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"Neurociência = conhecer para influenciar o comportamento do cliente, do funcionário, do

empresário"

Ao longo do tempo, diversos campos de estudos se aventuraram a analisar o comportamento


humano, especialmente a maneira como fazemos escolhas, elemento essencial para entender
o comportamento do cliente, do funcionário e do empresário. Ao se deparar com várias
limitações das teorias da economia e do marketing, os autores do ensaio “Neuroeconomia e
neuromarketing: Imagens cerebrais explicando as decisões humanas de consumo” apresentam
as novas correntes de estudo que buscam se ancorar na neurociência – a neuroeconomia e o
neuromarketing. O objetivo do presente trabalho é discutir em que medida o conhecimento
em neuroanatomia /neurociência permite influenciar o comportamento do cliente, do
funcionário e do empresário, considerando os artigos sugeridos, o aprendizado na disciplina de
Neuroanatomia e leituras complementares.

Com o avanço recente da utilização de conhecimentos em neurociência no marketing e na


economia, um dos primeiros avanços foi comprovar que “os aspectos emocionais passaram a
ser incorporados na formação de preferências e a influenciar os processos de escolhas” (Ensaio
neuroeconomia e neuromarketing, 2011). Esse sem dúvida foi um grande impulsionador dos
trabalhos de marketing para influenciar o consumo, pois claramente nos últimos anos temos
visto cada vez mais o “apelo emocional” na construção da comunicação das marcas com seus
consumidores. Damasio em “O erro de Descartes” evidencia que mesmo aquelas decisões que
parecem racionais e baseadas em fatos, tem um processamento emocional inerente e
fundamental, ou seja, não existe isso de que emoção só “atrapalha” a tomada de decisão.

Dessa forma, quando falamos em tomada de decisão, precisamos falar do funcionamento do


sistema límbico (oriundo do circuito de Papez), ou seja, o conjunto de estruturas corticais e
subcorticais que participam diretamente do processamento da emoção. Estamos então
falando das áreas corticais da fase medial e inferior do encéfalo, ao redor do diencéfalo e do
tronco encefálico (giro paraterminal, giro do cíngulo, istmo do giro do cíngulo, giro para-
hipocampal e unco), áreas corticais da região basilar temporal e orbitofrontal, complexo
amigdaloide, região ventral do corpo estriado (núcleo acumbens, núcleo caudado, putame e
globo pálido), núcleos septais e outros núcleos da base, corpo mamilar do hipotálamo, núcleos
anteriores e mediais do tálamo, núcleo das habenulas do epitálamo, formação reticular do
tronco encefálico e insula.
Além do sistema límbico, precisamos também entender o papel do hipocampo, pela sua
atuação indireta no processamento emocional e na consolidação da memória. E finalmente, é
indispensável lembrar a função do córtex, principalmente do córtex pré-frontal e a área
temporoparietal, envolvidos na tomada de decisões de longo prazo. 

Nosso sistema emocional se desenvolveu para constituir uma capacidade ao ser humano de se
adaptar e, portanto, garantir a sobrevivência, a partir do reconhecimento do ambiente para se
antecipar aos riscos. Tudo começa quando os estímulos sensoriais são levados para o tálamo e
após breve processamento são encaminhados para o complexo amigdaloide que tem papel de
interface entre as percepções e emoções, pois avalia o nível de ameaça no ambiente,
facilitando a formação das memórias emocionais, ou seja, de reconhecer no ambiente quais
estímulos possuem relevância. Desse complexo partem principalmente as reações de medo,
raiva, agressividade e fuga. Já os estímulos de cunho positivo, estão mais envolvidos com uma
parte dos núcleos da base, o núcleo acumbens, área relacionada com os mecanismos do prazer
e da recompensa. Por isso, é muito difícil resistir a uma comida que gostamos muito, por
exemplo.
Uma estrutura que interage com o complexo amigdaloide e permite consolidar e resgatar as
memórias de longo-prazo e tem grande relevância no processo de tomada de decisão é o
hipocampo. Para ilustrar esse processo, podemos citar um dos experimentos pioneiros que
evidenciou a formação das preferencias no cérebro, onde participantes tinham que indicar sua
preferência entre Coca-Cola ou Pepsi (Ensaio neuroeconomia e neuromarketing, 2011). Esse
experimento demonstrou que quando os participantes experimentaram a amostra sem
identificação, eles acionaram a “região do cérebro pela sensação de recompensa”, mas
quando experimentaram sabendo qual era a marca, eles ativaram o hipocampo. Ou seja, “os
indivíduos escolheram não mais o que agradava o paladar, mas aquele que estavam mais
acostumados ou que era considerado socialmente melhor”.

O sistema límbico, portanto, nos “puxa” para a decisão com foco no curto-prazo, ou seja, na
leitura no ambiente naquele momento, como é explicado no Ensaio neuroeconomia e
neuromarketing (2011). Quando nosso córtex pré-frontal entra em ação, avaliamos os prós e
contras, alternativas e consequências, conseguindo, dessa forma, tomar decisões mais
sustentáveis, ou seja, de longo-prazo. Um exemplo disso é o famoso teste do marshmallow
também citado no Ensaio acima, onde as crianças tinham em sua grande maioria dificuldade
de não comer o doce naquele momento para receber mais no futuro. Isso faz todo sentido,
uma vez que o córtex pré-frontal é o último a se desenvolver, só na idade adulta, o que
permite que o sistema límbico atue com mais espaço ainda. Por isso, sabemos que o
desenvolvimento das áreas terciárias corticais junto e do sistema límbico é a última fronteira
do desenvolvimento do cérebro humano.

Outra estrutura importante nos mecanismos neurobiológicos para explicar o comportamento


de escolha é a insula. Nos experimentos de Jones, Childers e Jiang (Math anxiety modulates
brain responses to buying decisions, 2011) a insula em conexão com o córtex pré-frontal
parece enviar sinais sobre o estado do organismo em relação ao preço, por exemplo, se há
percepção que está alto ou não. Outros componentes relevantes nesses processos são a
formação reticular, uma rede de neurônios que alerta o córtex para as informações sensoriais
(eventos que despertam a emoção são filtrados por essa rede) e o epitálamo, especialmente o
núcleo habenular, relacionado com as respostas emocionais aos cheiros/odores.

Por fim, não basta conhecer algumas estruturas que compõem o sistema límbico e sua
interação com o hipocampo e o córtex pré-frontal, sem sinalizar a importância da química
cerebral para o potencial do comportamento. As principais substâncias químicas que são
usadas para regular o nosso corpo são os neurotransmissores e hormônios. Os
neurotransmissores são capazes de interferir diretamente no nosso comportamento, pois
estimulam ou inibem a comunicação entre os neurônios. Um deles é a dopamina, bastante
citado na mídia hoje em dia, como responsável por ativar o prazer (chamado sistema de
recompensa), mas que na verdade parece estar mais relacionado aos comportamentos
consumatórios do que propriamente às vivências emocionais do prazer.

Produzida na substância negra do mesencéfalo, a dopamina possui um papel fundamental na


execução dos movimentos e na motivação intrínseca. Quando um movimento é voluntário, os
neurônios dos núcleos da base aumentam a atividade de neurônios talâmicos e do córtex
cerebral, facilitando a execução dos movimentos. Por outro lado, a liberação excessiva desse
neurotransmissor provoca processos de consumo compulsivo e de adição/vícios (drogas, por
exemplo). Entender o papel excitatório e inibitório da dopamina e a relação com os núcleos da
base é interessante para compreender a motivação para o ato de compra ou determinados
movimentos/ações intencionais do indivíduo.
A questão hormonal também é abordada no Ensaio já citado de neuroeconomia e
neuromarketing, como fator de influência direta no comportamento humano. Os autores
trazem o exemplo da testosterona, mais presente nos homens, que pode ser um fator que
explica porque homens preferem carros esportivos e velozes, por exemplo. Outro hormônio
discutido é a oxitocina, que parece ter efeito em promover mais confiança nas pessoas ao
redor, como, por exemplo, ser recebido de forma cortês por vendedores teria esse efeito
sobre o consumidor, o que coloca esse hormônio como importante para desenvolvermos
grupos sociais.

CONCLUSÃO

Como podemos ver, o conhecimento em neuroanatomia / neurociência tem impulsionado de


fato o trabalho da economia e marketing no sentido de explicar e antever os comportamentos
do consumidor e, assim, ajudar o empresário e funcionários a definir melhores ações de
influenciar o comportamento do cliente. Ao mesmo tempo, os exames de ressonância
magnética funcional (fMRI) possibilitaram entender como diversas estruturas são ativadas de
forma simultânea no processo de tomada de decisão e como é ampla a variedade de circuitos
que podem ser formados. A emoção deixou de ser um elemento tratado “a parte”, pois na
verdade está intrinsicamente associada ao bom funcionamento de diversas funções mentais. E
alguns conceitos populares ficaram banais, como falar simplesmente da teoria do cérebro trino
ou da diferenciação dos hemisférios cerebrais em lados direito e esquerdo com funções
completamente opostas ou aisladas.

Entretanto, mesmo considerando os avanços no estudo decisões de consumo, o artigo “ New


scanner data for brand marketers: how neuroscience can help better understand diferences in
brand preferences” (Venkatraman, Clithero, Fitzsimons, Huettel, 2012) chama a atenção que o
neuromarketing sozinho não pode ser visto como um substituto das análises de dados e de
comportamento já praticadas pelo marketing e a economia. Os autores destacam que existe
uma percepção popular errônea que os estudos das imagens do cérebro podem mostrar qual é
o “botão” que aperto, ou seja, qual a região do cérebro que garantirá a compra do
consumidor. Considerando nosso estudo em neurociência, seria muito simplório acreditar
nessa possibilidade, afinal não existe uma relação linear do estímulo recebido e a resposta
comportamental gerada pelos seres humanos. O processamento é muito complexo e
multifatorial, então não há como ancorar no estudo das partes (neuroanatomia) para
encontrar uma resposta direta de como influenciar o comportamento. O todo não é a soma
das partes quando se trata de um sistema de funcionamento complexo como é o nosso, na
verdade o todo é a potencialização das suas partes. Dessa forma, o que vai de fato produzir
ações mais assertivas para influenciar o comportamento do cliente, do funcionário, do
empresário é o trabalho conjunto e multidisciplinar.

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