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GEOGRÁFIA

DAVI PLÁCIDO ALVEZ PEREIRA

ISIS CAPELLATTO SANTANA

IZABELLA COSTA DA SILVA

GABRIELA LOPES DA SILVA

RENATO PIMENTA DOS SANTOS

SANTIAGO DOS SANTOS GOMES

VITORIA APARECIDA CORREIA

Tema 1: o agro é pop? O que produz, quem produz e quanto produz? Onde?

Em 2020 e agora em 2021, anos em que vivemos a pandemia, e com ela a pior crise
econômica e humanitária a nível planetário, nós no Brasil presenciamos sucessivas safras
recordes de grãos. O feito é noticiado, ou, mais do que isso, alardeado, comemorado,
exibido como um troféu. E os números, impressionantes, estão ainda em crescimento: “A
safra nacional de grãos deve atingir mais um recorde, o terceiro consecutivo, neste ano,
com 260,5 milhões de toneladas, um crescimento de 2,5% em relação a 2020”. Importante
seria alardear, junto a esses números, outros: qual o montante da fortuna arrecadada com
as exportações de grãos, dado o câmbio atual? quantos brasileiros se beneficiam dessa
fortuna?
Mas parece não haver nessa falta nenhum incômodo, basta aos brasileiros ter notícia dessa
“nossa riqueza”.

A propaganda do agronegócio, de uma campanha já antiga, de 2017, circulou fortemente na


Rede Globo no ano passado e no início deste: “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”. Sim,
é uma propaganda, mas é de responsabilidade de uma determinada empresa jornalística,
que, em sua difusão por todo o imenso território, denota de maneira flagrante esse traço
subdesenvolvido e antidemocrático de nossa Comunicação. A campanha intitula-se “Agro: a
Indústria-Riqueza do Brasil”, numa significação que afirma sem rodeios a agricultura como
uma indústria, aliás a mais rica – e isso é mesmo certo, depois do desmonte da indústria
brasileira que a Lava-Jato promoveu, atingindo diversos setores industriais.

De acordo com Roberto Schmidt (diretor de marketing da TV Globo), o objetivo da


iniciativa é conectar o consumidor com o produtor rural e ao mesmo tempo desmistificar a
produção agrícola aos olhos da sociedade urbana – dado o conjunto da obra, “desmistificar”
deveria ser mostrar a agricultura não só como uma indústria, mas como uma
indústria moderna, confrontando um imaginário de rural como não-tecnológico, atrasado.
“Queremos mostrar que a riqueza gerada pelo agronegócio movimenta os outros setores da
economia”, salientou, acrescentando que: “a ideia é fazer com que o brasileiro tenha
orgulho do agro”.

Não tenho dúvidas: a ideia é fazer com que o brasileiro tenha orgulho de algo que seria “do
Brasil”, porém, algo do qual ele não necessariamente se beneficia, pelo menos de maneira
direta ou efetiva. Assim, cabe perguntar: e o orgulho do brasileiro em relação às
universidades, à ciência, ao SUS, por exemplo? Há em curso processos de destruição e/ou
de deterioração, que atingem tudo o que pode tirar da miséria o brasileiro. E o que sabe
disso o brasileiro que deve ter orgulho da indústria-riqueza?

A destruição atinge os direitos trabalhistas, aprofundando a direção neoliberal no atual


governo. Atinge o direito à terra, no percurso mesmo dos incêndios e invasões ilegais em
terras da União, no cerne da guerra política, econômica, cultural uma vez posta no “meio
ambiente” e nunca cessada. E atinge o Sistema de Saúde e a educação básica, para ficar
nos serviços públicos mais fundamentais. Se a pandemia, como dizem, afeta
“desigualmente” o brasileiro, afeta diretamente o trabalhador assalariado ou informal, o
microempresário, aqueles que mais dependem não só do “livre comércio”, mas também de
todo um sistema público, hoje estressado, sucateado ou desmoronando. Portanto, cresce
hoje absurdamente a população refém dos auxílios – o mínimo de um mínimo a um
espetacular número de brasileiros. Mas a pandemia não é ela mesma a responsável direta
por esse crescimento da miséria no país, senão o próprio contexto histórico-político,
coroado pelas piores decisões no seu enfrentamento.

O que dizer de um governo que, na crise sanitária que se instalou com a pandemia, troca
um ministro da Saúde médico, e outro em seguida, instalando um general que assume que
não entende nada do SUS? O que se disse a respeito na mídia foi muito, muito pouco.
Muito mais poderia ser dito a respeito da decisão do governo de deixar o vírus correr solto.

Embora o SUS no momento esteja muito presente nas pautas televisivas e esteja sendo
referido por comentaristas como exemplo mundial de sistema público de Saúde, parece-me
que falta à população informação com relação ao que existe de fato para que esse
funcionamento se dê, em termos de uma estrutura pública de Educação superior, Ciência e
Saúde — estruturas que são visadas como possíveis terrenos de encampação pelo setor
privado. Então: propagandeia-se um orgulho pela safra recorde e os profissionais de saúde,
entre outros funcionários públicos, devem ter seus salários congelados. E os profissionais
da saúde e da educação do sistema público são ainda e de novo exaltados enquanto
heróis, em seu sacrifício diário – perversa ladainha das mais antigas nesse país.

O SUS faz parte de uma política por meio da qual uma atenção mínima à população deu-se
a partir de uma estrutura que não é pequena nem simples, nem pode ser simplificada, pois
demanda de diversas áreas e demandou de fato uma série de ações e incentivos díspares,
que inclui a estruturação e provisionamento, não no ideal, certamente, do Sistema Único de
Saúde para atingir, nesse território gigante, o maior número possível de cidadãos – mas
passa também pela pesquisa populacional (IBGE) e pelo sistema de monitoramento
ambiental do território da União (INPE), ambos atacados/desmontados pelo governo federal
atualmente.
E ainda pela legislação ambiental, que foi investida nesses últimos anos e é das mais
atualizadas frente ao contexto internacional. Com ela, assegura-se o direito à terra para
populações que vivem de forma coletiva, por exemplo em regime de extração sustentável. A
legislação ambiental, como sabemos, tem sido escancaradamente inoperada (com o
desmonte do IBAMA e ICMBio, o perdão de multas, a regularização fundiária). Falta dizer
que essa inoperância hoje da legislação ambiental no Brasil se dá na direção do melhor
aproveitamento do capital, desse mundo financeiro que reproduz o dinheiro à custa de
vidas, da fome, de vidas miseráveis ou perdidas ou iludidas.

Ocorre que, no momento mesmo da safra recorde, a estrutura mínima de proteção à


população desse país, gigantesca, tem sido minada, tem sido golpeada, escasseada,
arrasada. O processo de destruição em curso foi visível em sua gritante imagem nos
inumeráveis incêndios florestais ocorridos no país, criminosos, em que vislumbramos
novamente, e sempre, um território rendido aos interesses pífios de uma elite – mesmo que
aparentemente sejam os chamados grileiros a fazer o trabalho sujo da expansão agrícola.
Além de uma mineração primitiva e selvagem, que persiste na maior parte das vezes pela
ilegalidade, também os grandes negócios na agricultura têm na sua constituição as
sucessivas “legalizações” de terras que foram barganhadas, tomadas, ao destituíram delas
ou mesmo ou matar indígenas e caboclos, por exemplo – as “regularizações fundiárias”.

O “auxílio emergencial” é minguado e descontínuo e os outros auxílios vão se escasseando


ou talvez tornados um luxo, entre a parcela “mais afetada”, ou seja, entre aqueles sujeitos
que nada têm diante de um Estado que deve ter – exigência do mercado, que tudo
comanda – cada vez menos a oferecer a eles.

O Estado, que se quer sempre cada vez mais mínimo, atuava minimamente na proteção da
população, graças a uma política nesse sentido que buscou atender no básico a uma
população enorme que se espalha nesse território gigantesco, com suas especificidades
regionais – os brasileiros, não?

Tais questões passam pelos noticiários da imprensa tradicional, mas os “fatos noticiados” na
grande mídia não são destrinchados em uma perspectiva crítica que os correlacione, e o
que resta é a repetição de determinadas “conclusões” como: a pandemia afeta de modo
desigual a população, o presidente deve ser afastado da gestão da pandemia, os remédios
tal, tal, tal “não tem eficácia comprovada”. Aliás, intrigante essa construção: dizer que “não
tem eficácia comprovada” deixa uma margem de possibilidade, um “pode-se ainda
comprovar”. Melhor seria dizer que comprovadamente não tem eficácia nenhuma contra a
covid.

Hoje, na cobertura da imprensa – falo em especial da televisiva –, chama atenção a


produção de uma imagem crítica ao governo, à custa de observações sobre a sua
inoperância na pandemia. As “conclusões” ocupam na emissão jornalística o lugar dos seus
silêncios sobre a cena política. Depois, a pesquisa de opinião pública colhe os frutos, bem
como as eleições. Portanto, tal circulação de “conclusões” – digo conclusões tal o efeito
sintético quanto aos fatos-alvo das notícias – tampona uma crítica mais efetiva, funcionando
na sustentação de um silêncio, por exemplo, quanto à relação entre a produção de grãos, o
desmonte do que é público e a fome.
É lado a lado ao desmonte do que é público, de tudo aquilo que pode beneficiar a
população, que as safras de grãos assumem sucessivos recordes, enriquecendo um
produtor que, em sua maioria, produz em grandes propriedades, remontando ao histórico da
grande plantação, o latifúndio, contando sempre com o financiamento público de seus
investimentos e, quanto ao exportador, contando ainda com a isenção de impostos. Como
pedir que tenhamos orgulho dessa produção tutelada pelo Estado, nesse Estado que não
deve mais dar o mínimo ao brasileiro?

Não se identifica nas imagens da campanha “Agro é tech” uma entidade que a estaria
promovendo, o que coloca a Rede Globo como autora responsável. Porém, nesse falar de
uma aparente “agricultura generalizada”, justamente, não é difícil identificar sobre qual
produtor rural está se falando: é sim o produtor rural das safras recordes, o produtor
do agrobusiness, é o sujeito que produz commodities, ou seja, um “agricultor” entre aspas
pois o que produz não é alimento, e sim mercadoria (dinheiro, capital). Daí que não haja
espanto algum que as safras recordes se deem no país que entra nesse momento numa
situação de fome calamitosa.

Ao mesmo tempo em que propagandeia o agronegócio, a emissora mostra em suas


reportagens um governo ineficiente, nocivo, genocida, um ministro do meio ambiente
vendido. Bolsonaro esbraveja com os jornalistas, com destaque à Globo, e a imagem de um
jornalismo crítico se produzindo parece colar. No quadro de uma crítica ao desastre que se
instalou no país, sobretudo após as últimas eleições federais, falam ministros do STF, fala o
líder da Câmara dos deputados, mostram-se cartas de repúdio, que se somam, junto aos
pedidos de impeachment. E comentaristas avaliam que o governo perde apoio, por isso,
isso e isso.

Tendo tudo sido exposto na televisão, a crítica parece estar sendo feita, considerando esse
papel de enorme responsabilidade da imprensa: a opinião pública não é algo que está
presente na população, de antemão, a qual a mídia detecta com a pesquisa, mas algo que
a própria mídia produz ao produzir indignação ou produzir orgulho, ou manter silêncio.

Seria o caso de compreender o silencio naquilo que é dito na emissão jornalística. Com
relação ao agronegócio, uma reportagem no dia 24 de fevereiro de 2021 no Jornal
Nacional fala em 13 mil empregos gerados pela soja, sem nenhum elemento crítico que
possa colocar uma tensão no dado numérico e seu “efeito informativo”. Seria preciso, se se
trata de um jornalismo mínimo, relembrar ao telespectador o caráter ínfimo desse dado.
Para começar, não são empregos, mas “bicos”: os postos de emprego noticiados pela
reportagem duram o tempo da colheita. Para terminar, o que são 13 mil postos de emprego
numa economia que rendeu os milhões de sacas que a soja propagandeia? Para se ter uma
ideia do absurdo de se propagandear esses 13 mil postos de emprego, na agricultura
familiar – a atividade agrícola que de fato nos sustenta, nos alimenta – são 10 milhões de
postos

Quanto à promoção do agronegócio como indústria-riqueza do Brasil, o mais importante é


não só olhar para o incremento dessa produção agrícola enquanto produção de mercadoria,
que enriquece meia dúzia e encarece a oferta do alimento no mercado interno. Mas
principalmente considerar como isso está em oposição flagrante a outras políticas como a
política de fortalecimento da agricultura familiar e/ou da agricultura orgânica; bem como à
política das áreas protegidas enquanto terras da União, que dá possibilidade de existência a
outras culturas, em suas formas de se relacionar com a terra, diversas sobretudo daquela
voltada unicamente para o rendimento monetário, que ignora a alimentação da população e
que esgota a terra. Temos alguns trabalhadores do campo, algumas populações tradicionais
que resistem produzindo alimentos, muitas vezes orgânicos, alguns destes derivando do
movimento MST criminalizado pela Rede Globo.

Seria o caso, quanto à reportagem mencionada, de se questionar se se pode


considerar stricto sensu ser parte de uma prática de jornalismo, embora o fato de inscrever
no jornal televisivo mais destacado do país possa assim significá-la. Há, no meio
jornalístico, o termo “matéria paga”. No silêncio em torno do número (13 mil) sobre os
empregos no âmbito do agronegócio (um número que não diz nada no contexto nacional), o
jornalismo da Globo escancara sua relação com esse mesmo governo genocida que é
criticado pela gestão da pandemia – parece que ambos são financiados pela mesma
economia.

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