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Etapas na Condução de uma Revisão Sistemática

ARTIGO DE REVISÃO
Stages for Undertaking a Systematic Review

Helena DONATO 1
, Mariana DONATO2
Acta Med Port 2019 Mar;32(3):227-235 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.11923

RESUMO
Tem-se verificado crescente aumento do uso da revisão sistemática como metodologia de investigação para compilar e analisar
grandes conjuntos de dados de estudos existentes. Com este aumento também aumentaram as recomendações para conduzir este
tipo de investigação. O objectivo deste artigo é fornecer um guia para compreender e/ou realizar uma revisão sistemática para
publicação, indicando todas as etapas do processo de revisão. Ao fazerem uma revisão sistemática da literatura, os autores tornam-se
conhecedores do tema e, embora consuma muito tempo, podem desenvolver um conjunto de competências incluindo a de pesquisa
da literatura e de redacção científica. A revisão sistemática, comparada com a investigação primária, requer relativamente poucos
recursos, permitindo que os clínicos normalmente não envolvidos em investigação produzam artigos clinicamente relevantes e de alta
qualidade.
Palavras-chave: Projectos de Investigação; Revisão da Literatura; Revisão Sistemática

ABSTRACT
There has been an increase in the use of systematic review as a research methodology to compile and analyze large datasets of
existing studies. With this increase, the recommendations to conduct this type of research also increased. The aim of this article is to
provide a guide for understanding and/or undertaking a systematic review for publication across all stages of the review process. When
doing a systematic review of the literature the authors become knowledgeable of the subject and, although time-consuming, they can
develop a set of skills including literature research and scientific writing. A systematic review, compared to primary research, requires
relatively few resources, allowing clinicians not normally involved in research to produce clinically relevant, high-quality articles.
Keywords: Research Design; Review Literature as Topic; Systematic Reviews as Topic

INTRODUÇÃO
De acordo com o Cochrane Handbook, uma revisão literatura, a selecção dos artigos ou a avaliação da quali-
sistemática “attempts to collate all empirical evidence that dade dos estudos. Costuma ser parcial, representando a
fits pre-specified eligibility criteria in order to answer a spe- visão dos autores sobre o tema.
cific research question. It uses explicit, systematic methods Por outro lado, a RS é reprodutível e tende a ser im-
that are selected with a view to minimizing bias, thus provi- parcial. Visa reduzir o viés através do uso de métodos
ding more reliable findings from which conclusions can be explícitos para realizar uma pesquisa bibliográfica abran-
drawn and decisions made.”1 Como resumem os resulta- gente e avaliar criticamente os estudos individuais. Assim,
dos de todos os estudos originais num determinado tema, em contraste com a revisão tradicional ou narrativa, a RS
as revisões sistemáticas são habitualmente consideradas responde a uma questão de investigação bem definida e
como evidência de alta qualidade. Uma vez que a literatu- é caracterizada por ser metodologicamente abrangente,
ra científica produzida anualmente está a aumentar a uma transparente e replicável.
taxa exponencial, as revisões sistemáticas que coligem as Uma RS é uma investigação científica menos dispen-
evidências disponíveis têm-se tornado cada vez mais im- diosa, é um artigo de investigação com métodos sistemá-
portantes. Desde 1989 tem um havido aumento crescente ticos pré-definidos para identificar sistematicamente todos
do uso da revisão sistemática como metodologia de inves- os documentos relevantes publicados e não publicados
tigação, e com este aumento também aumentaram as reco- para uma questão de investigação, avalia a qualidade des-
mendações para conduzir este tipo de investigação.2 ses artigos, extrai os dados e sintetiza os resultados.3
Assim sendo, torna-se importante colocar a questão: Quando são usados métodos estatísticos para com-
Qual é a diferença entre uma revisão sistemática e uma binar os resultados de 2 ou mais estudos, designa-se de
revisão tradicional? meta-análise.
A revisão sistemática (RS) apresenta diversas vanta- Existem quatro critérios essenciais para uma revisão
gens em relação à revisão narrativa tradicional. sistemática:
A revisão narrativa, não sistemática, é normalmente • Deve ser exaustiva: toda a literatura relevante na
mais rápida e fácil de levar a cabo, mas é subjectiva, por- área deve ser incluída.
tanto, propensa a um maior número de vieses e erros. Este • Deve ser seguida uma metodologia rigorosa - definir
tipo de revisão não descreve o processo de pesquisa da a questão de investigação, escrever um protocolo,
1. Serviço de Documentação. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Coimbra. Portugal.
2. Serviço de Otorrinolaringologia. Hospital de Egas Moniz. Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Lisboa. Portugal.
Autor correspondente: Helena Donato. helenadonato@chuc.min-saude.pt
Recebido: 11 de fevereiro de 2019 - Aceite: 18 de fevereiro de 2019 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

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pesquisar a literatura, recolher e fazer a triagem e a diagnóstica, preventiva, prognóstica; Comparison – com
análise da literatura. Todo o processo também deve que vai comparar a intervenção? Um controlo, um trata-
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ser cuidadosamente documentado. mento usual, outra medicação, um procedimento cirúrgico


• Uma pesquisa exaustiva da literatura para encontrar distinto, ou nenhuma; Outcome – Que desfecho pretende?
todos os artigos relevantes sobre o tópico. Assim, é O resultado esperado.4
importante que a estratégia de pesquisa seja rigoro- O SPIDER é um sistema alternativo ao PICO para defi-
samente desenvolvida com alta sensibilidade para nir a questão de investigação: Sample; Phenomen of Inte-
encontrar todos os potenciais artigos relevantes e rest; Design; Evaluation; Research type.
efectuar essa pesquisa em várias bases de dados e Uma questão de investigação bem formulada e um pro-
em outros recursos. tocolo bem fundamentados aumentam a eficiência da revi-
• Pelo menos duas pessoas devem estar envolvidas, são.
especialmente para triagem de artigos e extracção
de dados. 2. Produzir um protocolo de investigação e efectuar
O objectivo deste artigo é fornecer um guia para com- o seu registo
preender e/ou realizar uma revisão sistemática para publi- Protocolo
cação. Como num ensaio clínico, deve-se estabelecer um pro-
tocolo para uma revisão sistemática, que deve preferen-
Etapas do processo de revisão sistemática cialmente também ser publicado. Algumas revistas, como
1. Formular uma questão de investigação; a BMJ Open, recomendam a publicação dos protocolos,
2. Produzir um protocolo de investigação e efectuar o havendo várias razões para essa recomendação. Por um
seu registo (itens 1 e de 3 a 8 devem constar no pro- lado, aumenta a transparência geral da revisão, tornando-
tocolo de elaboração da revisão sistemática); -a mais cientificamente sólida. Por outro lado, o registo do
3. Definir os critérios de inclusão e de exclusão; protocolo também adiciona visibilidade e acessibilidade à
4. Desenvolver uma estratégia de pesquisa e pesqui- sua análise. Pode também ajudar a evitar a duplicação do
sar a literatura – encontrar os estudos; trabalho.
5. Selecção dos estudos; Depois da questão de investigação formulada, deve ser
6. Avaliação da qualidade dos estudos; desenvolvido um protocolo de investigação que especifica
7. Extracção dos dados; a questão a ser investigada e os métodos que serão usa-
8. Síntese dos dados e avaliação da qualidade da evi- dos para efectuar a revisão com os objectivos claramente
dência; indicados. Os termos de pesquisa, bases de dados e ou-
9. Disseminação dos resultados – Publicação. tros recursos a consultar devem estar também contidos no
Todos estes passos têm de ser explicitamente descritos protocolo de revisão para minimizar o viés antes de iniciar
na revisão. a pesquisa da literatura. Devem também ser determinados
Antes de proceder a uma revisão sistemática, é neces- critérios rigorosos de inclusão e exclusão, indicar como se
sário verificar se já existem outras revisões, se existem revi- efectuará a selecção dos estudos, assim como os métodos
sões em curso ou se uma nova revisão é justificada. Quan- para lidar com discrepâncias, os modelos de extracção de
do uma nova revisão sistemática (ou uma actualização) é dados e avaliação da qualidade. O protocolo também deve
necessária, o passo seguinte é estabelecer uma equipa especificar a estratégia para a síntese dos dados. Os dese-
de trabalho para desenvolver o protocolo de revisão. Esta nhos de estudo que devem ser considerados para inclusão
equipa que conduzirá a revisão deverá ter um conjunto são os randomized controled trials (RCT), estudos expe-
de competências, idealmente, deve incluir elementos com rimentais sem randomização, estudos de coorte e casos-
competências em metodologia de revisão sistemática e re- -controlo, estudos observacionais sem grupos de controlo,
cuperação de informação. como os transversais e séries de casos. Embora os mé-
todos sejam importantes, a qualidade da RS depende da
1. Formular uma questão de investigação qualidade dos estudos avaliados.5
O primeiro passo para realizar uma RS é formular uma O protocolo é um componente essencial no processo
questão de investigação. O foco da questão é um ponto im- de RS e ajuda a garantir a consistência, transparência e a
portante, pois se a questão é muito restrita serão identifica- integridade. Este protocolo deverá ser publicado num re-
dos poucos estudos e a generalização pode ser limitativa. gisto prospectivo na base de dados Prospectve Register
Se a questão é abrangente de mais, pode ser difícil chegar of Systematic Reviews (PROSPERO).4 O PROSPERO per-
a conclusões aplicáveis a uma população.4 mite pesquisar revisões em curso, registar a RS e evitar a
Antes de efectuar a pesquisa, é crucial definir explici- duplicação de revisões. Pode ser inútil repetir uma RS exis-
tamente a questão de investigação. Existem várias formas tente, contudo se esta estiver desactualizada ou apresen-
de o fazer: o método mais comum é dividir a questão de tar falhas metodológicas, pode justificar-se uma nova RS
acordo com o modelo definido pelo acrónimo PICO: Popu- sobre o tema. As revistas habitualmente exigem o número
lation- que população? Grupo de doentes com uma condi- de registo do protocolo para publicarem a RS.
ção; Intervention – que intervenção? Pode ser terapêutica, Para ajudar na redacção do protocolo, a Preferred

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Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis Em biblioteconomia e ciência da informação são utiliza-
(PRISMA http://www.prisma-statement.org) desenvolveu o dos os conceitos de sensibilidade, precisão e especificida-

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PRISMA para protocolos, PRISMA-P (http://prisma-state- de. De acordo com o Cochrane Handbook (https://training.
ment.org/documents/PRISMA-P-checklist.pdf).6 cochrane.org/handbook), sensibilidade é definida como “o
Se posteriormente, forem necessárias modificações ao número de relatórios relevantes identificados dividido pelo
protocolo, estas devem ser claramente documentadas e número total de relatórios relevantes existentes”.1 Uma es-
justificadas. tratégia de pesquisa de alta sensibilidade deve, portanto,
Após se ter desenvolvido a questão de investigação e o recuperar todos os estudos relevantes sobre um tópico. A
protocolo, começa a pesquisa da literatura. precisão e especificidade estabelecem a parte da literatura
não relevante na pesquisa.
3. Definir os critérios de inclusão e de exclusão Sensibilidade e precisão/especificidade são quase
É essencial que os autores definam explicitamente os sempre irreconciliáveis: uma pesquisa altamente sensível
estudos que irão seleccionar e os que irão excluir. Tam- também é frequentemente menos precisa. Embora seja
bém deve ser definido se só incluem estudos em humanos, possível aumentar a precisão de uma estratégia de pesqui-
ou em humanos e animais. As línguas a serem incluídas sa e, assim, reduzir o número de documentos irrelevantes
também devem ser indicadas, mas para evitar viés deve recuperados, tal não é aconselhável, pois pode levar a que
ser considerado o maior número de idiomas possível. A ex- estudos relevantes sejam perdidos. Para uma revisão sis-
clusão de estudos com base na língua deve ser feita com temática, a estratégia de pesquisa deve ser altamente sen-
cuidado, pois em algumas áreas, pode haver estudos im- sível. Uma grande parte do resultado da pesquisa não será
portantes publicados em outros idiomas. relevante. Na busca sistemática de literatura, uma precisão
Dependendo da natureza ou objectivo da revisão, pode de 2% a 3% é comum, ou seja, duas a três referências em
ser apropriado considerar apenas certos tipos de estudo cem serão relevantes.
como: randomized controlled trial, case-control, cohort stu- 4.2. Bases de dados
dies, case series. Uma RS exige uma pesquisa minuciosa, objectiva e
reprodutível num conjunto de recursos, para identificar o
4. Desenvolver uma estratégia de pesquisa e pes- máximo possível de estudos. Existem diversas fontes que
quisar a literatura podem ser consultadas para uma revisão sistemática. As
Documentar a estratégia de pesquisa é o componente- bases de dados bibliográficas costumam ser a primeira op-
-chave da realização de uma revisão sistemática. ção, pois indexam um elevado número de revistas científi-
Quantos anos atrás deve recuar a pesquisa da literatu- cas e podem ser facilmente consultadas. É importante rea-
ra? Cinco ou dez anos podem ser períodos bem definidos, lizar a pesquisa em várias bases de dados bibliográficas,
mas serão genuinamente apropriados? Por exemplo, ca- sendo que a Cochrane recomenda usar pelo menos três.
torze anos pode ser melhor, se este for o tempo desde que Em biomedicina, as bases de dados padrão são a PubMed/
foi realizada a última revisão. Ou talvez só três anos, se MEDLINE, a EMBASE e a Cochrane Library. Dependendo
este for o tempo desde que a intervenção está disponível. do tópico, uma base de dados multidisciplinar como a Web
A estratégia de pesquisa pode também ter de cobrir várias of Science ou bases de dados mais específicas, como a
décadas, porque a investigação relevante pode ter sido pu- CINAHL (enfermagem e ciências da saúde), a PsycINFO
blicada em qualquer altura durante esse período. (psicologia e psiquiatria) ou a ERIC (educação), também
Uma parte fundamental de uma revisão sistemática é devem ser consideradas.
uma pesquisa exaustiva da literatura para encontrar todos A PubMed fornece acesso à versão gratuita da
os estudos relevantes sobre o tema. Por isso, é importante MEDLINE que inclui referências muito actuais que ainda
que a estratégia de pesquisa seja rigorosamente desenvol- não estão indexadas (ahead of print) e referências de re-
vida com alta sensibilidade para encontrar todos os poten- vistas que não são indexadas na MEDLINE, como as PMC.
ciais artigos relevantes. Isto significa que vai acabar com A MEDLINE também está disponível mediante subscrição
uma grande quantidade de referências, muitas vezes mais através de vendedores de bases de dados, como a OVID
de mil de referências, sendo que uma elevada percenta- ou a EBSCO.
gem dessas referências será provavelmente irrelevante.7 A EMBASE só está disponível mediante subscrição.
Como já foi mencionado, a estrutura PICO é a forma Fornece uma melhor cobertura das revistas europeias e
mais comum de formular uma pergunta para investigação, indexa mais revistas na área da farmacologia. Contudo,
mas geralmente na pesquisa não se incluem todas as par- existe alguma sobreposição entre a PubMed/MEDLINE e a
tes da questão PICO, o foco deverá ser na população e na EMBASE, sobreposição que varia de acordo com as áreas.
intervenção. Uma pesquisa só na MEDLINE é inadequada e, dependen-
4.1. Sensibilidade, especificidade e precisão do do assunto, só entre 30% a 80% dos randomized con-
Construir uma estratégia de pesquisa exaustiva e, ao trolled trials são identificados.4,8
mesmo tempo, evitar referências em excesso, é uma tarefa As vantagens-chave de bases de dados como a
desafiadora. A presença de erros no processo de pesquisa MEDLINE e EMBASE são permitir pesquisas por pa-
pode resultar numa evidência enviesada ou incompleta. lavras no título e no resumo e por termos de indexação

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normalizados, ou seja, vocabulário controlado atribuído a seja, uma análise de quais os artigos citaram um estudo
cada referência. mais antigo, ainda relevante.
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Existe algum debate sobre se o Google Scholar deve 4.3. Verificação das listas das referências dos arti-
ser ou não usado em revisões sistemáticas. Na nossa opi- gos relevantes
nião, o Google Scholar não deve ser usado como recurso Verificar as referências dos artigos seleccionados
adicional na pesquisa, pois não indica claramente quais pode consumir muito tempo mas acrescenta eficácia à revi-
são as fontes que indexa. É também difícil garantir que uma são e habitualmente ajuda a identificar trabalhos relevantes
estratégia de pesquisa no Google Scholar possa ser repe- adicionais que não foram recuperados na pesquisa online.7
tida e que os mesmos resultados sejam obtidos, e essa Por vezes pela análise de citação, isto é uma análise de
capacidade de replicar a pesquisa é, obviamente, muito que artigos citaram um mais antigo, mas ainda relevante
importante em revisões sistemáticas. Outra razão para a para o estudo, também pode ser relevante. Para esta aná-
não utilização do Google Scholar é que não faz um rastreio lise existem bases de dados como a Web of Science e a
adequado à qualidade e assim a maioria das revistas pre- SCOPUS que nos podem indicar quais são os artigos mais
datórias (predatory journals- aquelas que publicam artigos citados pelos artigos incluídos no nosso trabalho.
científicos sem submetê-los a uma revisão por pares, des- Contactar os autores dos estudos incluídos pode ga-
de que ocorra o pagamento de uma taxa de autoria) são rantir que a estratégia de pesquisa não falhou na recupera-
incluídas. ção de algum artigo útil.
A literatura cinzenta (grey literature) pode ser também 4.4. Pesquisa manual
uma boa fonte de referências para o estudo. Acrescenta Deve também ser efectuada uma pesquisa manual
valor à revisão porque habitualmente é mais actual do que das revistas mais pertinentes.11
a que está publicada. O termo literatura cinzenta refere- 4.5. Estratégias de pesquisa - Conclusão
-se aos documentos científicos que não são disponibiliza- Concluindo, as estratégias de pesquisa precisam de
dos pelas vias habituais de publicação. Inclui documentos ser planeadas para equilibrar a sensibilidade (a capacidade
produzidos por organizações governamentais, trabalhos e de identificar o maior número possível de artigos relevan-
abstracts de conferências, materiais produzidos por socie- tes) com a precisão (a capacidade de excluir o maior núme-
dades médicas e/ou grupos de investigação disponibiliza- ro possível de artigos irrelevantes).
dos apenas em websites, teses e dissertações académi- A estratégia completa usada em cada base de dados
cas, ensaios clínicos em progresso, entre outros. deve constar como apêndice à revisão.
Falhar na identificação de ensaios reportados em pro- 4.6. Técnicas de pesquisa comuns
ceedings de conferências ou em outra literatura cinzenta As bases de dados bibliográficas são ferramentas po-
pode afectar os resultados da RS. De acordo com Mallet et derosas, existindo diferenças e técnicas comuns entre elas.
al, a literatura cinzenta tem sido fonte de cerca de 10% dos
estudos referenciados em RS da Cochrane.9,10 Termos controlados
As bases de registos de ensaios clínicos em curso, As listas de vocabulários controlados (thesauri ou lis-
como o Clinicaltrials.gov devem ser pesquisadas, sendo tas de termos de indexação), como o MeSH usado pela
um modo de captar estudos ainda não publicados. A Co- MEDLINE e o EMTREE usado pela EMBASE, trazem uni-
chrane Collaboration estabeleceu a Cochrane Controlled formidade, criando consistência e precisão, o que permite
Register of Trials (CENTRAL). A CENTRAL é um excelente encontrar a informação independentemente da terminolo-
recurso para encontrar ensaios clínicos randomizados e gia usada pelos autores. Estes descritores (termos contro-
quase randomizados. A maioria dos registos da CENTRAL lados) são usados para a indexação dos artigos nas bases
é extraída das bases de dados bibliográficas como a Pub- de dados. O EMTREE e o MeSH têm estruturas semelhan-
Med e EMBASE, mas também de outras fontes publicadas tes.
e não publicadas. O que é o MeSH? Acrónimo de Medical Subject Hea-
Para encontrar este tipo de informação científica dings, é uma linguagem controlada, são cabeçalhos de as-
que não é formalmente publicada em revistas científicas, suntos (subject headings) ou descritores que estão organi-
podem ser também consultados os seguintes recursos: zados hierarquicamente.
OpenGrey (foco europeu) - http://www.opengrey.eu; Grey Os termos MeSH são organizados hierarquicamente
Literature Report (foco americano) - http://www.greylit.org; por categorias de assuntos com termos mais específicos
Grey Literature Network Service (http://www.greynet.org/); (narrower) arranjados sob os termos mais gerais. A Pub-
OAISter (https://www.oclc.org/en/oaister.html) e repositó- Med pesquisa automaticamente para incluir todos os ter-
rios científicos como o RCAAP - Repositório Científico de mos, o mais geral e os mais específicos, é designada ex-
Acesso Aberto em Portugal (https://www.rcaap.pt). plosão.
Devem ser sempre indicadas as datas em que as pes- Por exemplo:
quisas foram realizadas. Inflammatory Bowel Diseases
A pesquisa bibliográfica geralmente também é com- Colitis, Ulcerative
plementada com uma triagem de listas de referências dos Crohn Disease
artigos, e algumas vezes com uma análise de citações, ou Pesquisando por Inflammatory bowel diseases, inclui

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os termos MeSH encontrados abaixo deste termo na hie- nomeadamente o singular e o plural. Todas as bases de
rarquia MeSH. dados permitem a truncatura, o símbolo é que pode variar.

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A linguagem EMTREE da EMBASE tem também os A maioria usa o asterisco *. Por exemplo, therap* recupera
termos biomédicos organizados hierarquicamente do mais therapy, therapies, therapeutic.
geral (broader) para o mais específico (narrower). Selec- O uso das aspas para pesquisa por frase, será útil
cionando “Explode” incluímos os termos mais restritos na para juntar as palavras, por exemplo, “obesity surgery”. Na
hierarquia. Assim designa-se por pesquisa de explosão, PubMed não se deve combinar a truncatura com as aspas.
uma pesquisa que recupera toda a informação indexada a É preciso ter algum cuidado com o uso desta opção numa
um termo preferencial geral e a todos os seus termos mais RS, uma vez que as aspas tornam a pesquisa muito pre-
específicos. cisa e, consequentemente, alguma informação relevante
pode ser perdida. Uma alternativa pode ser os operadores
Termos não controlados de proximidade que permitem especificar o número de pa-
Deve começar-se a pesquisa pela linguagem controla- lavras que podem aparecer entre os 2 termos. Os operado-
da (descritores) e depois realizar a pesquisa em linguagem res de proximidade recuperam diferentes variações da fra-
natural (texto livre), combinando os sinónimos com OR. se, como a ordem das palavras, o que não é possível com
Porquê usar texto livre se existe um descritor? Porque nem o uso das aspas. Na Web of Science, podemos recuperar
todas as referências têm um subject heading, nomeada- as variações com o operador NEAR/número. Por exem-
mente, as referências que estão ahead of print, in process plo, Surgery NEAR/3 obesity recupera Surgery treatment
ou as revistas PMC (não MEDLINE). Por outro lado, nem of obesity; Surgery in adolescents with obesity; Surgery of
todos os conceitos têm um subject heading correcto, uma severe obesity.
vez que os indexadores são humanos, e, portanto, podem Podem ser usados os parênteses para estabelecer a
cometer erros. ordem do processo de pesquisa e separar os conjuntos de
Quando se está a efectuar a pesquisa em texto livre, termos. Também permite agrupar sinónimos e termos em
deve evitar-se usar limites que vão eliminar os estudos que diferentes ortografias. Por exemplo, (hypersensitivity OR
ainda não foram indexados, por ex. humanos, faixas etá- allergy OR allergies OR allergic) AND (child OR children
rias. OR childhood).
Convém mencionar que nem todas as bases de dados Deve ser apresentada a estratégia de pesquisa com-
têm uma linguagem controlada. pleta incluindo os limites usados, para que possa ser repe-
A utilização dos operadores booleanos representados tida.
pelos termos AND, OR e NOT permitem realizar combina-
ções entre os termos que serão usados na pesquisa, sendo PRESS - lista de verificação para estratégias de pes-
AND uma combinação restritiva, OR uma combinação adi- quisa
tiva e NOT uma combinação de exclusão. Os operadores Como a pesquisa bibliográfica é parte fundamental de
booleanos permitem juntar termos para alargar a pesquisa uma revisão sistemática, é importante que a estratégia de
ou excluir termos dos resultados. Para combinar blocos da pesquisa seja de alta qualidade. Para o garantir e evitar
pesquisa e/ou conceitos distintos, o operador AND deve ser erros, existem várias opções. Uma opção é envolver um
usado. O uso do OR permite a pesquisa por sinónimos ou bibliotecário experiente/especialista em informação. Em
termos relacionados. O NOT exclui resultados. ambos os casos, é bom que um dos autores tenha uma
Deve-se pesquisar em texto livre usando variantes do visão detalhada da estratégia de pesquisa. Existe também
termo, combinando sinónimos, plurais e variantes de orto- uma ferramenta para validação de estratégias de procu-
grafia (UK versus US) com o operador OR. Alguns termos ra de informação, denominada Peer Review of Electronic
médicos são escritos de forma diferente no inglês britâni- Search Strategies (PRESS).12
co e no americano (exemplos: tumour OR tumor; ageing Lista de verificação para estratégias de pesquisa
OR aging; labour OR labor; coeliac OR celiac), pelo que se (PRESS):
deve considerar na estratégia de pesquisa a inclusão de - Tradução da questão de investigação
uma palavra para as diferentes ortografias. Algumas bases • A estratégia de pesquisa corresponde à questão
de dados fazem a pesquisa por variantes de termo automa- de investigação/PICO?
ticamente, o que é designado por lematização. A base de • Os termos de pesquisa são claros?
dados Web of Science faz automaticamente a lematização, • Os termos de pesquisa são muito específicos ou
no entanto a PubMed não o faz. muito amplos?
O operador NOT deve ser evitado numa estratégia de • A pesquisa recupera muitas ou poucas referên-
pesquisa sistemática, uma vez que diminui a sensibilidade cias?
da pesquisa e aumenta o risco de perder artigos relevan- • São explicadas as estratégias não convencio-
tes. nais ou complexas?
A definição de truncatura permite encurtar ou cortar o - Operadores booleanos e de proximidade (estes
final da palavra. A truncatura é usada nas pesquisas para variam de acordo com o recurso de pesquisa)
garantir que se recupera as possíveis variações do termo, • Os operadores booleanos ou de proximidade

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são usados correctamente? • Todos os limites e filtros são usados adequada-


• O uso de parenteses é apropriado e eficaz para mente e são relevantes para a base de dados?
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a pesquisa? • Algum limite ou filtro potencialmente útil está em


• Se o NOT for usado, é provável que resulte em falta? Os limites ou filtros são muito amplos ou
exclusões não intencionais? muito restritos? Pode algum limite ou filtro ser
• Poderia a precisão ser melhorada usando ope- adicionado ou removido?
radores de proximidade (ex. adjacent, near, wi- Todo o processo de pesquisa deve ser relatado com
thin) ou pesquisa de frase em vez da utilização detalhe suficiente para que possa posteriormente ser repro-
do AND? duzido e validado. Tem de ser indicada a informação sobre
• O limite entre os operadores de proximidade as bases de dados e interfaces pesquisados, as estratégias
será o mais adequado? (ex. adj5 pode recuperar de pesquisa detalhadas completas (incluindo qualquer jus-
mais variantes do que adj2) tificação para restrições de data ou idioma) e o número de
- Cabeçalhos de assunto/subject headings (variam com registos recuperados.
base no recurso de pesquisa)
• Os cabeçalhos de assunto são relevantes? 5. Seleção dos estudos
• Algum cabeçalho de assunto relevante está em A pesquisa bibliográfica vai gerar um grande número
falta? de referências potencialmente elegíveis que precisam de
• Há algum cabeçalho de assunto muito geral ou ser avaliadas para inclusão de acordo com critérios predefi-
muito específico? nidos. Destas referências, apenas uma pequena proporção
• Os cabeçalhos de assunto são explodidos para será incluída na revisão. Este processo de selecção dos
apanhar os mais específicos quando necessário estudos deve ser explícita e conduzida de forma a minimi-
e vice-versa? zar o risco de erros e enviesamentos. Nesta secção são
• Faltam qualificadores/subheadings? explicadas as etapas envolvidas e as questões a serem
• Os qualificadores/subheadings estão anexados consideradas ao planear e realizar a selecção dos estudos
aos cabeçalhos de assuntos/subject headings? Depois da pesquisa feita, é necessário remover os du-
• Os cabeçalhos de assuntos/subject headings plicados e avaliar os títulos e resumos dos restantes resul-
e termos em texto livre são usados para cada tados. Nesta fase da selecção dos estudos deve ser usado
conceito? um programa de gestão das referências. Todas as refe-
• Foi usada a linguagem natural (pesquisa em tex- rências recuperadas na pesquisa aos diversos recursos,
to livre) como complemento à pesquisa com os em que muitas referências duplicadas aparecerão, devem
termos do vocabulário controlado? ser enviadas para um programa de gestão de referências.
- Pesquisa de palavras no texto (texto livre) Um software de gestão de referências, como o EndNote,
• A pesquisa inclui todas as variantes de ortografia é recomendado para reunir, armazenar e organizar as re-
em texto livre (por exemplo, ortografia do Reino ferências. Usando um gestor de referência, as referências
Unido versus Estados Unidos da América)? podem ser organizadas em diferentes grupos, por exemplo,
• A pesquisa inclui todos os sinónimos? estudos incluídos e excluídos. Os duplicados podem ser
• Foi usada a truncatura correctamente? facilmente removidos. O uso de um programa de gestão
• Os acrónimos ou abreviaturas são usados apro- de referências também vai permitir que as pastas com as
priadamente? Capturam material irrelevante? referências possam ser partilhadas entre a equipa.
Os termos completos também estão incluídos? Nesta fase, são seleccionados os estudos a incluir
• As palavras-chave são específicas o suficiente de acordo com os critérios pré-definidos. Os títulos e os
ou muito amplas? São usadas muitas ou poucas resumos são avaliados para remover os estudos que não
palavras-chave? estão claramente relacionados com o tópico e determinar
• As equações de pesquisa não são muito lon- a relevância (Encaixa nos critérios? A metodologia é apro-
gas? Não será melhor subdividir? priada? O tema está no âmbito definido?). Este processo é
- Ortografia, sintaxe e números de linha normalmente lento e habitualmente estão envolvidas duas
• Existem erros de ortografia? pessoas para minimizar o viés e garantir que não são ex-
• Existem erros na sintaxe do sistema; por exem- cluídos trabalhos importantes. Um terceiro revisor pode ser
plo, o uso de um símbolo de truncatura de uma consultado se existirem discrepâncias ou desacordos. De-
interface de pesquisa diferente? pois desta primeira selecção em que muitos trabalhos são
• Existem erros na combinação de linhas de pes- excluídos com base no título e resumo, segue-se a avalia-
quisa? ção dos textos completos.
- Limites e filtros É importante procurar publicações duplicadas de re-
• Todos os limites e filtros são usados adequa- sultados de investigação para garantir que estas não são
damente e são relevantes, dada a questão de tratadas na revisão como estudos separados. Trabalhos
pesquisa? múltiplos podem ser publicados por várias razões, in-
cluindo: traduções, resultados em diferentes períodos de

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follow-up ou relato de diferentes desfechos. Contudo, nem ao examinar as metodologias dos estudos e os resultados,
sempre é fácil identificar os duplicados, pois algumas vezes como o CONSORT para RTCs, STROBE para estudos

ARTIGO DE REVISÃO
estão encobertos e nem a autoria nem o tamanho da amos- observacionais e, se uma maior análise quantitativa do
tra acabam por ser critérios confiáveis para identificação desenho do estudo é exigido, a recomendação GRADE
de duplicação. As estimativas de prevalência de publicação (Grading of Recommendations Assessment, Development
duplicada variam de 1,4% a 28%.13 O uso de estudos dupli- and Evaluation) pode ser usada.
cados pode levar a resultados enviesados. Um mínimo de dois revisores independentes deve
É necessário eliminar população de doentes duplica- avaliar a qualidade dos estudos. As diferenças podem ser
dos em diferentes estudos. Se dois estudos separados com reconciliadas por mútuo acordo ou por um terceiro revisor.
os mesmos autores e a mesma intervenção tiveram datas
sobrepostas de recrutamento dos doentes, só um dos es- 7. Extração dos dados
tudos deve ser incluído. Nesta situação deve ser seleccio- Depois de todos os critérios de exclusão aplicados e a
nado o estudo com maior amostra e/ou maior tempo de lista final dos estudos identificados, existem vários métodos
follow-up.14 eficazes de extracção dos dados dos estudos. Os requisitos
Resumindo, nesta fase de selecção dos estudos, é ne- de extracção de dados variam de revisão para revisão, e os
cessário5: formulários de extracção devem ser adaptados à pergunta
• Examinar títulos e resumos para remover documen- da revisão. O passo inicial para este processo envolve uma
tos obviamente irrelevantes. avaliação descritiva de cada estudo (detalhes do estudo;
• Obter os textos integrais de todos os artigos poten- dados para a análise), habitualmente apresentado em for-
cialmente relevantes. mato tabular.4 Ou seja, os dados de cada estudo devem
• Reunir múltiplos relatos do mesmo estudo. ser extraídos para uma folha de extracção de dados, um
• Examinar se os estudos estão de acordo com os cri- formulário electrónico como o Excel, Access ou COVIDEN-
térios de elegibilidade. CE.5,14 É obrigatório usar um formulário de extracção dos
• Contactar os autores, quando apropriado, para clari- dados. Estão disponíveis diferentes checklists e os autores
ficar a elegibilidade do estudo. devem escolher a que melhor se adapta ao seu estudo. As
• Tomar as decisões finais quanto à inclusão dos es- três checklists de apoio à extracção de dados mais usadas
tudos antes de proceder à extracção dos dados. são as do Centre for Evidence-Based Medicine (CEBM), a
Deve ser usado um formulário de selecção para ga- da Cochrane Collaboration e o Critical Appraisal Skills Pro-
rantir a consistência e todas as decisões devem ficar regis- gramme (CASP).14 A extracção deve ser efectuada por dois
tadas. revisores independentes e quaisquer divergências devem
É recomendado que as avaliações de elegibilidade ser reconciliadas.
dos estudos sejam conduzidas por pelo menos duas pes- A revisão destas tabelas pode ajudar a determinar se
soas, independentemente, com discordâncias resolvidas os resultados dos diferentes estudos podem ser reunidos e
por consenso ou com envolvimento de um terceiro revi- submetidos a meta-análise.4
sor.5,15 Uma meta-análise consiste no uso de técnicas estatís-
Um fluxograma mostrando o número de estudos/arti- ticas para combinar e resumir os resultados de múltiplos
gos remanescentes em cada etapa é um método simples e estudos. Ao combinar dados de vários estudos, as meta-
útil de documentar o processo de selecção dos estudos. -análises podem fornecer estimativas mais precisas dos
efeitos dos cuidados de saúde do que aquelas fornecidas
6. Avaliação da qualidade dos estudos pelos estudos individuais.
Ao ler o texto completo de cada artigo identificado para Nesta fase, são necessários os artigos completos e,
inclusão na revisão como parte do processo de extracção caso haja dificuldade em ter acesso ao documento comple-
de dados, devem ser aplicadas escalas de avaliação da to, essa informação deve constar de maneira clara na sec-
qualidade de cada estudo seleccionado. Deve ser escolhi- ção Métodos e esse artigo deve ficar fora dos resultados
do o método que melhor se adapta ao tipo de revisão que finais.
se está a conduzir. Um patamar-chave na RS é a avaliação Deve-se contactar os autores em situações em que os
da qualidade dos estudos. Têm sido desenvolvidas várias dados disponíveis nos artigos são incongruentes ou pouco
ferramentas para ajudar nesta fase do processo, como por claros, pois estes podem fornecer informação adicional que
exemplo o Cochrane risk of bias tool (https://sites.google. pode ser essencial para a compreensão. Para além disso,
com/site/riskofbiastool/welcome/rob-2-0-tool?authuser=0) os autores podem partilhar dados relevantes que não usa-
para RCTs ou a Newcastle Ottawa Scale para estudos não ram no artigo.
randomizados (http://www.ohri.ca/programs/clinical_epide- Exemplo de requisitos de informação para extracção de
miology/oxford.asp). dados:
Normalmente os autores estabelecem uma checklist - Informação geral
dos elementos necessários para um estudo de qualidade, • Quem realizou a extracção de dados
o que representa uma abordagem mais razoável para ava- • Data da extracção de dados
liar a qualidade,15 usando algumas ferramentas como guia • Elementos identificativos do estudo (autores,

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título, citação, tipo de estudo, país de origem) seguida deve ser explicada de forma clara e lógica. Esta
- Características do estudo secção começa com indicação se existe um protocolo de
ARTIGO DE REVISÃO

• Objectivos do estudo revisão e onde pode ser consultado, e, se disponível, for-


• Desenho do estudo necer informações sobre o registo da revisão, incluindo o
• Critérios de inclusão e exclusão do estudo número de registo. Os seguintes componentes devem ser
• Procedimentos de recrutamento utilizados (ex. discutidos em detalhe: critérios de elegibilidade; bases de
randomização) dados consultadas e outras fontes de informação; estra-
• Participantes tégias de pesquisa, com a descrição das palavras-chave,
• Intervenção termos de pesquisa em texto livre, período de pesquisa;
• Descrição da intervenção e controlo critérios de inclusão e exclusão; identificação dos estudos;
- Resultados/Outcome data selecção dos estudos, extracção dos dados e avaliação da
qualidade; análise dos dados.
8. Síntese dos dados e avaliação da qualidade da A secção Resultados também deve ser explicada logi-
evidência camente. Deve começar-se por descrever os resultados
Os dados extraídos têm de ser resumidos para tirar (apresentar o número de estudos rastreados, avaliados
conclusões válidas e lógicas. A síntese envolve a recolha, para elegibilidade e incluídos na revisão, razões para ex-
combinação e resumo dos resultados dos estudos indivi- clusão em cada fase, preferencialmente por meio de flu-
duais incluídos na revisão sistemática. A síntese pode ser xograma); características dos estudos (para cada estudo,
feita quantitativamente usando técnicas estatísticas for- apresentar características para extracção dos dados e
mais, como a meta-análise, ou se o agrupamento formal apresentar a respectiva referência); risco de viés em cada
dos resultados for inadequado, por meio de uma aborda- estudo; resultados de estudos individuais; síntese dos re-
gem narrativa. A síntese deve considerar a força da evidên- sultados.
cia, explorar se os efeitos observados são consistentes en- É obrigatório fornecer uma tabela com a descrição dos
tre os estudos e investigar possíveis razões para quaisquer estudos, dados gerais de cada artigo, participantes, inter-
inconsistências. venção, características da amostra e desfechos.
Depois de todos os estudos adequados reunidos, a Na Discussão são resumidos os principais resultados
qualidade avaliada, os dados extraídos e, se possível, a da revisão, sumário da evidência e depois discutidas as
meta-análise realizada, precisam de ser retiradas as con- limitações do estudo e confiabilidade dos resultados. Os
clusões. pontos fortes e os pontos fracos da revisão devem ser dis-
Os investigadores devem remeter para a questão origi- cutidos e as implicações para a prática actual sugeridas
nal e perguntar se há evidências suficientes para responder (aplicabilidade).
de forma conclusiva à pergunta e, se houver, quão forte é a Na Conclusão deve ser apresentada a interpretação
evidência. geral dos resultados no contexto de outras evidências e im-
plicações para futuras investigações.
9. Disseminação dos resultados – Publicação A secção das Referências num artigo de RS usualmen-
9.1. Como escrever o artigo de revisão sistemática te contém um extenso número de referências.
Concluída a delimitação da questão de investigação,
a escolha das fontes e termos de pesquisa, a pesquisa e PRISMA
o armazenamento dos resultados, a selecção dos artigos Ser sistemático implica um foco na estrutura, organi-
pelo título e resumo (de acordo com critérios de inclusão e zação e documentação. Como em toda a investigação, o
exclusão), a extracção dos dados dos artigos selecciona- processo de revisão deve ser documentado de forma trans-
dos, a sua avaliação, a síntese e interpretação dos dados, parente em todas as partes, reproduzível e relatado clara-
chegou a altura de escrever o artigo de RS. mente na publicação final.
A redacção do artigo de RS deve ser clara e precisa, Como suporte ao processo de revisão, há as directri-
com todos os processos pormenorizadamente detalhados. zes PRISMA: “um conjunto mínimo de itens baseados em
O Título deve reflectir com precisão o tema sob revisão. evidências para relatar em revisões sistemáticas e meta-
As palavras revisão sistemática têm de fazer parte do título -análises”. PRISMA - um acrónimo para Preferred Repor-
para indicar a natureza do estudo. ting Items for Systematic Reviews e Meta-Analysis - con-
O Resumo tem de ser estruturado seguindo a estrutura: siste, entre outras coisas, numa lista de verificação e num
Introdução, Métodos, Resultados e Conclusão. diagrama de fluxo.16
A escrita do artigo segue a estrutura tradicional: Introdu- A grande maioria das revistas médicas, como por exem-
ção, Métodos, Resultados e Discussão. plo JAMA e BMJ, aconselham os autores a usarem as gui-
Na Introdução deve fazer-se uma síntese, situando o delines PRISMA para escreverem a RS.
tema a ser abordado, indicando a não existência ou existên- A checklist PRISMA deve guiar na escrita da RS, é uma
cia de revisão anterior e a razão que justifica a revisão. O checklist que contém 27 itens que garantem que o autor
ponto essencial é a definição do objectivo da investigação. cobriu todos os aspectos da revisão. Também inclui um
Os Métodos são a secção crucial da RS. A metodologia fluxograma a incluir na secção Resultados da RS, com o

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número total de referências encontradas, quantos foram não se podendo produzir uma boa revisão baseada numa
excluídos nas várias fases, e quantos artigos chegaram até fraca estratégia de pesquisa.

ARTIGO DE REVISÃO
ao fim.16 A revisão sistemática, comparada com a investigação
primária, requer relativamente poucos recursos, permitin-
CONCLUSÃO do que os clínicos normalmente não envolvidos em inves-
Ao fazerem uma revisão sistemática da literatura, os tigação produzam artigos clinicamente relevantes e de alta
autores tornam-se conhecedores do tema e, embora con- qualidade.
suma muito tempo, podem desenvolver um conjunto de
competências incluindo a de pesquisa da literatura e da CONFLITOS DE INTERESSE
redacção científica. Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.
A revisão sistemática permite uma avaliação rigorosa,
imparcial e abrangente da literatura. Uma revisão sistemá- FONTES DE FINANCIAMENTO
tica mal conduzida pode induzir em erro, como qualquer O presente trabalho não foi suportado por nenhum sub-
outro estudo original. A estratégia de pesquisa é um dos sídio ou bolsa.
determinantes major da qualidade da revisão sistemática,

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