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Os Pactos de la Moncloa em perspectiva

Carlos Alves Muller


Brasília, 15-05-06

“La palabra Moncloa no está en el Diccionario”, assim o site da 22ª edição (2001) do
Dicionário da Real Academia Espanhola responde às consultas dos internautas. Não será,
portanto, por tão erudita fonte que o leitor saberá o significado desse termo que
eventualmente freqüenta o noticiário internacional. Moncloa-Aravaca é um distrito de
Madri que tem, entre outros pontos de referência, o Palácio de la Moncloa, construído para
o Duque de Moncloa. Foi uma das mais imponentes propriedades urbanas da nobreza
espanhola até que, durante a Guerra Civil, a luta pela capital reduziu o prédio a escombros.
Reconstruído, a partir de 1977 tornou-se o marco da transição democrática e sede do
Governo da Espanha moderna. É lá onde despacha o Presidente do Governo, como os
espanhóis chamam seu Primeiro Ministro, atualmente José Rodriguez Zapatero (cujo “z” se
pronuncia com som de “s”, de “sapateiro”, mesmo).
Para muitos latino-americanos, entretanto, a palavra Moncloa é motivo de suspiros; um
sonho de consumo político. Isso porque foi lá onde, há pouco mais de 30 anos, uma
Espanha atrasada e perplexa diante do recente falecimento de Francisco Franco, o ditador
que a havia governado por quase 40 anos, negociou e firmou um acordo entre as principais
forças políticas que se tornaria conhecido como os Pactos de la Moncloa. Em meio às
ameaças de golpe militar e diante do desafio representado por uma Europa em processo de
unificação, os dirigentes políticos chegaram a um acordo sobre as condições em que se
dariam as reformas institucionais que permitiriam ao país dar um salto do regime fascista
instalado sob inspiração e com o apoio político e militar de Hitler e Mussolini para a
condição de membro da Comunidade Econômica Européia.

Antecedentes

Em 1º de abril de 1939, o General Francisco Franco assinou o último comunicado


militar da Guerra Civil iniciada em 1936. Os republicanos haviam sido derrotados e o exílio
na França, no México, na Argentina e em outros países se tornava obrigatório para eles e
para milhares de compatriotas em busca de oportunidades. A Espanha das décadas
seguintes uniria muito do modelo institucional fascista italiano com um opressivo
moralismo católico cuja organização emblemática, fundada por Monsenhor Escrivá de
Balaguer, canonizado pelo Papa João Paulo II, era a Opus Dei, hoje de volta ao noticiário
em função da polêmica sobre o filme O Código Da Vinci.
A partir de 1939, politicamente, a Espanha era uma ditadura personalista, sustentada
por uma estrutura oligárquico-corporativa. Os partidos políticos eram vistos como
entidades deletérias em relação aos interesses nacionais. A condução política do país se
dava por meio do Movimiento, como era conhecida a organização que agrupava as forças
políticas que haviam apoiado Franco durante a Guerra Civil. Dirigido por um conselho
nomeado pelo ditador, Movimiento e Governo tinham uma relação simbiótica com o
primeiro fornecendo os quadros para o Estado num país pretensamente de “patrões
generosos e compreensivos e operários patriotas e leais”, conforme Franco. As Cortes,
formadas por representantes de distintos setores do franquismo num sistema corporativo,
eram um simulacro de Parlamento.
Do ponto de vista econômico, a Espanha franquista era governada por uma coalizão
oligárquica agrária, comercial e financeira. Grande parte da população vivia na zona rural.
A indústria era incipiente e não havia estímulo aos empreendedores. A organização dos
trabalhadores e as forças reformistas do breve período republicano, nos anos 1930, eram
reprimidas. Ideologicamente, a coalizão dominante se traduzia num nacionalismo
reacionário às mudanças, em especial às associadas aos “estrangeirismos”.
Ao final da década de 1950, quando os demais países da Europa, inclusive os
derrotados na Segunda Guerra Mundial, passavam por um período de desenvolvimento
industrial acelerado e de implantação de um Estado de Bem-Estar Social, tornou-se
impossível manter a Espanha fechada às influências. O Estado assumiu um papel mais
atuante na economia, promovendo uma industrialização protegida e uma reforma na
administração pública na qual o bacharelismo deu lugar a uma geração de tecnocratas
politicamente conservadores, mas empenhados na modernização econômica e gerencial.
Esse modelo, no qual a influência francesa era clara, permitiu que entre 1960 e 1974 o PIB
espanhol crescesse em média 7% ao ano, em grande medida graças aos investimentos
externos (foi permitido que até 50% do capital das empresas pertencessem a estrangeiros),
ao mesmo tempo que o gasto público era contido por um Plano de Estabilização que
adequava o país às diretrizes do Fundo Monetário Internacional e da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aos quais o país aderiu.
A aproximação com os demais países europeus e a modernização econômica foi
acompanhada de urbanização, melhoria dos níveis educacionais, de emprego e de salários.
Os gastos públicos, entretanto, tinham uma estrutura distorcida com gastos sociais muito
inferiores aos registrados nos países desenvolvidos. Na medida em que se aproximava o fim
de Franco e do Franquismo, esgotava-se o ciclo de desenvolvimento que caracterizou a
década de 1960 e a primeira metade dos anos 70.

Assim, conforme o site vespito.net, em 1977 quando o país realizou as primeiras


eleições parlamentares livres desde a Guerra Civil, a situação econômica era explosiva:
 num país em que 66% da energia é importada, a crises petrolífera de 1973 passou
despercebida, isto é: os últimos governos de Franco não tomaram nenhuma medida
frente ao barril de petróleo que passa em doze meses de 1,63 a 14 dólares.
 as exportações cobrem 45% das importações, o país carece de recursos para manter
seu intercambio com o exterior e perde 100 milhões de dólares diários de reservas
exteriores,
 acumulam-se entre 1973 y 1977 14 bilhões de dólares de dívida exterior, o que
representa um montante superior ao triplo das reservas de ouro e divisas do Banco de
España.
 a inflação está em níveis quase sul-americanos: de 20% em 1976 se passa a meados
de 1977 a 44%, frente à média de 10% dos países da OCDE.
 as empresas têm dívidas de centenas de bilhões de pesetas o que contribui para
que...
 o desemprego comeca seu longo crescimento: já se situa em 900.000 pessoas das
quais só 300.000 recebem auxílio desemprego e seguirá subindo até os atuais (1998)
2.000.000 de desempregados.
A situação da Espanha não podia ser menos complicada na segunda metade da década
de 1970. O Príncipe Juan Carlos de Burbón y Burbón havia sido designado por Franco seu
sucessor como Chefe de Estado. De seu pai, herdara uma postura pragmática e liberal,
segundo a qual a monarquia só é viável se parlamentar, e a disposição de contribuir para a
redemocratização e o desenvolvimento da Espanha, mas Juan Carlos não tinha experiência
política e era visto com desconfiança, principalmente pelos opositores ao franquismo.
Afinal, além de designado futuro Chefe de Estado pelo próprio ditador, sua formação se
dera na Academia Militar e seu preceptor tinha sido Torcuato Fernández-Miranda, ex-vice-
primeiro ministro, secretário-geral do Movimiento até 1974, e presidente das Cortes no
momento da coroação do Rei.
Juan Carlos entendia que o futuro da Espanha seria a democracia e que nesse cenário,
seu papel seria o de reinar, não o de governar. Durante a transição, contudo, como diria o
historiador Javier Tussel, foi preciso reinar e governar, o que o jovem Rei fez com
serenidade, mas com a firmeza necessária nos momentos críticos. A primeira indicação
pública de que sua Espanha seria diferente da franquista apareceu em seu discurso na
solenidade de coroação, em 22 de novembro de 1975, dois dias após o enterro do ditador:
"Hoy comienza una nueva etapa de la historia de España... Una sociedad libre y moderna
requiere la participación de todos en los foros de decisión, en los medios de información,
en los diversos niveles educativos y en el control de la riqueza nacional. Hacer cada día
más cierta y eficaz esa participación debe ser una empresa comunitaria y una tarea de
gobierno". Foi um pronunciamento animador para os opositores, mas acompanhado de
decepção quando o rei confirmou no cargo de Chefe do Governo o reacionário Arias
Navarro, ocupante do posto desde que a organização separatista basca ETA assassinara o
antecessor, almirante Carrero Blanco, num espetacular atentado a bomba, em 1973.
O Rei seria mais explícito no ano seguinte. Na primeira visita de um chefe de Estado
espanhol aos Estados Unidos, Juan Carlos, em discurso em inglês perante uma sessão
conjunta do Congresso, afirmou que a Monarquia faria “que se assegure o acesso ordenado
ao poder das distintas alternativas de governo, segundo os desejos do povo livremente
expressados”. Esse hiperbólico compromisso com a democracia e com a alternância política
no poder era uma negação absoluta da política franquista, representada por Arias Navarro.
Havia chegado a hora de substitui-lo e o Rei fez isso, mas a escolha foi vista, mais uma vez,
com desconfiança pela esquerda e com desdém pela direita.

"Adolfo, ¿qué haces? ¿Quieres venir a tomar café?", perguntou o Rei Juan Carlos ao
telefone.
Adolfo Suárez aceitou o convite sem hesitar, vestiu um terno azul escuro e dirigiu seu
SEAT 127 (versão espanhola do Fiat 147 brasileiro) até o Palácio de La Zarzuela,
residência do Rei, que o recebeu imediatamente e pronunciou outra frase celebremente
pouco protocolar:
“Adolfo, te quiero pedir un favor. Acepta la Presidencia del Gobierno”.
“Ya era hora” - respondeu Suárez, de forma igualmente pouco protocolar.
"Já era hora" porque havia meses circulavam boatos de que Suárez poderia ser nomeado
Primeiro Ministro e porque o então Primeiro Ministro Arias Navarro, nomeado por Franco,
desde a morte deste era considerado um cadáver político.
O escolhido, Adolfo Suárez, tinha sólidos antecedentes franquistas. Com Franco ainda
vivo, fizera parte do Governo Arias Navarro com o cargo de Ministro Secretário-Geral do
Movimiento. Intelectualmente preparado (Doutor em Direito), mas discreto, era
desconhecido da população e ridicularizado pela esquerda, que o via como um típico
“gerente de loja de El Corte Inglês”, numa referência a uma rede de lojas de
departamentos, enquanto os franquistas o tinham como um fantoche a ser devidamente
manipulado. Em meio ao descrédito, Suárez não conseguiu atrair grandes personalidades
para seu Gabinete, que tomou posse perante o Rei no dia 05 de julho de 1976.
A desconfiança, evidentemente, não contribuía para a estabilizar a situação política e
econômica, que se agravava. As medidas econômicas iniciais foram tímidas, mas em
setembro o Governo surpreendeu os espanhóis com um Projeto de Reforma Política que,
entretanto, também foi recebido com descrédito, pois supunha que as Cortes franquistas não
apenas o aprovariam, levando a uma democratização do país, como cometeriam um
suicídio ao se auto-dissolverem.
Para surpresa de muitos, foi o que aconteceu em 18 de novembro, quase 40 anos depois
das últimas eleições democráticas, realizadas em 1939, na Espanha Republicana. Num
processo conduzido por Torcuato Fernández-Miranda, que ainda se imaginava eminência
parda por trás do Rei e de Suárez, mais de dois terços das Cortes aprovaram a Reforma, que
foi confirmada por 94% do eleitorado, em referendo realizado em 15 de dezembro de 1976.
A crise econômica se agravava. Em quatro anos, o governo havia recorrido a oito
“pacotes de medidas” - algo que soaria familiar aos brasileiros, que viveram de pacote-em-
pacote grande parte das décadas de 1980 e 1990 - e se o avanço das reformas permitia que a
oposição reprimida pelo franquismo se expressasse, também permitia a eclosão de um surto
de greves e manifestações, inclusive do nacionalismo em províncias como o País Basco e a
Catalunha, onde até o idioma local havia sido proibido por Franco.
Inicialmente surpreendida pelos acontecimentos, também a direita partiu para o
confronto. Multiplicaram-se os atos de insubordinação militar – inclusive com
pronunciamentos insultuosos ao general liberal Manuel Gutiérrez Mellado, chefe do Estado
Maior do Exército até setembro de 1976, quando assumiu a Primeira Vice-Presidência do
Governo para Assuntos da Defesa. Meses depois, o próprio Fernández-Miranda renunciou,
abandonando seu ex-discípulo e Rei semanas antes das eleições, marcadas para o dia 15 de
junho de 1977, das quais participaria até mesmo o Partido Comunista.
O resultado das eleições foi uma rejeição inapelável ao franquismo (representado
eleitoralmente pela Alianza Popular - AP) por parte da população, o que obviamente não
foi aceito pelos franquistas empedernidos. O centro reformista composto à direita pela
União de Centro Democrático (UCD), um “partido ônibus”, como dizia Ulysses Guimarães
referindo-se ao PMDB, liderada por Suárez, tendo à esquerda o Partido Socialista Operário
Espanhol (PSOE), no qual o jovem dirigente Felipe González afastara as antigas lideranças
partidárias, obteve a maioria absoluta.
Fonte: http://www.vespito.net/historia/transi/resulft.html

Quase eqüidistantes do centro, mas em direção opostas, o Partido Comunista Espanhol


(PCE) e a Aliança Popular (AP), entenderam que o momento não era o segundo tempo da
Guerra Civil. O fundamental era pensar no futuro e sobre este pairava um passado que
precisava ser superado. Era preciso reformar a economia e as instituições espanholas
herdadas do franquismo e com urgência. Estavam definidos, assim, os limites e as
possibilidades de intervenção de cada projeto político. Ninguém tinha condições de impor a
sua proposta ou impedir, isoladamente, aquela que tivesse o apoio da maioria dos demais.
O melhor caminho seria aquele resultante da negociação.
O Parlamento (Cortes bicamerais) eleito em julho de 1977 não tinha formalmente
atribuições constitucionais, mas a Lei Orgânica do Estado – A Carta Outorgada franquista
de 1967, era incompatível com a democracia, entre outros motivos porque estabelecia que o
Governo não era responsável por seus atos perante as Cortes. Assim, paralelamente à
apreciação de projetos de lei ordinária, os eleitos elaboraram uma nova Constituição,
aprovada em 31 de outubro de 1978 – entre os deputados por 325 votos a favor, 6 contra e
14 abstenções (entre as quais as dos nacionalistas bascos), e no Senado por 226 votos a
favor, 5 contra e 8 abstenções. Mantendo o ritmo político intenso da transição, o texto foi
submetido a referendo popular em 6 de dezembro de 1978, sendo aprovado com um
resultado expressivo, mas menos inequívoco que as reformas anteriores: 33% de abstenção,
15,7 milhões de votos pelo sim (58% do eleitorado) e 1,4 milhão (8% do eleitorado) pelo
não.

Com 45 artigos, a Constituição Espanhola de 1978 foi sancionada pelo Rei no dia 6 de
dezembro, tendo por palavras iniciais a afirmação do primado da soberania popular:

“Don Juan Carlos I, rey de España. A todos los que la presente vieren y entendieren.
Sabed: Que las Cortes han aprobado y el Pueblo Español ratificado la siguiente
Constitución:”
Tão logo foram conhecidos os resultados das eleições, ainda em 1977, Suárez, com uma
legitimidade renovada, formou um Gabinete com um perfil totalmente diverso do anterior.
Nele tinha lugar de destaque Enrique Fuentes Quintana, um economista respeitado, Doutor
Honoris Causa de diversas universidades e ocupante do cargo equivalente ao brasileiro
Secretário da Receita, que foi nomeado Vice-Presidente do Governo para Assuntos
Econômicos e Ministro da Economia. A ele coube elaborar a minuta de um programa
econômico a ser submetido aos diversos segmentos sociais em consultas que começaram
em agosto.
O texto final da proposta de Fuentes Quintana, com as contribuições obtidas durante as
consultas, ficou pronto no início de outubro de 1977, sendo apresentado aos representantes
de todos os partidos com representação parlamentar no final de semana de 8 e 9 do mesmo
mês. Com um misto de reserva e barganha, o documento foi apresentado como “resumo de
trabalho” e entregue a comissões especializadas para discussão de detalhes.

Os Pactos

Como resultado das negociações, no dia 25 de outubro, no Palácio de la Moncloa, dois


documentos foram submetidos aos dirigentes dos partidos espanhóis representados no
parlamento eleito em julho: o Acordo sobre Questões Jurídicas e Políticas, que não foi
firmado pelos herdeiros do franquismo agrupados na AP, e o Acordo sobre o Programa de
Saneamento e Reforma da Economia. Ambos tratavam de dar resposta a problemas
urgentes relativos à redemocratização do país e à estabilidade econômica. As questões de
princípio, as medidas estruturais e de longo prazo foram deixadas para o texto
constitucional que seria elaborado pelos eleitos para as Cortes, em julho.
O Acordo sobre Questões Jurídicas e Políticas concentrou-se na liberalização das
atividades políticas e cívicas, tais como o direito de reunião, a definição dos pontos centrais
de uma reforma do Código Penal e na reorganização das forças encarregadas da ordem
pública. Já o Acordo sobre o Programa de Saneamento e Reforma da Economia era muito
mais detalhado e abrangente. Incluía o endosso a uma política monetária contracionista,
uma política fiscal com o objetivo de reduzir o déficit público, uma política cambial realista
que implicava numa desvalorização da peseta, o atrelamento dos salários à inflação, com
um limite voluntário por parte dos trabalhadores a reajustes de no máximo 22% nos 12
meses seguintes e a autorização da contratação temporária de jovens que nunca tivessem
sido empregados anteriormente, como forma de redução do desemprego. O documento
apontava, ainda, a necessidade de reformas a serem discutidas no futuro, entre elas a
reforma fiscal, do sistema financeiro, da seguridade social, urbana e da política agrícola e
educacional.
Os pactos produziram alguns resultados imediatos tanto na esfera política quanto
econômica, mas não deram solução a todos os problemas visados. A inflação caiu
rapidamente, as finanças públicas foram saneadas e os investimentos privados tanto
internos quanto externos cresceram rapidamente. O desemprego continuou elevado, apenas
parcialmente atenuado em seus efeitos por políticas compensatórias. A Espanha reduziu
rapidamente a distância que a separava dos países desenvolvidos da Europa e junto com
Portugal passaria a fazer parte da Comunidade Européia, em 1986.
A democracia se tornou uma realidade, com total vigência das liberdades públicas, o
que não impediu que os radicais franquistas seguissem conspirando (no episódio mais grave
uma conspiração militar levou o tenente-coronel Antonio Tejero, da Guarda Civil, a tomar
as Cortes em meio a uma sessão, no dia 23 de fevereiro de 1981, fazendo reféns a seus
membros, inclusive Suárez, numa tentativa de golpe de Estado que terminaria por fracassar)
e que a organização separatista basca Euskadi eta Askatasuna (ETA) mantivesse sua
política terrorista. O custo político do ajuste foi pago pela UCD, que nas eleições de 1982
obteve apenas 6,7% dos votos e se fragmentou com uma fração, liderada por Suárez,
formando o Centro Democrático Social (CDS), uma parcela aderindo ao PSOE e o setor
mais à direita aproximando-se da AP, que em 1990 se transformaria em Partido Popular
(PP).
Cerca de 30 anos depois dos Pactos, a Espanha tem uma economia estável, com uma
população de menos de ¼ da brasileira, e um PIB que em 2004 era 50% maior. Juan Carlos
I segue como chefe de Estado e descarta a possibilidade de abdicar em favor de seu filho
Felipe. Adolfo Suárez, que deixou a chefia do Governo em 1981, substituído por Leopoldo
Calvo Sotelo até as eleições de 1982. Suárez está vivo, mas sofre do Mal de Alzheimer.
Não lembra de seu passado e sequer reconhece o filho. Os principais partidos já se
alternaram no governo sendo que o atual primeiro ministro, José Luis Rodriguez Zapatero
(PSOE), assim aquele que o antecedeu, o conservador José Maria Aznar (PP) eram
adolescentes quando Franco morreu.

Os limites do modelo

No Brasil, como em diversos países latino-americanos, a realização de uma versão local


dos Pactos de la Moncloa é periodicamente vista como forma de superar o que parece ser
um impasse diante da necessidade de reformas institucionais cuja concretização esbarra na
pulverização dos interesses particulares. As propostas nunca foram além disso – de
propostas – porque o que se tem sugerido é a replicação de uma experiência única ao invés
de buscar uma solução específica para cada país latino-americano.
Os Pactos de la Moncloa podem ser inspiradores, mas jamais serão “clonados” porque
seu DNA se esgotou ao se produzirem os resultados pretendidos. O fato de que neste maio
de 2006, no mesmo palácio se tenha concluído um Acordo para a Melhoria do
Desenvolvimento e do Emprego, envolvendo trabalhadores, empresários e o próprio
governo, prova que é possível chegar a um consenso quanto a políticas nacionais, mas não
se trata de uma reedição dos Pactos de la Moncloa que foram um momento singular,
conseqüência das tensões acumuladas durante o franquismo e ponto de partida do
desenvolvimento posterior de uma Espanha renovada, onde todos sabem que cada tourada é
diferente e a ninguém ocorre a idéia de matar duas vezes o mesmo touro, mesmo
metaforicamente.

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