a PCR foi qualitativos estão baseados no prin- ensaios tradicionais de detecção da
somente de 0,24 dias.(16) cípio de amplificação do alvo usando carga viral como o bDNA e o Roche
Pode-se considerar este teste ou a PCR ou a amplificação mediada Monitor apresentam um limite de
como uma alternativa viável para a pela transcrição (TMA). O valor de detecção de 615 UI/ml e 600 UI/
detecção direta da viremia, quando corte (cut-off) do limite inferior de Ml, respectivamente,(21,22) que são
os testes de NAT não podem ser detecção do RNA do VHC destes inadequados para definir resposta
utilizados por razões de custo, orga- ensaios comerciais é de 50 UI/ml e 6 ao final do tratamento ou resposta
nização, emergência ou dificuldades UI/ml, respectivamente.(19) A especifi- virológica sustentada. Os ensaios
logísticas. cidade destes ensaios excede a 99%. de PCR em tempo real são uma
Atualmente, encontram-se dis- Um teste positivo para o RNA do VHC ferramenta promissora por causa
poníveis no mercado testes que confirma a replicação ativa do VHC. da sensibilidade e larga faixa de li-
permitem em um único ensaio a Um seguimento clínico-laboratorial nearidade. O Cobas Taqman 48VHC
detecção simultânea ou combinada com a pesquisa do RNA do VHC tem um limite de detecção entre 10 a
do antígeno e do anticorpo do VHC. deverá ser feito para confirmar a au- 100 UI/ml, o que o torna um ensaio
Estes testes, conhecidos como VHC sência de replicação ativa do VHC. quantitativo recomendado para uso
combinação Ag/Ac (Combo VHC Uma vez confirmada a infecção pelo no acompanhamento do tratamento
Ag/Ab), apresentam alta sensibili- VHC, a repetição do teste qualitativo (início e semana 12).(23)
dade e especificidade, reduzindo a para o RNA do VHC, em pacientes
janela imunológica (quando não são em seguimento clínico, porém sem Infecção Aguda e Acidente
detectados os anticorpos) em até tratamento, não apresenta nenhuma Perfurocortante
12 dias.(17) Estudos realizados com utilidade diagnóstica.
este ensaio mostraram sensibilidade A quantificação do RNA do VHC Após exposição ao VHC, os
próxima dos testes de amplificação pode ser feita pela amplificação do anticorpos anti-HCV podem ser de-
de ácidos nucléicos (NAT) com uma alvo (PCR) ou pela técnica de ampli- tectados pelo EIA em 50 a 70% dos
diferença média de detecção de 1 a ficação do sinal (branched DNA - b pacientes no início dos sintomas,
2 dias.(18) O uso do NAT no diagnós- DNA). Nestes ensaios comerciais, aumentando para aproximadamente
tico da infecção pelo VHC permite o valor de corte para quantificação 90% após três meses. O RNA do
diferenciar os indivíduos virêmicos do RNA do VHC, no limite inferior, VHC pode ser detectado, rotinei-
dos não-virêmicos através do en- varia de 600 a 615 UI/ml, e o limite ramente, no final da primeira até a
contro do RNA do VHC. linear superior é de 850.000 UI/ml a terceira semana após exposição e
Assim, estes testes poderão ser 7.700.000 UI/ml.(20) A padronização está presente no início dos sinto-
considerados como uma solução em UI não representa o número real mas. A ALT apresenta níveis acima
futura plausível, em triagens de de partículas virais na preparação. dos valores normais de duas a oito
doadores de sangue, programas de Existem variações significativas entre semanas após a infecção e cursa
transplantes de órgãos e em casos ensaios comerciais. A dinâmica de concomitantemente com o início das
de exposição ocupacional, onde um cada ensaio deve ser observada e lesões hepatocíticas.

Sociedade Brasileira de Infectologia 37


Diagnóstico Laboratorial para Hepatite c

Transmissão Vertical do tratamento para definir a duração detecção inferior de 50 UI/ml, deve
do mesmo. Isto porque, segundo os ser utilizada na semana 4 do trata-
Uma questão importante é como protocolos de terapêutica, os pa- mento, como preditor de resposta
exatamente se define a transmissão cientes infectados pelos genótipos virológica sustentada (RVS), ao final
materno-infantil da infecção pelo 2 e 3 devem ser tratados por 24 do tratamento, e seis meses após o
VHC. Muitas crianças nascidas de semanas, enquanto aqueles com término do tratamento para verifica-
mães com infecção crônica pelo infecção pelo genótipo 1 devem ser ção da RSV. Portanto, pacientes em
VHC apresentam o anti-HCV detec- tratados por 48 semanas.(24) tratamento que se tornam negativos
tável (IgG) no sangue adquirido por Uma grande limitação na ava- para a PCR na semana 4 apresen-
transferência passiva placentária. liação dos pacientes com infecção tam alto valor preditivo positivo para
Estes anticorpos adquiridos passiva- crônica pelo VHC tem sido a falta desenvolver RVS.
mente continuarão a ser detectáveis de padronização dos testes para
na criança nos primeiros 12 a 15 detecção do RNA do VHC. Tem sido Referências
meses de vida. Assim, o critério para observada diferença importante nos
1. Alter MJ, Kuhnert WL, Finelli L. Guidelines
identificar a transmissão materno- ensaios utilizados tanto em relação for laboratory testing and result reporting
infantil da infecção pelo VHC será a à sensibilidade (limite mínimo de of antibody to hepatitis C virus. MMWR
2003;52:1-15.
detecção do anti-HCV e do RNA do detecção) como na dinâmica dos 2. Kleinman S, Alter H, Bush M et al. Increse-
VHC no sangue da criança, após os ad detection of hepatitis C virus (HCV)-in-
mesmos. Estas diferenças não são fected blood donors by a multiple-antigen
18 meses de vida. somente observadas com os dife- HCV enzyme immunoassay. Transfusion
1992;32:805-613.
rentes ensaios, mas também quan- 3. Conry-Cantilena C, VanRaden M, Gibble J
Infecção Crônica do diferentes laboratórios executam et al. Route of infection, viremia, and liver
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crônica pelo VHC, o diagnóstico a Organização Mundial da Saúde Prevalence and incidence of hepatitis C
virus infection in the US military: a seroe-
de hepatite crônica é baseado na (OMS) e o Instituto Nacional de pidemiologic survey of 21000 troops. Am
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alta sensibilidade e confirmado pela Standards and Controls - NIBSC) blood donors for transfusion-transmitted
biópsia hepática. estabeleceram uma medida padrão infectious diseases: report of Interorga-
nization Task Force on Nucleic Acid Am-
A perda do anti-HCV e a pre- denominada Unidade Internacional plification of Blood Donors. Transfusion
sença isolada do RNA do VHC é (UI). Assim, é importante que du- 2000;40:143-59.
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incomum em pacientes imunocom- rante todo o seguimento clínico do al. Natural history of hepatitis C virus
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petentes com hepatite crônica pelo paciente sob tratamento específico factors. JAMA 2000;284:450-6.
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dialisados e pacientes com profunda ensaios e se possível o mesmo hepatitis C in the United States. N Engl J
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A quantificação do RNA do VHC tcome of an out break of acute hepatitis
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Acompanhamento da Terapêutica deve ser feita na amostra pré-trata- in pharmacokinetics studies. Hepatology
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Somente pacientes com RNA sito de avaliar o valor preditivo de and sequelae in hepatitis C virus infection:
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38 Sociedade Brasileira de Infectologia


Neiva Sellan Lopes Gonçales, Fernando Lopes Gonçales Júnior

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chain reaction: comparison with enzyme vert S et al. Comparison of qualitative Peginterferon alfa-2a plus ribavirin for
immunoassay and recombinant protein (COBAS AMPLICOR HCV 2.0 versus chronic hepatitis C virus infection. N Engl
immunoblot assay. Rev Inst Med Trop S VERSANT HCV RNA) and quantitative J Med 2002;347:975-992.
Paulo 2000;42(5):263-267. (COBAS AMPLICOR HCV monitor 2.0 25. Shiffman ML, Ferreira-Gonzalez A, Reddy
14. Lakshmi V, Reddy Ak, Dakshinamurty versus VERSANT HCV RNA 3.0) assays
KR et al. Comparison of three com-
KV. Evaluation of commercially available for hepatitis C virus (HCV) RNA detection
mercially available assays for HCV RNA
third-generation anti-hepatitis C virus and quantification: impact on diagnosis
using the International Units standard:
enzyme-linked immunosorbent assay in and treatment of HCV infections. J Clin
patients on haemodialysis. Indian J Med Microbiol 2005;43(6):2590-7. Implications for management of patients
Microbiol 2007;25:140-2. 20. Elbeik T, Surtihadi J, Destree M et al. with chronic hepatitis C virus infection
15. Tanaka EC, Ohue K, AoyagiK et al. Eva- Multicenter evaluation of performance in clinical practice. Am J Gastroenterol
luation of a new enzyme immunoassay characteristics of the Bayer VERSANT 2003;98:1159-66.
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with clinical sensitivity approximating that crobiol 2004;42:563-569. diagnosis and management of hepatitis
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16. Laperche S, Le Marrec N, Simon N et al. C virus core antigen, branched-DNA, 27. Schirm J, van Loon AM, Valentine-Thon E
A new HCV core antigen assay based and Amplicor Monitor assays in deter- et al. External quality assessment program
on disassociation of immune complexes: mining viremia for patients with chronic for qualitative and quantitative detection
an alternative to molecular biology in the hepatitis C during interferon plus ribarin of hepatitis C virus in diagnostic virology.
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17. Laperche S, Elghouzzi M-H, More P et 22. Nolte FS, Fried MW, Shiffman ML et al. titis C virus infection: viral kinetics and ge-
al. Is an assay for simultaneous detec- Prospective multicenter clinical evaluation nomics. Semin Liver Dis 2003;23:3-11.

Sociedade Brasileira de Infectologia 39


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Hepatite C: Genotipagem
Norma de Paula Cavalheiro
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

A
heterogeneidade do genoma lantes por regiões, sendo o primeiro VHC tem distribuição predominante,
do VHC foi notada no início criado no Japão pelo Prof. Masashi em média 70% da população infec-
da década de 90 e conse- Mizokami et al. (http://s2as02.genes. tada, seguido pelo genótipo 3 (25%)
qüentemente testes de genotipagem nig.ac.jp/), o segundo na União Eu- e 2, na casa de 5%. A Região Sul
foram desenvolvidos para delinear e ropéia pelo Prof. Gilbert Deleage et mostrou um perfil diferenciado, onde
diferenciar estas variantes, levando a al. (http://euVHCdb.fr/) e o terceiro o genótipo 3 tem uma prevalência
diversas classificações em diferentes nos Estados Unidos pela Dra. Carla paralela ao genótipo 1.(2,3)
partes do mundo. Porém, em 1994, Kuiken et al. (http://VHC.lanl.gov/ O tipo viral VHC pode ser de-
em publicação de consenso, ficaram ou http://VHC-db.org). A acessibili- terminado em uma amostra clínica
estabelecidos critérios que consoli- dade destes bancos de dados que de diferentes formas e as regiões
daram uma classificação universal são consultados e alimentados por do genoma do VHC consideradas
que abrange a identificação de seis pesquisadores de todo o mundo adequadas, citadas por inúmeras
grandes grupos ou tipos virais e mais colabora na padronização das no- referências, incluem o Core, E1, NS4
de 70 subtipos diferentes distribuí- menclaturas dos tipos e subtipos e NS5 e 5’UTR.(4,5)
dos em todo o mundo. Ficou estabe- virais do VHC.(1) O método mais direto e consi-
lecido que os genótipos diferem-se Antes de 1994, novas variantes derado padrão ouro é o seqüen-
uns dos outros em 31% a 33% e os foram citadas no Vietnã, Tailândia, ciamento do genoma do VHC em
subtipos em 20% a 25%. Burma e Indonésia. Estes tipos virais uma determinada região que seja
A padronização da classifica- foram originalmente classificados suficientemente divergente para que
ção do VHC veio ao encontro da como genótipos 7, 8, 9, 10 e 11. se possam distinguir os diferentes
uniformidade de dados publicados Estas variantes foram reclassificadas tipos e subtipos.(5)
em trabalhos científicos, estudos em 2005 e o genótipo 10a passou Na prática temos duas categorias
epidemiológicos, de evolução e pa- a ser denominado subtipo 3k e os de ensaios para o diagnóstico dos
togênese. Devido às particularidades genótipos 7a, 7d, 7b, 7e/7c, 11a, 9a, tipos virais do VHC: a sorotipagem
genômicas de diferentes populações 9b, 9c, 8b e 8a passaram a subtipos e a genotipagem.(6,7)
no mundo, foram criados bancos de 6e, 6c, 6d, 6f, 6g, 6h, 6i, 6j, 6k e 6l, O método imunoenzimático ou
centralização e captação de informa- respectivamente.(1) indireto ELISA (sorotipagem), co-
ções dos genomas dos VHC circu- No Brasil, o genótipo 1 (um) do mercializado apenas para pesquisa,

40 Sociedade Brasileira de Infectologia


Norma de Paula Cavalheiro

discrimina os seis tipos do VHC, e biotinilado. O substrato proporcio- na amplificação de parte do geno-
não os subtipos; apresenta anti- nará a formação de um produto ma viral pela PCR, especialmente
corpos tipo-específicos da região colorido que irá precipitar-se na fita das regiões 5’NC, NS5B e Core.
NS4 do genoma para os diferentes e revelar o tipo viral presente na Estas regiões são conservadas o
tipos do VHC (Serotype VHC 5’NC amostra. São discriminados os tipos suficiente para o desenvolvimento
- Abbott-Murex). Este teste dis- de 1 a 6 e os subtipos 1a, 1b, 1a/1b, de primers confiáveis e ao mesmo
pensa a presença da partícula viral 2a/2c, 2b, 3a-c, 4a-h, 5a, 6a e 10a. tempo apresentam diversidade
circulante e apresenta sensibilidade A leitura dos resultados é visual. para a discriminação dos tipos e
e especificidade mais baixas no Uma nova versão LIPA 2.0 acres- subtipos virais. A reação da PCR
diagnóstico dos tipos VHC, quando centa sondas da região do Core para o seqüenciamento parte dos
comparado à genotipagem. A per- do VHC, passando a distinguir os produtos das PCR-VHC qualitativas
formance também fica prejudicada subtipos 1c do 6 e os subtipos 1a e ou quantitativas; o volume de DNA
na avaliação de pacientes imuno- 1b, o que pela versão anterior não e a alta pureza das fitas resultantes
comprometidos.(3,7,8) era possível para todas as amos- são essenciais para o sucesso das
A genotipagem, ou método dire- tras analisadas, pois a região 5’NC, análises. Esta segunda reação de
to, analisa as seqüências de diversas sendo extremamente conservada, PCR é feita especialmente para
regiões do genoma na diferenciação pode não apresentar diversidade adequar e/ou marcar estes produtos
dos tipos e subtipos do VHC; por- suficiente para a distinção destes para a leitura em seqüenciadores. A
tanto, depende de amostras que subtipos. A interpretação dos re- leitura de ambas as fitas, positiva e
apresentem partículas virais para sultados também passa a ser feita negativa, é essencial para resolver
análise. São as técnicas de seqüen- pela leitura das fitas de nitrocelulose possíveis ambigüidades durante a
ciamento, hibridação com probes por um “scaner”, cujas imagens são avaliação dos seqüenciamentos.(7)
tipo-específicas e PCR em tempo interpretadas por um programa de As seqüências fornecidas pelos
real.(5,7,9) computador. A nova versão está em equipamentos devem ser analisadas
A hibridação reversa, comercial- fase de registro para distribuição no e para tal dispomos dos bancos de
mente distribuída pela descrição Brasil.(7,10,11) dados internacionais que são aces-
LIPA (Line Probe Assay) - Versant O seqüenciamento direto é a síveis para consultas e ao mesmo
VHC Genotype assay 1.0/2.0 (Inno- mais completa informação sobre as tempo funcionam como captação
genetics, Ghent, Belgium; distribuí­ variações das seqüências analisa- e centralizadores de seqüências em
da por Siemens Medical Solutions das; trata-se de um método ideal todo o mundo. O banco de dados
Diagnostics, Tarrytown, NY), descrita e definitivo para o estudo da varia- recomendado para uso no Brasil
por Lieven Stuyver e cols. em 1993, bilidade genética viral. Também o seria o Europeu http://euhcvdb. fr/,
faz uso de fitas de nitrocelulose, estudo da dinâmica viral no contexto justificado provavelmente pela rota
onde estão imobilizadas sondas de de quasiespécie durante a história epidemiológica no período da colo-
oligonucleotídeos da região 5’NC natural da doença ou como conse- nização brasileira.
complementares a cada tipo/subtipo qüência da terapia antiviral depende O teste de genotipagem Truge-
específicos do VHC. Estas fitas são principalmente do seqüenciamento ne-Siemens VHC 5’NC Genotyping
hibridizadas em condições de alta direto de determinadas regiões do Kit (Siemens Medical Solutions
estringência com produtos da PCR genoma do VHC; na determinação Diagnostics, Tarrytown, NY) ofe-
marcados com primers biotinilados dos tipos e subtipos do VHC é con- rece um software acoplado ao
no processo de amplificação. Após a siderado “padrão ouro”.(7) equipamento com uma biblioteca
hibridação, um conjugado de avidina A técnica de seqüenciamento genômica previamente seleciona-
terá a função de ligar-se ao híbrido para genotipagem do VHC consiste da, que analisa as seqüências da

Sociedade Brasileira de Infectologia 41


Hepatite C: Genotipagem

região 5’NC imediatamente após associado à ribavirina. Os tipos 1 e Referências


o seqüenciamento, apresentando 4 também somam a desvantagem
1. Simmonds P, Bukh J, Combet C, Deléage
com os resultados a homologia com de apresentar um pior prognóstico G, Enomoto N, Feinstone S, Halfon P,
os padrões de tipos e subtipos do de evolução da doença. Para pa- Inchauspé G, Kuiken C, Maertens G,
Mizokami M, Murphy DG, Okamoto H,
VHC baseados na região 5’NC. Esta cientes virgens de tratamento, as Pawlotsky J-M, Penin F, Sablon E, Shin-
metodologia está disponível apenas infecções pelos genótipos 1, 4 e 5 IT, Stuyver LJ, Thiel H-J, Viazov S, Weiner
AJ, Widell A. Consensus proposals for
para pesquisa.(1,7,12) devem ser tratadas por 12 meses a unified system of nomenclature of
O método de PCR-VHC em e as infecções pelos genótipos 2 e hepatitis C virus genotypes. Hepatology
2005;42:962-973.
Tempo Real (Real Time) é um teste 3 por 6 meses. O Grupo Consenso 2. Campiotto S, Pinho JRR, Carrilho FI, Da
diagnóstico molecular quantitativo recomenda interferon peguilado as- Silva LC, Souto FID, Spinelli V, Pereira
LMMB, Coelho HSM, Silva AO, Fonseca
que usa a tecnologia TaqMan. A esse sociado à ribavirina para o genótipo JC, Rosa H, Lacet CMC and Bernardini
teste foram associados probes tipo- 1. Para retratamento, o interferon AP. Geographic distribution of hepatitis C
virus genotypes in Brazil. Brazilian Jour-
específicas marcadas para tipagem peguilado associado à ribavirina é nal of Medical and Biological Research
do VHC, a princípio para diagnóstico recomendado independentemente 2005;38:41-49.
3. Cavalheiro NP, Barone AA, Tengan FM.
dos tipos 1, 2 e 3a. Outro teste, tam- do genótipo, nas doses habituais e HCV Serotypes in Brazilian patients. Int J
bém baseado na tecnologia TaqMan, respeitando-se a duração preconi- Infect Dis 2002;6:228-32.
4. Pawlotsky JM. Diagnostic tests for he­
é capaz de determinar os tipos de 1 zada para os genótipos 1 e não 1. patitis C. J Hepatol 1999;31 Suppl.1:
71-79.
a 4, e apresenta probes específicas Na presença do HIV, a resposta à
5. Laperche S, Lunel F, Izopet J, Alain S,
para os subtipos 1a/b, 2a/b/c, 3a terapia antiviral contra o VHC não é Deny P, Duverlie G, Gaudy C, Pawlotsky
J-M, Plantier J-C, Pozzetto B, Thibault V,
e 4b/c/d. Ambas as metodologias favorável, ficando entre 14%-38% Tosetti F and Lefrere J-J. Comparison of
baseiam-se na região 5’NC.(9,13-16) para o genótipo 1 e 43%-73% para hepatitis C virus NS5b and 5_ noncoding
gene sequencing methods in a multicen-
Comercialmente temos disponível os genótipos 2 e 3.(1,7,17,18) ter study. Journal of Clinical Microbiology
apenas para pesquisa o teste Abbott As vantagens dos métodos de 2005 Feb., p. 733-739.
6. Pawlotsky J-M, Prescott L, Simmonds
Real Time VHC Assay (Abbott Diag- genotipagem incluem confiabilida- P, Pellet C, Laurent-Puig P, Labonne C,
nostics Europe, Wiesbaden), que de e a oportunidade de se obter Darthuy F, Remire J, Duval J, Buffet C,
Etienne J-P, Dhumeaux D, Dussaix E.
também determina o tipo viral das informações importantes sobre a Serological determination of hepatitis
amostras para os genótipos VHC patogênese molecular do VHC.(7) C virus genotype: Comparison with a
standardized genotyping assay. J Clin
1a, 1b, 2a, 2b, 3, 4, 5 e 6. Esta me- Assim como o impacto da he- Microbiol 1997;35:1734-39.
todologia de genotipagem do VHC terogeneidade do VHC e seus di- 7. Chevaliez S & Pawlotsky J-M. Hepatitis
C virus: Virology, diagnosis and manage-
está associada à quantificação viral, ferentes tipos sobre o dia-a-dia no ment of antiviral therapy. World J Gastro-
sendo que níveis abaixo de 6053UI/ manejo clínico da infecção crônica enterol 2007 May 7;13(17):2461-2466.
8. Prescott LE, Simmonds P. Serological
ml comprometem a eficiência do pelo VHC não está completamente genotyping using synthetic peptides de-
teste e sua sensibilidade.(9) estabelecido, também seu papel rived from the NS4 region. In: Lau JY-N.
Hepatitis C protocols: methods in mole-
A identificação dos genótipos é como marcador epidemiológico cular medicine. Totowa, Humana Press,
clinicamente importante e os pro- precisa ser esclarecido. A sen- cap.17, p.199-205, 1998.
9. Widen RH and Cimmins CA. Evaluation of
tocolos de tratamento preconizam sibilidade e a especificidade dos the Abbott molecular diagnostics real time
PCR assay for HCV quantitative viral load
a necessidade da informação do testes sorológicos e virológicos
and HCV genotyping. Poster S30, Clinical
genótipo para delinear a duração e também podem ser influenciadas Virology Symposium, 2004.
10. Nadarajah R, Khan Y, Miller SA, Brooks
o tipo de medicação a ser utilizada. pela heterogeneidade do VHC, o GF. Evolution of a new generation Line-
A literatura menciona que os genó- que justifica constante evolução Probe Assay that detects 5’untranslated
and Core regions to genotype and sub-
tipos 1 e 4 são considerados mais no estudo dos pacientes e das type Hepatitis C Virus. Am J Clin Pathol
resistentes do que os genótipos 2 técnicas de diferenciação dos tipos 2007;128:300-304.
11. Bouchardeau F, Cantaloube JF, Chevaliez
e 3 à terapia padrão com interferon e subtipos do VHC.(4) S, Portal C, Razer A, Lefrére J-J, Pa-

42 Sociedade Brasileira de Infectologia


Norma de Paula Cavalheiro

wlotsky J-M, De Micco P, and Laperche me PCR. Journal of Clinical Virology hepatitis C virus genotype and viral load
S. Improvement of hepatitis C virus (HCV) 2005;34:108-114. determination using Amplicor GT HCV
genotype determination with the new 14. Moghaddam A, Reinton N & Dalgard O. A Monitor test v2.0. World J Gastroenterol
version of the INNO-LiPA HCV Assay. rapid real-time PCR assay for determina- 2005;11(4):469-475.
Journal of Clinical Microbiology 2007 tion virus genotypes 1, 2 and 3a. Journal 17. Poynard T, Marcellin P, Lee SS, Niederau
Apr;(4)45:1140-1145. of Viral Hepatitis 2006; 13:222-229. C, Minuk GS, Ideo G, Bain V, Heathcote J,
12. Nolte FS, Green AM, Fiebelkorn KR, 15. Rolfe KJ, Alexander GJM, Tim GW, Par- Zeuzem S, Trepo C, Albrecht J. Randomi-
Caliendo AM, Sturchio C, Grunwald A, mar S, Jalal H, Curran MD. A real-time zed trial of interferon alfa 2b plus ribavirin
Healy M. Clinical evaluation of two me- Taqman method for hepatitis C virus for 48 weeks or for 24 weeks versus inter-
thods for genotyping hepatitis C virus genotyping. Journal of Clinical Virology feron alfa 2bplus placebo for 48 weeks for
based on analysis of the 5’noncoding 2005;34:115-121. treatment of chronic infectious hepatitis C
region. Journal of Clinical Microbiology 16. Mukaide M, Tanaka Y, Kakuda H, Fujiwara virus. Lancet 1998;352:1426-1432.
2003;4(41):1558-1564. K, Kurbanov F, Orito E, Yoshioka K, Fujise 18. Wong T & Lee SS. Hepatitis C: a re-
13. Lindh M, Hannoun C. Genotyping of K, Harada S, Kozaki T, Takemura K, Hikiji view for primary care physicians. CMAJ
hepatitis C virus by Taqman real-ti- K, Mizokami M. New combination test for 2006;174(5):649-659.

Sociedade Brasileira de Infectologia 43


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Marcadores Não-Invasivos
para o Diagnóstico de Fibrose
Hepática na Hepatite C
Eduardo Sellan Lopes Gonçales, Adriana Flávia Feltrim Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior
Grupo de Estudos das Hepatites - MI/FCM/UNICAMP - Campinas - SP - Brasil.

A
biópsia hepática ainda é indicação do tratamento, salvo nos dificuldade de definir os valores de
considerada o padrão ouro casos clinicamente confirmados de corte para cada grau de fibrose.
para estadiamento da fibrose cirrose hepática, de acordo com as
do fígado nas hepatopatias crônicas. normas do Ministério da Saúde. APRI Teste
Entretanto, a biópsia hepática é um Por todas essas razões, cada
procedimento invasivo e compli- vez mais vêm sendo realizados O teste conhecido como APRI foi
cações podem ocorrer em 0,6-5% estudos que visam avaliar a eficácia desenvolvido por Wai e colaborado-
dos pacientes.(1,2) Além disso, para dos marcadores não-invasivos para res(6) e é realizado levando em conta
sua realização, há a necessidade de o estadiamento do grau de fibrose os níveis de aspartato aminotransfe-
recursos adicionais, como a ultra- hepática. Os marcadores não-invasi- rase (AST) e de plaquetas. De acordo
sonografia, e via de regra costuma vos, com maior número de trabalhos com os resultados obtidos nesse
ser efetuada sob regime de hospitali- publicados, são o índice APRI, o estudo são determinados os cut-off,
zação por pelo menos seis horas.(3) índice conhecido como Fibrotest e inferior e superior, para a definição
Estudos recentes realizados em o FibroScan. de fibrose significativa e presença de
pacientes com hepatite C crônica A eficácia dos diversos méto- cirrose. Através da análise do resul-
demonstraram que fragmentos de dos, avaliada em diversos estudos, tado são também determinados os
tecido hepático, tecnicamente ina- mostra resultados bastante hetero- valores preditivos positivo e negativo
dequados, levam freqüentemente gêneos. O método APRI e o índice da presença ou ausência de fibrose
à subestimação do estádio da fi- de Forns não conseguem estadiar significativa ou cirrose.
brose hepática.(4) Essa taxa de falha um grande porcentual de pacien- Para avaliar a presença de fibrose
diagnóstica pode variar de 10-30% tes e suas acurácias não excedem significativa, os cut-off usados são os
dependendo do estudo.(5) Além dis- 80-85%. Sendo assim, uma parte valores menores do que 0,5 (ausência
to, nos países desenvolvidos existe considerável terá que ser submetida de fibrose significativa, estágio 0-2,
uma maior resistência dos pacientes à biópsia hepática, pois, senão, cer- segundo Ishack) e maiores que 1,5
à realização de biópsias. ca de 20% serão diagnosticados de (presença de fibrose significativa,
No Brasil existe um fator a mais, forma incorreta por esses métodos. estágio 3-6, segundo Ishack).  (6) Pa-
que é a obrigatoriedade da reali- A eficácia desses métodos esbarra ra avaliar a presença de cirrose são
zação da biópsia hepática para a na dificuldade de padronização e na usados valores de corte diferentes.

44 Sociedade Brasileira de Infectologia


Eduardo Sellan Lopes Gonçales, Adriana Flávia Feltrim Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior

Ausência de cirrose (estágio 0-4, com doença hepática crônica. Até tecido. O resultado é dado em kilo-
segundo Ishack) é considerada pa- o presente momento, a biópsia pascal (kPa).
ra pacientes com valores menores continua como o padrão ouro no Alguns estudos mostram que
que 1 e a presença de cirrose (5-6 estadiamento e na evolução da o índice de massa corpórea, a
Ishack) para valores maiores que 2.(6) fibrose, mesmo apesar de ser um idade do paciente e a experiência
A fórmula para realização do APRI método invasivo, com raras com- do profissional podem influenciar o
teste é: APRI = AST(/LSN) X 100 / plicações, e com avaliações, muitas resultado do exame dos pacientes
Plaquetas (109/L). Na tabela 1 estão vezes, subjetivas do ponto de vista com hepatite C crônica. O IMC
os resultados obtidos com o APRI. anatomopatológico.(8,9) e a esteatose poderiam afetar a
Dessa forma, esse estudo de- São vários os estudos sobre avaliação da fibrose, porém alguns
monstrou que a relação AST/Plaque- opções não-invasivas na avaliação, estudos mostram que esses fatores
tas tem um alto VPP para identificar estadiamento e seguimento da fi- são minimizados com um bom pe-
os pacientes com fibrose significativa brose hepática. O FibroScan é um ríodo de experiência. Alguns estudos
e um alto VPN para descartar cirrose. novo método, ainda disponível em indicam um total de cinco medidas
Esse estudo também demonstrou pequena escala, que apresenta para validar o resultado.(10)
que é possível predizer a presença melhores resultados, nos diversos A sensibilidade para a detecção
ou ausência de fibrose significativa estudos realizados, quando se trata de fibrose ≥ F2 é de 85,2%, com
em 51% dos pacientes e predizer a de diferenciar entre cirrose e não- especificidade de 90,7%, valor predi-
presença ou ausência de cirrose em cirrose. É considerado um procedi- tivo positivo de 93,8%, valor preditivo
81% dos mesmos.(6) mento rápido e fácil, não-invasivo, negativo de 78,8%, e 87,7% para
para diagnosticar cirrose e tem sido o diagnóstico. A sensibilidade para
Fibrotest colocado como uma alternativa à a detecção de cirrose é de 78,3%,
biópsia hepática nos pacientes com com especificidade de 98,2%, valor
O Fibrotest combina e analisa contra-indicação formal.(8) preditivo positivo de 97,8%, valor
os resultados de cinco dosagens O FibroScan mede a elasticidade preditivo negativo de 81,6%, e
laboratoriais efetuadas no sangue de hepática, através de um transdutor 88,2% para o diagnóstico.(11-13)
pacientes com hepatite C crônica. O posicionado na pele, no espaço in- Apesar da razoável quantidade
Fibrotest leva em consideração os tercostal, no lobo direito do fígado, de trabalhos publicados, poucos
valores das dosagens de bilirrubinas, com disparos de vibração de peque- foram realizados comparando os
gama-GT, apolipoproteína A1 (Apo na amplitude e baixa freqüência, as métodos de forma randomizada.
A1), alfa-2-macroglobulina (A2M) e quais são transmitidas pelo trans- Existem dois trabalhos que propuse-
haptoglobina. Os resultados obtidos dutor para o tecido hepático. Esta ram algoritmos para avaliação. Um
são avaliados através de uma fór- vibração propaga uma onda elástica, primeiro estudo foi publicado pela
mula que prediz e que os classifica sendo sua velocidade diretamente Associação Européia para o Estudo
como F0-1, F2-3 e F4.(7) relacionada com a elasticidade do do Fígado (EASL) e tenta padronizar

FibroScan - Um Novo Método Tabela 1


Não-Invasivo Fibrose Cut-Off VPP VPN
Ausência de Fibrose < 0,5 64% 90%
A avaliação do grau de fibrose Presença de Fibrose > 1,5 91% 65%
hepática é de fundamental importân-
Ausência de Cirrose < 1,0 35% 100%
cia no prognóstico, seguimento e na
Cirrose > 2,0 65% 95%
decisão terapêutica dos pacientes

Sociedade Brasileira de Infectologia 45


Marcadores Não-Invasivos para o Diagnóstico de Fibrose Hepática na Hepatite C

Tabela 2 seguido da realização do Fibrotest,


nos pacientes não classificados pelo
Valor F≥2 F≥3 F=4
método APRI, restringindo a biópsia
Sensibilidade 67 73 87
somente para os pacientes classifi-
Especificidade 89 91 91 cados como F0-F1 pelos métodos
Valor Preditivo Positivo 95 87 77 não-invasivos.(14)
Valor Preditivo Negativo 48 81 95 A identificação de cirrose (95%
de acurácia) pode ser diagnosti-
e comparar os diversos métodos, se significativa (fibrose ≥ 2 Metavir), cada através deste algoritmo. Os
baseado em marcadores séricos de em pacientes com transaminases autores consideraram que em seu
fibrose hepática. Ao final, propõe a normais e elevadas e a capacida- estudo original possam ter obtido
utilização de um organograma que de de diagnosticar a presença de resultados altamente favoráveis pelo
poderia reduzir em 60-70% a neces- cirrose. fato de que a maioria dos pacientes
sidade de biópsia hepática.(14) Os resultados obtidos demons- apresentava fibrose significativa. A
Esse estudo, realizado por Se- tram que a presença de fibrose signi- grande limitação destes marcado-
bastiani e colaboradores,(14) avaliou a ficativa pode ser diagnosticada com res é a dificuldade de validação nos
capacidade dos diferentes métodos acurácia em 94% usando o APRI pacientes com F0-F1. Dessa forma,
em diagnosticar a presença de fibro- como o primeiro teste de triagem, foi elaborado um algoritmo para
avaliação da fibrose e para tentar
Algoritmo proposto por Sebastiani e cols. (EASL)(14) definir qual paciente não necessitaria
Algoritmo associando método APRI com o Fibrotest. realizar biópsia hepática.
Outro estudo, realizado por Cas-
Hepatite C Crônica com ALT Aumentada téra e colaboradores,(15) comparou
a eficácia da elastografia transitória
(FibroScan, Echosens, Paris, França)
em relação ao APRI e ao Fibrotest.
APRI Conseguiu demonstrar que o uso do
FibroScan tem grande capacidade
de diagnosticar a presença de fibro-
F0-F1 Não Classificado F>2 se significativa (F ≥ 2). Os resultados
podem ser vistos na tabela 2.
Dessa forma, pode-se perceber
Fibrotest que o FibroScan tem um grande
valor preditivo positivo para os
pacientes com fibrose ≥ 2 e um ex-
F0-1 F>2 celente valor preditivo negativo para
os pacientes com cirrose hepática.
Sem dúvida é um bom método para
Biópsia
demonstrar a presença de fibrose
significativa ou descartar cirrose
hepática.
F0-F1 Fibrose Significativa (F>2) O estudo realizado por Castéra e
colaboradores propõe a associação

46 Sociedade Brasileira de Infectologia


Eduardo Sellan Lopes Gonçales, Adriana Flávia Feltrim Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior

do FibroScan com o Fibrotest como Algoritmo proposto por Castéra e cols.(15)


método de triagem para a presença
Algoritmo associando os resultados do Fibrotest com o FibroScan
de fibrose significativa. Quando hou-
ve concordância entre os métodos, VHC RNA
o que aconteceu em 70-80% dos detectável
pacientes, houve 84% de compati-
bilidade com a biópsia hepática em
diagnosticar a presença de fibrose FibroScan/
significativa (F ≥ 2), 95% (F ≥ 3) e Fibrotest
94% de concordância nos pacientes
com cirrose (F=4).
Dessa forma, ainda há muito a Concordância
entre os
ser estudado em relação aos mé-
médicos
todos não-invasivos para estimar
o grau de fibrose, sendo por isso
necessário realizar estudos compa-
Não Sim
rativos randomizados com diferentes
populações de pacientes.

Referências Biópsia Não realizar


hepática biópsia
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Sociedade Brasileira de Infectologia 47


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Hepatite Crônica pelo Vírus C -


Anatomia Patológica
Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini Ferreira Alves
Divisão de Anatomia Patológica, Hospital das Clínicas de São Paulo
LIM-14 - Patologia Hepática, Faculdade de Medicina da USP.
CICAP - Hospital Alemão Oswaldo Cruz - São Paulo - SP - Brasil.

N
as infecções pelo vírus da nóstico histológico de hepatite crô- literatura internacional a classificação
hepatite C (VHC) há um lar- nica é a presença de infiltrado infla- proposta por Ishak em 1995(5) (que
go espectro de alterações matório portal, predominantemente é uma atualização da classificação
histológicas que podem ocorrer no linfocitário, usualmente com número proposta por esse mesmo autor em
fígado, desde a hepatite aguda, pas- variável de plasmócitos e histiócitos. 1981, que ficou muito conhecida
sando pelos fenômenos reacionais Esta inflamação está acompanha- como classificação de Knodell, (6)
leves até as formas mais graves, da por grau variável de atividade que não deve ser mais usada). Uma
que incluem as hepatites crônicas periportal (também chamada de tabela aproximada de correspon-
com graus variados de inflamação atividade de interface ou necrose em dência entre estes sistemas está
e fibrose, a cirrose e o carcinoma saca-bocados), atividade parenqui- exposta abaixo, tanto para a fibrose
hepatocelular. Raros são os casos matosa (lobular) e fibrose. (alteração arquitetural) quanto para
de hepatite C biopsiados em sua Existem diversos sistemas de a atividade.
fase aguda, ficando a atenção do classificação (graduação e estadia-
patologista em grande parte foca- mento) das hepatites crônicas,(1-7) Protocolo de Avaliação
da na forma crônica da doença. O vários deles de importância histórica. Histológica para Biópsias
diagnóstico histológico de hepatite De acordo com a portaria no. 863 Hepáticas de Pacientes com
crônica, através da biópsia hepática, da Secretaria de Estado da Saúde Hepatite Crônica Viral
permanece de extrema importância de São Paulo, de 4 de novembro de Esse protocolo pode ser aplicado
para a condução dos pacientes 2002, recomenda-se o uso de uma às diversas etiologias de hepatite
infectados pelo VHC, pois é a pe- de duas classificações de hepatites crônica, incluindo, além da hepatite
dra fundamental para a detecção crônicas: a da Sociedade Brasileira C, o vírus da hepatite B, a hepatite
da presença ou não de doença de Patologia(4) ou a Metavir.(1,8) Estas auto-imune e, menos freqüentemen-
hepática causada pelo vírus e da duas classificações são na verdade te, a doença de Wilson ou algumas
intensidade desta doença - soma- muito similares, ambas levando hepatites medicamentosas. O proto-
se, portanto, ao diagnóstico de em conta os aspectos básicos das colo está centrado nos critérios do
infecção que é dado pelos métodos hepatites crônicas já destacados - Consenso Nacional das Hepatites
sorológicos. atividade periportal, lobular e fibrose. Crônicas, da Sociedade Brasileira
O parâmetro básico para o diag- Além delas, tem sido muito usada na de Patologia (SBP).(4)

48 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini Ferreira Alves

Natureza e Tamanho da Biópsia


1) Tipo de amostra (biópsia por agulha, biópsia em cunha, peça cirúrgica de ressecção,
Hepática
outro):
Biópsias cirúrgicas feitas com
2) Tamanho da amostra
pinças geram amostras subcapsu-
Número de espaços-porta na biópsia: _____ lares e devem ser desencorajadas,
3) Variáveis histológicas pois os espaços-porta nesta localiza-
- Fibrose portal ção são freqüentemente volumosos,
( ) 0 (ausente) sendo difícil ou impossível avaliar
corretamente a presença de fibro-
( ) 1 (discreta, sem formação de septos)
se. Mesmo durante ato operatório,
( ) 2 (com septos porta-porta)
portanto, a biópsia hepática deve ser
( ) 3 (com septos porta-porta e porta-centro, esboçando formação de nódulos - em obtida por agulha. Adicionalmente, a
“transformação nodular”)
biópsia deve preferencialmente ser
( ) 4 (cirrose)
- Inflamação portal Tabela 1. Equivalência aproximada
( ) 0 (ausente) das classificações mais usadas
no estadiamento e graduação das
( ) 1 (discreta)
hepatites crônicas
( ) 2 (moderada)
Alteração arquitetural (Fibrose)*
( ) 3 (acentuada)
SBP, 2000 Metavir, 1994 Ishak, 1995
( ) 4 (muito acentuada)
0 0 0
- Atividade periportal (atividade de interface)
1 1 1 ou 2
( ) 0 (ausente) 2 2 3
( ) 1 (presença apenas de “spill over”) 3 3 4 ou 5
( ) 2 (necrose em saca-bocados discreta - focos ocasionais em alguns 4 4 6
espaços-porta) Atividade inflamatória **
( ) 3 (necrose em saca-bocados moderada - focos ocasionais em muitos espaços- SBP, 2000 e Ishak, 1995
porta ou numerosos focos em poucos espaços-porta) Metavir,
Atividade Atividade paren­
( ) 4 (necrose em saca-bocados acentuada - numerosos focos em muitos 1994
periportal qui­matosa A
espaços-porta)
0 ou 1 0 0
- Atividade parenquimatosa
0 ou 1 1 ou 2 1
( ) 0 (ausente) 2 0-1 1
( ) 1 (tumefação, infiltrado linfocitário sinusoidal e ocasionais focos de necrose 2 2 2
lítica hepatocitária)
2 3-4 3
( ) 2 (numerosos focos de necrose lítica hepatocitária)
3 0-2 2
( ) 3 (áreas de necrose confluente ocasionais) 3 3-4 3
( ) 4 (numerosas áreas de necrose confluente ou áreas de necrose pan-acinar) 4 0-4 3
- Evidências histológicas de associação com outras condições * Na classificação de Ishak, o escore de fibrose vai
até 6, enquanto na Metavir e na SBP vai até 4.
( ) siderose grau ______ ** Correspondendo à atividade periportal e
parenquimatosa independentemente para SBP
( ) marcadores de esteatoepatite e Ishak, e um misto de periportal e lobular para
Metavir; na classificação de Metavir, o escore de
( ) outros:______ atividade vai até, 3 enquanto em Ishak e SBP
vai até 4.

Sociedade Brasileira de Infectologia 49


Hepatite Crônica pelo Vírus C - Anatomia Patológica

obtida no começo da cirurgia, para do que seria esperado apenas ao Aspectos Histopatológicos
evitar as alterações secundárias à acaso.(23) Em pacientes com infecção da Recorrência do VHC
manipulação cirúrgica. crônica pelo VHC, a esteatose tem Pós-Transplante
Dados da literatura demonstram sido atribuída a uma série de fatores A recorrência virológica do vírus
que o tamanho da biópsia obtida por usualmente associados à DGNA, C após o transplante é universal e
agulha influencia enormemente o re- incluindo elevado índice de massa imediata, e a progressão da doença
sultado de sua análise.(9-13) Amostras corpórea, resistência à insulina e é mais rápida do que nos pacien-
com 3,0 cm ou mais de comprimen- idade avançada.(20,26,29) As evidências tes não transplantados.(31) Estudos
to têm como resultado uma hepatite também se acumulam indicando que de longo prazo têm mostrado que
com atividade leve em apenas 50% a esteatose contribui para a progres- 70-90% dos casos terão recidi-
dos casos, com 1,5 cm em 60% e são da fibrose em um padrão similar va histológica da doença.(32,33) Na
com 1,0 cm ou menos em quase àquele visto na DGNA.(15,16,18,20) maior parte dos casos, a hepatite
90% dos casos.(9) Outros autores Tem sido sugerido que a estea- C manifesta-se histologicamente da
também têm considerado 1,5 cm tose possa também ser decorrente mesma forma que antes do trans-
como o tamanho mínimo ideal para de efeito citopático viral, especial- plante: com inflamação portal e pa-
diagnóstico em biópsia hepática por mente nos pacientes infectados renquimatosa, agressão da interface
agulha.(13) Agulhas de espessura fina com genótipo do tipo 3. Em uma com necrose em saca-bocados e
também obtêm resultados inferio- série de pacientes com genótipo 3 fibrose a partir dos espaços-porta.
res.(9,12) Bedossa e cols.(14) apenas e esteatose, a resposta sustentada Esteatose e lesão ductal também
atingiram um platô de precisão com à terapia implicou regressão da es- são um achado freqüente. Os acha-
2,5 cm de comprimento. Portanto, teatose em 91% dos casos, índice dos mais precoces muitas vezes são
deve ser considerado que biópsias muito maior do que os 19% dos que predominantemente lobulares, com
com 1,5 cm de comprimento são o não tiveram resposta sustentada,(17) inflamação e corpos apoptóticos
mínimo necessário e idealmente de- dando grande consistência ao efeito (hepatite aguda) e algumas vezes
vem ter 2,5 cm ou mais. Agulhas de citopático como causa da esteatose. o aparecimento de esteatose pode
calibre maior, como a trucut, também Outros autores têm obtidos resulta- ser a primeira manifestação histoló-
são recomendadas. dos similares.(28,30) gica. (34) Em uma pequena proporção
Atualmente, portanto, é essencial de casos, a hepatite C pode resultar
Esteatose a caracterização da esteatose e suas em um padrão colestático grave,
Cerca de 50% das biópsias de lesões relacionadas nos pacientes rapidamente progressivo e que leva
pacientes com VHC apresentam VHC +, em especial a presença e à perda do enxerto.(35-37) Devido à
esteatose.(15,16) Gradativamente tem quantificação da fibrose perissinu- pouca tolerância que os transplan-
se tornado mais e mais importante soidal e centrolobular característica tados têm ao tratamento com inter-
a avaliação da presença da estea- da esteatoepatite. Da esteatose feron e ribavirina,(38,39) a avaliação da
tose, sua graduação e a avaliação tiramos a lição de que a biópsia no biópsia é crucial para a indicação
da presença de esteatoepatite as- paciente infectado pelo VHC é um do tratamento. Alguns aspectos
sociada. (16-28) instrumento para a detecção de anatomopatológicos podem ser
O espectro esteatose, esteatoe- doenças hepáticas associadas ou úteis na predição de sua evolução:
patite e cirrose tem sido designado não ao próprio vírus, e de que de- recorrência histológica em menos de
doença gordurosa não-alcoólica do vemos estar preparados para outras seis meses,(40) o grau de atividade
fígado (DGNA). A DGNA é comum na (provavelmente menos freqüentes) inflamatória (33,41) e a presença de
população geral, mas sua associa- que podem estar presentes em um marcada balonização de hepatócitos
ção com o VHC é 2-3 vezes maior determinado caso. e colestase.(42)

50 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini Ferreira Alves

Critérios Histopatológicos de da (A2) apresentaram progressão,


Fator Risco Relativo
Possível Valor Preditivo de Pior que só ocorreu em 2,3% daqueles
Idade > 50 A 1,6
Evolução sem atividade (A0) e a presença de
Atualmente, a contribuição do esteatose (progressão em 87,5% Necrose em Ponte 4,0
estudo histopatológico das amostras dos casos com > 30% células com Necrose Confluente 3,4
colhidas por biópsia hepática é con- esteatose, em 80,0% daqueles com “Spotty Necrosis” 2,9
siderada decisiva para o diagnóstico, esteatose < 30% e apenas 48,6% Esteatose
para o estadiamento do dano arqui- sem esteatose).
Moderada/Acentuada 3,8
tetural e para a identificação do grau Outros autores também desta-
Discreta 2,1
de atividade necroinflamatória nas cam a presença e a extensão da
hepatites crônicas, assumindo papel esteatose como fator de risco da Fibrose Perivenular 2,6
decisivo na indicação de terapêutica progressão das lesões em hepatites
Verificamos, então, que importan-
de agentes antivirais. crônicas C, seja decorrente de efeito
tes trabalhos atuais demonstram a
A nosso ver, além dos informes citopático viral, conforme proposto
destacada contribuição dos achados
para tal decisão, resumidos pe- para o genótipo 3a,(45) quer asso-
histopatológicos na discriminação
las classificações Metavir, Ishak, ciada a esteatoepatite coexistente,
de risco diferenciado de progressão
Scheuer, Desmet ou, entre nós, do alcoólica(46) ou não-alcoólica.(43) Em
dos pacientes cronicamente infec-
consenso SBP/SBH liderado por recente metanálise incluindo 3.068
tados pelo VHC. Mais que dividir os
Gayotto, as evidências mais recen- pacientes italianos infectados por
pacientes em classes que “merecem
tes trazem de volta a necessidade VHC e submetidos a biópsia, (47)
ou não” o tratamento antiviral, as
do relato detalhado de cada uma comprovou-se associação inde-
evidências mais recentes apontam
das principais formas de lesão he- pendente da presença de esteatose
para a necessidade de revisão dos
pática, já surgindo estudos que de- com genótipo 3, presença de fibrose,
sistemas de graduação histológica,
monstram evolução mais rápida de diabetes, atividade inflamatória no
devendo o patologista informar, além
casos que apresentam, entre outros fígado, etilismo, índice de massa
do estádio de alteração arquitetural,
fatores preditivos, maior atividade corpórea e maior idade.
o grau de cada tipo de lesão necroin-
de interface, necrose confluente de Importante experiência foi trazida
flamatória em cada compartimento
hepatócitos e esteatose.(43,44) a debate no mais recente Congresso
do ácino hepático.
Em estudo de 106 pacientes com Europeu de Hepatologia: pesquisan-
biópsia inicial apresentando estádio do fatores preditivos de progressão
Referências
arquitetural 0 ou 1 e rebiopsiados de lesões em 563 casos de VHC
após intervalo médio de 7,8 anos com intervalos médios entre bióp- 1. Bedossa P and Poynard T. An algorithm
for the grading of activity in chronic hepa-
(mínimo de 48 meses)(44) encontrou- sias de 5,4 anos,(48) verificou-se que, titis C. The METAVIR Cooperative Study
se progressão do dano arquitetural diferente de abordagens genéricas Group. Hepatology 1996;24:289-293.
2. De Groote J, Desmet VJ, Gedigk P, Korb
em 64 casos (60,4%), sugerindo sugerindo que as lesões hepáticas G, Popper H, Poulsen H, Scheuer PJ,
Schmid M, Thaler H, and Uehlinger E. A
possível necessidade de intervenção progridem de modo relativamente classification of chronic hepatitis. Lancet
terapêutica mesmo nos infectados uniforme, linear, a velocidade de 1968;2:626-628.
3. Desmet VJ, Gerber M, Hoofnagle JH,
com arquitetura hepática ainda progressão variou consideravelmen- Manns M, and Scheuer PJ. Classi-
pouco alterada. Dentre os fatores te em cada paciente. Tais autores, fication of chronic hepatitis: diagno-
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preditivos de progressão da lesão, selecionando as variáveis estatisti- 1994;19:1513-1520.
4. Gayotto LCC, Alves VA, Cerski CT, Freitas
aqueles autores destacam o grau de camente significantes, identificaram LA et al. Visão histórica e consenso na-
atividade necroinflamatória (31,2% os seguintes riscos de progressão cional sobre a classificação das hepatites
crônicas - projeto do Clube de Patologia
dos casos com atividade modera- das alterações arquiteturais: Hepática da Sociedade Brasileira de Pato-

Sociedade Brasileira de Infectologia 51


Hepatite Crônica pelo Vírus C - Anatomia Patológica

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52 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini Ferreira Alves

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Sociedade Brasileira de Infectologia 53


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Co-Infecção do Vírus da Hepatite B


(VHB) e do Vírus da Hepatite C (VHC)
Heloísa Pedrosa Mitre, João Silva de Mendonça
Serviço de Moléstias Infecciosas, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo - SP - Brasil.

O
s vírus das hepatites B e C de biologia molecular (HCV-RNA e da infecção pelo VHC em paciente
compartilham rotas comuns HBV-DNA) vem sendo mais fácil a já infectado pelo VHB. É bem co-
de transmissão; assim sen- definição da situação interativa dos nhecida em países asiáticos, onde
do, a co-infecção não é inesperada. dois vírus. a prevalência do VHB é elevada.
Em termos mundiais, a OMS estima As co-infecções podem se apre- Pode ocorrer supressão viral do
em 170 milhões o número de infec- sentar de diversas maneiras: VHC, porém é mais freqüente a do
tados pelo VHC e em 350 milhões o a) Infecção aguda simultâ- VHB, notada por níveis mais baixos
número de infectados pelo VHB. O nea do VHB e VHC: pressupõe do HBV-DNA, menor atividade da
número de co-infectados por ambos mesma fonte e via de transmissão. DNA-polimerase e da expressão
os vírus é desconhecido. O número de estudos é pequeno, hepática do HBsAg e HBcAg, clarea-
Vários estudos avaliam pequeno mas eles apontam que a interação mento do HBeAg ou até mesmo do
número de co-infectados e os crité- entre os dois vírus seja semelhante HBsAg. O antígeno do core do VHC
rios de inclusão, parâmetros avalia- à que ocorre na infecção crônica. Há parece afetar a transcrição do VHB
dos e desenhos não são uniformes. descrição de casos em que ocorre e, por conseqüência, sua replicação,
Além disso, a etnia, a epidemiologia demora na identificação do HBsAg, fato referido como mais acentuado
local e os genótipos virais também níveis de ALT mais baixos e antigene- para o genótipo 1 do VHC. Após o
são diversos. Assim sendo, as con- mia VHB mais curta, o que pode ser clareamento do VHB, o VHC pode
clusões de um estudo específico atribuído à supressão da atividade persistir, resultando em hepatite
em princípio não devem ser gene- do VHB pelo VHC. crônica. Há ainda a possibilidade de
ralizadas. b) Superinfecção de um já evolução para doença grave, com
Na co-infecção VHB-VHC, qual- estando cronicamente presente risco de fulminar.
quer dos vírus pode ter a replicação o outro: deve ser suspeitada so- Superinfecção pelo VHB: trata-se
inibida, ser o dominante ou alternar bretudo em indivíduos com fatores da infecção pelo VHB em indivíduo já
a dominância. Com maior freqüência de risco, tais como o uso de drogas cronicamente infectado pelo VHC. Os
o VHB parece ser suprimido pelo ilícitas por via intravenosa, politrans- níveis de HCV-RNA são mais baixos e
VHC. A cronologia das infecções fundidos e residentes em áreas de em um estudo italiano o clareamento
tem influência na determinação da alta prevalência do VHB. do VHC foi maior nos co-infectados
dominância. Através de técnicas Superinfecção pelo VHC: trata-se (71%) do que nos monoinfectados

54 Sociedade Brasileira de Infectologia


Heloísa Pedrosa Mitre, João Silva de Mendonça

(14%). Por outro lado, os níveis do eram cronicamente infectados pelo dade de aparecimento de carcinoma
HBV-DNA podem ser mais baixos VHB, enquanto apenas 2,9% dos hepatocelular (CHC) é maior nos co-
do que os dos monoinfectados, indi- demais eram infectados pelo VHB infectados. Um estudo prospectivo
cando a interferência do VHC. Desta (OR 10,2). Na França, entre 40 pa- envolvendo 290 cirróticos concluiu
forma, cada um dos vírus pode induzir cientes com hepatite fulminante ou que a co-infecção VHB-VHC é fator
ao clareamento do outro. A evolução subfulminante, 12,5% apresentavam de predição para o desenvolvimento
para formas graves da doença, com infecção aguda pelos vírus B e C e de CHC em análise variada e mul-
quadros de hepatite fulminante, tam- 7,5% superinfecção pelo VHC. tivariada. Estas conclusões foram
bém é descrita. c) Hepatite crônica: dos even- confirmadas em estudos posteriores,
c) Infecção oculta pelo VHB: tos possíveis, este é o que ocorre nos quais a incidência de CHC em
há relatos de pacientes infectados com maior freqüência e o que tem co-infectados foi de 6,4 casos por
pelo VHC, com baixos níveis de possibilidade de tratamento. Entre as 100 pessoas/ano, enquanto em
HBV-DNA, anti-HBc reagente, porém hepatites crônicas podem ser identi- monoinfectados pelo VHB e VHC a
HBsAg, HBeAg, anti-HBe e anti-HBs ficados diversos perfis imunológicos incidência foi de 2 e 3,7 casos por
não reagentes, configurando a co- e de biologia molecular, tais como: 100 pessoas/ano, respectivamente.
infecção do VHC com o VHB oculto. VHB e VHC ativos: HBV-DNA O risco cumulativo do desenvolvi-
Estes indivíduos evoluem com níveis e HCV-RNA detectáveis no soro, mento de CHC em dez anos foi de
de ALT elevados e grande atividade quanto então prevê-se evolução 45% nos co-infectados, 16% em
histológica. Há relato de avaliação com maior possibilidade de progres- monoinfectados pelo VHB e 28% em
de biópsias em tais pacientes com são para cirrose e descompensação monoinfectados pelo VHC.
descrição de cirrose em 33% dos hepática. Em tais casos, o tratamen-
casos, enquanto em monoinfecções to deve ser considerado, seja com Tratamento
crônicas o achado foi de 19%. IFN + RBV, ou com IFN + LMV.
Os dados sugerem que os co- VHB inativo e VHC ativo: então, Em monoinfectados, as diretrizes
infectados podem ter evolução mais cursando com HBV-DNA indetec- para o tratamento vêm sendo traça-
grave. Quanto aos desfechos, estes tável e HCV-RNA detectável. Se o das, entre outras, por associações
eventos podem ser: tratamento estiver indicado, INF + de estudo do fígado, como a Asian-
a) Clareamento de ambos RBV é a opção. Pacific Association for the Study of
os vírus: havendo negativação do VHB ativo e VHC inativo ou in- the Liver (APASL), a European Asso-
HBsAg e, eventualmente, apare- fecção prévia pelo VHC: então com ciation for Study of the Liver (EASL)
cimento do anti-HBs. O anti-HCV HBsAg e HBeAg reagentes, HBV- e a American Association for Study
permanece reagente, mas tanto DNA detectável e HCV-RNA não of Liver Diseases (AASDL). Nestas
o HBV-DNA como o HCV-RNA detectável. Se indicado, as opções padronizações, há definida escolha
tornam-se indetectáveis. Esta é a terapêuticas podem ser INF ou INF pelo interferon peguilado, em detri-
melhor evolução da infecção para + LMV. mento do interferon convencional,
ambos os vírus. Cirrose: os co-infectados têm em associação com a ribavirina
b) Hepatite fulminante: di- maior risco de evolução para a cir- nos casos de infecção crônica pelo
versos estudos indicam que os rose se comparados aos monoinfec- HVC, e isoladamente, nos casos de
co-infectados VHB-VHC têm maior tados (44% e 21%, respectivamente) infecção crônica pelo VHB, onde
risco de evolução para hepatites e, também, de descompensação da o emprego de antivirais também é
fulminantes. Um estudo prospectivo hepatopatia crônica. considerado.
de pacientes com hepatite aguda Carcinoma hepatocelular: as Já o tratamento de pacientes
pelo VHC, dos que fulminaram, 23% evidências indicam que a possibili- co-infectados pelos VHB-VHC é

Sociedade Brasileira de Infectologia 55


Co-Infecção do Vírus da Hepatite B (VHB e do Vírus da Hepatite C (VHC)

complexo, devido à interação entre Interferon + ribavirina: em mo- experiência em co-infectados. Há


ambos os vírus e entre eles e o sis- noinfectados pelo VHC é o regime menção de maior sobrevida em
tema imunológico do hospedeiro. de melhor desempenho. Nos co- relação aos monoinfectados pelo
Padronizações para tais tratamentos infectados existem diversos estudos, VHB, com sugestão de benefício da
ainda não estão disponíveis. Con- com séries pequenas, relatando res- supressão do VHC sobre o VHB na
tudo, o esquema terapêutico deve posta bioquímica sustentada (RBS) e imunodepressão pós-transplante.
ser cuidadosamente escolhido e resposta virológica sustentada (RVS) Para a definição dos riscos e bene-
pautado nos marcadores soroló- comparáveis às dos monoinfecta- fícios, há que se aguardar avaliações
gicos, níveis de viremia, histologia dos, principalmente se o VHC é o em novos estudos, com maiores
e, sobretudo, na definição do vírus vírus dominante. Devido à interação casuísticas.
dominante. viral, é extremamente importante a
Cirróticos não compensados monitorização da atividade do VHB. Co-Infecção Tripla
devem ser encaminhados a centros Sabe-se que pelo menos metade
especializados para transplante dos pacientes apresenta reativação a) VHB, VHC e VHD: só adqui-
hepático. do VHB no início do tratamento e que rem o HDV pacientes também in-
45% cursarão com “flare”. Portanto, fectados pelo VHB. A tripla infecção
Interferon atenção ao VHB, mesmo se o HBV- pode ocorrer em áreas geográficas
DNA está não detectável no início do determinadas, onde a prevalência da
É uma droga imunomoduladora, tratamento. Evolutivamente, o HBV- infecção pelo VHB é alta. É descrita
com efeito antiviral e antiproliferativo; DNA pode tornar-se indetectável em a progressão para doença grave,
tem ação sobre o VHB e o VHC e é 10% a 30% dos pacientes. sendo desejável o tratamento que
a opção terapêutica mais estuda- Interferon + lamivudina: séries consiste no INF em altas doses por
da. Nos co-infectados, o primeiro pequenas sugerem que a adição longo período e, ainda assim, com
estudo, dos anos 90, sugere que da LMV possa ser útil, sobretudo respostas sofríveis. Há poucos es-
as doses mais altas (9 MU 3 vezes/ naqueles com VHB ativo. Uma pe- tudos na literatura pertinente, com
semana) podem ser mais efetivas quena série descreve oito pacientes pequeno número de participantes,
para o clareamento do VHB e/ou HBeAg reagentes, HBV-DNA e HCV- que não permitem a padronização
do VHC. RNA detectados, submetidos a 12 de conduta nestes casos. Há relatos
Se a supressão de um dos vírus é meses de INF + LMV e seguidos por de tratamento de sete pacientes,
alcançada, existe a possibilidade da mais seis meses de LMV. Em cerca com a obtenção de RBS em dois,
reativação do outro, uma vez que foi de 1/3 deles houve clareamento do e piora com efeitos colaterais em
removido o efeito supressor causado VHB e do HBeAg; em metade ocor- outros dois.
pelo primeiro. O INF peguilado, mais reu a normalização da ALT e clarea- b) VHB, VHC e HIV: neste caso,
efetivo em monoinfectados, pode mento do VHC, com RVS. Ainda é à complexidade da interação VHB-
apresentar comportamento de perfil prematuro opinar sobre o esquema VHC soma-se a ação do HIV sobre
semelhante em co-infectados. mais adequado, considerando-se o sistema imunológico do hospe-
Na infecção pelo VHC + VHB que novos estudos, com casuísticas deiro. Sabe-se que na co-infecção
oculto costuma haver atividade e maiores, são necessários. VHC-HIV e VHB-HIV a progressão
alterações histológicas pronuncia- Adefovir e entecavir: não há da doença hepática é mais rápida
das. A resposta ao tratamento é estudos em co-infectados. Talvez e potencialmente mais grave. Além
menos favorável e os responde- venham a ser boas opções em pa- do mais, após a terapia anti-HIV de
dores cursam com recaídas (down cientes com VHB dominante. elevada potência, dita HAART, a
regulation?). Transplante hepático: pequena mortalidade por hepatopatias crô-

56 Sociedade Brasileira de Infectologia


Heloísa Pedrosa Mitre, João Silva de Mendonça

nicas vem aumentando. Há poucos em co-infectados VHB-HIV e VHB- 4. Liu Z et al. Hepatitis B virus (HBV) and
hepatitis C virus (HCV) dual infection. Int
estudos relativos ao tratamento de VHC-HIV poderão orientar a com- J Med Sci 2006;3:57-62.
co-infectados VHB-VHC-HIV. Com o plexa terapêutica das co-infecções 5. Sagnelli E et al. Virologic and clinical
expressions of reciprocal inhibitory effect
uso de INF obteve-se 17% de RVS e envolvendo o VHB. of hepatitis B, C, and Delta viruses in pa-
tients with chronic hepatitis. Hepatology
25% com INF+RBV. Registre-se que 2000;32:1106-10.
pelo uso tão freqüente da LMV na Referências 6. Sagnelli E et al. HBV superinfection in
hepatitis C cirus chronic carriers, viral in-
terapêutica anti-retroviral do HIV, a teraction, and clinical course. Hepatology
resistência do VHB à LMV é elevada 1. Chakravarti A et al. Characteristics of 2002;36:1285-91.
dual infection of hepatitis B and C viruses 7. Sagnelli E et al. Hepatitis C virus su-
em co-infectados. Em pequena série among patients with chronic liver disease: perinfection in hepatitis B virus chronic
a study from tertiary care hospital. Trop carriers: a reciprocal viral interaction and
relatada, a atuação contra o vírus Gastroenterol 2005;26:183-7. a variable clinical course. J Clin Virol
dominante, VHB ou VHC, não levou 2. Crockett SD et al. Natural story and tre- 2006;35:317-20.
atment of hepatitis B virus and hepatitis 8. Soriano V et al. Treatment of chronic hepa-
à reativação do outro, a não ser C virus coinfection. Ann Clin Microbiol titis B or C in HIV-infected patients with du-
em um caso com nível muito baixo Antimicrob 2005;4:1-12. al viral hepatitis. JID 2007;195:1181-3.
3. French AL et al. Isolated hepatitis B core 9. Wang YM et al. Suppression of hepatitis
de linfócitos CD4. Estudos com os antibody is associated with HIV and on- C virus by hepatitis B virus in coinfec-
going but not resolved hepatitis C virus ted patients at the National University
novos antivirais, mais ativos contra Hospital of Singapore. J Gastroenterol
infection in a cohort of US women. JID
o VHB (tenofovir, entecavir, adefovir) 2007;195:1437-41. 1999;34:481-5.

Sociedade Brasileira de Infectologia 57


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Co-Infecção VHC-HTLV
Carlos Brites Alves
Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia - Salvador - BA - Brasil.

A
maioria dos indivíduos in- de plaquetas; exame parasitológico quanto à reduzida probabilidade
fectados pelos HTLV-I/II não de fezes (pesquisa de Strongyloides); de virem a desenvolver doença no
desenvolverá doença relacio- exame de urina e sedimento (infec- futuro. Se necessário, devem ser en-
nada a esse vírus, permanecendo ção urinária) a cada 6-12 meses. A caminhados para acompanhamento
assintomática pelo resto das suas carga pró-viral de HTLV-I está em psicológico especializado.
vidas. Este fato tem importantes avaliação para sua validação, porém No momento não há qualquer
implicações no aconselhamento e existem alguns estudos que reco- indicação - com base em evidências
avaliação prospectiva dessa po- mendam a quantificação anual. científicas - de que determinado
pulação. Portadores do vírus, uma tipo de intervenção farmacológica
vez identificados, devem ser sub- Situações especiais: específica anti-HTLV-I desempenhe
metidos a anamnese e exame físico • Nos casos assintomáticos que algum papel na profilaxia do desen-
geral objetivando a identificação de apresentem algum indício de volvimento de doenças associadas
manifestações precoces de doença doença sistêmica, relaciona- aos HTLV. Deste modo, não há
e prováveis vias de aquisição da da ao HTLV, como alteração qualquer indicação para o uso de
infecção, devendo ser avaliados dermatológica, hiper-reflexia, drogas imunomoduladoras, imunos-
periodicamente a cada 6-12 meses. clono e/ou sinal de Babinski: supressoras ou anti-retrovirais nos
Nos usuários de drogas endoveno- • Dosagem de cálcio sérico, portadores assintomáticos infecta-
sas recomenda-se a testagem para imunofenotipagem de linfóci- dos pelo HTLV (Ministério da Saúde,
outros patógenos comuns a esta tos T (CD3, CD4, CD8, HLAdr, Guia de manejo clínico do paciente
população, como hepatite B e C, CD38, CD56); DHL, CPK, do- com HTLV, 2004).
HIV, etc. Nos indivíduos com vida sagem de folatos e vitamina
sexualmente ativa recomenda-se a B12, T4 livre e TSH, estudo de Co-Infecção HTLV-VHC
testagem para HTLV dos parceiros. potenciais evocados somatos-
Em mulheres infectadas pelo HTLV-I, sensitivos. Assim como acontece com ou-
os filhos deveriam ser testados. Indivíduos portadores do HTLV-I tros patógenos transmitidos por
Exames laboratoriais periódicos saudáveis devem ser aconselhados vias comuns, a infecção pelo VHC
aconselhados no seguimento: he- quanto aos mecanismos de trans- freqüentemente é detectada em
mograma completo com contagem missão da infecção e assegurados portadores do HTLV e vice-versa.

58 Sociedade Brasileira de Infectologia


Carlos Brites Alves

A co-infecção pelo HTLV-2 em co-infectados por estes agentes.(5) dedicada a potenciais alterações do
pacientes com VHC, usuários de Além disso, o mesmo grupo mostrou metabolismo da glicose, uma vez
drogas, tem sido registrada princi- uma maior freqüência de anergia ao que parece haver uma tendência à
palmente em coortes do hemisfério PPD em co-infectados, embora sem acentuação destes problemas no
norte.(1) No Brasil, estudo realizado atingir significância estatística, su- co-infectado. Avaliações rotineiras
no Paraná revelou forte associação gerindo um efeito imunomodulador da glicemia de jejum, assim como
(OR+22.60 [95% IC, 10.35-49.35]), diferenciado nessa população.(6) realização de TTG para pacientes
entre estes dois patógenos, prova- Na Bahia, avaliação recente reve- co-infectados, podem ser necessá-
velmente refletindo compartilhamen- lou alta prevalência de co-infecção rias nessa população.
to de vias de transmissão.(2) HTLV-VHC; embora sem avaliar
A prevalência da co-infecção impacto clínico, mostrou a relevância Referências
também parece aumentar em por- dessa associação.
1. Zunt JR, Tapia K, Thiede H et al. HTLV-2
tadores do HIV, em nosso meio.(3) Em termos práticos, não existe infection in injection drug users in King
Segurado e cols. demonstraram que recomendação estabelecida para County, Washington, Scand J Infect Dis
2006;38(8):654-63.
a infecção pelo VHC era fator de ris- manuseio da co-infecção VHC-HTLV. 2. Morimoto HK, Caterino-De-Araujo A,
Morimoto AA et al. Seroprevalence and
co independente para infecção pelo Entretanto, a análise das poucas risk factors for human T cell lymphotropic
HTLV (adjOR = 6.43, p=0,02). evidências existentes sugere que virus type 1 and 2 infection in human
immunodeficiency virusinfected patients
esta associação pode causar mo- attending AIDS referral center health units
Interações Entre dificações importantes na história in Londrina and other communities in Pa-
raná, Brazil (AIDS Res Hum Retroviruses
VHC e HTLV em Co-Infectados: natural da hepatite C, aumentando a 2005;21(4):256-62.
3. Segurado AC, Braga P, Etzel A, Cardoso
Potenciais Implicações CV do VHC, e propiciando aumento MR. Hepatitis C virus coinfection in a
Clínicas na morbimortalidade associada a cohort of HIV-infected individuals from
Santos, Brazil: seroprevalence and asso-
essa infecção. Portanto, a atenção ciated factors. AIDS Patient Care STDS
Existem poucos estudos abor- ao paciente co-infectado requer 2004;18(3):135-43.
4. Hisada M, Chatterjee N, Zhang M et al.
dando os efeitos da co-infecção atenção especial à evolução clínica Increased hepatitis C virus load among
injection drug users infected with human
entre estes dois patógenos. Hisada da hepatite C e aos marcadores da immunodeficiency virus and human T
e cols.(4) demonstraram que a co-in- infecção. lymphotropic virus type II. J Infect Dis
2003;188(6):891-7.
fecção estava associada com maior Além da monitorização dos pa- 5. Boschi-Pinto C, Stuver S, Okayama A
CV para VHC em pacientes co- râmetros relacionados à infecção et al. A follow-up study of morbidity and
mortality associated with hepatitis C virus
infectados. No Japão, outro estudo pelo HTLV, com ênfase especial nas infection and its interaction with human
T lymphotropic virus type I in Miyazaki,
em co-infectados por VHC e HTLV-1 alterações neurológicas secundárias Japan. J Infect Dis 2000;182(1):379-80.
demonstrou maior risco de doença à infecção, deve-se avaliar cuidado- 6. Hisada M, Shima T, Okayama A et al.
Suppression of skin reactivity to purified
hepática incidente (RR=5,9), hepato- samente o estágio de doença he- protein derivative by hepatitis C virus
among HTLV-1 carriers in Japan. J Ac-
carcinoma e morte (RR=21,9), além pática, e avaliar rotineiramente a CV quir Immune Defic Syndr Hum Retrovirol
de maior tendência a diabetes em do VHC. Atenção deve ser também 1998;19(4):421-5.

Sociedade Brasileira de Infectologia 59


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Diretrizes Básicas para o Tratamento


da Co-Infecção HIV-VHC
Edgard De Bortholi
Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo - SP - Brasil.

O
tratamento da co-infecção • Duração do tratamento uso de drogas de potencial hepa-
HIV-VHC ainda apresenta • Tratamento de não-responde- totóxico, abuso de álcool e possi-
muitas questões ainda não dores e recidivantes bilidades de infecções por outros
bem determinadas ou consensuais. • Tratamento da infecção aguda agentes oportunistas. Em oposição
Há na literatura orientações por vezes em pacientes HIV positivos aos monoinfectados que apresen-
divergentes, porque o assunto é de • Pacientes co-infectados HIV- tam ALT persistentemente normais
domínio recente. De outro modo, os VHC-VHB ao redor de 25%, os pacientes co-
conhecimentos ainda fragmentados • Interação entre mediações infectados atingem um porcentual de
e sem longa experiência mundial no anti-retrovirais e a terapêutica 7 a 9%. Porém, destes, 25 a 40%
tratamento dessas co-infecções têm anti-HCV podem apresentar fibrose hepática
obrigado as entidades de referência • Hepatotoxicidade dos anti- avançada, culminando com cirrose
a atualizarem continuadamente suas retrovirais nos pacientes co- hepática.
condutas. infectados A evolução rápida da fibrose
Alguns guidelines para o manejo • Anti-retrovirais e doses reco- nos pacientes co-infectados, mes-
do paciente co-infectado HIV-VHC mendadas na insuficiência mo com transaminases normais,
têm sido propostos e novas reco- hepática indica a terapêutica, baseada na
mendações são particularmente motivação do paciente, duração da
necessárias: Manejo dos Pacientes doença, estágio da fibrose e carga
• Manejo dos pacientes com com Aminotransferases viral do VHC.
aminotransferases persisten- Persistentemente Normais
temente normais Definição e Quantificação de
• Definição e quantificação de Estabelecer a persistência da Fibrose Hepática: Quando e Como?
fibrose hepática: quando e normalidade das aminotransferases
como? nos pacientes infectados pelo VHC Vários estudos têm demonstrado
• Preditores da resposta à terapia é difícil, principalmente nos pacien- a rapidez do avanço da fibrose hepá-
anti-HCV nos pacientes co- tes co-infectados. Flutuações das tica nos pacientes co-infectados HIV-
infectados aminotransferases (AST e ALT) são VHC, devendo o acompanhamento
• Doses terapêuticas de interfe- comuns neste grupo de pacientes, destes pacientes com nenhuma
ron peguilado e ribavirina devido a vários fatores, entre eles o ou pequena fibrose, uma avaliação

60 Sociedade Brasileira de Infectologia


Edgard De Bortholi

histológica com periodicidade curta, sa não-análogos, ou elevação do coce é necessária a interferência


com limite máximo de dois anos. colesterol com alguns inibidores da das respostas natural e adaptativa,
Infelizmente a biópsia hepática, protease. que se encontram reduzidas nos
por ser um procedimento invasivo, Decorrente das dificuldades pacientes co-infectados, induzindo
pode apresentar complicações, técnicas, suas complicações e a uma lentificação no clearance viral,
advindas da realização da técnica. quantidade de vezes necessária que se reflete em uma resposta
Pareceres dos patologistas muitas para o acompanhamento do grau de virológica tardia. Assim como altos
vezes também são dificultados por fibrose nos pacientes co-infectados, níveis de HCV-RNA nos pacientes
pequenos fragmentos hepáticos a biópsia hepática poderá ser subs- co-infectados podem também expli-
obtidos pela biópsia, repercutindo na tituída pelo FibroScan, em futuro car a baixa freqüência de RVS.
indicação da terapêutica anti-HCV. próximo, pelo menos em um de seus Aproximadamente 30% dos
Apesar dos contratempos da segmentos. co-infectados não demonstram
realização da biópsia hepática, esta redução significante da viremia do
ainda é, principalmente no nosso Preditores da Resposta à Terapia VHC durante o primeiro mês de te-
meio, a principal técnica para obter- Anti-HCV nos Pacientes rapêutica com interferon peguilado
mos o embasamento da gravidade Co-Infectados e ribavirina.
da lesão hepática. A indicação precisa da terapêu-
Procedimentos não-invasivos A tendência atual na terapêutica tica nos pacientes co-infectados
para acessar o grau de fibrose da infecção pelo VHC é individuali- HIV-VHC está entre os pacientes
hepática são atualmente divididos zar a conduta. Todos os pacientes com CD4 maior que 350 céls./mm3.
em duas categorias: técnica por co-infectados HIV-VHC deverão ser Nos pacientes com CD4 entre 200
imagem, tal como a elastometria submetidos a genotipagem do VHC, e 350 céls./mm3, a decisão de tra-
(FibroScan) e por marcadores bio- antes de tomar qualquer decisão tar a infecção pelo VHC deve levar
químicos (Fibrotest, APRISHASTA, terapêutica. em conta outros fatores, como por
FIB-4 e Índex de Forn). Estes proce- Desde as primeiras tentativas exemplo a duração da infecção pelo
dimentos são geralmente acurados de tratamentos da infecção pelo VHC, a gravidade da enfermidade
em discriminar entre a ausência de VHC nos pacientes HIV positivos hepática, o grau de supressão do
fibrose e a fibrose avançada, mas se demonstrou a pequena porcen- HIV e os preditores clássicos da res-
são pouco precisos em avaliar os tagem de pacientes com resposta posta ao tratamento do VHC, como
estágios intermediários de fibrose. sustentada no final do tratamento, o genótipo e a carga viral.
Seu valor preditivo é bom para a fi- principalmente aqueles com imu- A obtenção da resposta viroló-
brose hepática avançada e cirrose. nossupressão, manifesta com baixa gica sustentada pode ser predita
Os marcadores bioquímicos nos contagem de CD4. Estes pacientes com base na negativação sérica de
pacientes co-infectados são de apresentam alta carga viral do VHC, RNA-HCV na 4ª semana de terapia.
pouca utilidade, dada a natureza in- menor resposta CD8 anti-HCV, Por outro lado, uma redução menor
flamatória da doença HIV e devido à freqüência de esteatose hepática que 2 logIU/ml da carga viral do VHC
prescrição de drogas hepatotóxicas decorrente ao uso de álcool e me- na 12ª semana e/ou a presença de
nesta população, que interfere com dicamentos hepatotóxicos, advindo viremia detectável na 24ª semana
os marcadores de fibrose séricos uma menor cinética ao tratamento prediz ausência de resposta viro-
como a elevação da bilirrubina com do VHC, maior porcentagem de lógica, indicando a suspensão da
o uso do atazanavir, anormalidade efeitos adversos e pior aderência à terapêutica.
da gama-glutamiltransferase com resposta terapêutica. Trabalhos em andamento estu-
os inibidores da transcriptase rever- Para a resposta virológica pre- dam a manutenção da terapêutica em

Sociedade Brasileira de Infectologia 61


Diretrizes Básicas para o Tratamento da Co-Infecção HIV-VHC

co-infectados não-respondedores na A ribavirina induz a erros no ciclo tivo na 24ª semana e se negativo,
24ª semana, por 72 semanas. Talvez da replicação viral, e esta atividade é sendo genótipos 2 ou 3, continua a
este seja o real tempo de tratamento relevante principalmente nos pacien- terapêutica até a 48ª semana, porém
para os pacientes HIV positivos, ou tes HIV positivo, em que a resposta se for o genótipo 1 ou 4, deverá
até com tempo superior e com doses imune mediada está comprometida. manter-se o tratamento até a 72ª
menores e fracionadas. Foi demonstrado por diferentes au- semana.
tores que a dose da ribavirina está Caso na 24ª semana mantenha-
Contra-Indicações e Populações diretamente relacionada à resposta se positivo o PCR para VHC qua-
Especiais virológica sustentada. Altas doses litativo ou uma queda menor que
deste fármaco são fundamentais na 2 log IU/ml do RNA-HCV na 12ª
Os pacientes com descompen- manutenção da supressão viral, prin- semana, deve ser interrompida a
sação hepática (ascite, sangramento cipalmente nas primeiras semanas do terapêutica, independentemente da
digestivo, encefalopatia hepática, tratamento. Assim, a dose recomen- genotipagem.
etc.) não podem ser tratados com dada para o tratamento do VHC é de Eritropoetina e filgrastim têm sido
interferon, devido ao alto risco de 15 mg/kg/dia (a dose mínima para usados como boa estratégia, mes-
desenvolver graves complicações. ajuste é de 11 mg/kg/dose). mo nos pacientes co-infectados, no
Nestes pacientes deveria ser consi- tratamento de anemia e neutropenia,
derada a possibilidade de transplan- Duração do Tratamento respectivamente.
te hepático, sendo esta possibilidade
ainda remota, pelas dificuldades Os consensos atuais recomen- Tratamento de Não-
inerentes da imunossupressão e da dam a duração do tratamento de Respondedores e Recidivantes
infecção pelo HIV. pacientes com co-infecção HIV-VHC
No entanto, os pacientes com por 48 semanas, independentemen- Os pacientes co-infectados HIV-
cirrose compensada (Child A ou te da genotipagem. Apesar de que VHC, diferentemente dos monoin-
B) podem ser tratados, já que são valores de RNA-HCV > 2 logIU/ml fectados, não possuem, pelo menos
os que mais se beneficiam com o na 12ª semana possuem um valor até o momento, a possibilidade de
tratamento. preditivo negativo semelhante aos transplante hepático, quando do
Em pacientes usuários de drogas monoinfectados. avanço da doença e a não-resposta
endovenosas ou etilistas crônicos Recentes estudos, entretanto, terapêutica.
deve-se postergar o tratamento até têm questionado esta visão sim- Um crescente número de pa-
o controle do vício, podendo ser plista do tempo de tratamento. Em cientes co-infectados que já se
indicado um programa de desinto- pacientes que negativam RNA-HCV submeteram a terapia com interferon
xicação. na 4ª semana sendo genótipo 2 ou padrão com ou sem ribavirina, princi-
3 e mantêm sua negativação na 12ª palmente os pacientes com avanço
Doses Terapêuticas de Interferon semana, o tempo de tratamento se do estadiamento da fibrose, pode
Peguilado e Ribavirina reduz para 24 semanas. Com este receber hoje o retratamento com o
mesmo desenho para os genótipos interferon peguilado e ribavirina.
A eficácia de altas doses de 1 e 4, o tempo se estende por 48 Para pacientes que já utilizaram
interferon peguilado no tratamento semanas. Para os pacientes que o esquema com interferon peguilado
de pacientes co-infectados HIV/VHC apesar da positividade na 4ª semana e ribavirina e não responderam ao
não foi confirmada pelos trabalhos obtiveram queda > 2 log IU/ml do tratamento ou recidivaram, não há
atuais, devendo se aguardar futuras RNA-HCV na 12ª semana, deve-se esquema atual para o controle da
investigações. repetir o PCR para o VHC qualita- infecção.

62 Sociedade Brasileira de Infectologia


Edgard De Bortholi

Apesar da não-resposta virológi- pelo VHC nos pacientes HIV+ parece Não há consenso estabelecido
ca nestes pacientes, em 35 a 43% providenciar um menor padrão de na conduta da hepatite viral múltipla.
ocorreu melhora da fibrose hepática, resposta virológica quando com- Poucos trabalhos têm examinado a
demonstrando a ação antifibrótica parado aos pacientes HIV-. Porém, eficácia e a segurança da associação
do interferon. Estes dados subsi- o padrão de clearance viral obtido de interferon peguilado e ribavirina
diam  um racional para  apossibilidade em pacientes HIV+ na fase aguda é nas infecções múltiplas nos pacien-
de a manutenção do interferon, mes- maior do que na infecção crônica. tes HIV+. Quando possível, o trata-
mo em pequenas doses, por tempo A infecção aguda em pacientes mento de todos os vírus envolvidos
prolongado, ter uma ação na progres- HIV+ deverá ser tratada com inter- na hepatite deve ser proposto.
são da fibrose mesmo nos pacientes feron peguilado e ribavirina por 24
que não erradicaram o VHC. semanas. Interação entre Medicações
Novas drogas contra o VHC são Anti-Retrovirais e a
urgentemente necessárias, princi- Pacientes Co-Infectados Terapêutica Anti-HCV
palmente neste grupo de pacientes, HIV-VHC-VHB
que dependem única e exclusiva- O esquema HAART está asso-
mente do tratamento clínico. A prevalência de hepatite viral ciado a uma maior sobrevida dos
múltipla (VHB-VCV; VBV-VDV; VBV- pacientes devido ao controle do HIV
Tratamento da Infecção Aguda VHC-VHD) nos pacientes HIV+ e também à diminuição da progres-
em Pacientes HIV Positivo é menor que 3% nos países de- são da doença hepática. O melhor
senvolvidos, porém maior quando prognóstico que o esquema HAART
Surtos de infecção aguda pelo comparados com a população geral. confere nos pacientes co-infectados
VHC em homossexuais têm sido Pacientes portadores da infecção HIV/HVC deve-se, provavelmente,
publicados em algumas cidades VHB/VHC parecem ter uma inibição a uma menor progressão da fibrose
européias. Apesar do conhecimento recíproca da replicação viral, com hepática; e esta redução tem sido
da baixa transmissibilidade do VHC um dos vírus se sobrepondo sobre o demonstrada principalmente nos pa-
por via sexual, práticas sexuais com outro. Porém, este predomínio pode cientes HIV tratados com inibidores
lesões traumáticas e ulcerações geni- oscilar, intercalando o domínio de um de protease.
tais têm sido associadas à infecção. vírus sobre o outro. Entretanto, nos Alguns estudos têm sugerido a
A história natural da infecção do pacientes com imunossupressão se- introdução precoce da terapia anti-
VHC em pacientes HIV tem mos- vera, a replicação de todos os vírus retroviral nos pacientes co-infecta-
trado sua evolução para a cronici- pode ocorrer simultaneamente. Nos dos HIV-VHC, considerando o início
dade. Desta forma, a intervenção pacientes HIV+ com bom status imu- do HAART em pacientes com CD4
terapêutica precoce na infecção ne, a interferência parece favorecer o > 350 céls./mm3, particularmente
aguda é particularmente indicada VHC em detrimento do VHB. entre pacientes do sexo masculino
nestes casos, embora o tratamento A progressão da doença hepática e aqueles que adquiriram o VHC em
não deva ser instituído antes das 12 parece ser mais acelerada nos pa- idade avançada, o que diminuiria os
semanas da exposição, devido ao cientes HIV+ duplamente infectados efeitos decorrentes da reconstituição
fato da possibilidade do clearance com VHB e VHC. Além disso, estes imune e a diminuição da progressão
viral espontâneo. No entanto, a de- indivíduos são mais propensos a da evolução da doença hepática
mora ao início do tratamento pode desenvolver hepatocarcinoma. pelo VHC.
resultar em uma redução da resposta O tratamento de hepatite Delta A complicação no tratamento
terapêutica. crônica em pacientes HIV+ com dos pacientes infectados pelo HIV
O tratamento da infecção aguda interferon é raramente efetivo. é principalmente devida às intera-

Sociedade Brasileira de Infectologia 63


Diretrizes Básicas para o Tratamento da Co-Infecção HIV-VHC

Tabela 1 ve e neutropenia quando da adminis-


Efeitos Escolha Interação à terapêutica tração conjunta com ribavirina.
Anti-retrovirais É importante salientar que as
adversos terapêutica anti-HCV
Zidovudina Anemia e Estavudina Potencializa a probabilidade drogas anti-retrovirais, assim como
neutropenia de anemia pela ribavirina as drogas de uso na terapêutica e
Didanosina Hepatotoxicidade Lamivudina ou Ribavirina inibe a profilaxia das diferentes infecções
Toxicidade Efavirenz fosforilação desta droga oportunistas, são de metabolização
mitocondrial hepática, e desta forma muitos des-
Estavudina Hepatotoxicidade Lamivudina ou Não deve ser associada tes metabólitos podem induzir um
Toxicidade Efavirenz a didanosina devido risco maior de lesão hepática.
mitocondrial a potencialização da A tabela 1 demonstra as prin-
toxicidade mitocondrial cipais interações entre as drogas
Nevirapina Hepatotoxicidade Efavirenz Não associar à utilizadas, facilitando a escolha dos
didanosina e estavudina anti-retrovirais na conduta clínica dos
potencialização de pacientes co-infectados.
toxicidade mitocondrial A associação ritonavir e saquinavir
Ribavirina Hepatotoxicidade Em doses baixas Aumenta a probabilidade demonstrou ser altamente hepato-
são tolerados, de intolerância aos ART. tóxica, sendo atualmente desacon-
quando usados em selhado seu uso, principalmente
associação a outros nos pacientes com co-infecção
IPs com tuberculose e infectados pelos
a sua utilização no esquema HAART HIV e VHC, onde a não-aderência
ções da ribavirina com alguns anti-
nos pacientes em terapêutica para o e principalmente a elevação das
retrovirais.
VHC ser vista com cautela. transaminases são resultantes da
As concentrações de alguns anti-
A maior toxicidade se apresenta suspensão da terapêutica com as
retrovirais inibidores da transcriptase
principalmente com o uso conco- drogas tuberculostáticas ou introdu-
reversa análogos nucleosídeos
mitante de didanosina (ddI) com ção de esquemas alternativos não tão
(ITRAN) podem diminuir devido à
a ribavirina, piorando com o uso eficientes na resolução da infecção
ribavirina, porém não parecem ter
adicional da estavudina (d4T). Estas pelo Mycobacterium tuberculosis.
conseqüências clínicas.
associações aumentam a possibili- Atualmente não há dados su-
Os efeitos adversos dos ITRANs
dade de toxicidade mitocondrial, po- ficientes para o conhecimento da
têm sido associados com a co-infec-
tencializadas pela presença do HIV e interação do atazanavir, tenofovir,
ção com VHC, sexo feminino, obesi-
VHC. Decorrentes a este processo, fosamprenavir e tipranavir com o
dade e exposição prolongada destes
acidose lática e pancreatite e des- esquema terapêutico na infecção
fármacos. As principais associações
compensação hepática são descri- pelo VHC.
com menor repercussão hepática
entre os ITRANs são: lamivudina e tas com o uso destes anti-retrovirais
abacavir (3TC/ABC); lamivudina e e ribavirina. Assim, a substituição Referências
zidovudina (3TC/AZT); lamivudina, destes anti-retrovirais nos pacientes
1. Arends JE, Boucher CAB, Hoepelman
abacavir e zidovudina (3TC/ABC/ que iniciarão o tratamento para VHC AIM. Hepatitis C virus and human im-
AZT), e entricitabina (FTC) e tenofovir. deve ser indicada. munodeficiency virus coinfected: whe-
re do we stand? Journal of Medicine
Apesar de que trabalhos atuais têm Também se deve substituir a 2005(may);63:156-163.
zidovudina (AZT), quando possível, 2. Lai et al. Antiretroviral medication consi-
apontado para uma interferência da derations for individuals coinfected with
ribavirina sobre o abacavir, devendo decorrente a anemia freqüente e gra- HIV and hepatitis C virus. Aids Patient

64 Sociedade Brasileira de Infectologia


Edgard De Bortholi

Anti-Retrovirais e Doses Recomendadas na Insuficiência Hepática


Nome Metabolismo hepático Recomendações
ITRAN
Abacavir (ABC) Sim Leve (A)* = 200 mg duas x dia / moderado/severo = contra-indicado
Didanosina (ddI) Sim Não recomendado
Entricitabina (FTC) Não Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Lamivudina (3TC) Não Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Estavudina (d4T) Desconhecido Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Zalcitabina (ddC) Não Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Zidovudina (AZT) Sim Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
ITRANt
Tenofovir Não Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
ITRNA
Delavirdina (DLV) Sim Não recomendado
Efavirenz (EFV) Sim Não recomendado
Leve(A)/moderado(B)* = Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Nevirapina (NVP) Sim
Severa(C)* = contra-indicado
IPs
Leve (A) = Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Atazanavir Sim Moderado (B) = 300 mg/dia
Severa (C) = contra-indicado
Leve/moderado = 700 mg 2xdia
Fosamprenavir Sim
Severa = contra-indicado (porque a dose não pode ser reduzida abaixo de 700 mg)
Leve/moderado = 600 mg 3xdia
Indinavir Sim
Severa = não recomendado
Nelfinavir Sim Não recomendado
Leve/moderado = Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Ritonavir Sim
Severa = não recomendado
Leve/moderado = não recomendado
Saquinavir Sim
Severa = contra-indicado
Boosters c/ritonavir
Não recomendado em alguns graus de insuficiência hepática porque não tem sido
Atazanavir/ritonavir Sim
adequadamente estudada
Fosamprenavir/ritonavir Sim Não recomendado
Lopinavir/ritonavir Sim Não recomendado
Leve/moderado = não recomendado
Saquinavir/ritonavir Sim
Severa = contra-indicado
Leve = Não há necessidade de ajuste de dose-recomendado
Tipranavir/ritonavir Sim
Moderado/severa = contra-indicado
Inibidores de fusão
Enfuvirtida Desconhecido Não recomendado
* Child A, B, C

Care and STDs 2006;(20);10:678-692. VIH y el virus de la hepatitis C. http//www. the VHC-HIV International Panel. Aids
3. Rockstroh JK. Influence of viral hepatitis doyma.(26/02/2007). 2007,21:1073-1089.
on HIV infection. Journal of Hepatology 5. Soriano V et al. Care of patients coin- 6. Thomas LD. Options for treatment of he-
2006;44:S25-S27. fected with HIV and hepatitis c virus: patitis C in HIV-infected persons. Journal
4. Sancho AR, Soriano V. Coinfección por el 2007 Updated Recommendations from of Hepatology 2006;44:S40-S43.

Sociedade Brasileira de Infectologia 65


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Aspectos Básicos da Terapia da


Hepatite C: Mecanismos de Ação do
Interferon-Alfa e da Ribavirina e as
Bases da Individualização
Carlos Eduardo de Melo, Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

Características Farmacológicas Comercialmente, o IFN-alfa é ao IFNAR, Janus quinase ativada 1


de Interferons e Ribavirina produzido através de técnicas de (Jak1) e tirosina quinase 2 (Tyk2),
DNA recombinante e está disponível são ativadas pela dimerização dos
Características farmacológicas em preparações de dois subtipos receptores. Jak1/Tyk2 ativadas rea-
dos interferons distintos, interferon-alfa 2a ou 2b, lizam a fosforilação de transdutores

O
tratamento de pacientes com que podem ser associados a outras de sinal e ativadores de transcrição 1
hepatite C crônica tem se moléculas, como polietilenoglicol ou e 2 (STAT1 e STAT2, respectivamen-
desenvolvido muito ao longo mais recentemente albumina.(5,6) In- te). As fosforiladas STAT1 e STAT2
dos últimos anos. Entretanto, ainda terferons-alfa 2a e 2b diferem apenas ligam-se à proteína p48, formando o
está baseado no uso de interferon- no aminoácido presente na posição IFN-stimulated gene factor 3 (ISGF3),
alfa (IFN-alfa) como agente antiviral e 23 da proteína; o alfa 2a possui uma que se transloca para o núcleo e
imunomodulador contra o VHC. lisina nesta posição, enquanto o alfa- liga-se ao IFN-stimulated regulatory
Interferons representam uma 2b possui uma arginina.(7) element (ISRE) nas seqüências pro-
família de proteínas que são pro- Após a ligação ao seu receptor motoras de uma variedade de genes
duzidas naturalmente pelas células específico (IFNAR) na superfície das induzíveis pelo IFN-alfa, incluindo
do sistema imunológico. O IFN-alfa células-alvo, o IFN-alfa ativa uma proteínas antivirais como a 2’5’-oli-
apresenta atividade antiviral, antipro- cascata de sinalização intracelular, goadenilato sintetase (2’5’OAS), a
liferativa e imunomodulatória.(1-3) O que leva à indução de genes esti- proteína quinase ativada por RNA
seu mecanismo de ação biológica mulados pelo IFN (ISGs), estabele- (PKR) e a proteína Mx.(1,3,7,8)
ocorre através da ativação de genes cendo um estado antiviral não-vírus A absorção de IFN-alfa (2a e
específicos, influenciando o cresci- específico dentro da célula. (3,7) O 2b) é alta (maior que 80%) quando
mento e a divisão celular, além de principal mecanismo de sinalização administrados por via intramuscular
modular algumas ações do sistema utilizado pelo IFN-alfa é a chamada (IM) ou subcutânea (SC). O pico
imunológico. Portanto, interferons via Jak/STAT.(3) Dessa forma, duas de concentração é normalmente
possuem atividade antiviral indireta proteínas com atividade de tirosina atingido entre 3 a 12 horas após a
sobre o VHC.(2,4) quinase citoplasmáticas associadas administração IM ou SC (USP DI).

66 Sociedade Brasileira de Infectologia


Carlos Eduardo de Melo, Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone

O metabolismo e a eliminação do de absorção é de 50 horas), sua a chance de sucesso. O estudo de


IFN-alfa ocorrem principalmente por distribuição é restrita a órgãos bem células mononucleares ex vivo e in
via renal, com um tempo de meia- vascularizados e com boa perfu- vivo demonstrou que, rapidamente,
vida entre 3 e 8 horas (USP DI). são, como o fígado, e permanece 3 a 6 horas após a administração
detectável no soro por uma semana de interferon-alfa convencional, 516
Características farmacológicas (meia-vida de eliminação de 65 ho- genes estavam up regulated, sendo
dos interferons-peguilados ras, aproximadamente).(6,11,12) 88 com ações diretamente ligadas
Interferons-peguilados (PEG-IFN) a funções imunes, (16) fenômeno
são produzidos pela ligação de uma Características farmacológicas também observado para o interferon
molécula inerte de polietilenoglicol da ribavirina peguilado, inclusive diferenciando
ao IFN-alfa recombinante, reduzin- A ribavirina é um nucleosídeo respondedores de não-responde-
do, dessa forma, o clearance renal, sintético estruturalmente similar à dores através da intensidade de
alterando o metabolismo e aumen- guanosina. (13,14) A ribavirina entra expressão de determinados genes
tando a meia-vida da molécula de rapidamente nas células eucarióti- IFN indutíveis (2’5’OAS, MX1, IRF-7,
interferon, mantendo, porém, todas cas, e depois de sofrer fosforilação TLR-7), maior nos respondedores(17)
as suas características imunoesti- intracelular exibe atividade virustática e menor em negros americanos.(18)
mulatórias.(9,10) contra um largo espectro de DNA e A via final do fenômeno desenca-
Os dois PEG-IFN disponíveis RNA vírus.(13,14) deado no núcleo das células é a ati-
atualmente são produzidos com O mecanismo exato da ação vação de células efetoras da defesa.
moléculas de polietilenoglicol com antiviral da ribavirina ainda não foi Uma ativação inicial da imunidade
diferentes complexidades. O PEG- totalmente elucidado.(1,15) Entretanto, inata (células NK) é supostamente
IFN-alfa 2b consiste da ligação do alguns estudos sugerem os seguin- necessária para a redução precoce
IFN-alfa 2b a uma cadeia linear de tes possíveis mecanismos: da viremia - que quanto maior e
PEG, formando uma molécula de a) inibição direta da replicação do mais rápida, mais se associa com a
12kDa de tamanho. O PEG-IFN-alfa VHC; resposta sustentada (diferenciando,
2a é formado pela ligação de duas b) inibição da enzima inosina mo- inclusive, respondedores rápidos de
cadeias de 20kDa ao IFN-alfa 2a, nofosfato diidrogenase do hos- lentos). Progressivamente, a partir da
resultando em uma molécula com- pedeiro (IMPDH); quarta semana de terapia, a efetiva
plexa de 40kDa.(6) c) indução de mutagênese no RNA estimulação imune induzida pelo
As diferenças na estrutura quí- viral; interferon com a respectiva redução
mica dos PEG-IFN-alfa estão asso- d) imunomodulação pela indução de da viremia habilitaria os mecanis-
ciadas com significantes diferenças uma resposta imune do tipo Th1. mos de defesa específicos (células
nas características farmacológicas A ribavirina é rapidamente absor- CD4+ e CD8+) que, por sua vez,
das duas drogas. O PEG-IFN-alfa vida (meia-vida de aproximadamente se encarregariam do saneamento
2b (12kDa) é absorvido mais rápido 2 horas) e amplamente distribuída das células infectadas (hepatócitos,
(com um tempo de meia-vida de pelo corpo após a sua administração extra-hepáticas) residuais.(19) De fato,
absorção de 4,6 horas), um amplo por via oral; sua metabolização ocor- Pillai e cols. evidenciaram claramente
volume de distribuição corpórea re principalmente via renal.(15) que a magnitude e diversidade da
(aproximadamente 0,99 L/kg) e A terapia com interferon-alfa pos- resposta celular se associou com
tem um tempo médio de eliminação sui como característica definidora resposta virológica precoce e sus-
de 40 horas. Por sua vez, o PEG- do sucesso uma estimulação imune tentada,(20) contrariamente a Aberle
IFN-alfa 2a (40 kDa) é absorvido progressivamente mais ampla e vi- e cols., que apenas associam a
de forma mais lenta (a meia-vida gorosa e, quanto mais rápida, maior resposta celular Th1 com a viremia

Sociedade Brasileira de Infectologia 67


Aspectos Básicos da Terapia da Hepatite C: Mecanismos de Ação do Interferon-Alfa e da Ribavirina e as Bases da Individualização

inicial.(21) Seja como for, está claro 3. Wohnsland A, Hofmann WP, Sarrazin C. 15. Parker WB. Metabolism and antivi-
Viral determinants of resistence to tre- ral activity of ribavirin. V irus Res
que pacientes com resposta inicial atment in patients with hepatitis C. Clin 2005;107(2):165-71.
rápida e vigorosa possuem maior Microbiol Rev 2007;20(1):23-38. 16. Ji X, Cheung R, Cooper S et al. Inter-
4. Souvignet C, Lejeune O, Trepo C. Interfe- feron alfa regulated gene expression in
chance de sucesso. Já pacientes ron-based treatment of chronic hepatitis patients initiating interferon treatment
C. Biochimie 2007;89(6-7):894-8. for chronic hepatitis C. Gastroenterology
com resposta mais lenta necessitam 5. Chemmanur AT, Wu GY. Drug evaluation: 2003;37:610-621.
de estimulação mais duradoura. Albuferon-alpha--an antiviral interferon- 17. Taylor MW, Tsukahara T, Brodsky L et
alpha/albumin fusion protein. Curr Opin al. Changes in gene expression during
Residem aí as bases da individua- Investig Drugs 2006;7(8):750-8. pegylated interferon and ribavirin therapy
6. Foster GR. Review article: pegylated of chronic hepatitis C virus distinguish
lização da terapia. Fica igualmente interferons: chemical and clinical di- responders from non responders to
claro que essa resposta virológica fferences. Aliment Pharmacol Ther antiviral therapy. Journal of Virology
2004;20(8):825-30. 2007;81(7):3391-3401.
inicial depende do estímulo gênico 7. Pestka S. The human interferon alpha 18. He X-S, Ji X, Hale MB et al. Global trans-
induzido pelo interferon-alfa. Se tais species and receptors. Biopolymers criptional response to interferon is a de-
2000;55(4):254-87. terminant of HCV treatment outcome and
fenômenos podem, ou não, implicar 8. Pawlotsky JM. Mechanisms of antiviral tre- is modified by race. Hepatology 2006;44:
atment efficacy and failure in chronic he-
diferenças associadas aos diferentes patitis C. Antiviral Res 2003;59(1):1-11.
352-359.
19. Tang KH, Herrmann E, Cooksley H et al.
tipos de interferons utilizados na 9. Reddy KR, Wright TL, Pockros PJ, Shi- Relationship between early HCV kinetics
ffman M, Everson G, Reindollar R, Fried and T-cell reactivity in chronic hepatitis
prática clínica, isso permanece em MW, Purdum PP 3rd, Jensen D, Smith C genotype 1 during peginterferon and
aberto. Entretanto, uma evidência C, Lee WM, Boyer TD, Lin A, Pedder ribavirin therapy. Journal of Hepatology
S, DePamphilis J. Efficacy and safety
2005;43:776-782.
inicial foi sugerida pela análise da of pegylated (40-kd) interferon alpha-2a
20. Pillai V, Lee WM, Thiele DL et al. Clinical
compared with interferon alpha-2a in
expressão de RNAm de genes in- noncirrhotic patients with chronic hepatitis
responders to antiviral therapy of chronic
HCV infection show elevated antiviral
terferon indutíveis em dois grupos de C. Hepatology 2001;33(2):433-8.
CD4+ and CD8+ T-cell responses. Journal
10. Strader DB, Wright T, Thomas DL, Seeff
pacientes expostos aos dois inter- of Viral Hepatitis 2007;14:318-329.
LB; American Association for the Study of
21. Aberle JH, Perstinger G, Weseslindtner L
ferons peguilados existentes, suge- Liver Diseases. Diagnosis, management,
and treatment of hepatitis C. Hepatology et al. CD4+ T cell responses in patients
rindo que a despeito de uma menor 2004;39(4):1147-71. with chronic hepatitis C undergoing
11. Bailon P, Palleroni A, Schaffer CA, Spence peginterferon/ribavirin therapy correlate
exposição plasmática, os pacientes CL, Fung WJ, Porter JE, Ehrlich GK, Pan with faster, but not sustained, viral clea-
W, Xu ZX, Modi MW, Farid A, Berthold rance. The Journal of Infectious Diseases
que usaram interferon peguilado-alfa 2007;195:1315-9.
W, Graves M. Rational design of a po-
2b expressaram mais vigorosamente tent, long-lasting form of interferon: a 22. Silva M, Poo J, Wagner F et al. A randomi-
40 kDa branched polyethylene glycol- zed trial to compare the pharmacokinetic,
seus genes, ressaltando a relevância conjugated interferon alpha-2a for the pharmacodynamic, and antiviral effects of
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68 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Abordagem Terapêutica na
Hepatite C Aguda
Rodrigo Nogueira Angerami1, Fernando Lopes Gonçales Júnior2
1 - Núcleo de Vigilância Epidemiológica, Serviço de Epidemiologia Hospitalar, Hospital das Clínicas,
Universidade Estadual de Campinas e Centro de Referência em DST/Aids de Campinas - SP - Brasil.
2 - Grupo de Estudo das Hepatites, Disciplina de Moléstias Infecciosas, Departamento de Clínica Médica,
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - SP - Brasil.

Introdução imune celular inicial mediada por evento na prática clínica. A hepatite
linfócitos T citotóxicos - inicialmente C aguda é assintomática em 70-80%

A
tualmente estima-se que por linfócitos T CD8+ VHC específica dos pacientes e geralmente anictéri-
150 a 200 milhões de indi- e, posteriormente, T CD4+.(11-13) Ou- ca em 75% dos infectados.(4,8,10,16-18)
víduos sejam portadores do tros fatores associados a uma maior A HCA cursa com elevações das
vírus da hepatite C (VHC)(1,2,3) e que, taxa de resposta virológica susten- aminotransferases séricas (AST/ALT)
anualmente, entre 3 e 4 milhões de tada (RVS) são as características acompanhadas ou não de quadro
novas infecções venham ocorrendo próprias dos pacientes. Indivíduos clínico de hepatite aguda, detecção
em todo o mundo.(4) Tendo em vista asiáticos e caucasianos, do sexo do RNA-HCV (previamente não de-
a inexistência de possibilidade de feminino, jovens, sem infecção pelo tectável) e soroconversão para os
imunoprevenção(5) - seja através de HIV, que mostram rápido declínio dos anticorpos anti-HCV. Estima-se que
vacinas ou do uso de imunoglobu- níveis do RNA-HCV, que apresentam a infecção pelo VHC seja responsável
linas pós-exposição - e o risco de alelos específicos HLA-II, além da já por apenas 20% das hepatites agu-
cronificação em indivíduos expostos mencionada resposta T citotóxica das diagnosticadas.(16) Nos Estados
- estimado entre 50% e 85%(2,4,6-10) - a também respondem melhor ao tra- Unidos são observados cerca de
definição de estratégias que visem à tamento.(10,14,15) Melhores respostas 40.000 casos de HAC anualmente,(13)
detecção e ao tratamento precoces são, também, encontradas nos sendo apenas uma pequena porcen-
de indivíduos infectados, preferen- casos de infecções com menor tagem destes passível de diagnóstico
cialmente durante a fase aguda da período de incubação e que foram clínico nessa fase.
infecção,(2,4) vem sendo amplamente produzidas por inóculos menores. Tendo em vista o elevado ris-
discutida nos últimos anos. Adicionalmente, em estudo prospec- co de cronificação da hepatite C
Em indivíduos com quadros de tivo de Santantonio et al. foi obser- e as evidências favoráveis, em
hepatite aguda pelo VHC (HAC) vada maior taxa de clareamento viral termos de resposta terapêutica,
é conhecido que a possibilidade espontâneo em pacientes infectados é fundamental melhorar a nossa
de clareamento viral espontâneo pelo genótipo 3.(7) capacidade de detectar e de tratar
depende, sobretudo e entre vários O diagnóstico de infecção aguda adequadamente os casos de infec-
fatores, de uma potente resposta pelo VHC continua sendo um raro ção aguda pelo VHC.(13)

Sociedade Brasileira de Infectologia 69


Abordagem Terapêutica na Hepatite C Aguda

Populações de Risco significativamente potencializado em especificidade (superior a 99%) e


casos de co-infecção com o vírus sensibilidade (95%-99%).(26) Entre-
Atualmente, considera-se que HIV, alcançando nestes casos taxas tanto, uma das possíveis limitações
em cerca de 90% dos casos de próximas a 17%.(24) no diagnóstico de infecção aguda
infecção pelo VHC seja possível Especial atenção vem sendo da- pelo VHC decorre da possibilidade
a identificação dos respectivos da ao risco ocupacional de infecção de ocorrer soroconversão tardia,
fatores de risco associados.(17) Nas pelo VHC em profissionais da área da podendo variar de 4 a 10 semanas
duas últimas décadas, sobretudo saúde, sendo que o risco estimado após a exposição.(27) Observa-se,
após a obrigatoriedade da triagem em acidentes perfurocortantes varia em relação à detecção de anticor-
sorológica em doadores de sangue entre 1% e 2%.(5,23) pos anti-HCV, positividade de 50%
e pelo incremento da acurácia dos No que se refere à transmissão a 70% no início dos sintomas;a
testes sorológicos, observou-se sexual, embora os riscos, impactos partir do 3º mês após a infecção, a
uma drástica redução no número de e recomendações ainda sejam con- presença de anticorpos é detectada
novas infecções pelo VHC pelo san- troversos, estima-se que o risco de em 90% dos casos.(26)
gue e hemoderivados. Isto produziu transmissão varie de 0 a 3%,(24,25) Em contrapartida, a pesquisa do
mudanças significativas no padrão sendo aumentado, sobretudo, em RNA-HCV constitui-se em um impor-
epidemiológico da doença.(2,14,19) En- situações específicas, como co- tante instrumento para a detecção
tretanto, novas infecções continuam infecção com o vírus HIV ou outras precoce de infecções agudas, uma
a ocorrer através da via parenteral doenças sexualmente transmissíveis vez que, entre uma a três semanas
e, menos freqüentemente, pelas e entre parceiros homossexuais. após a transmissão, já é possível a
vias sexual e vertical. Atualmente, É conhecido também o risco detecção do VHC.(26,27) Logo após a
os profissionais expostos a aciden- aumentado de infecção pelo VHC detecção do RNA-HCV e concomi-
tes perfurocortantes com material em indivíduos renais crônicos sob tantemente com o surgimento dos
de risco biológico, os usuários de hemodiálise; na América do Norte, eventuais sinais e sintomas - duas
drogas endovenosas, os indivíduos considera-se que a prevalência de a oito semanas após a infecção - é
expostos sexualmente a parceiros anti-HCV reagentes entre os mes- possível observar-se a elevação dos
portadores do VHC, os pacientes mos varie de 15% a 50%.(24) níveis da alanina aminotransferase
sob hemodiálise e os submetidos A definição de protocolos, para (ALT).(26) A detecção do RNA-HCV,
a variados procedimentos interven- seguimento clínico e laboratorial na ausência de anticorpos anti-HCV,
cionistas constituem os principais periódico nestes segmentos de sugere fortemente a possibilidade
grupos de risco para infecção pelo risco aumentado, é fundamental no de infecção aguda, sobretudo nas
VHC.(4,13,17,19-22) sentido de melhorar a detecção de situações em que se observa pos-
Nos Estados Unidos, usuários de casos de HCA. terior soroconversão do anti-HCV.
drogas endovenosas respondem por A utilização do TMA, em conjunto
68% dos novos casos de infecção Diagnóstico Laboratorial com as demais técnicas disponíveis,
pelo VHC, exposição sexual a fonte constitui-se estratégia adicional para
portadora do VHC 18%, acidentes As técnicas laboratoriais mais a detecção precoce de infecção
perfurocortantes em profissionais da empregadas para a detecção de aguda pelo VHC.(27)
saúde 4% e outras causas 1%;em anticorpos anti-HCV baseiam-se,
apenas 9% não é possível identificar fundamentalmente, em testes imu- Abordagens Terapêuticas
a possível fonte de infecção.(23) noenzimáticos (ELISA) de terceira e
Atualmente, considera-se que quarta geração. Tais testes soroló- A elevada taxa de cronificação,
o risco de transmissão vertical seja gicos vêm demonstrando elevadas observada após a infecção pelo

70 Sociedade Brasileira de Infectologia


Rodrigo Nogueira Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior

VHC, justifica o crescente interesse peguilado (PEG-IFN) e ribavirina IFN-alfa 2b, em monoterapia por 24
em relação a possíveis abordagens (RBV) - 54%-56%.(29,30) semanas. (13) Tal achado soma-se
terapêuticas em casos de infecção Vários ensaios avaliaram a eficá- aos demais relatos que demons-
aguda. cia de diferentes esquemas utilizan- traram ser segura a adoção de
Várias abordagens vêm sendo do interferon alfa convencional (IFN- conduta expectante até a décima
propostas na literatura, todas elas alfa) no tratamento de HCA. Até o segunda semana no sentido de
no sentido de prevenir a progressão presente momento, os melhores re- aguardar eventual clareamento viral
para a doença crônica. Todavia, até sultados foram obtidos por Jaeckel espontâneo.(14,18,21,31,32)
o presente momento não se en- et al., ao adotar como esquema de Diante do exposto, cabe des-
contra estabelecido o esquema de tratamento a monoterapia com IFN- tacar que os indivíduos assinto-
tratamento ideal a ser adotado na alfa 2b com indução (5 milhões UI, máticos - sobretudo sem icterícia
prática clínica.(4,6,8,9,17,19,20,28) Por ser subcutâneo, diário) por 4 semanas, e elevação de ALT - no curso de
a hepatite C aguda freqüentemente seguido de 5 milhões UI, 3 vezes por infecção aguda pelo VHC apresen-
assintomática e devido a diferentes semana, durante 20 semanas.(2) Do tam maior probabilidade de clarea-
critérios de definição de casos, ao referido estudo foi possível verificar mento viral espontâneo (8,13,17,19,21)
número reduzido e heterogenicidade que o uso de IFN, mesmo sem a - habitualmente entre 5 e 12 se-
dos grupos de pacientes, à ausência RBV associada, possibilitou obter manas. (31,33) Este clareamento viral
de grupos controles, aos diferentes elevadas taxas de RVS. Todavia, pode ocorrer, em raras situações,
tipos e doses de interferon utilizados, uma consideração deve ser feita em até 24 semanas após o início do
aos diferentes end points e à grande relação ao estudo de Jaeckel: 68% quadro. (18) - em 10%-50% dos pa-
variação no tempo de seguimento, dos pacientes incluídos no estudo cientes. (8,9,13,15-17,19,22) Vários autores
a comparação entre resultados ob- apresentavam icterícia e, por esse sugerem que o tratamento seja ini-
tidos em diferentes ensaios clínicos motivo, potencialmente, apresenta- ciado, no máximo, 12 a 16 semanas
torna-se difícil, impossibilitando, vam maior probabilidade de cursa- após o início do quadro, evitando
dessa maneira, a definição de um rem com infecção autolimitada;tal a exposição desnecessária ao IFN
esquema terapêutico ideal. aspecto poderia, em parte, explicar dos pacientes que podem clarear o
Avaliando os dados disponíveis a elevada taxa de RVS obtida. Além VHC espontaneamente.(4,10,11,13,19)
na literatura, verificam-se excelentes da já referida probabilidade de evo- Por outro lado, alguns autores
resultados obtidos em pacientes lução para clareamento viral espon- sugerem que em casos de infecção
tratados, mesmo sob monoterapia, tâneo em indivíduos sintomáticos, aguda assintomática o tratamento
ainda na fase aguda da infecção. (14,18) em estudo realizado por Kamal et al. precoce, já no momento de diagnós-
Ao se considerar como principal observou-se taxa de RVS superiores tico, deve ser introduzido.(13)
end point pós-tratamento o índice nos indivíduos sintomáticos tratados Deve ser ressaltado, entretanto,
de resposta virológica sustentada quando comparados com aqueles que menores taxas de RVS foram
(RVS) - ausência de RNA-HCV assintomáticos tratados com o observadas em casos cuja introdu-
detectado no soro por PCR quali- mesmo esquema terapêutico (96% ção deu-se tardiamente. Estas taxas
tativo 24 semanas após o término e 76%, respectivamente).(8) Por sua foram descritas, inicialmente, por
do tratamento(29,30) - é possível notar vez, Santantonio et al. obtiveram Nomura et al.,(19) que utilizando IFN-
altas taxas de resposta - variando RVS em 94% dos indivíduos, que alfa (6 milhões UI, IM, diariamente,
de 37% a 98%,(2,4,8,19,21,28) superiores não apresentaram clareamento viral por quatro semanas) obtiveram RVS
àquelas observadas em pacientes espontâneo até a décima segunda em 87% dos indivíduos tratados
com hepatite C crônica, mesmo sob semana após o início do quadro precocemente - 8 semanas após
terapia combinada com interferon agudo, quando tratados com PEG- a detecção dos sintomas - e 40%

Sociedade Brasileira de Infectologia 71


Abordagem Terapêutica na Hepatite C Aguda

em pacientes tratados após o início início em relação ao uso de PEG-IFN estudo prospectivo, não controlado,
do quadro de HCA. Tal estudo evi- em casos de HCA ainda não estão de Rosa et al., utilizando PEG-IFN-
denciou que a introdução precoce bem estabelecidos. alfa 2b (1,0 a 1,6 µg/kg/semana,
do tratamento possibilitou alta taxa Um estudo, multicêntrico, pros- durante 12 semanas) iniciado logo
de RVS mesmo em regime de tra- pectivo, controlado e randomizado, após o diagnóstico, obtiveram taxa
tamento por tempo reduzido. Mais utilizando PEG-IFN-alfa 2b, obteve global de 74%;entretanto, foram
recentemente, em estudo conduzido taxas de RVS de 95,3% e 93,2%, observadas taxas superiores quan-
por Kamal et al., a RVS em indivíduos respectivamente, no grupo de pa- do utilizadas doses mais elevadas
tratados após a 20ª semana foi cientes com início de tratamento de PEG-IFN (82% quando doses
76,6%, enquanto em indivíduos cujo na 8ª e 12ª semana após o início maiores ou iguais a 1,33 µg/kg/
início da terapêutica se deu na 8ª e do quadro durante um período de semana).(22)
12ª semana foram, respectivamente, acompanhamento de 48 semanas Assim como observado no tra-
95,3% e 93,2%.(21) pós-tratamento.(21) Em trabalhos que tamento da hepatite C crônica, a
Assim como observado no trata- compararam os resultados do trata- adesão ao esquema de tratamento
mento da hepatite C crônica,(17,34,35) mento com IFN convencional com o configura-se como importante fator
a negativação do RNA-HCV na pri- PEG-IFN, observaram-se eficácias preditivo de RVS no tratamento da
meira semana de tratamento esteve elevadas e semelhantes com ambas HCA. Isto foi evidenciado em um
associada a maior probabilidade as formulações.(4) Kamal et al., com- estudo multicêntrico no qual a taxa
de RVS.(36) Em estudo realizado por parando a eficácia de PEG-IFN-alfa, global de resposta encontrada foi
Kamal et al., a resposta virológica com e sem uso de RBV associada, 71%, enquanto na população com
rápida - negativação ou queda maior obtiveram, respectivamente, RVS de adesão esperada ao tratamento foi
ou igual a 2 log 10 do RNA-HCV - 85% e 80%.(21) Importante ressaltar, de 89%.(37)
na quarta semana de tratamento entretanto, que a associação com Quando foram avaliadas as ta-
mostrou-se fator preditivo positivo RBV não encontra até o momento xas de RVS em população difícil
e negativo de RVS de 88% e 98%, evidências que justifiquem o seu uso de tratar, observaram-se em dois
respectivamente. Em outro estudo rotineiramente. estudos com usuários de drogas en-
em que foi avaliado o esquema te- Em estudo multicêntrico, pacien- dovenosas taxas de RVS entre 72%
rapêutico, com duração reduzida do tes com hepatite C aguda receberam e 74%. (9,22) Em ambas as situações
tempo de tratamento, foi observado interferon peguilado alfa-2b (com do- houve seguimento regular e abor-
que a negativação do RNA-HCV na se 1,0 a 1,5 µg/kg/semana) iniciado dagem multidisciplinar no sentido
primeira semana de tratamento foi logo no momento do diagnóstico de propiciar adesão adequada ao
preditiva de elevada RVS (87%) em durante 12 semanas; a ausência de esquema de tratamento proposto.
indivíduos com HCA, tratados com RNA-HCV pôde ser constatada em Kamal et al. verificaram que o
IFN em monoterapia, diariamente, 87% na quarta semana de trata- genótipo do VHC também seria um
por 4 semanas.(19) mento, 91% ao final do tratamento possível elemento a ser considerado
A associação de PEG-IFN-alfa (12a semana) e 73%, 24 semanas enquanto fator preditivo de RVS em
e RBV é considerada, atualmente, após o término do tratamento. (9) pacientes com HCA. Assim, como
o esquema terapêutico de primeira Os mesmos autores obtiveram em já conhecido nos casos de hepatite
linha em pacientes com hepatite C pacientes tratados com doses mais C crônica, em pacientes com he-
crônica, alcançando taxas de RVS elevadas de PEG-IFN (≥ 1,2 µg/kg/ patite C aguda houve associações
de 82% em pacientes com genóti- semana, 12 semanas) RVS de 84%, entre os genótipos, os tempos de
po 2 e 3.(21) Entretanto, a eficácia, a taxa comparável a esquemas com tratamentos e as taxas de RVS.
segurança, a duração e o tempo de 24 semanas de duração.(9) Em outro Foram encontradas taxas de RVS

72 Sociedade Brasileira de Infectologia


Rodrigo Nogueira Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior

distintas em função do genótipo tretanto, assim como sugerido a O diagnóstico laboratorial deve
envolvido:63,8% para genótipos 1 partir de estudo de metanálise por ser baseado na pesquisa dos anti-
e 100% para genótipos 2 e 3. En- Alberti et al.(14) e, posteriormente, por corpos anti-HCV (detectável entre
tretanto, quando adotado esquema outros autores, o período mínimo de a 4a e 10a semana pós-infecção),
prolongado de tratamento (total de seguimento - clínico, bioquímico e na dosagem das aminotransferases
24 semanas), observaram-se maio- virológico - não deveria ser inferior a séricas como a ALT (elevadas entre
res taxas de RVS (88%) em pacien- 48 semanas. a 2a e 5a semana pós-exposição) e,
tes com infecção pelo genótipo 1, sobretudo, na pesquisa do HCV-RNA
taxa superior quando comparadas Conclusões (detectável a partir da 1a semana pós-
àquelas obtidas com 8 e 12 semanas infecção). A realização da biópsia he-
(38% e 60%, respectivamente).(8) Elevadas taxas de RVS têm pática, para diagnóstico da hepatite
Dentre os fatores preditivos po- sido obtidas após o tratamento C aguda, é restrita às situações em
sitivos de RVS, além dos genótipos de quadros de hepatite C aguda. que o quadro clínico é compatível,
não-1, mostraram-se relevantes Por conta disto, vários consensos mas a soroconversão anti-HCV ou a
a carga viral reduzida no início do nacionais e internacionais vêm re- detecção recente de RNA-HCV não
tratamento, o início precoce do comendando o tratamento desta se mostram característicos.
tratamento e a negativação rápida infecção.(6,17,20,25,38) Entretanto, ainda Devem ser considerados indiví-
do RNA-HCV após o início da tera- não existe consenso em relação ao duos com hepatite C aguda aqueles
pia. (8,19) Calleri et al., além da respos- momento apropriado para o início e que apresentam elevação de transa-
ta virológica rápida (quarta semana o tempo de duração do tratamento. minase sérica (ALT), acompanhada
de tratamento) e da baixa viremia Também existem discussões sobre ou não de quadro clínico compatível
pré-tratamento, verificaram que do- qual o melhor esquema terapêutico com hepatite aguda, com detecção
ses de PEG-IFN maiores ou iguais que deve ser utilizado e qual o tempo de HCV-RNA (previamente não de-
a 1,2 µg/kg/semana foram fatores de seguimento pós-tratamento. tectável) e com soroconversão para
preditivos positivos de RVS.(9) Tendo em vista o fato de ser a o anti-HCV.
Além de não ser possível, até hepatite C aguda geralmente as- Tendo em vista a possibilidade
o momento, definir qual o melhor sintomática, a triagem sorológica de clareamento viral espontâneo
esquema de tratamento em casos e, muitas vezes, a pesquisa do do VHV observada, sobretudo, em
de HCA, também não se pode RNA-HCV são estratégias univer- indivíduos sintomáticos com infec-
afirmar qual o período mínimo de salmente recomendadas para a ção aguda, recomenda-se que o
seguimento a ser adotado após o correta abordagem diagnóstica dos início de eventual tratamento ocorra,
término do mesmo. Wiegand et al., usuários de drogas endovenosas, preferencialmente, a partir da 12ª
em estudo prospectivo, através de dos portadores do vírus HIV, dos semana após o início do quadro em
monitoramento bioquímico, ultra- pacientes sob hemodiálise, dos filhos indivíduos sintomáticos.
sonográfico e virológico (HCV-PCR, de mães portadoras do VHC, dos No caso de pacientes com in-
TMA e detecção de RNA em célu- parceiros(as) sexuais de portadores fecção aguda assintomática, tendo
las mononucleares periféricas) dos do VHC e dos profissionais de saúde em vista a menor probabilidade de
pacientes tratados com IFN-alfa com exposição ocupacional ao VHC. clareamento viral espontâneo e o fato
em monoterapia, não observaram Estes segmentos são considerados, de que o início tardio da terapêutica
nenhuma evidência de recidiva viral atualmente, os principais grupos de específica está associado com menor
e/ou lesão hepatocítica no período risco para infecção aguda pelo VHC RVS, o tratamento deve ser iniciado já
estudado (média 135 semanas, e, portanto, potenciais candidatos a no momento do diagnóstico.
variando 52-224 semanas).(11) En- tratamento. Ambas as formulações de IFN -

Sociedade Brasileira de Infectologia 73


Abordagem Terapêutica na Hepatite C Aguda

IFN convencional e PEG-IFN - são A adoção de esquemas com 9. Calleri G, Cariti G, Gaiottino F, De Rosa
FG, Bargiacchi O, Audagnotto S, Qau-
consideradas opções eficazes para monoterapia, com menores tempos glia S, De Blasi T, Romano P, Traverso
o tratamento da hepatite C aguda. de duração e administração assis- A, Leo G, Carbone R, Del Mastro B,
Tinelli M, Caramello P, Di Perri G. A short
Entretanto, observa-se uma cres- tida do IFN, sobretudo em grupos course of pegylated interferon-α in acute
hepatitis C. Journal of Viral Hepatitis
cente tendência em relação ao uso de pacientes difíceis de tratar, seria 2007;14:116-121.
de PEG-IFN como primeira opção, desejável. 10. Jaeckel E, Cornberg M, Waldemeyer H,
Santantonio T, Mayer J, Zankel M, Pastore
sobretudo em indivíduos infectados O tempo ideal de seguimento - G, Dietrich M, Trautwein C, Manns MP.
Acute hepatitis C:to treat or not to treat?
pelo genótipo 1. A opção por doses clínico, bioquímico (dosagem de ALT) Hepatology 2002;35:1538-1540.
elevadas de PEG-IFN deve ser con- e virológico (detecção de HCV-RNA) 11. Wiegand J, Jäckel E, Cornberg M, Hin-
richsen H, Dietrich M, Kroeger J, Fritsch
siderada, sobretudo, nas situações - pós-tratamento ainda não está WP, Kubitschke A, Aslan N, Tillmann HI,
em que se optar por esquemas de bem estabelecido, mas períodos não Manns MP, Wedemeyer H. Long-term
follow-up after successful interferon
tratamento de curta duração e/ou inferiores a 48 semanas devem ser therapy of acute hepatitis C. Hepatology
2004;40:98-107.
casos de infecção pelo genótipo 1. considerados. 12. McKiernan SM, Hagan R, Curry M,
Quando houver opção por esquema McDonald GSA, Kelly A, Nolan N, Walsh
A, Hegarty J, Lawlor E, Kelleher D. Distinct
de tratamento com IFN convencional, Referências MHC class I and II alleles are associated
a adoção de dose de indução diária, with hepatitis C viral clearance, origina-
1. Alter MJ, Kruszon-Moran D, Nainan OV et ting from a single source. Hepatology
seguida da redução do número de al. The prevalence of hepatitis C virus in- 2004;108-114.
fection in the United States, 1988 through 13. Santantonio T, Medda E, Ferrari C, Fabris
doses, até o término do tratamento, P, Cariti G, Massari M, Babudieri S, Toti
1994. New England Journal of Medicine
parece ser a opção mais eficaz. Não 1999;341:556-562. M, Francavilla R, Ancarani F, Antonucci
2. Jaeckel E, Cornberg M, Wedemeyer H, G, Scotto G, Di Marco V, Pastore G, Stro-
existem, até o presente momento, ffolini T. Risk factors and outcome among
Santantonio T, Mayer J, Zankel M, Pas-
evidências conclusivas da superio- tore G, Dietrich M, Trautwein C, Manns a large patient cohort with community-
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passíveis de tratamento prolongado ckenjos B, Tawil AA, Khalifa KE, He Q,
LA, Ramy AH, Madwar MA, Rasenack
(24 semanas) e/ou terapia combina- J, Afdhal NH. Duration of peginterferon Koziel MJ, Naggar KME, Rasenack J,
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74 Sociedade Brasileira de Infectologia


Rodrigo Nogueira Angerami, Fernando Lopes Gonçales Júnior

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Sociedade Brasileira de Infectologia 75


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Tratamento da Hepatite C Crônica em


Pacientes Virgens de Tratamento
Marcelo Simão Ferreira
Professor Titular de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia - MG - Brasil.

A
infecção crônica pelo vírus da para as formas crônicas da hepatite rapia da hepatite C em 1991. Nessa
hepatite C (VHC) desenvolve- C é a combinação de interferon-α ocasião, a resposta a esta imunote-
se, a partir da fase aguda (IFN-α) e ribavirina. O IFN-α é uma rapia era muito baixa (< 20%), mas
inicial, em 50 a 85% dos casos, po- citocina componente da resposta a adição subseqüente da ribavirina
dendo evoluir, após várias décadas, inata do hospedeiro humano. Ele ao IFN-α levou a uma melhora subs-
para a cirrose, insuficiência hepática induz e estimula diversos genes tancial da resposta virológica susten-
e carcinoma hepatocelular em até envolvidos na resposta imune, resul- tada (40 a 45%). Já nesse período,
20-30% dos pacientes. Uma vez es- tando na ativação de células “natural as respostas ao tratamento eram
tabelecida, essa infecção raramente killer”, maturação de células den- confirmadas através dos resultados
resolve-se espontaneamente. Na dríticas, proliferação de células de dos testes moleculares para de-
atualidade, sabe-se que vários co- memória, além de prevenir apoptose tecção do RNA-HCV (PCR). Nesse
fatores influenciam a evolução dessa de células T. A injúria hepatocelular contexto, a infecção é considerada
virose, na fase crônica, para formas observada na hepatite crônica C erradicada quando há a resposta
mais graves, tais como o alcoolismo não é devida ao efeito citopático do virológica sustentada (RVS), definida
crônico, a co-infecção pelo HIV e pelo VHC, sendo imunomediada através como ausência do RNA-HCV no
vírus da hepatite B (VHB), a presença das células “natural killer” e linfócitos soro por um teste sensível (PCR qua-
de esteatose (ou esteatoepatite) na TCD8, ativadas, portanto, pela ação litativo) no final do tratamento e seis
biópsia hepática e a idade avançada, do IFN-α. meses mais tarde. Pacientes que
entre outros. O objetivo maior do tra- A ribavirina é um análogo de nu- alcançaram a RVS quase sempre
tamento dessa infecção é, portanto, cleosídeo oral com atividade antiviral têm uma redução dramática do nível
prevenir a ocorrência de complica- contra diversos patógenos (sincicial do RNA-HCV, definido como perda
ções tardias, através da erradicação respiratório, arenavírus, etc.). Seu ≥ 2 logs10 ou perda do RNA-HCV,
do VHC, que pode ser alcançada em mecanismo de ação sobre o VHC 12 semanas após o início da tera-
pouco mais da metade dos casos ainda é obscuro, mas ao que parece pia, e essa resposta é denominada
tratados com as atuais drogas dis- essa droga pode levar a mutações resposta virológica precoce (RVP) e
poníveis para esse fim. rápidas e letais nos vírus, além de tem sido amplamente utilizada para
depletar o trifosfato de adenosina o acompanhamento do tratamento
Terapia da Hepatite C Crônica: intracelular, que é essencial para a de portadores do genótipo 1 do
Drogas e Padrões de Resposta síntese do RNA viral. Efeitos imu- VHC. A ausência mantida do vírus
ao Tratamento nomodulatórios também têm sido detectável ao término do tratamento
atribuídos a essa droga. é referida como resposta ao final
O atual tratamento recomendado Interferon-α foi aprovado para te- do tratamento (RFT). Um paciente

76 Sociedade Brasileira de Infectologia


Marcelo Simão Ferreira

é considerado recidivante quando das rápidas no início do tratamento no soro, elevações persistentes das
o RNA-HCV se torna indetectável alcançam respostas sustentadas aminotransferases, evidência histo-
durante o tratamento, mas volta a com maior freqüência. Nessa fase lógica de doença hepática progres-
positivar-se após o término da tera- rápida de resposta, que em geral siva e nenhuma co-morbidade séria
pia; por outro lado, é considerado ocorre nas primeiras 48 horas de ou contra-indicações ao tratamento.
não-respondedor quando os níveis terapia, a carga viral do VHC declina Em todos os pacientes deve-se ob-
de RNA-HCV permanecem estáveis rapidamente, refletindo a inibição ter inicialmente uma quantificação
ou declinam < 2 log10 durante o tra- da replicação pelo IFN-α e sua de- da carga viral (PCR quantitativo), a
tamento combinado. gradação no soro. O declínio dos genotipagem do VHC (genótipos de
O mais recente avanço no trata- títulos de RNA-HCV inicia-se após 1 a 6) e um fragmento hepático por
mento da hepatite C foi o desenvol- 8 a 12 horas após a primeira dose biópsia para avaliação da atividade
vimento de interferons-α de longa de IFN-α, com queda de 0,5 a 1,5 necroinflamatória (graduação) e
ação, os interferons peguilados log10 dentro das primeiras 48 horas; da fibrose (estadiamento). Os dois
(PEG-IFN-α), produzidos pela adição depois desse período, o declínio da métodos de avaliação histológica
co-valente da molécula de polietile- carga viral é mais lento, refletindo mais utilizados são os sistemas
noglicol à molécula do IFN-α. Essa o clareamento do vírus das células “Metavir” e “Ishak Scoring”, onde a
combinação diminuiu a absorção, infectadas, e a eliminação completa fibrose é graduada em ausente (F0),
reduziu o clearance da droga e au- das partículas virais requer vários somente fibrose portal (F1), fibrose
mentou a sua meia-vida. Com essa meses de terapia combinada. Nessa portal com formação de septos (F2),
meia-vida aumentada, PEG-IFN-α segunda fase, a ribavirina parece ter fibrose hepática com formação de
pode ser administrado em doses um papel crucial na depuração do pontes porta-centro e porta-porta
semanais. Duas formulações de VHC. A negativação da carga viral do (F3) ou cirrose (F4). Terapia é reco-
peguilados estão atualmente apro- VHC durante o tratamento, em geral, mendada para pacientes com pelo
vadas para o tratamento da hepatite é acompanhada de normalização da menos fibrose portal e formação de
C; PEG-IFN-α 2a (Pegasys-Roche) ALT e melhora na atividade necroin- septos (F2).
de peso molecular de 40 kd e PEG- flamatória à biópsia hepática. É importante ressaltar que a bióp-
IFN-α 2b (PEG-INTRON-Schering- sia hepática tem suas limitações,
Plough), de peso molecular de 12 Protocolos Terapêuticos pois é um método invasivo, poten-
kd. A tabela 1 mostra as drogas cialmente fatal e de custo elevado.
utilizadas atualmente no tratamento A terapia para hepatite C é reco- Para pacientes portadores do genó-
da hepatite C crônica com as suas mendada para adultos com hepatite tipo 1, esse procedimento é útil na
respectivas dosagens. crônica C que possuem RNA-HCV decisão terapêutica quando não há

Cinética Viral Após o Início do Tabela 1. Drogas usadas no tratamento da hepatite crônica C
Tratamento Drogas Doses recomendadas
• Interferons convencionais
O objetivo mais importante do a) Alfa 2a 3 MU SC 3 x semana
tratamento da hepatite C crônica é b) Alfa 2b 3 MU SC 3 x semana
a erradicação do VHC. A introdução c) Consensus 9 µg SC 3 x semana
da terapia leva a uma queda bifásica • Interferons peguilados
na população viral no organismo a) Peginterferon-α 2a (40 kd) 180 µg SC / semana
humano. A velocidade de queda b) Peginterferon-α 2b (12 kd) 1,5 µg/kg SC / semana
do VHC difere entre os pacientes a) Análogos de nucleosídeos 1.000 mg (< 75 kg) a
tratados e pode ser classificada em a) ribavirina 1.250 mg (> 75 kg) via oral, diária
rápida ou lenta; pacientes com que- MU: milhões de unidades - SC: subcutâneo - Kd: quilodáltons

Sociedade Brasileira de Infectologia 77


Tratamento da Hepatite C Crônica em Pacientes Virgens de Tratamento

evidências de fibrose avançada por do tratamento e a dose da ribavirina precoce, já definida anteriormente.
outros métodos (ultra-sonografia, variam de acordo com o genótipo A queda da carga viral do VHC (≥ 2
p.ex.), mas nos genótipos 2 e 3, do VHC. Pacientes com genótipo log10) ou a sua negativação na se-
cujos índices de resposta ao trata- 1 devem receber terapia por 48 mana 12 após o início do tratamento
mento são elevados, a biópsia he- semanas com doses de ribavirina levam à RVS, 65% dos pacientes
pática pode ser desnecessária e não de 1.000 mg (com peso de 75 kg tratados com PEG-IFN-α 2a e
influenciar na decisão terapêutica ou menor) ou 1.250 mg (se o peso 72% dos tratados com PEG-IFN-α
particularmente naqueles indivíduos exceder 75 kg). Pacientes com 2b; ao contrário, entre aqueles que
com aminotransferases persistentes genótipos 2 e 3 devem receber 24 não alcançaram a resposta viroló-
elevadas. semanas de terapia com doses gica precoce na semana 12 com
A combinação de PEG-IFN-α de ribavirina de 800 mg diários. ambas as formulações peguiladas,
com ribavirina é, hoje, a terapia Em nosso meio, cada cápsula de apenas 3% desenvolveram a RVS;
recomendada para pacientes com ribavirina contém 250 mg; portanto, portanto, a RVP mostra ser forte
hepatite crônica C; sua eficácia em não há como administrar os 800 mg preditora negativa da RVS. Todos
levar à RVS é maior que o IFN-α recomendados; assim, achamos os pacientes que ainda apresenta-
convencional utilizado isoladamente prudente indicar o uso de 1.000 mg vam positividade da carga viral na
ou combinado com a ribavirina (56% em todos os pacientes com esses semana 12 devem ser reavaliados
x 16% x 42%, respectivamente). genótipos. Há poucas informações novamente na semana 24, quan-
Como demonstrado na tabela 1, sobre o tratamento da hepatite C do um PCR qualitativo deve ser
o PEG- IFN-α é administrado por em genótipos 4, 5 e 6 (raros no realizado; se for negativo, deve-se
via subcutânea semanalmente e Brasil) e tratamento por 48 sema- manter o tratamento até a semana
a ribavirina por via oral em duas nas tem sido recomendado nesses 48, e se ainda for positivo, deve-se
tomadas diárias. A dose recomen- casos. suspender a terapia. Nos genótipos
dada de PEG-IFN-α 2a é 180 µg No tratamento do genótipo 1, a 2 e 3, em geral, não se recomenda
por semana e a de PEG-IFN-α 2b possibilidade de se alcançar a RVS a realização de testes moleculares
é 1,5 µg/kg por semana. A duração é baseada na resposta virológica durante o tratamento de 24 sema-
nas. No final da terapia combinada,
Tabela 2. Terapêutica da hepatite crônica independente do genótipo, deve-se
Dinâmica da evolução do tratamento do genótipo 1 realizar um PCR qualitativo para
avaliação da RFT.
A tabela 2 mostra o algoritmo
para acompanhamento dos pacien-
tes com hepatite crônica C durante
o tratamento com PEG-IFN-α e
ribavirina.
Com os atuais protocolos de
tratamento, a RVS após o uso da
combinação de PEG-IFN-α (inde-
pendentemente da formulação) e
ribavirina é de 54 a 56%, bem supe-
rior aos tratamentos convencionais
mais antigos (tabela 1). Entre os
pacientes com genótipos 2 e 3, a
resposta virológica sustentada varia
de 75 a 80% e entre os portadores

78 Sociedade Brasileira de Infectologia


Marcelo Simão Ferreira

de genótipo 1, varia de 40 a 61%. a) bilirrubina total < 1,5 g% a mortalidade devido ao tratamento
Entre os pacientes com genótipo b) RNI < 1.5 bastante elevada. Infecções bacte-
1, a RVS é menor entre pacientes c) albumina > 3,4 g% rianas, citopenias graves e mesmo
da raça negra (28%) do que entre d) plaquetas > 75000/mm3 morte foram relatadas durante a
brancos (52%). Outros fatores que e) hemoglobina > 13 g%; neutró- terapia. Nos pacientes que respon-
influenciam a resposta ao tratamen- filos > 1500/mm3 deram, com eliminação do VHC, ao
to, levando a menores potenciais f) creatinina < 1,5 mg% contrário, houve melhora da função
de cura, são elevados níveis de g) ausência de ascite e encefalo- hepática, menos episódios de des-
carga viral (> 600.000 UI/ml), sexo patia hepática compensação e menor mortalidade
masculino, índice de massa cor- Respostas virológicas sustenta- ligada à doença. O benefício parece
poral elevado, presença de fibrose das nesse grupo de pacientes com ter sido maior, como era esperado,
avançada à biópsia e sobrecarga fibrose avançada, tratados com nos genótipos 2 e 3, que tradicio-
de ferro no parênquima hepático. PEG-IFN-α e ribavirina variam de 37 nalmente respondem melhor ao
Genótipos 2 e 3 tratados com es- a 50%, sendo maiores entre porta- esquema terapêutico.
quema de IFN-α convencional (3 dores de genótipos 2 e 3 (70 a 75%) Nem todos os pacientes com
milhões de unidades três vezes por e naqueles com baixa carga viral. RNA-HCV que se torna indetectável
semana) e ribavirina podem mostrar Efeitos colaterais têm sido maiores durante o tratamento têm RVS. Em
percentuais de RVS semelhantes nesses doentes, particularmente 10% dos pacientes tratados, esse
aos tratados com as formulações trombocitopenia e neutropenia. marcador molecular reaparece no
peguiladas e ribavirina, por isso tem Nesse estádio da doença, cirró- soro durante o curso do tratamento
sido ainda recomendado no Brasil ticos que alcançaram a RVS não e em 20% ele reaparece após o
(portaria 863/2002), para estes ge- estão totalmente protegidos contra término do mesmo (recidiva); nes-
nótipos, esse esquema terapêutico o risco de desenvolver carcinoma sa situação, o RNA-HCV torna-se
por seis meses, de menor custo e hepatocelular. Dois estudos recentes detectável poucas semanas após
melhor tolerância. confirmaram uma redução limitada a descontinuidade da terapêutica
Pacientes com cirrose hepática no risco de carcinoma hepatoce- e as aminotransferases voltam a se
têm menores chances de eliminar lular nos pacientes que responde- elevar. Recidivas são mais comuns
o VHC com o tratamento atual, ram com sucesso ao tratamento com tratamentos curtos ou quan-
quando comparamos com não- combinado, mas esse risco não é do ocorre retardo na negativação
cirróticos, possivelmente por causa zero, devido à persistência do efeito do RNA-HCV. Nos respondedores
da idade mais avançada, alterações carcinogênico da fibrose hepática. sustentados, acompanhamentos a
na microcirculação hepática que Além disso, as complicações da longo prazo têm demonstrado que
previnem adequada interação entre doença hepática avançada nesses o RNA-HCV permanece negativo em
o IFN e as células infectadas e a bai- casos se tornam menos freqüentes, mais de 95% dos pacientes, confir-
xa aderência. Esses doentes devem a mortalidade é menor e, obviamen- mando a cura da doença e a melhora
ser tratados com cuidado devido te, não haverá reinfecção do órgão nos parâmetros histológicos.
ao risco de descompensação da após a realização do transplante
doença durante o tratamento e da hepático; no sentido de impedir essa Modificações na Duração do
piora dos parâmetros hematológi- reinfecção em transplantados, cirró- Tratamento da Hepatite C Crônica
cos (leucopenia, plaquetopenia) já ticos descompensados em lista de
existentes. Pacientes com cirrose transplante têm sido tratados com Em portadores do genótipo 1,
compensada podem ser tratados IFN-α ou PEG-IFN-α e ribavirina por um curso de 72 semanas de terapia
desde que apresentem critérios períodos variáveis de 3 a 14 meses; combinada (PEG-IFN-α + ribavirina)
mínimos para receber essas me- a RVS nesses indivíduos tem sido pode ser benéfico em pacientes res-
dicações: baixa (20 a 25%) e a morbidade e pondedores lentos, que falham em

Sociedade Brasileira de Infectologia 79


Tratamento da Hepatite C Crônica em Pacientes Virgens de Tratamento

negativar o RNA-HCV na semana 4 pacientes portadores dos genótipos o tratamento desde que os pacien-
ou 12 (RVP). Em um estudo, onde 2 e 3 que alcançaram a RVR, com tes sejam selecionados de forma
não houve negativação viral na se- uso de PEG-IFN-α 2b e ribavirina, adequada para receber terapia por
mana 4, após o início do tratamento, demonstraram que a terapia pode menos tempo.
326 pacientes foram randomizados ser suspensa após 12 a 16 semanas Embora necessitemos de mais
para utilizar as drogas por 48 ou 72 de tratamento com índices de RVS estudos para comprovar a eficácia
semanas e a RVS foi significativa- similares aos do grupo controle, de terapias menos prolongadas na
mente maior no grupo com tempo que utilizou o esquema terapêutico hepatite C crônica, esses trabalhos já
maior de terapêutica (45% x 32%; por 24 semanas. Recidivas foram publicados sinalizam que é possível
p = 0.01). Em outro estudo, entre observadas com maior freqüência, sim, em respondedores rápidos (na
pacientes que não alcançaram a em particular, entre os portadores semana 4), aplicar essa estratégia,
RVP, e que foram randomizados do genótipo 2 e naqueles com carga melhorando sobremaneira a ade-
para receber 48 ou 72 semanas viral elevada no pré-tratamento. Um rência ao tratamento, a qualidade
de terapia, 29% (31/106) do último estudo recente randomizado com- de vida do paciente, a freqüência
grupo obtiveram RVS maior que o parou, em 150 pacientes com genó- de efeitos adversos e relação custo-
primeiro, 17% (17/100) (p = 0.04). tipo 2, o tratamento, com PEG-IFN-α eficácia. A tabela 3 resume as atuais
Portanto, pacientes selecionados, e ribavirina, por 16 ou 24 semanas e recomendações para tratamento da
com resposta inicial lenta às drogas observou-se elevada RVS em ambos hepatite C crônica, com as drogas
antivirais, podem ser tratados por os grupos, 94 e 95%, respectiva- recomendadas, doses, duração do
tempo mais prolongado. mente, indicando que portadores tratamento e resposta terapêutica.
Por outro lado, a terapia pode ser de genótipo 2 podem ser tratados
encurtada se o paciente desenvolve por curto período. Em estudo similar, Contra-Indicações e Efeitos
uma rápida resposta virológica. Vá- realizado em portadores do genótipo Adversos ao Tratamento
rios trabalhos têm demonstrado que 1, demonstraram-se bons resultados
a obtenção de uma negatividade do utilizando-se um curso de tratamento Contra-indicações absolutas
PCR qualitativo na 4ª semana pós- de 24 semanas; pacientes com RVR ao tratamento com PEG-IFN-α
terapia tem valor preditivo positivo e baixa carga viral (< 600.000 UI/ e ribavirina incluem a gravidez, a
para obtenção da resposta virológica ml), tratados por este curto período, amamentação e reações de hiper-
sustentada. Esta rápida resposta alcançaram elevado percentual de sensibilidade a alguma das drogas;
obtida na 4ª semana tem sido de- cura (89%), confirmando a hipótese contra-indicações relativas, por
nominada de resposta virológica rá- de que mesmo em genótipos mais causa dos potenciais efeitos cola-
pida (RVR). Estudos realizados com difíceis de tratar, é possível encurtar terais das medicações são: doença

Tabela 3. Drogas para o tratamento da hepatite C crônica


Genótipo PEG-IFN-α (doses) Ribavirina (doses) Duração (sem) Evolução da terapia RVS (%)
1 α 2a: 180 µg/sem 1,0 g (< 75 kg) 48 a) Sem resposta:  RNA/VHC na sem 40 - 61
(4, 5, 6) α 2b: 1,5 µg/kg/sem 1,25 g (> 75 kg) 12 < 2 log10 UI/ml ou RNA-HCV ⊕
na semana 24
b) Rápida resposta: tratar por 24 sem se RNA-
HCV Θ na sem 4 e carga viral inicial baixa
(< 600.000 UI/ml)
2, 3 Mesmas doses acima 1,0 g 24 a) Sem resposta: incomum 75 - 80
b) Rápida resposta: tratar por 12 a 16 sem
se RNA-HCVΘ na sem 4
PEG-IFN-α → interferon peguilado-α - Sem → semanas - PCR → reação em cadeia da polimerase

80 Sociedade Brasileira de Infectologia


Marcelo Simão Ferreira

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cerebrovascular ou coronária, doen- 2. Strader DB, Wright T, Thomas DL, lessons from the HALT-C trial. Hepatology
Seef LB. Diagnosis, management and 2006;44:1675-84.
ças auto-imunes graves, doenças treatment of hepatitis C. Hepatology 8. Tan J and Lok ASF. Update on viral
malignas neoplásicas, desordens 2004;4:1147-71. hepatitis: 2006. Current Opinion in Gas-
3. Iacobellis A, Siciliano M, Perri F et al. Pe- troenterology 2007;263-67.
convulsivas e história de transplantes ginterferon alfa-2b and ribavirin in patients 9. Hadzyiannis SJ, Sette H, Morgan TR et al.
de órgãos sólidos. Pacientes vicia- with hepatitis C virus and decompensated Peginterferon α 2a and ribavirin combina-
cirrhosis: a controlled study. Journal of tion therapy in chronic hepatitis C. Annals
dos em drogas injetáveis ou etilistas Hepatology 2007;46:206-12. of Internal Medicine 2004;140:346-55.
crônicos devem ser aconselhados 4. Bruno S, Stroffolini T, Colombo M et al. 10. Pawlotsky JM. Current and future con-
Sustained virological response to interfe- cepts in hepatitis C therapy. Seminars in
a deixar o vício (por no mínimo seis ron α is associated with improved outco- Liver Disease 2005;25:72-83.
meses) antes do início da terapia me in HCV-related cirrhosis: a retrospec- 11. Mangia A, Santoro R, Minerva N et al.
tive study. Hepatology 2007;45:579-87. Peginterferon alfa 2b and ribavirin for 12
antiviral. Portadores de anemia, leu- 5. Schiff ER. Emerging strategies for pe- vs 24 weeks in HCV genotype 2 or 3.
copenia e/ou plaquetopenia devem gylated interferon combination the- The New England Journal of Medicine
rapy. Gastroenterology & Hepatology 2005;325:2609-17.
ser tratados com cautela e estreita 2007;4(1):517-21. 12. Zenzem S, Buti M, Ferenci P et al. Effi-
vigilância nos parâmetros hematoló- 6. Navasa M, Forns X. Antiviral therapy in cacy of 24 weeks treatment with chronic
hepatitis C infected with genotype 1 and
gicos durante todo o tratamento. low pretreatment viremia. Journal of He-
Tabela 4. Efeitos adversos dos
Efeitos adversos dos interferons patology 2006;44:97-103.
interferons e ribavirina 13. Delgard O, Bjoro K, Hellum KB et al.
e da ribavirina afetam praticamente Treatment with pegylated interferon and
Efeitos adversos
todos os pacientes. A tabela 4 mostra ribavirin in HCV infection with genotype 2
Interferon-α (inclusive peguilado) or 3 for 14 weeks: a pilot study. Hepato-
esses efeitos adversos, ordenados  sintomas gripais (> PEG-IFN-α 2a) logy 2004;40:1260-5.
por freqüência. Os mais comumente 14. Manns M, Waldemeyer H, Cornberg
 neutropenia M. Treating viral hepatitis C: efficacy,
observados são fadiga, mialgias,  trombocitopenia side effects and complications. Gut
alterações psicológicas (depressão, 2006;55:1350-9.
 depressão, psicose aguda, tentativa de 15. Davis GL. Monitoring of viral levels du-
ansiedade, insônia, irritabilidade) e a suicídio ring therapy of hepatitis C. Hepatology
queda nos parâmetros hematológicos  irritabilidade 2002;36:5145-51.
16. Manns MP, McHutchison JG, Gordon
(anemia, plaquetopenia, leucopenia).  distúrbios visuais
SC et al. Peginterferon alfa 2b plus
A ribavirina induz anemia hemolítica,  fadiga, mialgias ribavirin for initial treatment of chronic
 hipo/hipertireoidismo hepatitis C: a randomized trial. Lancet
que muitas vezes exige a redução da 2001;358:958-65.
 cefaléia 17. Hofmann WP, Zeuzem S, Sarrazin C.
dosagem da medicação; além disso
 náuseas, vômitos Towards individualized antiviral therapy
é teratogênica, o que requer estrito of patients infected with hepatitis C virus
 irritação cutânea genotypes 2 and 3. Hepatology Reviews
controle da anticoncepção durante
 febre, perda de peso 2006;3:3-10.
o tratamento. Apenas 1 a 2% dos 18. Abergel A, Hezode C, Leroy V et al.
 perda da audição
pacientes desenvolverão efeitos cola- Peginterferon alpha-2b plus ribavirin for
 alopecia treatment of chronic hepatitis C with
terais graves que exigem a retirada de  fibrose intersticial pulmonar severe fibrosis: a multicentre randomized
uma ou das duas medicações. O uso controlled trial comparing two doses of
 angina/infarto do miocárdio peginterferon alpha 2b. Jounal of Viral
de eritropoetina recombinante (para a  infecções bacterianas (em cirróticos) Hepatitis 2006;13:811-20.
anemia) e filgrastim (para a neutrope- 19. Hung CH, Lee CM, Lu SN et al. Long term
Ribavirina effect of interferon alpha 2b plus ribavirin
nia) deve ser utilizado rotineiramente  anemia hemolítica therapy on incidence of hepatocellular
para controle das citopenias induzi-  fadiga carcinoma in patients with hepatitis C
virus-related cirrhosis. Journal of Viral
das pelo tratamento. Pacientes com  prurido Hepatitis 2006;13:409-14.
depressão ou alterações do humor  “rash” cutâneo 20. EASL International Consensus Conferen-
ce on Hepatitis C. Paris, 26-27 February
podem utilizar drogas antidepressivas  sinusite 1999. Consensus Statement. Journal of
ou ansiolíticas com sucesso variável.  malformações fetais Hepatology 1999;3151: 3-8.

Sociedade Brasileira de Infectologia 81


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Retratamento dos Pacientes


com Hepatite por Vírus C que
Apresentaram Falha Terapêutica
Fernando Lopes Gonçales Júnior
Grupo de Estudos das Hepatites - MI/FCM/UNICAMP - Campinas - SP - Brasil.

O
interferon (IFN) alfa, em quando tratados com o esquema de Quanto aos novos antivirais, não sa-
suas distintas formulações, IFN convencional mais ribavirina.(2-7) bemos quando os mesmos estarão
combinado com a ribavirina Com o advento dos interferons disponíveis e se todos os doentes
é a melhor alternativa terapêutica peguilados, um menor porcentual de poderão aguardar por vários anos
para o tratamento de pacientes com pacientes apresenta falha terapêuti- para então iniciar o retratamento.
hepatite por vírus C (VHC).(1) Nestes, ca. Em grandes trials internacionais Sabe-se que doentes que apre-
busca-se atingir uma resposta viro- os esquemas com PEG-IFN mais sentam recaídas após o tratamento
lógica ao final do tratamento (RNA- ribavirina têm produzido uma RVS com IFN convencional, combinado
HCV negativo no soro) seguida de significativamente maior do que a ou não à ribavirina, respondem
uma resposta virológica sustentada observada com a combinação de melhor ao retratamento com PEG-
(RVS), que é definida como a ma- IFN convencional mais a ribavirina IFN-alfa mais ribavirina dos que os
nutenção da negatividade do RNA- quando são tratados pacientes nai- não-respondedores aos mesmos
HCV seis meses após a suspensão ves (54-56% vs. 44-47%).(5-7) esquemas (tratamento com IFN
do tratamento. À semelhança dos pacientes convencional com ou sem ribavirina).
Os esquemas de tratamento da virgens de terapia, o retratamen- Krawitt e cols. observaram 55% de
hepatite por vírus C (VHC) evoluíram to busca proporcionar uma nova RVS em 66 pacientes com recaídas
desde a monoterapia com interferon chance para o paciente conseguir quando retratados com PEG-IFN-
(IFN) alfa convencional para a terapia uma resposta virológica sustentada. alfa 2b (100-150 ug/semana) mais
combinada com IFN mais ribavirina Estudos de longo prazo comprovam ribavirina (1.000 mg/dia) contra
(RBV) e mais recentemente para que a imensa maioria dos doentes 20% de RVS em 116 pacientes
a terapia combinada de interferon que desenvolve RVS costuma per- não-respondedores prévios tra-
peguilado (PEG-IFN-alfa 2a ou alfa manecer negativa para o RNA-HCV tados com o mesmo esquema.(9)
2b) com a ribavirina.(2,3) Sabe-se que por longo tempo.(8) Quanto aos genótipos, observaram
aproximadamente 60% dos pacien- Os argumentos para retratar os RVS em 53% dos pacientes com
tes infectados pelo vírus C-genótipo pacientes seriam a possibilidade de recaídas infectados pelo genótipo
1 e cerca de 40% dos infectados se erradicar o vírus C, diminuir ou 1 e em 59% dos pacientes com
pelo genótipo 3 não apresentam regredir a fibrose e diminuir o risco recaídas infectados pelos genótipos
resposta virológica sustentada (RVS) de evolução para hepatocarcinoma. 2/3. Não houve, portanto, diferença

82 Sociedade Brasileira de Infectologia


Fernando Lopes Gonçales Júnior

significativa neste grupo de pacien- RBV, têm RVS significativamente cente estudo piloto, observaram
tes. Isto não foi observado entre os maiores quando retratados com que pacientes com VHC-genótipo 1,
não-respondedores prévios quando PEG-IFN-alfa 2b e RBV do que os retratados por 72 semanas, com
retratados. Nestes, só 17% dos não-respondedores à terapia prévia diferentes doses de indução de
infectados pelo genótipo 1 apresen- (55% vs 20%; P < 0,001).(9) O mesmo PEG-IFN-alfa 2a durante as primei-
taram RVS comparados com 57% foi notado por Sherman e cols., que ras 12 semanas, apresentaram RVS
dos infectados pelos genótipos 2/3. observaram um porcentual de RVS de 30-37% que foi praticamente
Portanto, o genótipo influenciou a de 23% entre os não-respondedores o dobro dos 18% observados nos
RVS nos não-respondedores prévios contra uma RVS de 41% entre os tratados com as doses normais de
submetidos a retratamento. recidivantes após retratamento PEG-IFN-alfa 2a.(16)
Estudos realizados no Brasil com PEG-IFN-alfa 2a e ribavirina.(12) Pelo fato dos não-respondedores/
por Parise e colaboradores com Os resultados do retratamento de recidivantes ao tratamento inicial
PEG-IFN-alfa 2a mais RBV(10) e por não-respondedores verdadeiros a constituírem um grupo bastante he-
Gonçales e colaboradores com PEG-IFN mais ribavirina obtidos pe- terogêneo, é necessário qualificar e
PEG-IFN-alfa 2b mais RBV,(11) em los autores brasileiros são melhores selecionar criteriosamente os pacien-
pacientes não-respondedores a IFN/ que os obtidos por estudos interna- tes que devem ser retratados. Vários
RBV, encontraram maiores porcen- cionais.(10,11) É claro que é muito difícil fatores que podem ter influenciado a
tuais de RVS quando comparados comparar estudos diferentes com não-resposta devem ser modificados
aos estudos internacionais. No populações distintas de pacientes e antes do início ou mesmo durante o
trabalho de Parise e cols., 57% dos tratados com diferentes formulações novo ciclo terapêutico. Atualmente
recidivantes obtiveram RVS contra de interferon convencional. considera-se que os pacientes mais
62% dos recidivantes tratados por Dois grandes trials internacionais difíceis de responder ao retratamento
Gonçales e cols.(10,11) Estas taxas de (EPIC3 e HALT-C) estão avaliando, são os não-respondedores verdadei-
RVS em recidivantes são maiores, em duas distintas coortes interna- ros, os indivíduos de raça negra, os
por exemplo, que as taxas de 41 e cionais, as respostas ao tratamento infectados pelo genótipo 1, os com
59% obtidas, respectivamente, por com a combinação dos interferons alta carga viral, os com hepatopatia
Sherman e cols.(12) e por Moucari e peguilados mais a ribavirina em avançada ou os que apresentam con-
cols.(13) em grupos de recidivantes. indivíduos não-respondedores ao dições intercorrentes, como obesida-
Nos pacientes recidivantes os auto- tratamento prévio com IFN mais de, co-infecção pelo HIV, co-infecção
res brasileiros, ao analisar a resposta RBV.(14,15) O estudo EPIC3 também pelo vírus da hepatite B e outras.
de acordo com o genótipo, encon- está avaliando o real significado da Os que foram previamente tra-
traram que 69-70% dos infectados resposta virológica na semana 12 e tados com IFN em monoterapia ou
pelo genótipo 3 apresentaram RVS o seu valor preditivo nos pacientes com a combinação de IFN mais riba-
contra 43-44% dos infectados pelo não-respondedores. Os resultados virina têm maiores chances de obter
genótipo 1.(10,11) finais de ambos estarão disponíveis resposta virológica sustentada do
O grupo mais difícil de retratar brevemente. que os não-respondedores à com-
são os não-respondedores verda- Quanto ao uso de doses de in- binação de interferon peguilado mais
deiros, isto é, pacientes que nunca dução de PEG-IFN nas primeiras 12 ribavirina. Também são melhores os
negativaram a carga viral durante semanas e/ou aumento na duração resultados dos que apresentaram
e ao final do tratamento. Krawitt do tratamento dos não-responde- recaídas durante (breakthroug) ou
e cols. mostraram que pacientes dores, existem poucos trabalhos na após o tratamento do que os não-
recidivantes após tratamento prévio literatura. respondedores verdadeiros. Pacien-
com IFN convencional, com ou sem Autores espanhóis, em um re- tes não-aderentes ao tratamento

Sociedade Brasileira de Infectologia 83


Retratamento dos Pacientes com Hepatite por Vírus C que Apresentaram Falha Terapêutica

prévio ou os que necessitaram di- grandes casuísticas, deve ser de 48 hepatitis C: a randomised trial. Lancet
2001;358:958-965.
minuir as doses de IFN ou ribavirina semanas para todos os genótipos. 7. Hadziyannis SJ, Sette H, Morgan TR et
por conta de citopenias ou outros No momento, não dispomos de al. Peginterferon alpha-2a and ribavirin
combination therapy in chronic hepatitis
efeitos adversos costumam respon- dados conclusivos na literatura que C: a randomized study of treatment dura-
tion and ribavirin dose. Ann Intern Med
der melhor ao retratamento do que respaldem o uso de doses maiores 2004;140:346-55.
os que receberam doses completas. de PEG-IFN e/ou ribavirina, o uso de 8. Marcellin P, Boyer N, Gervais A et al.
Long-term histologic improvement and
É claro que os fatores responsá- doses de indução ou a extensão do loss of detectable intrahepatic HCVRNA in
veis pela não-aderência devem ser tempo de tratamento para mais do patients with chronic hepatitis C and sus-
tained response to interferon-alpha ther-
corrigidos, bem como devem ser que 48 semanas nestes pacientes. apy. Ann Int Med 1997;127:875-881.
adequadamente abordadas as redu- Quanto à regra da semana 12, há 9. Krawitt EL, AshikagaT, Gordon SR et al.
Peginterferon alpha-2b and ribavirin for
ções de doses dos medicamentos. fortes evidências de que pacientes treatment-refractory chronic hepatitis C.
J Hepatol 2005;43:243-9.
Nos não-respondedores devemos que não negativam o RNA-HCV nes- 10. Parise E, Cheinquer H, Crespo D et al.
utilizar eritropoetina e filgrastim mais sa época terão uma muito pequena Peginterferon alfa-2a (40 KD) (PEGASYS)
plus ribavirin (COPEGUS) in retreatment of
precocemente e evitar a todo custo possibilidade de apresentar resposta chronic hepatitis C patients, nonrespon-
novas reduções das doses. Os virológica sustentada, devendo ter ders and relapsers to previous conventio-
nal interferon plus ribavirin therapy. Braz J
usuários de drogas ou álcool que, seu tratamento interrompido. Infect Dis 2006;10:11-6.
por conta disto, não cumpriram 11. Gonçales FL Jr, Vigani A, Gonçales N et
al. Weight-based combination therapy
adequadamente todas as etapas do Referências with peginterferon alpha-2b and ribavirin
for naïve, relapser and non-responder
tratamento anterior, podem respon- patients with chronic hepatitis C. Braz J
1. National Institutes of Health Consen-
der ao retratamento de forma mais sus Development Conference State-
Infect Dis 2006;10:311-6.
12. Sherman M, Yoshida EM, Deschenes M
adequada se estes co-fatores forem ment: Management of Hepatitis C: et al. Peginterferon alfa-2a (40KD) plus
2002-June 10-12, 2002. Hepatology ribavirin in chronic hepatitis C patients
removidos. Isto também se aplica 2002;36:S3-20. who failed previous interferon therapy. Gut
aos pacientes que não tiveram um 2. McHutchison JG, Gordon SC, Schiff ER
2006;55:1631-8.
et al. Interferon alfa-2b alone or in com-
suporte social ou cultural adequado. 13. Moucari R, Ripault MP, Oules V et al. High
bination with ribavirin as initial treatment
predictive value of early viral kinectics
for chronic hepatitis C. N Engl J Med
Os pacientes obesos, os resistentes 1998;339:1485-92.
in retreatment with peginterferon and
ribavirin of chronic hepatitis C patients
à insulina, dislipidêmicos, esteató- 3. Poynard T, Marcellin P, Lee SS et al.
non-responders to standard combination
Randomised trial of interferon alpha-2b
ticos, anêmicos, os com doenças plus ribavirin for 48 weeks or for 24 weeks therapy. J Hepatol 2007;46:596-604.
versus interferon alpha-2b plus placebo 14. Shiffman ML, Di Bisceglie AM, Lindsay KL
hepáticas como hemocromatose, et al. Peginterferon alfa-2a and ribavirin
for 48 weeks for treatment of chronic
por exemplo, devem ser retratados, infection with hepatitis C virus. Lancet in patients with chronic hepatitis C who
1998;352:1426-32. have failed prior therapy. Gastroenterology
de preferência, após a correta abor- 4. Poynard T, McHutchison J, Goodman Z, 2004;126:1015-23.
15. Poynard T, Schiff E, Terg R et al. Sustained
dagem diagnóstica e terapêutica Ling MH, Albrecht J, for the ALGOVIRC
Project Group. Is an “a la carte” com- virologic response (SVR) in the EPIC3 trial:
destas condições associadas. As bination interferon alfa-2b plus ribavirin week 12 virology predicts SVR in previous
regimen possible for the first line treatment interferon/ribavirin treatment failures re-
doses de peg-interferon devem ceiving Peg-Intron/Rebetol weight based
in patients with chronic hepatitis C? He-
ser as mesmas utilizadas para os patology 2000;31:211-218. dosing. J Hepatol 2005;42 (Suppl. 2):40.
5. Fried MW, Shiffman ML, Reddy KR et 16. Diago M. Peginterferon alfa-2a (40kd)
virgens de tratamento. Considera- al. Peginterferon alfa-2a plus ribavirin for (Pegasys®) and ribavirin (Copegus®) in
mos que no retratamento as doses chronic hepatitis C virus infection. N Engl patients infected with HCVgenotype 1
J Med 2002;347:975-982. who failed to respond to interferon and
de ribavirina devam ser as maiores 6. Manns MP, McHutchison JG, Gordon SC ribavirin: final results of the Spanish high-
et al. Peginterferon alfa-2b plus ribavirin dose induction pilot trial. Presented at
possíveis. O tempo de retratamento, compared with interferon alfa-2b plus the 55th AASLD; October 29-November
dada a escassez de trabalhos com ribavirin for initial treatment of chronic 2, 2004; Boston, MA.

84 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Terapia de Manutenção para


Modular a Fibrose Hepática
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

A
infecção crônica pelo VHC hepatócito desencadeia um estado disso, respondedores virológicos,
possui caráter evolutivo favo- de stress oxidativo e induz o recruta- sustentados ou não, evoluíram me-
rável para muitos portadores; mento de células inflamatórias. Tais lhor quando comparados aos não
entretanto, a progressão da fibrose fenômenos levam à ativação das respondedores. Esse fato sugere que
hepática é um fenômeno habitual, células estreladas e deposição de mesmo uma negativação transitória
podendo levar à cirrose hepática. Os colágeno. Além disso, proteínas do da viremia é um fenômeno favorável
fenômenos associados à fibrose he- VHC ativam diretamente as células e pode implicar em menor alteração
pática foram revisados anteriormente estreladas.(4) estrutural e atividade no fígado.(5) Um
e estão mais associados ao hospe- A cirrose hepática, e a etapa dado relevante desse estudo foi que
deiro que a fatores virais.(1) De forma de transição que a antecede, são a interrupção da ingesta de álcool a
sintética, a fibrose se inicia pela fenômenos marcantes na evolução partir do diagnóstico fez com que a
ativação das células estreladas que clínica dos pacientes e se associam ingesta pregressa não influenciasse
adquirem a forma de miofibroblastos, com a morbidade e mortalidade de- desfavoravelmente a progressão
a fonte de colágeno e matriz protéica correntes da hepatite C crônica. Uma da doença. Esse fato reforça a ne-
que se depositam. As células estre- coorte de pacientes cronicamente in- cessidade de abstinência alcoólica
ladas ativadas sofrem, rapidamente, fectados pelo VHC acompanhada a para os portadores de hepatite C.
um processo de apoptose e a matriz partir de 1991, com um tempo médio Poynard e cols. analisaram retros-
colágena é degradada e removida de infecção de 22 anos,(5) evidenciou pectivamente os dados de 3.010
pela ação de metaloproteinases. que cinco anos após o diagnóstico pacientes tratados com interferon-
Há um complexo equilíbrio entre os de cirrose (Ishak ≥ 4) a chance de alfa - convencional e peguilado - em
fatores pró-colágeno e antifibróticos o paciente estar vivo foi de 80%. vários esquemas terapêuticos. (6)
e os mecanismos de regressão da Esse percentual se reduziu a 19% Concluem que a terapia com interfe-
fibrose não são plenamente conhe- após a primeira descompensação ron peguilado associada à ribavirina
cidos(2) e, aparentemente, envolvem hepática. (5) Na análise multivariada, se associa com significativa melhora
criticamente o inibidor tissular de a terapia com interferon-alfa - con- da histologia, atividade inflamatória
metaloproteinase-1 (TIMP-1) (3) e a vencional ou peguilado - associado a e alterações estruturais (fibrose).
apoptose das células estreladas.(4) O ribavirina se associou favoravelmente Houve uma melhora na “taxa de
mecanismo pelo qual o VHC desen- com sobrevida. Em outras palavras, progressão de fibrose” - um conceito
cadeia fibrose é pouco compreen- terapia se associou com o end point válido, embora com reprodutibilidade
dido. Aparentemente a infecção do mais importante: sobrevivência! Além prejudicada pelos riscos de variação

Sociedade Brasileira de Infectologia 85


Terapia de Manutenção para Modular a Fibrose Hepática

de amostra - e a taxa de piora da pacientes tratados com interferon são ao tratamento é ainda mais críti-
fibrose foi de 8% (mínimo) ao grupo peguilado alfa 2a, quando compara- ca para esse grupo de pacientes e se
interferon peguilado/ribavirina otimi- dos ao interferon convencional, que associou à obtenção de RVS.(9) Final-
zado e de 23% (máximo) ao grupo obtiveram RVS ou mesmo recidiva. mente, ficou claro que a obtenção de
interferon 24 semanas.(6) De maneira Entretanto, não observaram me- RVS se associou a melhor evolução.
geral, mesmo os pacientes sem Res- lhora entre os não-respondedores. Apenas 6% dos pacientes com RVS
posta Virológica Sustentada (RVS) Também observaram que IMC su- deterioram contra 38% dos não-res-
tiveram sua fibrose estabilizada ou perior a 30 se associava com piora pondedores.(9) Retrospectivamente,
melhorada. Entretanto, variações de da fibrose hepática. Entretanto, em Bruno e cols. (10) apresentaram os
amostra, um percentual de pacientes uma casuística mais representativa dados de um estudo multicêntrico
já com pouca fibrose inicial (mais de (447 - 44% - de 1.013 - com cirro- que incluiu 920 pacientes cirróticos
70% com F1), ausência de biópsias se), o fenômeno da “regressão da compensados e submetidos à tera-
pareadas para todos, a falta de um cirrose” não foi evidenciado. Apenas pia com interferon-alfa convencional
grupo controle e, principalmente, um 33% dos cirróticos obtiveram uma 3 a 6 milhões de UI três vezes por
tempo de seguimento relativamente melhora na fibrose. Entretanto, o in- semana por um ano. De forma se-
modesto (média de 20 meses entre tervalo de observação entre biópsias melhante ao estudo prospectivo de
as biópsias) são limitações dessa também foi curto. Finalmente, ALT Di Marco, evidenciaram benefícios
análise. Por outro lado, Poynard e elevada foi outro fator associado a aos que obtiveram RVS com redu-
cols. (6) trazem o conceito da “re- melhora histológica. Recentemente, ção no risco de descompensação,
versão” da cirrose, ou, como eles Di Marco e cols.(9) avaliaram prospec- aparecimento de CHC e morte.
denominam, “estágio de cirrose re- tivamente em cirróticos portadores Observaram ainda que a contagem
versível”. Esse grupo caracterizou-se de hipertensão portal e sem des- de 109.000 plaquetas/ml é um
por pacientes jovens e que alteraram compensação pregressa a terapia preditor independente de descom-
seu estadiamento estrutural, regre- com interferon peguilado alfa 2b 1,0 pensação da doença hepática. (10)
dindo de F4. Esse fenômeno ocorreu mcg/kg/semana associado ou não a Esse fato é extremamente relevante
em 75 (49%) de 153 cirróticos.(6) ribavirina 0,8 g/dia. Os genótipos 2 na prática clínica e poderia servir
Postulam que seria um estágio de e 3 apresentaram resposta rápida, de corte para definir por condutas
fibrose ainda “fácil” de reverter. Entre com negativação do RNA viral nas mais ou menos agressivas ou ainda
os fatores associados com fibrose primeiras quatro semanas de tera- sob validação. Especificamente em
reduzida após a terapia relacionam, pia e apresentaram RVS. Por outro relação ao CHC, Cammà e cols.
obviamente, o grau de fibrose basal, lado, genótipos 1 e 4 apresentaram (7,8)
argumentam que o benefício na
atividade basal mínima, a obtenção apenas 10% de RVS. Entretanto, redução do aparecimento de CHC,
de RVS, idade menor que 40 anos, para esse subgrupo a previsibilidade embora modesto, é também mais
viremia basal menor que 3,5 milhões da resposta precoce na semana 12, relevante entre os que obtêm RVS
de cópias/ml e, um conceito então mas não na 4, também foi válida e a após terapia com interferon-alfa. Ou-
novo, IMC menor que 27.(6). Outra carga viral basal elevada se associou tros autores também reproduzem os
relevante metanálise foi publicada a predição negativa para RVS. A taxa dados de terapia tolerável e eficaz,(11)
por Cammà e cols.,(7,8) que avaliaram de citopenias foi elevada, porém menor taxa de complicações e não
três estudos clínicos randomizados estimuladores hematológicos não fo- aparecimento ou redução de CHC
com 1.441 pacientes, 1.013 (70,3%) ram utilizados para esses pacientes. entre cirróticos que apresentam RVS
com biópsias pareadas. De forma Certamente se disponíveis, a taxa de ao interferon-alfa monoinfectados
semelhante a Poynard,(6) evidencia- RVS associada a manutenção sob pelo VHC(12-14) e, mesmo, resposta
ram melhora da fibrose hepática nos terapia teriam sido melhores. A ade- histológica entre co-infectados pelo

86 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone

HIV.(12) Finalmente, mesmo cirróticos responder a essas questões e diante produzido um consistente volume
graves, sob regimes individualizados das evidências descritas previamen- de informações. Porém, os dados
e de dose ascendente se beneficiam te, a manutenção do interferon-alfa relativos ao seu principal objetivo,
da terapia e podem chegar a RVS, passou a ser considerada. Entretanto, modulação de fibrose, ainda não
ainda que modesta. (15-17) Apesar para uma análise conclusiva, o ideal estão disponíveis e devem ser bre-
dos inúmeros benefícios da tera- seria uma avaliação prospectiva, pois vemente apresentados no próximo
pia com interferon-alfa, devemos diferenças metodológicas compro- congresso da AASLD (Afdhal, comu-
ressaltar que mesmo aos cirróticos meteriam sobremaneira a qualidade nicação pessoal). Entre os resultados
que obtiveram RVS a vigilância ao das evidências obtidas.(17) Três estu- disponíveis do HALT-C, Everson e
aparecimento do CHC é altamente dos principais (tabela 1) endereçam cols.(15) enfatizam a necessidade de
recomendada.(10) essa questão - HALT-C (Hepatitis C “otimizar” a terapia dos cirróticos pa-
Diante de tão claras evidências Antiviral Long-Term Treatment against ra os quais a taxa de RVS foi inferior
de melhora da fibrose (redução Cirrhosis Trial) conduzido pelo NIH, independentemente da contagem
quantitativa e também com ganho EPIC-3 e Copilot - além de outros es- de plaquetas ou da necessidade de
de função, p. ex.: melhora da hi- tudos menores - PROFIC-C, p.ex.(18) redução de doses do interferon - e
pertensão portal,(3) maior sobrevida, O estudo Copilot avalia pacien- mesmo da influência de resposta
potencial redução no aparecimento tes com fibrose maior que Ishak ao tratamento pregresso. Ou seja, a
de CHC e complicações hepáticas e 3 e não-respondedores prévios a cirrose é um fator determinante de
até mesmo a “reversão da cirrose”,(6) interferon/ribavirina ou interferon menor RVS. Deveríamos considerar
inclusive para não-respondedores(6) peguilado/ribavirina comparando entre as medidas de “otimização”
ou recidivantes,(5-8) há que se pergun- em dois braços colchicina versus das terapias hoje disponíveis a te-
tar por que não tratamos inclusive interferon peguilado-alfa 2b 0,5 mcg/ rapia antes da cirrose estabelecida,
os cirróticos mais graves(15-17) e por kg/semana. Análise preliminar após criando critérios para tanto? Não
que não mantemos a terapia com o dois anos de seguimento evidencia temos ainda como responder, mas
interferon-alfa com objetivos outros que o grupo em uso de interferon a se considerar alguns resultados
que não virológicos? apresentou significativamente menos preliminares de novas terapias ante-
Para responder a tais questiona- complicações hepáticas, em particu- vemos o interferon-alfa ainda como a
mentos, inicialmente é importante lar hipertensão portal e hemorragia espinha dorsal da terapia por muitos
destacar que os conhecimentos digestiva alta.(6) Em relação a alte- anos. Portanto, devemos, sem dúvi-
recentes sobre cinética viral e os rações na quantificação do VHC, da, conhecer melhor suas potenciali-
conceitos de individualização da foram mínimas. O estudo EPIC-3 dades e usá-las com sabedoria.
terapia - dose e duração - devem ainda não tem resultados prelimi- Entre os estudos menores, Erhardt
ser considerados no processo de nares. Já o estudo HALT-C tem e cols. demonstraram preliminar-
tomada da decisão terapêutica e que
Tabela 1. Estudos de manutenção com interferon peguilado
os mesmos conceitos não estão cla-
Estudo HALT-C CO-PILOT EPIC
ramente validados entre os cirróticos.
Assim, do ponto de vista da obtenção Estágio da doença ISHAK 4-6 ISHAK 3-6 Metavir 2-4
de RVS como meta, a extensão da CTP ≤ 6 CTP ≤ 7 CTP ≤ 6
terapia para não-respondedores a Pacientes (n) 1400 800 1700 (700 cirróticos)

pelo menos 24 semanas de terapia Braços terapêuticos Placebo, IFN-a, Peg-2a Peg-alfa 2b 0,5 mcg Peg-alfa 2b 0,5 mcg

“ideal” é considerada “fútil”.(1) Po- 90 mcg Colchicina 0,6 mg BID

rém, e sob a ótica histológica ou Duração 3,5 anos 4 anos 3-5 anos

para modular a história natural? Para CTP - Child-Turcotte Pugh

Sociedade Brasileira de Infectologia 87


Terapia de Manutenção para Modular a Fibrose Hepática

mente que a manutenção de uma alternativa para casos selecionados. rança mostraram-se adequadas e,
dose 0,35-1,0 mcg/kg/semana do O excesso de ferro nos hepatócitos, assim, um terço a meia dose padrão
interferon peguilado-alfa 2b reduziu incrementado pela ação do VHC, se parecem ser satisfatórios para mo-
significativamente, após 48 semanas, associa com maior dano tecidual.(20) dular a fibrose hepática. Entretanto,
a incidência de CHC e complicações O campo da antifibrogênese está em os resultados definitivos ainda não
decorrentes de cirrose quando com- pleno desenvolvimento e foi revisado estão disponíveis e poderão alterar
parada ao grupo controle. Em um recentemente em um simpósio da essa percepção momentânea.
estudo semelhante, Kaiser e cols.(19) AASLD.(3) Resumidamente, temos que:
evidenciaram que o grupo interven- Considerando todos os aspec- 1. A fibrose hepática é um fenô-
ção após 18 meses de terapia reduziu tos revisados, cumpre, finalmente, meno potencialmente reversível,
o escore de fibrose de 3,58 para 2,59 avaliar quem se beneficiaria da com ganhos, inclusive, funcio-
e 2,36 seis meses após a terapia. manutenção. Certamente seriam os nais;
O grupo controle para os mesmos pacientes com fibrose extensa (F3/ 2. Mesmo em cirróticos a terapia
intervalos aumentou a fibrose de F4) ou cirrose e que não responde- com interferon-alfa mostra-se
3,88 para 4,07 e 4,79. Portanto, a ram à terapia padrão ótima. Ante o possível, resolutiva e segura,
monoterapia com dose reduzida de risco de progressão da doença e do embora menos eficaz sob a ótica
interferon peguilado-alfa 2b efetiva- aparecimento do CHC e do conjunto da RVS;
mente reduziu e modulou a fibrose de evidências disponíveis, apenas o 3. Terapia com interferon-alfa pe-
hepática. O mecanismo de melhora monitoramento da progressão da guilado, mesmo quando não
induzida pelo interferon não é conhe- doença não é mais uma conduta efetiva, se associa a melhora na
cido e certamente é multifatorial. A aceitável, nem para o paciente, nem sobrevida, menos complicações
eliminação do agente desencadeante para o médico.(20) Então, qual a dose e menor incidência de CHC;
é sem dúvida crucial, porém como até ideal e por qual período deveremos 4. Interferon-alfa possui ações mo-
recidivantes melhoram, é possível que manter a terapia com Interferon? O duladoras da fibrose hepática;
o próprio interferon-alfa tenha uma período está em aberto, podendo 5. Terapias de manutenção com
ação antifibrótica intrínseca, além de ser indefinido (ou até o aparecimento doses reduzidas de interferon-
inibir a ativação de células estrela- de terapia comprovadamente eficaz alfa peguilado mostraram-se
das. (4) Outras abordagens possíveis e e segura). Monitoramento por bióp- efetivas na modulação da fibrose
que se associam positivamente com sia a cada dois anos associado ao hepática e modificação da histó-
a melhora da fibrose hepática para rastreamento do CHC e de varizes ria natural da doença;
não-respondedores - ou de forma esofágicas são objetivos aceitáveis, 6. A antifibrogênese é um campo
coadjuvante - é a utilização de inibi- enquanto a normalização de ALT em franco desenvolvimento e,
dores de renina-angiotensina (inibem e a redução do VHC dificilmente além do interferon-alfa, outras
ativação de células estreladas) ou o serão observadas.(20) O advento de medidas podem ser adotadas,
controle da síndrome metabólica.(4) métodos não-invasivos de monito- p.ex.: controle da síndrome me-
Outras potenciais substâncias com ramento da fibrose(21,22) transforma tabólica e uso de inibidores de
ação sobre a fibrose hepática são a a manutenção em uma estratégia renina-angiotensina.
IL-10 e uma erva natural, Sho-saiko- ainda mais alternativa. Quanto à Considerando os aspectos re-
to.(4) Claramente a manutenção com dose a ser utilizada, os estudos em visados e que as terapias antivirais
ribavirina é uma alternativa descar- curso ou já concluídos utilizaram o em desenvolvimento ainda estão
tada pela falta de qualquer efeito interferon-alfa peguilado em doses distantes da disponibilidade clínica
positivo.(20) Finalmente, o uso de fle- menores que as habituais, uma vez e aquém do desejado, além de ne-
botomias controladas pode ser uma por semana. A tolerância e a segu- cessitarem da utilização conjunta do

88 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone

interferon-alfa, consideramos que a período mínimo de 12 semanas. logy in chronic hepatitis C: a meta-analysis
of individual patient data. Hepatology
otimização do interferon será crucial. Também deve ser considerado 2004;39:333-42.
8. Cammà C, Giunta M, Andreone P, Craxì A.
Certamente uma análise farmaco- para os pacientes com contra- Interferon and prevention of hepatocellular
econômica deve ser considerada indicação para o uso de terapia carcinoma in viral cirrhosis: an evidence-
based approach. Journal of Hepatology
como ferramenta de apoio na toma- em doses plenas. Pacientes Child 2001;34:593-602.
9. Di Marco V, Almasio PL, Ferraro D et al. Peg-
da de decisão coletiva, mas, sob a C poderiam ser tratados em cen- Interferon alone or combined with ribavirin
ótica individual na relação médico- tros especializados quando em in HCV cirrhosis with portal hypertension:
a randomized controlled trial. Journal of
paciente, algumas reflexões são lista de transplante. Hepatology 2007 (in press).
10. Bruno S, Stroffolini T, Colombo M et al. Sus-
pertinentes e devem ser debatidas Esquema proposto*: interferon- tained Virological Response to interferon-a
pelo Comitê de Hepatites da SBI. alfa-2b peguilado 0,5-1,0 mcg/kg/ is associated with improved outcome in
HCV-related cirrhosis: a retrospective study.
Assim propomos: semana via SC; interferon-alfa 2a Hepatology 2007;45:579-87.
11. Helbling B, Jochum W, Stamenic I et al.
1. Individualização: Considerar a peguilado 90 mcg/semana via SC. HCV-Related advanced fibrosis/cirrhosis:
terapia com interferon peguilado Duração*: mínimo de 24 meses, randomization controlled trial of pegylated
interferon a-2a and ribavirin. Journal of Viral
e ribavirina em doses e dura- indefinida, ou até o aparecimento de Hepatitis 2006;13:762-9.
ção definidas pelo peso e pela terapia antiviral comprovadamente 12. Sarmento-Castro R, Horta A, Vasconcelos O
et al. Impact of peginterferon alpha-2b and
resposta precoce ao longo da eficaz e segura. ribavirin treatment on liver tissue in patients
with HCV or HCV-HIV co-infection. Journal
terapia (individualização) para Acompanhamento: monitorar of Infection 2007;54:609-16.
pacientes com lesão mínima (F1) o aparecimento de complicações 13. Veldt BJ, Saracco G, Boyer N et al. Long
term clinical outcome of chronic hepati-
porém com risco evolutivo: ativi- (CHC, hemorragia digestiva, ence- tis C patients with sustained virological
response to interferon monotherapy. Gut
dade periportal moderada, idade falopatia, etc.). 2004;53:1504-8.
entre 40 e 60 anos e co-morbi- 14. Coverdale SA, Khan MH, Byth K et al.
Effects of interferon treatment response on
dades (NASH, infecção pelo HIV * A posologia e a duração foram liver complications of chronic hepatitis C:
sugeridas baseadas em dados pre- 9-year follow-up study. American Journal of
e síndrome metabólica); Gastroenterology 2004.
liminares e devem ser reavaliadas à
2. Terapia de manutenção: Consi- 15. Everson TG, Hoefs JC, Seef LB et al.
luz dos resultados dos estudos em Impact of disease severity on outcome of
derar a terapia de manutenção curso. antiviral therapy for chronic hepatitis C:
lessons from the HALT-C Trial. Hepatology
com interferon-alfa peguilado 2006;44:1675-84.
para pacientes com lesão es- Referências 16. Everson TG, Trotter J, Forman L et al.
Treatment of advanced hepatitis C with low
trutural maior que F3 e/ou sinais accelerating dosage regimen of antiviral
1. H o o f n a g l e J H , S e e f L B . P e g i n t e r- therapy. Hepatology 2005;42:255-62.
de hipertensão portal (varizes de feron and ribavirin for chronic hepatitis 17. Everson GT. Maintenance interferon for chro-
esôfago, esplenomegalia, dilata- C. New England Journal of Medicine nic hepatitis C: more issues than answers?
2006;355(23):2444-51. Hepatology 2000;32:436-8.
ção de vasos) e/ou contagem de 2. Arthur MJP. Reversibility of liver fibrosis and 18. Schuppan D, Krebs A, Bauer M, Hahn EG.
cirrhosis following treatment for hepatitis C. Hepatitis C and liver fibrosis. Cell Death and
plaquetas menor que 110.000/ Gastroenterology 2002;122(5):1525-8. Differentiation 2003;10:S59-S67.
mm3 que sejam Child A ou B, sem 3. Friedman SL, Rockey DC, Bissel M. He- 19. Kaiser S, Hass H, Luize B et al. Long term,
patic fibrosis 2006: report of the third low dose treatment with pegylated interferon
antecedente de descompensa- AASLD single topic conference. Hepatology alfa 2b leads to a significant reduction in
2007;45:242-9. fibrosis and inflammatory score in chronic
ção grave ou potencialmente não 4. Bataller R, Brenner DA. Liver fibrosis. hepatitis C nonresponder patients with
controlável, sem CHC e que se- The Jour nal of Clinical Investigation fibrosis or cirrhosis.41st EASL, 2006.
2005;115:209-18. 20. Kelleher TB, Afdhal NH. Maintenance therapy
jam recidivantes, respondedores 5. Lawson A, Hagan S, Rye K et al. The for chronic hepatitis C. Current Gastroente-
natural history of hepatitis C with severe rology Reports 2005;7:50-3.
parciais ou não-respondedores hepatic fibrosis. Journal of Hepatology 21. Afdhal NH, Kowdley KV, Llovet JM. CCO
ao interferon-alfa peguilado as- 2007;47:37-45. Independent Conference Coverage of the
6. Poynard T, McHutchinson J, Manns M et 2007 Annual Meeting of EASL. Interim analy-
sociado à ribavirina (ou apenas al. Impact of pegylated interferon-alfa-2b sis: peginterferon alfa-2b maintenance the-
and ribavirin on liver fibrosis in patients rapy may reduce incidence of HCV-related
interferon quando houver contra- with chronic hepatitis C. Gastroenterology HCC, Cirrhosis complications, 2007.
indicação à ribavirina) utilizado 2002;122:1303-13. 22. Afdhal NH, Nunes D. Evaluation of liver
7. Cammà C, Di Bona D, Schepis F et al. fibrosis: a concise review. American Journal
com comprovada adesão e por Effect of peginterferon alfa-2a on liver histo- of Gastroenterology 2004;1160-70.

Sociedade Brasileira de Infectologia 89


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Tratamento de Pacientes com


Manifestações Extra-Hepáticas da
Infecção pelo Vírus da Hepatite C
Fátima Mitiko Tengan1, Antonio Alci Barone2
1 - Doutora em Medicina; Docente do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - SP - Brasil.
2 - Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP - Brasil.

VHC e Crioglobulinemia Mista antiproliferativos e imunomodulató- cientes sintomáticos, com ou sem


rios do IFN, da utilidade da terapêu- acometimento renal, avaliando-se

O
tratamento antiviral deve tica antiviral, como demonstrado na cuidadosamente as características
ser feito com as mesmas maioria dos estudos disponíveis, a clínicas e laboratoriais de auto-
drogas (IFN-alfa padrão estrita correlação entre a resposta imunidade, nesse período.
ou peguilado associado ou não à virológica e clínica, assim como o Em comparação ao tratamento
ribavirina) e com esquemas seme- efeito positivo da inibição da replica- antiviral da hepatite C crônica, a
lhantes, até que estudos controlados ção viral nos clones expandidos de terapêutica antiviral da CM é mais
adicionais possam fornecer mais células B, que é considerada a base complexa por várias razões, como
informações sobre o tratamento da patogenética da CM. No entanto, ausência de protocolos de trata-
crioglobulinemia mista associada ao IFN-alfa pode também desencadear mento padrão, maior freqüência
vírus da hepatite C. ou piorar doenças auto-imunes.(6,7) de recaídas e contra-indicações de
Dados relativos ao tratamento Insuficiência renal e neuropatias tratamento antiviral (i.e., idade avan-
antiviral da crioglobulinemia mista podem ocorrer ou serem agravadas çada, doença hepática grave, nefrite
(CM) (tabela 1)(1-5) mostram que essa e a cicatrização de úlceras pode ser aguda, vasculite disseminada). Além
abordagem terapêutica deve ser a prolongada. Por isso, o tratamento disso, a interpretação dos achados
primeira opção por causa dos efeitos com IFN-alfa deve ser restrito a pa- laboratoriais parece ser mais com-

Tabela 1. Esquemas terapêuticos utilizados na crioglobulinemia mista associada à infecção pelo vírus da hepatite C
Duração do Resposta ao Final Resposta
Autor Ano No Tratamento
Tratamento (meses) do Tratamento Sustentada
Zuckerman (1)
2000 9NR 3 MUI IFN x 3/sem + RBV 6 78% ND
Mazzaro (2)
2003 27NR ou Recaída 3 MUI IFN x 3/sem + RBV 12 85% ND
Alric(3)
2004 18 3 MUI IFN x 3/sem ou Peg-IFN + RBV ≥ 18 ND 70%
Cacoub(4) 2005 9 Peg-IFN 1.5 µg kg/sem + RBV ≥ 10 88%
Mazzaro(5)] 2005 18 Peg-IFN 1.0 µg kg/sem + RBV 12 89% 44%
CS: corticosteróide; sem: semana; NR: não-respondedor; RBV: ribavirina; ND: não disponível.

90 Sociedade Brasileira de Infectologia


Fernando Lopes Gonçales Júnior

plexa do que na infecção crônica rapêutica em pacientes clinicamente reduzido de macromoléculas com
pelo VHC. De fato, marcadores bio- assintomáticos deve ser evitada. altas propriedades antigênicas,
químicos da resposta da CM (criocrit, Os corticosteróides foram os permitindo remoção mais eficien-
FR ou atividade de complemento) mais utilizados no tratamento da CM, te de crioglobulinas pelo sistema
podem ser mais independentes da antes da identificação do VHC, pelo reticuloendotelial. Essa dieta pode
resposta virológica do que os níveis fato de, mesmo em baixas doses, melhorar as manifestações meno-
de ALT. controlarem a maioria dos sintomas. res da doença (púrpura, artralgias,
No momento, a terapêutica anti- Por outro lado, os corticosteróides parestesias) e é prescrita, em geral,
viral é sugerida como tratamento de podem favorecer a replicação do na fase inicial da doença.
escolha dessa condição, para ser VHC, podem causar vários efeitos
realizada mesmo na ausência de in- colaterais e não induzir a modifica- VHC e Linfoma
dicação pela patologia hepática. Pa- ções significantes no criocrit ou na
cientes com manifestações aparen- história natural da doença. Drogas A inclusão de tratamento antiviral
temente benignas da doença, com citostático-imunossupressoras (ex.: parece ser racional nos esquemas
púrpura palpável, artralgia e fadiga ciclofosfamida, clorambucil e azatio- terapêuticos dos linfomas não-
de pouca intensidade, não devem prina) são usadas principalmente na Hodgkin (NHL) VHC positivos. Essa
ser tratados ou podem ser tratados ausência de resposta aos corticoste- conduta é reforçada por estudos
sintomaticamente com drogas antiin- róides e/ou durante as fases agudas recentes, realizados em linfomas de
flamatórias não-esteróides. Atenção da CM (isto é, nefrite aguda evoluin- baixo grau(10) e, em particular, em
deve ser dada ao tratamento da CM do para insuficiência renal, síndrome linfomas da zona marginal.(11,12)
grave (isto é, pacientes com nefrite da hiperviscosidade) em associação Vallisa et al.(10) trataram 13 pa-
aguda, vasculite disseminada). Nes- com plasmaférese. Vários estudos cientes com NHL-B de baixo grau
ses casos não há dados suficientes mostraram que rituximab (anticorpo associado ao VHC, caracterizado
que respaldem a segurança na admi- anti-CD20, um antígeno de superfí- por uma evolução indolente, com
nistração do IFN e atitude cuidadosa cie específico de células B) é eficaz IFN peguilado e ribavirina. A resposta
é fortemente sugerida. É preferível na maioria dos pacientes com CM, hematológica foi observada na maio-
fazer uso de abordagem terapêutica levando à melhora ou resolução ria dos pacientes (resposta completa
alternativa em todos os pacientes importante da CM, particularmente e parcial, 75%) e foi altamente asso-
nos quais o tratamento antiviral é lesões cutâneas, e regressão da ciado ao clareamento ou diminuição
contra-indicado ou não tolerado ou expansão clonal de células B.(9) da carga viral do VHC sérico, após
que não responderam a tratamento A plasmaférese é indicada pa- tratamento, mostrando-se útil no
anterior. Alternativas incluem o uso ra remoção de crioglobulinas e tratamento dessa patologia.
de corticosteróide, drogas imunos- imunocomplexos circulantes. Por Hermine et al.(11) mostraram que
supressoras, plasmaférese e dieta sua eficácia e rápida ação, é es- pacientes com VHC e linfoma es-
hipoantigênica [LAC].(8) pecialmente indicada na presença plênico com linfócitos vilosos (SLVL)
O tratamento deve ser individua- de manifestações agudas (nefrite entraram em remissão completa
lizado para cada paciente, conforme crioglobulinêmica, neuropatias após tratamento com IFN. A inclusão
a gravidade dos sintomas clínicos e sensitivo-motoras graves, úlceras de um grupo controle constituído de
considerando outros fatores envol- cutâneas e síndrome da hipervisco- pacientes com a mesma doença,
vidos (idade, co-morbidades, etc.), sidade). A associação com ciclofos- porém sem infecção pelo VHC,
e por tempo limitado (semanas ou famida mostrou-se eficaz em reduzir demonstrou que, ao contrário dos
meses) necessários à remissão dos o efeito rebote no final da aférese. pacientes com VHC, os indivíduos
sintomas. Qualquer abordagem te- A dieta LAC possui um conteúdo negativos não responderam ao tra-

Sociedade Brasileira de Infectologia 91


Tratamento de Pacientes com Manifestações Extra-Hepáticas da Infecção pelo Vírus da Hepatite C

tamento com IFN. Da mesma forma, com CS é sugerida no caso de altos agressiva da artrite associada ao
a regressão da proliferação policlonal títulos de anticorpos (≥ 1:320), altos VHC, não se justifica o uso de drogas
em resposta ao tratamento antiviral títulos de globulinas, presença de an- antivirais como tratamento padrão.
mostrou estar claramente associada ti-LKM1, anticitocromo microssomal
à resposta virológica.(13) humano P450 (CYP) IID6 257-279 e VHC e Porfiria Cutânea Tarda
Embora a resposta antiviral pare- hepatite de interface com numerosos
ça ser uma ferramenta atraente para plasmócitos. No caso de tratamento IFN α parece ser menos eficaz
NHL VHC positivo de baixo grau, em inicial com IFN, uma rigorosa monito- nos pacientes com infecção crô-
NHL de grau intermediário e alto, a ração dos valores de ALT é sugerida nica pelo VHC e porfiria cutânea
quimioterapia pode ser necessária (especialmente em pacientes com tarda do que naqueles sem porfiria
e o tratamento antiviral pode ser anti-LKM1 positivo). cutânea tarda.(21) A doença também
mantido após o término da quimio- responde à depleção de ferro por
terapia.(14) VHC e Síndrome de Sjögren flebotomia, que pode ser realizada
O uso de rituximab em NHL as- antes da terapia antiviral. Por outro
sociado ao VHC, em monoterapia Tratamento com IFN isolado ou lado, a porfiria pode ser desenca-
ou em combinação com tratamento em combinação com ribavirina foi deada em pacientes geneticamente
antiviral e/ou quimioterapia, parece avaliado em 12 pacientes com sín- predispostos tratados com IFN-α
muito promissor, especialmente nos drome de Sjögren VHC-associado. (20) associado à ribavirina, como conse-
casos de NHL de baixo grau. (15-17) A síndrome seca melhorou em me- qüência de hemólise induzida pela
Apesar do número limitado de casos tade dos pacientes com o esquema ribavirina, levando a aumento nos
descritos, parece ser razoável con- associado, mas não respondeu ao níveis séricos de ferro.(22)
siderar rituximab como terapêutica IFN isolado. Eventos adversos imu-
segura e eficaz para os linfomas nológicos aconteceram durante o VHC e Líquen Plano
indolentes de células B associadas tratamento em vários pacientes.
ao VHC. Doutre et al. (23) relataram dois
VHC e Artrite casos de melhora das lesões sob
VHC e Presença de IFN-alfa. Outros autores(24-28) também
Auto-Anticorpos As decisões de tratamento de- relataram que as lesões desapare-
vem ser tomadas caso a caso. O ceram durante o tratamento com
Do ponto de vista clínico, a maior tratamento etiológico com IFN-α e IFN-alfa, por vários meses após o
preocupação é representada pelo ribavirina é indicado quando reque- término do tratamento. Protzer et
uso de IFN. Existem relatos sugerin- rido por envolvimento hepático ou al.(29) relataram exacerbação do LP
do que a administração de IFN pode sistêmico, porque ocasionalmente cutâneo e oral, durante terapêutica
levar a efeito negativo na hepatite pode induzir ou piorar distúrbios com IFN-alfa. O tratamento foi inter-
auto-imune (AIH). Elevações signifi- auto-imunes. O tratamento leva a rompido, pois medidas locais não
cantes da atividade de ALT - mesmo uma melhora significativa da artrite melhoraram as lesões.
que transitórias, corrigidas com relacionada ao VHC, mesmo sem Recomendam-se, em geral,
corticosteróide e não associadas à uma resposta bioquímica ou viroló- maiores precauções quando da
deterioração de função hepática - gica completa. A artrite associada à utilização de IFN nos pacientes com
também foram relatadas em casos crioglobulinemia responde, em geral, manifestações prévias de LP. Não há
VHC/anti-LKM1 positivos tratados ao tratamento antiviral. Consideran- relatos detalhados do efeito do IFN
com IFN.(18,19) do os poucos dados disponíveis associado à ribavirina nos pacientes
Indicação para tratamento inicial no momento, a evolução usual não com LP associado ao VHC.

92 Sociedade Brasileira de Infectologia


Fátima Mitiko Tengan, Antonio Alci Barone

VHC e Tireóide ao hospedeiro, como idade, sexo, VHC e Neuropatias


uso de álcool, etnia, obesidade e
A terapêutica com IFN-alfa pode resistência à insulina, recomenda-se IFN-α não é eficaz e pode piorar
desencadear a formação de auto- que os níveis sangüíneos de glicose a neuropatia periférica em pacientes
anticorpos nos pacientes com VHC sejam controlados (através de me- com hepatite C crônica e CM.(48) Um
e exacerbar disfunção tireoidiana em dicamentos e/ou de mudanças no estudo detalhado de estudos dis-
pacientes com anticorpos preexis- estilo de vida), previamente à insti- poníveis de pacientes com infecção
tentes.(30-33) Em geral, as mudanças tuição do tratamento antiviral. pelo VHC e neuropatia periférica
são detectadas após três meses de foi inconclusivo, havendo casos de
tratamento e desaparecem após VHC e Nefropatias pacientes que responderam a corti-
interrupção de tratamento.(34) costeróide, imunoglobulina endove-
Nos casos graves, o tratamento As opções terapêuticas são es- nosa ou plasmaférese associados a
deve ser interrompido, particularmen- sencialmente as mesmas descritas terapêutica antiviral.(49)
te em pacientes que desenvolvem hi- para CM.(37-40) Contudo, durante a
potireoidismo. Alternativamente, em fase aguda da doença renal (quando VHC e Resistência à Insulina
pacientes recebendo previamente a insuficiência renal e manifesta-
medicamento para tireóide, pode ser ções sistêmicas estão presentes), O desafio para o clínico ao cuidar
útil aumentar a dosagem durante a recomenda-se interromper ou evitar de pacientes com infecção pelo VHC
terapêutica antiviral.(35) A presença o tratamento antiviral. Neste caso, é diferenciar os pacientes com bom e
de baixos títulos de anticorpos não medidas com o objetivo de reduzir mau prognóstico, principalmente em
é indicação para interromper o tra- a atividade inflamatória das lesões relação às medidas de intervenção
tamento. A possibilidade de bom renais (esteróides), removendo crio- ao seu alcance. Os dados disponí-
controle terapêutico permite, em globulinas circulantes (PE) e reduzin- veis até o momento permitem inferir
geral, a continuidade do tratamento do a formação de novos anticorpos que o tratamento da resistência à in-
antiviral. Antes do início da terapêu- (ciclofosfamida) são utilizadas.(41-45) sulina (diminuindo a hiperinsulinemia)
tica, deve ser realizada avaliação de Bons resultados de tratamento e dos fatores que reconhecidamente
hormônios tireoidianos, dosagem de nessas condições com mofetil mi- contribuem para a instalação e ma-
TSH e anticorpos antitireóide (anti- cofenolato e, mais recentemente, nutenção da esteatose pode aumen-
TPO). Além disso, é oportuno realizar anticorpo anti-CD20 (rituximab) tar a resposta virológica sustentada
checagens regulares de TSH durante foram demonstrados. nos pacientes com infecção pelo
o tratamento e, no caso de valores Sobre o uso da ribavirina, casos VHC, tratados com IFN peguilado
alterados, a decisão de continuar ou de redução de proteinúria e/ou me- associado à ribavirina.
interromper o tratamento deve ser lhora da função renal em pacientes
considerada individualmente. tratados com IFN + RBV foram rela- Comentários
tados.(1,46,47) Deve ser ressaltado que
VHC e Diabetes Mellitus Tipo 2 o clearance de RBV fica reduzido em A decisão quanto ao tratamento
Considerando que a hiperglice- pacientes com insuficiência renal e das patologias citadas acima deve
mia foi considerada fator de risco que a diálise não elimina a droga. ser considerada individualmente, uma
independente para a “não-resposta” Desse modo, o uso dessa droga vez que a patogênese da maioria
ao tratamento antiviral da hepatite antiviral nas doses habituais não dessas manifestações clínicas não
C crônica(36) e que a anormalidade é recomendado em pessoas que é conhecida. O conhecimento acu-
nos níveis de glicose pode estar apresentam clearance de creatinina mulado sobre cada uma delas deve
associada a fatores relacionados <50 ml/min. ser considerado em relação ao efeito

Sociedade Brasileira de Infectologia 93


Tratamento de Pacientes com Manifestações Extra-Hepáticas da Infecção pelo Vírus da Hepatite C

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Sociedade Brasileira de Infectologia 95


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Tratamento do VHC Pré e


Pós-Transplante Hepático
Edson Abdala1,2, Daniela Rosa Magalhães Gotardo1, Patrícia Rodrigues Bonazzi1,2, Telésforo Bacchella1
1 - Serviço de Transplante de Fígado, Departamento de Gastroenterologia,
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - SP - Brasil.
2 - Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias, Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo - SP - Brasil.

Introdução acelerado, com taxas de descom- recidiva da doença hepática é re-


pensação acima de 40% ao ano, presentada por uma grande gama

A
doença hepática avançada, após seu diagnóstico.(3) de aspectos histopatológicos e seu
seja ela manifestada na for- Apesar do risco de recidiva, a cir- diagnóstico diferencial com rejeição
ma de cirrose ou carcinoma rose pelo VHC representou, por lon- celular aguda pode tornar sua de-
hepatocelular, determinada pela go período, uma doença com bom tecção mais tardia. Nestes casos
infecção pelo vírus da hepatite C potencial evolutivo pós-transplante existe superposição de padrões his-
(VHC), é atualmente a principal in- e baixas taxas de recidiva. Em mea- topatológicos, além de fenômenos
dicação de transplante hepático em dos da década de 1990 passou-se imunopatogênicos em comum.(5,6)
todo o mundo.(1,2) Em nosso meio, a a observar maior índice de recidiva, A hepatite aguda, no contexto
hepatite C também se destaca como com comprometimento no funcio- da recidiva, em geral ocorre dentro
fator etiológico da doença hepática namento e na sobrevida do enxerto de um a seis meses após o trans-
terminal. No entanto, embora tal e dos pacientes. Estudos para de- plante hepático, com freqüência
procedimento seja definido como terminar fatores de risco passaram aproximada de 70%. Seus achados
terapêutica padrão em ambas as a ser desenvolvidos, e atualmente histopatológicos se caracterizam
situações, a recidiva da infecção pelo a adoção de algumas medidas tem por edema dos hepatócitos, es-
VHC é universalmente reconhecida. possibilitado melhor evolução.(4) teatose macrogoticular, moderada
O potencial evolutivo da infecção inflamação lobular e corpúsculos
pelo VHC entre os pacientes trans- História Natural da Hepatite C acidofílicos. A resolução espontâ-
plantados é mais agressivo do que Pós-Transplante nea da hepatite C aguda, que em
aquele observado nos indivíduos indivíduos imunocompetentes pode
imunocompetentes, podendo ha- A recidiva precoce da infecção ocorrer em até 15% dos casos, qua-
ver o restabelecimento de cirrose pelo VHC pós-transplante, definida se nunca é observada no cenário do
hepática em um período de cinco a como a detecção do RNA do VHC transplante.(3,4)
dez anos após o transplante. Nestes no soro ou no enxerto, é um evento Hepatite colestática progressiva
pacientes, também a evolução da praticamente universal, observado grave pode ocorrer precocemente,
cirrose obedece a um ritmo mais em mais de 95% dos casos. A em um a três meses pós-transplante.

96 Sociedade Brasileira de Infectologia


Edson Abdala, Daniela Rosa Magalhães Gotardo, Patrícia Rodrigues Bonazzi, Telésforo Bacchella

Esta forma de recidiva é mais rara, e a elevação das mesmas carece de Fatores do doador e do
ocorre em apenas 10% dos ca- especificidade, podendo dever-se receptor
sos. Seu padrão evolutivo grave é a outros eventos, como rejeição, O uso de doadores de fígado
caracterizado por elevados níveis isquemia ou infecções oportunis- com idades mais avançadas é um
de bilirrubina sérica (acima de 6 tas.(8) No Serviço de Transplante de fator que afeta negativamente a taxa
mg/dl), elevados níveis de RNA do Fígado do Hospital das Clínicas da de progressão da fibrose. Estudos
VHC no soro e à biópsia hepática há Faculdade de Medicina da Univer- recentes mostram uma tendência
balonização central, pouco infiltrado sidade de São Paulo (HCFMUSP), a aumento de dez anos na idade
inflamatório e proliferação colan- realizam-se biópsias protocolares dos doadores na última década.
giolar, sem ductopenia associada, a cada seis meses no primeiro ano Essa medida, embora aplicada para
sugerindo efeito citopático direto do após o transplante, anualmente do compensar a pouca disponibilidade
VHC. Estes pacientes evoluem com segundo ao quarto ano, e a cada de órgãos, tem mostrado influenciar
rápida perda do enxerto e o óbito três anos a partir do sexto ano. Ava- diretamente o grau de fibrose na he-
costuma sobrevir antes mesmo da liação em 43 pacientes demonstrou patite C recidivada. Trabalhos atuais
tentativa de um retransplante.(4) recidiva histológica, determinada mostraram que a diferença de dez
Na maior parte dos casos, no por hepatite crônica, em 80% dos anos na idade do doador (40 versus
entanto, a recidiva da hepatite C é casos, em uma mediana de tempo 50 anos) esteve associada a aumento
diagnosticada como hepatite crô- de 9,9 meses.(9) da progressão da fibrose de 0,6 para
nica, com progressão de fibrose 2,1 unidades por ano e diminuição do
mais acelerada do que a observada Fatores de Risco Para Gravidade intervalo para surgimento de cirrose
na população imunocompetente, da Recidiva do VHC Após o em até oito anos. A idade do doador
conduzindo à cirrose em 8 a 30% Transplante parece interferir na sobrevida do
dos pacientes em cinco anos. A enxerto apenas nos pacientes por-
cirrose também se apresenta mais Pode-se considerar os fatores tadores de VHC. Este é, no entanto,
agressiva nestes pacientes, com que determinam a evolução da um fator com poucas possibilidades
risco cumulativo de complicações hepatite C no paciente submetido a de sofrer modificação;um número re-
de 65% em três anos. Os achados transplante hepático como variáveis duzido de programas de transplante
histopatológicos encontrados no relacionadas ao doador e ao recep- no mundo consegue parear doadores
enxerto são semelhantes aos en- tor, fatores virais e eventos associa- mais jovens com receptores infecta-
contrados na hepatite C no fígado dos ao transplante, determinando dos pelo VHC.(11,12)
nativo e incluem infiltrado portal maior gravidade da doença e maio- Também postula-se o envolvi-
misto, com agregados linfóides, infla- res taxas de perda do enxerto. Os mento de fatores imunogenéticos,
mação periportal, inflamação lobular fatores mais consistentemente asso- com estudos que observaram as-
de grau variável e esteatose. Estes ciados à gravidade da doença são: sociação entre o HLA-B14 e o
achados podem ser detectados em doadores mais velhos, tratamento de HLA-DRB104 como benéficos na
70 a 90% dos pacientes em um ano rejeição celular aguda com pulsos de evolução da hepatite C e o mismatch
pós-transplante.(7) corticosteróides ou OKT3 e infecção do HLA-DRB1 doador/receptor com
Em todos estes casos, no entan- por citomegalovírus (CMV).(3,5,7,10) Um risco aumentado de recidiva.(13,14)
to, a verdadeira taxa de recidiva só melhor entendimento dos fatores Outros fatores do doador que re-
pode ser estimada por meio de bióp- que contribuem na progressão da querem maior investigação incluem o
sias seriadas de rotina, uma vez que doença pode indicar mecanismos uso de doadores vivos, o conteúdo
20 a 30% dos pacientes não cursam potenciais modificadores da sua hepático de ferro e a presença de
com aumento de aminotransferases evolução. esteatose hepática.(15,16)

Sociedade Brasileira de Infectologia 97


Tratamento do VHC Pré e Pós-Transplante Hepático

Fatores virais rejeição moderada ou grave e o con- aplicação de novas drogas, como o
Alguns estudos têm relacionado seqüente uso de pulsos de corticos- sirolimus e o antagonista do receptor
alta carga viral no pré-transplante ou teróides ou OKT3, mas não excessivo da interleucina 2, requer estudos
logo após o mesmo à gravidade da a ponto de exacerbar a progressão da controlados e prospectivos. Enfim,
recidiva do VHC no pós-transplante. hepatite C ou causar outras compli- o estado geral de imunossupressão
Uma análise de 284 pacientes norte- cações a longo prazo.(5) parece ser um dos possíveis eventos
americanos e espanhóis mostrou Uma vez que uma das hipóteses determinantes no curso da hepatite
que a carga viral antes do transplante para recidiva do VHC mais grave C recidivada.(20,22,23)
é fator independente na progressão observada nos últimos anos é a Outro fator relacionado ao trans-
da fibrose. Em outro estudo dos Es- maior potência dos imunossupres- plante que interfere negativamente
tados Unidos, a sobrevida em cinco sores, diversos estudos têm sido na evolução da hepatite C pós-
anos de pacientes transplantados realizados no sentido de minimiza- transplante é a presença de infecção
por VHC encontrava-se diminuída ção do esquema imunossupressor por citomegalovírus, levando particu-
naqueles com carga viral acima de ou mesmo o seu abandono. Estes larmente a piora da fibrose.(24)
1 milhão mEq/mL.(7) trabalhos têm mostrado resultados
A importância do genótipo do divergentes;entretanto, as doses Abordagem dos Pacientes com
VHC na progressão da doença iniciais de imunossupressão e a taxa VHC Pré e Pós-Transplante
permanece controversa. Enquanto de redução foram diferentes entre si.
grande parte dos estudos norte- Em alguns estudos, o uso prolonga- A terapia antiviral consiste na
americanos falhou em mostrar tal do de terapia de manutenção com principal estratégia de manejo destes
associação, um grande estudo esteróides esteve associado a menor pacientes; no entanto, o momento
colaborativo europeu mostrou maior gravidade na recidiva da doença ideal para intervenção não é conhe-
índice de progressão e gravidade em hepática. Neste caso, a forma de cido. A maioria dos estudos tem
pacientes transplantados portadores redução da dose se mostrou impor- aplicado o tratamento da recidiva
do genótipo 1b. A hipótese aventa- tante, e sua lenta diminuição está do VHC quando há evidência de
da é de que a resposta imune do ligada a formas menos agressivas doença do ponto de vista histoló-
hospedeiro contra o VHC seja mais de hepatite C.(18,19) gico. Condutas alternativas incluem
potente para o genótipo 1b do que Quanto ao uso de azatioprina o uso de terapia antiviral antes do
para outros genótipos no cenário ou micofenolato mofetil, nenhum transplante ou precocemente após
do transplante hepático, e de que efeito consistente sobre a recidiva o transplante, quando ainda não
a lesão tecidual esteja associada a do VHC tem sido observado. O há evidências clínicas de doença
esta resposta.(17) uso de ciclosporina, embora in vitro recidivada, chamada de terapia pre-
tenha demonstrado ação antiviral, emptiva. Em geral, a terapia antiviral
Fatores relacionados ao na prática clínica não mostrou van- é menos eficaz e pior tolerada no
transplante tagem em relação ao tacrolimus.(20,21) transplantado do que no paciente
O tratamento de episódios de O uso de sirolimus por longo prazo imunocompetente.
rejeição aguda com uso de pulsos pode ter algum benefício, uma vez
de corticosteróides ou preparações que esta droga demonstrou efeito Tratamento dos cirróticos em
antilinfócitos tem sido associado a antifibrótico e um potencial efeito an- lista de transplante
recidiva mais grave da hepatite C. tiviral, mas existem apenas trabalhos O clareamento do vírus no pa-
Recomenda-se, portanto, nestes preliminares neste sentido, o que ciente cirrótico, além de fornecer
pacientes, o uso de regime imunos- não sustenta ainda o seu uso prefe- melhores expectativas quanto ao
supressor suficiente para prevenir rencial neste grupo de pacientes. A transplante, com aumento da so-

98 Sociedade Brasileira de Infectologia


Edson Abdala, Daniela Rosa Magalhães Gotardo, Patrícia Rodrigues Bonazzi, Telésforo Bacchella

brevida do enxerto, pode até mesmo (Model for End-Stage Liver Disease) e ribavirina em pacientes com cirrose
proporcionar parada na progressão inferior a 18 ou mesmo em cirróticos descompensada. Apesar de obte-
da fibrose nestes pacientes, evitan- descompensados, porém neste úl- rem considerável resposta virológica,
do assim o transplante hepático em timo caso seguindo o protocolo de a freqüência de complicações graves
alguns casos. tratamento, em centro que disponha leva, necessariamente, à necessida-
Estudos comprovaram que em- de suporte e possibilidade de trans- de de sempre se analisar a relação
bora as taxas de efeitos colaterais plante prontamente.(26) risco/benefício antes da instituição
sejam elevadas, o tratamento em pa- Em levantamento recente de do tratamento, considerando-se
cientes cirróticos compensados com dados do Serviço de Transplante também a viabilidade de um eventual
doses progressivamente elevadas de de Fígado do HCFMUSP, 37 pa- transplante de urgência.(28,29)
interferon convencional e ribavirina cientes cirróticos por VHC em lista
induz resposta virológica sustentada de transplante foram submetidos a Terapia preemptiva
em torno de 22%, podendo atingir tratamento antiviral. Esta população A terapia antiviral antes do es-
níveis ainda mais altos nos genóti- foi composta por 46% de mulheres tabelecimento de doença histolo-
pos 2 e 3. Estes pacientes, quando e 54% de homens, com média de gicamente comprovada apresenta
submetidos ao transplante, não idade acima de 50 anos. Os ge- vantagens teóricas, visto que no
experimentaram recidiva da doença, nótipos predominantes foram 1 e pós-transplante imediato a carga
confirmando a validade desta estra- 3. Havia antecedente de ascite em viral do VHC tende a ser mais baixa
tégia terapêutica.(25) 43,2% dos pacientes e de encefa- e o grau de fibrose hepática é menor,
Em um estudo de Forns e cols., lopatia hepática em 8,1% dos mes- o que poderia proporcionar melhor
30 pacientes em lista de transplante mos. Antecedente de hemorragia resposta ao tratamento, à semelhan-
com diferentes classes funcionais digestiva varicosa nos dois meses ça do que ocorre no paciente não
foram submetidos a tratamento anti- anteriores ao tratamento esteve transplantado. No entanto, este é um
viral. Nesse trabalho, a eficácia da te- presente em 5,4% dos pacientes, e momento no qual a imunossupressão
rapia foi avaliada através da resposta a taxa de antecedente de peritonite ainda é elevada, o que interfere na
virológica durante o tratamento e bacteriana espontânea foi de 8,1%. resposta antiviral, e a tolerabilidade
pelas taxas de resposta virológica Em apenas cinco pacientes (todos do esquema antiviral é muito baixa,
sustentada. A simples redução da com genótipo  1) foi usado interferon diante de todas as demais complica-
carga viral do VHC previamente peguilado e nos demais interferon ções clínicas pós-transplante, como
ao transplante já foi suficiente para convencional, ambos em associação infecções e citopenias. Além disso, o
evitar sua recidiva após o transplan- com ribavirina. O tempo médio de efeito imunomodulador do interferon
te (eficácia de aproximadamente tratamento foi de 7,9 meses. O efeito pode aumentar o risco de rejeição
66%). Aqui também nenhum dos colateral mais freqüentemente asso- celular aguda, que é mais elevado
pacientes com resposta virológica ciado à suspensão do tratamento foi nesta fase do transplante. Outra
sustentada experimentou recidiva neutropenia, em 37,7% dos casos. crítica que pode ser feita à instituição
da doença.(26) Entre os 37 pacientes, 14 (37,8%) do tratamento preemptivo é que ele
A maior parte dos estudos neste apresentaram redução de carga viral não distingue entre os pacientes que
grupo de pacientes avalia a eficá- em pelo menos 2 log. A presença de realmente irão evoluir com recidiva
cia do interferon convencional, e cirrose compensada ou descompen- mais importante da doença, vindo
de maneira geral se conclui que o sada, nesse trabalho, não interferiu a ter indicação do tratamento, e
tratamento pode ser indicado em na resposta ao tratamento.(27) aqueles que poderão evoluir durante
cirróticos com classificação de Publicações recentes descrevem o pós-transplante sem necessidade
Child-Turcotte-Pugh A ou B e MELD tratamento com interferon peguilado de terapia antiviral.(30,31)

Sociedade Brasileira de Infectologia 99


Tratamento do VHC Pré e Pós-Transplante Hepático

Estudos controlados mostraram Além disso, esta é uma popula- questiona-se a validade da sua ex-
vantagem da terapia combinada ção que em princípio já encerra fato- tensão em pacientes que atingiram
com interferon convencional e riba- res de pior prognóstico de evolução resposta virológica ao final do trata-
virina em relação à monoterapia com da doença e de pior resposta ao mento.(39-41)
interferon. Nestes pacientes houve tratamento, uma vez que é consti- As vantagens da terapia iniciada
retardo no aparecimento da recidiva, tuída por pacientes em geral com em 6 a 24 meses após o transplante,
com redução da carga viral e me- idade mais avançada, infectados comparada à terapia preemptiva,
lhores perfis histológicos. Trabalhos pelo genótipo 1, com elevada carga reside no fato de que estes pacientes
com uso de interferon peguilado e viral, maior grau de fibrose e muitas necessitam de menos imunossu-
ribavirina também mostraram melho- vezes com antecedente de trata- pressão, apresentam melhor estado
ra histológica, mas de maneira geral mento prévio. Estas características clínico e menores riscos de rejeição
os resultados são desapontadores, são ainda associadas ao fato dos aguda ou crônica.(7)
com taxas de resposta virológica pacientes transplantados apresen- A ocorrência de casos de rejeição
sustentada de 7 a 13% com uso de tarem co-morbidades que muitas aguda ou crônica não tem sido um
interferon isolado, 16 a 33% com vezes impedem o uso de terapia fator limitante ao tratamento, embora
interferon e ribavirina e 9% com in- com doses plenas.(34) haja alguns relatos.(42)
terferon peguilado isolado.(32) Neste grupo de pacientes, a O uso de ribavirina como terapia
Esta estratégia não é aplicável realização de biópsias protocolares isolada ou como manutenção após
a todos os pacientes. Aqueles com é de fundamental importância como uso associado ao interferon não en-
melhores escores do MELD no pré- forma de acessar o grau de fibrose contra subsídios na literatura.(43)
transplante parecem ser os melhores hepática, devendo ser realizadas
candidatos. Necessidade de redução quando clinicamente indicadas (por Uso de terapia adjuvante
das doses ou mesmo desconti­ aumento dos níveis de aminotrans- Neste grupo de pacientes, um dos
nua­ção do tratamento são eventos ferases) ou pelo menos anualmente, problemas centrais é a alta freqüência
freqüentes, particularmente induzi- com a intenção específica de detec- de efeitos colaterais das drogas an-
dos pelas citopenias e a freqüente ção e acompanhamento da recidiva tivirais, especialmente as citopenias,
coexistência de disfunção renal, com do VHC.(35) requerendo muitas vezes a diminui-
anemia secundária, o que torna o uso Neste grupo os resultados não ção ou mesmo descontinuação da
da ribavirina especialmente difícil.(33) são menos desanimadores, com ta- medicação. O risco-benefício do uso
xas de resposta virológica sustenta- de eritropoetina ou de fator estimu-
Tratamento pós-transplante da de 12,5% com interferon isolado, lante de colônia de granulócitos (G-
Em geral, a maioria dos pacien- 21% com interferon e ribavirina e de CSF) não foi ainda bem estabelecido.
tes transplantados por cirrose por 9% com interferon peguilado isola- Seu uso tem, entretanto, facilitado a
VHC é tratada no pós-transplante, do. Em estudos não controlados, a manutenção do tratamento antiviral
quando a recidiva já é um evento melhor estratégia mostrou ser o uso e uso de doses ideais de ribavirina
estabelecido. Infelizmente, a maior combinado de interferon peguilado e e interferon.(44) Esforços têm sido
parte dos estudos que dão suporte ribavirina, com respostas entre 30 a empreendidos no uso de substitutos
a esta estratégia de tratamento não 45%.(2,36-38) da ribavirina que não determinam
é controlada, o que limita a deter- O tempo ideal da terapia anti- hemólise, como a viramidina, mas
minação de riscos do tratamento, viral permanece ainda indefinido e ainda são necessários estudos con-
taxas de rejeição aguda ou crônica embora a grande parte dos estudos trolados para determinar a melhor
e até mesmo avaliação da eficácia atuais tenha estabelecido tempos estratégia em relação aos efeitos
terapêutica. de tratamento de 48 a 52 semanas, adversos da terapia.(5)

100 Sociedade Brasileira de Infectologia


Edson Abdala, Daniela Rosa Magalhães Gotardo, Patrícia Rodrigues Bonazzi, Telésforo Bacchella

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Sociedade Brasileira de Infectologia 101


Tratamento do VHC Pré e Pós-Transplante Hepático

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102 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Manuseio dos Eventos


Adversos
Aline Gonzalez Vigani
Grupo de Estudos das Hepatites - MI/FCM/UNICAMP - Campinas - SP - Brasil.

O
tratamento da hepatite C necessária em aproximadamente matológicas (neutropenia, anemia e
envolve a combinação entre 30% dos pacientes. Em 10% é trombocitopenia) e depressão foram
interferon peguilado (PEG- necessária a descontinuidade do as indicações mais freqüentes para
IFN) e ribavirina (RBV) ou interferon tratamento. (4) Anormalidades he- redução de dose.
(IFN) convencional e RBV. Esses A manutenção das dosagens
esquemas terapêuticos associam-se Tabela 1. Eventos adversos das medicações utilizadas para
com numerosos eventos adversos, associados ao tratamento da a terapêutica da hepatite C e do
entre os quais destacam-se sintomas hepatite C com interferon tempo de tratamento preconizado
constitucionais, neuropsiquiátricos e peguilado e ribavirina são importantes para a eficácia da
anormalidades hematológicas. (1,2) Incidência terapêutica, como demonstrado na
Evento adverso
Os eventos adversos observados aproximada (%) figura 1.(6) Redução da dosagem está
com a utilização de PEG-IFN ou Reação no sítio da injeção 36-58 associada com menor taxa de res-
IFN convencional são similares e as posta virológica sustentada (RVS),
Fadiga 50-64
freqüências desses eventos estão quando comparada com pacientes
Cefaléia 50-62
demonstradas na tabela 1.(3-5) em que não há redução da dosagem
Mialgia 42-56
Eventos adversos decorrentes de nenhuma das medicações. Iden-
do tratamento da hepatite C podem Febre 43-56 tificação precoce e estratégias para
comprometer a qualidade de vida do Calafrio 24-48 controle dos eventos adversos são
paciente e a resposta à terapêutica. Alopecia 28-36 importantes para prevenir complica-
O manuseio desses eventos envolve Artralgia 27-35 ções moderadas e graves, atenuar
intervenções medicamentosas e Irritabilidade 24-35 efeitos deletérios na qualidade de vi-
não-medicamentosas. Essas últimas Depressão 21-34 da do paciente e maximizar a eficácia
incluem a redução da dosagem de do tratamento para hepatite C.
Anorexia 14-32
IFN ou RBV e descontinuidade do
Dermatite 16-21
tratamento. Redução temporária ou Sintomas Constitucionais
Anemia 12-22
permanente da dosagem de PEG-
IFN, IFN convencional ou RBV, em Neutropenia 17-20 Sintomas constitucionais como
decorrência de evento adverso, é Plaquetopenia 3-6 fadiga, cefaléia e mialgia são os mais

Sociedade Brasileira de Infectologia 103


Manuseio dos Eventos Adversos

comuns eventos adversos em pa- Anemia pode exacerbar a anemia associada


cientes tratados com IFN associado a A anemia resultante do trata- ao uso de RBV incluem supressão
RBV (tabela 1). Praticamente todos os mento da hepatite C é um efeito da hematopoiese na medula óssea
pacientes manifestam pelo menos um colateral multifatorial. Esses fatores e aumento da destruição de células
desses eventos nas primeiras doses aumentam a destruição e reduzem a eritróides precursoras.(9)
de IFN. Geralmente esses sintomas produção de glóbulos vermelhos. O A anemia começa a se desen-
desaparecem ou tornam-se menos aumento da destruição ocorre pela volver quase imediatamente após
intensos após o 1º mês de tratamen- hemólise desencadeada pela RBV o início da terapia e torna-se mais
to. Paracetamol, acetaminofeno, ibu- e a redução da produção ocorre intensa após 4 a 6 semanas de
profeno, tomados momentos antes pela supressão, exercida pelo IFN, tratamento. A média de decréscimo
da injeção, aliviam esses sintomas. de precursores eritróides na medula do nível da hemoglobina (Hb) é 2,5 a
Adequada hidratação e exercícios óssea.(7,8) 3,0 g/dl, mas graus mais intensos de
leves a moderados podem ajudar a A RBV penetra nos eritrócitos, hemólise podem ocorrer. A anemia
minimizar esses efeitos. onde é fosforilada a monofosfato, associada com terapia combinada
difosfato e trifosfato. Essas formas pode exacerbar outros efeitos cola-
Efeitos Hematológicos farmacologicamente ativas são in- terais decorrentes do tratamento da
capazes de atravessar a membrana hepatite C, como dispnéia, fadiga,
Em aproximadamente 25% dos celular do eritrócito, permanecen- tontura e cefaléia.
pacientes é necessário ao menos do retidas intracelularmente em Manejo não-farmacológico para
uma redução da dosagem de IFN uma concentração 60 vezes maior o tratamento da anemia envolve
ou RBV por anormalidades labo- àquela do plasma.(8) Os derivados a redução da dose ou permanen-
ratoriais.(4) Tanto IFN convencional fosforilados acumulados são elimi- te descontinuidade da RBV.(9) Em
como PEG-IFN estão associados nados lentamente dos eritrócitos, pacientes sem doença cardíaca, é
com supressão da hematopoiese. que possuem uma meia-vida de 40 recomendada a redução da dosa-
Além disso, anemia hemolítica ocorre dias. Em contraste, a eliminação da gem de ribavirina quando os níveis
em todos os pacientes tratados com RBV do plasma é rápida, meia-vida de hemoglobina caem abaixo de 10
RBV, embora a intensidade dessa de 24 horas. g/dL e descontinuidade da droga
anemia seja variável. Os mecanismos pelos quais o IFN quando Hb menor que 8,5 g/dL
(tabela 2).(10) Essas recomendações
Figura 1. Efeito da redução de dose de interferon peguilado (PEG-IFN) e são mais restritas para pacientes
ribavirina (RBV) sobre a taxa de resposta virológica sustentada (RVS). com doença cardíaca estável. Em
casos raros, quando o nível de Hb
é menor do que 8,5 g/dL, pode ser
necessária transfusão de concentra-
do de hemácias em conjunto com
descontinuidade do tratamento da
hepatite C.
Entre 9 e 22% dos pacientes em
tratamento combinado para hepatite
C necessitam de redução de dose
de RBV por anemia.(3,4) No entanto,
a estratégia de redução da dosagem
de RBV associa-se com aumento

104 Sociedade Brasileira de Infectologia


Aline Gonzalez Vigani

modesto no nível de Hb (~1 g/dL) em 66% dos pacientes. O custo da realizada antes da aplicação do IFN
após 4-8 semanas de redução e, eritropoetina alfa é alto, mas é uma para que valores mais fidedignos
também, com decréscimo na taxa opção terapêutica para pacientes sejam obtidos.
de RVS (figura 1).(6,11) que evoluem com nível de Hb <10 Em pacientes que desenvolvem
Fatores de crescimento hema- g/dL, durante o tratamento da he- neutropenia durante o tratamento
topoiéticos, como a eritropoetina patite C.(14) da hepatite C, em geral é necessá-
alfa, podem ser uma alternativa ria redução da dosagem de IFN ou
em relação à redução da dose de Neutropenia descontinuidade da terapêutica.(15)
RBV para o tratamento da anemia Decréscimo na contagem de As recomendações para redução
desenvolvida durante o tratamento neutrófilos abaixo do normal ocorre da dosagem ou descontinuidade do
da hepatite C. Eritropoetina alfa é na maioria dos pacientes receben- tratamento em decorrência de neu-
uma glicoproteína sintética com ação do IFN convencional ou PEG-IFN tropenia são mostradas na tabela 2.
similar à eritropoetina endógena, um e decorre da supressão da medula A contagem de neutrófilos geralmen-
hormônio produzido pelos capilares óssea exercida por esses fárma- te retorna aos níveis pré-tratamento
peritubulares renais que estimula a cos.(15) Neutropenia (contagem de após duas a quatro semanas do
eritropoiese na medula óssea. neutrófilos <750 células/ml) é mais término da terapia.(2)
Estudos indicam que terapia freqüente com o uso de PEG-IFN As implicações clínicas da neu-
com eritropoetina alfa, na dosagem do que com IFN convencional, 20% tropenia relacionada ao uso de IFN
de 40.000 UI 1X semana, eleva o e 4%, respectivamente.(3,4) Neutrope- não estão associadas com aumento
nível de Hb após uma semana de nia intensa (< 500 células/mm3 tam- do risco para complicações infeccio-
uso e, dessa forma, permite a ma- bém é mais freqüente em pacientes sas.(16,17) As baixas taxas de infecção
nutenção da dosagem de RBV em tratados com PEG-IFN do que com observadas em pacientes neutropê-
pacientes que se tornam anêmicos IFN convencional, respectivamente, nicos e em tratamento para hepatite
durante terapia combinada para 5% e 1%. C podem refletir redução precoce da
hepatite C.(12,13) Entre aqueles que Após uma única injeção de dosagem de IFN e, também, podem
receberam eritropoetina durante PEG-IFN, a contagem de neutró- significar que esses pacientes pos-
o tratamento da hepatite C, 88% filos decai uma média de 21% nas suem menor risco para infecções
mantiveram a dose inicial de RBV primeiras 24 horas, mas geralmente quando comparados com pacientes
e o aumento dos níveis de Hb foi essa contagem se estabiliza em neutropênicos em quimioterapia.
de 10,6 ± 0,9 para 13,2 ± 1,2 g/ níveis mais elevados após esse Filgrastim está começando a ser
dL.(13) Entre aqueles que receberam período. Desta forma, a medida da utilizado, como terapia adjuvante,
placebo, a dose de RBV foi mantida contagem de neutrófilos deve ser na dosagem de 300 µg, 1 a 3 vezes

Tabela 2. Modificações de dose para eventos adversos de terapia com interferon (IFN)
e ribavirina (RBV) de acordo com recomendações do fabricante
Parâmetro hematológico PEG-IFN 2b PEG-IFN 2a IFN RBV
Hemoglobina a
< 10 g/dL Reduzir para 11 mg/kg
< 8,5 g/dL Descontinuar
Plaquetas < 25.000/mm 3
Descontinuar Descontinuar Descontinuar
Neutrófilos < 750/mm 3
Reduzir para 1 µg/Kg Reduzir para 135 µg Reduzir 50%
< 500/mm 3
Descontinuar Descontinuar Descontinuar Descontinuar
a
Pacientes sem doença cardíaca, para pacientes com história de doença cardíaca estável recebendo terapia combinada, a dose de IFN deve ser reduzida em 50% e a dose de RBV para 200 mg/dia se
ocorrer decréscimo da hemoglobina ≥ 2g/dL em um período de 4 semanas. Ambas as medicações devem ser descontinuadas permanentemente se hemoglobina < 12 g/dl após redução da dose.

Sociedade Brasileira de Infectologia 105


Manuseio dos Eventos Adversos

por semana, para aumentar a con- filgrastim interage com receptores Queda da contagem de plaquetas
tagem de neutrófilos em pacientes da superfície celular de células durante o tratamento combinado
que evoluem com menos de 750 progenitoras mielóides na medu- para hepatite C é freqüente, mas
células/mm3 durante o tratamento da la óssea e induz a proliferação, redução da dosagem de IFN ou
hepatite C. Mas a experiência clínica diferenciação e ativação celular descontinuidade do tratamento em
com filgrastim nesses casos ainda é funcional. decorrência dessa queda é pouco
limitada.(10,15) comum. (2,3) Trombocitopenia com
Filgrastim é um fator estimulante Trombocitopenia necessidade de redução da dosa-
de colônia de granulócitos (GCSF) A trombocitopenia observada gem do IFN é mais freqüente em
estruturalmente similar ao G-CSF em pacientes em tratamento para pacientes tratados com PEG-IFN e
produzido por células humanas e hepatite C é conseqüência da su- RBV do que entre aqueles tratados
obtido por engenharia genética. O pressão medular exercida pelo IFN. com IFN convencional e RBV, 4% e
1%, respectivamente.(18)
Figura 2. Algoritmo para tratamento farmacológico da depressão induzida Recomendações para desconti-
pelo uso de interferon (IFN). nuidade de PEG-IFN ou IFN conven-
cional como resultado de tromboci-
topenia são mostradas na tabela 2. A
contagem de plaquetas geralmente
retorna aos níveis pré-tratamento
quatro semanas após descontinui-
dade do tratamento.(2) Estudos estão
em andamento para avaliar a eficácia
e a segurança de fatores de cresci-
mento que estimulam a produção e
maturação de megacariócitos em
pacientes trombocitopênicos em
tratamento para hepatite C.
Casos raros de púrpura trom-
bocitopênica auto-imune foram
descritos durante o tratamento da
hepatite C, e a presença dessa deve
ser investigada em casos raros de
decréscimo intenso da contagem
de plaquetas.

Sintomas Neuropsiquiátricos

Aproximadamente 20% a 30%


dos pacientes reportam sintomas de
depressão durante tratamento para
hepatite C.(19) O manejo da depres-
BDI= Beck Depression Inventory; CES-D= Center for Epidemiological Studies Depression Rating Scale; são em pacientes com indicação
Zung SDS= Zung Self Rating Depression Scale
de tratamento para hepatite C está

106 Sociedade Brasileira de Infectologia


Aline Gonzalez Vigani

demonstrado na figura 2.(20) Na fase que tende a ser menos estimulante. Retinopatia
pré-tratamento é importante estabe- Em caso de ideação suicida ou ten-
lecer as condições psiquiátricas do tativa de suicídio, o tratamento da O uso de IFN pode desencadear
paciente; isso inclui história prévia de hepatite C deve ser imediatamente ou agravar retinopatia prévia. He-
depressão, estado de humor e uso suspenso.(22) A dosagem da medica- morragia subconjuntival, hemorragia
de substâncias abusivas. Pacientes ção antidepressiva iniciada durante retiniana foram relatadas durante o
com história psiquiátrica complexa, o tratamento da hepatite C deve ser tratamento com IFN.(19) Pacientes
como esquizofrenia, transtorno lentamente reduzida após o término com fatores de risco para retinopa-
bipolar, abuso de substâncias ou do tratamento durante 6 a 12 meses tia, como HAS e DM, devem realizar
em uso de medicação psiquiátrica após término do tratamento. exame oftalmológico antes e durante
devem ser acompanhados conjun- a terapia e tratados sob a supervisão
tamente com a psiquiatria durante o Doença Tireoidiana de um oftalmologista. Em indivíduos
tratamento da hepatite C. Pacientes que apresentem lesão retiniana
com história atual ou prévia de de- Aproximadamente 1%-6% dos durante o tratamento ou piora de
pressão devem ser avaliados antes indivíduos tratados com IFN de- lesão prévia, o tratamento deve ser
do início do tratamento da hepatite senvolvem anormalidades tireoidia- interrompido.
C, preferencialmente através de nas. (23) Para todos os pacientes é
escalas que inferem a intensidade recomendada a avaliação da função Referências
da depressão. Para pacientes com tireoidiana, através da dosagem de
1. Maddrey WC. Safety of combination in-
depressão moderada, medicação hormônio estimulante da tireóide terferon alfa-2b/ribavirin therapy in chronic
antidepressiva pode ser oferecida (TSH), antes de iniciar o tratamento hepatitis C-relapsed and treatment-naive
patients. Semin Liver Dis 1999;19 Suppl
quatro semanas antes do início do da hepatite C, a cada 12 semanas 1:67-75.
tratamento da hepatite. durante o tratamento e um vez após 2. Fried MW. Side effects of therapy of hepa-
titis C and their management. Hepatology
Os antidepressivos pertencentes terapia completa. Indivíduos que de- 2002;36(5 Suppl 1):S237-44.
3. Manns MP, McHutchison JG, Gordon
à classe dos inibidores da capta- senvolvem hipotireoidismo, enquan- SC, Rustgi VK, Shiffman M, Reindollar R,
ção de serotonina (SSRI) são os to estão sob terapêutica, devem Goodman ZD, Koury K, Ling M, Albrecht
JK. Peginterferon alfa-2b plus ribavirin
de escolha para o tratamento da receber reposição hormonal. compared with interferon alfa-2b plus
depressão associada com o uso de ribavirin for initial treatment of chronic
hepatitis C: a randomised trial. Lancet
IFN.(19) Essa classe é segura e bem Efeitos Colaterais Pulmonares 2001;22:958-65.
tolerada em pacientes com doença 4. Fried MW, Hadziyannis SJ. Treatment of
chronic hepatitis C infection with pegin-
hepática. Além disso, a taxa de su- Tosse seca pode ocorrer durante terferons plus ribavirin. Semin Liver Dis
2004;24 Suppl 2:47-54.
cesso terapêutica em pacientes com o tratamento e associa-se com o uso 5. Hadziyannis SJ, Sette H Jr, Morgan TR,
depressão durante o tratamento da de RBV. Na maior parte dos casos, Balan V, Diago M, Marcellin P, Ramadori
G, Bodenheimer H Jr, Bernstein D, Ri-
hepatite C aproxima-se de 90%.(18) a tosse é tolerável, mas às vezes zzetto M, Zeuzem S, Pockros PJ, Lin
SSRI como a fluoxetina, a sertralina, é necessário interromper o uso de A, Ackrill AM; PEGASYS International
Study Group. Peginterferon-alpha2a and
o citalopram e a paroxetina podem RBV. Em casos onde a tosse torna- ribavirin combination therapy in chronic
ter efeito mais ou menos sedativo e a se produtiva ou associada com hepatitis C: a randomized study of tre-
atment duration and ribavirin dose. Ann
escolha do SSRI a ser utilizado deve ausculta pulmonar anormal ou febre, Intern Med 2004;2;140(5):346-55.
6. Shiffman ML, Di Bisceglie AM, Lindsay KL,
basear-se nesse efeito e na sintoma- deve-se investigar a presença de Morishima C, Wright EC, Everson GT, Lok
tologia predominante do paciente.(21) pneumonite. Pneumonite intersticial AS, Morgan TR, Bonkovsky HL, Lee WM,
Dienstag JL, Ghany MG, Goodman ZD,
Em pacientes com fadiga ou lentidão pode ser grave, mas é normalmente Everhart JE; Hepatitis C Antiviral Long-
cognitiva, fluoxetina ou sertralina reversível com a descontinuação da Term Treatment Against Cirrhosis Trial
Group. Peginterferon alfa-2a and ribavirin
podem ser preferidos à paroxetina, terapia.(19) in patients with chronic hepatitis C who

Sociedade Brasileira de Infectologia 107


Manuseio dos Eventos Adversos

have failed prior treatment. Gastroentero- wski MS. Once-weekly epoetin alfa TJ, Hoofnagle JH. Neutropenia during
logy 2004;126(4):1015-23. improves anemia and facilitates mainte- combination therapy of interferon alfa and
7. Bodenheimer HC Jr, Lindsay KL, Davis nance of ribavirin dosing in hepatitis C ribavirin for chronic hepatitis C. Hepatolo-
GL, Lewis JH, Thung SN, Seeff LB. Tole- virus-infected patients receiving ribavirin gy 2002;36(5):1273-9.
rance and efficacy of oral ribavirin treat- plus interferon alfa. Am J Gastroenterol 18. Aspinall RJ, Pockros PJ. The manage-
ment of chronic hepatitis C: a multicenter 2003;98(11):2491-9. ment of side-effects during therapy for
trial. Hepatology 1997;26(2):473-7. 13. Afdhal NH, Dieterich DT, Pockros PJ, Schi- hepatitis C. Aliment Pharmacol Ther
8. De Franceschi L, Fattovich G, Turrini F, ff ER, Shiffman ML, Sulkowski MS, Wright 2004;20(9):917-29.
Ayi K, Brugnara C, Manzato F, Noventa T, Younossi Z, Goon BL, Tang KL, Bowers 19. Russo MW, Fried MW. Side effects of
F, Stanzial AM, Solero P, Corrocher R. PJ; Proactive Study Group. Epoetin alfa therapy for chronic hepatitis C. Gastro-
Hemolytic anemia induced by ribavirin maintains ribavirin dose in HCV-infected enterology 2003;124(6):1711-9.
therapy in patients with chronic he- patients: a prospective, double-blind, 20. Raison CL, Demetrashvili M, Capuron
patitis C virus infection: role of mem- randomized controlled study. Gastroen- L, Miller AH. Neuropsychiatric adver-
brane oxidative damage. Hepatology terology 2004;126(5):1302-11. se effects of interferon-alpha: recog-
2000;31(4):997-1004. 14. Devine EB, Kowdley KV, Veenstra DL, nition and management. CNS Drugs
9. Kowdley KV. Hematologic side effects Sullivan SD. Management strategies 2005;19(2):105-23.
of interferon and ribavirin therapy. for ribavirin-induced hemolytic anemia 21. Edwards JG, Anderson I. Systematic
J Clin Gastroenterol 2005;39(1 in the treatment of hepatitis C: clinical review and guide to selection of selec-
Suppl):S3-8. and economic implications. Value Health tive serotonin reuptake inhibitors. Drugs
10. Afdhal NH. Role of epoetin alfa in main- 2001;4(5):376-84. 1999;57(4):507-33.
taining ribavirin dose. Gastroenterol Clin 15. Collantes RS, Younossi ZM. The use of 22. Janssen HL, Brouwer JT, van der Mast
North Am 2004;33(1 Suppl):S25-35. growth factors to manage the hematolo- RC, Schalm SW. Suicide associated with
11. Sulkowski MS, Wasserman R, Brooks gic side effects of PEG-interferon alfa and alfa-interferon therapy for chronic viral
L, Ball L, Gish R. Changes in haemo- ribavirin. J Clin Gastroenterol 2005;39(1 hepatitis. J Hepatol 1994;21(2):241-3.
globin during interferon alpha-2b plus Suppl):S9-13. 23. Huang MJ, Tsai SL, Huang BY, Sheen
ribavirin combination therapy for chronic 16. Sulkowski MS. Management of the he- IS, Yeh CT, Liaw YF. Prevalence and
hepatitis C virus infection. J Viral Hepat matologic complications of hepatitis C significance of thyroid autoantibodies in
2004;11(3):243-50. therapy. Clin Liver Dis 2005;9(4):601-16. patients with chronic hepatitis C virus
12. Dieterich DT, Wasserman R, Brau N, 17. Soza A, Everhart JE, Ghany MG, Doo infection: a prospective controlled study.
Hassanein TI, Bini EJ, Bowers PJ, Sulko- E, Heller T, Promrat K, Park Y, Liang Clin Endocrinol (Oxf) 1999;50(4):503-9.

108 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Opções Terapêuticas no Manuseio da


Plaquetopenia nos Pacientes com VHC
André Cosme de Oliveira
Setor de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) - São Paulo - SP - Brasil.

A
presença de plaquetopenia tratamento do VHC com interferon e de 180 para 135 e até 90 mcg por
(plaquetas < 80.000/mm 3) ribavirina que, no entanto, apresen- semana. Em uso de peginterferon
em pacientes hepatopatas tam contagem de plaquetas baixa, o alfa-2b, a dose pode ser reduzida
crônicos tem sido associada a dois que torna o tratamento arriscado.(2,3) de 1,5 para 1,0 e até 0,5 mcg por
fatores: o primeiro relaciona-se ao Por outro lado, o tratamento do quilo semanal.(2,3)
hiperesplenismo decorrente de es- paciente portador de hepatite pelo A interleucina-11 (IL-11) recombi-
plenomegalia na hipertensão portal. (1) VHC com interferon e ribavirina tam- nante humana (oprelvecina, Neume-
O baço seqüestra continuamente bém apresenta como efeito colateral ga®, Wyeth Laboratories, Collegevil-
um terço das plaquetas circulantes, ao tratamento a queda dos níveis de le, PA) pode ser utilizada como forma
fazendo com que a esplenomegalia plaquetas.(2,3) de estimular o aumento do número
aumente a fração de plaquetas Ainda não existe um tratamento de plaquetas numa dose de 5 μg/kg/
retidas nos sinusóides esplênicos, consensual na literatura para manu- dia, administrada por via subcutânea
particularmente quando causada seio destes pacientes e para tanto por sete dias inicialmente e se neces-
por congestão passiva ou por au- apresentamos alguns trabalhos re- sário a manutenção pode ser feita
mento da pressão venosa portal. (1) O lacionados ao tema que abordam o com 1 a 3 doses semanais durante
hiperesplenismo parece ser a causa tratamento destes pacientes, tanto no o tratamento medicamentoso do
mais freqüente de plaquetopenia pré quanto no tratamento em curso. VHC, semelhante ao recomendado
associada a cirrose hepática e hi- Os pacientes em uso de interfe- para filgrastim (G-CSF).(4)
pertensão portal. ron alfa ou peginterferon alfa podem A IL-11 apresenta atividade múl-
O segundo mecanismo seria re- apresentar uma redução do número tipla no sistema hematopoiético,
lacionado à diminuição na produção inicial de plaquetas entre 30 e 50% promovendo especificamente a
de trombopoietina, hormônio produ- e a redução da dose da medicação proliferação e a maturação dos me-
zido pelos hepatócitos, que regula o pode ser necessária em aproximada- gacariócitos e indução de neutrofilia
desenvolvimento do megacariócito. mente 4% dos pacientes.(2,3) Deve- e trombocitose.(5)
Na cirrose, pela redução da massa se considerar a possível redução Em pacientes cirróticos, seu uso
de hepatócitos funcionantes, ocor- da dose com plaquetas abaixo de deve ser restrito aos pacientes Child
reria redução da trombopoiese na 50.000/mm3 e suspensão do tra- A e B.(5)
medula óssea, levando à plaqueto- tamento com plaquetas abaixo de Em trabalho realizado por Gha-
penia no sangue periférico.(1) 25.000/mm3. lib et al. publicado no Hepatology
Em algumas situações nos de- Quando em uso de peginterferon em 2003,(6) nenhum dos pacientes
paramos com pacientes elegíveis ao alfa-2, a dose pode ser reduzida apresentou aumento do número de

Sociedade Brasileira de Infectologia 109


Opções Terapêuticas no Manuseio da Plaquetopenia nos Pacientes com VHC

plaquetas antes de 4 dias de uso A embolização esplênica apresen- de cada serviço que acompanha
diário da medicação e com resposta ta 50% de complicação em emboli- estes pacientes.
terapêutica máxima próxima ao 13o zações inferiores a 30% do volume
dia (gráfico 1). esplênico, sendo que, em emboliza- Referências
Com 6 a 8 dias do início de ções superiores a 30%, 100% dos 1. Moreno A, Bárcena R, Blázquez J et al. Throm-
bocytopenia can be found in patients with
tratamento, 89% dos pacientes pacientes apresentaram complica- chronic hepatitis related to hepatitis C virus
apresentaram duplicação do núme- ções com o procedimento.(9) (HCV). Both hypersplenism and decreased liver
production of thrombopoietin (TPO) have been
ro inicial de plaquetas e 78% dos Uma tomografia computadori- hypothesized as mechanisms responsible for
pacientes apresentaram plaquetas zada abdominal pode ser realizada thrombocytopenia. Hospital Ramón y Cajal,
Madrid, Spain.
> 80.000/mm3. duas a três semanas após a embo- 2. Manns MP et al. Peginterferon alfa-2b plus
ribavirin compared with interferon alfa-2b
Outra opção de tratamento para lização para avaliação da efetividade plus ribavirin for initial treatment of chro-
a plaquetopenia nestes pacientes é do procedimento e verificação de nic hepatitis C: a randomised trial. Lancet
2001;22;358:958-65.
a embolização esplênica. complicações.(10) 3. Fried MW. Peginterferon alfa-2a plus ribavirin
for chronic hepatitis C virus infection. N Engl
A embolização esplênica deve Todos os pacientes devem receber J Med 2002;26;347:975-82.
ser realizada preferencialmente com previamente vacina para pneumoco- 4. Hennepin County Medical Center. Manage-
ment of HCV and treatment side effects. April
a injeção de partículas de PVA (poli- cos antes da embolização e a anti- 10, 2005.
5. Lawitz E, Hepburn M, Casey T. A pilot study of
vinil-álcool) entre 355 a 500 µ (Trufill bioticoterapia deve ser iniciada antes interleukin-11 in subjects with chronic hepatitis
PVA Embolization Particles; Cordis e mantida durante a internação do c and advanced liver disease nonresponsive
to antiviral therapy. Gastroenterology Service;
Corp., Johnson & Johnson Co., paciente. Sugere-se a utilização de ce- Infectious Diseases Service; Pathology De-
partment; Brooke Army Medical Center, San
Miami Lakes, Fla., USA) na artéria fotaxima e ampicilina nestes casos (11) Antonio, Texas.
esplênica, não devendo ultrapassar Para início ou reinício do tratamento 6. Ghalib R, Levine C, Hassan M, McClelland T,
Goss J, Stribling R, Seu P, Patt Y. Recombinant
um volume de embolização superior combinado de interferon e ribavirina human interleukin-11 improves thrombocyto-
penia in patients with cirrhosis. Hepatology
a 30% do volume inicial do baço.(7) é necessário aguardar oito semanas 2003 May;1165-1171.
As complicações mais graves após a embolização esplênica.(12) 7. Zhu K, Meng X, Li Z, Huang M, Guan S, Jiang
Z, Shan H. Partial splenic embolization using
após a embolização podem ser São tratamentos passíveis de polyvinyl alcohol particles for hypersplenism in
ascite, trombose da veia esplênica ser realizados, tanto a utilização da cirrhosis: A prospective randomized study. Eur
J Radiol. 2007 May 24.
e/ou veia porta, PBE e abscesso interleucina-11 (IL-11) recombinan- 8. Lee CM, Leung TK, Wang HJ, Lee WH, Shen
LK, Liu JD, Chang CC, Chen YY. Evaluation
esplênico. Comumente a dor abdo- te humana (oprelvecina), quanto a of the effect of partial splenic embolization
minal e a febre estão presentes na embolização esplênica, devendo on platelet values for liver cirrhosis patients
with thrombocytopenia. World J Gastroenterol
pós-embolização.(8) levar-se em conta as características 2007 Jan;28;13(4):619-22.
9. Hayashi H, Beppu T, Masuda T, Mizumoto T,
Takahashi M, Ishiko T, Takamori H, Kanemitsu
Figura 1. Relação do número de plaquetas com o tempo de tratamento co IL-11 K, Hirota M, Baba H. Predictive factors for
platelet increase after partial splenic emboliza-
tion in liver cirrhosis patients. J Gastroenterol
Hepatol 2007 Aug 7.
10. Lee CM, Leung TK, Wang HJ, Lee WH, Shen
LK, Liu JD, Chang CC, Chen YY. Evaluation
of the effect of partial splenic embolization
on platelet values for liver cirrhosis patients
with thrombocytopenia. World J Gastroenterol
2007 Jan;28;13(4):619-22.
11. Foruny JR, Blázquez J, Moreno A, Bárcena
R, Gil-Grande L, Quereda C, Pérez-Elías MJ,
Moreno J, Sánchez J, Muriel A, Rodriguez-
Sagrado MA, Moreno S. Safe use of pegylated
interferon/ribavirin in hepatitis C virus cirrhotic
patients with hypersplenism after partial sple-
nic embolization. Eur J Gastroenterol Hepatol
2005 Nov;17(11):1157-64.
12. Pålsson B, Verbaan H. Partial splenic embo-
lization as pretreatment for antiviral therapy in
hepatitis C virus infection. Eur J Gastroenterol
Hepatol 2005 Nov;17(11):1153-5.

110 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

Perspectivas Terapêuticas para


Hepatite C
Novas Terapias
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone
Laboratório de Hepatites - LIM 47 - DMIP-HC-FMUSP - São Paulo - SP.

Obstáculos a Superar: Tolerância e Resistência Viral


Jean Michel Pawlotsky
French National Reference Center for Viral Hepatitis B, C and Delta; Department of Virology, and INSERM U841,
Hôpital Henri Mondor, Université Paris 12 - Créteil - France.

O
vírus da hepatite C (VHC) é informática. Um marco no estudo de sucesso, ao redor de pouco
representado por uma única da biologia molecular viral foi a mais de 50%,(3) podendo chegar a
ORF de fita simples de RNA descrição, em 1999, de um modelo 71% em casos de otimização da
composta por aproximadamente de cultura viral em células tumo- dose e adesão plena.(4) Entretanto,
3000 AA dispostos entre as extre- rais (Huh 7) utilizando um replicon também pode ser muito menos, se
midades 3’e 5’ não codificantes. A subgenômico de VHC 1b. Embora considerarmos dados de vida real,
tradução a partir da extremidade 5’ com limitações severas, a partir características do hospedeiro (raça,
gera uma poliproteína composta na desse modelo outros fragmentos co-morbidades, estado imune), da
extremidade amina por proteínas virais foram utilizados para avaliar a doença hepática (grau de fibrose
estruturais e não estruturais na dinâmica de replicação viral em dife- e esteatose), da medicação (dose,
oposta. Após a tradução, a clivagem rentes ambientes e com exposição a tipo de interferon) e do próprio vírus,
por proteases virais e do hospe- agentes antivirais. A despeito disso, sendo que sabidamente o genó-
deiro gera 10 proteínas individuais a não obtenção de uma seqüência tipo 1 possui uma menor taxa de
do VHC. (1) Após a descrição, em completa do VHC permanece como resposta e determinadas proteínas
1989, do clone de cDNA do VHC, um obstáculo a ser vencido.(1) virais podem subverter o estímulo
contrariando as expectativas de um O VHC possui caracteristicamen- induzido pelo interferon e ribavirina.(3)
enorme desenvolvimento, um hiato te uma ação menos citopática, com A avaliação do padrão do decaimen-
no conhecimento da virologia mo- dano imunomediado, sendo hepa- to - intensidade e velocidade - da
lecular desse vírus se estabeleceu. totrópico, mas também encontrado viremia após a instituição de terapia,
Apenas em 1997 o primeiro clone em sítios extra-hepáticos, com uma a cinética viral, tem se mostrado uma
funcionante e completo de cDNA meia-vida curta, ao redor de três ho- ferramenta útil no manuseio dos
do VHC foi descrito e utilizado em ras, e elevado turnover plasmático. (2) pacientes. De forma relativamente
modelos animais (chimpanzés) para A terapia padrão é realizada com simples demonstra a interação entre
análises preliminares da expressão interferon-alfa peguilado associado vírus, droga e hospedeiro, sendo a
viral utilizando ferramentas de bio- à ribavirina, com taxas modestas intensidade da queda e sua velocida-

Sociedade Brasileira de Infectologia 111


Perspectivas Terapêuticas para Hepatite C

de, respectivamente, intensa e célere centemente em Barcelona,(8) onde ao interferon peguilado), ômega e
nos casos favoráveis, desprezível e o grupo que utilizou a associação gama interferon, interferons para uso
lenta nos ruins e moderada aos in- interferon peguilado alfa-2a 180 oral e indutores orais de interferon
termediários. Tais padrões cinéticos mcg, ribavirina 1-1,2 g e telaprevir (resiquimod e imiquimod), em fases
permitem caracterizar os pacientes 750 mg de 8 em 8 horas em uma pré-clínicas e iniciais. Temos ainda
em respondedores rápidos ou lentos, análise ITT evidenciou uma expres- análogos nucleosídeos semelhantes
além de não-respondedores. Essa siva superioridade na resposta em à ribavirina (viramidina, atualmente
abordagem permite a individualiza- relação ao grupo controle, interferon taribavirina) em fase III, inibidores da
ção da terapia com doses ideais por peguilado e ribavirina, mesmo em se inosina monofosfato diidrogenase
peso e duração mais curta, padrão tratando de infecção pelo genótipo (IMDPH) - VX98-497 (merimepodib)
ou extensa. Além disso, permite a 1. Na semana 4, 79% contra 11% em fase II para não-respondedores
predição precoce de resposta à te- apresentavam viremia menor que 10 prévios,(12) micofenolato mofetil, tam-
rapia. Assim, a terapia individualizada UI/ml. Na semana 12, 70% contra bém em fase II para não-responde-
constitui-se no momento na melhor 39%, ressaltando a perda de casos e dores -, antivirais de amplo espectro
ferramenta terapêutica.(5) a análise ITT. Entretanto, a incidência em fase II (amantadina e rimantadina)
Claramente, por razões de efeti- de rash, efeitos gastrointestinais e e outros imunomoduladores em fa-
vidade, segurança e tolerabilidade, anemia no grupo telaprevir foi signi- ses I a III (histamina, timosina alfa-1,
a terapia atual se mostra insuficiente ficativamente maior. IL-10 e IL-12). Finalmente, vacinas
para o enfrentamento da atual epi- As novas opções terapêuticas se terapêuticas são pesquisadas em
demia de hepatite C. Assim, de uma dividem em “moléculas pequenas” fases pré-clínicas (E1/E2), I ou II (E1,
terapia cujos mecanismos de ação (inibidores de protease e polimera- NS3-NS4-NS5-core, IC41).(10)
ainda são pouco compreendidos se viral e inibidores de proteínas do Após a breve revisão das drogas
e que atuam por meios, essencial- hospedeiro - glucosidase)(9) - cujos em desenvolvimento, devemos ter
mente, indiretos,(6) evoluímos para o dados sintetizamos na tabela 1 - em mente os problemas e decep-
que se chama “STAT-C” (specifically e drogas cujos alvos são, ainda, ções já detectados em relação à
targeted antiviral therapy for hepatitis indiretos. Nesse segundo grupo resistência desenvolvida in vitro ou
C),(7) ou seja, a busca por compos- podemos destacar, em estudos de in vivo, além das já mencionadas
tos de ação direta no ciclo de vida fase I, Toll-like receptors agonistas fragilidades relacionadas a tolerân-
do VHC. Entretanto, os resultados 7 e 9 (ANA 245 -Isatoribina- ANA cia e complexidade posológica. Os
preliminares de estudos clínicos em 975 e Actilon),(10) cujo mecanismo é esquemas posológicos, a exemplo
curso demonstraram aspectos pre- de estimulação imune mais ampla do que já se descreveu para o HIV,
ocupantes em relação a segurança, que a induzida pelo interferon-alfa. A podem ser facilitados pela associa-
tolerabilidade e eficácia para alguns modulação da inflamação e apopto- ção do inibidor de protease, ritonavir,
desses compostos,(7) razões pelas se por inibição da ação da caspase atuando como um potente inibidor
quais ainda consideramos que o também está em avaliação e resul- da função do sistema enzimático
interferon-alfa será mantido à frente tados preliminares demonstram que do citocromo P450, possibilitaria,
da terapia por muitos anos e os há uma normalização de ALT nos em análises preliminares, esquemas
estudos de associação dos novos pacientes que utilizaram em estudos posológicos simplificados para al-
compostos com interferon e, even- de fase II a IDN-6556.(11) Em estudos gumas das pequenas moléculas.(13)
tualmente, ribavirina já se iniciaram. de fase II e I temos outros interferons Em relação aos demais problemas, a
Um bom exemplo dessa assertiva - albuferon (interferon-alfa 2b ligado à continuação da revisão trará alguns
são os resultados preliminares do albumina, com esquema posológico relevantes pontos, além da já eviden-
estudo PROVE-1 apresentados re- mais favorável e eficácia semelhante te e necessária manutenção do in-

112 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone • Jean Michel Pawlotsky

Tabela 1. Drogas em desenvolvimento com ação direta no VHC (adaptado de Pawoltsky, 2007 e McHutchinson, 2006).(7,8)
Fase de
Sítio de ação Composto Nome comercial Posologia Comentários
desenvolvimento
Imunoglobulina Anti VHC Civacir Fase II 200-400 mg/ Resultados preliminares ruins
Inibidores de (HCIg) kg
entrada Anticorpos monoclonais - Fase I -- Redução transitória da viremia
(VHC-AB 68, VHC AB 65)
Oligonucleotídeos antisense
ISIS 14803 - Fase II -- Interrompido
AVI-4065 - Fase I -- Em curso
RNA que catalisam a Heptazyme Fase I -- Interrompido
Inibidores da clivagem do RNA-alvo
tradução do (ribozimas)
HCV-RNA Pequenas moléculas VGX-410C Fase I -- Em curso
inibidoras do IRES
Small Interfering RNA TT033 Pré-clínico -- Uso parenteral
(siRNA) ou short hairpin
RNA (shRNA)
Inibidores da protease BILN 2061 Interrompidos
sérica NS3-4A ACH-806/Gs-9132
VX-950 (Telaprevir) Fase II VO 450 a 750 PROVE - Telaprevir+RBV+
mg 8-8 h Peg-IFN: 88% com RNA <
10 UI em 12 sem vs. 52%
Peg+RBV
Inibidores
Resistência
processamento
Rash
pós-tradução
SCH 503034 Fase II VO 200-400 SCH+Peg-IFN-a 2b+RBV em
(Boceprevir) mg 8-8 h curso
ACH-806 e GS-9132 Interrompido
ITMN 191 Fase I
ACH 1095 Para iniciar
Inibidores de polimerase Análogos NM283 (Valopicitabina) - VO Potente, mas efeitos GI
NS5B (RdRp) nucleosídeos/ An. nucleos. fase II
nucleotídeos R1626 - An. nucl. Redução expressiva
fase II VO Associação Peg-IFN+RBV
1,5 a 4,5 g BID em estudo
MK-0608 pré-clínico Anemia
Inibidores não- VHC-796 -- Redução expressiva sem
nucleosídeos Fase II com Peg-IFN resistência
Inibidores da XTL 2125 fase I
replicação VHC R7128 fase I
Inibidores da ciclofilina B DEBIO-025 Fase I Redução viremia
NIM 811 Fase I
Inibidores NS5A A 689 Pré-clínico
A-831 Pré-clínico
Inibidores de helicase QU633
Anticorpos humanos
recombinantes
Montagem e Inibidor da glucosidase UT-231B Fase II futura Resultados pífios
liberação viral (iminosugar) MX-3253 (Celgosivir) Fase II Associado Peg-IFN/RBV

Sociedade Brasileira de Infectologia 113


Perspectivas Terapêuticas para Hepatite C

terferon, e até mesmo ribavirina, nos and Novartis) é uma molécula de pos, altamente purificado, derivado
esquemas terapêuticos futuros. IFN-alfa 2b ligada a uma metade de leucócitos humanos que já foi
albumina humana que apresenta aprovado para uso na terapia do
Novas Terapias para Hepatite C meia-vida prolongada, que permite VHC em vários países. Medusa®
a administração a intervalos de 2 a 4 (Flanel Technologies) é um sistema
O atual padrão de cuidados para semanas. O IFN-alfa ligado à albumi- automontado de nanopartículas de
pacientes com hepatite C crônica na é capaz de induzir uma resposta poliaminoácidos que pode ser usado
é a combinação de interferon (IFN) antiviral em pacientes anteriormente como transportador de proteínas
alfa peguilado e ribavirina. Este trata- não-responsivos à combinação de para o desenvolvimento de novas
mento é eficaz em aproximadamente IFN peguilado e ribavirina. Os resul- drogas protéicas nativas de longa
80% dos pacientes com infecção tados apresentados no 42º Encontro ação. O desenvolvimento clínico de
pelos genótipos 2 ou 3 do vírus da Anual da European Association for Medusa IFN-alfa 2a e Medusa IFN-
hepatite C (VHC), porém em menos the Study of the Liver (EASL) (Asso- beta encontra-se atualmente em fase
de 50% daqueles com o genótipo 1 ciação Européia para o Estudo do inicial. Vários tipos de IFNs-alfa admi-
de VHC.(14) Muitas medicações novas Fígado) não mostraram nenhuma nistrados por via oral também estão
para VHC encontram-se em estágio diferença significativa nas taxas de sendo desenvolvidos atualmente.
de desenvolvimento pré-clínico e vá- resposta virológica sustentada entre Está sendo estudado se pode ser
rias em estágio de desenvolvimento os pacientes que receberam IFN-alfa alcançada uma eficácia similar com
clínico. Novas terapias para o VHC 2a peguilado e ribavirina ou várias a administração subcutânea.
atualmente em desenvolvimento per- doses de IFN-alfa ligado à albumina
tencem esquematicamente a quatro administrado a cada duas ou quatro IFN não- tipo I
categorias: novos IFNs, alternativas semanas com ribavirina. IFN-ômega, a exemplo de IFN-
à ribavirina, terapias imunológicas e alfa ou beta, é um IFN do tipo 1.
inibidores específicos e não-especí- IFN-alfa de consenso Ele compartilha 70% de homologia
ficos do ciclo de vida do VHC. IFN-alfacon-1 (Infergen, Amgen com o IFN-alfa e liga-se ao mesmo
e InterMune-Yamanouchi) é um IFN receptor. Uma forma glicosilada, es-
Novos IFNs de “consenso” recombinante (cIFN) tável de IFN ômega foi desenvolvida
sintético, criado pela varredura das (Intarcia) e foi administrada a pa-
Novas moléculas IFN-alfa estão seqüências de diversos IFNs-alfa cientes com hepatite C crônica em
sendo desenvolvidas atualmente. naturais e designando o aminoácido estudos fases I e II. Os resultados
Espera-se que elas produzam efeitos mais freqüentemente observado em de um estudo fase II, apresentados
antivirais mais potentes e, eventual- cada posição correspondente para no 42º Encontro Anual da EASL,
mente, efeitos imunomoduladores a molécula recombinante.(15) Não há mostraram taxas de resposta viro-
mais potentes, com propriedades evidência clara de que o cIFN seja lógica sustentada (RNA VHC abaixo
farmacocinéticas e farmacodinâ- superior aos outros IFNs-alfa quando de 50 unidades internacionais (UI)/
micas aprimoradas e, se possível, ambos são administrados em doses mL na 12ª semana após a terapia)
melhor tolerância. O interesse poten- equivalentes em termos de resposta de 36% no braço de combinação
cial nos IFNs não-alfa também está virológica sustentada de IFN ômega-ribavirina versus 6%
sendo estudado. . em pacientes tratados com IFN
Outros IFNs-alfa em ômega isoladamente. O fabricante
IFN-alfa ligado à albumina desenvolvimento planeja desenvolver uma bomba de
O IFN-alfa ligado à albumina (Al- Multiferon (Viragen) é um IFN-alfa infusão implantável que irá liberar
buferon®, Human Genome Sciences humano natural de múltiplos subti- uma quantidade constante de IFN

114 Sociedade Brasileira de Infectologia


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ômega durante aproximadamente de ribavirina para o principal local de poderiam ser úteis em combinação
quatro semanas. replicação do VHC, enquanto não é com moléculas antivirais potentes.
Apesar dos resultados in vitro transportada eficientemente para as
que confirmariam um efeito de po- hemácias.(18) Em dois estudos fase Inibidores do Ciclo de
tencialização do IFN gama sobre o III recentes sobre a combinação de Vida do VHC
IFN-alfa,(16) um estudo de compro- IFN peguilado alfa-2a e 2b, respec-
vação de conceito de que o IFN tivamente, taribavirin em uma dose Cada etapa do ciclo de vida do
gama poderia ser útil no tratamento constante de 600 mg, duas vezes ao VHC constitui um alvo potencial para
da hepatite C crônica ainda não foi dia, não conseguiu alcançar eficácia moléculas antivirais específicas ou
conduzido. similar à ribavirina em dose baseada não-específicas. Muitas drogas es-
IFN lambda-1 (interleucina 29 ou no peso em pacientes com hepatite tão em estágio de desenvolvimento
IL-29) é um membro de uma nova C crônica de vários genótipos. A pré-clínico e várias em desenvolvi-
família de citocinas que têm uma rela- incidência de anemia hemolítica, en- mento clínico, porém estudos iniciais
ção distante com a família IL-10 e IFNs tretanto, foi significativamente mais usando alguns desses inibidores
do tipo 1. IFN lambda-1 apresenta baixa com taribavirin. Novos estudos levantaram questões sobre sua to-
uma inibição da replicação de VHC com doses mais altas de taribavirin lerabilidade e o desenvolvimento de
dependente da dose e do tempo em estão planejados. resistência viral. Diversas terapias es-
vários modelos, independentemente pecificamente direcionadas também
dos receptores de IFN do tipo 1 e 2 Terapias Imunológicas estão sendo testadas no momento
e das vias induzidas.(17) Uma forma em combinação com IFN-alfa pegui-
peguilada de IFN lambda será clinica- Vários agentes imunomodulado- lado com ou sem ribavirina.
mente avaliada muito em breve. res não específicos, incluindo timosi-
na alfa-1 (Thymalphasin, SciClone), Inibidores das primeiras etapas
Alternativas à Ribavirina IL-10 ou histamina (Maxym Phar- do ciclo de vida do VHC
maceuticals) foram administrados A inibição da entrada de VHC
São necessárias alternativas à a pacientes com hepatite C crônica pode ser baseada no uso de anti-
ribavirina que exerçam os mesmos com pouco sucesso. corpos específicos que neutralizam
efeitos da ribavirina na infecção em As vacinas podem induzir respos- partículas infecciosas e impedem
combinação com o IFN peguilado ou tas de células-T CD4+ e CD8+ ao sua fixação às moléculas recepto-
outras moléculas de IFN sem suas VHC. Estudos pré-clínicos e estudos ras. Esses incluem imunoglobulinas
propriedades hemolíticas. Entre- iniciais em seres humanos indicam policlonais contra a hepatite C, que
tanto, o desafio de descobrir essas que vacinas terapêuticas usando di- foram administradas com pouco
moléculas é dificultado pelo fato de ferentes formas de proteínas recom- sucesso para prevenir a infecção
os mecanismos antivirais da ribavi- binantes de VHC juntamente com pelo VHC em receptores de trans-
rina ainda serem pouco conhecidos. vários adjuvantes poderiam aumen- plante de fígado infectados com o
Taribavirin (Valeant Pharmaceuticals) tar a expressão de respostas imunes VHC(20) e anticorpos monoclonais
é uma versão amidina da ribaviri- celular e humoral em pacientes com anti-HCV com propriedades neutra-
na convertida em ribavirina pelas hepatite C crônica.(19) Entretanto, não lizadoras do VHC de alta afinidade
adenosina desaminases, que se há atualmente evidência de que as que reduzem a replicação viral em
encontram presentes basicamente vacinas terapêuticas isoladamente 0,3 a 1,0 log. (21,22) Teoricamente,
nos hepatócitos. Portanto, taribavirin resultem em alterações nos níveis inibidores da entrada de peque-
é preferencialmente absorvido no fí- de RNA VHC. Ainda não foi deter- nas moléculas podem pertencer a
gado, onde serve para a distribuição minado se as vacinas terapêuticas dois grupos de drogas: moléculas

Sociedade Brasileira de Infectologia 115


Perspectivas Terapêuticas para Hepatite C

que se fixam especificamente às Inibidores do processo GS-9132 (Achillion Pharmaceuticals


estruturas de superfície do VHC e pós-translacional de VHC and Gilead Sciences) inibe a ligação
neutralizam o vírus, ou moléculas Foram projetados potentes inibi- de NS4A à protease NS3, inibindo,
que competem com partículas virais dores peptidomiméticos altamente portanto, o processamento de po-
infecciosas ao nível do receptor. seletivos da protease NS3/4A de liproteínas por meio da prevenção
Infelizmente, nosso conhecimento VHC. VX-950 ou telaprevir (Vertex da formação do complexo protease
sobre os mecanismos de entrada Pharmaceuticals) e SCH 503034 ativo. ACH-806/GS-9132 apresenta
do VHC continuam rudimentares, ou boceprevir (Schering-Plough potente atividade in vitro contra o
retardando o desenvolvimento des- Corporation) passaram agora para genótipo 1 de VHC e a adminis-
ses inibidores da molécula. A fusão estudos clínicos fase II. Os pacientes tração de 300 mg, duas vezes ao
poderia também se tornar um alvo que receberam 750 mg de telaprevir dia, durante 5 dias, resultou em
interessante para novas terapias isoladamente a cada 8 horas apre- uma alteração média no nível de
quando seus mecanismos forem sentaram uma redução mediana RNA VHC em relação ao baseline
mais bem compreendidos. de 4,4 log nos níveis de RNA VHC. de -0,9 log.(27) O desenvolvimento
(25)
A droga é bem tolerada durante desta droga foi suspenso devido à
Inibidores da translação administração de curta duração. nefrotoxicidade.(27)
de RNA VHC Entretanto, reativações virais ocor-
Várias estratégias baseadas rem durante a segunda semana Inibidores da replicação de VHC
em ácido nucléico foram testadas, de administração de telaprevir em Os inibidores da RNA polimerase
incluindo oligodesoxinucleotídeos pacientes com baixa exposição à dependente de RNA (RdRp) perten-
antisense, fosforodiamidato morfoli- droga. Elas são devidas à seleção cem a duas categorias: inibidores
no-oligômeros (PMO) ou ribozimas. de variantes resistentes a telaprevir. nucleosídeos/nucleotídeos, que têm
Todas elas mostraram inibir poten- A combinação com IFN-alfa pegui- como alvo o sítio catalítico da enzima
cialmente a translação de VHC in lado com ou sem ribavirina poderia e os inibidores não-nucleosídeos,
vitro, porém foram decepcionantes teoricamente prevenir, pelo menos que têm como alvo os sítios alos-
in vivo.(23,24) A interferência de RNA em parte, a resistência a telapre- téricos da RdRp. Três inibidores
iniciada através de RNAs de pe- vir. Esta hipótese está atualmente da RdRp foram administrados a
quena interferência (siRNA) ou de sendo estudada em estudos fase II. pacientes em estudos clínicos, inclu-
pequenos grampos de RNA (shRNA) Boceprevir parece ter propriedades sive dois nucleosídeos e um inibidor
é muito específica e pode ser usada antivirais menos potentes do que não-nucleosídeo. Dois pacientes
como um antiviral contra o VHC. telaprevir in vivo nas doses usadas foram retirados do estudo devido à
Entretanto, devido ao seu tamanho até hoje.(26) Em combinação, o efeito toxicidade. R1626 (Roche Products)
e composição química, os siRNAs antiviral de boceprevir parece ser induz uma redução no nível de RNA
e shRNAs não são atualmente bio- aditivo ao do IFN-alfa 2b peguilado. VHC dependente da dose.(28) Em
disponíveis por vial oral e requerem (26)
Um estudo clínico fase II está sen- doses muito altas, o nível de redu-
administração parenteral. Estratégias do conduzido sobre a combinação ção de RNA VHC chega a mais de 3
alternativas visam atualmente ao de IFN-alfa peguilado e ribavirina, logs, porém os efeitos colaterais são
sítio interno de entrada de ribosso- no qual altas doses de boceprevir freqüentes. R1626 em combinação
mos (IRES) funcional tridimensional são administradas a pacientes não com IFN-alfa peguilado e ribavirina
complexado com subunidades do tratados anteriormente. passou recentemente para a fase II
ribossomo e proteínas virais e ce- Foram desenvolvidas outras de desenvolvimento clínico. Outras
lulares com inibidores de pequenas abordagens para inibir a função da drogas entraram na fase I de desen-
moléculas. serina protease NS3/4A. ACH-806/ volvimento clínico.

116 Sociedade Brasileira de Infectologia


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Foi relatado que a RdRp de VHC blicados resultados encorajadores, de VHC e a primeira droga deste
liga-se à ciclofilina B, uma peptidil- foram levantadas questões sérias tipo a ser administrada a pacientes
prolil cis-trans isomerase celular que sobre a potência antiviral dessas dro- infectados, foi suspenso devido à
aparentemente regula a replicação gas, sua tolerabilidade e o problema toxicidade miocárdica em animais.
de VHC através da modulação da crucial da resistência viral. (33,34)
O desenvolvimento de um
capacidade de ligação da RdRp grande número de drogas candi-
ao RNA. Inibidores sintéticos, não- Potência Antiviral datas potencialmente ativas contra
imunossupressores da ciclofilina B o VHC foi interrompido antes de
foram desenvolvidos e estão sendo Os antivirais geralmente entram serem administradas a pacientes,
testados em pacientes com infecção em desenvolvimento assim que devido às questões levantadas por
crônica pelo VHC.(29) Entretanto, os mostram algum grau de eficácia estudos de toxicidade pré-clínicos
eventos colaterais foram freqüentes antiviral em um dos modelos in vitro in vitro e em modelos animais. O
e levaram à suspensão do tratamen- existentes. Entretanto, a atividade desenvolvimento clínico de vá-
to em vários casos.(16) Outro inibidor antiviral in vitro nem sempre se tra- rias drogas foi interrompido devido
da ciclofilina B, NIM 811 (Novartis) duz em eficácia antiviral in vivo. Há ao seu perfil de efeitos colaterais,
está sendo testado atualmente em vários exemplos de drogas que se incluindo valopicitabina (efeitos
um estudo fase I.(30,31) mostraram altamente potentes in colaterais digestivos), VHC-796
vitro, mas falharam quando foram (elevações na ALT) e ACH-806 (ne-
Inibidores da montagem e administradas aos pacientes. Infe- frotoxicidade). Outras drogas ainda
liberação do vírus lizmente, estudos com resultados estão em desenvolvimento apesar
Foi sugerido que os imunoaçú- “negativos” são raramente publica- da ocorrência de eventos colaterais
cares podem cruzar as membranas dos, embora pudéssemos aprender sérios. R1626 mostrou induzir uma
celulares e se concentrar no retículo muito com eles. Há várias razões redução dependente da dose nas
endoplasmático, onde podem inibir possíveis para essas discrepâncias contagens de células sangüíneas
competitivamente a glicosilação in vitro/in vivo, incluindo o uso de e nos níveis de hemoglobina após
das proteínas envelope e interferir modelos pré-clínicos pouco relevan- duas semanas de administração em
na montagem viral.(32) MX-3253 ou tes, interpretações erradas de dados altas doses(28) e o resultado desses
celgosir (Migenix) apresenta um pré-clínicos, farmacocinética fraca, efeitos é desconhecido em caso
modesto efeito antiviral no VHC em distribuição inadequada de uma de terapia prolongada ou se for
monoterapia. É atualmente adminis- droga potencialmente potente para usada ribavirina em combinação. A
trado em combinação com IFN-alfa o seu sítio-alvo ou o fato do alvo não segurança aparente, durante a ad-
peguilado e ribavirina em um estudo ser fisicamente acessível em células ministração de curta duração, não
clínico fase II. infectadas in vivo. garante que nenhum efeito adverso
sério irá ocorrer quando a droga for
Dúvidas e Preocupações com Tolerabilidade administrada durante várias sema-
Novas Terapias nas ou meses. Reesink et al. não
Entre os muitos novos caminhos Inibidores virais de pequenas mo- observaram eventos adversos sérios
que estão sendo explorados, as léculas estão sendo intensivamente durante 14 dias da administração de
drogas antivirais que inibem especi- analisados quanto à sua toxicidade telaprevir.(25) Entretanto, um recente
ficamente uma etapa do ciclo de vida potencial. O desenvolvimento clínico comunicado comercial à imprensa
do VHC, administradas por via oral, de BILN 2061 (Boehringer-Ingelheim, da Vertex Pharmaceuticals (13 de
se tornaram o centro das atenções. Ingelheim, Alemanha), um potente dezembro de 2006) declara que no
Entretanto, embora tenham sido pu- inibidor da serina protease NS3 estudo PROVE 1, um estudo clínico

Sociedade Brasileira de Infectologia 117


Perspectivas Terapêuticas para Hepatite C

fase 2b de 12 semanas de duração Conclusão o início da resistência ao inibidor,


envolvendo a combinação tripla de através do efeito antiviral de IFN-alfa.
IFN-alfa peguilado, ribavirina e te- Está claro no momento que Na verdade, isso pode acontecer
laprevir em pacientes não tratados inibidores específicos do VHC não em pacientes com boa resposta ao
anteriormente, 3% dos pacientes devem ser usados isoladamen- IFN, embora não esteja claro se a
descontinuaram telaprevir devido te. A terapia de combinação com inibição de IFN será suficiente para
a erupção cutânea (erupção cutâ- drogas antivirais orais irá requerer evitar o surgimento de resistência.
nea foi a causa mais comum para que os portfolios da companhia Além disso, pacientes com pouca
a descontinuação do tratamento). contenham mais de uma dessas ou nenhuma resposta ao IFN irão
Interações droga-droga podem drogas. E estudos pré-clínicos ade- efetivamente receber monoterapia
também representar um problema quados de interação droga-droga com o inibidor. Os dados prelimina-
quando os inibidores do VHC são deverão ser realizados antes que res são encorajadores e os estudos
usados em combinação com IFN pe- os estudos clínicos sejam iniciados. em andamento mostrarão o nível
guilado com ou sem ribavirina. Além Isso pode levar vários anos. Nesse de tolerabilidade de combinações
disso, embora possa ser esperada meio-tempo, são necessárias no- duplas e triplas e se as respostas
sinergia ou eficácia suplementar, vas estratégias para melhorar os persistem.
pode também ocorrer antagonismo. resultados da atual terapia contra o
Novamente, estudos in vitro podem VHC. A abordagem “conservadora” Referências
fornecer indícios sobre os prováveis voltada à otimização da terapia com
1. Tellinghusein TL, Evans MJ, Hahn T et
efeitos adversos, mas não podem interferon peguilado-ribavirina não al. Studying hepatitis C virus: making the
substituir os estudos in vivo. deve ser negligenciada. Resultados best of a bad virus. Journal of Virology
2007;81(17):8853-67.
preliminares mostraram que o au- 2. Lindenbach BD, Rice CM. Unravelling
mento da dose e/ou do número de hepatitis C vírus replication from genome
Resistência to function. Nature 2005;436(18):933-7.
injeções de IFN peguilado aumenta 3. Wohnsland A, Hofmann WP, Sarra-
zin C. Viral determinants of resistance
Um achado surpreendente foi a a taxa de resposta e isto está sendo to treatment in patients with hepatitis
freqüência e o surgimento precoce avaliado nos estudos em andamen- C. Clinical Microbiologogy Reviews
2007;20(1):23-38.
de resistência em todas as classes to. Da mesma forma, o aumento da 4. Pawlotsky J-M. Mechanisms of anti-
viral treatment efficacy and failure in
de drogas anti-HCV. Esses resulta- dose de ribavirina mostrou melhorar chronic hepatitis C. Antiviral Research
dos sugerem que variantes resisten- significativamente a taxa de cura e os 2003;59:1-11.
5. Marcellin P et al. Which patients with
tes são preexistentes, adequadas e efeitos adversos da ribavirina podem genotype 1 chronic hepatitis C can be-
prontas para serem selecionadas por agora ser parcialmente controlados nefit from prolonged treatment with the
‘accordion’ regimen? J Hepatology 2007
qualquer inibidor específico do VHC. com o uso de eritropoietina. Outros (in press).
6. Goodbourn S, Didcock L, Randall RE.
Esses achados desqualificam a mo- estudos estão abordando a melhor Interferons: cell signalling, immune mo-
noterapia com o inibidor do VHC e maneira de adequar a duração do dulation, antiviral responses and vírus
countermeasures. Journal of General
levantam questões éticas importan- tratamento à resposta virológica pre- Virology 2000;(81):2341-64.
tes sobre se pacientes não tratados coce (ou seja, o RNA VHC declina na 7. Pawlotsky J-M, Chevaliez S, McHutchison
JG. The hepatitis C virus life cycle as a
anteriormente ou não-responsivos semana 4 ou mesmo na semana 2). target for new antiviral therapies. Gastro-
enterology 2007;132:1979-98.
devem agora ser incluídos nos Outra opção é aumentar a eficácia 8. McHutchinson JG et al. EASL 2007 Late
estudos envolvendo essas drogas de IFN peguilado-ribavirina por meio Breaker 786.
9. Harrison SA. Small molecule and novel
em monoterapia, uma vez que há do acréscimo de drogas antivirais treatments for chronic hepatitis C virus
com efeito antiviral aditivo ou si- infection. American Journal of Gastroen-
o risco de serem desqualificados terology 2007;102:1-7.
de estudos e terapias futuros com nérgico. Essas combinações têm a 10. McHutchinson JG, Bartenschlager R,
Patel K, Pawlotsky J-M. The face of future
combinações de drogas. vantagem de, teoricamente, prevenir hepatitis C antiviral drug development: re-

118 Sociedade Brasileira de Infectologia


Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antonio Alci Barone • Jean Michel Pawlotsky

cent biological and virologic advances and E1-based vaccine candidate in healthy 27. Pottage JC, Lawitz E, Mazur D et al.
their translation to drug development and volunteers and patients with resolved Short-term antiviral activity and safety
clinical practice. Journal of Hepatology or ongoing chronic HCV infection. Hum of ACH-806 (GS-9132), an NS4A an-
2006;44:411-21. Vaccin 2005;1:61-5. tagonist, in HCV genotype 1 infected
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merimepodib with peginterferon-a2b, and 2005;11:941-9. genotype 1 patients. Hepatology 2006;44
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Sociedade Brasileira de Infectologia 119


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C

120 Sociedade Brasileira de Infectologia


I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia para o Manuseio e Terapia da Hepatite C
Trate a Hepatite C com
o peso destas evidências.

  !


80mcg/100mcg /120mcg

alfapeginterferona 2b 

 
1,5mcg/kg/semana

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