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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


MESTRADO EM HISTÓRIA

IRMÃOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENÇA:


A IRMANDADE DO ROSÁRIO DO PELOURINHO
NA BAHIA DO SÉCULO XIX.

Dissertação apresentada ao Mestrado de Histó­


ria da Faculdade de Filosofia e Ciências Huina
nas da UFBa., coino requisito parcial paia ob
tenção do grau de mestre,sob a orientação do
profe. JoSo José Reis.

SARA OLIVEIRA FARIAS

SALVADOR, SETEM BRO DE 1997


»

SARA OLIVEIRA FARIAS

TRMÃOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENÇA:


, IRMANDADE DO ROSÁRIO DO PELOURINHO
NA BAHIA DO SÉCULO XIX.
2

SUMÁRIO

J
A B S T R A C T ....................................................... ...............................................................3
A G R A D E C IM E N T O S........................................................................................................4
A B R EV IA TU R A S................................................................................................................7
IN TRO DU ÇÃ O ................................................1...............................................................8

C A PÍT U L O I - ORGANIZAÇÃO INTERNA ..........................................................11


A importância dos compromissos ........................................................ 11
O socorro aos irm ãos.......................................................................... 13
A normatização da vida le ig a ............................................................... 20
Os leigos no poder ............................................................................. 24
Alianças e rivalidades na meisa.......................................................... 29
As mulheres na m esa................................................................................ 32

C A PÍT U L O n -O TRIUNFO DO RO SÁ R IO SO B R E O E S P ÍR IT O M A LIG N O :


CONFLITOS EN TR E IRM ÃOS E PA D R ES..................................36
Párocos, vigários, capelães na ordem relig io sa....................................37
O jogo de interesses e a aprovação docom prom isso..................40
Capelães X irmãos ................................................................................... 55
Vitória n e g ra ? ............................................................................................ 59

C A PÍTU LO m- A ECO N OM IA DOS IR M Ã O S ..................................................... 60


As obrigações econômicas .................................................................61
A receita do Rosário .......................................................................... 65
Os legados ........................................................................................ 65
Os serviços prestados.................................................................... 70
As propriedades .............................................................................. 75
A despesa do Rosário ........................................................................ 78
A fortuna dos irmãos .......................................................................... 84

CA PÍTU LO IV-FUNERAIS, FESTAS E A DEVOÇÃO DO R O S Á R IO ............90


Irmandades e funerais.............................................................................. 92
A vontade dos irm ãos............................................................................. 99
Os enterros fora da ig reja................................................................... 103
A FESTA NA C O N FR A R IA .............................................................105
A devoção dos irm ãos.......................................................................... 105
O catolicismo frouxo ........................................................................... 107
O ritual da festa .................... ................................................................109
As irmandades e o R o sário .................................................................113
A influência da Romaiiização no R o sá rio ....................................... 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................120


F O N T E S ............................................................................................................. 122
A N E X O ............................................................................................................................... 123
B IB L IO G R A FIA ............................................................................................................. 13^
RESUM O

Esta é uma história institucional da irmandade negra do Rosário dos Pretos


das Portas do Carmo em Salvador, Bahia, durante o século dezenove. Baseada numa
escassa coleção de documentos remanescentes, ela discute a organização interna da
instituição, seus membros, vida econômica, rituais, :omo também tensões e conflitos

interno e externo, particularmente entre a irmandade e as autoridades eclesiásticas.

ABSTRACT

Tliis is an institutional history o f the black brotherhood o f Rosário dos Pretos


das Portas do Carmo in Salvador, Bahia, during the nineteenth century. Basead on a
thin collection o f surviving documents, it discusses the internal organization o f the
institution, its membership, economic life, rituals, as w ell internal and external tensions
and conflicts, particulary between the brotherhood and church authorities
4

A GRA D ECIM EN TO S

No decorrer deste trabalho contei com a colaboração de diversas pessoas. Se


por acaso esqueci de alguém, não me leve a mal, porque descobri que escrever
agradecimentos é tão penoso quanto escrever uma dissertação. Quero agradecer a boa
vontade e paciência de todos os funcionários dos arquivos e bibliotecas onde pesqui­
sei. No arquivo da irmandade do Rosário contei com dedicada paciência de AIbérico
que me acolheu no maior período da pesquisa, a quem agradeço de coração.
Aos irmãos e irmãs da Venerável Ordem Terceira do Rosário que bein me
receberam e me ouviam falar de uma história que ainda estava meio obscura, mas
mesmo assim me incentivavam a sempre seguir adiante. Valeu !
Agradeço à Capes, que financiou a pesquisa mediante concessão de bolsa de
estudos. O apoio da UNEB, através do programa de ajuda de custo foi importante
para a finalização da redação. Presença fundamental tiveram meus colegas, amigos e
alunos do Campus IV-UNEB/Jacobina. Eles foram fundamentais pela preservação do
meu bom humor durante lodo esse período. Me suportaram nos momentos alegres e
difíceis, e ainda bem que suportaram. Minha gratidão em especial a Paulo Garcia,
Graça, Cosme, Iraídes, Jorim a A Zacarias agradeço duplamente como colega de traba­
lho e de mestrado. Apesar de nossas angústias, dividimos os resultados das nossas
pesquisas. Agradeço também ao aluno José Alves que pacientemente elaborava com
mestria os dados numéricos tão caro à mim pela minha aversão à matemática
A o s p r o f e s s o r e s que de fo rm a direta ou indireta c o la b o r a r a m co m es te trab a­

lho. M a r i a l n ê s C ô i t e s de O li v e ir a g en tilm en te colocou á m inh a d i s p o s i ç ã o os testa ­

m en to s e in v e n tá r io s d e libertos. M a r li G e r a ld a T e i x e i r a se m p r e acr ed itou riesse tra­

b a lh o e le m b r o - m e q uando a i d é ia surgiu ua d iscip lin a P e s q u is a H is t ó r ic a S u p erv isi­

onada, s o b sua o rien ta ç ã o . Lina Aras acom panhou os p r im e ir o s passos do trabalho.

C â n d id o da C o s t a e S i l v a contribuiu c o m in f o r m a ç õ e s s o b r e a H is to r ia da Igreja.

J o ã o R e i s f o i b em m a is que um orien tad or. E ste s im um v e r d a d e ir o m estre ria

:u1e da p e s q u i s a C o i r i e i u erros, d ir e c io n o u a p e s q u is a , m uitas v e z e s tam bém se iiritou,

m as m esm o assim n ão p erd eu aq u e le bom e a d m ir a v e l limiioi que m uitas veres se


5

transformava num humor cortante. M as saiba João que eu gostava. Acho agora que
mais palavras são desnecessárias, você bem sabe o que tudo isso representou para
mim.

Aos amigos de muito tempo e os recentes o meu agradecimento mais que


especial. A m élia esteve sempre comigo em vários momentos. A sua bela e atenciosa
colaboração no arquivo da irmandade foi fundamental, além disso compartilhou comi­
go das minhas dúvidas e aflições. Wlamyra foi o que de melhor encontrei nesse traje­
to, parte da dissertação foi concebida também por você e lembro bem como nós fo­
mos solidárias. O resultado está aí. Zé Carlos, Raimundo, Wilma, me fizeram rir de
mim e do meu objeto o tempo todo. E como isso valeu. Adriana, N élia e Jailton
sempre torceram para que tudo desse certo e eu sempre soube disso.
M aita acompanhou todo esse processo. Muitas vezes o cansaço me desanima­
va, mas o seu amor e carinho me abasteciam. Por mais que eu lhe agradeça, mesmo
assim vou ficar lhe devendo. Pacientemente me ouviu falar de irmandade, escravidão
entre outras coisas. Minha gratidão.
A Conceição Neto pelas maravilhosas fotografias da Igreja do Rosário. Tadeu
Lucinno com muita gentileza e bem ao seu estilo de sertanejo corrigiu a versSo final
da dissertação.
6

P ara Lourival e Nilde, meus pais

P ara M aí(a, com carinho.


ABREVIATURAS

A.I.N.S.R. Arquivo da Irmandade de N ossa Senhora do Rosário

APEB Arquivo Público do Estado da Bahia

ACMS Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador

ACMRJ Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro

A.N. Arquivo Nacional

B.N. Biblioteca Nacional

AMRC Arquivo Municipal de Rio de Contas


INTRODUÇÃO

A s irmandades católicas foram no sécu lo passado importantes forma

de organização negra na cidade de Salvador. A través delas é p o ssiv el per­

ceb e r com o se u s asso ciad o s, ainda que p erten cen tes a u m a relig ião oficial,
no c a so o cato licism o , não esq u eceram de sutis trad içõ es. A o invés de co n ­

frontarem d iretam en te com o statu s quo, os co n frad es negros o ptaram por


o u tra fo rm a de resistên cia. L utaram silen cio sam en te dentro do que o sistem a

perm itia.
N o ss a S en h o ra do R osário se pop u larizo u entre o s negros, to m an d o -se

su a p ro teto ra. N a B ahia a irm andade do R o sário foi erg u id a e confirm ada em
1685 na Sé C ated ral. N o inicio do sécu lo seguinte os co n frad es levantaram
su a p ró p ria cap e la às P ortas do C arm o, atual Pelourinho. E a confraria f i­

cou co n h ecid a com o irm andade do R o sário dos P reto s do Pelourinho.


N a cid ad e do Salvador, existiram diversas irm an d ad es do R osário: a do

João P e re ira ,(a igreja existe até hoje na Av. S ete de S etem b ro - M ercês),
R osário dos Q uinze M istério s, nas im ed iaçõ es do Santo A ntônio A lém do

C arm o, a de B ro tas, a de llapagipe, entre o u tras q u e d esap arec eram com o


tem po. M a s felizm ente a m ais antiga irm andade do R o sário , lo calizad a no

largo do P elourinho, se encontra em pleno funcionam ento, tanto a igreja


com o sua irm andade.
A su a história m erece ser contada p o r v ário s m o tiv o s, entre eles o
fato de a irm andade ter sobrevivido quatro sécu lo s, a m aio r p arte do tem po
sob a escrav id ão , contribuindo p ara a afirm ação dos negros e da cultura
negra na B ahia. E ste é um trabalho b asead o ern d o cu m en to s da época, que
cobre a histó ria dos confrades do R o sário no sécu lo XLX. A restrição a
este p erio d o se dá por qu estõ es p ráticas. A d o cu m en tação que se encontra
9

no arq u iv o d a irm andade e outros de S alv ad o r se refere p rin cip alm en te ao

oito cen to s. V ez p o r outra recu o ao sécu lo XVBI, b a s e a d a em inform ações de

cro n istas ou d a bib lio g rafia secundária. C o rresp o n d ên cias, liv ro s de atas, de
en trad a de irm ãos, livros de rece ita e d esp esa, co m p ro m isso s fazem p arte do

acerv o docum en tal da irm andade. N o A rquivo P ú b lic o d a B ahia, os te sta ­

m entos e inventários foram fundam entais p an i ten tar d esco b rir quem eram
e sse s co n frad es.

C om b a s e n essa docum entação, a d issertaç ão está d iv id id a em quatro


cap ítu lo s:

N o prim eiro capítulo, apresento com o se organizava o p o d e r na irm an­


dade, o q u e d itav a seu s com prom issos em relação a q u em m andava, ao
auxílio-m útuo, as alianças étnicas, a red e de so lid a ried ad e q u e se e stab e lecia
n esta fa m ília ritual, os conflitos entre os m em bros, o p ap el da m ulher na
confraria.

N o segundo capítulo, é retratad a a rela ção entre p o d e r e c lesiástico e


p o d er leigo. D estaco aqui o confronto entre o vigário do P a sso eos irm ãos

negros p o r o casião da ap ro v ação do re g im e n o da irm andade no início do


sécu lo XLX. A trav és d esse confronto p u d e p erce b er que, a p e sa r d o s irm ãos

saírem p arcialm en te vito rio so s, tiveram que ac e ita r a fig u ra auto ritária do
vigário. O principal aqui é dem onstrar que e sse s negros não aceitaram tudo

que as au to rid ad es lhes queriam im por que denunciaram e lutaram por in d e­


p en d ên cia no trato de suas instituições.

N o terceiro capítulo, a receita e a d esp esa do R o sário é estu d ad a.


R etrato com o os irm ãos conseguiam arrecad ar dinheiro. D o a ç õ e s, ped itó rio s,
aluguéis e m issas são algum as form as de arreca d ação de recu rso s. Em outro

m om ento, tento d escrev er q u ais eram os itens que m ais so b recarreg av am os


cofres do R osário. A econom ia da irm andade rev ela co n frad es na m aioria

das v eze s pob res. G arantir recu rso s e equ ilib rar re c e ita -d e sp e sa não era
tareia das m ais fáceis.
10

M o rte e fe s ta são tem as do últim o cap ítu lo . E las co n stituíam datas

e sp e c ia is no calen d ário d o s irm ãos. O s p ed id o s de enterros dos confrades

são a n alisad o s atrav és d o s testam entos, onde se vê que as irm andades

eram lo c a is p referid o s p ara o cham ado d escan so final. O s rito s fú n eb res e s ­

tav am p re se n te s n esse rito pós-m orte, com o p o r exem plo, as m issas de c o r­

po p resen te e as m issas o fertad as em fav o r de terceiro s. E m outro m om en­

to, an aliso a v id a festiv a d o s confrades. A d ev o çã o a N .S . do R o sário foi

fundam ental p a ra que os irm ãos sedim entassem su a identidade.


11

CAPÍTULO I

ORGANIZAÇÃO INTERNA

A importância dos compromissos

O co tid ian o d o s irm ãos negros do R o sário d a s P o rtas do C arm o, assim


com o dos m em b ro s de outras irm andades lei gas, era regido p o r norm as de
conduta d itad as p e lo s seu s “ co m prom issos” . A irav és d e sse s estatu to s, v id a e

a m orte dos asso ciad o s eram d iscip lin ad o s i; organizados, se asseg u rav am
direitos e se exigiam o cum prim ento de d ev ere s. O com p ro m isso , enfim ,

im punha ordem , norm atizava as rela çõ es no interior da confraria,

reco m p en sav a e punia.


P a ra q ue um a irm andade fu n cio n asse legalm ente era p reciso te r seu

com prom isso ap ro v ad o p e la s au to rid ad es civ is e relig io sas. A p ó s a


ap ro v ação , os irm ãos estariam aptos a p raticar su a d ev o ção ao santo patro n o
e seu espírito caritativo.
O que se p retende aqui não é um a m era d escriç ão d o s estatu to s que

regeram a irm andade de N o ssa Senhora do R o sário das P o rtas do C arm o


durante o sécu lo XIX. O s co m prom issos são tratad o s com o fontes
im poil antes do período escrav ista que rettata m , em certa m ed id a, a
m entalidade de determ inado grupo, bem com o :>ua c a p a cid ad e de organização
frente a um a so cied ad e p o u co so lid ária e incerta p ara os negros .1 N este

1 Vários autores trabalharam com com promissos de irmandad;s Entre eles destacam-se: Julita
Scarano, D evoção c E scravidão : A Irm andade N ossa S e n h o ra d o R osário d o s P retos no
Distrito D iam antino n o s è a d o X l7I I l , S5o Paulo, N acio n al, 1975: Caio Boschi, Os le ig o s e o
P oder, 33o Paulo, Á tic a , 1986; Patricia Mulvey, " lh e black la y b ro th e rh o o d s o f co lo n ia l Brazil
: a h is to r y " , Tese de Eioutorado , City University o í New York ,1 976, .Jeferson Bacelar &
C oncdt,8o Souza , O R o s in u dos Pretos do P elourinho, Sa'vador, Fundaç&o do Património
ArtiPtifO e Cultural da Bahia, mim eo, 1974; JoSo José Fieis, A M o rte e um a Festa , S5o Paulo,
C & dar l,<rtras , 1991 lvlaricta / J v t s taüiU-rri r r c o iíie c e a importância dos roiriprornissos
enquanto fonte histórica em “ A Importância dos Antigos C om prom issos das Irmandades," m
12

capítulo, procuro organizar informações referentes a m utualismo, conflitos

latentes, p olítica interna, padrões de religiosidade entre outras questões.

O primeiro com prom isso da irmandade do Rosário das Portas do

Carmo de que tenho notícia é datado de 1781, m as não consta entre os

docum entos existentes nos arquivos baianos, e por isso não pude analisá-lo.

O trabalho s e volta então para os seguintes com prom issos: o de 1820, que

vigorou para todo o sécu lo XIX, resistindo a um período de mudanças e às


v eze s turbulento de revoltas federalistas m ilitares, escravas, romanização da

Igreja C atólica, abolição, entre outros acontecim entos que afetaram a


socied ad e baiana. E sse estatuto desencadeou um conflito entre o pároco e

os irmãos, trazendo à tona questões elucidativas a respeito do cotidiano e


da con vivência entre os irmãos e clero, que tratarei adiante.
N a seg u n d a m etade do século XIX, os irm ãos exigiram d a M e s a da
confraria um novo com prom isso, m elhor a d eq u a d o às m u d an ças do período.
N um p ro jeto datad o de 1872, os confrades acred itav am na “ n ece ssid a d e da

organização de um novo com prom isso p ara reg er esta Irm andade [...] em
razão dos n o tá v eis defeitos e om issão que se rece n te o velho com prom isso

que p ro ced en d o com d iv e rsas reform as do ano de 1781 a 1820 ainda rege

com d ecê n cia esta Irm andade.” O p ro jeto não foi adiante e os iim ãos
continuaram com o antigo regim ento. E stu d an d o este e um outro p rojeto
datado de 1873, que não encontrei na d o cu m en tação da irm andade, e que
tam bém não foi aprovado, o antropólogo Jeferson B ace lar e a historiadora
M aria C o n ceição Souza afirm am que não existe nenhum a referên cia quanto à
sua ap ro v ação e vigência, esp ecu lan d o que tais não foram “bem aceito pelas

au to rid ad es, especialm ente na tentativa de elev ação de categ o ria p ara vir
obter priv ilég io s som ente co n ced id o s a ordens te rc e ira s .” A s ordens terceiras

eram ordens que estav am ligadas às ordens conventuais, com o a dos

Alves, Folha'; M o rta s que ressuscitam , (Ttefeitura Municipal do Salvador , 3]«ÍF.C , 1 975), pp 1 1 1-
! ) ? Ver taiiibé:.') Ariders'.'!! José Machado de ’j h v t i r a , c C'a’:dade : l">tundadcs
A e h i '1 iisar n o Rio <ie Ja n eiro Im perial ( 18 ài >~I í 89 ) , l-Jitt roi . UFF D iss de Mestrado , 19S'5.
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b eneditinos, d o s fran ciscan o s, d o s carm elitas, entre o u tras. E las reuniam os

segm entos p riv ileg iad o s da so c ie d a d e e certam en te g o zav am de m ais

p re stig io .2
O fim do sécu lo p ro p o rcio n o u à co n fraria a categ o ria de O rdem

T erceira, rep resen tan d o em certa m ed id a o co m p o rtam en to de um a ép o ca

m arcad a p o r no v o s v alo res. C om isso um novo co m p ro m isso foi escrito, em

1900, que tam b ém será objeto de a n álise.3

O s o c o r r o a o s ir m ã o s

A p re o cu p a ção com a so rte dos irm ãos e te n tativ as de aten u ar as


d ificu ld ad e s da su a v id a m aterial estav am p resen te s nos regim entos das
confrarias. N a s asso ciaç õ es negras, e ssa p re o c u p a ç ã o aum entava. A ssim ,
p ro p o rcio n ar so co rro m aterial em v id a e enterro d ecen te constituíam reg ra
geral. M a s, é p reciso ir além do auxilio-m útuo. O regim ento da irm andade
do R o sário re v e la tam bém estratég ias de Eilianças e riv alid ad e s étnicas.
A trav és do controle dos carg o s dos m esário s é p o ssív e l p e rc e b e r com o se

dava na p rá tic a a p o lític a étn ica entre os irm ãos negros. N o caso dos
africanos, e ssa s confrarias de co r eram esp aço s de re criação das identidades

étnicas airican as. Tinham com o principal critério de id en tid ad e a cor d a p ele
em co m b in ação com a n acio n alid ad e.4
A s confrarias de cor rep resen tav am u m a esp é c ie de fam ília ritual, de
p aren tesco . U m a fam ília que p ro cu rav a proteger e am p arar se u s m em bros. O s
irm ãos da m esm a etnia, e em m uitos caso s de g rupos étn ico s diferentes, se
ajudavam e de certa form a p reserv av am ou re criav am su a s identidades.
A nalisando as confrarias m ed iev ais p o rtu g u esas, a histo riad o ra M aria
H elena da C ru z C oelho, entende que n essas a s s o c ia ç õ e s se encontrava a

2 “Projeto de C om prom isso” ( 1872 ), Razões da Apresentaçfio d'este com prom isso, cx.1, doc 2 ;
Jefersori Bacelar & Maria CoriceiçSo Souza, O Rosário d o s F retos d o F clo u rin h o , p.39.
3 "C o m p ro m isso da Venerável Ordem 3’ do Rosário, ( 1 900 ), cy. 1 ,doc 3, m ss A I H-S R
4 Sobre as estratégias de aliai iças na* ronfrarias de cor, ver Reis, A m orte é um a fe s ta , p. 5 5 e João
Reis, “Dilemi<;-as e resis' éir ias no Israsi!” , Tempo, 3, p 5
14

fam ília artificial, permeada “por laços de afeição mútua e solidariedade que

reconduzem a segurança aos hom ens ” Insisto m ais uma v e z que, no caso

das irmandades de cor, e especialm ente na confraria do Rosário, essa

solidariedade, garantia a segurança dos negros em um ambiente adverso,


marcado p ela escravidão africana.3

O com prom isso de 1820, com posto de 24 capítulos, retrata, com o já

foi assinalado, a preocupação com seu s a sso cia d o s. D e acordo com a


noção de caridade, fundamental na ideologia rt ligiosa católica, assim rezava o
capítulo X X E do com prom isso :

Da Charidade que se praticara com os Irmãos


doentes , pobres e encarcerados

Hé a charidade o acto, que mais se deve prezar, pois


a praticarão varões exemplares em virtudes; por isso deve­
mos exercer com os nossos Irmãos enfermos. Os Irmãos
Procuradores terão cuidado em visitar qualquer Innão desta
nossa Irmandade ,que se aclie enfermo .saber se lhe lie mis­
ter alguma couza tanto para o corporal , como espiritual, e se
achar em desamparo e extrema necessidade ,dará parte a Mesa
ou do Irmão Juiz ; para lhe mandar applicar a providência que
pareça justa; e sendo summamente pobre , e necessitado lhe con­
ferirá a Meza corno cabeça da Irmandade alguma esmola [..] Da
mesma forma os Innãos Procuradores terão ipial cuidado cm vi-
dtai os cárceres onde achando algum Irmão desta Irmandade, po­
bre e enfermo prezo [..]6

A qui so lid aried ad e se ap resen ta com o p rin cíp io cristão , traduzido por

caridade. A doença, pobreza, o encarceram ento eram p re o cu p a çõ es constantes

da irm andade, p o rq u e certam ente atingiam com m uita força os p reto s. A


B ahia do início do sécu lo XIX era co m p o sta por um a p o p u lação
m ajoritariarnente negra e p obre. A p o p u la ção de S alv a d o r em 1835, ano da

Maria Helena da Ciuz Coelho, As confrarias m ed ieva is p o r tu g u e sa s: esp a ço d e so h d a ried a d es


na vi da e na m orte, XDÍ Semana de Estudos Medievales, Estella, 1992
* " O i u j m n i m * da Irmandade de N S. do Rosário das Portas do Carmo,” í 1820), flcap XXIII,
dov 1 . iriss A 1 H S.R.
15

rev o lta d o s m a lês, foi estim ad a em 6 5 .5 0 0 , sendo 27. 500 escrav o s ( 4 2 % ) e

38 800 liv res e lib erto s (58% ). O s lib erto s o cu p av am d iv e rsas atividades:

sap a te iro s,c a rp in te iro s, v en d iam n as ru as, carreg av am cesto s etc. O s escrav o s

tam b ém se o cu p av a m n e ssa s m esm as ativ id ad es. A B ahia enfrentou, a p artir

d as décadas de 1820 e 1830, u m a crise; eco n ô m ica e p o lític a sem

p rece d en tes, so b o clim a anti-p o rtug u ês d esen ca d ead o co m a g uerra da

In d ep en d ên cia de 1822-1823. O censo de 1872 registrou u m a p o p u lação de


1 08.138 h ab itan te s entre livres e escrav o s. A p o p u la ção livre era 95.637
h ab itan tes, d iv id id o s d a seguinte form a: 3 0 ,9 % b ran co s, 4 3 % m ulatos, 2 3 ,5 %
negros e 2 % cab o c lo s. A m aio ria d e ssa p o p u la ção co ntinuava pobre, e a

eco n o m ia in stáv el. A so cied ad e m o stra v a-se ainda m uito desigual, onde o
rico era a sso c ia d o ao b ranco e o negro ao p o b re.7

O s negros do R o sário , enquanto con frad es, p elo m enos tiv eram a certeza
de v er a ten u ad o s os efeito s d a crise econ ô m ica sobre si. U m a v ez que o

g o v em o n ão assu m ia a assistên cia aos p o b res co u b e às irm andades


d esen v o lv e r e sse papel.

O asso c ia tiv ism o acom panharia a confraria, em b o ra m enos enfaticam ente,


no p ro jeto de co m p ro m isso de 1872, que nad a inclui so b re assistên cia aos
irm ãos. C om o ap arecim en to de asso c ia ç õ e s civis, com o a S o cied ad e dos
A rtífices, a S o cie d ad e P ro teto ra dos D esv alid o s, entre outras, as irm andades
p assaram a não ser as ú n icas resp o n sáv eis p ela sorte dos asso ciad o s que

lam bém p o ssu e m m em bros d e ssa s o u tras in stituições . P o r exem plo, sobre a

S o cie d ad e dos D esv alid o s, fu n d ad a em 1832 por um africano livre, o

antropólogo Júlio Braga afirm a que nos “ seu s prim eiros anos de existência,

funcionou com o junta, um a esp écie de sistem a ro tativ o de crédito com que
ajudava os se u s a sso ciad o s e p aren tes d estes, que ainda se encontravam

João Reis, R e l-d iâ c Escrava nr. F w sii. 35r- Paulo, fcra*Ui*ruri:, 1 p 1C t 21 , Katia RlaVoso,
T^íhia S fc u io XL\’: V m i }><n’ín a a no h tp ^ n o . Rio dt- .’aneiro. Mova Eronteira. 1992. p 1 20
16

p re so s ao cativ eiro .” A s irm andades dividiriam co m e ssa s o u tras in stituições

ta ré fa d e s o c o rre r os d e stitu íd o s.8

A id é ia de carid ad e cristã p arece dim inuída ao longo do sécu lo XIX

na irm an d ad e do R o sário , sendo no p rojeto de 1900 su b stitu íd o p e la noção

s e c u la r d e “ d ireito ” :
C APÍTULO 4 ( 1900 )

DIREITOS E GARANTIAS DOS IRMÃOS


A rtigo 11 & 5* Verificado o estado pecuniário da Ordem e
julgado sufficiente dará ao IrmSo pobre e enfenno
sem recursos para tratar-se, um a pensão m ensal,
até que a O rdem tenha um A sy lo onde devem
ab rig a r-se .9

T an to em 1872 quanto em 1900 c o n tin ja v a -se a garantir, com o era de


costum e, o d ireito a enterro, m issas, co m em o raçõ es festiv as. Em 1900 a
ajuda a o s a s s o c ia d o s estav a su b o rd in ad a ao estad o econôm ico da instituição.
A lém d isso , é p reciso lembrai' que a p ied ad e, m ais especificam en te a partir
da seg u n d a m etad e do sécu lo p assad o , ganhava n o vos contornos.

V iv e r da carid ad e p asso u a ser sinônim o de o cio sid ad e, de vadiagem ,


alim entar a carid ad e significava su sten tar um a so cied a d e preg u iço sa.

M en d ic â n c ia e o cio sid ad e p assav am a ser q u estõ es d iscu tid as p ela elite, e


p e la Igreja, que determ inavam um a caridade ‘ co m ed id a,” v o ltad a apenas p ara
os v e rd a d e iro s n ece ssitad o s. A d iscu ssão atingia tam bém outros segm entos
da p o p u la ç ã o , p rin cip alm en te quando vinha à lona a su b stitu ição do trabalho
escrav o . “ C om o em o u tras regiões do país, a d iscu ssão girou em lom o da
fo rm ação da m no-d e-o b ra livre m ediante ad o çã o de m ed id as rep ressiv as
fendentes a rem o v er o hom em livre p obre de um estad o que a elite definia

com o in d o lên cia e p reg u iç a.” 10 A carid ad e agora era to lerad a p aia p o u co s.

f Júlio Braga, S o c ie d a d e P rotetora d o s D esvalidos : urna irm a n d a d e de cor. Salvador, laiiamá, 1 987,

^ Ver “P ro je to de Com promisso" ( 1872 ) , Cap. 1 , Cx. 1 , d o e 2 , “Com promisso da V.O.3* do


Rosário’* ( 1900 ,) , Cíip 1 , doe ? , niss AI.3J.S R.
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17

O E sta d o N acio n al exigia indivíduos ap to s p a ra o trabalho e o s negros

d a irm andade não p o d iam e nem queriam ser a sso c ia d o s ao hom em ocioso.

E ram negros ap to s p a ra o trabalho, carreg av am cesto s, tran sp o rtav am

m e rc ad o rias, m ercad ejav am nas ru as de S alv ad o r. O trab alh o e ra por

ex ce lên cia negro. A id eologia m ontada p e la elite certam ente in fluenciava

to d a a p o p u la ç ã o , inclusive os negros do R o sário . Isso p o d eria explicar, em

p arte, a a u sê n c ia ou dim inuição d as p ráticas caritativ as nos regim entos da

co n fraria n a seg u n d a m etad e do século XIX.


O c a rá te r m u tu alista do R osário não e sta v a ap en as ev id en ciad o nos
co m p ro m isso s, m as em docum entos escrito s por irm ãos negros solicitando

assistê n c ia da irm andade. Em 1848, Jo aq u im T im óteo de Jesu s, ex-


p ro c u ra d o r de m ordom os, escreveu que durante “ q uatro annos su cessiv o s,

fazendo a b em da m esm a Irm andade tudo q uanto coube e m eo alcance,


com o hé p ú b lico [.e..] ach ase hoje bastan te m iseráv el, sem m eios de p o d er
s u b sistir-se , p o r m o léstias que p adece e atlie sem ter agazalho algum , vem

p o r tanto req u e re r a esta Ilustre Junta ro u p as e a ju d a.” Já em 1856, C lara


M a ria do M o n te F alco da Silva, “p obre e ceg a” , p ed ia “ co n ce ssão p ara

edificar um a m orada hum ilde p ara uzo da S upplicante, em terreno


p erten cen te a m esm a Irm andade [...] ficando por m orte da S u p p lican te

p erten cen d o por herança a N ossa Senhora do R osário to d a s as


b e n fe ito ria s ." 11
E quanto à rela ção existente entre e scrav id ão e irm andades. A final,
aju d ar o irm ão escrav o a se libertar seria tam bém um ato de so lid aried ad e, i
carid ad e e ajuda m útua. N ão foi encontrado nenhum item de com prom isso

que tra ta sse do assunto. N em m esm o o p ro jeto de estatu to de 1872,

elab o rad o num a conjuntura abolicionista - a lei do V entre livre acabava de

ser ap ro v ad a- faz referência à sorte dos irm ãos cativ o s. S eria de estranhar o
com portam ento da inuandadc ? Ou de fato ela níío teve com o ob jetiv o a

11 1 )•! " J*. " C o r r r ss| >ij: rj r : r t as” , 17 de d'. I M S , C x 2 1 . do<: (.«l-í , ' T r o p n e d a d t - s da
IP! iTi: • , ■>. 1k , d"'C ( .■'-!)
18

lib ertaç ão d o s escrav o s m em bros? A au sên cia d e sse item no R o sário m e fez

ra stre a r co m p ro m isso s de o u tras confrarias n eg ras no B rasil a fim de

o b se rv a r com o e sta s tratav am a q u estão .

O esta tu to de 1786 d a C ongregação d c s P re to s M in a s M ah ii, do R io

de Janeiro, p o r exem plo, afirm ava o seguintt;: “ os C o n g reg ad o s que fo rem

cap tiv o s qu eren d o L ibertar-se tendo o seu dinheiro e lhe fa lta r p a ra o aju ste
da su a alforria, fara sab er ao regente p a ra este lhe dar as p ro v id ên cias

fazendo ju n ta r os C ongregados p articip an d o -lh es a n ec e ssid a d e que tem o


outro do dinheiro p ara se libertar.” A irm andade d e N .S . do R o sário e São
B enedito, tam b ém do R io de Janeiro, em 1891, d ita v a com o u m dos d ev eres

d a a sso c ia ç ã o tirar “ de su a renda a quantia n e c e ssá ria p a ra lib ertar dous


irm ãos c a p tiv o s, sendo um de cad a sexo.” P a re c e estranho q u e a irm andade

tra ta sse d essas q u estõ es em p erío d o p ó s-ab o licio n ista. C ertam ente o
regim ento fo ra feito antes de 1888 e só ap ro v ad o posterio rm en te.
C o n su ltan d o o u tro s co m prom issos d as co n frarias de cor, com o o da

irm andade de S. B enedito de P arati, bem corno um a co n fraria de N .S do

R o sário de M in as G erais, além dos estatu to s de a sso c ia ç õ e s negras do


p eríodo colonial p esq u isad o s p ela historiadora P atricia M u lv e y em su a te se
de d o u to rad o , nenhum deles faz referên cia à co m p ra de a lfo rria s.12

A ausên cia da p rom oção de alforries p e la s co n frarias negras foi

o b serv ad o p o r alguns historiadores. Segundo Ju lita Scarano, as in n an d ad es,

não se o p u seram à ordem vigente, quando m uito p o d iam co o p erar p a ra a


alforria d este ou daquele irm ão.” P ara C aio B oschi, as irm an d ad es de negros

só não com b ateram a ordem escrav o crata, m as tam bém in corporaram

1‘ Agradeço fio Prof. Flávio Gomes a indicação do documento dos negros Mnhii . Ver A.N.
“Estatutos da Congregação dos Pretos Mirias Mahii” ( 1 7 8 6 ) , Códice 656 ; AC.M.R .J. ,
“Regimento interno para execução do compromisso da Vene-ável Irmandade de N. S. do R osário e
"5o Benedito dos homens de cor” , ( 1 8 9 1 ) , Cx 1 , p. 137 ; '>er tarnbém A C.M.R .J. , “C om prom isso
da Irmandade de G. Eeriedito erecta na Villa de P arati, Rio de Janeiro", ( 1 814 ) , s / catalogação ; e
A U . , Fundo : Mesa de Consciência e Ordens . “Compromisso de U.S. do R o s á r i o , Bispado de
Mariana” . ( 1816 ' , Códice 826 Sobre os compromissos do período colonial ver Patricia Mulvey ,
P la tk I,f:v Brotherhoods of Colonial praz:! a history" Tc se de Doutorado , City University
"! Mew Y<vl: . 1 "
19

“p a d rõ e s e ideo lo g ia de u m grupo so cial dom inante,” P orém e sq u ece o au to r

que as alfo rrias eram p arte da “ ideologia d om inante.” E ra co isa b em

co m p o rtad a. A lforria não era sinônim o de co m b ate ao sistem a escrav ista.

A lém d isso era m uito caro financiar alforrias. O dinheiro não p o d ia d ar p a ra

to d o s q u e n e c e ssita sse m .13

É p re c iso escla recer no entanto, que as co n frarias negras, q u ase sem pre

excluíam o elem ento escrav o de su a ad m in istração . A p esar de se r m aio ria


entre 171 9 -1 8 3 7 , os escrav o s não p o d iam ser m em bros d a m e sa segundo o
co m p ro m isso de 1820 da confraria do R o sário d as P o rtas do C arm o, a não
se r em c a s o s esp eciais. E não p o d ia ex ercer certo s cargo ju sta m en te por

se r e sc ra v o . A ssim rezav a o cap ítu lo XVI do e s ta tu to :14

DA QUALIDADE DOS IRMÃOS DA MESA

Para Ju izes, P rocuradores, e mais Irmãos da M esa


se elegerão pessoas libertas e izemptas de escravidão
para que sejão promptos em exercer e satisfazer os
actos da Irmandade[...] Assim como também no caso
que algum InnSo sem embargo da sujeição seja bem
procedido , c o seu captiveiro suavo poderá scr Irmão
de Mesa ; mas em neulium cazo será J u iz , Escrivão
Thesoureiro ou P rocuradores; por que estes rigoroza-
mente devem ser pessoas libertas.

A ju s tific a tiv a p ara a ex clu são é explicitada n esse estatu to . O escrav o

por não ter liberdade p a ia freq u en tar e estar à d isp o siçã o da irm andade
p ara re a liz a ç ã o dos serv iço s era excluído da m esa. A ex ceção valia p ara os
cativos* que p u d essem d ed icar um pouco de tem po p ara a confraria. No
p rojeto de com prom isso de 1872, não há restriç ão explícita aos escrav o s
exercerem cargos de m esa, m as tam bém não foi en co n trad a esp ecificaç ão

13 Julita Scarario, D evoção e E scravidão ... p.83 ; Cnio Boschi, Os Leigos e o P oder .. p. 156;
14 " C om prom isso da Irmandade de U.S. do Rosário das Portas: do Canno,” (1 820) cap.XVl, cx. 1, doc 1,
mss A l U S R Dos 3.175 innfios ratalogadop no livro de entrada de irrnSos ( 17 1 9-1 8?7 ), 1.821, ou
•‘•■'•ja 5 7 % não registraram sua cowliç&o ( se era escravo ou l o r r o ) 1.148 ( 3 6 % ) eram escravo? e
1 75 se lit-rlarevicn forror ■5 .6 % )
20

so b re o p erfil de seu s asso ciad o s, ou seja, se p a ra in g ressar p o d eriam ser

lib erto s ou escrav o s. A penas d ev eriam se r hom ens d e co r p reta. C ertam ente

que e sc ra v o s deveriam co m p o r ainda a irm andade, m as infelizm ente não

encontrei docum en to s que co m p ro v assem sua p artic ip a ç ã o em cargos. Por


outro lado, o p ro jeto de 1872 rezav a que d ev eriam se r m e sário s aq u eles

q ue “ sa ib ã o 1er e escrever, tenhão b o a re p re se n ta ç ã o .” D ificilm en te o escrav o

te ria b o a rep resen tação , ou seja, g o zav a de re sp e ito p ú b lic o .15

O u tras irm andades negras no B rasil tam bém restrin g iram a p articip ação

e sc ra v a nas d ecisõ e s d a m esa. Foi o caso da confraria do R o sário de


P ernam buco, em 1765, q u e não adm itia “ irm ãos cap tiv o s n e sta M esa, pois

e s ta Irm andade há bem abondantes livres de e scrav id ão , e os d ito s cap tiv o s


são m u itas vezes im pedidos do Senhorio p a ra cum prirem com suas
o b rig aç õ es.” 16

A n o r m a tiz a ç ã o d a vid a leiga

O s irm ãos tinham d ev eres a cum prir. E>esviar do m o d elo estab elecid o
p e la irm andade resultava, na m aioria d as v ezes, em ad v ertên cia pelos

m e sário s e, no s caso s m ais graves, em ex p u lsão da confraria. Um conjunto


de regras determ inava o com portam ento no interior dessas asso ciaç õ es. A

prim eira regra era o ato de adm issão. N a irm andade do R o sário , em 1820,
tanto lib erto s com o escrav o s davam com o jóia de en trad a a quantia de 2 $000
réis, devendo “ cum prir as o b rig açõ es da Irm andade no S erv iço da V irgem
S a n tíss im a :’ 17

O s m esário s deviam cu id ar da integridade m oral dos fiéis. P o r se

tratar de um a confraria negra, o com portam ento d o s seu s co n frad es dev eria

ser exem plar, p a ia que não se ab risse b rech a a p o ssív e is in terv en çõ es das

1 ’"1’rc'jeto de compromisso" ( 1 8 7 2 ), p.8, cap 4 ° , ex. 1, doe. 2, riiss. A l . R S R


"<'oiii|>rr>mÍ!ss!r> da Irmandade de R S . do Rosário dos homens pretos da Villa de 3. Antonio do
R c . d e de I Cn i;tn i! i\ir o,” l.ir.Uw. AJIU, CY>dir«- 1 1 9 } . cap 9 apud Mulvov. lh e B l a c k .... p 1 18
.’! I ij " ‘ ' n u SM.’ da I n n a n d a d i - de H l ' d'.’ R n r á n o rias R o j i a s de '.'anui',” ( 1 ' ' ' 2 0 ),f i s 1 4 - 1 5 , r a p i l
I IJ1, r y. 1 . d'-' - ] . i n s s A ï K R
21

a u to rid ad es civ is e relig io sas. E m 1820, exigia o co m p ro m isso q u e seu s

a s s o c ia d o s m an tiv essem “b em a ju stad a a v id a, ex ercitan d o -se nos san to s

co stu m es.” E m 1872, o confrade era co n v o cad o a p ro m o v er sem pre a “b o a

ordem ” n a irm andade. O com prom isso de 1900 co n serv aria b asica m en te as

m esm as c a ra c te rístic a s d o s docum entos anteriores. A n o v id ad e seria u m item

e sp ecífico so b re os caso s de afastam ento d o s irm ãos. N e ste co m p ro m isso

u tiliza-se o term o “ elim inação” p a ra aq u eles que não se e n q u ad ra ssem no

regim e m oral e religioso da irm andade. A ssim , d itav a o cap ítu lo 4 o do


co m p ro m isso :18

E L IM IN A Ç Ã O

A rt. 21 . ScrSo eliminados os Imiííos que praticarem


os actos de que tratam os seguintes paragraphos.sem
direito a serem indenisado;.

& I o Os que se eliminam voluntariamente.


& V Os que mudarem de Religião.
& 3 “ Os que cometerem homicídio voluntário.
& 4 o Os que forem condenados por crimes infamantes.
& 5 o Os que lezarem a Ordem em seus haveres

Ao lado da ex clu são de crim inosos, se excluíam os co rru p to s e os

que se co n v ertessem a uma outra religião. N e ste últim o caso p o d e-se eslar
aludindo à expansão do P rotestantism o na B ahia, que se dá neste período.
D evo n o tar que, ap esar dos negros do R o sário im prim irem um a dim ensão

festiva à seu s ritu ais que ev o cav am as relig iõ es trad icio n ais da Á frica,
aq u eles que deram origem ao candom blé baiano, não encontrei na

d o cum entação co m p u lsad a nem rep u lsa, nem a d e sã o a relig iõ es african as. Em
nenhum dos co m p ro m isso s (1 8 2 0 ,1 9 0 0 ) e no p ro jeto de co m prom isso de
1872 há algo contra “feitiça ria,” com o ocorreu a co m p ro m isso s de outras
irm andades fora da B ahia. N o com prom isso de 1900, a alu são ao

lf “ '?o!!i|-rc>:ri!sso ( 1 *20 ), c ap.ll, rx 1, dr«c 1. fl 1 ?v . “ProjeLo de c-ornpromisso” (. 1872 ), cap 2 e 3,


j ■" ' 1 'X i 2, iiirs . "Compromisso da Yc-nerave] '.r d e m 3* do Rosário,” ( 1 900 cap 4°, cx 1,
•i "■ ? . v isT A 1 1’ " R
22

desligam ento d a irm andade aq u eles que “m u d av a de relig ião ” se referia, com o

d isse, ao protestan tism o . É interessante que riada s e ja dito a resp eito do

irm ão q ue p ra tic a sse o u tra religião - p raticar ao invés de m u d ar - que é com o

sab em o s, e até n o sso s dias, o caso do cham ado p o v o -d e-san to , que “p ratica”
tanto o candom b lé, com o o catolicism o. O silên cio em re la ç ã o a e sta d u p la
m ilitância relig io sa sugere que o candom blé, com o hoje, era to lerad o entre os
m em bros d as irm andades negras.

N o entanto, n ad a encontrei, repito, n a d o cu m en tação , so b re essa d u p la


m ilitância no interior da irm andade do R o sário d o s P reto s do C arm o durante
o sécu lo XIX. E não era p ara encontrar. O can d o m b lé era o segredo dos

negros diante d o s bran co s e os docum entos da irm andade eram , so bretudo


em bora não exclusivam ente escrito s com o fo rm a de com u n icação no e p ara
o m undo dos brancos.

A ssim , os com prom issos cu id av am do com portam ento relig io so e social


naquilo que p o d ia ser claram ente explicitado. M a s isso não significa que o

explícito fo sse p o u co im portante. E ra ap en as c que então, e m esm o hoje, era


p o ssív el ser escrito.

Se p o r um lado os confrades não eram rig o ro so s co m a ex clu siv id ad e


do culto católico , p o r outro os m esário s faziam q u estão de rep reen d er

aq u eles que p reju d icassem a instituição. C om o foi o caso do irm ão

F rancisco H igino C arneiro, que em 1861 foi rep reen d id o p elo s m esário s do

R osário p o r ter p u b licizado nos jo rn a is da cid ad e um a fe sta organizada por


ele, a ser realizad a na irm andade, onde p ed ia auxílio p ara a confraria, e
quando chegou o dia do festejo, o irm ão d esap arec eu “fazendo recair [a
culpa] sobre a nossa Irm a n d a d e ” S eq u er p ag o i sa c e rd o te s e m ú sico s. D epois
de d esco b erto o cau sad o r da confusão, este se ap resen to u a m esa pedindo

desculpa e d isse “ que dinheiro não hav ia." O vigário tom ou p arte da

confusão e acusou “ os crioulos do R ozário tu d o querem fazer sem


dinheiro.” P or sua vez, a irm andade retribuiu ao vigário afirmando “ que
23

este s crio u lo s n ad a lhe d ev em .” O s m e sário s en frentaram tam bém “ o p o v o

que em grande num ero h av ia co n co rrid o ,[e] clam ão co n tra a Irm andade.” O

caso foi lev ad o à ju n ta d a co n fraria p a ra qu e, em conjunto com a m esa,

p u n isse o c u lp a d o .19
O bom p rocedim ento e cará ter d o s se u s m em b ro s era fundam ental

p a ra a organização da confraria. O s m e sário s d ev eriam ser m o d elo s de


com portam ento p a ra os a sso c ia d o s, caso contrário seriam afasta d o s de su as
funções. F oi o que ocorreu em 1846, quan d o a m e sa p ed iu o afastam ento
do p ro c u ra d o r geral, o angolano F ran cisco R am os, p o rq u e este só se

a p resen tav a “ em briagado insultante, que a to d o s os m ezário s tem in su ltad o .”


O p ro c u ra d o r c au sav a tan ta d eso rd em na irm andade que esta foi “ cercad a
p o r hum a p atru lh a de p o líc ia e tam bém p o r d u as v ezes tem atacad o o ju iz

actu al com um cacete sendo este ju iz um hom em de id a d e.” A reso lu çã o


to m ad a foi a de su sp en d ê-lo do cargo, su b stitu in d o -o p o r outro de A ngola.
E q u eix as contra os m esário s continuavam a aco n tecer. E m 1895, o m esário
José M artin s de Jesus, foi acu sad o de ter “ se to m ad o incapaz de fazer

parte da referid a M esa, p elo seu p ro ced im en to rep ro v ad o , to m an d o -se


tu rb u len to ,rixoso e calu n iad o r a ponto de fazer os irm ãos assignar p ap el em

branco p ara d ep o is en volver a seu je ito .” A lém d isso in su ltav a e am eaçav a

os m e sário s, “ considerando que elle chegou no ponto de offender


ph y sicam en te na S acristia a um M e sá rio .” A pós ta n ta d eso rd em p raticad a, a
irm andade reso lv eu d em ití-lo .20

IA K 13.F. T erm o d r J - . e s c l u ; 5 o , c y. 3, dor; 0 2 , f] 3 * 5


/ . I 1J " ]<: C o r r r s t - o r i d f i i c i a s , c x 2 1 . d o c . 0 3 -1 , c x 2 3 , d o e lr.f-
24

Os leigos no poder
C om o o b jetiv o de ten tar ev itar Eibuso de p o d er d aq u eles que

ex erc essem cargos, o estatu to esp e c ific a v a as íiin ç õ e s de c a d a m esário. A


M e s a e ra o órgão adm inistrativo d a irm andade e faziam p arte d ela o ju iz,
que ta m b ém p o d ia se r cham ado de p resid en te ou p ro v ed o r, o escriv ão ,

co n su lto res, p ro cu rad o res, teso u reiro . H a v ia tarnbém u m a m e sa de m ulheres,

m as so b re o p ap el d elas tratarei m ais ad ian te. O s m e sário s regiam a

confraria, d ev iam zelar p e lo s in teresses d a irm an d ad e, rep resen tan d o -a quando


n ece ssário . C om o afirm av a o p ro jeto de co m p ro m isso de 1872: “ a m e sa é a
sed e onde resid e a d isp o siçã o ad m inistrativa do estado econôm ico e

religioso de su as in stitu içõ es.” 21


O e statu to de 1820 determ inava que a m e sa fo sse co m p o sta de dois
ju iz e s, um escriv ão , um teso u reiro , um p ro cu rad o r g eral, quatro p ro cu rad o res e
os co n su lto res. E m 1872, a co m p o sição estaria m a is sim plificada: um ju iz,

um te so u reiro ,u m p ro cu rad o r e nove co n su lto res. J á em 1900 existiria um a

m esa única, co m p o sta de hom ens e m ulheres, conform e a ta b ela seg u in te:22

C O M P O S IÇ Ã O D A M E S A ( 1900 )

H om ens M u lh e re s
1 P r io r M e s t r e de N o v i ç o s 1 P r io r e z a
1 S u b -p r io r 14 D e f i n i d o r e s 1 S ub - p r io r e z a
] S ecretário M e s t r a de N o v i ç a s
1 T esou reiro 18 C o n d ig n a s
1 P r o c u r a d o r G eral
1 V i g á r i o d e Culto

As fun çõ es dos m esário s p raticam en te continuaram in alterad as no

decorrer do sécu lo XLX. O s com prom issos ap en as detalham su as fu n çõ es e

<:y. 1 , ' 1c i c ?
25

a c re sc e n ta m n o v o s cargos. P o r exem plo, no p ro jeto de estatu to de 1872 e


no c o m p ro m isso de 1900 ap arece o cargo de andador, q u e se ria um a

esp é c ie d e a u x iliar do zelad o r, ajudando-o em ta re fas com o v ig iar e guardar

os u te n sílio s d a cap ela, aju d an d o o cap e lão n as su a s o b rig açõ es,d e “ a sse a r e
zelar p e lo patrim ô n io da irm andade.” Em 1872, ju iz e s , escriv ã es, teso u reiro ,

p ro c u ra d o re s e co n su lto res tiv eram su a s fu n çõ es e s m iu ç a d a s.23


O ju iz , em 1820, p o ssu ía as seguintes fu n çõ es: p ro m o v er a d ev o ção à

N .S . do R o sá rio , acom panhar o s enterros, p resid ir a m esa, além de fiscalizar


to d o s os n eg ó cio s da irm andade. E m 1872, su a s atrib u içõ es eram m uitas,
entre e la s a s s is tir a to d o s o s ato s e reu n iõ es, m anter a o rdem na asso ciação ,
co n v o car e p re sid ir as sessõ e s, d ecid ir as eleiçõ e s em caso de em pate, além

de tam b ém ad m in istrar to d o s os negócio» d a confraria. Em 1900, a


term inologia m udava de ju iz e s p ara p rio res que “ d everiam ser irm ãos
re sp e itá v e is p o r su a inteligência, p ro b id ad e e p ru d ên cia e tenham m ais de 30

an o s.” S u a s fu n çõ es se assem elh av am àq u elas p ro p o stas em 1872. N o


estatu to de 1900, ap areciam os carg o s de su b -p rio r e secretário (este

eq u iv alia ao escriv ão ). O prim eiro su b stitu ía o prior, quando n ecessário . O


escriv ão re sp o n sa b iliz a v a -se p o r co n serv ar to d o s os livros e p ap éis “relativ o s

aos n eg ó cio s da Irm andade,” p o r organizar “as p au tas d as m issa s” dos irm ãos

fale cid o s, la v ra r os term os de abertura dos livros de atas, de receita e


d esp esa. L a v ra v a tam bém os term os dos “ irm ãos e irm ãs que entrarem no
seu ano.” E s s a s fu n çõ es foram m antidas com o nos estatu to s an terio res.24
O te so u re iro arrecad av a o dinheiro p ara a instituição. Em 1820, su as

atrib u içõ e s não estão d etalh ad as com o n o s e statu to s p o sterio res. E ra esp erad o
dele in telig ên cia e h ab ilid ad e, p ara lançar toda a rece ita e d esp esa nos

L ivros d a irm andade, sendo o resp o n sáv el p o r m an d ar dizer as m issas p elas


alm as d o s co n frad es falecid o s. F reqüentem ente havia ac u sa ç õ e s contra ele,

“ * “Projeto de com prom isso” ( 1B72 ), cap.9,13 e 16. cx 1, doc 2,pp.44-46; “C om prom isso ...” ( 1 9 0 0 ) ,
cap 9, cx 1,doc .3
-‘4 "Comprou iir.se ( 1 820 cap. IX-X.cx 1 ,doc.1 .flr..20-21 , "Projeto ... ( 1£72 ), r:ap.9°e
1 1 .doc.2,pp 15-1 “Com promisso ... ( 1 900 ), cap.4, cx 1 ,doc 3.
26

ju s ta m e n te por adm inistrar m al a v id a fin an ceira da confraria. T alv ez por

isso no e sta tu to de 1872 h o u v esse m aio r d etalham ento do seu papel.


L an ç av a to d o o dinheiro n o s livros de re c e ita e d esp esa, ad m in istrav a os
o rd en ad o s d o s “ em pregados d a c a p e la,” co b rav a o s alu g u éis d o s im óveis da

co n fraria, além de eq u ilib rar a rece ita e d e sp esa, ev itando su rp resas

d e s a g ra d á v e is p a ra a a sso c ia ç ã o , p restan d o co n tas trim estralm ente à m esa.

Em 1900, as fu n çõ es p raticam en te ficararn in alterad as, à ex ceção da


p re sta ç ã o de co n tas, que d eix av a de se r trim estral: o teso u reiro dev eria

re sp o n d e r p e lo dinheiro sem p re que so licitad o . E d esem p en h aria su a função


sem pre aco m p an h ad o p elo secretário . P arece-m e aqui um tipo de fiscalização ,
um a v e z q u e as contas tinham que se r co n ferid as p elo se c re tá rio .2j
O p ro c u ra d o r rep resen tav a e p ropunha so lu ç õ e s p ara o bom andam ento
da irm andade. O estatu to de 1820 p rev ia um p ro cu rad o r geral, que já tiv esse
o cu p ad o carg o de ju iz, e q u atro p ro cu rad o res p ara serv ir à confraria, quando
n e c e ssá rio , conform e v erem o s em outro cap ítu lo . E le defen d ia a irm andade

p erante a u to rid a d e s civ is e relig io sas. U m a função im portante era av isar os


dem ais m e sá rio s sobre, por exem plo, algum a ação m o v id a contra a

a sso c ia ç ã o , so b re as fe stiv id a d e s e os e n te n o s, e lhe cab ia fiscalizar os


d o cum entos. A crescen tav a o co m p ro m isso de 1900 que o p ro cu rad o r p o d eria
p ro te sta r “peran te a m esa quando ju lg a r que não está de acordo com o
c o m p ro m isso cm suas d elib eraçõ e s e contrárias aos in teresses da O rdem ."
N o v am en te são os estatu to s de 1872 e de 1900 que explicam m elhor seu
papel.

O cargo de vigário do culto co n stav a ap en as no regim ento de 1900,

cabendo a ele zelar e cu id ar dos o b jetos da irm andade, além de


p ro v id e n c ia r “ cêra p ara as m issa s,” e co n serv ar os altares “ com a ce io .” O s
c o n su lto res não constavam no estatu to de 1900, m as de acordo com os

regim entos anterio res d ev eriam scr p e sso a s “p ru d en tes, [de] bom juízo e

' :•> 1 l ^ t ' 1 i, ‘ij1 f 1 2 2 ,"! Ti ict i > í 1 V72 >, -•«(■ 1 l . j . p 3 , " l.'\'>mf.n>rnim>
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27

co n selh o ,” e s p é c ie d e conselheiros, so licitad o s p e la m esa p a ra op in ar so b re

q u e stõ e s ad m in istrativ as. T id o s com o p e sso a s de bom sen so , eram

re q u is ita d o s q u an d o a m e sa p recisa v a to m ar algum a atitu d e m ais im portante.


A lém d e c u id a r d a v id a adm nistrativa, tinham com o d ev eres aco m p an h ar os

irm ãos fa le c id o s , p articip a r d as p ro cissõ es fe stiv a s e estar presen te a to d a s

a s re u n iõ e s d a irm an d ad e.26

A tra v é s do com prom isso d a irm andade, a d istrib u ição do p o d er entre os

m e sário s e ra oficializad a. A rep resen tativ id ad e do p o d e r era cu id ad o sam en te


e x p licitad a n esses estatu to s. A fricanos e crio u lo s por m uitos anos

d eterm in aram a ordem p o lític a no R osário. Em 1872 e 1900 os confrades


d estrin ch arain m elhor as fu n çõ es da m esa e dos m esário s. O p o d e r interno
foi cu id a d o sa m e n te elab o rad o p ara norm atizar a v id a ad m in istrativ a da
irm andade. Q u an d o ac u sa d a ou lesada, com o no caso das d isp u ta s ju ríd ic a s
ou de a c u s a ç õ e s p o r não cum prir seu pap el, os m esário s ob tiv eram v itó rias

e d e n o ta s . Os p ad res, frequentem ente, se q u eix av am dos irm ãos, o que

dem onstra um a certa incom patibilidade entre o p o d er leigo e o p o d er

e c le siá stic o . As re la ç õ e s p o líticas no R o sário foram cu id ad o sam en te


d efin id as a fim de que não p airassem d ú v id as sobre os cargos e suas
funções.
Juizes, escriv ães, teso u reiro s e dem ais n e m b ro s da m esa eram eleito s

anualm ente e p o d iam se reeleger. O s co m prom issos perm itiam a reeleição ,


d esd e que p rev iam en te ju stificad a. E cs m em bros da confraria
co n stan tem en te se utilizavam deste recurso. A ssim , em o utubro de 1866, a

m esa so licita re eleiçã o p ara continuar “ as q u estõ es que se achão p rin cip iad as
pedindo p ara isso ap p ro v ação da ju n ta.” E m 1882 tam bém h o u v e reeleição

da m esa para que esta p u d esse concluir as o b ras da cap ela. A reeleiçã o
era. assim , fato corriqueiro. C onsultando os livros de atas o b serv ei que

alguns m e sá rio s transform ariam seus cargos cm vitalícios. O teso u reiro

"■'püiprtAMiisito (1 8 2 ° ). rap XH-XH1, FL3 23-24 , T r o j H > ( 1 S~2 !, ■■vap 12 -1 3, pp 1 9 - 2 0 ,


’oMip’ otrjiKSU’ i 1 ;. • ;•.] 4.
28

M an u el do B om fím G aliza, p o r exem plo, eleito em 1880, perm aneceu no

cargo até 1889. C ertam ente esse irm ão g o zav a de p restígio na irm andade

p ara sua re eleiçã o . E m 1889, o vigário o defendia: “ este dev e ser reeleito -

não só p e lo in teresse que tem tom ado p a ra o augm ento d a irm andade, com o
por e s ta r aind a em o b ra a cap ella.” Por o utro lado, m u ito s confrades

re c u sa v a m -se a assu m ir os cargos d a m esa. O s m esário s q u eix av am -se da

a u sên cia de p e s s o a s p ara tal. Em 1842, a m esa se p re o c u p a v a p elo fato de

que “n e ste anno não tem sido p o ssív el a p are cer um só hom em p a ra aceitar

este cargo, por m otivos p articu lares, outros ta lv e z por conhecerem a


d e c a d ê n c ia da Irm andade a m aior parte p o r não sab erem ler, escrev er, nem
assignar seu nom e.” T alv ez alguns co n frad es não se in teressassem em
ad m in istrar u m a a sso ciaç ão p obre, outros p o r não condizerem com o m odelo
de m e sário estab e lecid o p ela irm andade, ou ain d a p o r esta não ser m ais um

atrativo p a ra os negros. Isso pode explicar, em p arte, as freq ü en tes


re e le iç õ e s.27

A c u s a ç õ e s contra m esário s foram freq ü en tes na confraria do R osário.


A q u eles que o cu p av am cargos eram m ais v isad o s. Em 1870, o p ro cu rad o r
geral da irm andade foi su sp en so e su a eleição anulada, p o r este “ ter se

negado a assig n ar e satisfazer a su a p ro m essa de seis mil e q u atro cen to s


re is.” Em 1899, acu sad o de d esfalque p elo s irm ãos da m esa, o “ encarregado

das co n ta ria s” foi afastado do seu cargo. N a m esm a sessão , o teso u reiro da
a sso c ia ç ã o foi contrário a hom enagear o defin id o r M anoel N ascim en to por

serv iço s p re sta d o s à instituição. E stab elecid a a d isc u ssã o entre eles, a m esa
su sp en d eu a se ssã o “até que acalm asse os ân im o s.” 28
E sses ep isó d io s rev elam que a p o lítica interna no R o sário era ,
con flituosa. A c u sa ç õ e s e descontentam ento dos co n frad es com a m e sa foram

con stantes. C ertam en te que o m onopólio p o r determ in ad o s g ru p o s d esag rad av a

77 /-J.1'1 o.R Teirno de Resolução, 03 de outubro de 1866, cx.3,doc.04,p.34. Sobre reeleição ver
I jv ro s He ./Jas (1 880-1 8^9), cx 4 ; correspondências, cx 2 1, doc 0 2 - í , 1842.
* /■•.] l-J C: K l ^ n n o d c. Kr?'; fu\ ] de dezembro de 1870, cx ^3, do' O-^pp 02-C? , sobre o
derlfilquí vr-- Livre -ir APtr í ) £ !■)). do- <>S-b
29

os d em ais, principalm ente quando se tratav a de um a m o n o p o lização

d u rad o u ra.

Alianças e rivalidades na mesa.


O s m esário s de 1820 eram , v ia de regra, angolanos ou crioulos. O
p o d e r p e rte n c ia estritam ente a esses grupos. R ezav a o co m p ro m isso que:

“ no aiino em que for o Escrivão d a serie dos An-


golas.seja o Thesoureiro da série dos Crioulos;o m es­
mo se há de praticar com o Procurador Geral [...]29

N o projeto de com prom isso de 187:2 não há referên c ia quanto à


co n d ição étn ica dos m esários, o que reflete o contexto da ép o ca. O tráfico
negreiro h av ia encerrado e a restrição étnica não fazia m ais sentido, p elo
declínio da p o p u lação baiana nascida na Á frica. A e s c a sse z de hom ens

africanos se refletia na p o lítica étnica das im ian d ad es. O R o sário se

transform ou, na segunda m etade do sécu lo XLX, em um a irm andade crioula

e, portanto, brasileira.

O livro de entrada de irm ãos do sécu lo X V m e inicio do XLX rev ela


que crio u lo s já predom inavam na irm andade. Em seg u id a, vinham os je je s e
os angolanos. A diferença entre crioulos e je je s era m uito peq u en a, m as o
num ero de negros que se d eclara p erten cer a algum g n ip o étnico é ínfimo,
o que dificulta a análise.
N úm ero de irmãos registrados (1719-1837) 3175 percentual
Crioulos 115 3,6 %
Jejes 103 3,2 %
Angolas 48 1,5 %
Mina 37 1,1 %
Benguela 17 0.5 %

' '■!i;';v:; iü s-v. .ir N ” i ■ I- <s;irK' 1 orlar dc ran nc." M 2í |. la:> V. r* .doc 1,fl 14
30

Nagfls 4 0,1 %
Moçambique 3 0,09 %
S/ Declaração de origem 3.157 89,1%
Fonte: Livro de Entrada de IrmSos (1719-1837)

O s angolas se aliavam m ais com os b rasileiro s ( crio u lo s ) do que com

os p atrício s africanos. C u rio sa a dinâm ica étn ica no R o sário . A p esar dos

je je s ingressarem em grande núm ero, eles eram p ro ib id o s de co m p o r a m esa

d iretora. E sta continuava, até aproxim adam ente a seg u n d a m e tad e do sécu lo
XIX, dom inada por crio u lo s e angolas. N a eleiçã o de 1871, crio u lo s e
angolanos continuavam dividindo o p o d er na confraria. P ara I o ju iz o
v en ce d o r foi o angolano G asp ar da C o sta Júlio. D a série d o s crio u lo s, João
L uiz das V irgens( 2o ju iz ). P osteriorm ente a esta d ata não foi encontrado

nenhum docum ento sobre eleiçõ es que d estaq u e a p articip a ção d iferen ciad a

( crio u lo s ou angolas ) com o m e sário s.30

A aliança entre crio u lo s e angolanos talv ez p o s s a ser ex p licad a p elo

fato de terem sido os angolanos os p rim eiros a chegarem à B ahia, e


tiv e sse m se ad ap tad o aos co stu m es da terra. Na v irad a do sécu lo XIX,
continuavam a chegar e se ju n tav am a seus p atrício s. N e s se m om ento, eles
se tran sfo n n av am em afro-baianos. C oncordo com R eis, quando afim ia que
os angolanos foram introduzidos “às m aneiras e m alícias da terra do
branco” e quando os su d an eses com eçaram a ch eg ar “já havia um a longa

trad ição angolana de interação com o m eio b rasileiro e seu s hab itan tes, entre

os quais o s crio u lo s.” N ão é p ossível d esp rezar o e sp a ç o que a com unidade

angolana o cu p av a na Bahia. N o R osário, eram os m ais antigos e não iriam


ced er seu s cargos para outros grupos de african o s, p rincipalm ente quando
e ste s fossem su d an eses, sem q u alq u er p aren tesco lingüístico ou cu ltu ral, e

' * . i ) ’ " }• Tf-nnp . !u; ; : c-, ( i ^ ■Je j a n e i r o d*- 1 1, / do-"04 . í>


31

que por seu grande núm ero p u d essem n ;p re se n ta r a m eaça à trad ição
angolana. Q u eriam p reserv ar o p o d er utilizando o critério d a an tig u id ad e.31

C o n tro lar a m esa significava, entre o u tras c o isa s, co n tro lar o s irm ãos de

ou tras etn ias, além de adm inistrar d iferen ças étn icas. As irm an d ad es eram

“ can ais d e adm inistração d essas diferenças” . A n g o las uniram -se ao s crio u lo s,
fo ram capazes de organizar estratég ias de alian ça s e riv alid ad e s. O que

p a re c e estran h o é o fato de crio u lo s e african o s se solid arizarem , p o rq u e o

com um e ra o conflito. B asta lem brar que n as re v o lta s e s c ra v a s do sécu lo


XIX, crio u lo s estiveram ausentes. “ C rioulos, cab ras e m u lato s não p articip aram
de nenhum a d as m ais de vinte rev o ltas e s c ra v a s b a ia n a s anteriores a
183 5.” 32
C ada irm andade negra era dirigida por um ou m ais g ru p o s étnicos. A
alian ça crioulo/an g o la tam bém se rep etiria na Irm andade do R o sário da
C o n ceição da P raia e na Irm andade de S anto A ntônio de C atageró, d a

m atriz de S ão Pedro. N elas apenas esses d o is g ru p o s p o d iam “ o cu p ar

cargos de d ireç ão .” M a s tam bém a origem étn ica re v e la que m u itas v ezes

africanos se uniam a africanos e repugnavam os crioulos*. E sse foi o caso


dos b en g u elas, que dividiam com os je je s os carg o s de m esário s na

Irm andade do R osário da R ua João P ereira. E na Irm andade do Senhor B om


Je su s dos M artírio s, em C achoeira, os je je s ‘ex p ressaram sem ro d eio s sua
a n im o sid ad e em relação aos crioulos no C o m p ro m isso de 1765, adm itindo-os

se p a g a sse m um a jó ia d essezeis vezes m ais cara e p ro ib in d o -o s de


exercerem cargo de m esa.” O utro caso de h o stilid ad e étnica foi co m provado

atra v és do com prom isso de 1800 da Irm andade do Senhor B om Jesu s da


C ruz dos C rioulos, tam bém de C achoeira, que ace ita v a ap en as irm ão

“ natural da terra” , e caso entrassem “ A ngola, B enguela ou C o sta da M ina,


será risc a d o da Irm andade ” A exceção era ap en as p a ia as m ulheres
b en g u elas, angolanas e da C osta da M ina c a sa d a s com os m em bros da

F.ei*, F u -l-c k ^ o rio F r n s tl p 1 fr-5


' A rrj^.ric < um:: ú :-ta i- f 5 , Fjcbcliào vscrava no Prapii | 173
32

confraria. E s ta s eram ac e ita s “ em atenção ao s m a rid o s.” E m caso de viuvez,

se c a sa sse m p e la segunda v e z “ sem se r co m os d a te rra p erd erão to d a a

honra d a Irm an d ad e.” 33

As mulheres na mesa
A s m ulh eres ocu p av am cargos n as co n frarias negras, m as a origem

étn ica tam b ém criav a reg ras entre elas. No caso da Irm andade do B om
Je su s dos M artírio s, de C achoeira, citad a anteriorm ente ap en as as m ulheres

crio u las p o d ia m exercer cargos, m as com o m em b ro s com uns as m ulheres,


independente de su as origens, eram d ese ja d a s nas irm an d ad es africanas,

“talv ez p a ra aum entar o estreito m ercado afetiv o dos h o m en s,” sendo elas
p o u co n u m e ro sas na com unidade african a.34
A s irm ãs do R osário d as P o rtas do C aim o p articip a v am de u m a m esa
ex clu siv am en te com posta p o r m ulheres. E ram ju íz a s,m o rd o m a s e p ro cu rad o ras.
As m ulheres crio u las e angolas p oderiam , p elo co m p ro m isso de 1820,

o cu p ar ap en as esses cargos. A ssim rezav a o estatu to :

“Ein cada ano se elegerão as Juízas que forem suffi-


cientes de hurna e outra nação,doze Mordomas,ou mais
se poder ser, duas Procuradoras as quaes poderão ser
Imiãs ou não.”33

No pro jeto de com prom isso de 1872, ex iste referên c ia a ju íz a s e


m ordom as de festa. Em 1900, o com prom isso determ inava que as m ulheres
tom ariam “p arte na ad m in istração ” e gozariam d as “m esm as reg alias dos
lm ião s m ezario s em tudo que estiv er de aco rd o com seu sexo.” A

p a rticip a ção adm inistrativa d as m ulheres estav a lim itada, p o is eram do “ sexo

R e is , A m orte c um a fe s ta ...p.56 ; “Com promisso da Irma. idade do Senhor B o m Jesus da Cruz


dos 1Yinulos, dü Vila d;i i"’ai liocira” 11KOOj, r-yp 1 ] ,doc lO.mss A I H S R
M Reis. A m orte um a fe s ta ...p
*' V c í p c f n i i s s o <!íi I m iH íid ad e di 3 d o R o s á r i o das; J o r t -is d o C a r m o ” [ 1 S 2 P ] , <«p VJ U, c x 1, d o c 1,
n Z\'. r. iss / . I N :■ ?.
33

frágil” e, su p o stam en te não p o ssu íam ca p a c id a d e de d ecidir. E ssa

d e sq u a lific a ç ã o do sexo fem inino estev e p resen te d esd e o estatu to de 1820.

P ro ib iam -se os escrav o s de ocu p arem c e rto s cargos, as m ulheres,

independente d e serem ou não livres, não p e d ia m o cu p ar certo s carg o s,-o s

m ais im portantes ou de direção- p o rq u e p e la “ q u alid ad e do sex o não

exercitão ato de m e sa.” N e sse estatu to , ?. fu n ção d esem p en h ad a p elas

m ulheres se ria assisten cial: “v isitar os enferm os, o rien tar-se do tratam en to [que
os d o en tes] rece b em e d a b o a ordem ” . R u ssel-W o o d assin ala a im portância
d a ala fem inina d as co nfrarias de co r no que d iz resp eito à ativ id ad e de
a ssistên cia social: “ A s m ulheres das irm andades desem p en h av am um papel

vital e e ssen cia l na p restaç ão de serv iço s so ciais ao s irm ãos e a su as

fam ílias atin g id as p e la d o en ça e p ela p o b reza .” 36

P elo e statu to de 1765, as irm ãs do Senhor B om Je su s d o s M artírio s,


de cac h o eira, tinham com o atribuição cu id ar da fe sta e da p ro cissão . O s
hom ens p re to s do R o sário de C am am u “ ap resen taram arm as c lá ssic a s do

p atriarcaiism o no tratam ento de su as m u lh eres.” P elo co m p ro m isso de 1788,


“ as irm ãs p ro cu rad o ras” realizavam tarefas tais: com o: “ lavar a ro u p a branca,

p rep aran d o -a com toda lim peza p ara o u so d as M issa s, co sen d o -as e
refo rm a n d o -a s.” 37

A s m ulheres na irm andade do R o sário eram m aio ria su b o rd in ad as. D os

3175 irm ãos catalo g ad o s p elo Livro de en trad a de irm ãos p ara o p erío d o
1719-1837 , 2204 eram m ulheres, representando aproxim adam ente 69% dos
m em bros, m as continuavam sem ter p o d er adm inistrativo. D a s 161 escrav as

que o cu p av am cargos nesse período, apenas treze registraram su a etnia: seis

eram jejes, cinco crio u las e d u as angolas. A qui a p e sa r do núm ero reduzido

de d ados sobre a origem étnica das m ulheres, as irm ãs je je s e crio u las

* “Projeto de C om prom isso de 1872," cap.6°, cx. 1,doc.2, p. 1ó; “Com prom isso ... (1900], cap.4e
“Alribuir c*es da P rio r « a , Sub Prioreza, Mestra de Hoviça e Condignas", cx 1, doc.3 ; “Compromisso...
11820], cap.XVl, cx 1,doc 1,(116, A.J.R R ussd-W ood, “Black sirid mulatlo brolheroods iri Colonial
Bradl- a st.udy it» collective behavior" apud Lueiano Figueiredo, O A ve sso da M em ó ria . C o tid ia n o e
Traf--:lho d a m u l h e r cm M i n a z O erai? n o sâ cu lo XVH, Educib, .'o sé O lynipio, 1 9 9 3 , p lt'2 .
j ati' 1' ia jóü lv ev, 7b* Piack .V.'\ ... f l* r ,!•>!£. A m o rte é w n a fe~la ...i 5S
34

d iv id iam o s cargos, o que d em o n stra que as reg ras de discrim in ação étnica

fo ram s u b v e rtid a s p ela ala fem inina d o R o sário . E n tre 1720-1818, d ez ju íz a s

eram d a n açã o je je . Isso sugere a não ex clu são étn ica entre as m ulheres, no

p erío d o an terio r ao estatu to de 1820. A p a rtir d e ste ap en as as m ulheres

angolanas e crio u las d ividiram o p o d er na m e sa. P o d e r rela tiv o e lim itado

p e la ala m a sc u lin a .38


O q u e explicaria o grande núm ero de m u lh eres nas irm andades n eg ras?
A o p o rtu n id ad e de u su fru ir d a a ssistên cia m aterial certam en te influenciou a
entrada d e la s, m as os hom ens tam bém foram atra íd o s p elo m esm o m otivo.
E stu d an d o o cotidiano das m ulheres m ineiras no sécu lo XVHI, L uciano
F ig u eired o ex p lica a p articip ação das m ulheres n eg ras nas irm andades com o
um reflex o d a v id a que d esem p en h av am nas co m u n id ad es m ineiras. “O baixo

nível de v id a a que estav am su b m etid as e a co n seq ü en te n ec e ssid a d e de

o b ter a a ssistê n c ia social o ferecid a co n stitu ía-se em im portante m o tiv ação


p a ia o seu in g resso [ ...].T am bém b u scav am ali c o n d içõ es p a ra um convívio
social com se u s p a re s.” 39
F ig u eired o com prova a enorm e expressão da m ulher n as irm andades de
negros e m ulato s. “P articipando ou não d as m e sa s dirigentes, o elem ento
fem inino assum iu realm ente um p ap el sig n ificativ o .” T alv ez em M in as G erais
as m u lh eres particip assem , d ecid issem os assu n to s d a co n fraria.40
Em S alv ad o r, as irm ãs do R o sário raram en te ap are cem na docu m en tação
co n su ltad a. S ão ju ízas, oferecem serm ões, co n stan tem en te são co b rad as p elo

atraso d o s aluguéis, são v iú v as defendendo seu s m arid o s das co b ran ças dos
m esário s. O registro de en trad a de irm ãos n so tra z d ad o s sobre a condição
civil d essas m ulheres. M as, atrav és dos te stam en to s de lib erto s p ara o
período de 1790-1844, foi p o ssív el id en tificar que das 38 te stad o ras que

p erten ciam à irm andade de N .S . do R o sário , 23 eram casad a s. M esm o não

A I N S R L i v r o de entraria de írrriSos d 7 2 2 - 1 8 2 0 , c x 7 . d o c 1
J , u - j a ’io F i i c u r i r e d ” , •'.> A v e s * # d i M c tn ó n a ... p 161
' ]■iCU' irrd J. O í'1' 2
35

tom ando p a rte das d e c isõ e s adm in istrativ as, as irm ãs não estav am na
confraria ap en as em b u sc a de auxílio m aterial. E ssas m ulheres eram

co m ercian tes, d esin ib id as e ganhavam m ais dinheiro q u e o s hom ens. E stav am

ali p a ra aju d a r seu s m arid o s e os se u s irm ãos é tn ic o s.41

A v id a ad m inistrativa d a irm andade e sta v a a ssim organizada. C onflitos,

te n sõ es, m o n opo lização étnica, b em com o o p ratiarcaiism o que im p erav a na


con fraria fizeram p arte do cotidiano do s m em bros. O s co m p ro m isso s definiam

as re la ç õ e s so c ia is e de p o d e r no R o sário . V id a so cial e v id a p o lític a eram


d itad as p e lo s estatu to s.
Os prin cip ais asp ecto s tratad o s p e lo s co m p ro m isso s do R osário

m u d av am de acordo com a época. O p ro jeto de com prom isso de 1872


propunha algum as m udanças, o estatu to era m as sim p lificad o e as fu n çõ es

da m e sa m ais detalh ad as. E ntretanto, sua ap ro v a ç ã o não aconteceu.

Infelizm ente a do cu m en tação não escla rece o p o rq u ê do v eto d as


au to rid ad es. T alv ez, com o afirm aram B ace lar e S o u za, a p ro ib ição do

estatu to estiv e sse relacio n ad a ao fato dos irm ãos p ed irem a elev ação da
instituição à categoria de ordem terceira.O que sig n ificav a prestígio na
h ierarq u ia e clesiástica. A q u ela não era um a ép o ca p ro p ícia p ara se aten d er

à so lic ita ção de negros organizados. Os d eb ates em tom o da cam panha

ab o licio n ista fav o reciam ao s negros e seus defen so res, o que certam ente
contrariava os p o d ero so s da ép o ca. Perm itir aq u e la prom oção poderia

significar um a brecha fav o ráv el ao s irm ãos negros. O s irm ãos se tom ariam
te rc eiro s em 1900. C ertam ente que o m om ento fav o recia a p rom oção, m as
quanto a isso tratarei adiante.

Agradeço gentilmente á Profa. Maria Ines Cortês de Oliveira por ter colocado a minha disposição
a listagem dos testadores que pertenciam as irmandades entre 1790-1890. D o total de 350
testamentos de africanos libertos pesquisados pela autora, 139 pertenciam a alguma irmandade, 52
testadores do período 1790-1844 faziam parte da irmandade do R osário das Portas do Carmo. Listei
o num ero de mulheres testadoras. que mais unia ver eram maioria, e obtive o perfil do estado civil
drlas "obre mulheres libertas e escravas ver M attosc, B ahic ::éc*ilo X D ’: um a p ro vín cia no Império
. . . p . ! .V - 1 i t ' 4 .
CAPÍTULO II

O TRIUNFO DO ROSÁRIO SOBRE O “ESPÍRITO MALIG­


NO” : CONFLITOS ENTRE IRMÃOS E P A D R E S.

A v id a n as Irm andades relig io sas não era ap en as fe ita de harm onia e

so lid a ried ad e , principalm ente quando se tra ta v a do relacionam ento entre ir­

m ãos e clérigos. Q u eix as contra o vigário d a freg u esia, o cap elão d a Igreja,
a vig ilân cia e o controle p o r estes d a coriduta m oral d o s irm ãos, su a intro­

m issão n as festiv id ad es d as asso ciaç õ es, que freqüentem ente co n sid erav am
um esp e tá c u lo profano, além do não pagam ento d e serv iço s p restad o s p elo s

p o b res e, tam bém , a p restaç ão de co n tas d e ste s à instituição - eis alguns dos
m otivos m ais co n stan tes d o s conflitos, m u itas v eze s acirrad o s, entre p ad res
e irm ãos p reto s de N o ss a S enhora do R osÉrio às P o rtas do C arm o de S a l­

vador.
É interessan te o b serv ar que tais conflitos tinham u m a lógica própria.

O s leigos se co n sid erav am a pró p ria Igreja e, num a irm andade negra, e ssa

tendência aum entava co n sid erav elm en te p o rq u e e sta rep resen tav a um a das

p o u c a s chances de organização form al e relativ am en te autônom a dos negros


na cid ad e. P o r outro lado, a hierarquia ec le siá stic a queria controlar ao m áx i­

mo a v id a d o s irm ãos. D iante dos d iv erso s in teresses em jo g o , o choque


entre as p a rte s era in e v itáv e l. J udo isso p arece um pouco óbvio, m as o que
tom a essa história in teressan te é o fato d e ssa s q u erelas se arrastarem por

lodo o p erío d o colonial e im perial e trazerem a tona q u estõ es b astan te elu ­

cid ativ as a resp eito d as rela çõ es de p o d e r estab e lecid as, e às vezes do con­

fronto direto, entre o p o d er leigo e o p o d e r e clesiástico . Ao m esm o tem po


esses em b ates dem onstram a cap acid ad e de organização, de n egociação e a
37

co m b ativ id ad e dos negros co n tra os ad v ersário s, n a d efesa do que c o n sid era­

vam s e u s d ireito s e seu s in te re sse s.1

P á r o c o s, v ig á r io s, ca p elã es na ord em religiosa


A fo rm ação do B rasil aco n teceu em grande p arte atra v és da ação do

E sta d o e d a Igreja. E streitam en te asso ciad o s, e s s e s p o d e re s ditaram as n o r­


m as de co n d u ta d o s civ is e relig io so s no p erío d o colonial e im perial. E ntre­
tanto, p o r fo rç a do P ad ro ad o , a Igreja foi o b rig ad a a ex ercer um p ap el s e ­
cundário. O s n eg ó cio s ecle siá stic o s ficariam inteiram ente su b m etid o s ao p o d er

da coroa. “ N a realid ad e, o m o n arca p o rtu g u ês to m av a-se assim um a esp écie


de d eleg ad o p o ntifício p ara o B rasil, ou seja, o chefe efetiv o da Igreja em
form ação. A o P a p a cab ia ap en as a c o n fitrm çã o d as ativ id ad e s relig io sas do

rei de P ortugal.
A firm a a h isto riad o ra K atia M atto so que, so b o instituto do P ad ro ad o ,

a “Igreja c a tó lic a p a re c ia d irigida p o r leigos. A h ierarq u ia era p o u co re s p e i­

ta d a p o r p a d re s e fiéis. N a m aio r p arte dos: caso s, o dinheiro d estes últim os


m antinha o culto e a cham a da fé das irm an d ad es.” E ntretanto, reconhece

M a tto so , foi com o estím ulo da Igreja que a ação dos leigos se lom ou
p o s s ív e l.3

A vigilância e o controle da Igreja eram ex ercid o s p elo s vigários d as


freg u esias, p e s s o a s m uitas vezes p o u co p o p u lares peran te os irm ãos. A c u s a ­

dos freq ü en tem en te de co b rar p re ç o s exorbitantes p elo s serv iço s, o clero en­

trava em cho q u e com os m em bros das irm andades. A lguns d esses ep isó d io s
serão an a lisa d o s adiante. .Antes disso é bom e sc la re c e r q u ais os p ap éis d e ­
sem penhados p elo s p ad res na ordem religiosa.

1 Julita Scarano, Devoç&o c Escravidão. A Irm andade d e N ossa S e n h o ra do R osário d o s F retos no


fk s tn to D iam antino no s é a d o XV]}}, São Paulo, Nacional, 1975, p .51; ver também João R f is, Pife*
n w , a s t R e n s : ê t id a s ;io Brasil escravista, Te: ripo, í f 3, p 3.
' lv luar d o H(H>rnün1, llx tfir m aa f c n j a no Fra:vl. F n m 'ir a F pnca, 4* t d , I v t r ò p o l i s , Ver.es. P a u l in a s ,
38

O v ig á rio era o chefe d a freguesia, m as p a ra ser p áro co era nom eado

o ficialm en te p e lo E stad o e seu cargo era v italício . O s vig ário s tam bém p o ­

d eriam s e r v ita líc io s( vigário co lad o ), ou encom endados, no m ead o s p elo s b is ­

p o s te m p o rariam en te, até que v ie ssem a o b ter n o m eação oficial, que p o d ia

d em o rar long o s an o s.O p áro co reu n ia na su a p aró q u ia as cap elas so b a

re sp o n sa b ilid a d e de cap e lães. A lém d esses ca p e lã e s, M atto so identifica m ais

d u as s itu a ç õ e s que encobriam a denom inação d e cap elão : “ a do que exercia

su as fu n ç õ e s sacerd o tais ju n to a u m a irm ar.dade relig io sa ou um a fam ília; e


a do q u e a ju d av a no coro cated ral, ap esar de não ser cônego.” H av ia ta m ­
bém c a p e lã e s nos engenhos e nos q u artéis.4

A c re sc e n ta ainda M atto so que os cap e lães foram os resp o n sáv eis p e ­


los “ en carg o s d as alm as de u m a parte da p o p u la ção num erosa, que escap a v a

ao clero su b m etid o à au to rid ad e ep isco p al.” O s p a d re s-c a p e lã e s que serv iam

irm andades eram m aioria. N e sse caso, o cap elão era nom eado p ela M e s a

ad m in istrativ a d a confraria e em tese estaria so b o controle dos irm ãos.

“F ica v am até su jeito s a san çõ es, se negligenciassem atos de culto ou se


co b rassem p o r eles m ais do que fo ra e stip u lad o .'’5

Q u eix as d as irm andades contra os p áro co s e cap elães foram freq ü en tes
durante o p erío d o colonial e im perial. O s fiéis não viam seu s p ad res com o

m odelo de com portam ento. E s s e s eram freqüentem ente v isto s com o m ercen á­
rios, p re o c u p a d o s m ais com bens m ateriais do que com a assistên cia esp iri­

tual. P o r outro lado, os p ad res queriam ser p ag o s pelos serv iço s p restad o s,
p o is p re c isa v a m de dinheiro p ara seu sustento. O com portam ento dos p ad res
b rasileiro s seria típ ico ? Q ue lb rm ação teriam rece b id o n o sso s clérigos? É no
m ínim o in teressan te conhecer um pouco da história d esses sacerdotes.
R em ontando a uma ép o ca distante, conta-nos Tliales de A zevedo que

os p ad res q ue vieram de Portugal pertenciam à escó ria “ do que lá havia de


sacerd o tes - uns su sp en so s de ordens, outros reb eld es e insubm issos.'" Sobre a

]. J*!: '?■- / ■ . 1 , . . .YLY... J. .


' '/„Moi-. . .‘Y-. .17’.'. i . ' . v - S . ; '
39

fo rm ação do clero, A zev ed o cita o caso de D io g o A ntônio Feijó, que se

o rdenou sem nunca faze r um curso reg u lai. F o rm av a-se o clero de fo rm a

“p re c á ria .” A c rescen ta o au to r que, “p a ra su b stitu ir os je su íta s , ao extinguir-

se a o rd em b en em érita, o m arquês de P om bal fe z ordenar e seguir p a ra o

B rasil p a d re s p rep arad o s às p ressas, em co isa de se is m eses, recru tan d o s u ­

je ito s im b u íd o s de reg alism o s e p o r certo m ais p re o c u p a d o s com a p o lític a


e com o em prego do que com a relig ião .” N a opinião de A zevedo isso
ex p lica o grande núm ero de p ad res sem v o c a ç ã o p a ra a carreira.6
C ertam en te que os p ad res do sécu lo XIX herdaram m u itas d as c a ra c ­
te rístic a s dos seu s antecesso res. E ra m urio com um no B rasil os p ad res

d esto arem d o s p ad rõ es que o C oncílio de T rento p ro cu rara definir. E m su a

p e s q u is a so b re a M esa de C onsciência e O rdem , o h isto riad o r G uilherm e

N e v e s identifico u v ário s caso s “ de tran sg ressõ es p e rp etrad as p elo s clérigos,


com d esm azelo , em briagues, atitudes injustas e v io len tas e, sobretudo, co n cu ­
b in a to s.” A lém da constante introm issão d o s p á ro c o s nos assu n to s da ad m i­
n istração d a ju s tiç a , com o foi o caso do p áro co de C arinhanha, às m argens
do rio S ão F ran cisco , que em 1825, “v alen d o -se da ignorância dos ju iz e s

leigos, e x to rq u ia os p aro q u ian o s com direitos ex ce ssiv o s da esto la... e ainda


p o r cim a v iv ia escan d alo sam en te am ancebado com um a p ro stitu ta .” 7

T rab alh an d o com 114 testam entos e 29 inventários de p ad res fale cid o s
na B ahia entre 1801 e ! 8 8 7 , K atia M atto so pôde o b serv ar que o clero, a p e ­
sar de se d eclarar celib atário , testava a fav o r d o s seus filhos, reconhecendo
seu s d eslizes. E ntretanto, M atto so acredita que não se tratav a de nenhum a
aventura am o ro sa e sem conseqüências, poií; “ap en as 25 % dos p ad res d e c la ­
raram um filho. Q uarenta p o r cento d eles chefiavam fam ílias n u m ero sas, com
três filhos ou m ais o que exclui a idéia de rela çõ es acid en tais, resu ltan tes

de fragil id a d es p assag eiras. O s p ad res m antinham sem pre a m esm a m ulher,

* 11 de / ' , n e u w n l o d a C idade cio S a l v a d o r , Salvador, llspuã, 1 ’X .9 , |*jr> 2 1 4 -1 5


' Guilherme T erem : d;is U w s , “Entre o Troüc e o Altar fi Mesa de Consciência e 'Ordens <• o
I' íj"..! du !-'.í! i iç; ao li- í r a ; ; : ! ! ! c ' 1'■-! " i:i 'r: 7? rra Uc lA dTc
! tst’. rtr K da L'.h'a' ). Fdit-.ri,-.! Kstimij'*. 1 >^'5. ’ fcí
40

mãe de seu s filhos.” A s normas do C oncílio de Trento pareciam m ais ficção I


do que realidade. Em 1857, na cidade de A lcobaça, interior da Bahia, o s m o­

radores denunciaram o vigário encom endado Francisco José de O liveira


Fonsêca, por este ter “uma mulher casada e acha-se com ella concubinato

publica e escandalosamente; passando seu desejo a ponto de apresentar-se


com ella na sua janela, e na porta da rua de sua casa de morada, e de

noite deitados na calçada.” A regra do celibato continuava a ser transgredi-


da.8

A lém de com portam ento clerical não tão exem plar, a situ ação m aterial
deles era d elicad a. O s vencim entos, quando receb id o s, eram m inguados. “ O s
p á ro c o s raram en te atingiam os níveis d a rem u n eração m éd ia re c e b id a por
artesão s, p ed reiro s e m arceneiros, que era de 200 mil ré is anuais.” O s v ig á­
rios co la d o s p o ssu íam fontes num erosas, m as “ as qu an tias arrecad ad as v a ria ­
vam segund o o núm ero e a riq u eza dos p aro q u ia n o s.” A situ ação dos v ig á­
rios en com en d ad o s “ era p ior j á que só p o d iam contar com a g en ero sid ad e

dos p aro q u ia n o s.” E ssa situação v ex ató ria explicaria em p arte os in teresses

do clero nas recom pensas m ateriais da v id a religiosa. T erem os, d esse m odo,

p ad res-fu n cio n ário s mal pagos pelo E stad o que com p letav am o orçam ento
cobrando p o r seu s seiv iço s v alores às v ezes ex o rb itan tes.9

O j ° S ° d e in tere sses e n a p ro v n çfio d o c o m p r o m is s o

O s conflitos na Irm andade do R o sário das P o rtas do C arm o vinham


de longe. A confraria fora erguida e con fin n ad a na Sé C atedral, em 1685.

Entre 1703-170-1 os irm ãos conseguiram levantar su a pró p ria cap ela às P o r­
tas do C arm o. Q uando, em 1718, a nova freg u esia do P asso foi d esm em b ra­

da da Sé, os paroquianos, ainda sem a SLa m atriz, o cu p aram a cap e la do

r V ; . s ! ' . r \ fy .’>« a J . < XIX... ]• /J K l-?ene Kr ll^i , 22 l< I 1ÜK. Ur- l K f 7 , - j o - , «. *12
! ' li*' i ^' 1. / Sí r- ..r
41

Rosário d os Pretos. Entretanto, os negros dirigiram-se ao Rei, por intermédio

do governador do Brasil, conde de Sabugosa ao Rei, queixando-se d essa

apropriação injusta. Carlos Ott assinala o papel importante que desenvolveu


o conde de Sabugosa, pronunciando-se a favor dos irmãos do R osário. E
assim um a Carta datada de 1726, obrigou o vigário do P asso a devolver a

igreja aos pretos. A ssim dizia:

“ Faço saber que por parte dos juizes e Irmãos


da Irmandadi; que fizeram hua ermida as suas pró
prias custas para o que impretaram primeiro do Re
verendo Arcebispo ... e estando assim a sua Irman
dade com toda a descência; e como nessa cidade,ser
to da mesma ermida e erigira também hua Igreja
p a ra M a triz p e d ira o dito A rc e b isp o aos S uppli
cantes que em quanto estava sendo acabada os fre
guezes administrava nos na ermida [ Rosário ]. E es
tando assim ídguns dias intentarão os ditos freguezes
a se apossarem-nos da sua Ermida que lhes tinha cus
tado tanto trabalho,e despesa de sua fazenda paia lhes
servir de fre^uezia e vendo os supplicantes esta injus
tiça que lhes querião fazer recorrerão a mim para que
os mandasse comerciar na sua antiga posse (...)10

A os paro q u ian o s do P asso, não restou outra altern ativ a senão aca tar a
d ecisã o do Rei e construírem su a própria m atriz. “ Q ue ho u v e m uita o p o si­

ção d isfarçad a dos paro q u ian o s contra a d ecisã o do conde de S ab u g o sa,


m ostra o fato de terem protelado m ais dez anos o início da co n stru ção da
m atriz do P asso . E m esm o quando, em 1736, co m eçaram com as obras, os

trabalhos se arrastaram por vários anos e não se d evem ter m udado para a
nova m atriz antes de 1 7 4 0 ." 11
N e sse acontecido, a justiça p rev aleceu g raça s à altiv ez d esses negros,
m as o apoio do conde certam ente m uito contribuiu p ara o desfech o . R esta

perguntar o p o r q u ê da decisão do governador. A cred ito que resu lta do seu


42

bom sen so, tentando evitar alguma razão dos negros. H avia negros rebeldes

na colônia, sobretudo reunidos em quilom bos. C aso o pedido do governador

fo sse desfavorável à irmandade, o governo poderia ter de enfrentar reuniões

de negros, pedindo justiça, e ninguém sabe onde isso poderia dar. Favorecer

aos membros do Rosário significaria trazê-lc s para m ais perto do olhar v ig i­

lante das autoridades.12


I
Era de se esperar que o trato dos brancos com os membros das ir­

mandade de cor fo sse permeado por m uitcs conflitos, tanto no período co­
lonial com o imperial. Afinal, o controle social era uma razão fundamental
para a tolerância d essas instituições e, se tanto o poder eclesiá stico com o o

poder civil interviram muitas vezes nos assuntos da irmandade do Rosário,


foi para corrigir d esvios dos negros para melhor controlá-los. N esta batalha,

os padres foram soldados de linha de frente e, portanto, mais su scetív eis


de entrarem em choque direto com os irmãos.

N a q u e le m undo, co n trolados p elo s b ran co s, os m em bros do R o sário


tentavam b u rlar os olhares vigilantes dos p ad res. C om d esinibição, os m esá-
rios da irm andade freqüentem ente recorriam a in terv en ção do p o d er tem p o ral,

e outras v ezes ao b isp o ou arceb isp o local. T a lv e z o caso da d isp u ta pela


capela, em 1718, tiv esse sido o prim eiro sinal im portante de que os negros

não iriam aceitar q u alq u er tipo de injustiça. E isso sc confirm aria, com o v e ­
rem os m ais adiante. A p esar de socialm ente fraco s, os negros da irm andade

souberam fazer política, p rocurando apoio, p ro teç ão , interm ediação ou exigindo


ju s tiç a dos p o d eres constituído do governador.

D iante de q u alq u er am eaça à confraria, a M e sa logo acio n av a seus

p ro cu rad o res para defendê-la. A via utilizada p ara lutai' e garantir os d ireito s
dos irm ãos negros era, além da p etição às altas au to rid ad es, a via ju ríd ic a .
A m aioria d as cau sas que envolvia a Irm andade era defen d id a p o r um P ro ­
curador G eral. O com prom isso dc 1820 estab e lecia que tal caipo fo sse ocu-

n ‘»’I if JS r I ]'!!! -V I il-i '.l: li:-; r | ' 0 'f i Ve;' J (' f; f R r 1.N, " 1J ; ]1 ; i*..c r :'rVo]t;.!í- f S' r;V.’aí- TlC í r ; ; S : ! , "
43

pado p o r u m irm ão, rev ezan d o -se os d a série A ngola com os da série dos

C rioulos. A ssim reza v a o estatuto:

“Haverá na M esa hum Procurador Geral pés


soa ágil e diligente que já tenha servido o Car
go de Juiz [...] a este tera a M esa todo respei
to; hum anno será da série dos Angolas, outro
da série dos Crioulos [...] tomará conhecimento
de todas as determinações da Mesa que n3o for
a bem da Irmandade para se oppor e protestar [...]13

A trav és d esses p ro cu rad o res, os negros do R o sário reclam aram seus

direitos diante de auto rid ad es civis e e c le siá stic a s, p elo sim p les fato de não
adm itirem que a p alav ra do p ad re, p o r exem plo, fo sse co n sid erad a com o a
últim a n o s assu n to s da confraria. Q u ase sem pre, quando um novo co m p ro ­
m isso e s ta v a p ara ser aprovado, e sse s conflitos afloravam . Foi o que aco n te­

ceu no p ro c e sso de ap ro v ação do co m p ro m isso de 1820. P ela docum entação


co n su ltad a, p erce b e-se o em penho da confraria em ap ro v á-lo n a form a orig i­
nalm ente con ceb id a. E m 1810, o então p ro cu rad o r d a confraria, V icente Porfí-

rio S oares, se encontrava na C orte do R io de Janeiro, dem andando ju n to à


Real M a g e sta d e a confirm ação do com prom isso. A p artir d essa data, os

conflitos entre o vigário colado do P asso , V icente F erreira de O liveira, e a


irm andade do R o sário , ganhariam fôlego no T ribunal da M e sa de C o n sciên ­
cia e O rdens. A parentem ente, a contenda continuou no ano de 1821, quando,
m esm o a p ó s ap ro v ad o o estatuto, o p ro cu rad o r d e ssa ép o ca, Jo sé V icente de
Santana, p ed ia o acréscim o de m ais três cap ítu lo s. Se conseguiu, não fic a ­
m os sab en d o . Entretanto, o ep isódio demos*.ra a d esan n o n ia existente entre
leigos e clérigos, trazendo à tona a luta dos irm ãos negros contra o p reco n ­

ceito e a arrogância do v ig ário .14

A ] )■} S R " C o r r i p r o n u m ' d;-. Irmandade- de ! I ? l;.:f P o r t a s do C a r m o ’' ( 1 £ 2 0 '!, C a p X H . Í 1 2 ?


/ J J F i : , A li-, seml-a-y.- do ] 0? d>. al-n! le ’S 10 . : 21 . ] v 1 ' F u r i d o de Coíls-'. íé n ;ió
’ t 1‘ ! r 'Jt 1^-21. 1'/ 2^^'.} <' j .'
44

N a docum entação consultada, encontram-se as queixas dos irmãos con­

tra o vigário, acusado de querer interferir, indevidam ente, em assuntos da

confraria, se opondo à aprovação do com prom isso, além de cobrar de forma

exorbitante o s serviços prestados, tirando ex cessiv a vantagem financeira. A s ­


sim, pronunciava-se por exem plo José V icente escrevendo do R io de Janeiro:
“que elle recebe primeiro os direitos de sua fábrica e por tanto encomenda

os defuntos em sua casa antes que venhão a ser enteirados nesta Irmanda­
de.” Por outro lado, o padre V icente Ferreira de O liveira se opunha ao esta­
tuto por este ser “m uito ofensivo e destrutivo dos D ireitos Paroquiais,” con­
siderando-se também espoliado pela irmandade. O que podem os deduzir, e
verem os adiante, é haver um conflito de interesses não apenas espiritual, mas
sobretudo material entre a irmandade e o vigário.15
A g ressõ es, xingam entos constam das c a l a s en v iad as p elo p rocurador, do

R io de Janeiro , ao s m esário s da irm andade do R o sário , em Salvador. Q u ase

sem pre o p a d re era definido com o serv içal do D iab o , que infernizava os

d ev o to s do R o sário , sendo um espírito m aligno. O mal aqui estaria sendo

serv id o p e lo m ensageiro de D eu s. A ssim ele escrev eu , “ ...faço guerra ataco

0 inim igo e tem orizo-o e gritando v iv a a m ãe de D eu s do R osário estou


com a fé, e sp eran ça de lev an tar estandarte da vitó ria contra o inimigo infer­
nal a que p ro testo v en cer com as p ro teçõ es tão D iv in a ...” E stav a d eclarada

a “g u erra.” A liás esse é um term o m uito jtiliz a d o pelo p rocurador, quando


fazia referên cia ao desen ro lar dos acontecim entos. T alvez, tanto o vigário

quanto o d efen so r da irm andade realm ente p en sassem que se tratav a de um a


luta em q ue só h averia um vencedor. lb

R esta-n o s sa b e r de form a m ais d e ta lfa d a as d esav en ç as entre as p a r­


tes. S egundo relata Jo sé V icente, o vigário p ertu b av a a p az da confraria,

1 procurador queixava-se do vigãric st apropriar do dinheiro da fábrica, um fundo de reserva


■pii a ■apela possuía. u dinhí iro taml.em deveria ser repassado para a irmandade. Ver A.1 H S.R
1''•rre-n>i’!idf,:i> ias ' '.'.'trtíir d o R i o !. ('5 de a p o r t o d<- 1 >0 5, Ox 2 0 , d o e 0 2 * c , A H M e s a de Coiisc if-rj: ia
< v i - :i:. ’ 2 I- abri! d- ’> 5 5 , : v . p< ■
" 1 r K V r v r p e n iéir. :í!í. i *art»r do Río . ’ d»- o'jv.il’.' o d*- 1M 5 . >.’x 20, d- >- 02-1
45

além d e “ am bicio n ar lu crar só b en s tem p o ráes e não e sp iritu a is...” . O p ro c u ­


rad o r a c u sa v a , portanto, que o p ad re apene.s se in teressav a em ganhar d i­

nheiro. T a lv e z h o u v esse exagero n as d eclaraçõ es, to d a v ia o que v a lia era

ten tar d en u n ciar à C o ro a o m au funcionário esp iritu al, q u e teria um c ará ter
m esq u in h o e ganancioso. E videntem ente o vigário p recisa v a de dinheiro p a ra

seu su sten to , e se p re sta v a serviço à irm andade d ev eria re c e b e r p o r isso. N a

v erd ad e , o qu e p a re c ia estar em jo g o era u m a m ed ição de fo rças entre os

do is con ten d o res. A irm andade ten tav a lim itar as fu n çõ es p aro q u iais e o v i­
gário im p o r su as v o n ta d e s.17
O q ue te ria o novo com prom isso p a ra d esag rad ar e enfurecer o p áro co
a ponto d e ste ser tão veem entem ente contiário a su a ap ro v ação ? Q u ais os
fato s q u e teriam tirad o o sossego e a paz dos irm ãos e do seu p áro co ?
A lguns cap ítu lo s p ro p o sto s p elo s irm ãos não foram aceito s p elo p ároco p o r­
que, seg u n d o este, v io lav am o que d eterm inava o D ireito E clesiástico . T rês

q u e stõ e s fund am en tais d esencadearam o conflito entre v igário e irm andade: a


prim eira d e la s dizia resp eito ao sepultam ento de irm ãos, a segunda ao fato

de ser ou não a cap e la do R osário filial da igreja do P a sso e, p o r últim o,


tem os a p o lêm ica em tom o dos cargos de teso u reiro e escriv ão serem
ex ercid o s p o r n eg ro s.18
O vigário, V icente F erreira de O liveira, seria um a p esso a d e te stá ­
v e l,“m esq u in h a” e “ interesseira” , de acordo com o relato do p ro cu rad o r Jo sé
V icente. N o R io de Janeiro, tentando fazer v aler os d ireito s da irm andade,
este a tacav a o outro diretam ente, propondo a lim itação das funções p a ro q u i­

ais. P elo d esejo do representante do R osário, o dito vigário náo seria “pago

1 A.1.H.3.R Corresporidí-ncias ( Cartas do Rio ), 25 de março de 1816, Cx. 20, doc.02*l>; sobre os
conflitos referentes a falta de pagamento ver Termos de ResoluçSo, cx, 03.
A partir das cartas do procurador José Vicente de Santa Ana, que se encontram no arquivo da
irmandade do Rosário, corneçei a buscar o que teria motivado de fato a contenda. Infelizmente a
docum entação encontrada na igreja do Rosário sobre o episódio apresentava lacunas, algumas inclusi- ■
determinadas pela aç5o do tempo Restnva tentar obter inform ações rio Arquivo Nac ional, partieu-
Iarmei iH através do Hmdo de Mesa de Consciência e Ordens e do Desembargo do Par, o Ksprr ífi-
*;uiii»-ii**• na d o c u m e n ta d o da Mesa de Consclé-nc ia e Ordens localinei dois m aços recheados de
K i í o n r j . j - x- lunvan».nu- sobre o .«nfronto Esses dó' umentor me «iiu-Jararn a d y idíir <•
■ p >r ‘ ' -a; ia r e h : \ c i o n a d a anT.f-ín ^ntre inn'os nep'os e o s e 1! v - ^ a r i o
46

p o r d efu n to s que sejão de F reg u ezia estranha p o r elle en co m en d ad o s p a ra

irm an d ad e.” Isto porque o defunto j á teria de p ag ar aos p áro co s d a su a fre ­

g u esia de origem , o que era de acordo com as C o n stitu içõ e s P rim eiras do

A rceb isp ad o , que regia estes assuntos. S o b re a en co m en d ação dos d efu n to s

de fre g u e sia s estranhas, reza v a a C o n stitu ição : “E , falecen d o algua p essoa


fo ra de s u a Freguesia, se d ará recad o ao P áro co d aq u ella, onde o defunto
fa le c e r e irá encom endar p er si, ou p o r outrem .” N ão h á portanto restrição
ao fato de o p ároco encom endar os co rp o s que n ão fo sse m de su a freg u e­
sia, m as tam b ém não esclarece e nem determ ina o pagam ento d estes pelo
s e rv iç o .19
P o r outro lado, o vigário explicou ao T ribunal que sem pre fora do

costum e “ encom endar p ara si ou seu s C oíidjuntores to d o s os co rp o s, que

v êm de o u tra qualquer F reg u esia inda j á en co m en d ad o s p elo seo com petente


P áro co a interessar-se as su a s F reg u ezias 2 F iliais, e rece b erem o em o lu ­

m ento p erm itid o p ela C o n stitu ição ... só o su p lican te se ach a esp o liad o d este
D ireito, sem que os S u p licad o s apresentem título algum legítim o, que o ex­
clua, não querendo eles que o Suplicante encom ende os cad áv eres, nem que

exija o seu resp ectiv o benez, e só sim que o seu cap elão assista a se m e ­

lhantes fu n çõ es fú n e b re s ” T alv ez fo sse costum e na freg u esia do P a sso ga­

nhar p elo sepultam ento de im iãos de outros lugares. O s p á ro c o s de d iv ersas

freg u esia s poderiam perfeitam ente entrar em acordo e am b o s receb erem seu s

em olum entos. A té porque, com o já foi m encionado, as C o n stitu içõ es não


proibiam explicitam ente tal p r á ti c a /0

A firm av a ainda 0 vigário “que os Irm ãos do R o sário nenhum as outras


cau sas aleg ão para izenção, senão a de serem po b res, e a de terem hum

C a p e lã o ,” m as tal alegação não teria fundam ento pelo fato de se tratar de

|C A .D Í S R. Correspondências ( Cartas do R i o ) , 02 de junfio de 1&1 6, cx 20, doc.02-c Ver SebastuSo


Monteiro i.ia Vide, C onstituições f'n m e ira s do A rceb isp a d o , Til. 45 " Dos Enterramentos, Exéquias e
HuHrapos dos E'efurit<>s Como os defunto? Ii&o de ser erco;nendados pelo seu 1'àroco antes que
i-iilt rrar ” 1 “ 0 " . Coimbra h t u! C«.')lrpi.> das Ari t s da ' ' i-rnp de Jesus £ ! 3-! A
/-IJ l / r s a de Cuns' léu.ia t 1 'r iens, iu de tunho d< i > 1 î, ■x 2^V, pç u3, do< 50'
47

um a irm andad e co m p o sta “ de hom ens p reto s, fo rro s, calçad o s, rico s.” E v id en ­

tem ente q u e denom inar a irm andade de ric a e lista r ap en as os fo rro s com o

irm ãos d a co n fraria era inverdade era m ais um exagero do p áro co , j á que

existem docu m en to s d a ép o ca que com provam a p re se n ç a de e sc ra v o s no

R osário. M a s v a lia tu d o p a ra obrigar os irm ãos a reco n h ecerem o direito


21
p aro q u ial. R e sta sab er o p o r quê da aparente in su b m issão d e sse s negros.
E m F ev ereiro de 1816, a irm andade q u eix av a-se ao T ribunal d a M e s a

de C o n sciê n cia e O rdens contra o fato de o v ig á rio q u e re r d estru ir o c o s ­


tum e dos irm ãos de d isp en sar o p áro co d as c e le b ra ç õ e s fü n eb res. A firm avam

os m e sário s que “há 62 anos se vê perm itido a o s S u p lican tes p u d erem f a ­


zer to d a s e q u aisq u er funções eclesiásticas, que n ão fo rem m eram ente p a ro ­

quiais, q ue quizerem fazer n a d ita C apela; [...] p e lla C arta R égia de S. M a ­

gestad e o Senhor R ey se m o stra confirm ar o aco rd o na R elação d a B ah ia.”

A causa d o s negros estaria ap o iad a em u m a d ec isã o do pró p rio governo

fav o ráv el à irm andade, m as que os p áro co s p a re c ia m ou preferiam ignorar.


Os irm ãos ap o stav am na vitória e acertaram . N o co m prom isso de

1 8 2 0 ,n o cap ítu lo “ do enterram ento e m issas dos irm ãos fa le c id o s,” o p áro co

nâo era o resp o n sáv el p ela realização d as cerim ônias fü n eb res. A irm andade

co n v o caria “ o C ap elláo ,o u outro q u alq u er S acerd o te a seo ro g o .” O costum e


utilizado no sécu lo XVHI de d isp en sar o p áro co d e ssa s c eleb raçõ e s p arece

que continuav a a vigorar para o sécu lo seguinte, legalm ente resp a ld a d o pelo
T ribunal.

O utro fator responsável pela querela entre o vigário e seu s co n frad es

rem onta ao sécu lo XVIII, quando os irm ãos do R o sário tiveram praticam en te
tom ada sua igreja pela paróquia do P asso . A rela çao entre esta p aró q u ia e

a capela da irm andade negra sem pre fo ra difícil. O vigário da freg u esia do

*' A N M e s a de C onsciênc ia e Ordens, 1 9 de ju n h o de 1 8 1 1 , cx 2 8 S , j>c 0 3 , d o e .50; so b re a p re s e n ç a


di. esc ra v o s na irmandade ver A.1 S.R Livro de Entrada de Irm ã o s ( 1722-1 8 0 6 i.
/ . 1 n M e s a de Consc íência e Ordem-, 01 de fev ereiro de 1 £1 6, c x 2 8 8 . p c 0 3 , d o c 50. ver ta m b é m
• y. :v«,p.- . 2 , u:r> sp o n d ú r . i ;j datada de 06 di m a r ç o de 1 81 5. cx 2 8 8, pc 03, doc 5 0 lOd^a 1 81 5,
"• d;: lnsi'<L’r1:rlf d». ?• di- Roi-árie d?.v Loi-Uí: dc CarviIO,” ■:a;. XXL fi 3 1 . x 0 1 , doe )
48

P asso , na qual estav a localizad a a igreja de N .S . do R o sário , q u eria trazer os

negros sob s u a vigilância e su b o rd inação . O s co n frad es denunciavam :

“ Que o padre Vicente Ferreira de Oliveira,


querendo privar os Suplicantes de longjssiina
e antiquíssima posse em que se acham, posse
confessada por elle mesmo, que agora por hum
meio exüaordináiio, e fora das regias geraes de
Direito, quer destruir, ou fazer vacilante[...] O ca
so he que os Supplicantes responderão a aquelle
requerimento, com documentos competentes que
tudo se a c h a affecto à R eal M e z a d a C ons
ciê n c ia a O rdens p a ra se r d eferid o com ju s
tiça.”23

A cenando com um princípio de sen io rid ad e, a irm andade do R o sário


não a c e ita v a determ inações da p aró q u ia do P a sso por co n sid erar que esta
fo ra criad a m uito depois “ de erecta a C a p e íla d o s S u p lican tes.” C o n sid erav a

ainda que a cap e la não era filial do P asso e que os negros seriam seus

legítim os senhores da cap ela. A reso lu ção de não aceitar su b o rd in ação a

um a M atriz p aroquial aborreceu e p reo cu p o u o vigário. Se o D ireito E c le s i­


ástico determ in asse que a cap e la do R o sário e sta v a sob ju risd iç ã o do P a s ­

so, os confrades deveriam obedecer. N este item ganhou o p adre, p o is no


pedido p ara ap ro v ação do com prom isso 1820, os irm ãos afirm am que a
capela dos negros continuava sendo lilial da m atriz do P asso.
O utra frente de luta dizia resp eito à ten tativ a dos irm ãos p reto s de
afastar da m esa os brancos que o cu p av am cargos. E sta foi um a das q u e s­

tões tratad as quando da ap ro v ação do estatu to de 1820. O estatu to anterior,


datado de 1781, estab elecia que os cargos de teso u reiro e escriv ão fo ssem

o cu p ad o s por brancos, m as os negros tentaram m u d ar isso no novo co m ­

prom isso. E les exigiram que tais cargos fo sse m o cu p ad o s p o r negros. E ssa
atitude desagradou m ais um a vez ao p áro co do P asso , que em 1814 achava

■' 1. 14 M r s t t He ui e is, 1^1 5, <~r. y 'k v 59


‘ -'.!■< lilr ■lr ' ’ <>: i:;1 : r : r > r • p i ' :iN, 1'7 dl I r Vr r r Il'n ijt ' S ! ' ■, ' /. - KK, J " O / . r I I '!7VNj 'i >11' \ ' I r I.i
• kf s i - i t . -jt '.'5 ' i e n i ! l i(- a< !*• 15, c x Í V Í * ’. j>- ' -2
49

a atitu d e d o s negros au d az u m a v ez que “foi d eterm inado p o r V .A , fo sse m

sem pre E scriv a n s e T h eso u reiro s hom ens b ran co s.” C o n sid erav a ain d a a b su r­

do a d e c isã o do Ju iz de C ap elas, Luiz A ntônio B a rb o sa d ’ Oliveira, “ que não

só m an d o u p o r seu d esp ach o , e contra o C o m p ro m isso fo sse m E scriv a n s e

T h e so u re iro s hom ens p re to s.” 25 Isso q u er dizer q u e os p re to s do R o sário já


h av iam na p rática, e co m ap ro v ação de au to rid ad e co m p eten te, p a ssa d o a

o c u p a r os cargos antes ex clu siv o s de b ran co s.


A con ten d a sobre ser ou não os p reto s te so u re iro s e e sc riv ã e s era
antiga. D e s d e 1812 o então Ju iz de C ap elas, J o sé B otto M ach ad o , que em
1814 e x erc ia a função de D esem b arg ad o r d a B ahia, fo ra fav o ráv el ao p ed id o
dos irm ãos, m as p arece que a auto rid ad e e c le s iá s tic a se introm etera co n tra a
reso lu çã o . N ã o se dando p o r ven cid o s, os co n frad es em 1815 denunciaram

serem v ítim a s de racism o: “ O s hom ens b ran co s que co stu m av ão serv ir estes

em pregos, tratav ão com total desprezo os o u tro s M ezario s p reto s, j á em r a ­

zão d as co res, j á p o r se considerarem m ais inteligentes, e terem em seu p o ­

der, em razão dos em pregos de E sciv ão e T h eso u reiro to d o o fundo e pre-


ciozo d a Irm andade, nos L ivros e A rchivo com o E scriv am e os dinheiros e

C a b e d a is com o T hesoureiro. O resto d o s M e z a rio s era tratad o com o e sc o re a


vil, que nada influía na su b stân cia do governo e A d m in istração .” A c rescen ta­
vam tam bém que o sim ples fato de o co m p ro m isso de 1781 d etem iin ar que
fo sse m b ran co s escriv ã es e teso u reiro s, nêo era p ara aq u eles desprezarem
os negros, m as sim “p a ra os ajudarem no trab alh o , e com o m ais inteligentes

escrev ere m os L ivros, e fazerem as co n tas dos dinheiros que re c e b iã o [...]


isto p o rq u e naquelle tem po em que prin cip io u a Irm andade, se fez o C o m ­

p rom isso, hav ião p o u co s p reto s que so u b esse m 1er, escrev er e co n tar.” A c u ­
savam tam bém os b ran co s de exercerem ab so lu to d esp o tism o , p rev aricação , e
u su rp ação d o s dinheiros da c o n fra ria /6

*' / . ) - ] I :1'.' ' ’O'iSMi.'lJ' lei (: ' .'-T'Jt.'î IS rjt- ol.i* !jL'î'O Ji ]S] d û . 5'J
‘ A -u ■*■'!js'. h-!)' ic: '.it ma?*-; r \ù 1 ^ ! 5, y. 2 s b . \ •<. k -:iuc f-i1
50

A p artic ip a ç ã o dos b ran co s nos cargos d as irm an d ad es de cor era um a

p rática com um . Segundo Jo ão R eis, os p reto s ace ita v am p o r v árias razões:

“p a ra c u id a r d o s livros, p o r não terem instrução p a ra esc re v e r e contar, ou

ainda p o r im p o sição p u ra e sim p les.” N o caso d a irm andade do R osário, da

v ila de M arag o g ip e, no R ecô n cav o , os co n frad es em 1820 aceitav am que


p e sso a s d e q u alq u er co r “p o d eriam serv ir com o ju iz e s ou ju iz a ,” p o rq u e a
m aio ria d o s d ev o to s eram p reto s e p o b res e n ão p o d iam su p rir a irm anda­
de. H a v ia re s s a lv a p ara o escriv ão da m esa que, “ será b ran co ou pardo; p o r
não h a v e r na dita p o v o ação p reto s, que saib a ler, e co n tar...” N o caso dos

negros do R o sário das P o rtas do C arm o, estes não aceitaram os brancos nos
p rin cip ais cargos. Igual atitude tom ou os je je s e b en g u elas do R osário da
R u a do Jo ã o P ereira. Em 1784, tentaram “ d em o v er os b ran co s dos cargos de
te so u reiro e escriv ão .” A p resen ça d o s b ran co s g e ra v a te n sõ es e intranqüili­
dade em algum as asso ciaç õ es n eg ras.27

O s co n frad es do R o sário levaram a co n ten d a ao T ribunal e acred itaram


que as au to rid ad es fav o receriam à irm andade. E em carta de 1816, o p ro c u ­

rador an u n ciav a aos irm ãos baian o s v itó ria n este ponto: os cargos de te so u ­
reiro e escriv ã o seriam o cu p ad o s p o r negros. Se não conseguiram afastar o

vigário da v id a da irm andade, p elo m enos afastaram os brancos de seu s


prin cip ais cargos. C ertam ente o resu ltad o fav o ráv el d ev eu -se à cap acid ad e de

argum entação do procurador, m as não se deve e sq u ece r que, provavelm ente,


a atitude d as au to rid ad es estav a tam bém rela cio n ad a à conjuntura da época:
as re v o lta s escrav as. F av o recer aos negros, n esse m om ento, era m ais seguro

para a so cied ad e. Seria m elhor dar-lhes c in a is “ legítim os” e p acífico s de


asso c ia ç ã o e expressão, que os m an tiv essem a fa sta d o s de idéias de re b e l­
dia. ‘s

*7 “C om p ro m isso de N 3 do Rosário dos pretos de SSo Bartolo:neu da vila de Maragogipe" apud


Reis, DiIeivrii,as » R tristéneias . pp 9-1 ü.
2> A I HG R. eorrocj-oiidíríK-ias f Creias do Rio 28 de jujiho de IS-16. cx 20. doc 0 2 -b; AM Mesa de
'miismí-ir ia e 1 ■iru:; ,2f' -k maio de 1*15, 27 de íetcii.-bro de : b ! 5 , 2^8, pc G?, Reis, ü - M i ã o
F -c a ra <ap .-
51

M a s restav a m o u tras d iv ergências entre v igário e irm andade. O p ro cu rad o r

denunciou a introm issão do p áro co n as eleiçõ e s d o s m esário s. P ela vo n tad e

dos co n frad es q u estõ es ad m in istrativ as não fariam parte d as fu n çõ es p a ro ­

quiais. P o r outro lado, o vigário do P a sso c ò n sid era v a “ e s s a co rp o ração in su ­


bo rd in ad a,” p o r não fazer anualm ente “ eleição de o ficiais novos com o hé
ob rig ad a à faze r.” Porém , e ssa insubm issão a c o n tecia p o r estarem os negros,

segundo o páro co branco, ap o iad o s p o r p e sso a s do pró p rio governo. 29

As cartas escritas p elo p ro cu rad o r rev elam que ele acred itav a não

e star sozinho na “batalh a.” C o n tav a com o apoio “ de D e u s e o F idalgo que

e s ta pro teg en d o agora a c a u sa com o seu in teresse .” D esco n h eço com o o


p ro cu rad o r teve acesso a esse F idalgo, e qual o in teresse dele em prom over

os in teresse s d a irm andade negra. T a lv e z fo sse u m b le fe do representante do


R osário. N a corresp o n d ên cia de 13 de outubro de 1815, rela taria ao s m e sá ri­
os da confraria o seu otim ism o em relação à v itó ria no T ribunal, p rin cip al­
m ente d ep o is do apoio dado p elo m isterio so F idalgo. A lém de D eu s e do

fidalgo, Jo sé V icente citav a o nom e de S eb astião da R o ch a S oares, alguém

que lhe em p restav a dinheiro p ara dar andam ento à causa. Sobre S o ares, sei
apenas que enviou de S alv ad o r a qu an tia de 60$r. p ara Jo sé V icente, en tre­
gue p elo seu correspondente, Sr. Jo sé G om es P ep e C orreia, no R io de J a ­
neiro. E le ta lv ez fo sse apenas interm ediário do dinheiro da asso ciação , quem

sab e algum com erciante de S alv ad o r com co rresp o n d en te no Rio de Janeiro


que por algum m otivo p atro cin av a de certo m odo a cau sa dos irm ãos. 0

A co rresp o n d ên cia escrita p o r Jo sé V icente sugere que ele se co n sid e­

rav a n eg o ciad o r hábil, em quem os irm ãos deviam confiar. Ele se v an g lo ria­
va de “ que tem sabido desem penhar os v ív eres da am izade p ara os por
livre de hum ju g o p ezad issiin o do vigário ” A qui, de novo o p ro cu rad o r

'° . K’ ].'t k ;j 'ir O o ü í ^ i ú r ja 27 Jt- s d e n i b r o ùi- 1 H 5 , C'. 2SV


A 1 " R 1 \ > : r i M ' o i - t r . iz ? ' f-' a l ! i s ’K ’ ÍMO 1 'U <-unU v d'- Î M 5 . CX ’i.X i C - l -
52

insinuava se r b em relacio n ad o com p e sso a s que po d eriam ajudá-lo no T ri­


bunal, p ro v av elm en te referin d o -se ao tal fidalgo. 31

O p ro c u ra d o r se dizia “ p o lítico sincero e fie l.” F id elid ad e que tinha

su a d im ensão religiosa, d em o n strad a atra v és de u m a linguagem de m ilitância


m ística, q u a se de g u erra santa. O p ro cu rad o r p referia estar “ mil v ezes m orto

e no inferno do que p o r o m issão m inha triu n far o D iab o ” so b re a irm anda­

de. E sta co m b atia um v igário do D em ônio, não de D eu s. E p ara ev itar a

d erro ta era n ece ssário reco rrer a au to rid ad es m ais perto do m o narca e de
D eu s, com o no caso do Infante D . S eb astião , tid o com o p ro teto r d a cau sa do
R osário, a qu em Jo sé V icente cham a de “ am o e senhor.” T u d o indica que o
Iníante era n eto de D .Jo ão VI, m as n e ssa ép o ca, ele era ap en as u m a criança.
E scolhê-lo com o p ro teto r da c a u sa do R o sário significou aproxim ação com o

p o d er real a fim de garantir p arec er fav o ráv el à irm andade. A sag acid ad e do
p ro cu rad o r é dem o n strad a atrav és do b aju lam en to deste p a ra com a au to ri­

dade. S u a g ratid ão àq u ele “ senhor” era tam anha que Jo sé V icente encom enda
“ ao m elhor p ro fe sso r d esta cid ad e hum a Im agem de São S eb astião , com to d a

p erfeição com resp len d o r de ouro, cuja Im agem a pedi de p ed ra Jasp e,” p ara
' I 32 " <•*» •
p resen tea-lo . “ O s irm ãos p o d iam se r p o b res, m as não econom izavam na hora
de p a rticip a r com dignidade da econom ia da tro ca de fav o res, da lógica de
recip ro cid ad e tão cara ao clientelism o.

A d ev o çã o e gratidão de Jo sé V icente tinham com o ob jetiv o influenci­

ar o Tribunal, para co n trab alan çar a influência do vigário. A ssim se p ronun­


ciava, em ago sto de 1815, a resp eito do T ribunal: “ elles olhão só p ara o

que dizem d ela [ a irm andade ] o vigário, e ;i v.m . nada tem p ara darem este
hé o m otivo de quem tem cu stad o o q u ersrem dar razão à Irm andade.” Se

o vigário p ro cu rav a ter influência nas d ecisõ e s d o s senhores do T ribunal, o

p ro cu rad o r se resp ald a v a com a figura do Infante, p o is sab ia que “ o perigo

A I N 3 R Corr«.*sj•<>!l üéricias ( C a r t a s d o R i o ). 22 de f e v e r e i r o d e 1 8d ó, ex.2U, d o c 0 2 - b


‘ A l H 3 R C om-spoi tdf-mi as.- ( Ca»1ac do R i o !. 2 2 de f e v e r e i r o d< l 8 l 6. c x 2 0, d o c 0 2 - b ; a r e s p e i t o
do l üf a- 1' e R : V! ' : j ü' i ão vrr- L u í s G o n ç a l v e s d o r ?a:i1 o r ( ' P r I r r e r t - r a sc - n r à
}1 Kl <!Jí> rJi' Ur : i , JvK1 r.ic J íf ^ ]!'0, !’a '' ]O V Í!1VVrdí’. 7S- 9^
53

era e v id e n te ,” e nada m elhor do que ter um “ m edianeiro e in tercesso r de

S.M, p a ra fe lic id a d e d e sta Irm andade.”

Q u an d o era ép o ca de ap ro v ação dos co m p ro m isso s das irm andades,


p rin cip alm en te d as co nfrarias negras, freq ü en tem en te as au to rid ad es relig io sas

a d v ertiam a s au to rid ad es p o rtu g u esas do perigo de ap ro v á-lo s sem cu id ad o so

escrutínio. Isso ficou ev idente quando, em 1765, a co n fraria negra do Senhor

B om J e s u s d o s M artírio s d a B ah ia enviou seu co m p ro m isso p a ra L isboa, e


as a u to rid a d e s civ is e relig io sas lo cais ad v ertiram que os negros je je s a ela
a s s o c ia d o s eram p ag ão s e d ev eria ser su b m etid o s “ a d iscip lin a do b isp o .” A
h isto ria d o ra P atricia M u lv ey afirm a que, ap esar d as restriç õ es d as a u to rid a­
des co lo n iais, “ a m aio ria dos co m p ro m isso s foi ap ro v ad a p e la M e sa de
C o n sciê n cia e O rdem em L isboa, que ten d ia a se r m ais tolerante que as

a u to rid ad es b rasileiras com os estatu to s d as irm andades n eg ras.” 34

A M e s a de C o n sciên cia e O rdem era u m órgão v ital do p ad ro ad o ,


criado p a ia “ m elhor adm inistração p o lític a e relig io sa das co lô n ias.” E ra um a
esp écie de tribunal, com posto p o r um p resid en te e cinco juizes, esco lh id o s
entre clérig o s e leigos, que “po d iam conhecer e ju lg ar, com o deleg ad o s da Sé

A p o stó lic a, q u aisq u er p ro cesso s de cunho e c lesiástico ou civil que en v o lv es­

sem re lig io so s.” A M esa aco n selh av a ao Rei so b re cap ela, ho sp itais, ordens
relig io sas, p aró q u ia s e tc .3'1 Foi esse o Tribunal que Jo sé V icente enfrentou,

em nom e d a irm andade do R osário. A M e sa v iera p ara o B rasil ju n to com


a fam ília e a corte real portuguesa.

Em julho de 1817, um a p ro v isão régia daria p o r e n c e n a d a a contenda

entre vigário e irm andade, com p arec er fav o recen d o o páro co . M a s este co n ­
tinuava q u eix an d o -se da d eso b ed iên cia dos irm ãos, “dita Irm andade sem pre
se tem m o stra d o orgulhosa, e não q uerendo nunca consentir, nem dar-se por

’ ' " o b r e iif- ;v iisir,ú< s do p r o i u r a d u r c o n t r a i> Tr i bunM «er C o r r e * ; ; ' ^n u i i i Ma í , 11 de a b o r t o >le 1fc]5,
<y. 2U, <k>c (,’2 - b ; s o b r e D S e b a s t i ã o ' C o r r e s p o n d ê n c i a s , 04 de abril de 1 81 C, c x 2 0 . d o c , 0 2 - b
M M u l v e y , "ÍS la vc C o n fr a te n n t i c s . " p 4 4
JO l :■ I‘-.r j ,1 .. . J,' ... ; i . ver t i l Mi b r Ol l / . . : ' / 1. è i e ' . ), f u O
■’ .’ at i e iT' \ J . ! -! r . , ] 1 . I ■1 1 4
54

satisfeita com as R égias D eterm inações de V . M ag.” E realmente, apesar de

aprovado em 1820, a briga persistia no Tribunal da M esa de C onsciência e

Ordens. Em agosto de 1821, o procurador José V icente de Santa Anna p ed i­

ria às autoridades acréscim o de três capítulos ao estatuto e, m ais uma vez,

o pároco seria contrário ao pedido, A docum entação não esclarece o conte­


údo d e sse s capítulos. P ossivelm ente não conseguiu ter seu pedido aceito,

porque não foi encontrado nenhum documento que o com provasse. M as o

ep isód io demonstra m ais uma v e z a insistência dos membros do Rosário em


verem garantidos seu s direitos, ou o que acreditavam serem esses direitos.36
O texto final do co m p ro m isso de 1820 d eterm inava, no cap ítu lo 5,
“D a d is p o s iç ã o e fa c tu ra d a E leiçã o ,” que o p áro co d ev eria p resid ir as e le i­

çõ e s ju n ta m e n te com o s ju iz e s. D ev eria tam bém reza r as novenas na irm an­


dade. P o d e ria se identificar n essa d eterm inação u m a confirm ação da au to ri­

dade do sacerd o te. C o ntudo, a im portância do sacerd o te p arec ia dim inuída


p e lo s n eg ro s do R osário. O s irm ãos d ev eriam co m u n icar ao vigário apenas

oito d ia s antes da eleição , “ quando a M e sa ach a sse p reciso sua p re se n ç a .”

O s m e sá rio s evitav am o envolvim ento do v igário em assu n to s da confraria,

lim itando ao m áxim o su a p articip ação . Se não conseguiram afastá-lo to ta l­

m ente do cotid ian o da asso ciaç ão , pelo m enos só o convocariam na últim a


hora. N o cap ítu lo 20, “D as M is s a s da Irm an d ad e,” existe um a pequena re fe ­

rência ao p ap el do vigário, atribuindo-lhe ap en as a função de celeb rar as


“M is s a s das Q uintas feira s,” ressaltan d o que o sacerd o te deveria se en co n ­
trar na hora determ inada p ela irm andade p ara que não o co rresse nenhum

contra tem po . A ssim dizia o estatuto: “ os Irm ãos P ro cu rad o res terão to d o o
cu id ad o de sab er as horas em que o R ev eren d o V igário se ha de achar

para a dilta M issa a fim de que não haja p ertu b arção nem dem ora.” ' 7

* A U M ts a dc CoiiKi íéiiciíi c (.tiJm is, 1 6 de outulT o <k 1 8 1 8 , c x 2 8 8 , ] >c. 0 2 , 0 2 <Je acosto de 1 8 2 1 ,


' v. 2 8.]' f ^
: i; M! i i: '■ •].: ]t':i.;n Irii -ir ! ■! >' d;- i.i • a a n t' dj.s I stnií i" ■'.om ’,"V <• XX, <: y. 1 A 3U I? k
' •’ ’ ' l . t . i ' i i l t r :; \ .'I'( !)■ i «' ; c - ! t t s do h i ’ /. 28 'li-- r. ri !i-’ 'K : >-! 6. x 2 0 . do< ( 2- t
55

Este ep isód io terminou com a im posição e controle da igreja católica

sobre seu s fiéis, particularmente fiéis negros que, em hipótese alguma d ev e­

riam d esviar dos padrões estabelecidos. Mas:, ainda que não hou vesse d e sfe ­
cho favorável aos confrades do Rosário, com desenvoltura, eles souberam

marcar e impor sua presença no mundo dos; brancos, na igreja, no tribunal e


na corte.

C a p e lã e s X ir m ã o s
D esen ten d im en to s entre p ad res e irm ãos continuariam acontecendo no

d ec o rre r do sécu lo XIX. O s m otivos m ais freq ü en tes d e ssa s d esav en ças se ri­
am as q u eix as do clero em relação ao pagam ento de seu s ordenados. E m
agosto de 1827, o então capelão da irm andade, P e. F au stin o da C osta G om es,
reclam o u a o s m esário s sobre o atraso do pagam ento d esd e “ a últim a de s e ­
tem bro do próxim o p assad o anno... e rogo a p rom pta p ro v id ên cia da m inha

ju s tíss im a rep reze n taça o .” O capelão acu saria o te so u reiro , “que de nenhum
m odo m e tem querido pagar.” ?8

M a s o p ad re F austino continuou servindo à irm andade durante longos


anos. Em 1847, ele p ed iria à M esa do R osario um aum ento do seu o rd en a­
do. A fim de ju stific a r seu pedido, argum entou: “hum C ap ellão , que a 31

annos serv e com a p ossível p o n tualidade, m erece to d a atenção, m orm ente


quando nada ate o ['rezente tem alem do seu ordenado, a esterilid ad e dos
100$0 0 0 ré is [ anuais ], que p erceb e.” Segundo o p ad re tal quantia era insig­

nificante diante de su as obrigações, bem com o d as esm o las d o ad as p o r ele


à Irm andade. A lém disso, o religioso qu eix av a-se do não pagam ento p ara
acom panhar enterros e encom endar defuntos. P arece que os m em bros do R o ­

sario tratav am os cap e lães com o seu s em pregados, que realm ente eram a s s a ­

lariados da irm andade. A legando zelo com a:? c o isa s da Irm andade, o cap elão

’i - ' t ' o : i lt T i a s . 1 ■!' ; . l \ t j t 1 V 2 ” , <.Y. Z'.:,


56

dizia tam bém cuidar “do aceio de tudo quanto pertence ao Altar.” Por tudo
que fora exposto, afirmava :

“que não h<!, exorbitante a quantia de 4005000 réis


[ que ] exijo para pagamento c gratificação de Cape-
Mo com o ônus, a que me sujeito e por isso confio
que esta Meza de novo esclarecida a respeito do des
tino de semelhante quantia concederá a minha preten
ção para que de huma vez se convença, de que em
mim não existe o sórdido interesse do lucro; mas an
tes muito amor e dedicaç8o a esta Caza.”39

O p a d re u sav a de bons argum entos e !;e d efen d ia antes que o a c u s a s ­


sem de e s ta r interessado em bens tem porais. A c a u sa d essa ex p o sição de
m o tiv o s foi o fato de os m esário s terem oferecid o ap en as a rem u n eração de

28 0 $ 0 0 0 réis. C ertam ente seu pedido não foi atendido, p o rq u e as re c la m a ­


ç õ e s continuaram a acontecer. D o is anos d epois, o p ad re solicitou a irm an­

d ad e u m a g ratificação “visto ser m uito dim inuto o seu ord en ad o .” 40

A p o b re z a dos p ad res p o d erá explicar em p arte o s constantes p ed id o s


de aum ento, de g ratificações, bem com o o co b rarem p e la celeb ração de b a ti­
zados, casam en to s e enterros entre outros serv iço s. Ju lita Scarano afirm a que
os p a d re s, assim com o os m ilitares eram “mal p ag o s, m ais so b recarreg ad o s
de trabalho, os que m ais se queixavam e, por outro lado, os que m ais
su sc ita v am reclam açõ es da parte dos m o rad o res.’"41

A co b ran ç a pela d estribuiçáo dos sacram en to s seria um a form a de g a ­


rantir a vida deles aqui na terra. A cusados m uitas v ezes de cobrarem p reço s
ex o rb itan tes p o r tais serviços, constantem en e os p ad res eram cham ados à

atenção p e la s innandades. Foi o que ocorreu em 23 de julho de 1866,


quando os im iáos do R osário, reunidos em “acto de M eza co m p leta,” exam i­

naram um a queixa do ju iz da confraria, R oberto Jo sé C orrêa, contra o pad re

C ap elão Jo ão da C ruz de Jesus. A queixa foi su sten tad a p o r docum entos

* A I )w> K '."oitcs-j «ondr:'K K;s\ 0^ de outubro dc 1M , ry. 2 ] , doe 0 4 -i


K -Ir }■’ !•: '): V\ c;: \ df St t (;• fjbfu dr ] ^-1 ; , ' X r, , d; 1
" ií\ c;t < /• •c r^Yiciú'.■... j- 1 3S
57

“ d ev id am en te com p ro v ad o s,” dem onstrando que o dito c ap e lão não era digno
de serv ir à irm andade. D ep o is de an alisad a a d o cu m en tação , a M e s a su sp e n ­

deu “ q u a lq u e r contrato que com o referido p ad re ten h a havido; ficando d em i­

tido d e sd e a d atta o presen te term o.” A cau sa d e s s a b rig a foi o m au p ro ­


cedim ento do p adre. O cap elão ofendera a irm andade, não ap en as v erb alm en ­

te, m as escrev en d o ao teso u reiro Jo ão Luiz d as V irgens u m bilhete d o s m ais

“ insollente que se p o d e e screv er a hum hom em .” A m e sa acu so u -o de não

q u erer “p a s s a r recib o s ao n o sso irm ão d o s d inheiros q u e re c e b e .” Q u e stio n a ­


do so b re isso , o cap elão Jo ão da C ruz resp o n d eria:

“Hé uma desordem quando temos necessidade lidar


com pessoas ie curta intelligênciaü! Pessoa de má fé
e costumes julga sempre os de minha parte.Eu felismen
te trato negócio com pessoas de que me abonão, e athé
hoje sou garantido por muitos athé desconhecidos. Des
graçada Capellaü! Posso eu esperar dois e trez meses
sem receber e por vinte e quatro horas não pode espe
rar? A conta está por mim assignada hé quanto basta
se quizer, não mande por que felismente tenho hoje 50$
réis e quando me faltasse lenho [ por ] amigos pessoas
lavrndas, n3o She pedi emprestado, sei o que hé meo,
por isso cumpro fielmente minhas obrigações.”''2

" Ivez servir a uma irm andade de negros, co m p o sta por p e sso a s de
pouca* >osses, não agradasse ao reverendo João da Cruz. O pad re realm ente

fez uin jo g o de classe na sua carta., ao falar de sua boa rela ção com gente
de dinheiro. O s m esários do R osário, p o r su a vez, sen tiram -se o fendidos em

sua dignidade e o dem itiram . A ssim se pronunciou o ju iz R oberto Jo sé C o r­


rêa: “ diz que não preciza d ’aqui ser C ap ellão , que tem contos de réis na
C aixa. Hm vista do exposto p esso a V.Sf.. p ro v id ên cia d eseziva a fim de

que isto não continue d 'e s ta form a, e p arece-m e que d ’esd e o prim eiro athé
o últim o lm ião deve se reccntir deste p ro ced im en to .’" ''

T . r T i l - ■ >■ r-., lo J:.]V' •<. 1W , .‘X


‘ Ter Ir }• > 2.' it '.lüio •H-.' .'í.
58

A p ó s esse episódio, p arece que a fiscaliza ção d o s m esário s so b re o

cap elão se to m o u m ais efetiva. Q uando d a s;ua co n tratação , os irm ãos faziam

q uestão de to m ar b em claro quais as su a o b rig açõ es. A lém de citar o c a p í­

tulo do com prom isso referente às m issas que ele te ria de celebrar, a m e sa
e sc la re c ia so b re seu ordenado, p ara que não p a ira sse m d ú v id a s a resp eito ,

talv ez co m receio de evitar reclam ação de algum p ad re m ais chegado às

co isas m ateriais. A ssim , a irm andade do R o sário reu n iu -se, ein setem b ro de
1866, a fim de determ inar as fu n çõ es do p ad re frei Jo ão do C o ração de
Jesus, “ ce le b ra r m issas aos dom ingos p e la s sete horas da m anhã, e dias
san to s...en co m en d ar os corpos dos irm ãos que fale cen d o v ierem a cap ella,

assim com o as m issas de quintas fe ira s.” S obre o salário , o p ad re re ce b eria


“ a q uantia de tresentos mil réis annualm ente, p o r p agam ento d e trim estre.” E
se o p ad re fica sse doente teria a o brigação de m an d ar “ o utro sacerd o te em

seu lugar.” N o entanto, a M e sa reconhecia o d ev er de p ag ar o o rdenado do

“P adre C ap ei Ião, no d ia de seu s vencim entos, e p ara isto reserv ará os p ri­
m eiros dinheiros que receber.

N em sem pre os m inistros de D eu s cum priram fielm ente as fu n çõ es

e clesiásticas, e nem os m esário s foram tão a ssíd u o s com o salário dos p a ­


dres. P o r isso, os conflitos c.m tinuariam p o r to d o o p erío d o im perial. O ra
por razões financeiras, ora reagindo à introm issão do p o d e r eclesiástico nos
assuntos da irm andade. A ssim , m ais um a vez a junta do R o sário aprovava,
em outubro de 1866, p o r unanim idade, um a rep resen tação ao arceb isp o contra
o vigário, por este querer escolher “ ao seu g o sto ” o serm ão da festa. O sa­
cerdote ach av a-se no direito de intervir no co n teú d o da liturgia cató lica, m as
leria o estatu to da confraria que atribuía sem en te à m esa o direito de e s c o ­
lha do tem a do serm ão.4'1
59

Vitória Negra?
O ep isó d io de ap ro v ação do co m p ro m isso de 1820, é re v e la d o r de

o u sa d ia dos negros e d a arrogância do p ad re. A co n ten d a dem onstrou a c a ­


p a c id a d e de organização d o s negros, e s u a h ab ilid ad e p a ra lidar com os

ad v ersário s. A s irm andades negras foram lo c ais de a tiv id ad e s relig io sas, e em


deco rrên cia d a p ró p ria so cied ad e esc ra v ista se tran sfo rm aram em e sp a ç o s de

re sistê n c ia negra. O s confrades do R o sário ten tav am garan tir seu s direitos,
im pondo-se diante da introm issão d o s vig ário s. D en u n ciaram p ráticas ab u si­
v as, reco rrera m às au to rid ad es, às v eze s v enciam , o u tras p erdiam .
N ão conseguiram afastar o p áro co de su a s fu n çõ es p rin cip ais, m as
conseguiram que os p rincipais cargos da irm andade fo sse m ex ercid o s por
eles e não p o r b ran co s. E im possível d eix ar de v e r n e ssa h istó ria a afirm a­
ção de um a identidade racial. A s irm an d ad es negras, p o d e -se dizer, foi no

sécu lo p a ssa d o um a aren a de conflito racial, u m a e sc o la de co n scien tização


dos negros diante do racism o e p rep o tê n cia dos brancos.
60

CAPÍTULO III

A ECONOMIA DOS IRMÃOS

Os confrades do Rosário tinham direito a uma vida religiosa e uma


v id a com assistên cia, dentro dos lim ites ca eco n o m ia da irm andade. E sse
seguro não era gratuito. A irm andade trab a lh av a p elo s se u s asso ciad o s e

rece b ia p o r isso. A trav és de jó ia s de entrada, an u ais, d o açõ e s, p ed itó rio s, le­


gados, rendim en to s de alu g u éis e ren d a de em p réstim o s de dinheiro, a ir­
m andade co n seg u ia se m anter econom icam ente.
S u sten tar um a irm andade negra em m om entos de crise, com o foram

as d é c a d a s de 1820 e 30 e ao longo d a seg u n d a m etad e do sécu lo p a s s a ­


do, não d ev e ter sido tarefa d as m ais fá c e is p ara o s m esário s que a adm i­

nistravam . F reqüentem ente eq u ilib rar re c e ita e d e sp e sa era sinônim o de p re ­


o cu p ação , principalm ente p a ra o teso u reiro , resp o n sáv el p elas finanças. A liás,
ele era um dos alvos p red ileto s de c rítica dos irm ãos, que o acu sav am fre ­

qüentem ente de co m ip ção , de lesar o patrim ônio da irm andade.


E nten d er com o funcionava econom icam ente a instituição signilica es­

m iuçai- as d esp esas e re c e ita s que esta p o ssu ía. Q u ais os g asto s m aiores
da confraria? C om o salário dos seu s fu n cio n ário s, com m issas, festas relig io ­

sas, enterro s? É interessante conhecer esse u n iv erso econôm ico em núm eros,
que p o r m ais ab o rrecid o s que pareçam , rev ela a v id a m aterial de um d e ­

term inado grupo, su as p reo cu p açõ es, bem com o contrapõem um a econom ia

sim bólica a um a m aterial. Q ue inform ações são rev elad as a p artir dos li­
vro s de rece ita e d esp esa? E dos testam en fo s e inventários? O s irm ãos ao
moiTcrem deixavam bens p ara a irm andade? O R o sário post-m ortem lucrava
o >11) a m orte dos seus associados':' As p o s s i\ eis re sp o sta s para essas
61

q u estõ es ap are cerão no d eco rrer d este cap ítu lo . M a s inicialm ente, apresento
com o os com p ro m isso s tratav am das finanças d a confraria.

À s o b r ig a ç õ e s e c o n ô m ic a s

C om o a econom ia assom brava as irmandades, principalmente aquelas

m ais pobres, seu s estatutos tratavam de determinar a quantia que cada


membro deveria doar para ser aceito com o irmão. N o já referido com pro­
m isso de 1820, tanto libertos com o escravos; doavam a mesm a quantia.1

“tanio liberto como escravo, que quizerem


entrar como IrmiJo desta Irmandade dará
de sua entrada 2S000 réis, e logo o Irmão
escrivão lhe fará termo de entrada nos li­
vros da Irmandade.”

E sc ra v o s pagando? À prim eira v ista cau sa estranheza, m as b asta lem ­

b rar que m u ito s eram “negros de ganho.” Eram negros vendedores, carreg a­
dores, arte sã o s etc, que geralm ente auferiam m ais do que a som a contratada
para pagai- seu s senhores. E tam bém os donos de escrav o s podiam p ag ar a
m ensalidade d o s cativos, certam ente um a form a en co n trad a para tê-lo s sob

controle, p o r outro lado, o cu p ad o s na religião dom inante, que por regia d e ­


via d o m esticá-lo s. C ad a m esário devia fazsr um term o de p rom essa para

legitim ar sua entrada na irm andade e confirm ar sua p o sse na m esa. A p ro ­

m essa vinha acom panhada de dinheiro ( tam bém cham ada de jó ia de en tra­
da ) que cad a m esário doava. H avia um a h ierarq u ia nas doações das esm o ­
las. Juiz e escriv ão doavam as m aiores esm o las. P elo com prom isso de
1S20, o ju iz deveria “ dar no fim do annc 165000 réis; o E scrivão 8$000

-.h Iitii i’l dr K ” -]v du'.: } :k‘ ■ ' í i J ’ ^ lul


'■üi- :■!.}]- ;5.- x ' . i( ‘ l.inrF AIH Sh ’
62

réis; o T ez o u reiro 4 $ 0 0 0 réis; o P ro cu rad o r G eral 6$400; e cad a co n su lto r

se rá 4 5 0 0 0 ré is .” S om ados, e sse s v alo re s alcan çam 3 8 $ 4 0 0 réis, que d a ­

v am p a ra co m p rar m ais de 100 litros de farin h a na ép o ca. A confraria do

R o sário a s se g u ra v a o lado m aterial d a in stitu ição , restringindo a o cu p ação


d e sse s carg o s àq u eles que p u d essem d esem b o lsar ta is quantias. C ertam ente
nem to d o s o s lib erto s e livres tinham co n d içõ es de p le ite a r os cargos de
m esário. A lém d a restrição étnica, a estratific ação econ ô m ica aju d av a o
m onopólio d e certo s grupos na m esa. A i ^ a l d a d e entre irm ãos tinha seu s

lim ites.2
O p ro jeto de com prom isso de 1872 e sta b e le c ia a q u an tia de 15$000

caso o indiv íd u o fo sse ap ro v ad o com o irm ão. O s m em bros casad o s d e v e ri­


am d ar d e en trad a “ a jó ia de 25$000, estan d o su a co n so rte de acco rd o

com o artigo an teced en te3 será co n sid erad a Irm ã[...] fo ra esse acto pagará
cad a um a jó ia do artigo citad o ” , ou seja, 15$000. E ssa s jó ia s tinham prazo
p a ra serem p ag as. E m 1820, o prazo era m iis longo, uin ano após a p o sse

dos m e sário s. N o p rojeto de 1872, o irm ão tinha trinta d ias p ara quitar. Se

isso não a c o n tecesse p erd ia o direito “ de ap p ro v ad o p ara Irm ão[...] e só

p o d erá se r novam ente subm etido a ella [ap ro v ação ] apresentando a referid a

jó ia ”4
Em 1900, p aia ser irm ão do R osário, exigia-se um a jó ia no v alo r de
50$000 réis. Entre 1889-1930 a d ep reciação do mil réis se fez de m aneira
b astan te acelerad a. R epetindo a trad ição do estatu to de 1820, o de 1900

' Sobre os negros de ganho ver Maria Inés Cortês de Oliveira, O L iberto: o se u m undo e os ou­
tros, S5o Faul o, C om ipio, 1988, 1 8 , sobre a ocupação do::negros ver também João Reis, “A greve
negra de 1 857,” USP, 28, 1993, pp.8-28; sobre o pagamento das mensalidades dos escravos ver Julita
Scarario, D evoção e E scravidão. A Irm andade de N ossa S en h o ra do R osário dos Pretos n o D istri­
to D iam antino n o século W i l l , 35o Paulo, Nacional, 1975, p.67.
' O artigo afirma o seguinte: "Poderá ser apresentado para innã o toda pessoa que professar a santa
P.Higi&o CaÜiólica, que tenha bons costumes e pose de perfeita s a ú d e ’’ DJ "Projeto de com prom isso
í 1 *■“ 2 1,” 1. cy. 1 ,.px 2. :ii?s A ! K 2 F.
* "P roiH o ie ■:■'iiipi ^iiiiFSi'." [ ’ S7 2 c .ip 2r . ! x 1, do . 2, I 4
63

esp ecifica o valor que cada m esário deveria dar no ato de entrada. E sses

são os valores:5

Prior - 100$000 réis


Sub Prior - 50$000 réis
Secretário - 25S000 réis
Tesoureiro - 20$000 réis
Mestre de Noviços - 20$000 réis
Procurador Geral - 50$000 réis
Vigário de Culto - 20$000 réis

As p e sso a s não pagavam , não se “ sacrificav am ” econom icam ente (no


caso dos m esário s) apenas p a ra que no futuro fo sse m so co rrid o s. E les fazi­

am um investim ento em prestígio so cial, o prestíg io que com andar um a

instituição com o o R osário lhes dav a no interior da com unidade negra e

fora dela. E le s se transform avam em in terlocutores de u m a so cied ad e m erg u ­

lhada em ritu ais p ú b lico s de ex p ressão de relig io sid ad e, e isso tinha um a

dim ensão po lítica. E sses líd eres negros m antinham um a relação de p o d er

com as au to rid ad es, já que eram “ au to rid ad e” no interior d a com unidade n e ­

gra. Tal prestig io , tal poder, tal privilégio, com o em outras instituições, tinham

seu preço.

E xclusiv am en te com posta por negros, os co n frad es do R osário freq ü en ­

tem ente viram , no decorrer do sécu lo XIX, sua d esp esa c rescer e a receita
m inguava. U m a das form as segura que a irm andade p o ssu ía para garantir

dinheiro 110 cofre eram as p ro m essas de irm ãos que assu m iam cargos. O s

estatu to s tam bém deixavam claro que seu s a sso ciad o s com uns d everiam fa ­

zer su as d o açõ e s e pagar cm ternpo ágil 0 valor da jó ia.

l;i n u b r a r i l c - r a ver Katja MaUo.«<\ R-:hia: A n d u d e d o S i:iva d o r r


IV i .j ! i'~b, p..'4Ç. . “O o::i|rorrijr8C ’’L V ,?il ~c- Kofíí
64

S e h av ia exigência do pagam ento de jó ia s e o u tras con trib u içõ es, a

irm andade não era m enos a u ste ra com co b ran ça de dív id as. E la em p restav a
dinheiro p a ra se u s irm ãos, m ae exigia o p agam ento p ontualm ente, Q u ase

sem pre a q u itação d a d ív id a se d av a com atra so s. E m 1831, F ran cisco S o u ­


za P aran h o s enviou co rresp o n d ên cia à m esa da irm andade ped in d o d escu lp a s

p e la d em o ra do pagam ento d a dívida. N o docum ento, fic a claro que a ir­

m andade j á o h av ia cham ado sete vezes p a ra q u itar o d éb ito . E era tu d o


feito d en tro d o s ritu ais da casa: os m egorios se reu n iam e d elib erav am
contra o pro ced im en to do irm ão m au p ag ad o r.6
O s m e sário s às v ezes recorriam à lei p a ra v erem g arantido o re c e b i­

m ento de dinheiro em p restad o . Em abril de 1842, o p ro cu rad o r d a confraria,

N ico lao d e P olentino C anam erim , com unicou ao s m e sário s que h a v ia co n se­

guido, a tra v é s de um ad v o g ad o escolhido p ela m e sa do R o sário , n o tificar a


v iú v a “ do finado n osso Irm ão Juiz o T enente F elix dos S antos L isb o a .” O

docum ento sugere que a v iú v a se re cu sav a a pag ar d ív id as p a ra com a

irm andade, ta lv ez co n traíd as p elo seu finado m arido. A b rig a entre ela e
irm andade se prolongaria até 1846, quando, na “p rim eira V ara C ível do

C artório do T ab elliâo A ntonio A ugusto de M en d o n ça” , D . A ngela R o iz dos


S antos en tra v a com um a ação acusando a irm andade de lhe ser d ev ed o ra

de urna quantia. E ntretanto, o p arec er foi fav o ráv el à irm andade. N ão s a tisfe i­
ta a v iú v a apelou “p ara o S uperior Tribunal da R e la ç ã o .’’ O então p ro c u ra ­
dor da confraria, N ico lau C yrilo, com unicou ao s m esário s que, ap ó s essa

atitude da reclam ante, o p ro cesso em p en ara. O ep isó d io dem onstra que nem

sem pre era fácil ob ter em préstim os de volta, e além d isso re v e la tam bém
que q u ando o assu n to era dinheiro os irm ãos se estranhavam . A q u ela idéia

de confraria harm ônica cedia lugar a uma irm andade com os p ro b lem as
65

co tid ian o s p o r que certam ente p assav am to d a s as a sso c ia ç õ e s, fo ssem relig i­


osas ou c iv is .7

A R E C E IT A D O R O S Á R IO

O s L egados

C om o j á assin alei, um dos su sten tácu lo s d a co n fraria eram as d o a ­

çõ es dos irm ão s e m esário s no ato de sua en trad a n a instituição. A lém


d isso a co n fraria conseguia d o açõ es de sim p atizan tes e asso ciad o s. O s v a ­
lores o fe ita d o s v ariav am de 1$000 a 100$000 réis. O s a sso ciad o s da in sti­

tu ição em g eral eram p e sso a s de p o u c a s p o sse s, o que se refle tia no v a ­

lor das d o açõ e s. V alores inferior a 100$000 réis eram os m ais freq ü en tes

nos livros d e re c e ita d as d écad as de 1830 a 1890. E ssa quantia, no início

do sécu lo X IX era u m a p eq u en a fortuna, co m p rav a-se in clu siv e um a e s c ra ­

v a adulta, m as não v a lia m uito no fim do s é c u lo .8

N o livro de receita do ano de 1839-1840, cinco m esário s doaram um

total de 34S 400. A s esm olas variaram de 4 $ 0 0 0 a 16SOOO réis neste p e río ­
do. Um ju iz de dev o ção doou nesse m esm o ano 4 $ 0 0 0 reis. A s ju íz a s do

ano de 1840-41, doaram 61$000 réis. O s fiéis d o aram para esse m esm o ano

31 $370 reis. A rece ita da irm andade p aia o ano de 1843-44 indicava a

som a a p en a s de esm o las com o sendo de 1:0 1 4 $ 1 80 ( leia-se um conto q u a ­


torze mil cento e oitenta réis). D inheiro su ficien te p a ia com prar na ép o ca
p elo m enos dois escrav o s hom ens em p erfeita saú d e. M a s v alo res alto s d o ­

ad o s individualm ente p elo s irm ãos, com o se vê para o ano de 1839-41,


não foram freq ü en tes. A irm andade do R o sário tentava se m anter com as

infim as d o a ç õ e s dos seu s associados.^

7 . M U 3 P.. Correspondências, 03 do- aril de 1842, cy. 21 ,doc.Ül -o ; Correspondências, 27 de julho de


i MC', cx 2 1 , d o : C'3-c
( K l )•! 3 P. I.ivTor. fir h e ^ e i t a < 1Vry*r.ss, r * 1 2 ; polrt- p re r /is de «■Rcravor ver K alia MaUcr-o, S t r
< J-r.iiiii, ;•* t -ll-.S«». J:ruri:|r.-!l!-l. p V5
V.'- e I..-* i 2. i > ' 2- 1' . .‘-'i r ('V írfn ’i': ...:
66

Outra forma de captar recursos eram os peditórios (parte da arrecada­


ção do dinheíi-o de eem olaa) que os irrtlftos realizavam , prin cip alm en te nãa

festas religiosas da confraria. N o s livros de receita do Rosário não existe

nenhuma referência esp ecífica aos peditórios, m as existem arrecadações de

dinheiro ofertadas ao Rosário, costum e que persiste até n o sso s dias. N as

festas católicas freqüentemente encontramos, tanto na capital e m ais ainda

no interior da Bahia, fiéis responsáveis por pedir contribuição à comunidade


para as festivid ad es do padroeiro. O s devotos financiavam as festas dos
san to s em tro c a de graças. A devoção tam bém tinha seu p reço.

O s liv ro s de rece ita trazem algum as v ezes leg ad o s de asso c ia d o s ou

p e sso a s indiretam ente ligadas à confraria. E sse fo i o caso de D . A nna Ri-


tta de A lm e id a e O liveira, que não sei se era irm ã ou algum a d ev o ta do

R osário. E m 1895, ela legou à irm andade a quantia de 2 0 0 $ 0 0 0 r é is .10

Se o s livros de receita não esclarecem quem eram as p e sso a s que

legavam p a ra o R osário, os testam entos traçam um perfil d o s te sta d o re s que

deixaram algum a coisa p ara su as irrnaiidades. Infelizm ente, em bora os dad o s

que p o s su o não são suficientes para dem onstrar que g ru p o s te stav am em

fav o r de su a s innandades. M a s sugerem que os te stad o res eram poucos e

em sua m a io ria pobres. O s testam entos já foram utilizad o s p o r h isto riad o res
com o o b jetiv o de fornecer inform ações a resp eito de d o açõ e s d eix ad as
p e lo s m em b ro s d as irm andades. N esse sentido são clássico s os trab alh o s de

K atia M a tto so e M aria Inês O liveira a resp eito dos libertos no sécu lo XIX.
O indivíduo, quando se prep arav a p a ia a m orte, legalizava atrav és do te s ta ­

m ento algum a situação irregular, com o p o r exem plo reconhecim ento de um


filho natural, nom eava herdeiros, Jbsseni estes p aren tes ou n;ío, e determ inava

a form a com o seria seu enterro. A hora da m orte era o últim o m om ento

p ara d istrib u ir o dinheiro e os bens que o m oribundo p o ssu ía, e a últim a

o p o rtunidade para p raticar a caridade cristã, doando b en s a p e sso a s e a

'■ J ,l N1 O 'Jí- J-.r1t1!!'i r ;. f - V ] r. V. ) .liw. 14 r i v !- V.1;


67

in stitu iç õ es pias. N o caso d as instituições, p rin cip alm en te as irm andades, a

d o açã o p o d e ria significar um reconhecim ento d© serv iço s re c e b id o s ou ainda


u m a exteriorização d a fé. J á afirm ou K atia M a tto so que “num a cid ad e em

q ue o m ercad o de trabalho só ab so rv ia de m an eira perm anente p eq u en a


p a rc e la da p o p u lação ativ a e onde u m a p ro p o rç ã o ain d a m enor d o s que

trab alh av am era fav o recid a p e la fortuna, p o u c a gente tinha bens p a ra le ­

g ar.” 11

O s legados dos africanos libertos p a ra a p rim eira m etad e do sécu lo


XIX aco n teciam em su a grande m aioria a fa v o r d as p e s s o a s físic as, em
lugar d as instituições. D e acordo com a h isto riad o ra M a ria Inês C ô rte s de
O liveira, o s africanos preferiam legar “ su a te rç a a p e s s o a s físic as que s a b i­

am m uito m ais n ecessitad o s do que a in stitu iç õ es.” M esin o assim , O liv e ira
encontrou p ara esse m esm o p erío d o ,(p rim eira m etad e do sécu lo XIX ) que

16,1% dos testad o res e 2 4 ,5 % das te stad o ras d eix aram às igrejas, irm anda­

des, convento s ou instituições de caridade “ leg ad o s em dinheiro ou em o b je ­


tos de adorn o .” M u lh eres legavam m ais que hom ens. A s m ulheres tra b a lh a ­
vam num a atividade rentável: o com ércio. P o ssu ía m dinheiro e, em m u ito s

caso s, ganhavam m ais que os hom ens. D aí ta lv ez testarem em fav o r d a ir­

m andade. O u tra razão, seria que elas tinham m aio r co m prom isso que os h o ­

m ens com as instituições que lhe ab rig av am .17


E s s e s testam entos revelam tam bém que a irm andade do R o sário era

unia das m ais citadas nos testam entos dos lib erto s.V in te e seis hom ens e

quarenta e tres m ulheres declararam p erten cer a irm andade de N o ssa S en h o ­

ra do R o sário das P o rtas do Carm o.


T om ando com o b ase os trabalhos de M a tto so e O liv eira, selecio n ei

aq u eles african o s libertos que faziam parte da irm andade do R o sário , p e r­

fazendo apen as um total de .52 testam entos. D estes, ap en as 38 foram por

” Ka'.iii I/aU osK , Tc.-lumfHton de F,xcr<:vi>~ U lvtlot '<■? Bahia no nfc.dn XL\'. >Ttna fonlc puni o
, \ i , 4 , 1 .. ■ ".I II ■■ , ’ J f •■{- :i, 1"F.l , 1 , ’’ <1 r.’i i r ; 1., < ’ 1: h i 1 ’ ->'7 , l / : i H < ly ih u :
68

m im lo calizad o s no A rquivo P ú b lico d a B ahia, d o s q u ais se is d eixaram a l­

gum legado p ara irm andades, e d esses ap en as q u atro leg aram à co n fraria

do R osário. A seguir quem doou e as quâílti&s d o a d a » .13


Em 1821, Jo sc A lv es Lim a, je je , v iú v a de A ntonia M a ria d a C o n c e i­

ção, fez seu testam ento. E le declarou p erten cer à s seg u in tes irm andades: R o ­

sário (do C arm o ); C ru z d a R edenção e Je su s M a ria Jo sé. A p esar de faze r

parte d e o u tras confrarias, deixou cem mil réis so m en te p a ra a co n fraria do


R osário. A qu an tia legada era razoável õ das doações d eix ad as p o r Jo sé

A lv es e ssa era a de m aior valor. P a ra os e sc ra v o s Jo sé F ran cisco e P e ­

dro, ofertou apenas dez e vinte mil réis re s p e c tiv a m e n te .14

Já a africana F eliciana M aria de Jesu s A raú jo , em 1826, deixou d i­

nheiro p a ra to d as as irm andades d as q u ais fa z ia parle. D eclaro u p o s su ir

ap en as um a m o rad a de casas na ru a L arangeiras “ e alguns b en s insignifican­

te s dentro d a m esm a casa.” D o s rendim entos d a c a s a destin o u cem mil réis


à irm andade ao R osário, além de d o ar m ais vinte mil réis à m esm a irm an­
dade. Já p ara as confrarias de São B enedito, de Santana (da freguesia do
P asso ) e de S anta Efigênia, legou em dinheiro trinta, oito e quatro mil réis
re sp e c tiv a m e n te .1J

A s d o açõ e s realizadas p elo s testad o res não eram u niform es. D o av a-se

m ais para um a determ inada irm andade. D inheiro ou o u tro s b ens, com o
im óveis, eram os legados m ais freq ü en tes. T alv ez as d o açõ e s fo sse m de
acordo com o prestígio que cada asso ciação p o ssu ía ou o m aio r co m p ro ­

m etim ento do tesfad o r com a m esm a. A p esar do núm ero p eq u en o de te stad o -


res que deixaram legados para as irm andades, eles sugerem uma certa h ie ­

rarquia das doações. Localizei apenas um reg istro de testam ento, onde o

A listagem dos testamentos foi gentilmente cedida pela Frofa Maria Inês de Oliveira A amostra
se concentrou na primeira metade do século XIX, porque a maioria dos testadores que disponho se
concentrou nesse j.crlodo. 1 5? africano? liberte»!', dos quais 52 pertenciam è irmandade do R osário
das Portas do Carmo I'ara consultar esses testamentos, ver os 64 Livros de Registros de Testamen­
tos
u / J E t L r .T 2' . f,s 1 77v-l 2v'". '*2';
1 .'J F I: LkT
69

te sta d o r d eix av a a m esm a qu an tia p a ra to d a s as su a s con frarias. E m 1826, o

africano natural d a C o sta d a M in a, F ran cisco M a rtin s A fonso, ju iz do R o ­


sário é m em b ro d a irm andade d a R ed en ção , doou d ez m il ré is p a ra cada

um a d e s s a s irm an d ad es.16
A q u an tid ad e de bens que e sse s co n frad es do R o sário d eclarav am nos

testam en to s é m odesta: alguns escrav o s, m ó v eis e p o u c o s im óveis. E ra um


reflexo d a so cied a d e baian a o ito cen tista. U m a so c ie d a d e m uito d esig u al na

d istrib u ição de su a riqueza. Segundo W alter F raga, “ a p o b re z a p o ssu ía m ú l­


tip las fa ces e gradações. A p o sse de um caseb re, de u m escrav o , de algu­
m as ro u p a s e m óveis, certam ente situ a v a certo s p o b re s alguns deg rau s acim a

do lim ite da m iséria.” P rovavelm ente aq u eles te sta d o re s p erten ciam a esse

g ru p o .17
P ara as últim as d éca d as do sécu lo XIX, encontrei trê s testam en to s e

cinco inventários de m esário s d a irm andade. O s leg ad o s à irm andade, em b o ra

m o destos, continuavam a acontecer. E sco lh i a n alisar d o is inventários, com

testam entos do início do sécu lo XX, que p erten ciam a d o is m esário s que se
d estacaram na irm andade do rosário. E ram p e sso a s de recu rso s. U m íoi p ro ­

cu rad o r gerai do R osário, cargo que o cu p o u d u ran te as ú ltim as d é c a d a s do

século XIX. M anoel Friandes, n ascid o em S alv ad o r, m o rad o r no T ororó d e ­


term inou ein seu testam ento que to d o s os seu s b ens, dentre eles v árias p ro ­
p ried ad es, ficaria para sua única filha, M a ria da P aixão, m as em caso de

m orte d esta seriam doados às confrarias do R o sário do C arm o e R o sário


dos Q uinze M istério s. Além disso, legou um a c a sa na m a do M oinho p ara

a irm andade do R osário do João P ereira. E p a ia a irm andade da C o n ceição


do T ororó deixou as seguintes p ro p ried ad es: d u as “ casin h a s,” sem e s p e c ifi­

car a localização , e um a casa na tra v e ss a do M o in h o , além de um nicho

“pequeno com um a im agem de N .S . Santana p o r 5$000 réis.

/J'EF- LK T 20, ils. 1óv-1 :-'v /I 826.


17 ’vYalter fr j & t . M e n d i g o s , m o ie a u c c c v a d io s , 36 o P a u lo / Salvador. H U C T TE C /E D U FP A . Ii> i> £ .p 2 í
" 'F üsm!- :• if rrv, õ- ;: f o n i Ti r f t i r ydoi : ,io t.r st ; j r; i e; i ' e q - x s e r : r :r itry n o i n v e n t a r i o nr- l Iti
;«ri< s J 7 i í ' dt ( líisisiíi' &';?!(.> lvW -lw i»
71

A p a rtir da p ro ib ição de enterros no interior das ig rejas n a d écad a de


1850, os irm ãos íorarn o b rig ad o s a oonslruir oem itórios ou o cu p ar carneiros

em cem itério . A confraria do R o sário edificou s e u s carn eiro s no cem itério

d as Q u in ta s d o s L ázaros, local afastad o do centro urbano e d a igreja e de

cará ter m ais m odesto. P ara se r enterrado n e sse s carn eiro s, p ag av a-se um

valor. O livro de re c e ita d a irm andade p ara o ano de 186 8 -1 8 6 9 traz a l­


gum as p o u c a s inform ações. P ag av a-se p elo carn eiro de um anjo, p o r exem ­

plo 15S000 ré is e p elo carneiro p ara ad u lto s 2 0 $ 0 0 0 ré is .20


O cem itério era rentável. N o co m p ro m isso d e 1900, co n stav a na lista
de patrim ôn io da instituição “um cem itério ed ificad o d ’entro do quadro da
Q uinta d o s L ázaro s.” O m esm o estatu to trazia ainda u m a re la ç ã o dos tip o s

de carneiros e p reço s. O s p reço s v ariav am de aco rd o co m o tipo de c a r­

neiro e ou tro s serv iço s que se q u ise sse ter.

TABELA ESTABELECIDA EM 1900 PELA MESA ADMINISTRATIVA


DA VENERÁVEL ORDEM 3» DO ROSÁRIO PARA
SEUS CARNEIROS NO CEMITÉRIO (em r é is)
Uni c a r n e ir o p o r 3 an os p a ra adulto 50$000

U m c a r n e ir o p o r 6 an os p ara adulto ÍOOSOOO

U m c a r n e ir o p or 3 an os para cr ia n ça 25$000

U m c a r n e ir o p o r 6 an o s para cr ia n ça 50S000

L i c e n ç a ptira c o l o c a ç í i o de in s c r iç õ e s 5$000

Idem p a abertura e in h u n iações d e o s s o s 5S000

L i c e n ç a p a ra c o l o c a ç ã o de u m a s em c im a d o s m e s m o s 20S000

U m ca r n e ir o perpétxio pa q ua lq uer in n a o da O r d e m 300$000

Fonte: “D i s p o s i ç õ e s G e r a i s , ” C o m p r o m i s s o de 1 9 0 0 , cv.l ,d oc.3, A.I.N.S.R

•’ / . 1 Is " i-, i . i v r n á< K c « l!& t- ry. !; I1 ’j :■


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A ta b e la acim a dem onstra que p o ssu ir um carneiro p érp etu o c u stav a

caro, m as tin h a-se a g aran tia de deixar, n aq u ele local, a lem brança eterna

do fale cid o , além de se p o d e r abrigar ou tro s m em b ro s d a fam ília. T alv ez

fo sse a c erteza de que, p elo m enos, e sse s carn eiro s seriam locais de en­

contro d e fam iliares ap ó s a m orte.

A s irm andades tam bém v endiam d esd e s u a cria ção no p erío d o c o lo ­

nial, s e rv iç o s fíinebres, in clu siv e p ara n ão -asso cia d o s. A irm andade do R o­

sário d a C o n ceição d a P ra ia estab elecia, em 1686, “ o p reço de cinco p a ta ­

cas p elo u s o de seu esquife, oferecendo um d esco n to p a ra quem p ro v asse

ser p o b re.” E ra costum e tam bém alugar caix õ es e esq u ifes. “ O R o sário da

P raia alugou um a tarim ba e quatro to ch eiro s p a ra o fu n eral de Luís B orges


d a Silva, p eq u en o negociante de fazendas, em 1818.” 21

A lguns co m prom issos previam sep u ltu ras p riv ileg iad as. “Em P ernam buco,

os irm ãos do R o sário d a v ila de Santo A ntônio, em 1758, cobravam aos


n ã o -a sso c ia d o s 10 mil réis p o r enterros no túm ulo d o s irm ãos na c ap e la da

irm andade, 8 mil na sacristia e 6 m il no co ip o da igreja.” O esp aço do

sepultam ento tam bém era negociado. Q uanto m ais próxim o do altar m ais

v alo rizad o . F ica r p erto dos santos era o p a ssa p o rte m ais eficaz p ara se g a ­

rantir um a v id a eterna ao lado do criad o r e dos an jo s.22

F alei até agora som ente d aq u eles que p o d iam pagar seus enterros e
sufrágios. O s que não tinham renda suficien te p ara realizar seu próprio fu n e­

ral, encontrav am na irm andade' a so lid aried ad e na h o ra da m orte. P o b res, d o ­

entes, negros, m estiço s tinham direito a u m a m orte digna. C ertam ente estes
funerais seriam sim ples, sem pompa., sem luxo, fugindo do estilo funeral e s ­

p etácu lo . O p rojeto de com prom isso de 1872 do R o sário das P o rtas do

C arm o rezav a que “o irm ão que fallecer em estad o de pobreza, e sem ter

p esso a algum a de sua fam ília que prom ova o seu enterram ento a M esa

fará de aco rd o co m a e c o n o m ia do c o fre da I r m a n d a d e , d is p e n d e n d o


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até a quantia de trinta mil réis.” N o estatu to de 1900, o enterro ain d a era
u m a das atrib u içõ es da confraria, ressalta n d o to d a v ia que “ logo que a Or­

dem esteja em condições soceonrerá ao8 Irrn&os p o b res e fará o enterro


quando fallecere m .” O controle financeiro e s ta v a tam bém p resen te n a hora
d a m orte, principalm ente a p artir da seg u n d a m e tad e do sécu lo XIX, reflexo
ta lv ez d a crise econôm ica b a ia n a .23

O u tra fo rm a de se angariar dinheiro p a ra a irm andade era a celeb raçã o

de m issas. “ A m issa rep resen tav a a m e rc ad o ria m ais cara do m ercad o fu n e­


rário .” E la s estav am p resen tes nos livros de re c e ita e d e sp e sa e, p rin cip al­

m ente, nos testam en to s dos irm ãos. E estes não se contentavam com p o u cas
m issas. A salv aç ão da alm a estav a co n d icio n ad a ao núm ero de m issas que

se m a n d asse celeb rar. Em 1805, o africano Ignácio de S am paio, m em bro da

irm andade do R o sário das P o rtas do C arm o, determ inou, no seu testam ento,

que após seu falecim ento seriam “reza d as 20 m issas de corpo p re s e n ­

te .” A lém d isso , distribuiu m issas p a ia terceiro s: “ 3 m issas de esm o la de

p a ta c a c a d a um a” p ara seu ex-senhor e 10 m issas “ de esm o la de 320 $ 0 0

réis,’’sendo 4 m issas o ferecid as ao anjo d a g u ard a e ao s santos do “m eu

nom e” ; 4 m issa s “ a todos que o ajudaram a vivei'” ; 2 m issas p e la s alm as


que estão no p u rg a tó rio /4
O p reço de um a m issa sim ples, sem so len id ad e e sta v a estip u lad o em
320 réis na prim eira m etade do sécu lo XIX. Q uantia irrisória, m as que,
quando m u ltip licad a, certam ente contribuía com a receita do R osário. G e­
ralm ente os te stad o res ped iam m issas. O s irm ãos te stad o res que p erten ciam

à irm andade do R o sário p ed iam m issas e p ag av am à irm andade p e lo s se r­

v iço s p restad o s. F eliciana M aria de Jesu s A raújo, africana natural da C osta

da M ina, p ed iu em seu testam ento, m issa de co ip o p resen te e dez m issas


de 320 réis “por alma d aq u ellas p e sso a s que eu tiv e negócio no tráfico da

'".'s gnfoB sSso jsif-uR Ver A.1 )■) 3 R ‘T r c ie lc df c onipromtRno <1 £72'), caj.- 17. cx 1 ,doc 2;
” ' Vi : i j T: >: i i !W dít V ' ’• ? ' >R- Ri.-mimo <1 9 !>'■i. >«[> , nr**' 11, x ’ , dc»
! ■ ' ! ! , / "ii " i r I'.!- : > T 11.fh- T /.'v -2 ' ~
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m inha v e n d a .” A s p e sso a s do seu p eq u en o com ércio, v en d a, q u itan d a ou o

que s e ja n ão foram e sq u ecid as p o r F elician a .25

A lém de celeb rar m issas, o R o sário alu g av a as d ep en d ên cias d a igreja

com o s a la de aula, e arreca d av a dinheiro co m lo terias. E ntretanto, n em sem ­

pre a irm an d ad e conseguia ren d a com lo terias e alu g u éis. E m 1847, a c a p e ­

la do R o sá rio n ece ssitav a fazer rep aro s. Juizes e m e sário s p ro m o v eram u m a


loteria p a ra angariar dinheiro, m as nâo houve, de aco rd o com o escriv ão ,

nenhum lucro p ara a instituição. P elo contrário, ficaram no prejuízo. O alu ­

guel do sa lã o do R osário, req u isitad o pelo p ro fesso r p ú b lico D r. L uiz A lv a ­


rez dos S antos, p a ra m inistrar aulas, tam bém cau so u tran sto rn o s p ara os co n ­
frades. A M e s a da confraria qu eria tom ar-lhe o salão argum entando que os
alunos e stav a m destruindo o patrim ônio. Indignado, o p ro fesso r resp o n d eu

que p a g a v a corretam ente o aluguel e agressivam ente argum entou que a ir­

m andade “ não é p ro p rietária do edifício, que lhe é p restad o em d e p ó sito .” O

p ro fesso r enviou um requerim ento ao Juiz de C a p e la s e R esíd u o s, ac re d i­


tando ta lv ez no p o d er de controle d as au to rid ad es sobre os negros do R o ­

sá rio .26

O s m esário s, não se deixando intim idar pelo p ro fesso r, tam bém en v i­

am co rresp o n d ên cia ao ju iz de cap elas, explicitando o p orquê de não co n ti­


nuar a alu g ar o salão da sacristia para as aulas. A legavam que os alunos

destruíram “ a grade de segurança do corredor da sa cristia,” faziam “ zuada


no co rred o r” , arrom baram a p o rta da entrada dos carneiros. P ela d escrição
do escriv ão , os alunos p areciam transform ar a igreja em p arque de d iv e r­
sões. Infelizm ente não localizei o p arec er do ju iz, m as o episódio dem onstra
que nem sem pre era fácil angariar recu rso s para a irm andade, quando se
tratava de aluguéis. O ep isódio dem onstra ainda que alguns indivíduos não
concebiam que um a irm andade negra p u d esse ser dona da su a própria

r-ol.rc f das nnssar ver R e i s . » m oric 229 ; / J ’EP. 1J-:T 1 C, tis t.8v-7 5 v /I f-2C
'*■ I J K s }•-. c ó r r r r ^ o í r i r r r u í i í , 1 2 o r l i r - c m b r o -jc 1 M 7 , c x 2 1 , <ioc 03 *p ; C o r r r s p w i d c i i c i o s , 0 * dc
m 'i. i y . l Z . i : ' ' (lA-t.
75

igreja. N ã o sei até que ponto o asp ecto legal fa v o re c ia a irm andade, m as o
que c a u s a estranham ento é ju sta m en te e sse tip o de argum ento. A s re la ç õ e s

entre s o c ie d a d e civil e a irm andade eram p erm e ad as p o r co n flito s.27

As propriedades
A s irm an d ad es de m aneira geral p o ssu ía m p ro p ried a d es. E sta s eram
co n seg u id as, n a m aioria das vezea, com o j á foi v isto , atra v és de leg ad o s de
irm ãos.

A s p ro p ried a d es do R o sário lo calizav am -se n o s arred o res da igreja da


irm andade, hoje denom inado centro histórico. P o ssu ía m tam bém c a sa s no

b airro da S aú d e, que p erten cia à freg u esia de Santana. R elacio n o abaixo os

im óveis q u e constam nos livros de rece ita e d e s p e s a d a co n fraria p ara to d o

o sécu lo X IX, em bora não se ja certo de que to d o s estejam aí listados.

PROPRIEDADES
QUANT. LO CALIZAÇÃO ESPECIFICA ÇÃ O
01 - Ladeira da Rua do Passo i f 9 - Casa térrea
08 - Rua dos Carvões n°54,28,66,10,14,33,65,74 - Casas térreas
03 - Beco do mingau n°l 2,13, n° 19 -C a sa térrea
01 - Ladeira do Carmo n° 36 -Sobrado
01 - Situada próxima a Igreja do Rosário ^ 2 5 - Casa térrea
01 - Taboão np9 -Sobrado
02 -R u a da Saúde nc’68,245 -C a sa térrea
01 -L adeira da Ordein 3“ de S. Francisco n^M -C asa térrea
01 - Fortinho de São Alberto n°l 11 -C asa térrea
01 - Beco do Queiroz n° 1 - Casa térrea
76

O s alu g u éis d as p ro p ried ad es com plem entavam o orçam ento d a irm an­
d ade. A p o n tu alid ad e no seu pagam ento era u m a regra que os inquilinos

desco n h eciam . T a lv e z p a ra os inquilinos 0 p reço co b rad o p e sa sse no o rç a ­

m ento d o m éstico . N ã o pude identificar quem eram as p e s s o a s que alugavam


as casas. A lguns nom es, citados nos livros de re c e ita e d esp esa, indicam

que eram m em bros do R osário, com o foi o caso de D . Izabel R o iz dos


S antos, m o rad o ra na ru a direita da S aú d e, que pag o u p o r to d o o ano 1856
a q u an tia de 4 2 $ 0 0 0 réis de aluguel à irm andade. D . Izabel fo ra c asad a com
um ex-juiz do R o sário .28

P a ra o ano de 1827-28, os aluguéis dos so b rad o s na ladeira do C a r­

m o, de S ao F ran cisco , d as casas aos a n e d o re s d a igreja do R osário, do T a-

b o ão , da R u a do P asso e da ru a dos C arv õ es, ren d eram 343S 540 réis, o

v a lo r aprox im ad o de um escravo na d écad a de de 1820. A m éd ia dos a lu ­

g u éis m e n sais era de 2$000 a 3$000 m ensais. D inheiro su ficien te p ara co m ­


p rar de 17 a 25 kg de feijão .25

Os aluguéis atrasad o s das casas p ara os anos 1839-40 som avam


623$320. D .U rsu la M aria “ da casa ao pé da Igreja de hum ano v en cid o em
22 de ag o sto de 1840” pagou 76$800, ou seja, seu aluguel m ensal era de

6$400 réis. Em 1847, a irm andade receb eu de aluguéis atra sa d o s 8 0 0$291.

Já em m arço de 1848, as casas núm eros 14 e 33 da rua d o s C arv õ es re n ­


deram 9$0 0 0 . D o sobrado n° 9 do T ab o ão , receb eu de H enrique de O liv eira

“ que pagou de alrazados até 16 de S etem bro de 1847 4$8 6 0 . D e F e lic id a ­

de P erp étu a “ 1 m ez vencido ern 30 de D ezem bro de 1847 4 $ 0 0 0 ” , e m ais

um m ês ven cid o no valor de 4S000 de L ibanea M aria. O s dem ais alu g u éis
atra sa d o s p erfizeram um total de 89$lO O .<0
77

O esc riv ã o do R osário, Januário C arneiro, em 1848-49, fez o b alan ço

dos rendim en to s d as p ro p ried ad es. T o d o s os alu g u éis citad o s fo ram p ag o s

com atra so . C reio que e sse s pagam entos resu ltaram de v itó rias ju d ic ia is.
S egue u m a p e q u e n a tab ela do pagam ento dos alu g u éis em atraso p a ra os
anos 1 8 4 8 -4 9 .31

RENDIMENTOS DAS PROPRIEDADES

LOCALIZAÇÃO MESES VENCIDOS VALOR


- R u a d o s C a r v õ e s n° ] 4 3 meses 18$000
- Ladeira do Carmo n° 36 3 meses 505000
-R u a dos Carvões n° 10 3 meses 9$060
- Rua dos Carvões n° 14 3 meses 18$000
- Rua dos Carvões n° 33 3 meses 9$000
- Baixa dos Sapateiros n° 25 3 meses 18S000
- Taboão / sobrado n° 9 8 inquilinos c/3 meses 94S200
- Beco do Queiroz n° 1 3 meses 12$000
- Beco do mingau 11° 19 3 meses 9S600

237S860

No d eco rrer do século, os p reço s dos aluguéis tenderam a aum entar,

m as não em grandes p roporções, principalm ente se com parado com os gêne-

ro s de prim eira necessid ad e com o a farinha, o feijão e a carne verde. Em

1873, com p rav am -se, corn 230$37, 156 kg de carne v erd e, cinco anos de-
po is a m esm a quantidade de carne era com prada por 353$96. A alta de
p reço s era freqtienlem cnle p rovocada p elas secas e epid em ias. N o caso dos

aluguéis d a s p ro p ried ad es da irm andade do R o sário , os p reço s lam bém p a ­


reciam ace lerad o s. P or exem plo, a casa do beco do Q ueiroz. C om o foi x isto.
78

em 1848 a irm andade receb eu relativ o a três m e ses de alu g u el 12$000. D ez


an o s d ep o is, o v alo r de um m ês de aluguel e q u iv alia a o s trê s m e se s co-

b m d o s d a d éca d a p assad a. Isso qu er dizer que aum entou 300% .

P ag am en to s atrasad o s de aluguéis foram freq ü en tes, m a s em m u ito s c a ­


so s n ão ex iste de fato a referência. T alv ez o p agam ento d e ssa s lo c açõ es

não fo s se sem pre m ensal. P o d eria h av er um aco rd o entre p ro p rietário e in­

quilinos q u e d eterm inasse o pagam ento ao frnal de um determ in ad o p erío d o .

E s s a é u m a h ipótese. O utra é a de que a irm andade, a d ep en d er do tipo


de c a sa alugada, te ria com o lo catário s a cam ad a livre p o b re, que era su a
clien tela nos q u ad ro s da instituição.

O patrim ônio do R osário era m odesto (20 p ro p ried a d es), p rincipalm ente
se com pararm o s com as in n an d ad es de b ran co s. A O rd em 3a do C am io

p o ssu ía , em 1853, 37 casas térreas, 43 so b rad o s, 15 terren o s, entre o u tro s

bens. M a is m o d esta, a O rdem 3a dos P ard o s de N .S . da C o n ceição do


B o q u eirão p o ssu ía, no início deste sécu lo , nove c a sa s e três terrenos. P ara

um a irm andade com posta p o r negros, p o ssu ir vinte p ro p rie d a d e s sig n ificav a

m uito. M e lh o r seria tentar com parar os bens do R o sário com outras asso ei-
3^
açõ e s negras, m as não p o ssu o dados sobre estas. '
L egad o s, serv iço s prestad o s, aluguéis de p ro p rie d a d e s co n stitu íram então

a b a se da receita do R osário. M as é p reciso enxergai’ os g asto s que a ir­

m andade p o ssu ía. Seria a receita su p erio r que à d esp esa da asso ciaç ão ?

A D e s p e s a d o R o s á r io

A folha de pagam entos e d esp esas em geral so b recarreg av am a co n ­

fraria. D e acordo com os livros de d esp esa que cobrem o p erío d o de 1822

a 1899, os gastos m ais freqüentes da irm andade eram com as festas relig i­
osas, incluindo d ecoração, orquestra, serm ão, com ida, fo g o s de artifício, velas,

/• J ]■?." R F.r-rf-ila . . cy. 1 2, do e 0 C [ 1 S5Q- 58J, d r x 07 [ 1 K 5 S - 6 S ] , ],lai.tosr>, B a h ia : a c id a d c d o S a í -


v;.yj o r ... ;f' í7 (>-?"> 1
*' r;-- T : i " íj.:.’ i ; ' !/ ) ' 7 c'CCirz:..’ í. /■'iTiírstrajo.
79

m issas, hó stias. O s funerais tam bém im plicavam g a sto s com a celeb raçã o de

ofícios, d e sp e sa s com os carneiros, entre outros itens. O p agam ento do o rd e ­

nado do pad re, pagam entos de d ív id as co n traíd as tam bém on erav am a as­

so ciação .

A s d esp esas reg istrad as nos liv ro s d a irm andade dem onstram que a
fe sta dos san to s cató lico s estav a sem pre em prim eiro plano e o seu cu sto

nâo era desp rezív el. A p reo cu p ação em realizar fe s ta s com brilho e esp len d o r
tem um a lógica: a fe sta era um acontecim ento p ú b lico , onde a irm andade
dem onstrav a a capacidade para a cidadè que o s negros possuíam de afir­

m ar seu prestígio, su a cap acid ad e de o rganização, seu v alo r enquanto c id a ­

dãos cató lico s e, não m enos im portante, su a m an eira afro -b rasileira de c e le ­

brar a vida. D aí, os g asto s com a fe sta o cu p arem grande p arte d o s livros
de receita.

N o s anos de 1822-23, a irm andade g asto u ap en as 5552 8 0 com cera

p ara a festa. P a ia os anos de 1823-24, foram g a sto s 157$020 entre aluguel

de cera, carreto s p a ia a festa, sacristão , organista, lenha p ara fo g u eiras. A


m úsica, elem ento fundam ental num a festiv id ad e, cu sto u 3 0 $ 0 0 0 , e os fo g u e ­

tes, 14$400. N o d eco rrer do século, a d e sp e sa com a festa foi aum entando,

acom panhando o custo de v id a da B ahia. O s p a d re s tam bém eram re sp o n ­

sáv eis p elo aum ento da desp esa. Em 1846, o co n h ecid o vigário, V icente F e r­

reira de O liveira, recebeu p elas novenas da fe s ta do R o sário 39$4 0 0 e o


padre João Q uirino receb eu 125000 p elo serm ão da festa. P ela m ú sic a d as

novenas foram pagos 555000. O cuslo da fe sta d e sse ano foi 20 9 $ 5 6 0 . N o

ano de 1854, a confraria g astaria 2325240. A p e sa r de co n star nos co m p ro ­


m issos que em época de crise a irm andade não faria a festa, a p e sa r das

dificuldades, a sua realização aconteceu na m aioria dos an o s.34

Em 1893, a d esp esa com as festiv id ad es foi 3 :9805260. Só a cera

com prada para a festa custou 2175630. M issa s, T e-D eu m e fogos de artifí-

/vi 1' K r.*-' r i ' 2, 0 j í ' S ' 2 2 - 2 ^ j. ‘i - x £ [ *i S4r . ' - 4S 1, iio*_ s i 1


80

cio c u stara m 453$000. C om a m issa fe stiv a ao S .S . S acram ento, fo ram g a s ­

to s 4 8 $ 0 0 0 . M esm o com o p a s s a r do tem po, a fe s ta na irm andade co n tin u ­


ava firm e. E m 1897, às v é sp e ra s d a irm andade se r e le v a d a à categ o ria de

O rdem T erc eira, a fe sta custou p a ra os co fres da co n fraria 9 0 9$000. D in h ei­


ro, segundo o teso u reiro C leto G om es da Silva, su p e rio r “ a en trad a de d i­
nheiro” n a irm andade, o que pro v av elm en te en d iv id o u a instituição. A fe s ta
continuava, ta lv ez sem o brilho de tem pos p a ssa d o s, m as ainda era um a

d em onstração p ú b lica de um cato licism o singular, com o v erem o s no próxim o


capítulo. A lim itação im posta p elas restriç õ es eco n ô m ica s não fo ram su fic i­

entes p a ra retirar d as ru as o desfile dos m em bros da v en erá v el in stitu iç ã o .35

A d e sp e sa do R osário incluía oulros itens. A s m issas, que não eram

p o u cas, p o r exem plo. A liás, afirm a R eis que as m issa s em to d as as irm an-

dades rep resen tav am o “grosso d as d e sp e sa s.” G a sta v a -se com m issas de
N atal, m issa s fú n eb res e dias santos. C eleb rar m issa s sig n ificav a g a sta r v e la s
e, principalm en te, com p ad res. A falta de p ag am en to s d e ste s re su lta v a em

conflitos com o foi visto anteriorm ente. A ssim , o p ad re cap e lão Jo sé F au sti-

no G om es receb eu 4 0$000 em 1846, p ela celeb raçã o de cinqüenta m issas. O


m esm o p ad re Jo sé F austino d eclarou, em 1841, que re c e b e u da irm andade

a quantia de 96$760 por “três q u artéis do m eu o rd en ad o de c a p e lã o f...] f i­

cando vinte e um mil setecen to s e sesse n ta réis, im p o rtân cia de se sse n ta e

oito m issas, celeb rad as pelos fin ad o s desta irm an d ad e.” A situ ação d o s co­

fres do R o sário determ inava o atraso no pagam ento d o s s a c e r d o te s /6

D e s p e s a s com zeladores, andadores, o ficiais de ju s tiç a e o u tro s cargos

tam bém estiv eram na lista d as d esp esas. A s obras tam b ém oneravam b a s ta n ­

te o R osário . Em 1824, ripas, v aras, trincas etc. p ara co n serta r a casa da ru a

do P a sso custaram 3 7$100. E m preender o b ras sig n ificav a tam bém incluir nos
gastos os jornais de p edreiros, serventes. As o b ras eram n ece ssárias p ara

■’ . M U í R Rf-ce-ita . c x 1 2, do- 14 [ 1
w /.IK '" h T.,;- »•(!.•: , '.y. 1 2. í 1 0 - 4 k j , } v ■■ r y. 1 f' , ii <- M - V [ 1 ) %T .v u .,A ttioru
81

co n serv ar o patrim ônio. E m algum as situ a çõ es can c elav a m -se certos serv iço s

em detrim ento do co n serto da igreja. Foi o que aco n teceu em ju lh o de

1878. q u an d o os messários, reunidos, decidiraifi re a liz a i as “ o b ras na cap e la”


e su sp en d eram as m issas de dom ingo, qu in ta-feira e do sáb ad o . Segundo os
m e sário s a su sp en são d as m issas fo ra fe ita p a ra co n ter d e sp e sa s. P ro v id en ci­

ar p ara a realização de obras fo ram constante n as d é c a d a s de 1870-80. N a

sessão d e 25 d e m arço de 1879, os m esário s d ecid iram agenciar esm o las

p ara “ o auxílio d as obras da cap e la.” 37

A situ a ção do patrim ônio da irm andade refle tia s u a situ a ção econôm i­
ca. Em 1889, os m esário s enviaram um req u erim en to ao A rceb isp o da

B ahia, onde foi relatad o que a c ap e la estav a fech a d a d e sd e 1880, “ quando


te v e de d a r com eço às g ran d es o b ras.” R elataram os in n ã o s que o fech a­
m ento se deu p o rq u e “todo o seu cobrim ento a m eaçav a d e sa b a r[...] em s e ­
guida, te v e de desm anchar-se todo corpo da igreja, tirar-se as táb o as das

antigas sep u ltu ras, fazer-se todo ladrilho de m á rm o re.[..]” O dinheiro gasto

até então som ava 15:859$000. C om unicaram ainda que, d e sd e 1880, “não foi

m ais p o ssív el continuai' com o C ulto D iv in o .” M a s as o b ras foram re a liz a ­


d as com “ os ju ro s, esm olas e pro d u to de três lo terias q u e lhe concedeu o

g overno.’’ O requerim ento dos in n ã o s inform ava ao A rceb isp o que a igreja

estava pronta para ser reaberta, o que co ntrariava o ju íz o da P ro v ed o ria


que havia determ inado p ara a irm andade “ entregar tudo, e que V .E x M ln f
p elas inform ações que teve extinguiria esta Irm an d ad e.” P ed iram ao A rceb isp o

que “m an d asse p o r p e sso a de confiança, p ro c e d e r a um exam e nesta capela

e ver, se tudo quanto acaba de dizer, e expôs, he exacto ou não. Será d o lo ­


roso Exm° Scnr, que dep o is de tantos anos de trab alh o s in cessan tes ao ch e­
gar ao term o para poderem abrir seu tem plo à d ev o çã o d o s fiéis, lhe fos-

1^-y,
82

sem arrancad o d as m ãos leg ad o s tão p recio síssim o s de seu s an tep assa­

dos!!!” 38

M a n te r a irm andade significava, além de p re se rv a r patrim ônio físico,


p re se rv a r a cu ltu ra negra. R etirar a in stitu ição do cenário cultural e religioso

d a B sh ia s i^ if íe a r ia ap ag ar urna p arte d a h istó ria relig io sa e da m em ória


de escrav id ão . A atitu d e d as au to rid ad es civ is em faze r d esap arec er a ir­

m an d ad e ta lv e z refletisse o m edo do negro organizado d ep o is d a ab olição.

F ico a m e perguntar se as au to rid ad es agiriam d a m esm a form a se se tra ­


ta ss e de u m a asso ciaç ão de brancos. C ertam en te os trataria com m ais to le ­
rância. E ra a rejeição explícita dos b ran co s contra a p o p u la ção de cor.

A d e sp e sa com obras, festas, o rd en ad o s, entre o u tro s itens, m uitas v e ­

zes d e se q u ilib ra v a as contas do R o sário . G a stav a-se m ais do que se arreca- ,

d av a. C ertam en te os m esário s no d eco rrer do sécu lo XIX, tiveram m uito

trab alh o tentando eq u ilib rar rece ita e d esp esa. Infelizm ente, p ara as d écad as

de 1820 e 1830, a docum entação não fo rn ece inform ação sobre a rre c a d a ­

ção e d e s p e s a to tais da irm andade. P ara os anos de 1840, a tendência da


d e sp e sa se so b rep o r a re c e ita é clara. N o p erío d o 1853-54 s ó encontrei o
v alo r d a d e sp e sa que foi de 671$820. E nos anos 1854-55 a d esp esa a u ­

m entou para 1:586$382. E m 1855-56, a rece ita ficou em 1:742$635 e a

d e sp e sa em 1:780$415. E ste s foram anos esp ecificam en tes duros p a ra os

negros de S alvador, devido à terrível epidem ia de cólera. É p ro v áv el que


a lé m de d im in u içã o do núm ero dc m em bros c da ca p a cid a d e dos so b r e v i-

v en les de so co rrer a irm andade, esta ainda enfrentou d e sp e sa extra altíssim a

com o enterro d o s irm ãos m ortos p elo c ó le ra .35


U m a outra leitura advem da o b serv ação que o d éficit não é tão a b ­
surdam ente grande, so b retu d o levando-se em conta os p o ssív eis g asto s ep i­

dêm icos. A receita cresceu no p erío d o de 1853/55 o que pode ter sido

31 A l U 3 R A!ar. <x 4 . d o c 6 . 2 5 dt- ju n h o -!c 1 W 9


/ . ] N o J-. h<r' n ' f : '■ 1> ':.v. 1 2 . d'> 0 ^ \] >'- ' >' J, o r:-!-;-;. vr-r O r i i ld e D avi d
í i>:v!r:v. < u w: '/ '■ 'v \ u . » X I X 3:s)wt i->r, Ui 7 a / Sarali
83

resu ltad o do m edo da m orte e um a co rrid a p a ra os b raço s p ro teto res de

N .S . do R o sário . A in d a assim , a p e sa r do aum ento da receita, os g asto s com

m iagas, p ro c is s õ e s e o u tro s ritoa p ro p iciató rio s ( de p ed id o s de p ro teç ão à

santo), so m ad o s às d e sp e sa s com enterros, aca rre tara o tal déficit.

O s an o s seg u in tes m antiveram e s s a ten d ên cia. P a ra ten tar eq u ilib rar o

orçam ento d a confraria, certam ente m uitos re c u rso s foram utilizados. Foi o

q ue aco n teceu em 1879, quando a irm andade co lo co u à v en d a algum as p ro ­

p ried a d es: o so b rad o d a lad eira do C arm o e qu atro c a sa s térreas. A v en d a


d e ssa s p ro p ried a d es indica q u e a econom ia dos imiflos não ia m uito bem .
N o s anos d e 1892-93, porém , a irm andade reg istrav a que a su a re c e ita fo ra

m aior que a d esp esa: 4 :0 1 3 $ 9 7 0 , contra u m a d e sp e sa de 3 :9 8 0 # 2 6 0 . E m b o ra

fo sse p o u c a a diferença, os m esário s conseguiram , d ep o is de m uitos anos,

saldo p o sitiv o n as contas do R o sário . P arece que, nos anos de 1890, as

contas da confraria se m antiveram eq u ilib rad as, os m esário s acred itav am na

p ro sp e rid a d e da instituição. O teso u reiro C leto G o m es da S ilv a d eclaro u ,

em 1899, q u e “ esta O rdem graças a su a P ad ro eira continua a p ro sp erar na

sua parte financeira. D ev ia-se no B anco da B ahia, quatro contos e q u a tro ­

centos rriil réis, agora porém resta-se trez contos e n o vecentos mil ré is ”
C om o se vé, em préstim o b ancário era outro expediente u sad o p elo s irm áos

para enfren tar su as d e sp e sa s.40

A dm in istrar o dinheiro da instituição não era tarefa das m ais fáceis.


T o d as as d e sp e sa s d ev eriam ser co m p ro v ad as p elo teso u reiro . A m esa su­
p erv isio n av a os recib o s e contas. F requentem ente o teso u reiro era acu sad o
de não cu m p rir honestam ente su as funções. Q uando a p auta da reunião era
p restaç ão de contas, q u ase sem pre ocorria confusão. Em setem bro de 1878,
os m esário s m arcaram um a sessã o extraordinária para discutirem as contas.

O teso u reiro não aceito u , alegando que “ ignorava ter sido m arcada a p re s ta ­

ção de co n tas para a referida sessão , [...] no que fora contestado pela
84

m e sa.” O s m esário s, de com um acordo, reso lv eram ad iar a sessão . M a s o

teso u reiro co n tin u av a a entrar em choque com os m esário s. A cu sad o de

fav o rece r a si m esm o, o teso u reiro fo i cham ado p e la m e sa p ara d ar ex p li­


caç õ es. O irm ão do dinheiro h av ia tirad o d a c a p e la u m a g rad e de ja c a ra n d á
p a ra u so p ró p rio e não co lo cara o v a lo r real n o s livros de contas. O v alo r
p o r ele p ag o estaria abaixo do de m ercado. O escriv ão p ro p ô s que o te ­

so u reiro en treg asse a grade ou p ag asse o p reço v erd ad eiro . A p ro p o sta foi

re je ita d a p e lo teso u reiro , e os m esário s form aram u m a co m issão p ara av a li­


ar o p reço exato da grade. O v alo r ap resen tad o p e la co m issão novam ente

não foi aceito p elo teso u reiro e este foi obrigado a d ev o lv er a grade p ara

a c a p e la.41

E m o u tras sessõ e s, o tesoureiro continuou a criar p roblem as. N a re u ­


nião de 22 de setem bro de 1878, a m esa d elib ero u que o escriv ão estav a

autorizado a exigir do tesoureiro ap resen tação de to d o s os recib o s. A briga

entre m e sa e teso u reiro indica que h av ia um a fiscalização rigorosa em tom o

do dinheiro d a irm andade. E sses cargos d ev eriam ser o cu p ad o s p o r p e sso a s


idôneas, segu n d o o com prom isso.42

A fo rtu n a d o s ir m ã o s

A p re o c u p a ç ã o em captai recu rso s estava presen te entre os asso ciad o s,

principalm ente entre os m esários, resp o n sáv eis direto s p elo bom andam ento

da irm andade. E stes, com o vim os, ajudavam a receita do R osário através

dos legados deixados à instituição e outros d onativos em vida. M a s quem


seriam e sse s dirigentes? Eram eles p o ssu id o res de p eq u en as, m édias ou

grandes fortu n as?

Para todo o sécu lo XIX, encontrei apenas quarenta testam en to s e seis


in v en tá r io s de m em bros do R osário, dos q u a is 1 1 p erten cia m a q u e les que
85

ocuparam cargos. A p esar de insuficiente p ara tra ç a r o p erfil econôm ico, dos

irm ãos os d ad o s no entanto sugerem que a m a io ria d o s asso c ia d o s p e rte n ­


cia ao grupo dos d esafortunados. D a listagem dos co n frad es, ap en as três

irm ãos p o ssu íam tanto testam entos com o inventários. S egundo M atto so , e ssa
fa lta de co rresp o n d ên cia se ex p lica p elo fato d e nem to d o testam en to d ar

lugar a inventário. “E ste só era obrigatório em trê s caso s: quan d o o te sta d o r

tinha, entre os h erdeiros, crianças m enores, cujos b en s d ev iam ser re sg u a rd a ­


dos; quando m orria ab in te sia to [sem testam en to ] e quando, não tendo h e r­
deiros, su a fortuna p a ssa v a às m ão s do E sta d o .” Isso que p o d e ex p licar a
p o u c a quan tid ad e de testam entos e inventários d o s m esário s d a irm an d ad e.43
D o s q uarenta testad o res, quatro não d eclararam q u ais os se u s b en s e
apenas três nada p o ssu íam p a ra testar. T estav am ap en as p a ra dizer com o

queriam seu s enterros. Em 1844, a liberta T ere za B en ed ita de Jesu s C risto

declarou que não p o ssu ía b em algum , “p o is p e rd e ra tu d o com a m o léstia

so frid a.” Q uando tinham p ro p ried ad es, eram q u ase sem pre c a sa s térreas, p o u ­

cos so b rad o s. D ezoito d o s n o sso s p ro p rietário s d e casas, d o is p o ssu íam so­

b rad o s e dois testad o res, além de so b rad o s, c a s a s e terren o s. E sse foi o

caso do ex-p ro cu rad o r do R osário A ntônio X av ier de Jesu s, o m esm o de­


clarou em seu inventário de 1872, p o ssu ir “uni so b rad o de 4 andares à iu a

do Julião na freguesia do Pilar, urna casa à ru a da V ala, de frente, 7 p o r­


tas, terreno próprio, 3 casas térreas e um so b rad o de d o is an d ares.” A s p ro ­

p ried a d es estavam av aliad as em 43 :5 0 0 $ 0 0 0 . S aíam de cena os c a se b re s

para dar lugar às casas de “ cal e p e d ra .” 44

C ertam ente p o ssu ir casa própria, ainda que térrea, rep resen tav a algum

bem -estar no século XIX, principalm ente se lev arm o s em co n sid eração que a

m aioria do s p o b res de S alv ad o r m orava “nos cô m o d o s in feriores d as lo jas

dos grandes sobrados do centro da cid ad e.” H av ia ainda os p o b res que m o ­

ravam na periferia. M oravam “ entre p ared es de taipa, piso de b a n o b atid o

'' 1 i [ . ; i,; ; ■t U i *7■’ J '' '


86

e sob te to de p alh a.” A lguns irm ãos do R o sário rep resen tav am talv ez um a

p e q u e n a p a rc e la p riv ileg iad a de africanos e crio u lo s. D ian te da p o b reza que


a s so la v a a B ahia, esses negros p o ssu íam p elo m en o s u m a c a sa p a ia m orar.
In fe lia n e n te os escrav o s asso ciad o s à irm andade n&o d eix aram rastro s.45

A lém d as p ro p ried ad es, o s testad o res d eclararam p o ssu ir alguns m ó v eis

e v á rio s escrav o s. D o s 46 irm ãos que deixaram testam en to s e inventários,

27 p o ssu ía m escrav o s (58,7% ). A m aioria d e sse s te sta d o re s tinha m ais de


um e scrav o . A p en as sete confrades (15,2% ) p o ssu ía m ap en as um escrav o .
E sse foi o caso do irm ão N icác io da S ilva C unha, natural da C o sta da
M ina, liberto , falecid o em 1815, que declarou no seu testam en to ser p ro p rie ­

tário d a e sc ra v a M aria, de n ação haussá, e “ diz só p o s su ir o dinheiro d essa


e sc ra v a e n ad a m ais.” P o b re escrav a de N icácio . E ra com um na B ahia o i­
to c en tista alguém v iv er exclusivam ente do trabalho de um ou dois escrav o s.

T er um ou d ois escrav o s não era sinônim o de riqueza, em bora rep resen tasse
um degrau acim a do lim ite da m iséria. R eferindo-se às d iv e rsas facetas da

po b reza, W al te r F raga analisa a situ ação dos escrav o s desses senhores po­

bres. “D ifícil a situ ação d esses escrav o s que, além de lutarem p ela p ró p ria

su b sistên cia, eram obrigados a carregar nos om bros a p o b reza de seu s se­

nhores. P o ssu ir escrav o s era a asp iração de m uitos, e tam bém dos que v iv i­
am à b e ira da indigência.”46

M u ita s vezes as d eclaraçõ es que co n stav am nos testam en to s eram

m uito v ag as. A africana liberta Em ereciana M aria da R essu rreição declaro u ,

em 1815, que p o ssu ía os bens que existiam em su a casa, além de ter cin ­

co e scrav o s. Joaquina F ran cisca de C am pos, da C o sta da M ina, d eclaro u -se


dona de oito escrav o s e “dim inutos m óveis.” Já M an o el L o p es P ereira, ta m ­
bém africano , era relativam ente abastado. Além de p o ssu ir algum as m o rad as

de c a sa s e um sobrado, era dono de 14 e sc ra v o s e m ais “ 1 cria que se


acha fora do seu p o d er e quer ser forro arbitrariam ente sendo aliás meu
87

cativ o .” A lib erta A na M a ria do C arm o, ex-juiza do R o sário , d eix av a com o


bens três e sc ra v a s de n ação mina, sendo eo a rta d a s i m 40$Q00 ré is “p ara
[ser] em d o is anos livre.” O p reço do e scrav o co artad o era q u ase sem pre

abaixo do m ercad o e este tinha um prazo p a ra p ag ar a quantia: “ se esta

não fo s s e paga, h av eria p erd a d a op o rtu n id ad e de se alfo rriar p o r aq u ele

p reço .” D o s testam entos que analisei dos m em b ro s do R o sário , v ez p o r o u ­

tra ap arecem escrav o s co artad o s p o r um d eterm in ad o v a lo r e que d ev eria


ser pago denLro de um prazo lim itado. E ram v a ria ç õ e s d a s cartas de alfonri-

as. R eto m an d o ao s bens de A na M a ria do C arm o , e s ta h av ia d eclarad o

ainda que p o ssu ía “ 1 breve de ouro com 3 v o lta s de co rd ão , 2 p a re s de

bo tõ es d e punho,” alguns m óveis de c a sa e ro u p a de seu uso. A sim p lici­

dade d e s s e s b ens rev ela a p o sição social do te sta d o r. E ntretanto, existiam , se


b em que m enos freqüente, v u ltu o so s b ens n as m ão s d e irm ãos do R o sá rio .47
A lguns testam en to s e inventários realm en te cham am a aten ção p ela

quantidade de b en s que registram . N ão p o r aca so algum as d e ssa s fo rtu n as


pertenciam àq u eles que ocuparam cargos na irm andade: ju iz e s, p ro cu rad o res,

consultores, escriv ães, teso u reiro s. N ov am en te reco rro aos testam en to s e in­

ventários do ex-procurador M anoel F riandes, e do ex -ju iz e escriv ão M an o el

B oinfim G aliza.
M anoel F riandes d eclarou p ossuir, em 1902, ano do seu testam en to e

inventário, dez casas térreas esp alh ad as p elo T o ro ró , e um a à rua do jo g o


do L ourenço (distrito de N azaré). As p ro p ried a d es estav am av aliad a s em

6 :715$000 réis. O s m óveis (m obília de ja c a ra n d á , m esa p e q u en a ,so fás, c a d e i­


ras) valiam -IG^JOOO réis. E sses eram seu s bens. S ua fortuna era de
7:12 0 $ 0 0 0 . L evando em co n sid eração a cla ssific a ç ã o d as fo rtu n as em S a lv a ­

47 Citando Stuart Schwartz, a historiadora Maria ]riés Oliveira afirma que "a coartacion" era um esta­
tui o legal da América esparihola “que permitia ao escravo exigir a fixação de um preço ju sto para
•!>ic trabalhasse e pudesse romprar s*ua liberdade ” Entretanto, a autora desconhece corno funcionava
iiiki ii'ii>,:'io no I'r;::;i! "]’( lo que pudemos inferir dns testamentos, o esciv.vo coartado titdia seu
o fr/.íido. não sal •»•mos- s> a seu pedido ou pela voiftad* do p r o p r ie tá r io ” Ver Ohvcira. O h b e r -
i ...,| Z^ . v , T Uml" m / J i j : . M fis : 1-1 K v/ 1>-1 í , JJ-.T .Hs ! OS-1 11 '1 s." LRT 5. fls 203-
88

d o r p a ra o p erío d o 1801-1889 p ro p o sta p o r M a tto so , o ex -p ro cu rad o r era um

baiano de fo rtu n a m ediana. M anoel G aliza e sta v a em m elhor situ ação . S u as

p ro p rie d a d e s em 1908 fo ram av aliad as em 3 3 :0 0 0 $ 0 0 0 . S om ados ao s m ó ­


veis, q u e v aliam S0S000 réis, seu patrim ônio e ra um a v erd ad e ira riqueza.
M esm o le v an d o em con sid eração que os v alo re s no final do sécu lo XIX e
início do X X fo ram co rro íd o s p ela inflação, a fo rtu n a d e sse s ex -m esário s
era co n sid erá v el.'18

O inventário d o ex-tesoureiro Januário C arneiro, durante os anos de


1856-57, av a lia m óveis, pro p ried ad es, além de algum dinheiro no B anco,
M ercan til e na S o cied ad e do C om ércio, no v a lo r de 1 9:699$000 em 1874.

T am bém p o s su ía um a fortuna m éd ia alta. M a io r fo rtu n a era do ex-


p ro c u ra d o r geral da m e sa de 1861. Entre m ó v eis, e sc ra v o s e p ro p ried ad es,

A ntonio X a v ie r de Je su s p o ssu ía 4 9 :3 7 0 $ 0 0 0 em 1872. E s s e s foram os m e-


sários afo rtu n ad o s do R osário. P o d eria arriscar o p alp ite de que esses eram
m ais afo rtu n ad o s do que aq u eles da prim eira m etad e do sécu lo XIX, m as a

falta de d a d o s me im pediu de fazer co m p araçõ es.49

Em 1844, o africano liberto e ex-juiz do R o sário , M axim iano F reitas

H enriques, d e clarav a que não p o ssu ía bem algum , além dos seis escrav o s

que deixou fo rro s e um a escrav a co artad a no v alo r de 50$000 réis. Já a

ex-juíza A na M arg arid a T eixeira de M en ezes, lib erta, era m ais m odesta. P o s ­

suía ap en as quatro casas. Efigênia M aria de O liv eira, africana e ex-juíza

das im ian d ad e s do R osário das P ortas do C arm o do R osário da C o n ceição


da P raia e d a R ed en ção declarou ter m óveis sem valo r e cinco escrav o s.

A credito p o d e r concluir que os m esário s eram p e s s o a s relativam ente rem e­

diadas. O s dem ais confrades, que não aparecem nos testam entos e nos in­

ventários, p odem rep resen tar aquele estrato da p o p u la ção baiana que vivia
89

na p o b reza. W alter F rag a re ssa lta que o fato de não p o s su ir escrav o s e v i­

v er do p ró p rio trabalho era sinal de extrem a p o b re z a .50

O s co n frad es do R osário co nseguiram su sten ta r a v id a m aterial da

irm andade. Se a irm andade so b rev iv eu isso se d ev eu em p arte a ad m in istra­

ção eco n ô m ica dos m esário s. O dinheiro ou a fa lta d e sse trouxe inúm eros

ab o rrecim en to s p ara os confrades, p rin cip alm en te p a ra os te so u reiro s. A ir­


m andade tinha seu s lim ites na p ró p ria p o b reza d o s m em b ro s e naturalm ente

o s p ro b lem as cotidianos de so b rev iv ên c ia estav a m p resen te s n a asso ciaç ão .


E não p o d e ria ser diferente, p ois a asso ciaç ão re fle tia a so cied a d e baiana.
M a s o q ue to m a e ssa h istó ria adm irável é o fato de u m a irm andade co m ­
p o sta p o r negros geralm ente p o b res ter su b sistid o tão longam ente.
90

CAPÍTULO IV

FUNERAIS, FESTAS E A DEVOÇÃO DO ROSÁRIO

U m a d a s fu n çõ es d as irm andades era a o rganização de fe sta s relig io ­


sas e flineraiu, EapeldoulDs divefSòg, eeecs: ÔVeutoa oon&tltuí&m momôMloa
esp eciais no calen d ário delas.
O s rito s fú n eb res ocuparam lugar de d e sta q u e na B ah ia oito cen tista.

M o rrer com p o m p a e cerim ônia era sinal de que o m orto não era q u alq u er

um, re p re se n ta v a p restígio. R ico s e pobres, b ran co s e negros, livres, lib erto s e


até e sc ra v o s b u scav am esse fim. A atração que os b aian o s tinham ou ainda

têm p e la m orte cham ou atenção dos estrangeiros q u e v isitaram a B ah ia n e s ­

se p erío d o . T ho m as Lindley escrev eu que um dos p rin cip ais d ivertim entos

da p o p u la ç ã o eram os “su n tu o so s fu nerais.” O s co rtejo s fú n eb res se tran s­

form avam , à s v ezes, em verd ad eiras p ro cissõ es. D e aco rd o com Jo ão R eis, a
m orte era um a festa, p orque “p ara os baianos m orte e fe s ta não se ex clu í­

am .” 1

A s atitu d es diante da m orte revelam asp ecto s rela cio n ad o s à m en tali­

dade relig io sa e ou tro s tem as. Os testam entos fornecem inform ações a r e s ­

peito de p e d id o s de sufrágios, de local de enterro, de in tercessão dos santos.


E stu dar a m orte significa entender um p o u co m ais sobre irm andades relig io ­

sas. B asta lem b rar que, em 1836, as irm andades relig io sas p ro m o v eram um a
revolta contra um cem itério, pertencente à iniciativa p riv ad a, que retirav a

dessas a s s o c ia ç õ e s o direito de enterrar os m ortos em seu s tem p lo s. A lém


91

da m u d an ça do antigo costum e, as irm andades deix ariam de arrecad ar parte


• • • 2
de se u s re cu rso s, p ro v en ien tes d esse tip o de serv iço .

P reten d o aq u i d e sc re v e r as atitu d es dos irm ão s do R o sário frente à


m orte. Q u e p e d id o s faziam m ais freq ü en tem en te? O n d e d eseja v am se r se p u l­

tad o s? P ed ia m o acom panham ento de o u tras irm an d ad es? P ed iam funerais

p o m p o so s? E s s a s e o u tras q u estõ es serão re v e la d a s à m e d id a que co n h ecer­


m os os se u s testam en to s. Juntam ente com o s testam en to s, o s com prom issos

n ovam ente se rã o fo n tes n ece ssárias p a ra entender com o a irm andade tratav a
d a m o rte d o s se u s asso ciad o s. Em um outro m om ento os rito s fü n eb res não
serão festa, m a s m o strará o seu lado m ais aterrorizante. As ep id em ias da

segunda m e tad e do sécu lo XLX aboliram o co stu m e d o s en terro s nas igrejas,


p ro v o can d o m ud an ça nas atitu d es d o s b aian o s d ian te da m orte. E as irm an­

d ad es seriam as m ais afetad as.


A s fe s ta s d o s santos cató lico s serão tam bém a n alisad as n este capítulo.
A d ev o çã o a N o s s a Senhora do R o sário e outros san to s, p rincipalm ente São

B enedito, S anta E figênia e N o ss a Senhora d as D o re s, san to s co n sid erad o s

m ais hum ildes, eram m ais p o p u la re s entre os irm ãos d as co nfrarias negras.

O m om ento da festa cató lica era tam bém m om ento de congraçam ento, além

de lazer e divertim ento.

A ssim com o a m orte, a fe sta p o ssu ía seu ritu al. S erm ão, novenas, m is­
sas e, principalm en te, a p ro cissão constituíam esp e tá c u lo s p ú b lico s. N e sse s

m om entos, os negros do R o sário reafirm avam seu estilo de cultura religiosa,


ex p ressav am um a fé que se aproxim ava m ais de um cato licism o baiano do

que d aq u ele de R om a. A rom anização da segunda m etad e do sécu lo XIX


v isav a controlar, entre o u tras co isas, o saliente lado p rofano d essas festas.

1 Sobre o movim ento de Cemiterada de 1 8 3 6 na Bahia, ver: T:e'ns,A m orte ê um a fe s ta . Katia


Mattoso e Maria Inés de Oliveira Iraballtaram corn os testamentos de lil.wtus no século XIX Aí.ra-
deles as a\i'orar r c r onf.t)t'i'-m as; atitudes dos hheilos diante da moru- Ver espi-r ialmentc
!"j.j!!l’í .\ . t ' itj '■'*('<i.\ ‘ ( V !:! ■( f i' - >i1 ■' XLW o:1/'' j Joi', ‘TL! vJFE1di-
i'V.. ■- ]:.*>< :t i 1;,i11i t : ci:t’!i; ■j í '. 1 :
92

T en tav a-se im por u m a religião m ais ortodoxa, sem m u ito su c e sso . A tu alm en te

sag rad o e p ro fan o se com plem entam n essas m an ifestaçõ es.

C om o j á foi visto no cap ítu lo anterior, a situ a ção fin an ceira restringiu a
pom pa & o luxo d as festiv id ad es em m om entos de crise. M a s , nem por
isso deix av am de ser realizadas. O s com prom issos re ssa lta v a m a im portância

das fe stiv id a d e s n a irm andade. A través deles foi p o ssív e l te r id é ia de com o

os irm ãos organ izav am as festas da san ta p ad ro eira. M as v am o s co m eçar


p e lo s funerais.

IR M A N D A D E S E F U N E R A IS
C om o aco n te c ia nas confrarias de brancos, o s co m p ro m isso s d a s d iv e r­

sa s irm an d ad es negras b rasileiras tam bém assin alav am a im p o rtân cia do fu ­


neral p a ra se u s asso ciad o s. P elo estatuto do sécu lo XVIII, a irm an d ad e do

R o sário d e R e c ife era obrigada a realizar o enterro d o s filh o s d o s irm ãos,

“ com tu d o quanto se faz p o r seu s p aes excepto M is s a .” E m 1765, a irm an­

d ad e do S enhor B om Jesu s dos M artírios, da cid ad e d e C ach o eira, d ed icav a


um cap ítu lo do seu estatuto ao enterro d o s irm ãos. Q uando fa le c e s s e algum

m em bro, a irm an d ad e acom panhá-lo-ia “ com cruz na form a que se pratica,

com posto com su a s velas ou tochas, e com su as ca p a s [...] e o m esm o se

fará ao s filhos dos irm ãos cm local previam ente destin ad o : “ do A ltar do

Senhor p ara b aix o .” P ara aq u eles que não fo ssem irm ãos e q u isessem ser

aco m p an h ad o s p ela irm andade, “ darão de esm ola p ara ella do n s mil ré is .” 3

A trav és do com prom isso de 1820, do p rojeto de co m p ro m isso de 1872

e do e statu to de 1900 é p o ssív el verificar com o a irm andade do R o sário

das P o rtas do C arm o prom etia tratar dos seus m o rto s no d eco rrer do sécu lo

XIX.

' ,,f ' o m p r o m i s s o d a I r m a n d a d e <W H 3 d o R o s á r i o d o s h o m e n s p r e l o s da V i l l a d e 3 Ai i i f t r u o d o


d' dr 1'f-r cim i! -t k ( 1 7' miij ■:’< n u s ' * dii InuJiTidiidf dr> 'V jiiiM r I. o in Ji-íiu r d^s M n il in o ! : d;i
"i li; 1"-1' 1H l i I I ' , : , I 11. 1, ] “ •
d,: 1 r i I i! M ' 1 í A i J ]V' V , 7 ) ii / - > .'h i'f.'■i ’*< >f 1
> . tfihj! H tU Zll:

í-hst^rv, KYw Yor>:. 197'.'., \ : .--s »■ j, Z~ ]


93

Q uando o m em bro de u m a irm andade fa le c ia , to d o s os dem ais a s s o c i­

ados tinham obrig ação de acom panhá-lo em g rande estilo. E ra um sinal de

so lid a ried ad e p a ra com o defunto e seu s fam iliares e, so b retu d o , um g esto


de carid ad e cristã. E m 1820, o com prom isso d eterm in av a q u e “ quan d o q u a l­

quer irm ão fa lle c e r, e fo r enterrado no acto d a Irm andade se c o n v o ca rá e s ta

no m a io r núm ero que p o d e ser.” O s irm ãos v e stia m a ro u p a d a confraria:

“to d o s com su a s capas, e v ellas em d u as alias co m o E sq u ife, guião, e


m anga, irão b u s c a r p ara C a p e lla onde se rá enterrado; e não fa lta rá sahir
com o E sq u ife o C ap ellão , ou outro q u alq u er S acerd o te a seu ro g o .” A lém
disso havia os su frág io s que a irm andade celeb rav a. A p ó s a m orte, a s m is ­

sas d ev eriam se r rezad as p e la alm a do asso ciad o . A q u an tid ad e de m issas

e sta v a diretam en te ligada ao cargo que o fale cid o tiv esse o cupado.

“Pelo que tiver servido os Cargos de Jui­


zes, tendo pago a sua promessa, se lhe di­
rá dez Missas:o que tiver sido Escrivão, e
Thesoureiro, na mesma conformidade: o Es
crivão oito Missas; igual ao Thesoureiro:os
os Procuradores e Consultores terão sete:
o que só tenha sido Irmão cinco M issas[...]”4

M esm o a p ó s a m orte a h ierarq u ia era m antida. A q u eles que exerciam

algum cargo não deveriam em h ipótese algum a fa lta r a e sta s so len id ad es.

E ra estritam ente p roibido p o rq u e “com o ca b e ç a s d a M esa devem se r ex em ­


p lares e não o m isso s.” In sistia ainda o estatu to que os ju iz e s “nos enterros

dos Irm ãos fa lle c id o s terão to d a a esp ecial deligencia em não faltarem ; p o r­
que além de se r acto da obrigação do cargo q u e exercem , tam bém o hé de
charidade, que se deve p raticar com o últim o b en eficio que receb em [os

m ortos] dos que ficão vivendo.

“ “C om prom isso da lrrnaridade de H S do Rosário das Portas do Carmo [ 1 820],” cap.XXI: “Do enter­
ramento e M i s « * dos lrruSos fallecidos,” c x l . d o c 1. fl ? 1, rriss. A l H S.F.
“ • '’ M i i j - r o r i í i v s ; ! ' [ ’ M o ] . <; i p IX “ D i > O f f í ' ir> d ó : . J u i t p ü jí; o b n ^ ri'; ò e s , ” c x 1 . d o c ] , fi 2 0 v, r n s s .
.u k :-]-.
94

O estad o de p o b reza d o s irm ãos não o s ex clu ía do direito a um fu ­

neral decente. R e z a v a o com prom isso que “fallecen d o co m efeito no estad o

de p obreza, s e rá enterrado p e la Irm andade d a m e sm a fo rm a que o utro q u a l­


q u e r Irm ão q u e a fo rtu n a o co n stitu ísse em ab u n d an c ia d e b en s, e lhe d ará

p elo am or d e D e o s hum a m ortalha bran ca.” A m o rtalh a b ra n c a era u m a d as

ro u p a s m ais p e d id a s p ara os enterros, era tam bém a m ais b arata. N o início

do sécu lo , à ex ceção do núm ero de m issas, a irm andade g aran tia a igualdade
de to d o s na hora da m orte, m as posteriorm ente isso m u d a ria .6
N o p ro jeto de com prom isso de 1872, u m a d as o b rig açõ es d o s irm ãos

era “p restar-se ao acto de acom panham ento do irm ão que fallecer, e por
m eio das o ra ç õ e s conhecidas, im plorar a salv ação de su a alm a [...]” O p ro je ­

to tam bém d ed ico u um cap ítu lo aos rito s fúnebres

“Logo que fallecer qualquer Irnrâo, os sinos da ca


pella darão os signais fúnebres do estillo, sendo em
horas permettidas pelas leis canônicas e municipais.”7

O s irm ãos falecid o s tinham direito à enco m en d ação e acom panham ento

da irm andade, a carneiro, m issa de sétim o dia, “ co n v id ad a por carta sua

fam ília.” Isso quanto aos irm ãos em dia com seu s d ev ere s fin an ceiro s, com
su as m en salid ad es. Q uanto ao asso ciad o que m o rresse em estad o d e p o b re ­

za e sem p arentes, a m esa p rom ovia seu enterro ap en as “ de aco rd o com a

econom ia do cofre da Irm andade, dispendendo até a q u an tia de trinta mil


re is,” para os irm ãos que tiv essem m ais de um ano na Irm an d ad e.8

O funeral constava tam bém no com prom isso de 1900, e com d ireito s
am pliados a m em bros da fam ília do asso ciad o . T o d o irm ão tinha direito à

sep u ltu ra, bem com o “ seus filhos legítim os ou leg itim ad o s p o r lei até a ida-

* “C om prom isso ... (1820], cap.XXHl “Da Cliaridude que se praticara com o* Inriflos doentes, pobres e
f j i i t a r c e r a r l o s r c x 1, d o e 1, f i . 3 3 . n i s s A . L N S R
' “J r o je t o de <.ornj»romisscr [ 1 &72], cap 17 "Dos S uffrépos que ter&o os irrn&os falecidos,” cx.1,
•k''. 2 , |'j --17 - 4 S, i : iss A.1 3.R
“> O [1^ 72 !, ca!11 i ,1-47
95

de de 12 annos.” E s s a era u m a n o v id ad e que o estatu to trazia. D e novo


exigia-se o acom panham ento da irm andade no funeral. C a so e s ta tiv esse
condições, u s a v a -s e o carro funerário no trajeto fünebre. C u sto so , o carro no

trajeto fú n eb re e ra sinônim o de eleg ân cia e o sten tação , tendo sido seu uso
difundido ao longo do sécu lo XIX. R ezav a ainda o estatu to que o m orto

p o ssu ía d ireito “ ao s dobres de sinos, a to d o s os su frág io s p riv ativ o s d a O r-


dóm & a m issa de 30 d ias.” C o n serv av a, com o nó co m p rem isso de 1820, a

c eleb raçã o do d ia d o s m ortos. E ssa com em oração era re a liz a d a n a prim eira

segunda fe ira do m ês de n o v em b ro .9
A v isã o d o s africanos so b re a m orte era tão com p lex a quanto a do
catolicism o b arro co . A m orte era en carad a com o p assag em , um a m u d an ça de

estad o e de p lan o de existência. P ara os nagôs, p o r exem plo, a m orte é um a

p assag em do àiy é p ara o òrun. “ O òrun é o esp aço so brenatural, o outro

m undo. T ra ta -se de um a co n cep ção ab strata de algo im enso, infinito e dis-


tan te[...J O òrun é um m undo paralelo ao m undo real que coexiste com

to d o s os c o n teú d o s d este.” O s ritos fúnebres seriam os resp o n sáv eis pela

passag em tran q ü ila a este m undo p aralelo . “O m orto que não rece b e os c u i­

dad o s n e c e ssá rio s, corre o risco de p erd er su a id en tid ad e no cam inho que

deverá levá-lo ao O m ni e transform ar-se em Egum errante p elo m undo.” 10


A trav és do relato dos testad o res m em bros do R o sário , p u d e p erce b er

que a m orte “ cató lica b arro ca” tam bém era com plexa, os rito s eram im p res­

cindíveis na cerim ônia. Os testad o res tinham extrem ada p reo cu p a ção com
seu s lim erais, no que náo diferiam do costum es p redom inante na ép o ca en­

tre to d o s os b aian o s. V erifica-se que a boa m orte só era p o ssív el atrav és


de su as irm andades. P ara libertos e escravos, p erten cer a um a confraria

dava direito ao s ritos fúnebres. O negro que não tiv esse esse direito podia

ser enterrado em cem itérios co n sid erad o s de p ag ão s. O m edo de ter seu

0 " ’.'otiij-roiriifst.» d;j V rn e rá v H O rd em do R o s á r i o ,” cap 4- a l " 1 2-1 5-1 S, ex 1. doc.3, nirs. A 1.1-1 E.R
lc .'jdii l'il" !!i dós r r I ,ï < , ''Vi> ï', j ‘I S-?, pp 5 - 54
? vm<s' t ;i ii io r u ;uj ri Ohvt ira. C .'j ' v r'.<■... p ?0
96

corpo en terrado n esse tip o de cem itério levou, p articu larm en te, m u ito s e s c ra ­

v o s a se a sso ciare m às irm andades. N e la s o negro m o rria c erc ad o d a fam í­


lia ritu al, além d a certeza, de, com ela, p a s s a r ao a lé m .11
A trav és d as irm andades, o funeral se tran sfo rm av a num ritual signifi­

cativo. E las se resp o n sab ilizav am p o r b u sc a r o m orto em s u a resid ên cia,


acom panhá-lo, sep u ltá-lo e rezar os sufrágios n e c e ssá rio s p a ra su a alm a. O
te stad o r d eclarav a, na m aio ria das v ezes, que a irm an d ad e de sua esco lh a

d ev eria acom panhá-lo. E sse fo i o c a sa d a lib erta M a ria de F re ita s G u im a­


rães, de n ação je je , que p erten cia às irm andades do R o sário do C arm o e de

S ão B enedito. E la declarou em 1830 que “ se no d ia do m eo falecim en to a

d ita m inha irm andade do R o sário , deixar de m e v ir b u s c a r as h o ras p ró p rias,


isto é, até a s oito horas d a noite serei im ed iatam en te en terrad a no convento

do glorioso p ad re Sam F ran cisco na m inha irm andade de S ão B en ed ito .” 12

M a ria de F reitas G uim arães dav a p referên cia ao aco m p an h am en to da irm an­

dade do R o sário , m as d esco n fiav a que esta lhe p u d e sse falhar.

O enterro devia sem pre oco rrer de acordo com a v o n tad e do testad o r,

havendo algum as vezes conflitos e d esco n fian ças qu an to à p re ste z a do s e r­

viço d a confraria. A s vezes surgiam d isp u ta s entre a irm andade e paren tes

dos falecid o s. Em ju lh o de 1855, G eraldo das M e rc ê s, tendo dado ao e s c ri­


vão da confraria a quantia de 8$000 réis para que o enterro de seu afilh a­

do fo sse realizad o na própria asso ciação , não viu o serv iço realizad o p orque

a irm andade alegara que to d o s os seu s carneiros estav a m o cu p ad o s. O se-


pullam ento aconteceu no convento de São F ran cisco , m as “ a irm andade não

fez acto algum e nem sep u lto u -se o dito c a d á v e r.” G erald o d as M e rc ê s

exigia o dinheiro de volta, um a vez que a confraria nada fizera. O s rriesári-


os do R o sário não quiseram pagar e o su p lican te levou o c a so as au to rid a ­
des 1:<

11 R e i i ' , A m o rte i í-
l» i c f c i l a ...]' 1
3.)V tv ']•; I- * w c t r o 'Ji- 7 t i!taiin ?n > o í ( I , K T 5 Í V . F L S 2 í “ /2 7 5 - ií> '.'ü
’ ' /-A 14 " T>. "’.•n o-lí-n- ií« \ 2 2 . >io- 0 .'- '
97

N ã o fo i p o ssív e l sa b e r o desfecho da h istó ria acim a e nem conhecer

a v e rsã o d o s irm ãos. O d o cum ento não esclarece se G erald o d as M e rc ê s

e ra m em bro do R o sário , ou se apenas q u eria que seu afilhado fo sse en ter­

rado n a ig reja de s u a sim p atia. D e q u alq u er form a, aparentem ente, a co n fra­

ria fe z p o u c o c a so do fu n eral do m enino. U m caso de negligência, talvez.

P o r o utro lad o , h o u v e c a so s em que a irm andade cu m priria seu p ap el


sem se r reco n h e cid a. E m 1872 faleceu o p o rtu g u ês Jo aq u im C u stó d io F e r­

nandes, q ue p ed iu em testam en to ser levado p a ra sep u ltu ra p e la irm andade


do R o sário , “ p a ra cujo fim d eix av a a esm ola de cem mil réis (ÍOOSOOO).” O
te stam en teiro do fale cid o h av ia com unicado à co n fraria que o enterro seria

às 4 h o ras d a tard e. O s in n ã o s do R osário se p rep araram p ara a o casiã o e

foram b u s c a r o co rp o do fale cid o em su a resid ên cia. P a ra su rp resa de to ­


dos, o defunto j á h av ia sid o levado de carro. A irm andade exigiu do te s ta ­

m enteiro o “ p agam en to d a d ita esm ola, visto te r a Irm andade com prido seu

d ev er.” O te stam en teiro neg av a que a irm andade co m p arecera a resid ên cia

do fa le c id o . O s m e sário s exigiram do prom otor su a interferência, que deu o


seguinte parecer:

“A ser exacto como parece, o que consta dos do


cumentos juntos a Irmandade apresentou-se a hora
para levar o cadáver.e portanto tem direito a haver
o legado deixado pelo testador.”14

A v o n tad e do m oilo não foi cum prida e os in n ã o s do R o sário exigi­

ram na ju s tiç a e obtiveram o dinheiro que lhes p erten cia. T a lv e z o fato de


um p o rtu g u ês ser levado a sepultura por um a confraria de negros p u d esse
ser bom p a ia su a alm a, m as não a,gradasse p aren tes ou p atrício s. N ão seria
socialm ente p restig io so e assim decidiram co n u a o d esejo do m o n o .15

q 2 K Tr--;.'ic ,h ’'O, 24 rir III..vriübro ór 1 *72. -.r. Oí, d«c 4, S>í-9?


98

E m novem bro de 1894, a v iú v a M a ria E d u ard a de A raújo ex ig ia dos

m e sário s do R o sário a quantia de 30$ 0 0 0 ré is que o seu m arido L eopoldi-

no, confrade d a irm andade, h av ia dado com o jó ia de en trad a p a ia co m p ra de

um carneiro. O m arido faleceu e a irm andade não p ro v id en cio u seu enterro.


O te so u reiro resp o n d eu ao oficio da dita viú v a, relatan d o o seg u in te:16

“No dia 20 do passado chegando eu em casa às 9 horas mais ou


menos,disse-me minha mulher aqui veio um homem dizer que morreu
o Sr. Leopoldio e que vinha ser depositado na Igreja, no dia seguinte
porém,eu fui na Igreja e dei logo as providências necessárias e fiquei
a espera de pessoas competentes que viesse declarar o que havia de
verdade, não dignando-se a comparecer pessoa alguma da família, jul
guei eu que houvessem tomado outra deliberação, porém depois desta
hora, encontrado eu com o Sr. Bebiano Soares, na rua direita do Co
llégio com uma caixa de capella perguntei: Você vai de capella quem
lhe faltou? disse-me elle meu padrinho Leopoldino, então disse eu a
elle ter recebido um recado hontem à noite, e até esta hora sem con
firmação alguma[...] elle disse-me que o finado havia declarado os se
us desejos a respeito a Ordem do Rozário, já vê que esta falta foi
pelo lado de quem quer que seja, e não da Innandade,então pedia eu
que fizesse sciencia a família que até esta hora ignorava tudo [como]
não tinha carneiros abertos, e era impossível aquella hora [abrir], disse
eu ao Sr.Bebiano neste caso não paga? eu também lhe respondi,paga".

A so lu ção encontrada foi a com pra de uni carneiro na irm andade do

Senhor dos M artírio s, tendo a innandade do R o sário se co m prom etido com o

pagam ento. E xplicou, ainda o tesoureiro, que p o r d iv e rsas v ezes q u is pagar

o carneiro e o dito B ebiano sem pre deixava para d ep o is. O teso u reiro afir­

mou que tudo não p assara de um mal entendido e que a irm andade cu m ­
prira seu pap el e p o r isso não devia nada à viúva.

E star em dia com a in n an d ad e do R o sário garan tia um a m orte segura.

C aso contrário, o innáo era olhado com d esco n fian ça. A organização dos
funerais estav a, na m aioria das vezes, co n d icio n ad a à d isp o n ib ilid ad e finan­
ceira. Em 1850, os m esários do R osário afirm aram que os filhos falecid o s
(.los irm aos som ente teriam direito à sep u ltu ra, caso a joia do m em bro a s ­
99

sociad o tiv esse sido quitada. E no caso dos irmãos m esários que não tiv e s ­

sem “com pleto o anno de seu emprego, e que no m eio d ’elle faleça-lhe o
filho, para poder fruir da referida graça, pagará logo sua jó ia .” 17

O s con flitos aconteceram, na maioria das v eze s, envolvendo parentes do


morto e irmandade. Em alguns episódios, o morto não teve sua vontade

cumprida. O morto determinava no seu testam ento, os seu s d esejos, e cabia

à irmandade cum pri-los. Quando isto não acontecia, a confraria era acusada
p ela fam ília do falecido.

A v o n ta d e d o s irm ãos
A u to res com o K atia M atto so , M aria Inês O liv eira e Jo ão R eis j á a s s i­
n alaram a im p o rtân cia dos testam entos com o fo n tes im portantes p ara an álise

do com portam en to diante da m orte, quando “ certo s su b terfú g io s e m entiras

s o c ia is d esa p a re c e m e revelam -se os seg red o s q u e se esco n d iam no fundo

do c o raç ão ou d a m em ória.” 18

Q u ase sem p re os testam entos co m eçav am com : “ em nom e de D eu s, ou

do “ P a ï 'e “ do F ilho," “da S antíssim a T rin d ad e.” E m seg u id a o te sta d o r ex­

p lic a v a p o rq u e redigia o testam ento. A liberta R ita P ereira do N ascim en to

C am pos, irm à do R osário, em seu testam ento datad o de 1827, d eclaro u :


“ estan d o em m eu perfeito ju ízo , e entendim ento, m olesta de cam a te m en d o ­

m e da m orte e desejan d o por minha alm a no cam inho da salv aç ão , p o r não

sab er o que de m im D eo s quer fazer e quando será serv id o lev ar-m e p ara

sy faço este m eo solenne testam ento na form a seg u in te.” A d o en ça e o

m edo do p ó s-m o rte fez com que Rita p rep arasse seu testam en to . C u id o u dos

se u s h erdeiro s, quitou su as dívidas com a irm andade, reso lv eu o u tro s a s s u n ­

tos m undanos antes de p assar para o outro m u n d o .19

*' A.1.1J 3 K C o iT esp in id ÊT ic ias, 17 <Je m;-tr<r o <Je 15*50. <x 2 .\ rJuc 0 1 -f
" M :it* i 7 'c 'it - m u n l ele c - c n w " 11 . v< r i <lr 1 ' !. t ( n
!-.r •: , ■! -U- , u!-,-; ...

} 1 ] 1 .<, j : s 1f. 2 1 ■' ^ 2 >


100

O destin o da alm a era a p rincipa p re o c u p a ç ã o dos te sta d o re s. A


m aio ria d e le s a íirm a v a tex tu alm en te tem o r da m o rte. O ex-juiz d o R o sário ,

F ran cisco M artin s A fonso, inicia seu testam en to d a seg u in te form a:

“Em nome de Deos Amém. Eu Francisco[...]desde o


batismo, e por isso firma na fé[...]e que também invo
co ao Santo nome, e ao anjo da minha guarda e que
estando em ineo perfeito juízo e temendo a morte or
denei o presente meo testamento na melhor forma do
direito e maneira seguinte.”20

O s p o b re s e m endigos, tam bém a p ed id o do te stad o r, aco m p an h av am


os funerais. Os testam en to s ex p ressav am assim o sentim ento de p ie d ad e.

“Em tro c a d as esm o las os b en feito res p ed iam q u e o s in d ig en tes o s a c o m p a ­

nhassem até asep u ltu ra e rezassem p e la salv aç ão d as su a s alm as p e c a d o ­

ra s.” 21 Em 1811, a ex-juíza do R osário, A na M aria do C arm o , afriesma, p ediu

que 16 irm ãos p o b res acom panhassem seu enterro e em tro c a c a d a um r e ­


ceberia a esm o la de 4$000 réis. Isso dem onstra que ela não era p o b re e
rev eia ainda um a hierarquia dentro da in n an d ad e. A ex -m esária p e d ia um
funeral digno da sua p o sição . A lém de p ed id o s p ara aco m p an h am en to de

enterro havia aq u eles que exigiam ser carreg ad o s p e lo s p o b re s e m endigos.

E sse foi o caso do liberto, e tam bém confrade do R o sário , Jo aq u im L ouren-


ço. Ele declaro u que gostaria que seu c o tio fo s se carreg ad o p o r “ qu atro
irm ãos m en d ican tes, dando a cada liuin dez to s tõ e s.” Em 1872, a ex-juíza do
R osário, Ana M argarida T eix eira de M enes' ... exigiu seu enterro co m d e c ê n ­
cia, m as sem luxo, e o seu co ip o conduzido “ a m ão p o r p e s s o a s p o b re s .” 22
A africana Ignácia F ern an d es dos S antos, lib erta, d eclaro u em seu Ie s ­
tam ento de 1827 que queria ter seu corpo conduzido p ela irm an d ad e do

R osário e sep u ltad o na porta principal da igreja. Sinal de p restíg io ? T alv ez.

.'.VK! 1]■T Zt'. !!;: 1 ^ 1(• 2<-


101

A en tra d a de u m a igreja é o prim eiro p asso em d ireç ão ao e sp a ç o sag rad o .

C ertam en te a african a d eseja v a que s u a m orte e stiv e sse p resen te n a m e m ó ­


ria d o s fié is e co n frad es do R o sário . O utros te sta d o re s não e sp ecificara m o

local exato da sep u ltu ra. A ssim , em 1825, G ertru d es do E sp írito S anto, irm ã
de cinco irm an d ad es, entre elas o R osário las P o rta s do C arm o , determ inou
que seu co rp o fo sse enterrado no convento dos R elig io so s do C arm o , ,na
irm andade de Je su s M aria José, m as as dem ais co n frarias seriam a v isa d a s
p a ra o acom p an h am en to do féretro. A esco lh a p o r u m a irm an d ad e n a h o ra
do sep u llam en to aco n tecia devido a v ário s fato res: sim p atia do irm ão, m en o ­

res tax as de se rv iç o p o r ser confrade há m ais tem p o . A p referên c ia in d ica­


v a tam bém o p restíg io da irm andade p eran.e se u s m em b ro s ou sim p a tiz an ­
te s .23

A m ortalh a tam bém fazia parte do ritual do enterro. A s C o n stitu içõ e s


P rim eiras p ro ib iam o luxo e a v aid ad e na<; ro u p a s dos defu n to s. O liv eira

afirm a q ue o co stu m e de ser am ortalhado 110 h áb ito da Irm andade à qual se


pertenci« era com um ;t todas as cam adas so ciais, “ e seu sig n ificad o era e x ­
prim ir a ig u a ld ad e ao nível de sua p o sição e a d iferen ciação ao nível da

so c ie d a d e g lo b a l/’ P ed ia-se m uito p aia ser en terrad o em hábito fran ciscan o


e em m ortalha bran ca. D o s 37 testam entos c o n su ltad o s de lib erto s p ara a
prim eira m etad e do século XIX, apenas cinco te sta d o re s não esp ecificara m
com q ue v estim en ta gostariam de ser enterrados; dezo ito esco lh e ram o h áb ito
fran ciscan o , nove a m ortalha branca, dois lençóis, um hábito b ranco com véu
prelo, um h áb ito da irm andade e um hábito d as relig io sas da S o led a d e. O
hábito fran cisc an o sim bolizava a pobreza, a hu m ild ad e, daí a p referên c ia d o s
te stad o res. O u so da m ortalha branca pode ser en tendido em p arte com o um

costum e a lrican o , que tinha nesta a cor da m orte, m as é tam b ém p re c iso

lem brar que o b ran co era cor cristã: “havia um a re la ç ã o m ais d ireta com o
b ian co do .Santo Siulaiio, o pano que ciivoIvl-u o c ad á v er de C risto e com
102

o qual ele m ais tarde ressuscitou e ascendeu ao céu .” O liveira aventa duas
h ip óteses para explicar obso costum e: o sig ..ficado africano da cor e a outra

o fato de que p esso a s que não tivessem com o adquirir o hábito francisca-
no, cHmielita ou qualquer outro, escolhiam a mortalha branca, por ser m ais
barata.24

Ainda que a nova terra o ferecesse novos costum es, certamente no m o­

mento de se recriar novos comportamentos, novas atitudes, os africanos apro­

veitavam muito de sua tradição. E isso ficava m ais expHcito na hora da


morte. N a preparação do encontro com o civino, com os ancestrais, a heran­
ça cultural ainda que tímida se apresentava
Os su frág io s p ara o s m ortos, p aren tes, am igos e ex -p atrõ es tam bém
estav a m na lista d e p ed id o s d o s testad o res. A s m issa s garantiam um bom
destino p a ra a alm a. C om o já foi v isto no cap ítu lo anterior, as m issas fú n e ­

b re s eram a s p e c to im portante na eco n o m ia n a te r ia l d a irm andade. A s m issas

p u rificav am a alm a do p eca d o r, ab rev ian d o sua p assag em p elo p u rgatório.


O s p e d id o s de m issa s de corpo presente, ' m arcav am a se p a ra ç ã o do m orto

d o s v iv o s .” E a s irm andades cuid av am de celeb rar as m issa s im ed iatam en te


a p ó s a m orte do irm ão. N o cap ítu lo X X do estatu to de 1820 da irm andade

do R o sário d as P o rtas do C arm o, co n sta um a lista de to d a s as m issa s da

confraria, entre os q u ais d eslac a-sc a m issa dos finados, com p ro c is s ã o .2'1

O s su frág io s estav am p resen te s não apenas na hora da m orte do irm ão,


m as aco m p an h av am o cotidiano da irm andade em o u tras o casiõ e s. Em 1852,
a v iú v a do ex-irm ão do R o sário , M arcellin o dos S antos Lim a, p ed iu q u e a
irm andade c e le b ra s s e m issa p elo an iv ersa rie de m o ite do seu m arid o . P a s ­
sa d o s os anos, a v iú v a queria garantir um bom d estino p ara a alm a do f a ­

le c id o .26

“'4 IVl-astifcc' M oiilriro di» Vide, C onstitu içõ es .... TTT LVI - dec ência das sepulturas, c.852 , Reis, A
< w*itj ú i::ía.\> ) 1 k , ' ' l i v e i r a , O L ib e rto
‘ ».mrs-ür j 11!i» i>r< v w /r f A *ri<‘rlc r ic sln - 2CM- 2 K ' ; A J 1*1 o K “ ,’?c»!ri],rf'iri)í*}?c>

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103

Os testam entos revelam , na maioria das v e z e s, que as m issa s eram

pedidna em b en efício dò testador. E is e foi o c a io do africano A gostinho do


Ó Freire, ex-procurador do Rosário, que pediu ao seu testam enteiro três m is­

sas por sua alma. O seu pedido era m odosto, principalmente se comparado

com o testam ento de Emereciana M aria da R essurreição, que havia pedido


após sua morte cinquenta m issas de corpo presente “p ela sua alma no valor
de 3 2 0 $ 0 0 réis.” M as também havia aqueles; que pediam ofereciam m issas a

cônjuges fa lecid o s, o s anjos de guarda, ex-senhores, entre outros.27

Os enterros fora da igreja


E m 1836, o co stu m e de enterrar os m o rto s n as igrejas d as in n a n d ad es
p a re c ia am eaçad o . U m a n o v a lei p ro v in cial co n c e d ia a u m a co m p an h ia p ri­

v ad a o m o n o p ó lio dos en terro s ein S alv ad o r. Os co n frad es d as d iv ersas


a g rem iaçõ e s relig io sas reagiram a e ssa n o v id ad e. C om se u s p aram en to s,

op as, estan d a rtes, os m em bros das in n a n d ad es exigiram do g overno a rev o g a­

ção da lei. A p ó s m an ifestação cm frente ao P a lá c io do G o v em o , seguiram


em d ireção ao C em itério do C am po S anto. Em m en o s de um a hora, deram
com o C em itério a baixo. Era a rev o lta da C em ite ra d a, onde os rep resen tan ­
tes d essa cultu ra funerária lutavam pela p re se rv a ç ã o do co stu m e de enterrar
se u s m ortos nas igrejas. O g o v em o foi obrigado a r e c u a r / 8

Se os co n frad es saíram v ito rio so s no ep isó d io de 1836, o m esm o não


aco n teceria na d écad a de 1850. N e sse p erío d o , a B ah ia enfrentou epid em ias.
P rim eiro a feb re am arela e, posterio rm en te, o có lera m o rb u s m u d ariam os

co stu m es fu n erário s dos b aian o s. S ep u ltav am -se os d efu n to s m u itas vezes


em co v a s rasas. N ão havia tem po para enterros m ais d ecen tes, um a v ez que
a q u an tid ad e de m ortos era assu stad o ra. A lei de 2 de ag o sto de 1850,

proibia as intim ações no interior dos tem p lo s, "en tretan to os v elh o s h ábitos
eram d ifíceis de serem d esen raizad o s, a p e sa r de já h av er leg islação contra

/.! !:!■ IJ-.T V . ri; , l.KT 5, fis 111/ 114v- 1 H 5


’ ’ ' I )í . y: . ' ' í. /. ].•■ (■ 1 ~
10-1

eles: a u to rid a d e s p o liciais entraram em conflito com os p á ro c o s e o povo,

que n ão se co n fo rm av a em enterrar se u s untes q u erid o s em lu g ares aber-


toH.,.” 39 M a s a fisealizaç& o era atuante nus Im iandadea. Em setem b ro de
1850, os m e sário s do R o sário das P o rtas do C arm o fo ram in q u irid o s p o r um
su b d eleg a d o so b re p o r que continuavam a enterrar se u s m o rto s noa carn eiro s
da ig reja.30

C om a ch eg ad a do cólera, em 1855, ou g o v ern an tes co n seg u iram p ro ib ir


de fato os en terro s nas igrejas. Em ag o str do m esm o ano, o s p ro fe sso re s
de m e d icin a d ecid iram incluir no novo C ódigo de H igiene, um artigo p ro i­

bindo as in u m açõ es dentro d a cidade. N o d ia 3 de setem b ro , u m a lei d e ­


fin itiv a co n firm aria a p ro ib ição . A p o p u lação ag o ra tinha m ed o de se co n ta­

g iar do có le ra a tra v é s dos m ortos. A cu ltu ra fu n erária c e d ia e sp a ç o diante


d a e p id e m ia .31

O co tid ian o d as irm andades foi ab alad o p e la feb re am arela, a v arío la


e m ais esp ecificam en te com o cólera m orbus. M a s, se p o r um lad o , as ir­
m an d ad es v iram seu antigo costum e sucum bir, p o r outro lado elas p ro m o v e­
ram p ro c is s õ e s de penitência contra o cólera. “ A lém de an u n ciarem o cortejo

p elo s jo rn a is, en v iav am convites p ara os p ró p rio s irm ãos, p á ro co s, a u to rid ad es


e o u tras co n frarias.” 32 Ein outubro de 1855, p erío d o m ais crítico d a e p id e ­
m ia, os irm ãos do R osário da C onceição da P raia en v iaram co n v ite aos

seu s co ngêneres d as P o rtas do Carm o para saírem em P ro c issã o de P en i­


tência “p e la s m a s da freguezia, para implore a su a efficaz p ro teç ão , p eran te
o P aí das M isericó rd ias, afim de afugentar de entre nós a ep id em ia com
que nos lem fe ríd o f...]” A so lid aried ad e n essas h o ras se fazia n e c e ssá ria não
ap en as entre irm ãos da m esm a agrem iação.33

20 Aima Ariudia Vieira Nascimento, Ljcz ftc £ u r s ia s da cid a d e d o S a lva d o r, Salvador, F undarão Cu!
lurai do Estado da I-ahia, 1'-'í-C', p 1 65
,J A l N o R T em io de Ki.-solu^ão, cx (j?, loc 02. II 277
*' ' 'rnldi- )•:> ir Davi d, O in im ig o mvir:vri...p
‘ 1 *i"i ■ ' I f>.!} I - ... j •
'. ] ]•’ l *i i ií-i i< i;ü‘. i ■ '.it.- H.i: ■ ^ f f- , . y. \ \ 2 , <i'
t

105

C om a o b rig ato ried ad e de en terrar os m o rto s n o s cem ité rio s, o g o v er­


no incentiva su a co n stru ção . E m 1857, o governo c e d e terren o a irm andade
do R o sá rio no cem itério d as Q u in tas d o s L ázaro s “p a ra fab ric a r” seu p ró ­
prio cem itério. O s m esário se reu n iram e form aram c o m issã o p a ra “ agenciar
esm o las entre n o sso s irm ãos e d ev o to s, a fim de se d ar p rin cíp io a factu ra

de n o sso cem ité rio .” N o ano seguinte, em “ acta de s e s sã o d e M e z a ,”in d ica­


v a -se a co n tin u ação de o b ras d o s n o v o s ca rn e iro s.34

M a s p a ssa d o o tem po do có lera, um co stu m e se to m o u freq ü en te entre


a p o p u la ç ã o b aian a: o de d ep o sitar o s o sso s na c a p e la da igreja onde o
m orto era irm ão ou sim patizante da co n fiaria. Em 1865, P au lo A lves da

C o n ceição p ed iu ao p ro v iso r q u e o s re sto s m o rtais de s u a m ãe, D . C lau d in a


P o rcin a de S ão Jo sé, fo sse lev ad o do cer^:,ério das Q u in ta s d o s L ázaros
p a ra a c a p e la de N .S . do R o sário d as P o rias do C arm o . N o ano seguinte,
D . M aria T h eo tô n ia de M en ezes p e d ia pf d que os o s so s do seu finado
m arido fo sse d ep o sitad o na sa c ristia do R o sário . O s m e sá rio s d ecid iram que

o p ed id o som ente seria aceito m ed ian te o p ag am en to no v a lo r de 20$0 0 0

réis, p o rq u e o fin ad o não era irm ão d aq u ela confraria. E m 1870, F ran celin a

do S acram ento e D am iana M a ria so licitaram ao s m e sá rio s “ p ara d ep o sitarem


nesta cap e la [R o sário ] as o ssa d a s de su a s fa le c id a s m ã es, o ferecen d o vinte
mil ré is (2 0$00 0 ) p ara ter direito a fazer d e p o sita r na S acristia e D am iana
dez mil re is.” O s v iv o s d eseja v am te r seu s m o rto s m a is pró x im o s de si.
A inda que m o d ificad o , p ersistia esse c o stu m e .35
Se a irm andade cuidou p a ia que seus a sso c ia d o s tiv e sse m um a m orte

decente e os m o rto s fo ssem sem p re lem b rad o s atra v é s d o s su frág io s, tam bém
não se esq u ece u d o s vivos. A festa da san ta p ad ro eira era e ain d a é um

m arco no calen d ário dos irm ãos do R osári O d iv ertim en to , a fé, a p reser-

/43'a>k-',o ao Irofe JoSo heis j.<or ler colocado a mil a disj.osiç&o a documentaçSo referente a
>.oiiHlni'.So do i mui m i > da in uai idade. Ver Tm no de rrsolirç&o, 21 de junho de 1657 e 30 de
I ! K; ] C' 'ir lh's
'• J ^ >11 l>'n i»s>. 1? d< d>-;:«.-!iil'rc d< 1*'.'5, >x 22. d<x 05-1 , Temii' de rcmMu'&o, 12 dc
1 . 1/ v i '-■*. |. : 2, ' / . ‘o . jS 'i' ■i<-; f-T: il ■ òt ,j ,, C2-'-3
106

v a çã o da sua cultura eram elem entos indispensáveis nos festejo s dos a s so c i­


ados.

II- A festa na confraria


A devoção dos irmãos
N o s s a S en h o ra do R o sário se pop u larizo u entre o s negros, to m an d o -se
su a p ro te to ra . S egundo Ju lita Scarano, d esd e o sc c u lo X V I “ e ra sob e ssa
in v o c ação que em Portugal se congregavam os hom ens de co r.” O s san to s
p re to s e p a rd o s tam bém g o zav am de singular p o p u la rid a d e entre a co m u n i­
dad e negra b aian a. Entre eles destacam -se S anta E figênia, S ão B en ed ito , Santo
A ntônio de C atag eró , Sâo G onçalo, Santo O nofre. À lém de interm ed iar D e u s

e o m u n d o .36

N ã o encontrei nenhum a ex p licação convicente so b re o cu lto do R o sário


com o p ro te to ra d o s p reto s, m as em todo o B rasil as m ais fam o sas e m ais
antigas irm an d ad es negras são do R osário. 1 que se sab e, segundo S carano,
é que a irm an d ad e do R o sário originou-se da “ antiga O rd em R elig io sa de
N o ssa Senhora d as M ercês p ara a R edenç o dos C ativ o s, d ed icad a a livrar,
na Á frica, os cristão s do ju g o m ouro. N esse caso é, p o is, co m p reen sív el que
fo sse a p ad ro eira escolhida ” 37 Entretanto, essa não é u m a ex p licação s a tisfa ­

tória. A d iv u lg ação do culto de N o ssa Senhora do R o sário foi feito p elo s

d o m in ican o s, que p o p u larizaram o culto na P enínsula Ibérica e daí fê-lo s e ­


gu ir p ara o B rasil. “ A Igreja, no seu esforço p ara integrar o africano recém -

d ie g a d o num a so cied a d e cató lica e branca, atraiu-o para as irm an d ad es m ais


ca p a z e s de in teressá -lo .” 38 A crescen ta R oger B astid e que o cu lto de N .S . do
R o sário estav a fora de m oda, sendo restab e lecid o quando os d o m in ican o s

enviaram se u s m issio n ário s para a Á frica, “ daí, sua introdução e su a genera-

P-r :if !t ■, in v .. ; ,v í - c !■■■,:'


' L' >’[■ ■i! . j
<! i.-. o: . | 1
107

lização p ro g re ssiv a no grupo de negros e sc ra v iz a d o s.” 39 M a s seg u n d o W a l­


dem ar M a tto s, a d ev o ção do R o sário d as P o rta s do C arm o , foi o rg an izad a
p elo p ad re Jo ão P ereira, baiano, je ju íta ,” d ed icad o à p ro te ç ã o d o s e s c ra v o s .” 40
A h isto ria d o ra M aria A p arecid a G a e ta afirm a q u e fo ram as co n tas do

R o sário q ue pro p o rcio n aram , no p erío d o m e c i^ v a l, a v itó ria d o s d o m in ican o s


so b re os tu rc o s em Lepanto. E ste lado m ágico do ro sário s e ria ad o tad o p elo s

negros. O ro sá rio era tido com o um a “ a rrr co n tra a re p re s s ã o b ru tal de


seu s cu lto s, u tilizad o com o u m a esp écie de am uluto q u e o s p ro teg iam dos
bran co s. A lém d isso serv ia com o elem ento p a ra fazer sim p a tia s, so b retu d o
em q u e stõ e s am o ro sas e conjugais. Luiz M o tt d e sc re v e u v á rio s c a so s de
negras que faziam su as sim p atias, utilizando as co n tas do ro sário p a ra os

“feitiço s arm itórios” 110 B rasil colonial. S egundo E u g ên io A lisso n , o ro sá rio de


contas se assem elh av a com o ifá-cordão, en tre laça d o com n ozes ou b ú zio s,
u tilizad o s p e lo s africanos p a ra consultar o d estin o .” A qui o s n eg ro s reelab o -

1 aliam a trad ição african a.41

O c a to lic is m o fro u x o
A s p ráticas dos cató lico s b aian o s /...ram m o tiv o s de esp an to para
aq u eles que desco n h eciam nossa cultura. Os v isita n te s ach av am que os
b aian o s profan av am as fe sta s católicas. Pi' r e V erg er cita o caso de F ra n ­
çois F roger, que p assan d o pela Bahia no sécu lo XVII, se escan d alizo u com

as p ro c is s õ e s religiosas:

R o^ er Pastide. As rc lig iirs africanas no Btasil. 3 ão Paulo, Liv ra ria Pio n e ira / E D U 3 P , 1&71 , v. 1 ,
.

40 V,’hlrl( Tijrir Mattr>í', ívoliiçã o hntfinca c cultural do }'ciounnhu, Kio cio Janeiro, Cia Editora Grá-
111 a 1: arl'iTi>, ] '.’7 s,p ~1
1,1 1 f t í:. ) cí~fr;iv?c' nar pr;i't:ir " j- Moti. irja-Mo t: vivc-ncia re-lipiosa' Eiiírt- a ca;*ela (■
■■ ■ l !•; i-V nm 'id- ■ !•;i L u u r í ) d. ] '.>!!(’ f l.'1' A ('-'!>') a fia l ri J a i n v a d a no
-ii. • i a ' .'v. ’ia: v 1, : '~ 1 : >. F 1v i .n • i : i . ;z i ’ < .j«vr*í '3'- .. l> i 2.;
108

“No dia 21 de junho, nossos Senhores (os oficiais) depois de te­


rem ido saudar o G o v e m .u jr e o Intendente, dos quais receberam
muitas gentilezas, foram v j a procissão do Santíssimo Sacramento
que »ao é menoi considerável nessa cidade por uma quantidade
prodigiosa de crucifixos, d relicários religiosos, quão ridícula pelos
grupos de mascarados, d i instrumentos e dançarinos que, por suas
posturas lúbricas, pertubaram a ordem dessa santa cerimônia.”42

M us, o co stu m e de d an ças co n sid erad as p ro fan as n as p ro c is s õ e s rem o n ­


ta a u m a é p o c a m ed iev al. N a França, no sécu lo d a s lu zes, realizav a m -se as
fe s ta s do asno. E m Portugal, as p ro cissõ es no in terio r d a s igrejas tinha de
tudo: d an çarin o s, ap ó sto lo s, bandeiras, d iabos, san to s.43
N a B ahia, a m aio ria d as festas cató lic as h erd o u d a trad ição p o rtu g u e­

sa a p re o c u p a ç ã o com o luxo e a o sten tação . N a p ro c issã o do T riunfo da


C ru z de C risto N o sso Senhor "h av ia em q u an tid ad es b an d eiras, estan d a rtes,
c a n d e la b ro s...” N eg ro s lib erto s ou escrav o s p articip a v am d e s s a s festiv id ad es.
“E ra um cato lic ism o no qual os v alo res cu ltu rais e relig io so s v in d o s da
Á frica se tinham d iscretam en te am algam ado com aq u eles trazid o s ao B rasil
p e lo s sen h o res p o rtu g u eses.” 44

O s negros se id entificavam com esse cato licism o . C ato lic ism o b arro co ,

“rep leto de so b rev iv ên c ias pagãs, com seu p o liteísm o d isfarça d o , su p e rstiç õ e s
e fe itiç o s.” 4j C ato licism o em que os negros tinham san to s com o in te rc e sso ­
res, prin cip alm en te os santos negros. Era so b retu d o um a relig ião de contrato.
P ed ia -se um a g raça ao santo e em troca, quando aten d id o , o d ev o to p ag av a
geralm ente na form a de m issas ao santo p elo serv iço p re sta d o . U m c a to li­

cism o de santo s, ou com o afirm ou o sociólogo P ed ro R ib eiro de O liv eira,


um “ cato lic ism o p o p u la r,” onde o conjunto de re p re se n ta ç õ e s e p rá tic a s reli-

1,2 François Fro-^er apud Pi erre Verger,‘‘Procissões e Oarn ival no Brasil,” E n s a i o s / P e s q u i s a s , ri° 5,
Salvador. CEAO, Out, 1 , p.2
' Sobre lestas medievais ver Jacquc-s Hn*rs, Festas dc louros c carnavais, Lisboa, D om Quixole,
1 C'£7 ; V erte r, " P rocissões e Carnaval” , p 5
44 V erter. “P ro c issõ e s ” pp 6-7 ü autor chama atençSo para o falo de que as procissões e certas
<enrnómas possuíam um aspecto carnavalesco
‘ ' ''am p .'s Al-r* u, l'!ip c ri o ;io L .n w .o " : F c-< li 7 }.. < C u l t w a p ,> p u ia r n o R io d c

; •/,I ;„| | | , , T, ■■
■< ,i. I ...«!•
109

g io sa s d o s cató lic o s não d ep en d em d a in terv en ção d a au to rid a d e e c le siá stic a


p a ra serem ad o ta d a s p elo s fié is .46

Na B ah ia o ito cen tista, o s san to s c ató lic o s in flu en ciav am o cu rso da


v id a e d a natu reza, “ alguns d e le s co n sid erad o s ‘e s p e c ia lis ta s ’ em um ou outro
dom ínio p a rtic u la r.” É o c a so de Santo A ntônio, tid o co m o um m estre na

arte de arran jar casam en to s. S ão R o q u e era um san to m éd ico , e sp e c ia lista na


cu ra de d o en ça s. M a s o fato de se ter san to s e s p e c ia lista s não q u er dizer

que um fo s se m ais im portante que os dem ais. Todos eram co n sid erad o s
p o d e ro so s entre os d ev o to s. O cotidiano, no dizer da h isto riad o ra L aurinda
F a ria dos S an to s A breu, era santificado. C a d a dia p e rte n c ia a um santo. A
igreja “te a tra liz a v a o esp aço sagrado, elegeu m o m en to s m a io res no calen d ário
litúrgico e to m o u -o s festiv o s fom entando a ex terio riz ação d a fé e sacian d o
um im aginário áv id o de m arav ilh o so e de i p re se n ta ç õ e s d ra m á tic a s.” 47
O ritual da festa
A festa de N .S . do R o sário envolvia to d o s os co n frad es e, p rin cip al­

m ente, os m ord o m o s, re sp o n sáv eis diretos p ela o rg an ização d as novenas, da

p ro c issã o e da festa p ropriam ente dita. P articip ar d ela, além de se r um ato


relig io so , era um ato m oral, estab e lecid o na re la ç ã o com a co n fraria e com
a santa p ad ro eira. D itav a o co m p ro m isso de 1820 que:

“A Festa da Virgem Nossa Senhora do Rosário, se fará annualmente


coin toda soleimidadc devida na segunda Doininga do m ez de outubro,
com missa cantada, Scnnho e Sacramento exposto; preparando-se pai a
isso a Igreja tom asseio, e omato necessário: precedendo em noves tar
des sucessivas a Novena da n esm a Senhora, corn Música ou órgíio; c
no dia da Festa se fará a Procissão com aquella solennidade, que se
requer em semelhante acto,a qual liirá até as Portas de São Beiitof...]
nclla hiiiio às mais Irmandade:; erectas na m esma Capella com suas
cliarolas dcccntcmcntc ornadas.. . :guindo a ordern dos lugares pelas su
as antiguidades.

4< P(.-'Jn> A. Ribt iro iJc oliueira, Fu-ligião e D onunaçâo de. Cltisse, I etropolis, Vozes. 1985. p 11 3.
Uliveira, Aí <■ ... p 1 14 , Laurmda Faria dos Ôanto:: Abrt-n, "C o n fraria t lm iandade;; A Saritifi-
•:j', 'Jc> n-i.-'t idiai k m A '"V-r/.v . p ~ ?.0 c
“f ...... ....... v., . , . . , , . ... ,... , ,, , , , ,
110

N o calen d ário da irm andade, a fe sta du p a d ro e ira e ra o m om ento m a i­


or d e cele b ra ç ã o . M issas, sen rtâo e n ovenas eram elem en to s fiin d am en tais da
festiv id ad e. S em eles a celeb raçã o não se tran sfo rm av a em esp e tá c u lo . S em
o brilho, e sp len d o r e p articip ação d o s m em bros a fe s ta su cu m b ia. A lém de

serem m om ento s de ruptura com o cotidiano, eram , so b retu d o , m a n ifestaç õ es

“ de ren o v aç ão d o s laço s com o sagrado atra v é s do cum p rim en to de p ro ­


m e ssa s re la tiv a s a g raças reccbidaB; são m om entos de e x altaç ão d a fé h u m a­
na [ ..]” 49 M a ria A p arecid a G aeta afirm a oue os negros das irrnandades
construíram u m a cu ltu ra e um sab er escrav o , “b a s e de estratég ia s e p ro jeto s
de so b re v iv ê n c ia cultural sim bólica. N eg ro s das m a is d iv e rsa s n a ç õ e s a fric a ­

nas se reu n iam e se irm anavam durante festas de su a s co n tra rias, p re se rv a n ­


do su a s tra d iç õ e s e os m ecanism os de id en tid ad e c u ltu ral.” 50
N a irm an d ad e do R osário os confrades tam b ém p re se rv a ra m a m em ória

africana, Jefferso n B acelar e C o n ceição S ouza viram , n e ssa s fe stiv id a d e s,


um esp aço opo rtu n o para o livre exercício d as c ria çõ es c u ltu rais dos ne­

gros, p rin cip alm en te nas p ro cissõ es, que eram um “v erd ad e iro teatro am b u lan ­

te .” "1 N o s s é c u lo s XVII e XVHl, os negros b an to s d esfilav am com su a s m á s­


cara s, se u s ata b a q u e s. C oroavam seu s reis e rain h as. M a s em p o u c o tem p o ,
as au to rid ad es proibiriam as m áscaras. As fe sta s de negros eram tem id as

p elo s brancos, q u e acreditavam que as m áscaras facilitasse m ato s reb eld es.
M esm o assim , a m em ória africana não d esap arec eu d as fe sta s d a s irm anda-

d es de cor.
N o d eco rrer do século XIX, as m áscaras p raticam en te d e sa p a re c e m d as
m as. B ace lar e S ouza acred itam que a inexistência de co n tato d o s “ negros

bantos” com a Á frica fez com que estes não ren o v assem se u s v alo re s. E n­

49 Marina l.'îclli' r S o io i. Punsti: a cidade e as je s ia s , Rio île Janeiro, UFRJ, 1 9'M , p. 25


'.iiiçt r:. ruis ] ;jf-" ]'124
1 .it ’II 1 ;s- I |.ir .V. '’ ’.'W 1 1- fi..> îîi'ij;:« , (’> R-ruin o d~r; do I c i o u n n h o , Salvador, Fnnda'& o do
1 ;r i n t• > ' ’' i l t i rn! ■]:. ]■ ;i: :ii'i !■ <>, 1 7 4 . j . 2 1'
111

tretanto, é p re c iso lem brar q u e o início do sécu lo XIX foi u m p erío d o co n ­

tu rb ad o , m a rc ad o p e la s re v o lta s e s c ra v a s de nag ô s e h a u ssá s. Isso p o d e ter


inibido, p o r p re s s õ e s d as au to rid ad es e da p ró p ria co m u n id ad e negra, as
m a n ifestaç õ es d e ru a .52
C om o foi v isto anteriorm ente, o co m p ro m isso de 1820 d eterm in av a a

p a rticip a ção de to d o s os co n frad es na fesl v id a d e. A lém d isso , e stab e lecia

um a o rg an ização h ierárq u ica d as procissõej;. Em prim eiro lugar, a p ró p ria


confraria, em seg u id a as d em ais irm an d ad es seg u n d o critério de antigüidade.
O s m e sário s vinham na seguinte ordem :

“Guiará a prociss3o os Juizes que tiverem servido o


anuo autecedínte, ou os que forem iminedialos, e
adiante da cliarola irá o Irnião Tliesoureiro actual
dando a direita ao Nosso Reverendo Padre Capei
Ião, o qual acompanhará de Sobrepelliz.”53

A h ie ra rq u ia era p raticad a no cotidiano e na festa da confraria. O


d estile d o s irm ãos expunha pub licam en te o p restíg io e o m érito que cad a

m esário p o ssu ía. E ra term ôm etro de statu s. C om isso os m e sário s receb iam
os d iv id en d o s de seu s investim entos em tem oo e dinheiro p ara a irm anda­
de. E stav am ali com o líderes legítim os de um a co m u n id ad e de d ev o to s. E é

p rocedente e sp e c u la r que essa p o sição de f^ s ta q u e d ev o cio n al se trad u zisse


em liderança na co m u n id ad e, em assu n to s ex-religiosos, nos neg ó cio s, nas re ­
des étn icas, na intcrloeuçíío com o m undo dos b ran co s.
A p ro c issã o era o m om ento m ais solene da festiv id ad e. O tem po do
desfile to m a v a -se um tem po sagrado ou, com o afirm ou M aria A p arecid a
G aeta, o tem po to m av a-se m últiplo, to m ad o p ela d ev o ção e p elo p razer da
liberdade. “Um tem p o ein que o individual se enraizava no so cial e no c o ­

le tiv o :' E em que os negros eram “ su jeito s de sua relig io sid ad e .” ' 4

‘ l';i'. c h i r A: i’ 1 Aixv.in.-i r .u l n.v .:1 o p t l o w i t - J i o . ] ' 2 ?


’ " ' ; ■l| <’|>0''], ' <IJ’ jV.l 7. 1. >i: -■ ] , MIM V K
r

112

A festa religiosa dos confrades part^ da tradição de festas populares


na Bahia oitocentista “era também das prirr -ime da cidade, havendo profusa
ornamentação da rua, barraquinhas, carrusseí, nmsica, fogo de artificio, o o
mais prolongando-se o arraial até segunda-feira.”55
O efeito p lá stico da cerim ô n ia era u m a p re o c u p a ç ã o d o s o rg an izad o res

d a fe sta . Q uan to m ais luzes, brilho, m aior o p restíg io d a co n fraria. E m 1861,

os m e sá rio s do R o sário p ed iam ao P ro v iso r do A rc e b isp a d o licen ça p a ra

re a liz a r a fe s ta d a p ad ro eira com “ ornato n ece ssário e c ê ra b a sta n te que


chegue ao m enos a quarenta luzes.” "“6 A rn ú sica tam b ém era fu n d am en tal,
inas ao contrário d o s tem pos coloniais nãc se tratav a m ais da p e rc u ssã o

african a e sim o s m etais das b andas m arciais. N e ste po n to os irm ãos h a v i­


am tido seu esp írito danificado pela Igreja e governo, ta lv e z um resu ltad o
da R o m an ização que discutirei adiante. Em 1890, os m e sário s so lic ita v am o

“ co m en d ad o r das a n u a s” p ara “ m andar u m a das m ú sic as m a rc iais p a ra ab ri­


lhantar a festiv id ad e externam ente ” j7
A lgum as v eze s ;i situ ação financeira d H cultava a realizaç ão d as fe s ti­
vid ad es. Em ép o ca s de crise, a irm andade ad iav a a d ata da co m em o ração
até que a arreca d ação de fu n d o s fo sse suficiente. C om o foi v isto no c a p ítu ­
lo sobre a econom ia da irm andade, freqüentem ente os g a sto s com a festa

ocu p av am lima grande parte d as d esp esas. C e le b ra ç õ e s de m issas, n o v en as,

fogos, fo g u etes, m u sica, organistas e d esp esas com vigário eram os p rin cip ais

itens a so b recarreg arem de d e sp e sa s o R osário. Em 1824. g astara m -se com a

festa 4 7 7 J8 4 0 réis, enquanto as dem ais d e sp e sa s chegaram a ap en as


248S 390 réis. N o período de 1848-1849, as d e sp e sa s d as fe s ta s tiv eram a
seguinte d is trib u iç ã o :’8

.U-si* d;i : 'l l .V A ' t j i 11; ,ok, "J Tt'f i s s f ' c s T n i d K io iiu i :: da Buliiíi” in A u a i d o A r q u iv o J'uLdico d o E ‘j-
/..Vj,. H ih u : v Z~, 1 '.-1 1 , |: -1 •--í
I ” k 1 í 'TT* : | i r i - i i.is. I (■ de t-ulul-ro d< 1KOI. '.y. 2:’., do». 05
A : K :• ! ili 1 x H, 2 1 dr I dc- ”, b y».'
’’ ! r . - ; , .|, I-,. . !!;• . -.x. 12.-J<- 1 j’.*:
D espesa do Io trimestre ................................................ 189S044
D espesa do 2otrim estre ................................................... 327S670
D espesa d o 3 ”tr im e s tr e ............................................................... 245Î455

D espesa do 4°trimestre ................................................... 1:476$470


2:238$639

A p re o c u p a ç ã o em re a liz a r e g a sta r com a fe sta d ev e ser e n te n d id a

^o contexto do c a to lic ism o leigo. A fe s ta re v e la v a um pouco da tra d iç ã o


'e festas african as, a p e s a r de s u a s tran sfo rm a çõ es em d ire ç ã o a um m o d e lo
..tais bem co m p o rtad o com o passar dos anos. M a s c e le b ra r b em a v id a

continuava fundam ental no m u n d o d a e sc rav id ão . A firm av a-se u m a id e n tid a d e

•'acial entre os negros, e um a id e n tid ad e que se confirm a p e la s a lia n ç a s

oiti o u tras irm an d ad es negras.

As Irm an d ad es e o R osário
A Igreja do R o sário d as P o ita s do C arm o abrigava, nos s e u s a lta re s

iterais, d e v o ç õ e s p e rte n c e n te s a d iv e rs a s irm an d ad es negras e d e p a rd o s ali

jista la d o s. E ram irm an d ad es q u e n ão tinham co n d iç õ e s de co n stru ir s e u p r ó ­

prio tem plo. A ltares de N .S . d a s D o re s e S an ta E figênia, p o r exem plo, fo ra m

"igidos na igreja do R o sá rio . H a v ia tam b ém san to s que n ão eram titu la re s

_e nenhum a con fraria e s p e c ífic a m a s se u s d e v o to s se reuniam , no R o s á rio ,

nara c u ltu á-lo s. E ra o c a s o de S an to E le sb ã o , p o r exem plo. A irm an d ad e do

" o s á rio ab rig a v a e s s e s c u lto s, se rv in d o com o u m a esp é c ie de ig reja m a triz

, j j a eles.

O s m em b ro s d a irm an d ad e d e S an ta E figênia, ern 1836, p e d ira m lic e n ç a

•• is m e sário s do R o sário p a ra re a liz a re m “ s o le r ‘m ente os F e s te jo s que são


vidos a m esm a Santa, n e s ta m e sm a C a p e lla (do R o sá rio ].” A s c e rim ô n ia s
ill

o co rriam com o aval tios m e m b ro s do R o sário . As re la ç õ e s entre essas

co n frarias se re a liz a v a m em d e c o rrê n c ia da s o lid a rie d a d e , m a s s o b re tu d o do

re sp e ito à h ie ra rq u ia. A ig reja do R o sá rio era u m a d as m a is an tig as ig re ja s

n egras e certam en te isso c o n ta v a en tre as in rian d ad es de n eg ro s e p a r d o s .59

A s d iv e rs a s irm a n d a d e s e x iste n te s na B ah ia se en co n trav am p o r o c a s i­

ão d as ce rim ô n ia s fe s tiv a s, em p a rtic u la r as p ro c is s õ e s . Jo ã o da S ilv a


C am p o s d e s c re v e u os sa n to s que acom panhavam a p ro c is s ã o de N .S . d o

R osário:

“No cortejo figuravam habitualmente as iinageus de


Nossa Senhora do Rosário, de S3o Benedito, de S3o
Domingos e to Senhor Deus Menino, A primeira e
terceira s3o Je grande tamanho [...].''°0

A c o n fia ria do R o s á rio , p o r o u tro lad o , s e fa z ia p re s e n te n as f e s tiv id a ­

d es d a s o u tra s irm an d ad es. A m e s a a d m in istra tiv a d a Irm an d a d e do S e n h o r

B om Jesu s da C ru z, e re c ta na ig reja da P a lm a e c o m p o sta por c rio u lo s ,

co n v id o u , em 1841, o s irm ão s n eg ro s do R o s á rio p a ra “ to m arem c o ip o ” n a

p ro c is s ã o do san to p a d ro e iro . Os n eg ro s da nação k e tu , a b rig a d o s sob a

p ro te ç ã o do B om J e s u s d o s M a rtírio s n a ig reja d a B arro q u in h a , c e le b ra v a m

a v irgem S a n tíssim a S en h o ra d a B o a M o rte , 10 seg u n d o d o m in g o de a g o s to .


N u m co n v ite não d a ta d o esses d e v o to s p e d ia m aos irm ão s d o R o s á rio que

h o n rassem “ co m acto d e s ta Irm a n d a d e , à s trê s h o ra s d a ta rd e , a fim d e fa z e r-

se um P o m p o so d e s file re lig io s o com A s s is tê n c ia de V .S a o q u al fic a m o s

etern am en te a g ra d e c id o s .” E ra u m a o p o rtu n id a de d e re u n ire m -se n e g ro s b r a s i­

leiro s e a fric a n o s ,o p o rtu n id a d e q u e p r e c is a v a s e r b e m a p ro v e ita d a p e lo s n e ­

gros, q u e a ssim a m p lia v a m o se u e s p írito de c o m u n id a d e .61

O m undo dos b ra n c o s ta m b é m dem andava a p a rtic ip a ç ã o n e g ra em

s u a s fe s tiv id a d e s . E m 1 8 5 7 , o a rc e b is p o d a B a h ia , ju iz e p ro te to r d a Irm an -
«

59 AI.N.S.R. Actividades de outras devoções. Irmandades e A ssociações, 1836, cx. 18, doc.l
60 João da Silva Campos,“P rocissões Tradicionais da Bahia," p.494.
ei AI.N.S.R. Actividades ..., cx. 18, doc.l ; cx. 17, doc.01-f
dade de S ão F ran cisco X av ier, en v io u convit-j ao s m e sário s do R o s á rio p a ra

aco m p an h arem a p ro c is s ã o do p a d ro e iro oficial d a B ahia. E s s a c o n fra ria e ra

c o m p o sta por pessoas de p re stíg io da so c ie d a d e b aian a, e n c a b e ç a d a s p e lo

p ró p rio A rc e b isp o . O s n eg ro s d o R o sá rio tam b cm p a rtic ip a v a m d a p r o c is s ã o

do C o rp u a C h risti, u m d o e m o m e n to s m a is so len ê« da relig ião c a tó lic a na


B ahia. P a rtic ip a v a m co m o b o n s c a tó lic o s q u e eram d a im p o rtan te p r o c is s ã o ,

m arcan d o seu lu g ar no c e n á rio c a tó lic o de S a lv a d o r, e s ta b e le c e n d o u m a c i­

d ad an ia re lig io s a q u e n ão p o s s u ía m n a vida civil. M a s n ão d e v e m o s p e n s a r

que a q u e le s n eg ro s n ão p en sassem em trad u z ir u m tipo de c id a d a n ia no


o u tro .52

Á in f lu ê n c ia d a R o iu a n iz a ç ã o n o R o s á r io
C o m o jú foi visato, o cato lio iein o leigo na B rasil não ora s e m p re
a q u e le d ita d o p e la s a u to rid a d e s e c le s iá s tic a s . O s c a tó lic o s fre q u e n te m e n te se
in te re ssa v a m m a is p e la s f e s ta s d e sa n to s do q u e p e la s m issa s. E o s líd e re s

d a s c o n fra ria s s o u b e ra m tra d u z ir o s d e s e jo s dos d e v o to s. “ O s p a d re s v ia m

a s irm a n d a d e s e c o n fra ria s a tiv a s n a p re p a ra ç ã o e na c e le b ra ç ã o d a s f e s ta s

de sa n to s [...] O zelo q u e e la s d e m o n stra v a m n a d ev o ç ã o a o s sa n to s c o n tra s ­

ta v a co m o seu rela x am en to q u an to à p a rtic ip a ç ã o nos sa c ra m e n to s e na

m iss a d o m in ic a l.” 63

E n tre o u tro s m o tiv o s, o co m p o rta m e n to d o s fié is fez co m q u e a c ú p u la

d a Ig reja c a tó lic a d e s e n v o lv e s s e a p a rtir cU 1830 um a p o lític a re fo rm is ta ,

c o lo c a d a em p rá tic a n a s e g u n d a m e ta d e do sécu lo XIX, te n d o co m o o b je ti­

vo m o ld a r o c a to lic ism o b ra s ile iro co n fo rm e o ro m an o . A Ig reja d e s s a épo­

ca e ra m a is in tran sig en te q u a n to à o rto d o x ia, en q u an to in s titu iç ã o e ra

“ c a tó lic a ro m an a” e m enos “ n a c io n a l.” H á tam b ém p o r p a rte dessa Ig re ja

62 AI.N.S.R. Actividades, missas, procissão, festa, cx. 17, doc. Jl-0. Encontrei nos maços sobre corres­
pondências vários convites do Arcebispo aos mesários do Rosário para participarem da P rocissão
do Corpus Christi.
63 Oliveira, R eligião e Dominação d e C lasses, p.285
um a te n d ê n c ia , seg u n d o H ugo F ra g o so , à eu ro p e iz a ç ã o , re je ita n d o o s v a lo re s

c u ltu rais n eg ro s e in d íg en as.64

A refo rm a da Ig reja in terferiu no co tid ian o d as irm an d ad es, s o b re tu d o

d as c o n fra ria s n eg ras, em b o ra a s f e s ta s de sa n to s c o n tin u a sse m a a c o n te c e r.

M as não co m o b rilh o do p a s s a d o . A aç ã o re fo rm ista d a Ig reja s e ria m a is

uin fato r p a ra a p e rd a de p re stíg io das irim n d a d e s . C orno a “ro rn a n iz a ç ã o ”

era u m a p o lític a “ de cim a p a ra b a ix o ,” o p ro c e s s o foi lento. S eg u n d o P e d ro

de O liv e ira, a e stra té g ia ro m a n iz a d o ra só se d eu e fetiv am en te após a se p a ­

ra ç ã o d a Ig reja do E sta d o , co m o a d v e n to da R e p ú b lic a .65

Em 1890, o líd er do e p is c o p a d o b ra sile iro , D . M a c ê d o C o sta , sin te tiz o u


I
em um d o cu m en to in titu lad o “ P o n lo s d e r e f o r m a n a I g r e ja d o B r a s i l , ” as
id é ias refo rm ista s. P reg av a a r e s ta u ra ç ã o d a s o rd e n s re lig io s a s tra d ic io n a is e
o aum ento do n ú m ero de d io c e s e s , tra ta v a d o s c a s o s de a b u s o d o s p a d re s ,

com o im o ra lid a d e , n eg lig ên cia no c u lto , en tre n jtras c o isa s. O s b is p o s deve­

riam se r rig o ro so s n a v ig ilâ n c ia do c lero . H a v ia u m a p re o c u p a ç ã o p e la r e ­

g e n e ra ç ã o m oral do cle ro b ra s ile iro , n o s m o ld e s o rto d o x o s tra ç a d o s p e lo

co n cílio trid en tin o . S o b re as c o n fra ria s, re c o n h e c ia -s e a in flu ê n c ia d e la s na

s o c ie d a d e , m a s as v ia co m o ab rig o d e o u tra s s e ita s , co m o a m a ç o n a ria , tã o

d ifu n d id a n e sse p e río d o . A re fo rm a intro d u ziu novas d e v o ç õ e s , lig a d a s a

a s s o c ia ç õ e s p ias, e n tid a d e s fu n d a d a s e d irig id as p o r p a d re s, fic a n d o os devo­

to s s u b o rd in a d o s a eles. “E s te é um p o n to -cíiav e no p ro c e s s o d e ro m a n iz a ­

ção , p o is os le ig o s n ão tê m n e la s o poder d e d e c isã o , q u e v a i p a ra as

m ão s d o v ig á rio .” 66 S u rg em c o n g re g a ç õ e s co m o S ag rad o C o ra ç ã o d e J e s u s , A

Im ac u lad a C o n c e iç ã o . As f e s ta s re lig io s a s dessas a s s o c ia ç õ e s a c o n te c e ria m

no c irc u ito d a p a ró q u ia .67

6,1 José Oscar Beozzo (cord), Ihstôria d a Igreja no Brasil segunda época. 3* e d , Pelrópolis, Vozes,
Paulinas, torno TU2, 1992, pp. 143-44
65 Oliveira, Religião e Dominação d e C la sse s,p .2 7 9
6<s Cândido da Costa e Silva & Riolando Azzi, Dois estudos so b re D. Romuald o Antonio d e Seixas
Arcebispo d a Bahia, Salvador, CEB, 1982, p. 19 ; Oliveira, Religião ...p.282
67 Oliveira, p.287
M as a ro m an izaçã o nao co n se g u iu ex term in ar as fe sta s tra d ic io n a is. O

que h o u v e foi u m a fis c a liz a ç ã o m a is intensa do clero . E ra p re c iso le m b rar

ao s fié is q u e a Igreja c a tó lic a e ra “ c o is a s e ria ” . N a íe s ta do R o sá rio de

1894. os m e s á rio s c o lo c a ra m “ n a casa da m e sa [...] o retra to do Exm ° e

Rvm° S en h o r D . Jero n y m o Thom é da S ilv a /’ T a lv e z os irm ão s q u is e s s e m

ag rad ar à a u to rid a d e ou fo ra m fo rç a d o s a p restig iá-lo . A titu d es co m o essas


r f 68
se to m a ra m fre q u e n te s n as ú ltim a s d é c a d a s do sé cu lo .

A final, e ra p re c iso e v ita r o que a c o n teceu a o u tras irm an d ad es. Em

1915, p o r ex em p lo os a s s o c ia d o s d a ex tin ta irm an d ad e do R o sá rio do m u n i­

cíp io de R io de C o n ta s re c o rd a v a m co m n o sta lg ia d a s fe s ta s d a sa n ta p a ­

droeira.

“Este modesto festejo de hoje, quantas recordações plangen


tes n3o trazem aos devotos de N.S. do Rosário, mormente
aos que amantes das tradições fizeram num ligeiro paralelo
entre o passado e o presente? Quão amarga será esta com
paraç3o! No início do século 18, foi fundada aqui a irmanda
de do Rosário que encenando em si os mais sublimes pre
ceitos do Christianismo recebendo em seu seio,com o mes
mo caminho seres inteiramente antagônicos:“senhores e escra
vos.”[...]No primeiro domingo de outubro se celebrava a fes
ta.O Rei e a Rainha, escolhidos entre os irmãos quase sem
pre representado por creanças eram pomposamente recebidos
no Templo, sendo colocados em suas cabeças ricas coroas
de prata e atirados sobre sua fronte. Annualmente repetia-se
este festejo singular até 191?, quando aqui esteve o Sr. D.
Jeronymo, que, certamente mal infonnado extinguiu a secu
lar Irmandade[...f9

T a lv e z p a ra e v ita r d e stin o se m e lh a n te , o s irm ão s do R o sá rio do C a rm o

d ecid iram p e la p o lític a de b a ju la ç ã o a D . Jerônim o.

O co n ju n to de tra n s fo n n a ç õ e s p e la q u al p assava a s o c ie d a d e e a

igreja b a ia n a s na segunda m e ta d e do sé c u lo X IX afeto u a irm an d ad e do

R o sário . M a s u m a d e s s a s m u d a n ç a s d e v e te r a fe ta d o p a rtic u la rm e n te o es-

68 A.I.N.S.R. Correspondências, 25 de setembro de 1894, cx.23, doc. 1-v


69 Jornal “O Cinzel” , 31/10/1915. Arquivo Municipal de Rio de Contas, s/catalogação.
oírito dos irm ãos negros: a a b o liç ã o da e s c ra v a tu ra em 1888. E s ta d a ta

su rp reen d eu os irm ão s lu tan d o p e la refo rm a fís ic a de sua igreja, co m o v i­

m os, e se tem o s in fo rm açõ es so b re essas d ific u ld a d e s in felizm ente n ão pos­

su ím o s testem u n h o d ireto d e le s so b re o ad v en to d a a b o lição . M a s p o d e m o s

im aginar a fe sta q u e foi. M a is do q u e isso , ag o ra p a re c ia q u e c id a d a n ia r e ­

ligiosa iria cu lm in ar co m c id a d a n ia civ il. S a b e m o s que tal não o c o rre u . S e ja

com o for, os negro s do R o sá rio se sen tiram m a is à v o n ta d e no p e río d o p ó s-

em a n cip a cio n ista e ta lv e z isso ex p liq u e o p ró x im o p a s s o to m ad o n a h is tó ria

institucional d a irm andade: su a e le v a ç ã o à ca te g o ria de O rd em T e rc e ira .

A té aq u ele p o nto a c a te g o ria de O rd em T e rc e ira e ra p riv ilé g io de


o ran co s e m u lato s. C o m a a b o liç ã o , c h e g a v a a v e z d o s p reto s. A in d a a ssim ,

sab iam q ue a Igreja não e ra ex atam en te “ am ig a dos p re to s ,” a ig reja por

exem plo te v e um p a p e l p ra tic a m e n te nu lo no m o v im en to co n tra a e s c r a v i­

dão. E ra então p re c iso s a b e r n eg o ciar, sab er, em p a rtic u la r c e rc a n d o o ar­

ce b isp o d a B ahia, m a ssa g e a n d o seu ego. E m 1894, m esm o ano em q u e p e n ­

d u raram o retra to de D . Jerô n im o na s a la de re u n iõ e s d a irm an d ad e, o s m e ­

sário s do R o sá rio e s c re v e ra m ao a rc e b is p o p ed in d o p a ra se to m a re m T e r c e i­
ros:

“Desejando os Imiãos serem elevados a cathegoria de


terceiros, vem muito humildemente impetrar de V.Ex3 a
graça de elevá-los a dignidade de Ordem 3a da Santissí
ma Virgem do Rosário, solicitando a Bulia da sua confir
mação [...] Cumpre dizer que a Igreja está collocada em
um dos melhores pontos d’esta cidade,diariamente frequen
tada pelos Fiéis: fazem com toda solennidade a Festa do
Santíssimo Rosário tudo conforme ordenou S.S. Papa Le
âo 13.”70

70 AI.N.S.R. Requerimento para elevação da Irmandade a Ordem 3a do Rosário, 07 de abril de 1894,


cx. 1, doc.9
i i :>

Em 1899, onze an o s a p ó s a a b o liç ã o , a irm an d ad e foi e le v a d a à O rd e m

T e rc e ira . A n o v a c la s s ific a ç ã o e ra um ev id e n te sinal de p re stíg io p e ra n te a

p o p u la ç ã o b a ia n a . P a ra a Ig reja, o in te re s se s e ria trazer os c o n fra d e s, a g o ra

terceiro s, m a is p ró x im o s do c a to lic is m o o ficial.

R e s ta s a b e r se os irm ão s ag iram de aco rd o . F altam in fo rm a ç õ e s a

e sse re s p e ito . O fa to é q u e o s n eg ro s do R o sá rio u tiliz aram da n o v a p o s i­

ção p a ia d ifu n d ir, 110 s é c u lo s e g u in te , s e u s v a lo re s , su a c u ltu ra e su a r e lig io ­

sid ad e, além clc co n tin u a r se n d o espaço de ab rig o da id e n tid ad e n e g ra no

''eloúrinho.

I
C O N S ID E R A Ç Õ E S F IN A IS

O e stu d o de u m a irm an d ad e de co r re v e la m ais um a s p e c to d a h is tó ria

dos negros no B rasil. A tra v é s dessa nssociaç& o, e le s p ro m o v era m te r so b

controle v id a s, n este e no o u tro m undo, reafirm an d o e re e la b o ra n d o sua

identidade. N ã o p rete n d o d efin ir a co n fraria do R o sá rio co m o ex em p lo m á­

xim o d a lu ta negra. P refiro c o n s id e rá -la com o m a is um a, en tre ta n tas m a n e i­

ras, q ue o s e sc ra v o s e lib erto s ad o ta ra m p a ra s o b re v iv e r co m alg u m a d ig n i­

dade. A tra v é s da s o lid a rie d a d e c o le tiv a os irm ão s do R o sá rio m a rc a ra m

p resen ça na sociedade baiana, c e le b ra ra m rito s q u e os c o lo c a v a m no ce n tro

de um a relig ião do m in an te, fa z e n d o -se c id a d ã o s d e s s a “ s o c ie d a d e re lig io s a ,”

cid ad an ia q ue o b v iam en te n ão tin h am n a so c ie d a d e civil. F u n e ra is e f e s ta se

en trelaçaram e c o n stitu ía m o s m o m en to s m áx im o s de e x e rc íc io s d e s s a c id a ­

dania m ística.

A s fe stiv id a d e s d e m o n stra v a m a c a p a c id a d e de o rg an ização do n eg ro .

A p esar d a e sc ra v id ã o e d a p o b re z a d a B ah ia o ito c e n tista , n eg ro s e m e s tiç o s ,

p o b res e e sc ra v o s trab a lh aram p a ia q u e o brilho d a fe s ta n ã o d e s a p a re c e s s e

ao longo d o sé c u lo X IX. E ra u m a fo rm a de afirm ar a c a p a c id a d e d e r e a li­

zação n eg ra a u m a s o c ie d a d e d o m in a d a p e lo s b ran co s. E o fizeram ab ra ç a n ­

do um cato lic ism o , d e sv ia n te do o ficial, q u e e n fetizav a a re la ç ã o com os

santos, a tra v é s de p ro m e s s a s , de d a n ç a s e cantos.

O s ritu a is fú n e b re s eram o o u tro p o lo im p o rtan te d a v id a n a irm a n d a ­

de. O s co m p ro m isso s g aran tiam a b o a m o rte, u m a m o rte a s s is tid a p e la fa ­

m ília de irm ãos de d e v o ç ã o , co m m issa s, v e la s e se p u ltu ra 110 e s p a ç o sa g ra ­

do da irm an d ad e, fo s s e no te m p lo d a s P o rta s do C arm o , ou n o s c a rn e iro s d a

B aix a d e Q uintas.
O s irm ãos s o u b e ra m co n fro n ta r a arro g ân cia d as a u to rid a d e s, c o n q u ista ra m o
direito de reu n ir-se, de d irig ir su a in stitu iç ão m ais au to n o m am en te. E s te s sã o

pontos altam en te re le v a n te s, c o n q u ista s m e ritó ria s nu m a s o c ie d a d e e s c r a v o c r a ­

ta e racista. A trav és d o s e sta tu to s , os n eg ro s do R o sário re e la b o ra ra m a no­

ção de p a re n te sc o fo rm aram u m a fa m ília ritu al q u e p ro p o rcio n o u u m m eca­

nism o de ag lu tin aç ão s o lid á ria em m e io a u m m undo incerto. Se a s a u to ri­

d ad es civ is e re lig io sa s im ag in aram q u e n a irm an d ad e os negros se to rn a ri­

am m a n ip u láv e is, en g an aram -se. E la s fo ra m e s c o la s de o rg an ização p o r u m a

vida ind ep en d en te em to m o de u m a id e n tid ad e negra, a p e s a r de por m u ito

tem po e s ta id e n tid ad e se en c o n tra r d iv id id a p o r linhagens étn icas, q u e a p ró ­

p ria irm andade aju d o u a re e la b o ra r n a B ahia.

O flo rescim en to d e a s s o c ia ç õ e s civ is, a s m u d an ças n as a titu d e s em

rela ção à carid ad e, a p ro ib iç ã o de en terro s n as ig rejas ao longo d a s e g u n d a

m etad e do sé c u lo X IX a fe ta ra m n eg ativ am en te a s irm an d ad es re lig io sa s. N o

R o sário , n ão foi d ifere n te, m a s o s c o n fra d e s do R o sá rio co n seg u ira m m a n te r

v iv a a in stitu ição . O s liv ro s d e a ta s, a s co rresp o n d ên cias, os liv ro s de re c e ita

e d e sp e sa , entre o u tro s d o c u m e n to s, re v e la m u m a a s s o c ia ç ã o q u e c o n tin u a v a

a organizar s u a s fe s ta s , o rg an izar a d e v o ç ã o e n o rm atizar a v id a d o s irm ão s

e quando p re c iso d e fe n d e r-se d a o fe n s iv a d as a u to rid a d e s. A irm an d ad e, d e ­

p o is tra sfo rm a d a em O rd em T e rc e ira , c o n tin u av a sen d o , a p e s a r d a s tra n s fo r­

m a ç õ e s o co rrid a s, lo c al d e o rg an iz ação e s o lid a rie d a d e d e afric an o s e s e u s

d escen d e n tes.

A tra je tó ria d a c o n fia ria do R o sá rio d a s P o rta s do C arm o é sin g u la r.

E nquanto o u tras a g re m ia ç õ e s d e n eg ro s d e s a p a re c e ra m ou tiv eram p a r tic ip a ­

ção re d u z id a no cen á rio re lig io so d a B ah ia, a irm an d ad e atu alm en te d e n o m i­

n ad a O rd em T e rc e ira s o b re v iv e u ao tem p o . É h o je m e m ó ria h istó ric a n e g ra

no largo do P elo u rin h o .


FONTES

ARQUIVO DA IRM ANDADE DO ROSÁRIO

-C o m p ro m is s o s do R o s á rio d a s P o rta s do C arm o ( 1820 e 1 9 0 0 )


- P ro je to de c o m p ro m isso ( 1872 )
- Com prom isso da Irm. Sr. Dom Jesus da (Truz dos Crioulos, nas
terras du Villa du Cachoeira. ( 1800 )
-R e q u e rim e n to p /e le v a ç ã o d a irm an d ad e a O rd em 3,1 ( 1894 )
- L iv ro de T e n n o s d e re s o lu ç ã o ( 1794 a 1 8 9 1 )
- L iv ro de A ta s ( 1856 a 1 8 9 9 )
- L iv r o de e n tra d a de in n ã o s ( 1719- 1837 )
- L iv r o de R e c e ita e D e s p e s a ( 1 8 2 2 -1 8 9 9 )
- S u b s c riç õ e s -o b ra s c a rn e iro s ( 1858 )
- S u b sc riç Õ e s-fe sta de N .S . do R o sário (1 8 9 1 -9 4 )
-A tiv id a d e s de o u tra s d e v o ç õ e s, irrn an d ad es e a s s o c ia ç õ e s (1 8 2 6 -1 8 9 1 )
- O b ra s e refo rm a s n a Ig reja ( séc. X IX )
- P ro p rie d a d e s d a Irm an d a d e. ( séc. X I X )
- C o rre sp o n d ê n c ia s ( 1811 a 1898 )

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

- L ivro de re g istro d e te sta m e n to s- 64 v o lu m es ( sé c u lo X IX )


- L ivro de in v e n tário s ( seg u n d a m e ta d e séc. X IX )
- S érie: R elig iã o ( Irrn an d ad es )
- S érie: P o líc ia

ARQUIVO DA CÚRIA METROPOLITANA DE SALVADOR

- P a s ta s : irrn an d ad es e c a p e la s

ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO

- F u n d o : M e s a d e C o n s c iê n c ia e O rd en s (1 8 1 0 a 1 8 2 1 )
- F u n d o : D e s e m b a rg o d o P a s s o ( 1810 )

ARQUIVO DA CÚRIA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

- C o m p ro m isso s
ANEXOS
C O M P R O M IS S O D A IR M A N D A D E DE N O SSA S E N H O R A D O
R O S Á R IO D O S H O M E N S P R E T O S ( 1 8 2 0 ) l

CAPÍTULO I
Da Instituição e Ereção da Irmandade

A invocação com que foi erecta, e instituída esta Irmandade, de baixo


da qual tem confiança seus devotos Irmãos, por crescerem tanto nos argumentos es-
pinhmiíi, o a mu UmpornoH; h<? da Sf^riilissmm V ir g in Nansii SpiUiom do Ko^iiriò, n
qual foi erecta, e Confirm ada na Santa Sé Cathedral desta B ahia por antigo Com­
promisso do anno de 1685, e passando depois para sua própria Igreja abaixo da
portas do Carmo, se tem regido e multiplicado até certo tempo com louvável zelo, e
grandeza, e como por algumas razões, além do muito com que a Irmandade se tem
propagado, e melhor acordo com que os modernos se tem delineado o regimem d elia
se faz precizo novos estatutos, e reform a de Compromisso que se ordenou no anno
de 1769, para melhor accerto do governo das M ezas que administrarão neste prezente
anno de 1820 se ordennou este novo Compromisso, para que auxiliado p e la Proteção
Real, por elle se continue no Serviço, e devoção da Virgem Santíssima do Rozario.

CAPÍTULO II
Da obrigação Christã q. deve ter cada Irmao

Todo e qualquer Irmão desta Santa Irmandade, cuidará muito em ser d ev o ­


to da Virgem Santíssima, rezando todos os dias o seo Rosário, Confessando-se e C o­
mungando todos os mezes na C apella da mesma Senhora, principalmente em o d ia da
sua festividade, e nos de qualquer Invocação da Puríssim a Virgem Senhora A ssistirão
em todos os Sabbados a Ladainha, e nos Domingos o Terço; trazendo sem pre bem
ajustada a vida, exercitando-se nos Santos costumes, assistindo a todos os OfiFicios
Catholicos, q. se recitarem na ditta Capella, cumprindo com os preceitos D ivinos, p ara
que tenhão o amparo, e proteção d a Virgem Senhora; e cazo h aja algum Irmão que
falle a estes justos e pios deveres, ( o que de nenhum se e s p e ra ), e passe a escanda-
lozo, e perverso, será chamado p ela M eza, e o Reverendo Capellão o ad v irtirá C hris­
tamente.

1 A grafia foi mantida na forma original.


CAPÍTULO ÍII
I)a entrada dos Irmãos

T oda a pessoa de qualquer qualidade, e sexo que seja, tanto liberto,


corno escravo, que quizerem entrar por Irniílo desta Irmandade dará de sua entrada
2S000 rs, e logo o Imulo Escrivão lhe fará termo de entrada nos Livros da Irm anda­
de, e fícsuá o dilto LftlifU) obrigado a pugar cnda íitrno cem feia de tuunial, e cuidará
muito em observai', e cumprir as obrigações da Irmandade no Serviço da Virgem
Santíssima com aquelle amor de D eos, e zelo que deve como Chatolico, e p ara isso
o Irmíío Escrivão terá de obrigação logo que passar o termo, ter o capítulo segundo
deste Compromisso; a cada hum Irmíío que entrar, para saber do regimen da Irm anda­
de, e sua obrigação.

CAPÍTULO IV
Da dispozição da Festa, Procissão e solennidade do seu dia

A Festa da Virgem N o ssa Senhora tio Rozario, se fará annuaJmente com toda
solennidade devida na segunda Dominga do mez de Outubro, com M issa cantada;
Sermão e Sacramento exposto; preparando-se para isso a Igreja com asseio, e ornato
necessário: precedendo em nove tardes sucessivas a N ovena da mesma Senhora, com
M usica ou orgão: e no dia d a F esta se fará à Procissão com aquella solennidade, que
se requer em semelhante acto, a qual hirá pelas ruas da Cidade até as Portas de São
Bento, donde voltará as horas que se recolha sem detrimento, e escandalo, e nella
hirâo às mais Irrnandades erectas na mesma C apella com suas charolas decentemente
ornadas seguindo a ordem dos lugares pelas suas antiguidades. G uiará a Procissão os
Juizes que tiverem servido o anno antecedente, ou os que forem inimediatos, e adiante
da charola de N o ssa Senhora irá o Irmão Thesoureiro actua] com capa e vara; e
aíraz fechará o Irmão Escrivão actual, dando a direita ao nosso Reverendo Padre
Capellão, o qual acompanhará de sobrepelliz, e tocha de armas. Os dous Juizes actua-
es fechão igualmente atraz do Pallio. Quando haja Procissão, não deixará de hir o
Santíssimo Sacramento conduzido pelo Reverendo Parocho d a Freguezia, levarão as
varas do Pallio os Irmãos, que tenhão servido de Juizes, em falta destes supprirão os
Escrivães, e Thesoureiros. A despeza d a charola de N o ssa Senhora será feita p e la
Irmandade: Os diamantes, jo ias, e aprestos p ara o melhor brilhantismo, e asseio com
que se deve ornar a R ainha dos Anjos, procurarão os Irmãos Thesoureiro, e Escrivão.
A disposição da esmolla, que a Irmandade deve dar pelo Sermão pertence a M eza,
assim como também a eleição do Sacerdote; porém se algum Irmão, Juiza, ou qualquer
devoto queira dar o Sermão p a ra o dia da Festa, se lhe acceitará, fazendo então a
Irmandade a Festa de manhã: Cazo algua M eza queira fazer Tedeum, o fará a sua
custa, entrando a Irmandade p a ra esse fim só com a cêra do Throno. A s novenas
serão feitas pelo Reverendo Parocho, e quando a Irmandade se ache im possibilitada,
se farão pelo nosso R everendo C apellão, cujas N ovenas se a M eza actuai a quizer
fazer com o Santíssimo Sacram ento exposto, será a sua custa; assim como em quanto
a Irmandade se achar individada, não será obrigada a fazer Procissão, e se a M eza a
quizer fazer, não concorrerá a Irmandade com couza alguã p ara ella, pois a da M eza
fará a sua custa
CAPÍTULO V
Da disposição, e factura da Eleição

A prim eira Dom iaga de Outubro se convocará M eza com pleta de


todos os Irmãos, de que ella se compõe, e cazo falle algum por justo impedimento, se
avizará qiuilquer outro Irmão qua tonha servido j a nn Mezft o lugnf do im pedido, a
qual se fará no Consistório da C apella da mesma Irmandade, e nhi em, e v erd ad eira­
mente sem genio de affeição, ou odio procederão naquella Eleição; para o q. se p o rá
na M eza hum escrutínio, e hum sacco com favas brancas, e pretas, e corre por conta
do Escrivão contar as favas, e fazer assento dos votos approvados. A ssentados todos
em acto da Meza, onde também se achara prezidindo o Reverendo Parocho; p rin cip ia­
ra a propoziçao, o Juiz da serie dos Angolas, o qual proporá tres Irmãos que sejâo
capazes de exercer o lugar de Juiz, e sendo approvados pela M esa, seguirá a p ro p o s­
ta do Juiz da serie Crioulos, e approvados que sejão, se passará a proposta do E s­
crivão na forma referida, bem entendido, que no anno em que for o Escrivão d a serie
dos Crioulos; o mesmo se lia de praticar com o Procurador G eral, seguindo sem pre
esta mesma ordem. O Procurador Gera] não será senâo quem j a tenha occupado o
cargo de juiz, para com m aior inteligencia exercer o lugar. Os mais Procuradores
darão os seos homens, e approvados p ela M eza continuará a factura dos Consultores,
cujo numero dita conforme a determinação dos Juizes, e augmento da festividade na-
quelle anno: cada hum dos quatro Procuradores nomeará o seu homem e approvados
que seja p ela M eza, continuarão até concluir a Eleição, na qual assignará o R everen­
do Vigário, e igualmente o Escrivão, e logo no dia seguinte a p o rá em limpo p a ra o
Reverendo Vigário assignar a da E leição, p ara ser publicada, como he costume, no dia
da nossa Festividade. O E scrivão que acaba, terá obrigação no dia que se fizer o
Inventário, entregar ao novo E scrivão a Eleição acompanhada com a ditta p ro p o sta
para evitar duvidas. N ão p oderá ficar a M eza reeleita de hum ano p ara outro, sem
justos motivos, como sejão obras, ou dependencias judiciais, a bem e utilidade da
Irmandade, ainda assim convocará a ditta M eza huma Junta com pleta de vinte cinco
homens que tenhão servido cargos n a Irmandade, para a Junta concordarem n a re e le i­
ção da ditta M eza

CAPÍTULO VI
Dos Offíciais que hão de servir na Mesa e posse delles

Os Irmãos que annualmente hão de servir na M esa constarão de dous Juizes,


hum E scrivão, hum TTiesoureiro e hum Procurador Geral, e quatro Procuradores, e os
Consultores como diz o Capítulo Quinto: Serâo de inteiro procedimento e verdade,
com aptidão e agilidade p ara satisfazerem com desempenho suas obrigações, tudo se
fará na forma, e pelo modo que lhes devem succeder no anno seguinte, como fica
disposto no ditto Cap. 5o, que todos devem ser pessoas de quem se confie o zelo, e
augmenta da Irmandade Fechada a Eleição em huma folha de papel com obrea ou
lacre, entregará o Irmão Escrivão ao Reverendo Padre Pregador no dia da. F esta p'ira
este publicar no púlpito em voz alta na presença do auditorio. D epois fará o dit to
Escriv3o participar por cartas escriptas pelo seu punho aos novos eleitos, p ara que
na terceira Dominga depois da Festa se achem na nossa C apella as oito horas da
manhã para tornarem posse dos seos cargos; cuja posse já será a despeza feita a
custa da nova Mesa. Do rendimento da salva, tanto da M esa, como das Juizas, M o r­
domos, e tudo o mais, o Irmão Thezoureiro fará a despeza deste dia; e do seo liquido
fará siente ao Irmão Escrivão para carregar na sua receita A M issa da Posse será
dieta pelo nosso Reverendo Capellão pela esmola de 2S000 rs; depois da M issa fará
o ditto Reverendo Capellão aquellas admoestações costumadas que se praticão nas
Posses. Subirão as M esas velha, e nova para o Consistório donde o Irmão E scrivão
que acaba lavrara o Termo de Posse que será assignado pelas duas M esas, o que
concluido os Juizes novos com a M esa despedirão a M esa preterita, e principiarão a
administrar com fervor, e zelo o bom regimen. Os Irmãos Thesoureiro, e Procurador
preteritos darão hum pequeno inventário na Caza da Fabrica; e os Juizes, e mais
Officiais da M esa actual farão avizar o dia que lhes for mais conveniente aos Ir­
mãos Escrivão, Thesoureiro, e Procurador Geral para o Inventario dos bens de N o ssa
Senhora ficando alcançado o Irmão Thesoureiro, em algumas peças da Luiandade que
p. sua omissão deixou a revelia, será punido com aquela política, com que se deve
tractar os nossos Irmãos; mas se por meios políticos não der conta do q. faltar; nesse
cazo será punido com a Lei.

CAPÍTULO VII
Dos Mordomos da Festa

Todos os annos elegerão os M ordomos que acabão outros


vocalmente para servirem a Virgem N ossa Senhora, e serão de doze p ara servirem a
Virgem N o ssa Senhora, e serão de doze p ara sima, pessoas idôneas, e com posse pois
por conta delles corre todo gasta d a Novena, Festa, e Procissão; serão estes avizados
por cartas, ou sejão Irmãos, ou não; porque não sendo ficarão Irmãos, e se lhe lavrará
termo no qual se declare que entrou na Irmandade sendo M ordom o de Festa, depois
de dar a sua esmola; cuja despeza será paga ao arbitro da M esa, o que muito re-
commendamos todo cuidado, e zelo p ara augmento da Irmandade.

CAPÍTULO VIM
Das Juizas, Mordomas e Procuradoras

Em cada hum ano se elegerão as Juizas que forem sufficientes de huma e


outra nação, doze M ordom as, ou mais se poder ser, duas Procuradoras as quaes p o d e­
rão ser Irmãs ou não, e com estas se praticará o mesmo que a respeito dos M o rd o ­
mos fica disposto e se escreverão seos nomes na mesma Eleição que se publicar e
das acceitarem se lançarão no Livro das Eleições.
CAPÍTULO IX
Do Officio dos Juizes, e suas obrigações

Os dous Juizes terão particular cuidado da conservação, e augmento


desta Sancta Irmandade de que os mais Irmãos M esarios não faltem por omissão o
cumprirem com suas obrigações; e farão dara prem pta execução a tudo quanto se lhes
detemiiníir em M esa, p ara que nflo hajn. íklra alguma no Serviço da Virgem N üsaa
Senhora Em cada mez farão huma M e s a . Os irmãos terão obrigação a não faltarem
por que como cabeças da M esa devem ser exemplares e não remissos. N a Procissão
deve hir os Juizes com suas capas e varas e varas cobrindo atraz do Palio; nos en­
terros dos Irmãos fallecidos terão toda a especial deligencia em não faltarem; por que
alem de ser acto da obrigação do cargo que exercem, também o he de charidade, que
se deve praticai' como ultimo beneficio que recebem dos q. ficão vivendo. Em quanto
as M esas que se acha esta Irmandade de prezidir hum Juiz seis mezes, do que nasce
ter exito, e vigor a emulação de cada hum querer nos seos seis mezes disfazer o que
o outro determinou nos seos; se ordenna com o justo acordo, e razão que se unão
ambas vontades como fica determinado no Cap. 3o, e presidirão ambos em todas as
M esas do anno: Nas matérias e negócios que se propozerem, votarão com favas bran­
cas, e pretas conforme suas consciências lhes ditar, e entender ser justo, levando sem­
pre diante dos olhos o em da Irmandade, e zelo do serviço da Mai de Deos. Logo
q. tomarem posse serão obrigados a tomar conta dos papeis, e ngocios da Irmandade
para ter conhecimento de todas suas forças.

CAPÍTULO X
Do Officio de Escrivão e sua obrigação

Será o Irmão E scrivão obrigado a ter em seo poder os Livros dos A bce-
darios, dos annuaes, e dos mortos, e todos os mais estarão dentro do archivo do nos­
so Consistorio, e querendo ver algum Livro, ou papel respectivo a Irmandade p ed irá
ao Irmão Thezoureiro p ara lhe ab rir a porta do Consistorio, e tirará no A rchivo o
Livro que carecer, e alii vera o q. quizer. O Escrivão a respeito do qual se observa­
rá para a Eleição deve ser p esso a que saib a ler, escrever e contar ou alias assignar
o seo nome, terá obrigação de assistir a todas as mesas, e proporá nella os negocios
e matérias que carecerem ser decididas p ela M esa, e do que se assentar lav rará ter­
mo no Livro delles p ara ser assignado por toda a M esa como tambem tom ará por
inventario todos os papeis relativos a Irmandade o novo Escrivão do que assignará
termo junto com a M e s a D a m esm a form a lavrará termo no Livro do Inventário que
haverá donde conste dos bens, jo ia s, e mais alfaias existentes. T erá o ditto E scrivão
muito cuidado em lavrar os termos dos Irmãos e Irmãs que entrarem no seo anno, e
quando se fizer cobrança dos annuaes fará descarga no Livro delles os annos que
cada hum satisfazer, e da m esm a sorte o assento dos mortos. He da econom ia do
Escrivão passar bilhetes p ara os Irm ãos fallecidos declarando nelles o que deve de
annuaes para serem cobrados por seos bens havendo, isto he, do que for rem isso ein
pagallos; logo que qualquer Irmão que falleça nada deva de annuaes terá logo cuida­
do de passar os bilhetes das M issas, e fazer remetter pelo Irmão Procurador ao Ir-
mào Thesoureiro para as mandar dizer e n;lo se demorar com os sullbigios das a l ­
m as. N a Procissão hira com capa, e vara. fechíuido no meio a Corporação dos mais
M esários, adiante da Cliarola de N ossa Senhora, e nos enterros hirá encorporando
com os da M esa no lugar imediato, ou fronteiro ao Thesoureiro, no meio dos quaes
hirá o Juiz com vara.

CAPÍTULO XI
Do Thesoureiro e suas obrigações

O Thesoureiro será pessoa que saiba ler, escrever, e contar, ou ao menos


assignar o seo nome, que seja homem possibilitado, e de conhecida verdade, e sã
çoíiBcbricia, inteligente 9 h a il;p o r que1 da exaptidão de hum bom Thezoureiro pend® o
augmento, a conservação, o interesse, e fiscalização do Patrimonio da Irmandade, e por
isso não deixará de assistir a todas as M esas. T oda a receita e despeza que se fizer
no seo anno será lançada no Livro competente pelo Irm?ío Escrivão, que he quem
deve escrever nos Livros da Irmandade, para no íim do anno dai- satisfação de tudo a
nova M esa, que tomando conta e achando-a legal a approvaríi, e entrará no exercício
o novo Thesoureiro. Se a Irmandade lhe ficar devendo alguma cousa de resto da
despeza que tiver feito lhe satisfará logo em continente. T erá especial cuidado em
mandar dizer as M issas por alm a do Irmão que fallecer tendo então pagos os annua-
es, cobrando quitações assignadas pelos Padres que as disser no Livro p ara isso de
custo a excepção das uzuaes sem ordem e acordo d a M esa a qual p ara as que se
fizerem assistirá, e v o ta rá S erá obrigado o Thesoureiro para menos difficuldade dar
contas no fim de cada trez mezes.

C A P ÍT U L O Xll
Do Procurador Geral, Procuradores da M esa e suas obrigações

H averá na M esa hum Procurador Geral pessoa agil e deligente que j á tenha
servido o cargo de Juiz; este p rocurará as demandas da Irmandade, e dependencias
delias a este terá a M esa todo respeito; hum anno será da serie dos A ngolas, outro
da serie dos Crioulos, o Procurador Geral tom ará conhecimento de todas as determ i­
nações da M esa que não for a bem d a Irmandade p ara se oppor e protestar, e quan­
do não queira protestar v irá logo com a Junta p ara esta determinar. O ditto P rocura­
dor Geral terá assento em frente dos Juizes. Como seja precizo p ara coin m ais sua­
vidade, e menos detrimento se cuidar no zelo e serviço da Irmandade haverão quatro
Procuradores, que serão annualinente eleitos como fica determinado no Cap. 5 o . Os
quais terão summo cuidado e deligencia procurarem tudo quanto pertencer a Irm anda­
de. A vizará com deligencia p reciza a todos os Irmãos Juizes, e M esários: d a m esm a
forma farão saber aos Irmãos Zeladores quando há enterros p ara que se não atribua
a ignorancia, e falta de notícia qualquer descuido, ou omissão que p o ssa haver. Terão
também a incumbência avizar os Irmãos da M esa p ara se fazerem estas quando os
Irmãos Juizes lhes determinarem que o fação, alem das q. annualmente se fizerem ; e
cazo hajão algumas demandas na Irmandade também p o r conta delles corre agencia­
rem; e procurarem auxiliando ao Procurador Geral, o qual será obrigado a d ar em
M esa conta do estado delias, e o importe das despezns, que se fizerem receb erá do
'ITiesoureiro, que constando serem precizas contribuirá sem a menor duvida. Terão
taõem os ditíos Procuradores grande cuidado em arrecadarem tudo quanto pertencer a
Irmandade fazendo entrega ao Thesoureiro, e siente a M esa para cujns expedições se
recommenda muito que elejão pessoas menos occupadas em que concorrão agilidade,
viveza, e exatidão.

CAPÍTULO xm
Dos Consultores e suas obrigações

Os Consultores na conformidade disposta do referido Capítulo 5o serão


como j a fica determinado virão ser pessoas prudentes bom juizo, e conselho, para
tudo procederem com acerto, e serão sempre prompto nas occazioes de M ezas assistir
e nellas cada hum per si dará o seu parecer, e votarão com huiniIdade, m odéstia sem
alteração de palavras, bem como todo os mais vogaes; porque só assim se evitão
pertubações e discórdias.

CAPÍTULO XIV
Dos Reverendos Capellão, Sachristão e suas obrigações

O Reverendo Sacerdote, que tiver a seu cargo, o ministério de Capellão,


como tão bem o que exercitar emprego de Sacliristão, serão Sacerdotes do Imito de
Pedro, Confessores prudentes, e de idade competente, de vida e louvares costumes. O
Reverendo Padre Capellão d irá todas as M issas da Irmandade nos Sabbados e nos
dias notados no Cap. 20 e a M issa no dia da P ad ro eira O Reverendo Padre Sa-
christão terá a seu cargo tratar dos ornamentos, assear os Altares, trazei los param enta­
dos, e promptos p ara se celebrar nelles o Sacramento Saticio da M issa: M andar lavar
as alvas, toalhas, e tudo relativo a obrigação do Sachristão, que como Sacerdote igno­
r a Não poderá em prestar p ara fora d a C apella couza alguma que a seu cargo tiver,
sem consenso da M eza, ou aliás do Irmão Thesoureiro. Admittido q. a qualquer Sa­
cerdote para Capellão, ou Sachristão p o r hacho da M eza se lhe fará termo no Livro
delles, para ficarem exercendo, não só o expressado, mas tambem obrigação de reza­
rem a Ladainha de N o ssa Senhora nos Sabbados, e nos Domingos o Terço a tarde e
a tarde e a este respeito o mais que licitamente pertence a obrigação Sacerdotal;
perceberá de seu sallario secenta e quatro mil e o salário do Padre Sachristão será
arbitrado p ela M eza, e o Irmão Thesoureiro satisfará cobrando de ambos quitações.
CAPÍTULO XV
Dos Irmãos Zeladores

Convem muito liaver nesta nossa. Irmandade dons Irmãos. com occupaçtlo
de Zeladores, os quaes serão nomiados pela M esa na prim eira que se fizer depois
que tomarem Posse, e serão pessoas que tenhão bastante conhecimento dos Irm ãos da
IrthrüültuU, i|nt> »«jfta ntpçoH, 9 i4e> Híúmoa ddljggiot«’«); hum diia Aíigoln«, outro tio«
Crioulos, podendo ser, não obstará se forem ambos de huã só qualidade. He obriga­
ção delles annualmente avizarein os Irmãos para os enterros dos fallecidos, e se lhes
recom enda niuito que se esmerem em convocar bastantes Irmãos, p ara que este acto
de charidade se execute com hum numeroso acompanhamento, evitando a desculpa que
pode haver da ignorância por falta de avizo, por ão poderem os Procuradores somen­
te fazer geral participação a Irmandade; logo que tiverem certeza da hora do enterro
a farão constante aos Zeladores p ara estes sahirem a convocar os Irmãos, ficando da
parte dos Procuradores avizar aos Juizes, e mais M esarios como j a fica tractado no
Cap.12. Tambem fica da obrigação de avizar ao Padre Capellão para os enterros.

CAPÍTULO XVI
D a qualidade dos Irmãos da M esa

P ara Juizes, Procuradores, e mais Irmãos da M esa se elegerão pessoas lib er­
tas e izemptas de escravidão, p ara que sejão promptos em exercer e satisfazer os
actos da Irmandade; e vivão livre d ’alguã infamia a que está sugeita a condição
servil de q. nascerá sem duvida magoa aos companheiros q. lhes forem afeiçoados,
assim como prazer nos males dos que forem mal affectos. A excepção porem dos
Irmãos M ordomos da Festa, por que estes poderão ser pessoas sugeitas com tanto
que possão cumprir com as suas obrigações no decurso do anno e satisfazerem as
devidas esmolas costumadas. Assim como tambem no cazo, que algum Irmâo sem
embargo da sugeição seja bem procedido, e o seo captiveiro suave p o d erá ser Irmão
de M esa; mas em nenhum cazo será Juiz, Escrivão, Thesoureiro ou Procuradores; por
que estes rigorozamente devem ser pessoas libertas. E da mesma sorte as Juizas,
M ordom as e Procuradoras, lhe não servirá de objeção a falta de liberdade; p o r q. p ela
qualidade do sexo não exercitão acto de M e sa

CAPÍTULO XVII
D as promessas que farão os Irmãos da M esa

Em 0 prim eiro Domingo depois da Posse ou no segumdo se fará


M esa completa de todos os Irmãos, e nella fará cada hum Irmão sua prom essa, d ecla­
rando a esmola que hão de d ar no fim do anno que será cada hum Juiz 16S000 rs ,
0 Escrivão 8S000 rs., o Thesoureiro 4$000 rs, 0 Procurador G eral 6$000 rs., e cada
Consultor será 4S000 reis. Os Procuradores não serão obrigados a darem jo ia s , salvo
se voluntariamente o queirão fazer, por que bastará exercerem os seos cargos com
satisfação e zelo; e p o r q. alguns Irmãos tem cauzado prejuízo a esta nossa Irmandade;
por não satisfazerem o que promettem; se ordena, que alem do regresso que a m esm a
Irmandade tem de cobrar judicialm ente de quem a mesma he devedora, também ficará
o Irmão, que faltar de satisfazer a sua promessa iuhabilitado de occupar mais cargo
algum na Irmandade; nem entrar em Junta, e menos ter voz activa ou passiva p ara o
q. o Irmão Escrivão actual logo em M esa fará termo de cada huã das prom essas
seporadfuitentó no livro tléllmt em naelantutio.

CAPÍTULO XVIII
Do Cofre, que deve haver na Irmandade

Parece muito conveniente; e com effeito precizo que haja na Irman­


dade hum Cofre em que se depozite em boa guarda todo o dinheiro, jo ias, peças de
ouro, v prata que bé* costuma guardar, para cuja execuç&o será de proporcionado ta­
manho o qual existirá na Caza do Consistorio,ou onde parecer mais conveniente, e
util a mesma Irmandade. T erá fecho de cinco chaves seguras, e diiferentes humas das
outras de sorte, que cada chaw v ab ra a sua fechadura singularmente; Cada Juiz tom ará
a guardar a sua chave, o Escrivão terá outra, o Thesoureiro outra, tocando a quinta
chave ao Procurador Geral: Quando for precizo se abrir o Cofre p ara nelle se tirai'
alguã peça, que seja necessaria p a ia o uzo, ou dinheiro para alguma obra, ou despe-
zas; se acharão todos com as suas chaves p aia abrir o Cofre, e tirado o que se pre-
cizar, o fecharão, e logo o Escrivão lavrará o termo que todos assignarão levando
cada hum com sigo a chave resp ectiv a

CAPÍTULO XIX
Dos livros que haverão na Irmandade

Faz se precizo p a ia o bom regimem da Irmandade livros destinados,


e separados paia os negocios d elia rubricados pelo Provedor de C apellas e Rezidu-
os, estão os seguintes = o 1.° P ara receita e despezas do Thesoureiro em o qual so ­
mente escreverá o Irmão E scrivão actuai. O T P ara nelle se lançarem os termos, e
rezoluções da M eza pelo mesmo Escrivão cujos termos serão assignados p o r toda
M e sa O 3o Para se lavrarem as entradas dos Irmãos expressando a sua form alidade
assignada pelo Irmão que entrar, no cazo que algum não saiba escrever o E scrivão
assignará por elle. O 4o P ara se copiarem as eleições de cada anno tanto dos Juizes
e M ezarios, como dos M ordom os da Festa, Juizas Procuradoras e M ordom as; depois
de constar que aceitarão. O 5o P a ra a cobrança dos annuaes, no qual estarão todos os
Irmãos lançados por A B Cdario os seus nomes, p ara descarregarão os q. forem p a ­
gando. O 6.° P ara assento dos Irm ãos q. fallecerem q. de cada hum se fará seo termo
assignado pelo Escrivão declarando o nome e lugar donde era m orador se liberto ou
escravo. O T P ara se escreverem as quitações das M issas que se disseram pelos
Irmãos que fallecerem assignadas pelos Reverendos Sacerdotes que as disserem . O 8o
Finalmente p aia se lançarem todos os bens, propriedades, e jo ia s que possuir a Ir­
mandade, e da mesma forma se assentará qualquer peça, ou traste que de novo se
fizer, expressando se foi feito p e la Irmandade, ou por offerta de algum Irmão bem fei-
tor, ou qualquer outra pessoa, q. devota, e agradecidamente a dedique a M ãe S antíssi­
ma do Rosário.
C A PÍT U L O XX
Das M issas da Irm andade

M andarão os Irmãos da M esa celebrar pelo Reverendo Padre Cappe-


lâo as M issas da sua obrigação applicadas por tenção dos nossos Irmãos vivos, e
defuntos, cujas M issas serão de incenso, assistida pela M esa com capas, e tochas;
acoitadas pelos Iirnãos Procuradores, em o Altor mor dn Virgem N o ssa S enhora
Muito se recomenda nfto haja falta em assistirtm as M issas seguintes.
D ia de Natal
D ia da Circuncisão
D ia de Reis
D ia da Purificação de N ossa Senhora
D ia da Instituição do Santissimo Sacramento
D ia d ’ Annunciação de N ossa Senhora
D ia de Pascoa da Ressurreição
D ia d ’ Ascenção do Senhor
D ia do Nascimento de N ossa Senhora
D ia de Todos os Santos
D ia de Finados, com Procissão, o Capellão de C ap a
E dia da Conceição de N ossa Senhora.
As M issas das Quintas feiras serão celebradas pelo Reverendo Vigário as quaes
serão celebradas pelo Reverendo Vigário as quaes serão applicadas pelos vivos e
defuntos; de quinze em quinze dias de quinta feira haverá reform a do Santissimo S a­
cramento administrado pelo ditto Reverendo Vigário, cujas M issas de reform a serão
applicadas p ela A lm a do Doador, e se lhe dara de esmola de cada huma das M issas
tanto as de reform a como as diarias quatro contos e oitenta reis: a M esa será o b ri­
gada assistir a todas as M issas de Capa, e tocha os Irmãos Procuradores terão todo
o cuidado saber as horas em que o Reverendo Vigário se ha achar a ditta M issa a
fim de que não haja perturbação nem dem ora

C A P ÍT U L O XXI
Do en terram en to e M issas dos Irm ãos fallecidos

Quando qualquer Irmão fallecer, e for enterrado no acto da Irmandade


se convocará esta no m aior numero que poder ser, e todos com suas capas, e vellas
em duas alias com o Esquife, guião, e manga, hirão buscar p ara C apella onde será
enterrado; e não faltará sahir com o Esquife o Capellão, ou outro qualquer Sacerdote
a seo rogo, e os Juizes com os mais Irmãos que poderem, e se acharem no ditto
acto, cobrirão a Irmandade levando capas, e tochas distintas. P ela alm a de cad a hum
dos Irmãos que fallecer se mandarão dizer as M issas que se vão declarar. P elo que
tiver servido os Cargos de Juizes, tendo pago a sua promessa, se lhe d ira M issas: o
que tiver sido Escrivão, e Thesoureiro, na mesma conformidade: o Escrivão oito M is­
sas; igual ao Thesoureiro: os Procuradores e Consultores terão sette: o que só tenha
sido Irmão cinco M issas, todas de esmolas de duzentos e quarenta reis, dittas pelo
Pe. Capellão, e Sachristão na pró p ria C apella
1 34

C A P ÍT U L O XXII
Dos suffragios que se h a de faze r no Domingo depois da F e sta de N ossa S enhora

Na Segunda feira logo depois do dia da Festa de N ossa Senhora se mandarüo d i­


zer duas Capellas de M issas na nossa mesma C apella applicadas pelas almas dos
nossos Irmãos vivos, e defiintos de esm ola de trezentos e vinte cada huma; ficando o
Irmão Thesoureiro na inteligencia de as mandar dizer, e cumprir com este Capitulo.
D ia de finados m andará pôr no Cruzeiro da Igreja hum estrado coberto, com quatro
luzes, e caldeirinha d ’agtia benta onde o Reverendo Padre Capellão rezará o R espon­
so como H.SKÍmi o Capitulo 20.

CAPÍTULO XXIII
D a C h arid ad e que se p ra tic a ra com os Irm ãos doentes, pobres e en carcerad o s

He a charidade o acto que mais se deve prezar, pois a praticarão Varões exem plares
em virtudes, por isso a devemos exercer com os nossos Irmãos enfermos. Os Irmãos
Procuradores terfto cuidado em vizitar qualquer Irmão desta nossa Irmandade, que se
ache enfermo; saber se lhe he m ister alguma couza tanto para o corporal, como esp iri­
tual, e se achar em desamparo e extrema necessidade, dará parte a M esa, ou ao Irmão
Juiz; para lhe mandar applicar a providencia que parecer justa; e sendo summamente
pobre e necessitado, lhe confirá a M eza como cabeça da Irmandade alguma esmola.
F. fallecendo com effeito no estado de pobreza, será enterrado pela Irmandade da
mesma forma que outro qualquer irmão que a fortuna o constituísse em abimdancia
de bens, e lhe dará pelo amor de D eos huma mortalha branca. D a mesma form a os
Irmãos Procuradores terão igual cuidado em vizitar os cárceres onde achando algum
Irmão desta Irmandade, pobre e enfermo prezo, e que se ache detido. Tambem he do
justo dever dos dittos Procuradores vizitar o hospital da Sancta Caza a ver se tem
algum Irmão que esteja a fallecer, ou fallecido para dar parte à Irmandade p ara lhe
fazer o enterro, como he costume.

CAPÍTULO XXIV
D e como se elegera a Junta e quando sera convocada

Rigorozamente he precizo a convocação da Junta, p ara melhor acordo de al­


gumas dependencias, e negocios de ponderação que ocorrem n a Irmandade, e p a ra se
obviar a desordem que pode originar grande copia de Irmftos entre os quaes se in­
troduzem alguns de animo intrigante, que mais serve de perturbar, que diz S. M atheus
no Cap. 20 v e r s l 6 = M ulti enim sunt vocati ; panei vero electi;= se deve todos os
annos eleger huma Junta de Irmãos de bom juizo, e prudência de animos zelozos, e
pacíficos. N a M esa do prim eiro mez depois da Posse, elegerão vinte e cinco Irmãos
que tenhão j á servido de Juizes, Escrivães, Thesoureiros, Consultores, e tambem P rocu­
radores, de huma e outra N ação, que nelles concorrão os requizitos acim a expressa­
dos. Serão obrigados os eleitos p o r serviço de D eos, e de sua M ãe Santíssim a accei-
tarem a eleição que nelles se fizer. O Irmão Escrivão lavrará termo da eleição no
livro respectivo, e p articipará p o r carta a cada hum em como está eleito. F o ra deste
numero de Irmãos não se adm ittirão outros alguns, salvo por impedimento d ’algum
eleito, por que nesse cazo se convocará outro Irmão de igual graduação p ara com ple­
tar o numero.
CONJUNTO ARQUITETÔNICO VISTO DO CARMO COM DESTAQUE PARA IGREJA DO ROSÁRIO
Vista da Fachada da Igreja do Rosário
U5

BIBI J OGKAKI A

Livros, artigos, teses

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