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Tema 1: o agro é pop? O que produz, quem produz e quanto produz? Onde?
Em 2020 e agora em 2021, anos em que vivemos a pandemia, e com ela a pior crise
econômica e humanitária a nível planetário, nós no Brasil presenciamos sucessivas safras
recordes de grãos. O feito é noticiado, ou, mais do que isso, alardeado, comemorado,
exibido como um troféu. E os números, impressionantes, estão ainda em crescimento: “A
safra nacional de grãos deve atingir mais um recorde, o terceiro consecutivo, neste ano,
com 260,5 milhões de toneladas, um crescimento de 2,5% em relação a 2020”. Importante
seria alardear, junto a esses números, outros: qual o montante da fortuna arrecadada com
as exportações de grãos, dado o câmbio atual? quantos brasileiros se beneficiam dessa
fortuna?
Mas parece não haver nessa falta nenhum incômodo, basta aos brasileiros ter notícia dessa
“nossa riqueza”.
Não tenho dúvidas: a ideia é fazer com que o brasileiro tenha orgulho de algo que seria “do
Brasil”, porém, algo do qual ele não necessariamente se beneficia, pelo menos de maneira
direta ou efetiva. Assim, cabe perguntar: e o orgulho do brasileiro em relação às
universidades, à ciência, ao SUS, por exemplo? Há em curso processos de destruição e/ou
de deterioração, que atingem tudo o que pode tirar da miséria o brasileiro. E o que sabe
disso o brasileiro que deve ter orgulho da indústria-riqueza?
O que dizer de um governo que, na crise sanitária que se instalou com a pandemia, troca
um ministro da Saúde médico, e outro em seguida, instalando um general que assume que
não entende nada do SUS? O que se disse a respeito na mídia foi muito, muito pouco.
Muito mais poderia ser dito a respeito da decisão do governo de deixar o vírus correr solto.
Embora o SUS no momento esteja muito presente nas pautas televisivas e esteja sendo
referido por comentaristas como exemplo mundial de sistema público de Saúde, parece-me
que falta à população informação com relação ao que existe de fato para que esse
funcionamento se dê, em termos de uma estrutura pública de Educação superior, Ciência e
Saúde — estruturas que são visadas como possíveis terrenos de encampação pelo setor
privado. Então: propagandeia-se um orgulho pela safra recorde e os profissionais de saúde,
entre outros funcionários públicos, devem ter seus salários congelados. E os profissionais
da saúde e da educação do sistema público são ainda e de novo exaltados enquanto
heróis, em seu sacrifício diário – perversa ladainha das mais antigas nesse país.
O SUS faz parte de uma política por meio da qual uma atenção mínima à população deu-se
a partir de uma estrutura que não é pequena nem simples, nem pode ser simplificada, pois
demanda de diversas áreas e demandou de fato uma série de ações e incentivos díspares,
que inclui a estruturação e provisionamento, não no ideal, certamente, do Sistema Único de
Saúde para atingir, nesse território gigante, o maior número possível de cidadãos – mas
passa também pela pesquisa populacional (IBGE) e pelo sistema de monitoramento
ambiental do território da União (INPE), ambos atacados/desmontados pelo governo federal
atualmente.
E ainda pela legislação ambiental, que foi investida nesses últimos anos e é das mais
atualizadas frente ao contexto internacional. Com ela, assegura-se o direito à terra para
populações que vivem de forma coletiva, por exemplo em regime de extração sustentável. A
legislação ambiental, como sabemos, tem sido escancaradamente inoperada (com o
desmonte do IBAMA e ICMBio, o perdão de multas, a regularização fundiária). Falta dizer
que essa inoperância hoje da legislação ambiental no Brasil se dá na direção do melhor
aproveitamento do capital, desse mundo financeiro que reproduz o dinheiro à custa de
vidas, da fome, de vidas miseráveis ou perdidas ou iludidas.
O Estado, que se quer sempre cada vez mais mínimo, atuava minimamente na proteção da
população, graças a uma política nesse sentido que buscou atender no básico a uma
população enorme que se espalha nesse território gigantesco, com suas especificidades
regionais – os brasileiros, não?
Tais questões passam pelos noticiários da imprensa tradicional, mas os “fatos noticiados” na
grande mídia não são destrinchados em uma perspectiva crítica que os correlacione, e o
que resta é a repetição de determinadas “conclusões” como: a pandemia afeta de modo
desigual a população, o presidente deve ser afastado da gestão da pandemia, os remédios
tal, tal, tal “não tem eficácia comprovada”. Aliás, intrigante essa construção: dizer que “não
tem eficácia comprovada” deixa uma margem de possibilidade, um “pode-se ainda
comprovar”. Melhor seria dizer que comprovadamente não tem eficácia nenhuma contra a
covid.
Não se identifica nas imagens da campanha “Agro é tech” uma entidade que a estaria
promovendo, o que coloca a Rede Globo como autora responsável. Porém, nesse falar de
uma aparente “agricultura generalizada”, justamente, não é difícil identificar sobre qual
produtor rural está se falando: é sim o produtor rural das safras recordes, o produtor
do agrobusiness, é o sujeito que produz commodities, ou seja, um “agricultor” entre aspas
pois o que produz não é alimento, e sim mercadoria (dinheiro, capital). Daí que não haja
espanto algum que as safras recordes se deem no país que entra nesse momento numa
situação de fome calamitosa.
Tendo tudo sido exposto na televisão, a crítica parece estar sendo feita, considerando esse
papel de enorme responsabilidade da imprensa: a opinião pública não é algo que está
presente na população, de antemão, a qual a mídia detecta com a pesquisa, mas algo que
a própria mídia produz ao produzir indignação ou produzir orgulho, ou manter silêncio.
Seria o caso de compreender o silencio naquilo que é dito na emissão jornalística. Com
relação ao agronegócio, uma reportagem no dia 24 de fevereiro de 2021 no Jornal
Nacional fala em 13 mil empregos gerados pela soja, sem nenhum elemento crítico que
possa colocar uma tensão no dado numérico e seu “efeito informativo”. Seria preciso, se se
trata de um jornalismo mínimo, relembrar ao telespectador o caráter ínfimo desse dado.
Para começar, não são empregos, mas “bicos”: os postos de emprego noticiados pela
reportagem duram o tempo da colheita. Para terminar, o que são 13 mil postos de emprego
numa economia que rendeu os milhões de sacas que a soja propagandeia? Para se ter uma
ideia do absurdo de se propagandear esses 13 mil postos de emprego, na agricultura
familiar – a atividade agrícola que de fato nos sustenta, nos alimenta – são 10 milhões de
postos