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SOLIDARIEDADE

FORMAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DO
ESTADO BRASILEIRO
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A terminologia utilizada no texto; Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo de José Murilo de


Carvalho é uma proposta conceitual para discutir o poder local na Colônia, no Império, ou na Primeira
República, mas, também, reflete visões do Brasil de hoje, ou mesmo visões mais gerais sobre as leis
e tendências das trajetórias das sociedades (pag. 9).

O importante em todo o debate não é discutir se existiu ou se existe dominação. Ninguém nega
isto. O problema é detectar essa natureza da dominação. Faz enorme diferença se ela procede de um
movimento centrado na dinâmica do conflito de classes gerado na sociedade de mercado que surgiu
da transformação do feudalismo na moderna sociedade industrial, via contratualismo, representação
de interesses, partidos políticos, liberalismo político; ou se ela se funda na expansão lenta do poder
do Estado que aos poucos penetra na sociedade e engloba as classes via patrimonialismo,
clientelismo, coronelismo, populismo, corporativismo. É esta diferença que faz com que o Brasil e a
América Latina não sejam os Estados Unidos ou a Europa, que sejam o Outro Ocidente, na feliz
expressão de José G. Merquior (pag. 9).

Em verdade, todo o discorrer do texto se trata de um tributo metodológico de análise conceitual,


antropológica, sociológica, micro e macroeconômica. Tributo que se desenvolve a partir do exercício
de aproximação entre o materialismo marxista e do essencialismo weberiano. Entretanto, o autor
compreende o valor determinístico e exercita os mecanismos infinitesimais foucaultianos, ou procura
a estrutura/esqueleto de Malinowski para estabelecer compreensão do que é sistêmico, atributo ou,
apenas, uma característica.

Destarte, a análise vai procurar nas funções desempenhadas nas últimas instâncias qual real teor
do significado das decisões que prosperam e demarcam os limites na sociedade brasileira. Entretanto,
não basta, apenas, reconhecer propriedades e características circunstanciais, pois torna-se necessário
à compreensão do sentido inercial dessas relações na compreensão de sua essencialidade. Portanto, o
sentindo da descoberta de que até mesmo uma professora primária era importante para conservar os
valores indispensáveis à sustentação do sistema coronelista (pag. 5), somente, terá função sistêmica
a partir da complementariedade de que a iniciativa é do Estado. A Guarda era uma organização criada
pelo governo e controlada pelo ministro da Justiça; os cargos de delegado e subdelegado de polícia
foram criados para esvaziar as funções dos juízes de paz, autoridades eletivas.

Exatamente nesta articulação entre a iniciativa que delega, e o desempenho da função burocrática
que procurar regrar e controlar, exercendo sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a
impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política, o autor demarca que o regime inicial
brasileiro não poderia ser o feudalismo, pois toda arquitetura de poder e dominação tinha centralidade

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no poder estatal desempenhado pelo Império ou na República. Nessa relação, o Estado e senhoriato
estabeleceram relação dinâmica de complementação e antagonismo. Entretanto, apesar das rebeliões
o Estado era a parte mais poderosa. Era o governo central quem distribuía os benefícios públicos em
troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio de que necessite (pag. 7). Então, através da
distribuição dos serviços delegados o governo central sistematizou regime de controle e dominação
a partir do patrimonialismo e, posteriormente, do coronelismo. Contudo, o autor ressalta que embora
tivessem autorização para controlar em nome do Estado, as mais diversas dimensões da sociedade
brasileira, e que um mínimo de estabilidade do sistema exigia algum tipo de entendimento com os
coronéis, ou parte deles. Esta estabilidade sistêmica como um todo exigia que a maioria dos coronéis
apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser, eventualmente, trocada.

A Guarda Nacional foi a grande instituição patrimonial que ligou


proprietários rurais ao governo. Ela não foi criada por proprietários, nem
era uma associação que os representasse. Foi criada pelo governo durante
a Regência, inicialmente para fazer face aos distúrbios urbanos
desencadeados após a abdicação do imperador. (...) Posteriormente é que
foi sendo transformada no grande mecanismo patrimonial de cooptação
dos proprietários rurais. Daí os muitos conflitos entre seus oficiais e
outras autoridades do governo ou eletivas (pag. 8)

A análise dos mecanismos infinitesimais que se aproximam da população permite inferir que a
utilização dessas funções delegadas pelo Estado permitia aos coronéis subjugar as populações afetas
aos seus domínios, entretanto essa mesma subjugação que era importantes para o controle da mão-
de-obra e para a competição com fazendeiros rivais. E, que os tornava capazes de oprimir ou proteger
seus próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais fazendo uso da polícia que era
um trunfo importante na luta econômica (pag. 5). Essa estrutura/esqueleto burocrática que perpassa
todo o sistema, também exercia a função de garantir ao Império o controle sobre os coronéis. A perda
de poder econômico que leva o coronel a necessitar do apoio do governo para manter sua posição de
classe dominante. Dessa forma, a assunção da representação do poder central pelo mandante local
provocava conflito que assumia, assim, quase sempre, característica de disputa política entre coronéis
ou grupos de coronéis.

É, exatamente, essa trama cerrada de coerções materiais que perpassa toda a estrutura do sistema
e que permite ao governo central, sem os recursos necessários para a administração do vasto território,
espraiar toda sua dominação. A coerção material provoca a disputa local pelas concessões públicas
necessárias ao enfrentamento face a decadência econômica dos proprietários rurais. Todavia são esses

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mesmos proprietários que dispenderam valores substanciais na manutenção da estrutura burocrática


para garantir suas concessões. Este instrumento de persuasão consegue definir os papeis sociais e
manter a coesão do sistema, pois impedia qualquer organização das classes subjugadas. A única
organização de setores dominados verificava-se nos movimentos messiânicos e no cangaço. Mas
messianismo e cangaço atingiam o domínio da classe proprietária apenas indiretamente. Eram vítimas
fáceis da repressão e da cooptação, ou de ambas (pag. 5).

Pode-se inferir do texto que essa prática de delegar concessões e funções públicas ao escrutínio
particular é o elemento que configura o patrimonialismo brasileiro desde colônia. Importante salientar
que a sociedade brasileira atual também permite concessões e delega funções públicas, mas esse
escrutínio que limita as ações é fixado em legislação. Talvez, a grande diferença do patrimonialismo
colonial para as concessões e serviços delegados do império é a concentração do potentado na figura
do coronel, e essa concentração parece ter a função de provocar o conflito. Em certa medida, era uma
figura do senhoriato que receberia legitimidade de ação na consecução de suas demandas burocráticas
relacionadas ao exercício econômico e de segurança.

O patrimonialismo que concede e delega sem restrições entre o público e o privado, segundo o
autor, norteia as relações de poder na sociedade brasileira. A necessidade da convivência com a ordem
privada, antagônica e hostil ao Estado como poder público, provoca em um primeiro momento devido
a desorganização do Estado essa concentração, mas a reorganização, mesmo que precária, dilui esse
patrimonialismo concentrado em clientelismo. É a tentativa de reassunção dos espaços concedidos e
delegados. Destarte, subentende-se que a burocracia estatal visava a eliminação do potentado privado
que lhe era hostil e transforma a simples distribuição de empregos públicos em troca de apoio político
dos coronéis em uma relação direta com a população. Dessa maneira, o emprego público adquire
importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce o
coronelismo.

As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do


coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da
população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos
que conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder
Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se
ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo
do mandonismo (pag. 3).

É possível extrair desse conjunto importantes lições. Talvez, a principal delas seja a sedimentação
da análise de José Murilo de Carvalho. Entretanto, também se evidencia que a abordagem top-down

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das políticas públicas implementadas pela administração brasileira sempre tiveram a função de
impedir o desenvolvimento de formas de solidariedade corporativas capazes de possibilitar o
enfrentamento ao poder central, dessa forma, a postulação do patrimonialismo do qual deriva o estilo
político baseado na cooptação, no clientelismo, no populismo, no corporativismo de Estado não
permiti a consolidação estamental que caracterizou o feudalismo, mas também dificulta, até hoje, o
movimento centrado na dinâmica do conflito de classes gerado na sociedade de mercado que surgiu
da transformação do feudalismo na moderna sociedade industrial, via contratualismo, representação
de interesses, partidos políticos, liberalismo político.

É crucial destacar que o controle do estado não é impeditivo para a construção de solidariedade
nas relações, entretanto a constante da distância entre a tomada de decisão e a implementação da ação
governamental não propicia ambiente democrático, suficientemente, denso para a proliferação de
novos atores comprometidos com o desenvolvimento de novas estratégias para o bem-estar da
população.

Outro fator muito importante diz respeito ao escrutínio da concessão delegada pela legislação
vigente. Será no que no período imperial não havia legislação que regrasse essas concessões. Então,
torna-se evidente que o problema não está na existência ou não de regras, mas como são aferidas pela
sociedade. Importante frisar que essas concessões e serviços delegados são mecanismos históricos do
exercício do poder que limitam todas as dimensões da vida em sociedade.

Algo que chama atenção no decorrer do texto é que por muito tempo a elite burocrática conseguiu
através da promoção do conflito gerado pela manipulação arbitrária dos benefícios estatais impedir
formas de resistência dos produtores, contudo, essas organizações de proprietários surgem às vésperas
da passagem da lei que libertou o ventre escravo (Pag. 9)). Sintomaticamente, essas organizações
reagiam contra uma ação do governo que consideravam radicalmente contrária a seus interesses. O
próprio imperador foi por eles acusado de traição nacional por favorecer a medida abolicionista. Logo
a seguir vamos encontrar essas organizações na Proclamação da República e em todos os golpes
militares.

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