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Teoria Social e Modernidade

João Dulci
Estrutura
• Contexto
• Modernidade nos clássicos
• Caracterização geral
• Temas específicos
• Debates teóricos recentes
Contexto
• Surgimento da modernidade, conforme definido pelos
historiadores: advento das revoluções industrial, francesa e
norte-americana
→ bases econômica e político institucional da Modernidade
→ Formação do Estado liberal e do capitalismo industrial
(SZTOMPKA, 1998)

• Sociologia como diagnóstico da modernidade: “(...)a Sociologia


(tanto a empírica quanto a teórica, embora de diferentes
maneiras) é a exigência de nossa época histórica, a modernidade.
As ciências sociais que verdadeiramente almejam apreender a
modernidade através de seus esforços, têm que levar em conta
tanto a racionalização quanto a racionalidade (HELLER, 1991: 214).
Contexto
• Oposição, a partir de uma perspectiva ocidentalista,
de modernidade ao primitivo, subdesenvolvido,
pré-moderno... (SZTOMPKA, 1998)

• Colapso da cosmovisão teológica e nascimento do


humanismo como primeiro surgimento paradigmático
da individualidade como subjetividade (SANTOS,
Boaventura, 1993)

• Triunfo da subjetividade individual impulsionado pelo


princípio do mercado e da propriedade individual
→ incorre na exigência de um super-sujeito que regule e
autorize a autoria social dos indivíduos
→ Estado liberal (SANTOS, 1993)
Modernidade nos clássicos: K. Marx
• Manuscritos econômicos e filosóficos (1844);
O capital (1867);
• Trabalhador não se reconhece em seu próprio
trabalho: alienação
→solução passa pela reconstrução de uma
solidariedade específica, de classes, objetivada,
com a finalidade de uma sociedade sem classes,
uma vez que a exploração de uma classe pela
outra criou a situação alienante
Weber: Racionalidade, Estado e
Burocracia
• Sociedade tradicional e sociedade capitalista
podem ser contrastadas em seis dimensões
(WEBER, 1963 [1943]):
• 1) forma de propriedade, 2)tecnologia
dominante, 3)caráter da força de trabalho,
4)meios de distribuição econômica,
5)natureza do direito, 6)motivações
disseminadas
• Estado “weberiano” → racionalidade e
monopólio da violência
Burocracia
• Burocracia como elemento central da
racionalização da sociedade (GIDDENS, 2002)

• Inexorável nas sociedades modernas → única


forma de lidar com as exigências
administrativas dos sistemas sociais de larga
escala → tarefas ganharam maior
complexidade, e a burocracia surgiu como
uma resposta racional e altamente eficiente
para essas necessidades (GIDDENS, 2002)
• Desenvolvimento da economia monetária

• Monetização na forma de coleta de tributos

Vantagens técnicas da organização burocrática

• O ótimo da reação administrativa só é alcançado através de uma


rigorosa organização burocrática

• Cumprimento objetivo de tarefas significa, primordialmente, um


cumprimento de tarefas segundo regras calculáveis e sem relação
com pessoas

• “Calculabilidade” de resultados → peculiaridade da cultura


moderna

• Cada vez mais o conhecimento especializado do perito torna-se a


base da posição de poder do ocupante do cargo
Durkheim
Da divisão do trabalho social (1893):

• Premissa de que as transformações ocorridas no final do


século XVIII exigiam novas formas de interpretação

• Passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade


orgânica

• Interdependência das sociedades complexas e a especialização


do trabalho,

• Reconhecimento do indivíduo como possuidor de importância


funcional para o organismo social;

• Situação de anomia → o exagero da funcionalidade individual


→descolamento do indivíduo do conjunto do organismo social
• Divisão do trabalho desenvolvida → espaço para atuação
individual → especialização.

• Transição da organização comunitária para sociedade


complexa → espaço para o desenvolvimento das
dessemelhanças, da individualidade, da personalidade
autônoma.

• Diferenciação gera individuação, porque decorre de uma


especialização, conforme varia o grau de complexidade da
divisão do trabalho. Com isso, também, a consciência
coletiva perde espaço para a consciência individual

• Superdesenvolvimento separa patrões e empregados,


empregados de suas famílias, etc. Se a função social da
divisão do trabalho falha, põe em risco a harmonia social.
Caracterização geral
• Piotr Sztompka (1998): alguns princípios fundamentais da Modernidade

1) individualismo → ascensão do indivíduo ao papel principal na sociedade;


emancipa-se de vínculos grupais insubstituíveis e impostos e torna-se livre
para mover-se entre coletividades sociais e livremente se associar
→independente e responsável

2) diferenciação → processo mais visível na esfera do trabalho, com


profissões especializadas; estratificação profissional e do consumo

3) racionalidade → ciência como a forma de conhecimento privilegiada, mais


reverenciada e confiável

4) economismo → domínio da vida social pela atividade econômica, por


objetivos econômicos e por critérios econômicos de realização → coloca
em segundo plano a preocupação com a família, ou com a política e a
guerra (típicas das sociedades agrárias tradicionais)

5) expansão → extensão do espaço físico e percebido


• “A modernidade pode ser entendida como
aproximadamente equivalente ao “mundo
industrializado” desde que se reconheça que o
industrialismo não é sua única dimensão
institucional. Ele se refere às relações sociais
implicadas no uso generalizado da força material
e do maquinário nos processos de produção.
Como tal, é um dos eixos institucionais da
modernidade” (GIDDENS, 2002: 21)

• Uma segunda dimensão é o capitalismo →


sistema de produção de mercadorias que envolve
tanto mercados competitivos de produtos quanto
a mercantilização da força de trabalho (Idem)
• Formas sociais da modernidade →
Estado-nação → objeto da Sociologia, a
sociedade do Estado-nação contrasta de
forma fundamental com a maioria dos tipos
de ordem tradicional (GIddens, 2002)

• Unidade territorial e controle dos meios de


violência (Giddens, 2002)

• Era moderna possui extremo dinamismo →


rápido ritmo de mudança social, além de sua
amplitude e profundidade (GIDDENS, 2002)
• Organização produtiva do território;

• Divisão sexual do trabalho;

• Família nuclear (condição para a tranquilidade do trabalho


masculino);

• Meios sociais relativamente fechados (proletários e burgueses e


suas identidades sociais intermediárias);

• Reestruturação do conhecimento social


– decréscimo do conhecimento pela experiência e pela
ocupação, ascensão do conhecimento teórico e supervisor;

• Criação de uma hierarquia entre experts e leigos no monopólio


do conhecimento pelos profissionais (BECK et al. 2003)
Modernidade e seus desdobramentos
No campo econômico → velocidade e amplitude do
crescimento econômico;
• deslocamento da produção agrícola para a indústria;
• urbanização;
• fontes inanimadas de energia e força;
• inovações tecnológicas;
• abertura de mercados livres e competitivos;
• desemprego;
• grandes fábricas e complexos industriais;
• papel relevante de empresários, gerentes e
supervisores → alterações no processo de
estratificação social
Sociedade moderna (principalmente a do
pós-Guerra) é mais que o conceito de Estado-nação

• É formada por elos importantes


– partidos de massa ancorados em cultura de classe;
– Welfare-state,
– núcleo familiar consistente de um único provedor, sua
esposa e suas crianças.

• Essas instituições tiveram o suporte de uma rede


de seguridade econômica saída da regulação
industrial, pleno emprego e carreiras de toda uma
vida (BECK et al., 2003)
No domínio político
• papel crescente do Estado, com suas novas
funções;
• governo da lei, conectando Estados a
cidadãos;
• ascensão da cidadania,
• direitos políticos e civis;
• organização burocrática racional e impessoal
como sistema de gerenciamento em todas as
áreas da vida social (SZTOMPKA, 1998).
Na área da cultura
– secularização;
– papel de ciência como acesso ao verdadeiro
conhecimento;
– democratização da educação (e laicização);
– cultura de massa, com produtos estéticos, literários e
artísticos transformados em mercadorias

Na vida cotidiana
– extensão do mundo do trabalho e sua separação da
vida familiar;
– privatização da família e seu isolamento do controle
social da comunidade ou da sociedade;
– separação entre tempo de trabalho e tempo de lazer;
– preocupação com aquisição de bens de consumo e
bens de distinção (SZTOMPKA, 1998).
No nível pessoal, psicológico
– perda da comunidade → deterioração da qualidade de vida, frustração
e sofrimento →
– risco de regimes totalitários; movimentos sociais como substitutivos de
laços sociais perdidos →preocupação com a restauração da
comunidade

Sob a égide da ecologia


– Esgotamento de recursos naturais, destruição ambiental
– limites do crescimento; defesa do crescimento sustentável

• com a consolidação das cidades, a natureza só acessa as cidades


através de jardins e museus, ou na forma de matéria prima

→Estado justificou esse processo através da garantia da propriedade


e da exploração do homem sobre a natureza e do homem sobre
outros homens
→Escala global dos fenômenos ambientais (SZTOMPKA, 1998).
Separação de tempo e espaço:

• Em eras pré-modernas, marcadores de espaço se


ligavam aos de tempo e à substância desse
comportamento

• A organização social moderna supõe a


coordenação precisa das ações de seres humanos
fisicamente distantes; o quando dessas ações
está diretamente conectado ao onde, mas não,
como em épocas pré-modernas, pela mediação
do lugar (GIDDENS, 2002).
Mecanismos de desencaixe:

• Fichas simbólicas → meios de troca com um valor padrão,


intercambiáveis numa pluralidade de contextos → e.g. dinheiro →
põe em suspensão o tempo e o espaço
– Mecanismo de crédito; valor padronizado permite transações entre
uma infinidade de indivíduos que nunca se encontraram fisicamente

• Sistemas especializados → põem entre parêntesis o tempo e o


espaço

– Modos de conhecimento técnico que têm validade independente dos


praticantes e dos clientes que fazem uso deles
– Sistemas especializados não se resumem a áreas tecnológicas, na
Modernidade
– O médico, o analista, o terapeuta são tão importantes para os sistemas
especializados da modernidade quanto o cientista, o técnico ou o
engenheiro (GIDDENS, 2002).
• Os dois sistemas dependem da confiança

– salto para o compromisso, uma qualidade de fé


que é irredutível

– relacionada especificamente à ausência no tempo


e no espaço e à ignorância

– extrema especialização criou espaços confinados


de conhecimento, cada vez mais especializados e
mais apartados entre si (GIDDENS, 2002).
• Reflexividade intrínseca

– Suscetibilidade da maioria dos aspectos da


atividade social e das relações materiais com a
natureza à revisão intensa, conforme surgem
novos conhecimentos ou informações

• Atitudes de confiança estão ligadas à


segurança psicológica dos indivíduos e grupos
(GIDDENS, 2002).
Debates teóricos recentes
• Reflexividade
• Continuado desenvolvimento técnico,
econômico, político e cultural do capitalismo
global gradualmente revolucionou suas
próprias fundações
– transformação de uma primeira modernidade
(estadocêntrica) para uma segunda modernidade,
– acaba afastando a nação (e, com ela, o estado de
bem-estar social) (GIDDENS, 2002).
• Modernização reflexiva (ou remodernização)

• Há novas regras no jogo

• Decifrar as novas regras, conforme elas


surgem, reforçando o papel das ciências
sociais nessa tarefa (diferente de algumas
radicalizações da pós-modernidade)
(GIDDENS, 2002).
• Noção do termo reflexivo → crescimento da
noção de que o “mastery” (conhecimento sobre
todas as coisas) é impossível na atual sociedade

• Desencantamento com a modernidade e perda de


certezas de suas garantias (BECK et al. 2003)

• Mídia e a supressão espaço-temporal →


familiarização com eventos distantes (GIDDENS,
2002)
Risco, perícia e domínio técnico na alta
modernidade
• Ulrich Beck → Sociedade de risco

– sociedade de risco → viver com atitude calculista em


relação às possibilidades de ação, positivas e negativas,
com que somos continuamente confrontados, como
indivíduos e globalmente em nossa existência social
contemporânea → probabilidade de risco

• Estimativas de risco

• Especialização é a chave para o caráter dos sistemas


abstratos modernos
• Viver no universo da alta modernidade é viver num
ambiente de oportunidade e risco, concomitantes
inevitáveis de um sistema orientado para a dominação
da natureza e para a feitura reflexiva da história

• Fatalismo → é a recusa da modernidade e do cálculo


de risco

• Risco não é o acidente → calculável

• Riscos em escala global → enquanto a rapidez da


mudança social e tecnológica continuar a produzir
consequências não previstas
• A vida não ficou mais arriscada → nas condições
da modernidade, tanto para os leigos, quanto
para os peritos em campos específicos, pensar em
termos de risco e estimativas de risco é um
exercício quase que permanente, e seu caráter é
em parte imponderável

• Expansão dos sistemas abstratos cria quantidades


crescentes de poder,
– poder que os homens têm de alterar o mundo
material e transformar as condições de suas próprias
ações → empoderamento tanto individual, quanto
coletivo
• Tomada de consciência individual de que
sabemos muito pouco sobre diversas esferas
do mundo moderno

• A modernidade rompe o referencial protetor


da pequena comunidade e da tradição,
substituindo-as por organizações muito
maiores e impessoais. (GIDDENS, 2002)
Referências
• BECK, Ulrich; BONSS, Wolfgang; LAU, Christoph. The theory of
reflexive modernization problematic, hypotheses and research
programme. Theory, culture & society, v. 20, n. 2, p. 1-33, 2003.
• DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. Martins Fontes,
1997.
• GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Zahar, 2002.
• HELLER, Agnes. A sociologia como desfetichização da
modernidade. Novos Estudos CEBRAP, v. 30, p. 214, 1991.
• MARX, Karl et al. Manuscritos econômico-filosóficos. 1977.
• SANTOS, Boaventura de Sousa. Modernidade, identidade e a
cultura de fronteira. 1993.
• SZTOMPKA, Piotr. A sociologia da mudança social. Editora Record,
1998.
• WEBER, Max; GERTH, Hans Heinrich; MILLS, Charles Wright.
Ensaios de sociologia. 1982.

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