POCT e inovação no

modelo de negócios:
Desafios e oportunidades
na América Latina
Ramón Abel Castaño MD, MS, PhD
Médico pela Universidade CES (1987).
Magistrado em Gestão e Política de Saúde pela Escola de Saúde Pública de
Harvard (1997).
PhD em Política e Saúde Pública pela Escola de Higiene e Medicina Tropical
de Londres (2007).

O Dr. Castaño desenvolveu pesquisas sobre equidade no financiamento da

saúde, sustentabilidade financeira do sistema de saúde, autonomia dos
hospitais públicos e centros de excelência em saúde.

Atualmente, ele se dedica a promover inovações nos modelos de prestação de

serviços de saúde.

Membro correspondente da Academia Nacional de Medicina da Colômbia.

 ÍNDICE
PÁG.

2 Resumo executivo

5 1. Introdução

9 2. O POCT e sua contribuição para o aperfeiçoamento

da eficiência nos sistemas de saúde
12 2.1. Vantagens e desvantagens do POCT

15 2.2. Impactos nos resultados

clínicos e custos

20 2.3. Outros desafios para a

implementação do POCT

23 3. O caminho para o novo modelo de

diagnóstico com o POCT
24 3.1. Problemas estruturais que não
permitem gerar mais valor pelo dinheiro

25 3.2. Medição de resultados de saúde como

um impulsionador de mudanças estruturais

26 3.3. O conceito de inovação disruptiva e

seus elementos

29 3.4. Como enfrentar as inovações

disruptivas

31 4. O novo modelo de negócios necessário para

explorar o potencial disruptivo do POCT

32 4.1. Modelos de prestação de serviços de saúde

36 4.2. Elementos para a concepção de novos

modelos comerciais para o POCT

38 5. O POCT na América Latina

42 6. Conclusões e recomendações

43 Referências
2 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
RESUMO
EXECUTIVO
Os modelos tradicionais de prestação de serviços
de apoio ao diagnóstico in vitro procuram
maximizar as economias de escala inerentes aos
seus equipamentos e insumos, para os quais se
pretende o maior nível de centralização possível,
mas à custa do tempo e dos custos que acabam
por onerar o paciente.
Soma-se a isso o fato de que, normalmente, são
necessários dois ou três contatos do paciente com
o prestador para conseguir a informação
necessária e tomar uma decisão clínica. Além
disso, as modalidades de pagamento prospectivo
e retrospectivo não implicam necessariamente
em incentivos para maximizar o valor gerado ao
paciente, mas podem acarretar a destruição de
valores em consequência das respostas
indesejáveis que podem causar. O anteriormente
exposto mostra que os serviços de diagnóstico in
vitro não estão centrados no paciente, o que gera
uma grande oportunidade de se criar novos
modelos de prestação que produzam maior valor
pelo dinheiro.
Nesse sentido, os testes diagnósticos no ponto de
atendimento (Point of care testing [POCT])
permitem diagnósticos mais rápidos e menos
contatos do paciente com os serviços de saúde.
Por isso, são vislumbrados como tecnologias que
melhoram a resolutividade de tais serviços. Essas
tecnologias podem ser usadas em cinco cenários:
1) no autoatendimento em casa, 2) na
comunidade, 3) em centros médicos
ambulatoriais de baixa complexidade, 4) em
laboratórios periféricos não hospitalares e 5) em
hospitais.
Cada um desses cenários de atendimento supõe
um modelo de negócios diferente para o POCT, e
estes, por sua vez, são diferentes do modelo de
negócios tradicionais do laboratório centralizado.
Assim, as tecnologias POCT são vistas como
disruptivas, uma vez que seu uso otimizado
requer diferentes modelos de negócios, que
produzem profundas mudanças nesta indústria.
A pandemia da covid-19 evidenciou o alto valor do
imediatismo na obtenção de resultados,
especialmente em três cenários cruciais: 1) quando
são realizados cercos epidemiológicos para conter
a propagação do vírus, 2) quando se busca reativar
a economia voltando ao trabalho e 3) quando se
planeja o retorno às instituições de ensino. Se essas
atividades dependerem de um laboratório
centralizado, os tempos de resposta (Turnaround
time [TAT]) são muito longos e acabam
enfraquecendo a eficácia das cercas
epidemiológicas e atrasando a reativação da
economia e do setor de educação.
O POCT tem como vantagem a rapidez do
resultado para a tomada de decisões clínicas em
um único contato. No entanto, embora um teste
POCT tenha o mesmo desempenho na fase
analítica que sua contraparte nos modelos
tradicionais, existem riscos na fase pré-analítica e
pós-analítica que podem comprometer a validade e
a confiabilidade dos resultados.
Outrossim, as evidências sobre esses riscos, a
eficácia e efetividade do POCT normalmente se
baseiam em estudos que avaliaram essas
tecnologias no contexto de modelos tradicionais de
suporte diagnóstico e prestação de serviços de
saúde; portanto, seus resultados são influenciados
pelo fato de tais modelos enfrentarem limitações
para lidar com novas tecnologias que exijam
modelos de negócios diferentes.
Em relação à comparação entre os custos do
POCT e os custos do modelo tradicional, ela
não deve se limitar ao custo por exame, mas
deve cobrir os custos do ciclo completo de
atendimento a uma determinada condição
médica. A comparação do custo por teste

oculta o fato de que, embora em alguns casos
o POCT possa ser mais caro, ele reduz o custo
do ciclo de atendimento ao diminuir o número
de contatos e permitir um diagnóstico mais
rápido. Ocorre, porém, que com a eficiência e
eficácia, a economia potencial pode não ser
aparente até que os modelos de negócios
sejam criados para permitir que o POCT opere
de maneira ideal.
Por essa razão, é necessário criar novos modelos
de negócios que aproveitem as vantagens
oferecidas pelo POCT, para gerar mais valor pelo
dinheiro. Mas, para que isso seja possível,
mudanças fundamentais também são necessárias
na forma como os serviços de saúde em geral são
produzidos, de modo que a competição orientada
por resultados de saúde seja cada vez mais
possível. Esta concorrência por resultados
implica uma mudança fundamental no papel do
diagnóstico in vitro.
As mudanças que se observam nos modelos de
negócios de diagnóstico in vitro em decorrência
do POCT se devem à lógica da padronização-
delegação e da descentralização-centralização-
descentralização, evidenciadas em diversos
outros setores da economia. Nos diagnósticos in
vitro, foram observadas evoluções nos modelos
de negócios ao entrarem na fase de padronização
e centralização. A nova etapa de maior
padronização, maior delegação e
descentralização, que é possível graças ao POCT,
exige, por sua vez, diferentes modelos de
negócios.
É preciso ressaltar que o ideal é que esses novos
modelos de negócios sejam criados
separadamente dos modelos atuais, pois, caso
contrário, tentar adaptá-los aos modelos
existentes fará com que perca seu potencial
disruptivo. Aproveitar esse potencial dessas
tecnologias é uma grande oportunidade de se
criar novas condições competitivas para o futuro
ambiente de suporte diagnóstico.
A concepção desses novos modelos de negócios
deve estar em conformidade com os novos
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 3
modelos que surgem na prestação de serviços de
saúde, segundo a natureza das condições médicas
que são o objeto de atenção. Nesse sentido,
surgem cinco tipos possíveis de modelos de
negócios, nos mesmos moldes dos cinco cenários
descritos acima.
Além disso, é possível criar novos modelos de
negócios que podem ser operados por
organizações totalmente independentes, como
apoiar farmácias na realização de testes POCT ou
realizar testes em escritórios ou fábricas de
empresas de qualquer índole.
A tendência de rápido crescimento do POCT na
última década e suas projeções futuras também
são observadas na América Latina. No entanto,
essa tendência pode ser muito mais acelerada se
for estimulada a inovação nos modelos de entrega,
principalmente aqueles que integram os ciclos
assistenciais de forma a compensar os maiores
custos unitários do teste POCT com as vantagens
geradas pelo diagnóstico oportuno, visando a
tomada de decisões clínicas.
Em conclusão, o POCT oferece grandes
oportunidades para alterar profundamente as
condições competitivas de suporte diagnóstico e
de prestação de serviços de saúde, uma vez que ele
permite melhorar a resolutividade dos serviços de
saúde de forma diferenciada.
“A comparação do custo por teste do
POCT com o laboratório centralizado
esconde o fato de que, embora em
alguns casos o POCT possa ser mais
caro, ele reduz o custo do ciclo de
atendimento por reduzir o número de
contatos e permitir um diagnóstico
mais rápido”.
4 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
Essas oportunidades exigem novos modelos de
negócios que possibilitem o uso otimizado do
POCT, para que possam ser gerados benefícios e
economias, ou seja, mais valor pelo dinheiro.
Este documento está organizado em seis seções.
Na seção um, são apresentadas as generalidades
da estrutura da indústria do diagnóstico in vitro,
ressaltando as limitações do modelo tradicional
do laboratório centralizado diante dos serviços
de saúde e o desafio da pandemia da covid-19.
Na seção dois, o POCT é analisado como uma
tecnologia disruptiva do modelo tradicional de
laboratório centralizado, bem como suas
vantagens e desvantagens, e o impacto sobre os
resultados de saúde e a eficiência no uso de
recursos.
Na seção três, aborda-se o conceito de
inovação disruptiva e sua aplicação na saúde
e os desafios que isso implica para o POCT
como inovação disruptiva, visando superar o
modelo tradicional de laboratório centralizado.
Analisa também por que, para superar esse
modelo tradicional, é necessário um modelo de
negócio concebido inteiramente de fora e não
como uma extensão deste.
Na seção quatro, analisamos como o modelo de
negócios POCT por si só não terá condições de
explorar totalmente seu potencial disruptivo, caso
os modelos de entrega não sejam desenvolvidos a
fim de capturar o valor gerado pelo modelo
POCT.
Na seção cinco, o mercado de POCT na América
Latina é analisado, desde os principais mercados,
suas características mais relevantes e suas
tendências.
Finalmente, na seção seis, são apresentadas
conclusões e recomendações.
 DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 5

1. INTRODUÇÃO
Os auxílios de diagnóstico são uma fonte crítica
de informações para a tomada de decisão clínica.
Diz-se que até 70% das informações que o
clínico usa para tomar decisões advêm do
diagnóstico in vitro.
Embora essa afirmação não tenha sido
comprovada empiricamente,1 é claro que a
influência do diagnóstico in vitro é muito
importante, não só no campo da assistência
médica, mas também na saúde pública,
especificamente nas ações de rastreamento para
determinadas doenças de interesse da saúde
pública, por exemplo, no HIV ou em ações para
rastrear e isolar casos e contatos, como ocorre
nos cercos epidemiológicos para controlar a
pandemia da covid-19.
A grande dimensão destes laboratórios
centralizados permite-lhes especializar cada vez
mais os seus recursos humanos e processos de
garantia da qualidade, bem como a gestão do
conhecimento e apoio à prática clínica.
Apesar dessas vantagens quanto à eficiência na
produção desses serviços, o modelo de
laboratório centralizado oculta outras
ineficiências. O modelo tradicional de
diagnóstico in vitro, em que o médico solicita
um teste, uma amostra é retirada e processada e
os resultados são comunicados ao médico para
tomada de decisões, gera desafios em relação ao
atendimento ao paciente. A Tabela 1 resume esse
processo para diferentes âmbitos de
atendimento médico.

O modelo operacional atual do laboratório clínico é

centralizado. Baseia-se em analisadores
automatizados, que permitem processar um grande
volume de testes, o que, quando comparado com o
alto custo do equipamento, permite obter custos
médios por teste muito baixos. Da mesma forma, os
custos variáveis por teste, principalmente os
custos do reagente, se beneficiam dessas
economias de escala, uma vez que quanto maior o
volume de testes processados, menor o custo
médio por teste do reagente. Este elemento-chave
da operação faz com que os laboratórios
centralizados procurem melhorar
competitividade explorando ao máximo as
a

economias de escala, motivo pelo qual entram

sua
IMAGEN
numa fase de crescimento da sua capacidade
instalada que deverá refletir-se num volume ainda
maior de testes. Para alimentar esta capacidade
cada vez mais instalada, o laboratório deve obter
amostras de uma área de influência mais ampla, o
que o obriga a criar uma rede de recolha de
amostras e uma capacidade logística para as
transportar, de forma a concentrá-las na unidade
central de processamento.
6 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

Tabela 1. Modelo tradicional de diagnóstico in vitro

para diferentes áreas da assistência médica

Processamento e Decisão
Encomenda Dose Relatório
leitura clínica
Hospitalização O médico solicita um O laboratório vai O laboratório Prontuário Quando o
(teste não teste na admissão ou até o leito do automatizado médico resultado
urgente) paciente para realiza o
durante o turno/revisão colher a amostra automático chegar ou ao
diária processamento para processo dia seguinte
e a leitura eletrônico ou no próximo
manual turno/revista

Urgências O médico pede o O laboratório vai O laboratório Prontuário Quando o

teste até o leito do automatizado médico resultado
paciente para automático chegar
colher a amostra realiza o
processamento para processo
e a leitura eletrônico ou
manual

Serviços Primeiro Segundo O laboratório Prontuário Terceiro

ambulatoriais contato: contato: o automatizado médico contato: o
consulta inicial paciente vai realiza o automático paciente
para o local de processamento para processo retorna ao
amostragem e a leitura eletrônico ou médico
manual

Diagnóstico O profissional de saúde O profissional de O laboratório Automático O profissional de

comunitário de determina quem deve saúde coleta a automatizado ou manual saúde entra em
doenças colher uma amostra de amostra e a envia realiza o contato com o
infecciosas de acordo com os ao laboratório processamento paciente e aplica
interesse para a protocolos de central e a leitura o protocolo de
saúde pública atendimento atendimento
segundo o
resultado

Por outro lado, em ambientes de amostra, e um terceiro contato, no qual o

hospitalização e emergência, os tempos de
resposta (TAT) costumam ser mais longos
do que o exigido pela rapidez das decisões
clínicas e pela pressão devida à rotação das
camas e macas. Por outro lado, no campo
dos serviços ambulatoriais, esse modelo
exige separar o processo de atendimento ao
paciente em, pelo menos, três contatos com
os serviços de saúde: um primeiro contato
em que é feita a consulta inicial e o
médico solicita um exame diagnóstico, um
segundo contato, no qual é coletada a
paciente retorna ao médico, que analisa o
resultado do exame e toma a decisão diagnóstica
ou de tratamento. Cada contato implica custos
para o sistema de saúde: duas ou três consultas
médicas em vez de uma e atrasos na tomada de
decisões. Para o paciente, há a implicação de
maiores despesas do próprio bolso para viajar até
o local de atendimento: duas ou três viagens em
vez de uma, dificuldades no local de trabalho,
porque três contatos implicam em maior
absenteísmo; no caso do autônomo ou do
trabalhador informal, isso significa perda de

renda decorrente de dedicação ao atendimento e, em
geral, a perda de bem-estar que vem com o sacrifício
do tempo disponível para o atendimento médico.
Ademais, do ponto de vista clínico, o fato de não
podermos ter informações laboratoriais no contato
inicial com o paciente não nos permite relacionar as
constatações clínicas com as desses métodos
diagnósticos, e assim chegar a melhores decisões
clínicas. Outrossim, apesar de o modelo de
laboratório centralizado ter reduzido
consideravelmente os custos do processamento do
exame, os demais custos para o sistema de saúde e
para o paciente não se beneficiam das economias de
escala desse modelo.
No caso de cercos epidemiológicos em surtos de
doenças infecciosas, o modelo de laboratório
centralizado é ainda mais disfuncional. Isso
ficou evidenciado durante a pandemia da
covid-19, pois as equipes de vigilância
epidemiológica em campo devem colher
amostras dos suspeitos e seus contatos, que são
enviadas ao laboratório centralizado, e assim
que o resultado for obtido após vários dias, ou
em alguns casos mesmo semanas, a pessoa é
contatada novamente para tomar as respectivas
medidas de acordo com o resultado. Esses
tempos de espera são claramente antitécnicos,
pois não permitem a rápida identificação de
contatos positivos e o início do isolamento, o
que fará com que eles continuem disseminando
o vírus na comunidade. E isolar todos os
contatos enquanto o resultado chega, sob a mera
suspeita de que possam ser positivos, tem um
efeito negativo sobre as famílias, especialmente
aquelas que são obrigadas a sair para trabalhar
para ganhar o sustento diário.
Além das considerações sobre economias de
escala, o efeito dos mecanismos de pagamento
sobre a estrutura, os processos e o desempenho
da indústria de diagnósticos é crítico. No
contexto tradicional de pagamento por serviço,
em que se reconhece um pagamento para cada
exame realizado, o laboratório clínico surge
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 7
como um centro altamente rentável na estrutura
de custos dos prestadores.2 Este mecanismo de
pagamento faz com que o produtor busque
maximizar seus lucros através de um aumento
na produção para explorar economias de escala
e reduzir custos em relação às taxas que o
mercado reconhece. Do ponto de vista do
prestador de serviço de saúde, ele tem um claro
incentivo para pedir mais exames para faturar
mais, independentemente de o benefício
adicional de um exame ser inferior ao preço
pago no mercado. Esse fenômeno é conhecido
como indução de demanda por parte do
provedor.3
Este elemento fecha o conjunto de incentivos
em torno do diagnóstico in vitro. Do lado da
demanda, o pagamento pelo serviço incentiva a
indução da demanda desnecessária de exames e,
portanto, um maior número de exames é gerado.
Ao lado da oferta de diagnósticos in vitro, a
capacidade dos analisadores automáticos
aumenta, volumes maiores são necessários para
explorar economias de escala, aumenta a
competitividade do laboratório clínico e
diminuem os preços por exame.
Uma situação paradoxal em um contexto de
pagamento por serviço ocorre quando o hospital
e o laboratório clínico dentro dele são duas
pessoas jurídicas independentes, mas sob o
mesmo teto. Se ambas cobrarem pelos serviços
separadamente, não é incomum que o
laboratório se oponha a que os diferentes
serviços do hospital realizem os exames POCT,
especialmente quando o hospital começa a
faturar por esses exames, por conta própria. Não
deixa de ser lógico que, nesta situação, o
laboratório centralizado veja o POCT como uma
perda de receita e, consequentemente, se
oponha ao seu desenvolvimento.
Como reação aos efeitos indesejáveis do
pagamento por serviço, os pagadores de serviços
8 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
de saúde vêm migrando as modalidades de
pagamento para pagamentos prospectivos, os
quais geram incentivos ao prestador frente à
indução da demanda. Pagamentos por captação
a prestadores de nível básico de atendimento
são bastante comuns em alguns sistemas de
saúde, e isto inclui, na maioria dos casos, além
dos serviços de medicina geral, exames
laboratoriais básicos como glicemia,
hemograma, exame de urina ou de perfil
lipídico.
Nas demais modalidades de captação que
envolvem diversos níveis de complexidade,
também estão incluídos os exames laboratoriais
correspondentes a esses níveis. Por outro lado,
em outros tipos de pagamentos prospectivos que
envolvem um único componente do processo de
atendimento médico, o pagador transfere para o
laboratório clínico um valor fixo por mês para
cada pessoa coberta, que reflete o valor esperado
do custo de cada componente para uma dada
população. Em troca do pagamento, o produtor
dos serviços de apoio diagnóstico in vitro é
responsável pela produção dos resultados dos
exames, independentemente da quantidade em
que sejam produzidos. Se o valor esperado for
calculado corretamente, espera-se que o número
de exames realmente realizados seja semelhante
ao esperado; contudo, se a frequência com que o
médico solicita os exames for maior do que o
esperado, o laboratório clínico que recebe o
pagamento posteriormente enfrentará a diagnóstico in vitro e redesenhar a estrutura e
possibilidade de prejuízos operacionais.
Nesse contexto, o laboratório clínico está
exposto a um risco maior, uma vez que
não tem a possibilidade de gerenciar a
variabilidade do médico em seus hábitos
de solicitação de exames de diagnósticos
in vitro. Por sua vez, o prestador de
serviços de saúde não terá incentivos para
racionalizar a solicitação desses exames,
uma vez que estes são pagos pelo
prestador de métodos diagnósticos que
recebe o pagamento prospectivo, e não
pela instituição prestadora que efetua a
consulta médica. Seguindo essa linha de
pensamento, o laboratório clínico se depara
com a necessidade de reduzir seus custos
operacionais, aumentando ainda mais suas
economias de escala ou melhorando ainda mais
a eficiência nos processos. No entanto, ele
também pode ver-se tentado a diminuir a
qualidade de seus processos, equipamentos e
insumos, afetando assim a precisão e exatidão
diagnósticas.3
Em resumo, o componente técnico do
laboratório clínico, as economias de escala e os
incentivos inerentes aos mecanismos de
pagamento tornaram a indústria de diagnóstico
in vitro não muito centrada no paciente.4 Na
melhor das hipóteses, a logística de coleta de
amostras no laboratório clínico aproximou mais
essa parte do processo com o paciente e,
possivelmente, o relato dos resultados ao
paciente por e-mail ou outro meio, ou no
prontuário eletrônico, permitiu reduzir, em
alguns casos, o terceiro contato do paciente
para receber a prescrição de seu tratamento
farmacológico.
O contraste entre o mecanismo de pagamento
por serviço e os pagamentos prospectivos, com
seus respectivos incentivos diametralmente
opostos, ilustra claramente que, caso alguém
deseje incrementar o valor gerado pelo
os processos, para que sejam verdadeiramente
focados no paciente, não basta apenas mudar a
forma de pagamento. Em um contexto de
prestação de serviços de saúde altamente
fragmentado por cenários de atendimento e por
componentes do serviço, as consequências do
pagamento pelo serviço e dos pagamentos
prospectivos podem fazer com que o
laboratório centralizado de hoje não gere tanto
valor quanto poderia, no caso de converter-se
em um componente de uma solução integral às
necessidades do paciente, como veremos mais
adiante.

Um fenômeno que mostra o quanto a oferta de
exames diagnósticos se ajusta às necessidades,
expectativas e preferências do paciente é o
percentual de relatórios não utilizados para a
tomada de decisões. Este indicador pode estar
entre 30 e 50% dos exames ou estudos no
contexto ambulatorial,5 (esses valores são
baseados em percepções de especialistas, mas
não foram comprovados empiricamente), o
que sugere que um grande número de exames
são solicitados e não cumprem com seu
propósito, pois os pacientes têm de incorrer
em gastos de tempo e dinheiro que não estão
dispostos a assumir.
2. O POCT
Sua contribuição para
melhorar a eficiência
dos sistemas de saúde
Os exames de diagnóstico in vitro POCT
representam uma inovação disruptiva nos modelos
tradicionais de suporte ao diagnóstico in vitro. Ele
tem várias definições, o que é típico de indústrias
nascentes, mas alguns elementos foram favorecidos
em muitos esforços para defini-lo. Schito et al.5
propõe a seguinte definição: "Um teste de
diagnóstico que é realizado perto do paciente ou no
local do tratamento tem um tempo de
processamento rápido (fast turnaround time) e
pode levar a mudanças na forma de tratar o
paciente”. Mais recentemente, Schols et al.6 o
definem como “ um teste de apoio à tomada de
decisões clínicas, que é realizado por um membro
qualificado da instituição, próximo ao paciente e
sobre qualquer parte de seu corpo ou seus
derivados, durante ou muito próximo ao momento
da consulta, para ajudar o paciente e o médico a
decidirem sobre a abordagem mais adequada, cujos
resultados devem ser conhecidos no momento da
tomada da decisão clínica”. Por sua vez, Pai et al.7
propõem que os elementos críticos para a definição
do POCT são o rápido processamento e a
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 9
notificação para orientar as decisões clínicas, bem
como a execução do exame e a respetiva ação clínica
durante um mesmo contato do doente com o
prestador de serviços de saúde.
O POCT representa uma inovação disruptiva para o
modelo tradicional de diagnóstico in vitro, pois,
embora não aproveite as economias de escala do
laboratório centralizado e, ao contrário,
descentralize o processamento e a leitura, ele
oferece uma solução mais adequada para as
necessidades, expectativas e preferências do
paciente, além de permitir que os serviços de saúde
sejam mais decisivos na hora de fazer diagnósticos e
tomar decisões clínicas com base neste tipo de
informação. Como tecnologia disruptiva, tem
potencial de promover mudanças na estrutura e no
desempenho da indústria do diagnóstico in vitro, ao
oferecer uma solução diferenciada que gera maior
valor pelo dinheiro utilizado, tanto para o paciente
quanto para o sistema de saúde.
A Tabela 2 resume algumas tecnologias que são
consideradas dentro do espectro do POCT; mas na
realidade, qualquer dispositivo, equipamento ou
tecnologia que realize uma medição no ponto de
atendimento e produza um resultado imediato para
a tomada de decisões clínicas poderia ser
considerado um POCT. Nesse sentido, um monitor
de pressão arterial, um peso, um otoscópio ou
oftalmoscópio também seriam considerados
tecnologias POCT. Este documento focará nas
tecnologias de diagnóstico in vitro, sem ignorar que
as outras mencionadas também são tecnologias
POCT.
Os ambientes de atendimento em que o
POCT é usado atualmente variam desde o
contexto hospitalar de alta complexidade ao
ambiente comunitário. Pai et al.7 propõe uma
taxonomia de cinco níveis para o diagnóstico
in vitro por intermédio do POCT. No nível
1, o mais elementar, o POCT é utilizado pelo
paciente para automonitoramento e autogestão
de sua condição médica, como ocorre
atualmente com a glicemia em diabéticos
insulinodependentes ou com o INR em
pacientes anticoagulados. No nível 2, o POCT
10 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

Tabela 2. Exemplos de algumas tecnologias POCT

Laboratório Glicemia, INR, perfil lipídico, troponinas, PC R,

clinico procalcitonina, testes para HIV, sífilis, malária e covid-19

Diagnóstico por
Ultrassom de bolso, radiologia digital portátil
imagem

Outras ajudas Eletrocardiografia, espirometria, otoscopia, telemedicina

diagnósticas em geral

INR: índice internacional normalizado; PCR: proteína C reativa;

HIV: vírus da imunodeficiência humana

é utilizado por um promotor de saúde, um

paramédico ou um profissional de saúde, para
realizar exames no contexto comunitário, que
incluem não apenas o monitoramento de pacientes
na comunidade, como a contagem de linfócitos CD4
ou a medição de INR, mas também triagens (por
exemplo, de HIV, sífilis), exames diagnósticos em
pacientes que recebem atendimento domiciliar,
traslados de pacientes (por exemplo, gases arteriais e
eletrólitos), atendimento em emergências e desastres
(ex.: gases arteriais e eletrólitos), jornadas de
detecção oportuna em empresas, escolas e outros
ambientes comunitários (ex.: perfil lipídico,
substâncias de abuso), diagnóstico em farmácias e
cercos epidemiológicos em surtos de doenças
infecciosas, como foi o caso da recente pandemia da
covid-19. No nível 3, o POCT é utilizado no contexto
de centros médicos ambulatoriais de baixa
complexidade, por médicos, enfermeiras ou outros
profissionais de saúde. O nível 4 refere-se à sua
utilização em laboratórios periféricos (não
hospitalares) como apoio ao laboratório central. O
nível 5 refere-se à sua utilização no contexto
hospitalar, dentro do qual é utilizado em unidades de
terapia intensiva, serviços de emergência, nas salas
de internação e até mesmo no laboratório central do
hospital, como apoio para certos processos
diagnósticos de urgência. A Tabela 3 mostra uma
versão adaptada desta classificação.
 DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 11

7
Tabela 3. Cenários de atendimento em que o POCT é utilizado

Cenário de
Nível Propósito do exame Quem realiza o exame
atendimento
1 Autoatendimento Automonitoramento e O próprio paciente
em casa autogestão
2 Comunidade Monitoramento de pacientes, Promotor de saúde,
triagens, traslados, atendimento paramédico,
de emergência e desastres, farmacêutico, pessoal
sessões de detecção oportunas, especializado no
cercos epidemiológicos em surtos diagnóstico in vitro
de doenças infecciosas
3 Centros médicos Diagnóstico, monitoramento Médicos, enfermeiras
ambulatoriais de e triagens ou outros profissionais
baixa de saúde, pessoal
complexidade especializado em
diagnósticos in vitro
4 Laboratórios Diagnóstico, monitoramento Pessoal especializado em
periféricos (não e triagens diagnóstico in vitro
hospitalares)
5 Hospitais Diagnóstico, monitoramento Médicos, enfermeiras
e triagens ou outros profissionais
de saúde, pessoal
especializado em
diagnósticos in vitro

No entanto, embora inicialmente o potencial de detectáveis, como anticorpos, antígenos ou

interrupção das tecnologias POCT fosse
limitado, está se tornando cada vez mais claro
que essa interrupção será mais viável. Nesse
sentido, a evolução das características
tecnológicas do POCT se assemelha à evolução
das tecnologias disruptivas em outras indústrias.
Por exemplo, os computadores pessoais, que na
década de 1970 mudaram radicalmente uma
indústria de informática baseada em grandes
equipamentos e no apoio técnico de engenheiros
sofisticados, inicialmente eram equipamentos
realmente limitados, a ponto de o modelo Apple
IIe ser vendido como um brinquedo para
crianças.8 O POCT para diagnósticos in
vitro demonstra esta evolução: Jani et al.9
propunham em 2013 três etapas neste processo
evolutivo. As tecnologias de primeira geração se
concentram em biomarcadores facilmente
reações bioquímicas simples. Os de segunda
geração se concentram em marcadores mais
complexos e menos acessíveis, como ácidos
nucléicos e marcadores de superfície celular. A
terceira geração permite a detecção simultânea
de vários alvos e o uso de biomarcadores mais
precisos.
O avanço do POCT foi rápido na indústria do
diagnóstico in vitro. Nos Estados Unidos,
estima-se que entre 2006 e 2016 o tamanho do
mercado dessas tecnologias cresceu de US$
1.500 para US$ 3.800 milhões.10 Na América
Latina, também houve avanços na penetração do
diagnóstico por POCT. Enquanto em 2015 o
tamanho do mercado era de US$ 1.190 milhões,11
para 2024 ele se projeta em US$ 1.730 milhões.12
12 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
Outro estudo mostra que em 2020 o tamanho
estimado é de US$ 2.720 milhões e que em 2025
chegará a US$ 4.320 milhões.13 Embora os
números do tamanho do mercado variem entre
os diferentes estudos, o que é constante nesses
estudos é que eles apresentam taxas de
crescimento muito elevadas, da ordem de 8 a
10% ao ano. Além disso, como a pandemia de
Covid-19 teve início em fevereiro de 2020 na
região, esses estudos não incluem seu efeito,
pois foram baseados em dados de anos
anteriores, mas reconhecem em uníssono que a
Covid-19 terá um efeito substancial sobre o
crescimento do tamanho do mercado e que as
projeções a partir de 2021 mudarão para cima.
“Os números do tamanho do
mercado na América Latina
mostram taxas de crescimento
muito elevadas, da ordem de 8 a
10% ao ano. Além disso, a
pandemia da covid-19 terá um
efeito substancial no crescimento
do tamanho do mercado e as
projeções a partir de 2021
mudarão para cima”.
2.1.VANTAGENS E
DESVANTAGENS
DO POCT
Seus resultados têm a mesma precisão e
exatidão que os obtidos em um laboratório
centralizado?
A primeira questão sobre o POCT é, sem dúvida, se
seus resultados têm a mesma precisão e exatidão
daqueles obtidos em um laboratório centralizado. A
resposta a essa questão possui dois componentes: de
um lado, aquele relacionado à realização do exame
em si, ou seja, à fase analítica; por outro lado, o
mencionado referente às etapas anteriores (fase pré-
analítica) e posteriores (fase pós-analítica) à
realização do exame.
Em relação à fase analítica, a literatura sobre
tecnologias POCT in vitro é vasta e detalhada, pois
não é apenas uma das questões que devem ser
respondidas primeiro e sem a qual a aprovação dos
órgãos de controle não seria possível, mas também
porque metodologicamente a obtenção da resposta
é muito mais agilizada. Nesse sentido, as
publicações científicas relatam a comparação dos
resultados obtidos em um determinado exame
POCT, com sua contraparte no laboratório
centralizado. A comparação da sensibilidade,
especificidade, valor preditivo positivo e negativo,
e a área sob a curva ROC (remissive Passivation
mischaracterizes), mostra desempenhos que
variam de acordo com o tipo de exame. Aquelas
com melhor desempenho terão uma chance maior
de entrar no mercado com sucesso.
No entanto, essa comparação só leva em conta o
desempenho da fase analítica, e é realizada em
condições altamente controladas em um
laboratório clínico, por pessoal treinado na
produção de testes de diagnóstico in vitro.

Na prática real de diagnósticos in vitro com
POCT, na maioria das vezes os exames são
realizados fora do ambiente de laboratório
clínico, e muitas vezes, são realizados por
pessoal que não foi explicitamente treinado na
implementação de exames de diagnóstico in
vitro. Por esses motivos, os testes têm maior
probabilidade de apresentar erros nas fases pré-
analítica e pós-analítica, incluindo a fase
analítica, devido a fatores ambientais que afetam
equipamentos e insumos.14
O diagnóstico com POCT apresenta vantagens
sobre os modelos convencionais de laboratórios
centralizados, além das indicadas em relação à
Tabela 1, e que são importantes em algumas
circunstâncias. Por um lado, a realização
imediata do exame evita que ocorram alterações
na concentração de alguns analitos, e o fato de
requerer amostras muito pequenas é uma grande
vantagem em neonatos de baixo peso ou em
idosos. Além disso, conforme mencionado na
seção um, o curto tempo para obtenção do
resultado reduz o tempo de espera nos serviços
de emergência e em outros serviços hospitalares
onde a urgência do exame é um elemento chave
da qualidade, visto que permite maior
resolutividade nesses serviços. Nos serviços de
emergência, isso permite descongestioná-los e
aumentar a rotatividade dos leitos, uma vez que
as decisões de alta, internação ou
encaminhamento podem ser tomadas com muito
mais rapidez. Nos serviços de internação, isso
também ajuda na tomada de decisões mais
rápidas e a melhorar a rotatividade de leitos. Em
contextos ambulatoriais e comunitários, essa
diferença de tempo é crucial para não se perder
o contato com o paciente, visto que é possível
tomar-se uma decisão diagnóstica e terapêutica
no mesmo episódio de atendimento. Em
territórios afastados, as diferenças de tempo de
obtenção do resultado entre o POCT e o
laboratório centralizado são abismais, a ponto de
se tornarem praticamente a única alternativa de
exames diagnósticos para essas populações.15
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 13
No contexto específico da pandemia Covid-19, o
imediatismo do resultado fornecido pelas
tecnologias POCT tornou-se particularmente
visível. Enquanto o tempo para obtenção do
resultado no teste de PCR pode ser de dias, ou
mesmo semanas, por diversos motivos logísticos,
o uso das tecnologias POCT permite que ele seja
obtido em questão de minutos. Os sistemas de
vigilância epidemiológica, conforme indicado,
permite que se confirme os casos positivos e se
efetue a respetiva gestão, evitando os contatos
negativos e o incômodo de isolamentos
desnecessários..16 E além da vigilância
epidemiológica, o reinício das atividades nas
empresas e instituições de ensino exige a
disponibilização de resultados rápidos, o que
não se consegue com um modelo baseado em
exames laboratoriais centralizados quando os
resultados demandam um dia ou mais.
Os benefícios do diagnóstico in vitro no
contexto comunitário têm sido muito mais
evidentes em países da África Subsaariana, onde
a limitação de recursos para a prestação de
serviços de saúde é grave. Nesses países, tem
sido possível aumentar o número de pacientes
com HIV e outras doenças infecciosas que
iniciam o tratamento no mesmo momento do
diagnóstico.9 No entanto, outros estudos
mostram que, embora haja uma redução
evidente no número de contatos do paciente
com o prestador e no tempo decorrido entre o
primeiro contato e o relato dos resultados, isso
não se traduz automaticamente em um número
igual de pacientes iniciando o tratamento.17
Ressalta-se também que esses grandes avanços
na triagem, diagnóstico e cobertura de
monitoramento, principalmente das doenças
infecciosas, mas também crônicas, têm sido
acompanhados pela entrada no mercado de
exames com menos rigor do que nos países
desenvolvidos. Por esse motivo, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) propôs sete critérios
para definir as características ideais de um
14 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

exame POCT em contextos com no caso da malária em zonas endêmicas, onde

recursos limitados.18 Esses critérios são a população, apesar de obter um resultado
mostrados na tabela 4. negativo com um exame POCT em uma
condição febril, se automedica presumindo que
A maior disponibilidade de exames o resultado seja um falso negativo.1 4 Na
diagnósticos in vitro com POCT também direção contrária, a prescrição de antibióticos
tem permitido reduzir o comportamento nos casos de influenza, problema persistente
prevalente de tratamento por sinais e
nos hábitos de prescrição dos médicos, parece
sintomas, pois, diante da impossibilidade de
ser reduzida com o uso de testes POCT para a
se fazer um diagnóstico laboratorial preciso,
identificação desse vírus, como mostra a
é melhor nos expormos ao risco de
tratamento de falsos positivos. Esta conduta revisão sistemática de Serológico et al.20
tem levado à geração de resistência nos
patógenos1 9 e de efeitos colaterais Os benefícios mencionados são mais relevantes
evitáveis nos pacientes, que podem ser em contextos de maior carência, nos quais geram
reduzidos melhorando a precisão e exatidão um efeito positivo sobre a equidade no acesso aos
diagnósticas. No entanto, embora os médicos serviços de saúde, pois de outra forma essas
prescrevam menos tratamentos anti- comunidades extremamente pobres e distantes
infecciosos quando uma doença infecciosa é dos centros de saúde não poderiam receber
descartada, ainda existem hábitos difíceis de nenhum diagnóstico ou tratamento.
se erradicar na população, como se observa

“Em departamentos de emergência e hospitalização, o POCT permite

uma tomada de decisão mais rápida e maior rotatividade de leitos. Em
ambientes ambulatoriais e comunitários, evite perder o contato com o
paciente, pois a decisão pode ser tomada no mesmo episódio de
atendimento.”

18
Tabela 4. Critérios GARANTIDOS pela OMS para exames de diagnóstico in vitro POCT

A Affordable: cujo preço é acessível

S Sensitive: sensíveis

S Specific: específicos

User-friendly: amigável ao usuário, fáceis de

U executar em apenas algumas etapas e com o
menor nível de treinamento possível

R Robust and rapid: resultados disponíveis em menos

de 30 minutos
E Equipment-free: que não precisam de grandes
equipamentos para o processamento
Deliverable: que seja factível disponibilizá-los para
D
quem deles precisa

2.2. IMPACTOS
SOBRE
RESULTADOS
CLÍNICOS E
CUSTOS
Os impactos do POCT sobre os resultados
clínicos e indicadores agregados de saúde têm
sido menos claros. Em algumas áreas, como o
tratamento com anticoagulantes, o manejo do
paciente de seu próprio equipamento de
medição do INR permitiu avanços no
automonitoramento e na autogestão que
impactaram os resultados clínicos do ponto de
vista de menos acidentes hemorrágicos e
trombóticos.10 Na área de controle do diabetes,
o uso de glicosímetro para automonitoramento
gerou impactos positivos em pacientes com
diabetes tipo 1 e em pacientes com diabetes tipo
2, que requerem insulina, e em mulheres com
diabetes gestacional, mas não em pacientes com
diabetes tipo 2 que não precisam de insulina.21
Em outras áreas de aplicação do diagnóstico
in vitro com o POCT, o impacto nos
resultados clínicos não foi tão evidente, em
parte, porque estes não foram avaliados
adequadamente. Por esse motivo, alguns
autores têm preconizado um estudo
detalhado da existência ou não desse
impacto, pois essa conclusão é necessária
para orientar as decisões clínicas quanto ao
uso dessa tecnologia.22
Outro motivo para explicar a falta de impacto nos
desfechos clínicos é o fato de que fazer mais
diagnósticos não significa necessariamente realizar
tratamentos mais eficazes. Paradoxalmente, em
sistemas de saúde com capacidade de resposta
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 15
limitada, como em muitos países da África
subsaariana, o aumento do número de pessoas
diagnosticadas adequadamente transfere o
gargalo para o tratamento, uma vez que a
pequena disponibilidade de medicamentos e
pessoal de saúde não permite responder ao
aumento da demanda por parte de pacientes
diagnosticados. Além disso, os hábitos de
prescrição do médico não mudam
necessariamente com a maior disponibilidade
de informações diagnósticas.9
Ora, mesmo que o POCT não apresente melhorias
nos resultados clínicos e populacionais em relação
ao uso do laboratório centralizado, mas permita
melhorar a eficiência no processo assistencial
devido a uma maior resolutividade, melhor
aproveitamento dos recursos disponíveis, maior
rotatividade da capacidade instalada de hospitais
e serviços de emergência, além de melhorar a
comodidade do paciente, esses são motivos
suficientes para considerar sua adoção em
contextos em que esse impacto é muito maior.
O impacto na conveniência e facilidade de
acesso do paciente não é um assunto de
menor importância. Na verdade, conforme
mencionado na seção um e resumido na
Tabela 1, o modelo tradicional de
processamento, interpretação e notificação,
com ou sem economias de escala, envolve
dois ou três contatos para o paciente e seus
respectivos custos em tempo e dinheiro. Se
os métodos diagnósticos baseados em POCT
conseguem reduzir esses contatos a um, não
16 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

obtendo ganhos nos resultados clínicos
e populacionais, geram-se economias do
ponto de vista social da análise econômica.23
Do ponto de vista do pagador e do prestador,
as conclusões são menos óbvias. Reduzir
três contatos a um permite diminuir o uso de
outros recursos, tais como consultas
médicas, de enfermagem ou urgências. No
entanto, no caso de condições médicas crônicas,
para que haja impacto na probabilidade de
hospitalização, será necessário um maior
número de contatos no ambiente
ambulatorial para monitorar adequadamente
a condição crônica do paciente.23
Um problema com as avaliações de impacto
e custo-efetividade no uso do POCT é que
suas conclusões são condicionadas pelo atual
modelo de funcionamento do laboratório
centralizado e da prestação de serviços de
saúde. Como será visto na seção três, as
estruturas e processos de entrega atuais
apresentam grandes ineficiências e problemas
de fluxo que poderiam ser superados com
diferentes modelos de prestação.24 Parte do
efeito desses novos modelos de entrega
depende de tecnologias habilitadoras, como o
diagnóstico com POCT e o apoio por
telessaúde.
Isso produz um viés de variável omitida que não
é trivial, pois é claro que o uso do POCT
requer muito mais do que simplesmente
dispor dos equipamentos e insumos. Como
se verá mais adiante, é necessário uma nova
concepção dos modelos de atendimento às
diversas condições médicas, e dentro dessa
nova concepção, será possível pensar a
utilização das tecnologias POCT de forma que
satisfaçam melhor às necessidades, expectativas
e preferências dos pacientes.26
Por exemplo, os problemas mencionados na fase
pré-analítica do diagnóstico in vitro em um
modelo logístico e operacional tradicional que
não tem como resolver tais problemas,
diminuem a precisão e exatidão diagnósticas dos
exames laboratoriais com o POCT e,
consequentemente, aumentam os custos
causados pelos falsos positivos e falsos
negativos, que neutralizam os efeitos esperados
desse tipo de exame. Se for possível desenvolver
um modelo logístico e operacional que responda
adequadamente a esses desafios, será mais viável
atingir a precisão e exatidão diagnósticas do
POCT obtido em exames de validação, em
comparação com seus equivalentes tradicionais.

Embora seja verdade que a pandemia por

covid-19 causou uma aceleração sem
precedentes na digitalização dos serviços de
saúde e telemedicina,25 as mudanças
irreversíveis que foram causadas não são
capturadas na evidência disponível. Por esse
motivo, esses diferentes modelos hoje são a
exceção e não a norma, e ainda antes da
pandemia seu efeito não pode ser captado nos
estudos que analisam o POCT no contexto da
prática diária. Quando se compara o processo de
atendimento de uma condição médica usando o
POCT com o processo de atendimento de rotina,
o modelo de prestação frequentemente não
muda substancialmente, além do uso do POCT.
 DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 17

Em outras palavras, quando um equipamento de
POCT tem uma precisão e exatidão semelhantes
às de seu homólogo no laboratório central, é
necessário garantir o funcionamento ideal da
fase pré-analítica e pós-analítica, caso se deseje
manter tal precisão e exatidão diagnósticas. E
isso requer elementos na estrutura e nos
processos, os quais são difíceis de implementar
nos modelos logísticos e operacionais atuais.
Conforme afirmado por Yager et al.27 “mesmo
que o exame seja simples, o sistema que o
suporta pode ter que ser complexo para eliminar
resultados errôneos”. Quando as tecnologias
tradicionais são comparadas com as tecnologias
POCT, sem reconhecer o efeito dos demais
elementos do modelo logístico e operacional que
fazem a diferença em torno do POCT, é mais
difícil separar o efeito dessas tecnologias e pode-
se erroneamente concluir que elas não são custo-
efetivas ou que não produzem impactos na
saúde.
mencionadas na seção um, uma vez que os
exames são realizados um a um e se perdem os
processos automatizados da fase pré-analítica e
pós-analítica. Isso significa que, do ponto de
vista de custos com insumos, equipamentos e
mão de obra, o custo unitário por exame
laboratorial é maior no POCT. Contudo, o custo
unitário como critério de decisão para a adoção
do diagnóstico in vitro com POCT ignora os
benefícios que poderiam ser obtidos em outras
etapas do ciclo de atendimento, como as já
mencionadas anteriormente. A Tabela 5 resume
os custos e economias que podem ser gerados
com o POCT.

Por exemplo, no contexto hospitalar, o uso de

diagnósticos in vitro com o POCT tem sido
abordado por alguns hospitais por meio de um
processo adicional para o laboratório central,
que requer processos manuais mais caros do que
os processos automatizados. No contexto
ambulatorial, isso implica uma maior
probabilidade de erro na fase pré-analítica e pós-
analítica, novos desafios logísticos para a
manutenção e calibração de equipamentos, a
disponibilidade e armazenamento de
equipamentos e insumos em condições
adequadas. Quando esses novos processos são
agregados a um modelo logístico e operacional
existente, fica muito mais difícil para o modelo
existente acomodar os novos processos;
portanto, o que acaba acontecendo é que o novo
processo é forçado a acomodar-se ao modelo
existente, com o qual perde sua eficácia e sua
essência disruptiva.8

Um aspecto mais relevante na comparação de

custos, no caso do laboratório centralizado
frente aos exames com o POCT, é o fato de que,
neste último, se perdem as economias de escala
18 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

28
Tabela 5. Resumo dos custos e economia com o diagnóstico in vitro pelo POCT
Economia Custos adicionais
Número de Menor demanda de consultas médicas A consulta pode ser prolongada para
contatos: um Menos horas com médicos e equipes de esperar o resultado
único contato apoio É necessário um ponto para a
em vez de três Menor número de exames não realização do exame
reclamados

Equipamentos Em alguns equipamentos, vários exames Economias de escala do laboratório

e reagentes podem ser realizados simultaneamente centralizado são perdidas

Outros itens Evita-se o uso de pontas, acessórios de Alguns equipamentos requerem bisturis.
consumíveis montagem, soluções, etc.
Depósitos de O volume de resíduos biológicos é O volume de resíduos, como fitas/
resíduos reduzido no laboratório central cartões, bisturis etc. é aumentado a nível
local, mas os riscos de biossegurança são
reduzidos

Recursos O número de pessoas necessárias É necessário treinar uma ou mais

humanos para para colher amostras é diminuído
realizar o
exame
Infraestrutura e A área de amostragem é diminuída
outros Os custos com o transporte para a
processos central de processamento são
eliminados
A manutenção corretiva é reduzida
Morbidade É obtido um resultado imediato do
evitável exame, que pode prevenir complicações
a curto, médio e longo prazo
Novas consultas pela mesma causa são
reduzidas a curto prazo
Melhor informação para a tomada de
decisões clínicas
Gestão de A necessidade de manutenção
qualidade corretiva é reduzida
A autocalibração diminui a
necessidade de pessoal de
manutenção
pessoas em cada ponto de
atendimento e manter a destreza
Uma ou mais pessoas são
necessárias para realizar os exames
Uma área específica é necessária para
equipamentos de POCT
É necessário um modelo de transporte
diferente, que inclua a cadeia fria
Quando há problemas de qualidade
na fase pré-analítica, podem-se
aumentar os falsos positivos e falsos
negativos, com seus consequentes
custos
Exames de controle de qualidade mais
frequentes e menos absorvíveis, devido
ao baixo volume de exames
Necessidade de cobrir pontos de
atendimento dispersos para garantir
qualidade em cada ponto de atendimento

Custos de tempo Menos tempo para gastar com

e dinheiro para o atendimento médicos, menos despesas
paciente com viagens e menos absenteísmo no
trabalho ou na escola
Frequência de Aumenta a possibilidade de realizar O fato de estar disponível
uso dos exames triagens oportunistas na consulta prontamente para o médico e com
médica menores custo de tempo e dinheiro
para o paciente pode aumentar o
uso não pertinente dos exames

Mesmo assim, é necessário identificar
detalhadamente os custos globais do ciclo de
atendimento, pois em algumas circunstâncias
podem diminuir e em outras aumentar. Jani et
al.9 citam o caso da tuberculose na África do Sul,
onde o custo do diagnóstico aumentou 55% e o
do tratamento 8%.
Outro aspecto a ser considerado na realização
de análises de custo-efetividade é que o uso do
POCT pode levar ao aumento do número de
pessoas diagnosticadas, que, de outra forma,
passariam despercebidas e teriam a remissão
espontânea. O caso citado por Jani et al.9 mostra
essa situação em países com grandes limitações
de recursos. Mas em países de alta renda esse
problema também ocorre, embora com
implicações ligeiramente diferentes. O caso do
diagnóstico de Helicobacter pylori ilustra
claramente esse paradoxo. Em um estudo sobre
o manejo da dispepsia na consulta de
atendimento primário, Delaney et al.29
compararam um grupo de intervenção no qual o
diagnóstico de H. pylori foi feito por POCT com
um grupo de controle no qual o manejo foi
convencional. O grupo de intervenção
apresentou uma maior frequência de uso de
endoscopias digestivas (45% vs. 25%) e uma
maior frequência de diagnóstico de úlcera
péptica (7,4% vs. 2,1%, p = 0,011). No entanto, os
resultados relativos a sintomas e qualidade de
vida, bem como custos de prescrição e
encaminhamento a especialistas, foram
semelhantes em ambos os grupos, enquanto o
custo total de gestão do grupo de intervenção foi
superior ao do grupo de controle (£ 367,85 vs £
253,16). Este caso, e seu contraste com os casos
de doenças infecciosas na África, ilustra
claramente que as vantagens e desvantagens do
POCT devem ser entendidas para cada condição
médica e para cada contexto, e não
generalizadas a partir de uma situação
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 19
particular. Mesmo com essas limitações,
existe alguma evidência de que o uso do
POCT pode ser custo-efetivo em
determinados contextos. Por exemplo, nos
Estados Unidos, foi testada uma tecnologia
baseada em smartphones que permitia a
identificação na população gestante da
síndrome de hemólise, a elevação das
enzimas hepáticas, a trombocitopenia
(HELLP) e a pré-eclâmpsia a um custo direto
de US$ 1 e com um Tempo de resposta de 10
minutos, em comparação com o laboratório
centralizado, que leva 4 horas.30
Outra experiência no Reino Unido mostra que o
uso de analisadores de gases arteriais do tipo
POCT em unidades de terapia intensiva
neonatal conseguiu reduzir os custos
laboratoriais totais em 24,5% .31 Outro estudo de
modelagem econômica no Brasil comparou o
uso do exame rápido para a triagem de sífilis em
gestantes com o exame tradicional de
laboratório centralizado, e estimou uma relação
de custo-efetividade incremental de US$ 357,44
por ano de vida ajustado por deficiência (DALY
- disability-adjusted life year) evitado, bem
abaixo do limite de US$ 3.200 pelo DALY
evitado.32
“É necessário uma nova
concepção dos modelos de
atendimento às diversas condições
médicas, e nesta nova concepção,
será possível pensar a utilização
das tecnologias do POCT de forma
a melhor atender às necessidades,
expectativas e preferências dos
pacientes”.
20 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

2.3. OUTROS modelo tradicional, representaria muito mais

custos do que benefícios para o paciente e o clínico.
No sentido contrário, também pode ocorrer
DESAFIOS PARA A subutilização do POCT. Caso o médico desconheça
sua disponibilidade e seus benefícios, não se faz

IMPLEMENTAÇÃO
DO POCT
Além dos problemas mencionados acerca do
modelo logístico e operacional e como os
modelos atuais não permitem o uso ideal dos
métodos diagnósticos com o POCT, existem
outros fatores que dificultam uma adoção mais
ampla dessas tecnologias. Um problema é o uso
excessivo delas,33 pois, por estarem disponíveis
em serviços ambulatoriais, comunitários ou até
mesmo pronto-socorro, é possível que o médico
seja levado a solicitar exames que antes não
estavam disponíveis e habituar-se a isso sem
considerar o benefício adicional obtido em cada
exame realizado. O caso do H. pylori mostra em
essa situação, por isso, alguns critérios para a
solicitação do exame devem ser definidos,
evitando assim os efeitos observados no estudo
de Delaney et al.29
uma promoção adequada de exames que mereçam
um uso mais amplo e não se capacita a equipe de
saúde para o uso adequado dos equipamentos. Um
exemplo dessa situação, é o exame da proteína C-
reativa (PCR) ou do exame do vírus influenza ou do
vírus sincicial respiratório, para definir se a
antibioticoterapia deve ou não ser prescrita para
doenças infecciosas agudas.
Algumas tecnologias POCT ainda não
apresentam níveis de precisão e exatidão
comparáveis aos seus correspondentes nos
modelos convencionais, visto que o
desenvolvimento tecnológico destes ainda é
limitado. Talvez no futuro essas tecnologias de
baixo desempenho apresentem uma precisão e
exatidão comparáveis, mas, enquanto isso não
acontece, sua ampla disseminação não seria
recomendada. Portanto, é necessário recorrer a
fontes de informação, como a Foundation for
Innovative New Diagnostics (FIND) (https://
www.finddx.org/), antes de adquirir
equipamentos desse tipo.

O uso excessivo também pode ser consequência

de menores custos para o paciente não só do
ponto de vista do médico, que, ao ver que o
paciente deve incorrer em menos custos de
tempo e dinheiro, fica mais propenso a solicitar
os exames, mas também do ponto de vista do
paciente, que irá querer mais informações se os
custos que ele tiver forem menores do que o seu
benefício. Caso o paciente veja um benefício
adicional maior que os custos adicionais que ele
tem que incorrer, ele terá maior probabilidade
de solicitar os exames ao médico e, por sua vez,
o médico os solicitará, gerando assim maior
satisfação e fortalecimento de sua relação com o
paciente. Esses elementos, somados ao
imediatismo do resultado, aumentam a
probabilidade de solicitar um exame que, no

No entanto, há uma exceção nesta regra: em
casos de extrema carência e em locais
geográficos de difíceis acesso (áreas remotas),
é melhor ter alguma possibilidade de medição
para diagnóstico e monitoramento, pois não há
outra alternativa. Nesses casos, enfrenta-se
uma compensação entre qualidade e acesso que
vale a pena considerar com diretrizes muito
precisas. É o caso de alguns exames de rastreio
de mulheres grávidas realizados por pessoal
não especializado ou de diagnóstico em
doenças infecciosas.
Mas mesmo no caso de equipamentos
que tenham demonstrado desempenho
semelhante a um equipamento similar do
laboratório central, pelo menos no que diz
respeito à fase analítica, existe a sensação de
que os resultados são menos confiáveis. Em
uma revisão de sete estudos qualitativos
sobre as percepções dos médicos sobre o
diagnóstico in vitro com o POCT em clínicas
de atenção primária em países
33
desenvolvidos, Jones et al. constataram que os
clínicos suspeitavam da precisão e exatidão
desse equipamento, apesar do uso frequente.
Mesmo com filtros técnicos como os oferecidos
pela FIND atualmente, alguns autores apontam a
menor confiabilidade dos testes POCT entre os
médicos em comparação aos
exames laboratoriais centralizados. 34 Outra
barreira entre os médicos surge quando uma
equipe do POCT relata os resultados em
unidades diferentes daquelas que o
médico está acostumado a manusear, o que
dificulta sua leitura e, portanto, diminui sua
probabilidade de uso.
Jones et al.33 também constataram que, em
alguns casos, os médicos preferem um
diagnóstico baseado em sinais e sintomas,
achado também relatado por Pai et al.7 em países
de baixa renda. Nesse sentido, ambas as
publicações apontam que, dado o tipo de
condições médicas observadas nas clínicas de
nível básico, a oferta de equipamentos POCT não
necessariamente atende às necessidades desse
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 21
tipo de paciente, sendo, portanto, mais prático
fazer o diagnóstico por sinais e sintomas do que
de acordo com exames que servem apenas para
detectar um tipo específico de patógeno. Por
exemplo, no caso do resfriado comum, o
tratamento baseado em sintomas é preferível à
realização de um painel de exames para fazer a
diferenciação entre o vírus sincicial respiratório,
a influenza ou o estreptococo.
Em uma revisão sobre a implementação do
diagnóstico in vitro com POCT em países de
baixa renda, Pai et al.7 indicam outras possíveis
barreiras a serem superadas. Por um lado,
apontam para uma regulamentação fraca que
permite a entrada de equipes com fraco
desempenho e que afeta a reputação das que têm
bom desempenho. Em relação à sobrecarga de
trabalho típica dos serviços de saúde, quando
estes são escassos, o processo de diagnóstico in
vitro com o POCT aumenta a carga de atividades
dos profissionais de saúde em relação ao
processo de coleta de amostras e envio a um
laboratório central. No que diz respeito à cadeia
de abastecimento de insumos e a manutenção de
equipamentos, a escassez de recursos e as
fragilidades da infraestrutura e logística fazem
com que esses elementos faltem, muitas vezes, e
os equipamentos não possam ser utilizados.
Questões relacionadas à cobrança dos exames de
POCT também desestimulam sua adoção, uma
vez que, às vezes, os pagadores não reconhecem
esses exames e, portanto, não pagam por eles.
Uma barreira que as inovações disruptivas
costumam enfrentar é a resistência à mudança
dos modelos de produção predominantes. No
diagnóstico in vitro, o diagnóstico com o POCT é
visto pelo laboratório centralizado como uma
ruptura no seu modelo de produção e, portanto,
espera-se que haja resistência à sua entrada no
mercado.
Essa resistência não se explica apenas pelo
interesse protecionista em manter um status quo
em que o laboratório centralizado desempenha
um papel preponderante. Também é explicado
22 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
porque simplesmente os modelos de produção e
prestação de serviço estão ajustados aos
requisitos do laboratório centralizado, e alterá-
los para acomodar o POCT implica uma
reformulação das estruturas e processos atuais
por outros cujo projeto e implementação
requerem investimentos significativos
mudanças de paradigma entre aqueles que foram
formados para um processo de produção
diferente.
Nesta sequência de ideias, no esquema atual do
laboratório centralizado, seus profissionais,
técnicos e auxiliares têm um profundo senso de
responsabilidade acerca da validade e
confiabilidade do resultado de um exame, que
fica comprometido ao ser colocado nas mãos de
pessoas não especialistas em diagnósticos in
vitro. O temor de que os resultados percam a
precisão e exatidão do diagnóstico e afetem as
decisões clínicas motiva os responsáveis pelo
resultado do diagnóstico in vitro a tentarem
continuar a manter seu controle.
No entanto, esse desafio pode ser superado, não
apenas mediante a concepção de novas
estruturas e processos diferentes daqueles
existentes no laboratório centralizado de hoje,
IMAGEN
mas também à medida que as novas gerações
de equipamentos POCT se tornam mais
seguras e confiáveis e a probabilidade de
erro induzido pelo operador diminui.
É importante notar que, ao contrário das lacunas
e regulatórias mencionadas por Pai et al.7 em
países de baixa renda, em países de renda média
e alta o problema regulatório aponta na direção
oposta. Ou seja, as normas existentes, que
focam na eficácia e segurança das tecnologias
e seus respectivos modelos de negócios, tornam-
se uma barreira para novas tecnologias e novos
modelos de negócios. Por essa razão, é
natural que os processos de inovação
enfrentem barreiras regulatórias, o que
implica um esforço importante para abrir
espaços suficientes para o desenvolvimento de
inovações, ao mesmo tempo em que se protege a
segurança dos pacientes.
Em suma, a possibilidade de superar esses desafios
estratégicos e regulatórios deve ser vista pelos
atuais trabalhadores da indústria de suporte
diagnóstico como uma grande oportunidade de
ingressar em um novo mercado em fase de
expansão, e não como uma ameaça ao modelo
existente.
 DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 23

3. O CAMINHO Com essa intenção, outros autores do setor saúde

concordam. Entre eles, os mais proeminentes
foram Berwick et al.37 que propuseram por meio
PARA O NOVO do Institute for Health Care Improvement
(IHI) o conceito de triplo objetivo. Esse conceito

MODELO DE é que os sistemas de saúde devem atender a três

objetivos simultaneamente: produzir melhores
resultados no atendimento na área da saúde,
DIAGNÓSTICO melhorar a saúde em nível agregado e reduzir os
custos agregados.

COM O POCT “O setor deve se voltar para a

geração de valor para as
Considerações preliminares pessoas, que é definida com
sobre inovações disruptivas base nos melhores resultados de
saúde para cada dólar utilizado,
medindo-se em função de uma
Porter et al.35 apontaram que o setor saúde foi condição médica específica, ao
uma exceção à norma, pois na maioria dos demais longo de todo o seu ciclo de
setores da economia a competição entre atendimento”.
produtores gera mais valor para o consumidor e
uma soma positiva de benefícios para este. Por
outro lado, no setor da saúde, a competição leva,
no melhor dos casos, à não geração de valor, mas
sim à obtenção de lucros em detrimento das
perdas alheias. Os autores chamam essa dinâmica
de "competição de soma zero".

A razão desse problema, segundo os autores, é

que o setor de saúde não compete por resultados
clínicos, mas por preços, tanto na prestação de
serviços quanto na certificação, como se os
produtos ou serviços fossem exatamente iguais.
Segundo Porter et al.36, o setor deve voltar-se
para a concorrência baseada em valor, ou seja,
para a geração de valor para as pessoas, e esse
valor o define no que diz respeito aos melhores
resultados de saúde para cada dólar utilizado.
Este é medido em função de uma condição
médica específica, ao longo de todo o seu ciclo de
atendimento, e não com base em uma instituição,
especialidade ou parte do processo de
atendimento.
24 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

um grupo populacional, de forma que o

3.1. PROBLEMAS prestador tenha um orçamento fixo e não possa
ultrapassá-lo.
ESTRUTURAIS QUE NÃO No entanto, esta mudança no mecanismo de

PERMITEM A GERAÇÃO
pagamentos não necessariamente produz a
mudança esperada nos incentivos inerentes à
transferência de riscos e, nesse sentido, os
DE MAIOR VALOR PARA resultados esperados não são alcançados. Isso se
deve ao fato de o provedor não alterar

O DINHEIRO substancialmente seus processos de atendimento ao

paciente, razão pela qual pode acabar adotando
condutas igualmente indesejáveis, mas em sentido
O setor de saúde sofre de contrário aos observados no pagamento pelo
problemas fundamentais para atingir esses serviço. Ou seja, em vez de induzir a demanda por
objetivos de gerar maior valor para cada dólar serviços desnecessários, o prestador é tentado a
usado e atingir a tripla meta. Um dos negar os serviços de saúde necessários ou a impor
problemas estruturais apontados por muitos barreiras de acesso aos pacientes que precisam de
estudiosos é o efeito do pagamento por atendimento. Isso gera maior morbidade evitável,
serviço. Este mecanismo de pagamento, cujos custos acabam sendo transferidos para outros
conforme observado, gera um incentivo prestadores, ao pagador ou ao próprio paciente. Em
para se produzir mais serviços a fim de se outras palavras, em vez de gerar maior valor em
faturar mais, mas não gera incentivos para se relação aos modelos de prestação pagos na
obter resultados na saúde, ou para prevenir os modalidade de pagamento por serviço, o prestador
eventos evitáveis, ou para coordenar o que assume parte do risco, mas que incorre nessas
atendimento de um paciente entre diferentes condutas indesejáveis, também acaba destruindo o
cenários de atendimento e disciplinas do valor.
conhecimento ao longo do ciclo de atendimento
de uma condição médica.3 Ou seja, em O exposto sugere que o problema da falta de
decorrência destes comportamentos do capacidade de gerar maior valor pelo dinheiro não
prestador, os modelos de prestação se resolve simplesmente com a mudança do
na modalidade de pagamento por serviço mecanismo de pagamento, sendo, porém,
não incrementam o valor para o paciente, mas necessário desenvolver novos modelos de
sim o reduzem. prestação que sejam capazes de responder
adequadamente aos mecanismos de pagamento
Em resposta a esses incentivos perversos e à em dois eixos, que alinhem todos os componentes
ausência de incentivos positivos, o pagador, em do ciclo de atendimento à condição médica com
seu esforço para controlar os custos do vistas à obtenção de melhores resultados de saúde
atendimento na área da saúde, reage e que sejam capazes de assumir riscos, para que o
transferindo o risco ao prestador, de modo incentivo à prevenção de morbidades evitáveis e
que este adquira o incentivo para evitar episódios de ao uso eficiente de recursos surta efeito.
doença (quando possível), de modo a resolvê-los de
forma rápida e econômica, coordenando o É neste contexto que a equação do valor do POCT
processo de atendimento ao longo de todo o seu para o prestador muda substancialmente, uma vez
ciclo. Uma forma de transferir este risco é que, embora os custos diretos do exame de POCT
estabelecendo um pagamento prévio para uma sejam mais elevados do que a sua contrapartida
condição médica, para um episódio desta ou para laboratorial centralizada, os custos mais baixos da

morbidade evitada compensam estes custos
diretos mais elevados. A experiência do estado de
Queensland, na Austrália, mostra claramente essa
visão da equação de valor: em uma rede de 33
laboratórios centralizados e localizados em
hospitais, foi desenvolvido um modelo específico
para o POCT, que conseguiu mostrar que os
custos diretos mais elevados dos testes de POCT
foram compensados pela integração dos ciclos de
atendimento das diferentes condições médicas e
dos diferentes ambientes de atendimento.38
3.2. MEDIÇÃO
DOS RESULTADOS
DE SAÚDE COMO
UM INDICADOR
DAS MUDANÇAS
ESTRUTURAIS
Até este ponto, os autores citados levantaram a
necessidade de mensurar os resultados da saúde
como uma etapa necessária para começar a
estimular o desenvolvimento de modelos de
prestação diferentes dos atuais; no entanto, a oferta
de soluções tem sido mais limitada. Embora todos
indiquem a necessidade de mudanças fundamentais
na prestação, os detalhes de quais mudanças são
necessárias e como implementá-las são menos
claros. Porter et al.35 propõem a criação de unidades
de prática integrada [IPU - integrated practice
unit] constituídas em unidades nas quais os
pacientes sejam abordados de forma integral em
torno de uma condição médica básica e de suas
comorbidades, de forma a cobrir todo o ciclo de
atendimento a tal condição médica, e não
simplesmente um episódio ou um serviço
específico.39
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 25
No entanto, a medição dos resultados de saúde
apresenta desafios muito complexos, que são
exacerbados quando há forte concorrência entre
os prestadores. Problemas como a manipulação
dos dados, a seleção dos pacientes com
melhores probabilidade de obter bons
resultados, a ausência de um indicador de
resultado observável, verificável, válido e
confiável e a atenção excessiva nos resultados
medidos, em detrimento dos que não são
aspectos que devem ser considerados, no
momento de se estabelecer indicadores de
resultados. No entanto, os benefícios da
concorrência por resultados mais do que
superam esses riscos, no máximo eles podem ser
mitigados com ferramentas como relatórios de
dados automáticos e o ajuste por complexidade
e pela combinação de casos.3
As implicações da medição dos resultados de
saúde e da concorrência baseada em valores são
claras para o diagnóstico in vitro com o POCT.
Em modelos de prestação impulsionados pela
concorrência por resultados na saúde, o
prestador deve alinhar todos os componentes da
prestação e as etapas do ciclo de atendimento
para melhorar tais resultados, o que implica
uma mudança profunda na perspectiva sobre o
papel do apoio diagnóstico. Nesta nova ordem,
espera-se que o imediatismo do diagnóstico e o
início precoce da terapia sejam fatores cruciais
para a obtenção de melhores resultados, tanto
no contexto dos consultórios de nível básico,
quanto no contexto comunitário e no de
automonitoramento e autogestão.
No caso das condições médicas crônicas, uma
maior facilidade para monitorar sua evolução
ou, ainda, para o automonitoramento e a
autogestão por parte do paciente, são fatores
que facilitam a obtenção de melhores resultados
na saúde e eventuais economias. Novamente, a
experiência do estado de Queensland, na
Austrália, mostra que essa visão ampliada do
ciclo de atendimento permite uma contabilidade
diferente dos custos e benefícios.38
26 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
O melhor valor pelo dinheiro será obtido não
apenas como consequência dos melhores
resultados na saúde, mas também como uma
melhor resposta às necessidades, expectativas e
preferências dos usuários. Deve-se, porém,
lembrar, como mencionado na seção um, que
parte da evidência inconclusiva sobre o impacto
do POCT nos resultados da saúde é explicada ou
porque não foi estudada em detalhes e com
métodos empíricos adequados, ou porque,
quando foi estudada, sofreu do viés produzido
pela avaliação do desempenho do POCT em um
modelo de prestação que não permite seu uso
ideal.
3.3. O CONCEITO
DE INOVAÇÃO
DISRUPTIVA E SEUS
ELEMENTOS
Além de reconhecer que o contexto de
competição de “ soma zero” é um problema
estrutural do setor de saúde, é necessário
compreender suas causas mais fundamentais
para vislumbrar possíveis soluções. Nesse
sentido, Christensen et al.8 afirmam que a causa
mais fundamental é o fato de que os dois pilares
da prestação, os hospitais gerais e consultórios
médicos, mesclam processos padronizados e não
padronizados em um mesmo modelo de
prestação.
Na medida em que a evidência científica permite
que se atinjam níveis mais elevados de
padronização, aqueles processos que alcançam
esses níveis deveriam ser progressivamente
separados dos processos não padronizados e,
portanto, seriam muito mais eficientes no que diz
respeito a produzir melhores resultados de saúde
com menor custo.
Os autores afirmam que, sob essa lógica,
começam a surgir modelos disruptivos de
prestação, que também são aplicados à produção
de diagnósticos in vitro.8
O conceito de inovação disruptiva, segundo o
trabalho original de Christensen,40 refere-se a
inovações que mudam radicalmente a estrutura
de uma indústria ou de um setor.
Exemplos desse tipo de inovação são o modelo
Uber, que mudou para sempre a indústria dos
táxis; ou as vendas eletrônicas da Amazon, que
arrasaram a indústria de livrarias; ou o modelo da
Netflix, que acabou com as locadoras de vídeo.
No setor da saúde, também houve inovações
disruptivas, como vacinas ou o decifrar do
genoma humano. Contudo, além das inovações
em dispositivos, medicamentos ou tecnologias
diagnósticas, é necessário também desenvolver
inovações nos modos de prestação de serviços de
saúde, que, em alguns casos, se apoiam em
inovações de produto; mas em outros casos, não é
isso o que se vê.
As inovações nos modos de prestação se referem
a modelos que diferem do hospital geral e do
consultório médico, pois estes dois modelos são
adequados para processos de diagnóstico e de
tratamento não padronizáveis, ou seja, onde a
incerteza é um elemento fundamental que gera
complexidade na tomada de decisões. Esses
autores propõem que aqueles processos de
cuidado ou partes do processo que são altamente
padronizáveis devem ser padronizados, o que
deve dar lugar a modos de prestação diferentes
dos modos daqueles processos que não são
padronizados. Outrossim, na medida do possível,
os processos padronizados devem ser
fisicamente separados daqueles que não o são. Na
medida em que um processo for mais
padronizado, será mais viável delegá-lo a um
pessoal não especializado e até mesmo ao
consumidor final. No diagnóstico in vitro,
existem exemplos claros disso. Por um lado, a
análise do escarro para detectar a tuberculose é

altamente dependente da experiência e
habilidade da pessoa que processa e observa a
amostra ao microscópio; mas a detecção de níveis
anormais de creatinina no sangue requer um
processo mais padronizado e, inclusive,
automatizado. Por outro lado, o diagnóstico da
gravidez é um processo não apenas padronizado,
mas também substancialmente simplificado, o
que permite que seja delegado à própria paciente.
Esses três exemplos mostram que quanto maior a
padronização, maior a possibilidade de se
automatizar e delegar o processo.
Na medida em que esses novos processos são
mais simples, a delegação a um pessoal não
especializado será menos problemática, como
ilustrado pelo caso do teste de gravidez ou do
automonitoramento e autogestão dos níveis de
glicemia e de INR. Mas, na maioria dos exames
de POCT, esses níveis de simplicidade não foram
atingidos e ainda existem aspectos das fases
anteriores e posteriores à análise in vitro, e das
condições físicas e de uso dos equipamentos, que
podem alterar a fase analítica.
Outro elemento-chave da teoria de Christensen8
é o da evolução das indústrias entre a
descentralização e a centralização. A
padronização, simplificação e delegação de um
processo permitem que uma indústria evolua de
processos descentralizados para processos
centralizados e, posteriormente, novamente para
processos descentralizados. Quando uma
indústria está no estágio artesanal, a produção é
realizada de forma descentralizada por pequenos
produtores e com poucos níveis de padronização.
À medida que os processos são padronizados, são
criadas as estruturas necessárias para poder
explorar as vantagens da padronização, e o
processo acaba sendo industrializado. As
estruturas de produção, então, começam a
crescer para que se possa explorar as possíveis
economias de escala apresentadas por esse
processo de produção industrializado, que requer
uma centralização progressiva dos processos de
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 27
produção.8 Foi o que aconteceu na maioria das
indústrias manufatureiras: enquanto na era
artesanal a produção era descentralizada, na era
industrial era ela se centralizou em grandes
fábricas de produção..
No entanto, o nível de padronização do processo
chega a tal extremo que começa a ser
simplificado, permitindo que cada vez mais a
produção seja delegada novamente a unidades de
produção menores e, por fim, volte à sua
descentralização. Ao longo desse ciclo de
descentralização-centralização-descentralização,
novos modelos de negócios estão sempre sendo
gerados, capazes de produzir mais valor pelo
dinheiro.
A indústria da informática é um bom exemplo
desse ciclo: no passado, os cálculos eram feitos
com papel e lápis, ou no máximo com réguas de
cálculo ou ábacos, e nessa era artesanal a
produção era descentralizada. Com o advento
dos computadores nas décadas de 1950 e 1960,
surgiram máquinas grandes e sofisticadas que
envolviam a centralização dos processos e a
formação de um grupo de especialistas para
operar as novas e complexas máquinas. Mas
então a tecnologia continuou avançando e
permitiu o surgimento do microprocessador e do
computador pessoal, muito mais sofisticado,
porém mais simples de usar, o que novamente
permitiu a descentralização desse processo ao
consumidor final..
O ciclo de descentralização-centralização-
descentralização se aplica perfeitamente à
indústria de apoio diagnóstico. No passado, o
diagnóstico in vitro era feito pelo médico em seu
consultório, então ele precisava de um
microscópio e equipamentos básicos e reagentes
para fazer medições muito elementares. Quando
surgiram equipamentos mais sofisticados, que
exigiam pessoal especializado para o seu
manuseio, o diagnóstico in vitro foi transferido
para os laboratórios clínicos das instituições
prestadoras de serviços de saúde.
28 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

Posteriormente, chegaram ao mercado processos de garantia de qualidade do

analisadores automatizados que exigiam maiores laboratório central e de outros métodos
volumes de produção para serem viáveis, motivo diagnósticos. A manutenção dos equipamentos,
pelo qual surgiu o laboratório centralizado com da cadeia de abastecimento, as interfaces entre os
grandes centrais de processamento, acelerando o equipamentos e os sistemas de informação dos
ciclo de crescimento para se buscar maiores prestadores, entre outros, são novos desafios que
economias de escala. Como consequência, o os modelos centralizados de laboratório
diagnóstico in vitro tornou-se ainda mais dificilmente podem enfrentar, visto que sua
centralizado. Mas, com o surgimento dos exames estrutura e processos são muito diferentes.
rápidos de primeira geração, baseados na
detecção de anticorpos ou outros marcadores
biológicos de fácil acesso, o processo começou a
ser simplificado e abriu-se a possibilidade de
passar para a nova etapa descentralizada do
diagnóstico in vitro. A progressiva simplificação
dos processos do POCT tem permitido que cada
vez mais exames entrem no menu de opções
desta indústria em crescimento e se tornem
alternativas cada vez mais viáveis frente ao
laboratório central.

A evolução dos modelos artesanais para os

industrializados exigiu mudanças fundamentais
nos modelos de negócios. No diagnóstico in
vitro, o papel do médico mudou radicalmente,
pois agora se limita apenas a solicitar uns exames
e aguardar os resultados para a tomada de
decisões diagnósticas ou de tratamento. Os canais
de distribuição mudaram e a forma de
faturamento dos serviços também mudou. No
modelo industrializado, processos de apoio cada
vez mais sofisticados começaram a surgir, como
processos de garantia de qualidade, gestão de
estoque de insumos ou sistemas de informação.
Da mesma forma, a manutenção das máquinas
adquiriu dimensões completamente distintas das
do modelo artesanal.

Do mesmo modo, a evolução do atual modelo

centralizado para a nova fase de descentralização
implica mudanças de outra natureza no modelo
logístico e operacional. O único desafio de
garantir que a operação dos equipamentos por
pessoal não especializado não comprometa a
precisão e exatidão do diagnóstico supõe uma
estrutura e processos muito diferentes dos atuais

3.4. COMO
ENFRENTAR AS
INOVAÇÕES
DISRUPTIVAS
Com frequência, os modelos de negócios
existentes enfrentam as inovações disruptivas de
três maneiras:
1. As ignoram ou desprezam, considerando que
têm um desempenho inferior (lembre-se que o
primeiro computador pessoal da Apple era um
brinquedo de criança).
2. Realizam ações ativamente para prevenir seu
surgimento devido à possibilidade de uma
interrupção.
3. Buscam adotá-las, mas não modificando seu
modelo de negócio, e sim tentando fazer com
que a inovação se ajuste a ele.
Em qualquer uma dessas três opções será difícil
impedir o avanço de inovações disruptivas. O
primeiro caso é ilustrado pelo exemplo da
fotografia digital e do desaparecimento da Kodak,
a grande empresa que ignorou o dispositivo de
captura de imagens digitais inventado em seu
próprio laboratório de pesquisa e impedir a sua disseminação ou pelo menos para
desenvolvimento. O segundo caso é ilustrado com
a resistência dos hospitais gerais ao surgimento
de unidades hemodinâmicas independentes, as
quais geraram uma ruptura no modelo hospitalar
onde grandes lucros com serviços como a
cardiologia intervencionista tradicionalmente se
cruzam com os prejuízos por outros serviços.41 O
terceiro caso é ilustrado pela reação das
companhias aéreas tradicionais ao surgimento
das companhias aéreas de baixo orçamento.
Como o modelo de negócios dessas era muito
diferente das tradicionais, ao tentarem adaptar o
modelo de baixo orçamento ao seu modelo
tradicional, não conseguiram competir com êxito
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 29
com os novos concorrentes.42
Uma quarta maneira de reagir às inovações
disruptivas dos concorrentes no modelo atual de
um determinado setor é criando uma unidade de
negócios independente, que projete e implemente
seu próprio modelo de negócios apropriado à
natureza da nova tecnologia, cuja criação não seja
prejudicada pela necessidade de acomodar o
modelo atual de laboratório centralizado. Essa
reação é ilustrada, novamente, pelo caso da
indústria de computadores. Quando surgiu o
microprocessador que tornaria possível o
surgimento da indústria de computadores
pessoais, a IBM decidiu criar uma nova unidade
de negócios que fosse funcional e geograficamente
independente de seu negócio principal. Essa nova
empresa foi capaz de criar um novo modelo de
negócios para adequar-se ao novo produto que
levaria a indústria à sua fase de descentralização e
à posterior redução dos negócios de mainframes e
minicomputadores. Graças a essa decisão
estratégica, a IBM sobreviveu à quebra de
paradigma produzida pelo computador pessoal.
Essas reações frente às inovações disruptivas
aplicam-se com muita relevância aos modelos de
diagnóstico in vitro. Em alguns casos, essas
tecnologias são negligenciadas ou simplesmente
ignoradas, em outros são tomadas ações para
atrasá-la; e em outros, trata-se de adotar as
tecnologias, mas acomodando-as aos modelos de
prestação tradicionais e ao modelo logístico e
operacional de laboratório centralizado. No
entanto, em alguns casos, foi desenvolvido um
modelo logístico e operacional claramente
diferente, que permite que o POCT seja
devidamente explorado, minimizando os riscos
acima mencionados. Na maioria das vezes, as
reações são do segundo e terceiro tipo, e
particularmente as do terceiro são aquelas que
levaram ao surgimento da maioria das
desvantagens atuais do POCT. Um exemplo claro
30 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
disso ocorre quando o laboratório central
busca estender seu modelo de garantia de
qualidade para dispositivos de POCT dentro de
um hospital. Dada a natureza
descentralizada desses processos, o laboratório
central tem dificuldade em adaptar um modelo
de controle de qualidade que é feito para uma
central de processamento com altos níveis de
automação.
Além disso, se os desafios de se implantar um
modelo de POCT dentro de um hospital, a partir
da lógica do modelo tradicional do laboratório
centralizado, não são desprezíveis, tentar fazê-lo
em um contexto de unidades ambulatoriais
periféricas será muito mais difícil, sendo pior
ainda em um contexto comunitário. O fato de
haver um conhecimento comum (bases
científicas semelhantes, técnicas de diagnóstico
in vitro, pessoal treinado nessas técnicas etc.)
não significa que para implementar o modelo
POCT basta uma extensão do modelo tradicional
de laboratório centralizado. As semelhanças
óbvias entre os dois modelos não são a razão para
desenvolver o POCT sob a lógica do laboratório
centralizado. Em vez disso, as diferenças sutis,
mas altamente relevantes, que foram
mencionadas são os motivos que justificam o
desenvolvimento do POCT como uma linha à
parte do laboratório atual.
Não é à toa que alguns autores apontam que não
basta adquirir um equipamento POCT, mas sim
que há a necessidade que se tenha um “programa
POCT”. Por exemplo, Lewandrowski et al.43
apontam para o diagnóstico in vitro com o POCT,
que, independentemente da sofisticação dos
dispositivos de POCT e dos sistemas de gestão de
dados, o elemento mais importante para garantir
a qualidade do POCT é o estabelecimento de um
programa eficaz de gestão do POCT. Este
programa é precisamente um conjunto de
normas e procedimentos para garantir a
qualidade do diagnóstico, que, devido à natureza
diferente dos dispositivos e dos processos pré-
analíticos e pós-analíticos, deve ser diferente do
laboratório central.
Mas, em uma visão estratégica muito mais ampla,
este programa deve ser um componente-chave de
um novo modelo de negócios, não o mesmo
modelo de negócios do atual laboratório
centralizado. Este novo modelo, conforme
observado, deve ser visto como uma oportunidade
pelos especialistas em diagnóstico e não como
uma ameaça. Esta oportunidade abre um novo
espectro de possibilidades para profissionais e
técnicos de diagnóstico que estão constantemente
em busca de soluções que gerem maior valor a
cada dólar utilizado.
Cabe ressaltar que, na América Latina, já existem
experiências de grandes cadeias de laboratórios
centralizados que estão entrando nos modelos
POCT. É necessário analisar essas experiências
para determinar em que medida elas estão sendo
concebidas e implementadas fora da lógica do
modelo centralizado, para escapar de suas
limitações e explorar ao máximo seu potencial
disruptivo. Ou se, ao contrário, estiverem sendo
concebidas como mais uma linha do laboratório
centralizado, é preciso analisar se é verdade que,
em consequência, enfrentam limitações que
acarretam mais desvantagens do que vantagens.
Voltando à experiência de Queensland na
Austrália,38 parece que um modelo POCT
comunitário e hospitalar poderia ser
implementado a partir de uma rede de
laboratórios hospitalares, mas não está claro a
partir da descrição da experiência se foram
enfrentadas limitações ao modelo de POCT como
consequência de ter sido concebido a partir da
lógica do laboratório centralizado.
Uma experiência que ilustra o uso do POCT sob
uma lógica diferente e à parte do modelo de
laboratório centralizado é a do I9med, no Brasil.
Este modelo de negócio é concebido tendo em
mente o imediatismo da resposta e a utilização da
amostra mínima de sangue, ambos muito
importantes do ponto de vista do paciente.
Embora seja um modelo baseado no pagamento
direto em espécie, é interessante ressaltar que os
pacientes preferem pagar por conta própria para

obter resultados imediatos, em vez de esperar
mais no processo padrão do laboratório
centralizado. A disposição a pagar fica
evidenciada porque o preço dos exames é
superior ao do laboratório centralizado e muito
superior ao copagamento quando a seguradora
cobre o paciente pelos exames laboratoriais. O
componente crítico do controle de qualidade é
superado quando o equipamento é manuseado
por técnicos de diagnóstico in vitro nos
laboratórios e o equipamento em locais remotos
(quando usado em cuidados domiciliares ou em
empresas) é controlado a partir de uma
localização central. Este programa de qualidade
está se tornando cada vez mais fácil, devido às
mesmas características de concepção dos
equipamentos que reduzem os erros na fase pré-
analítica e analítica.
Embora seja urgente inovar em modelos de
negócios fora da lógica tradicional do laboratório
centralizado, também é necessário reconhecer
que as regulamentações para essas inovações não
existem, ou se existem, foram concebidas
principalmente a partir da lógica do modelo
tradicional, com que se fecha um círculo vicioso
entre a regulação e o modelo tradicional, o que
dificulta o desenvolvimento de inovações.
Embora o Brasil esteja em processo de revisão
substancial das regulamentações básicas do
POCT, o que abriria mercado para o seu
crescimento, nos demais países da região ainda
não estão previstas etapas nessa direção. Uma
forma de superar esse círculo vicioso é projetar
experiências-piloto que permitam testar novos
modelos de negócios ou novos processos, e que
estejam sujeitas ao rigor de testes empíricos.44
Isso é semelhante ao que se faz com os
medicamentos: antes de obter a autorização para
entrar no mercado, devem comprovar sua
eficácia e segurança por meio de estudos clínicos
de fase I, II e III. No caso das experiências piloto
de demonstração do POCT, estas permitiriam
estabelecer se, minimamente, as estruturas e os
processos diferentes do que estabelecem as
normas que não afetam a qualidade.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 31
4.O NOVO
MODELO DE
NEGÓCIO
NECESSÁRIO PARA
EXPLORAR O
POTENCIAL
DISRUPTIVO DO
POCT
De acordo com os argumentos levantados nas
seções anteriores, um novo modelo de
negócios é necessário para explorar ao
máximo os benefícios do POCT, que seja
adaptado à natureza desta tecnologia
disruptiva e que compreenda muito bem as
necessidades, expectativas e preferências dos
pacientes, assim como as dos médicos e outros
profissionais de saúde que usam essas
tecnologias. Este novo modelo de negócio
pode ser criado por instituições existentes,
desde que se distancie do modelo atual de
forma a não forçar a sua acomodação a este
último, o que limitaria o seu potencial
disruptivo. Ou pode ser criado por
organizações inteiramente novas entrando no
mercado em um momento em que este,
conforme mostrado na seção um, esteja
crescendo rapidamente a nível global.
Este ponto é muito importante para os
trabalhadores de hoje na indústria de
diagnósticos. O advento do POCT deve ser visto
como uma grande oportunidade de se entrar em
uma nova indústria que está crescendo, e na qual
muitos dos elementos básicos de sua formação e
experiência anteriores permanecem relevantes. A
história de outros setores da economia tem
32 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
mostrado que aqueles que antecipam essa
tendência terão maior probabilidade de ocupar
posições de liderança no novo setor, enquanto os
que resistem são afetados pelas rupturas que
alteram fundamentalmente a indústria existente.
Para pensar nos modelos de negócios possíveis, é
necessário partir dos modelos de prestação de
serviços de saúde, uma vez que o diagnóstico in
vitro é um insumo fundamental para a tomada
de decisões diagnósticas e terapêuticas. Esses
novos modelos de entrega representam uma
ruptura com o modelo tradicional do hospital
geral e consultório médico, e como as tecnologias
do POCT aproximam as soluções das
necessidades, expectativas e preferências do
paciente, o desenvolvimento de modelos de
prestação será mais viável. Em outras palavras, as
tecnologias POCT são tecnologias capacitantes,
ou seja, que possibilitam novas modalidades de
prestação de serviços de saúde.
Para compreender as possibilidades de inovação
nos modelos de prestação de serviços de saúde, é
útil pensar nos diferentes tipos de condições
médicas que são tratadas na prática clínica diária,
uma vez que, seguindo a lógica da competição
baseada no valor, os modelos de prestação devem
ser definidos com respeito a estes e a forma como
são definidos irá traçar a forma de redefinir os
modelos de negócio do POCT.
“O advento do POCT deve ser visto
como uma grande oportunidade de
entrar em um novo setor que está
em pleno crescimento”.
4.1. MODELOS
DE PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS DE
SAÚDE
O novo modelo de negócios do POCT é derivado
dos novos modelos de prestação de serviços de
saúde. Por essa razão, é preciso primeiro pensar
no que seriam esses novos modelos de entrega. A
Figura 1 mostra uma representação esquemática
das condições médicas, nas quais são
classificadas do ponto de vista de sua duração e
custo.3
Na figura, é mostrado claramente que existem
umas condições médicas leves e discretas, como
diarreia ou um quadro gripal. O conceito de
discreto refere-se ao que ocorre de forma isolada
e por um tempo limitado. Há outras que também
têm duração limitada, mas não são leves, como
uma fratura do rádio ou uma hérnia inguinal.
Uma terceira categoria são as agudas caras,
como um infarto agudo do miocárdio ou
peritonite. Uma quarta categoria é a das
condições médicas crônicas, em que a maioria
dos pacientes é estável e não consome muitos
recursos, e uma pequena parte apresenta
complicações crônicas ou baixa resposta ao
tratamento, o que as torna mais caras. E, por fim,
uma quinta categoria inclui a população que
nunca consulta, seja porque é saudável, seja
porque, apesar de ter algum quadro agudo ou
crônico, leve ou grave, não deseja ou não pode
consultar os serviços de saúde.
Essas cinco categorias de condições médicas
representam diferentes modelos de prestação.

Figura 1. Classificação das condições médicas em relação à sua duração e custo
Complexidade
Não
consultam
Por exemplo, para casos discretos leves, é
necessária uma consulta na qual o paciente
pode chegar na hora que quiser, é atendido
rapidamente e não precisa retornar.
Para eventos agudos de alto custo, é
necessário o modelo clássico de hospital geral,
no qual é necessário ter uma ampla gama de
recursos para resolver todas as contingências
possíveis que devem ser enfrentadas no
manejo desses tipos de casos. Para condições
médicas discretas não leves, diferentes
modelos são necessários, dependendo de
serem urgentes ou não. Entre os não urgentes,
se encontram aqueles que requerem
procedimentos eletivos, por exemplo, hérnias
de parede abdominal ou a miomatose uterina,
que podem ser tratadas com modelos de
prestação altamente padronizados
separados de hospitais, como é o caso das
clínicas de hérnia ou clínicas de catarata. Para
pacientes com condições médicas crônicas são
necessários modelos de gestão de doenças que
permitam, além de se fazer um bom
diagnóstico e solicitar uma terapia
farmacológica e não farmacológica,
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 33
3
Agudas Crônicas
caras caras
Discretas
não leves
Crônicas
Discretas
leves
não caras
Duração
acompanhar o paciente (o que inclui
automonitorar-se e autoajustar suas doses de
medicamentos, quando for possível) e prevenir
ou evitar exacerbações ou episódios agudos. E
para todos os pacientes com qualquer uma das
condições médicas mencionadas, mais aqueles
que não consultam, são exigidos modelos de
base comunitária com vistas a se fazer triagens
ou diagnósticos, como é o caso do HIV ou da
sífilis, na América Latina.
Se as cinco categorias de condições médicas
forem cruzadas com os cinco níveis propostos
por Pai et al.7 mostrados na tabela 3, pode-se
perceber claramente que o modelo de negócios
para o POCT deve ser diferente e, além disso,
terá algumas variações dependendo do
ambiente de atendimento e da condição médica
em questão. A Tabela 6 mostra essas
e combinações.
A Tabela 6 mostra também alguns modelos de
negócios diferentes, especialmente aqueles
baseados na comunidade. O mais frequente é
colocar os equipamentos POCT em farmácias,
operadas por farmacêuticos, ou disponibilizá-
los aos médicos que os consultam nos
34 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS

consultórios anexos a essas farmácias. Este
modelo existe em muitos países da América
Latina, mas nos Estados Unidos também foi
desenvolvido sob o modelo de clínicas de
varejo ("retail clinics"). Também pode ser
considerado um modelo de negócios para a
realização de exames de POCT em empresas,
escritórios ou fábricas. Nesse caso, a
necessidade do empregador é evitar que seus
trabalhadores tenham que se ausentar do
trabalho para serem atendidos em um centro
médico e, posteriormente, em um laboratório
centralizado.
De acordo com a Tabela 6, os métodos
diagnósticos POCT que podem ser utilizados
são diferentes. A Tabela 7 mostra os possíveis
exames que cada variação do modelo de
negócios exigiria.

Tabela 6. Modelos de negócios para POCT de acordo com

o tipo de condição médica e cenário de atendimento

Tipo de condição médica

Cenário de
Nível Discreta Discreta Aguda Saudável ou
atendimento Crônica
leve não leve cara sem consulta
1 Autoatendimento Automonitoramento
em casa Autogestão

2 Comunidade Rastreamento Emergências Monitoramento Triagem

de casos e e desastres e de gestão e
contatos em traslado de triagem
surtos de pacientes:
doenças diagnóstico e
infecciosas monitoramen
to de estados
críticos
3 Centros médicos Diagnóstico Diagnóstico Descartar Monitoramento Triagem
ambulatoriais de imediato e imediato e condições oportunista
baixa escolha da escolha da médicas graves
complexidade terapia terapia antes de
farmacológica farmacológica encaminhar o
paciente
Triagem Triagem
oportunista oportunista
4 Laboratórios Medição de Medição de Medição de
periféricos (não biomarcador biomarcador biomarcador em
hospitalares) em um só em um só um só contato
contato contato

5 Hospitais Descartar Medição de Medição de Medição de

condições médicas biomarcador biomarcador biomarcador em
graves antes de dar em menos em menos um só contato
alta ao paciente em tempo tempo
situação de
emergência
 DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 35

Tabela 7. Métodos diagnósticos com POCT de acordo com

o tipo de condição médica e cenário de atendimento
Tipo de condição médica
Cenário de
Nível Discreta Saudável ou
atendimento Discreta leve Aguda cara Crônica
não leve sem consulta
1 Autoatendimento INR e
em casa glicemia
2 Comunidade Covid-19, Emergências INR, Diagnóstico
influenza e e traslados: glicemia, de HIV,
sífilis gases CD4, CD4, sífilis,
arteriais e carga malária e
eletrólitos viral de substâncias
HIV de abuso no
local de
trabalho
3 Centros PCR Triagens para Troponina Perfil HIV, CD4,
médicos procalcitonina HIV, CD4, lipídico, sífilis,
ambulatoriais , HIV, CD4, sífilis, malária glicemia, malária e
de baixa sífilis, malária, e glicemia INR, glicemia
complexidade glicemia HbA1c,
PlGF e
CD4
4 Laboratórios PCR Exames pré- Perfil HIV, CD4,
periféricos (não procalcitonina cirúrgicos lipídico, sífilis,
hospitalares) glicemia, malária e
HbA1c, glicemia
PlGF,
CD4
5 Hospitais Troponina D-dímero e D-dímero, PlGF,
BNP BNP, gases hepatite
arteriais, CeB
eletrólitos e
glicemia
36 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
4.2. ELEMENTOS
PARA O PROJETO
DE NOVOS
MODELOS DE
NEGÓCIO PARA O
POCT
Na construção geral dos modelos de negócios
derivados das Tabelas 6 e 7, fica claro que
existem dois contextos diferentes: o contexto
hospitalar (cenário 5) e os demais contextos
(cenários 1-4). No contexto hospitalar, o modelo
de negócios deve levar a um programa de POCT.
Em todos os outros contextos, o modelo de
negócios deve criar um programa que garanta:
• O fornecimento oportuno e suficiente de
suprimentos e equipamentos de reposição.
Este componente envolve uma rede de
distribuição e gestão de estoque para
diferentes pontos de atendimento.
Diferentemente disso, no modelo
centralizado, o fornecedor traz os insumos e
equipamentos para a planta de
beneficiamento.
• A manutenção preventiva e corretiva de
equipamentos. No novo modelo, é necessário
um planejamento temporal e espacial, o que
implica um apoio logístico diferente do
modelo centralizado, pois requer a
movimentação de pessoal especializado na
rede de pontos de atendimento.
• A capacitação de pessoal não especializado
em diagnósticos in vitro. Este é um dos
maiores desafios do novo modelo do POCT,
pois exige não só a transferência de
conhecimentos e habilidades, mas também a
sua atualização permanente à medida que
surgem novos equipamentos e novos
procedimentos. O treinamento não pode ser
reduzido a um curso de curta duração, mas
deve levar a uma cultura de medição que se
aproxime o máximo possível do nível dos
especialistas no diagnóstico in vitro.
• A recertificação periódica das habilidades
nas quais o pessoal não especializado foi
treinado por meio de verificação. Uma vez
que o pessoal tenha sido capacitado, é
necessário verificar periodicamente se os
conhecimentos e as habilidades são mantidos
e se não foram distorcidos.
• Uma agenda de visitas periódicas aos
pontos onde é realizado o POCT, para a
verificação das condições ambientais e o
manuseio dos equipamentos e insumos.
Lewandrowski et al.43 sugerem que, em
teoria, um programa de POCT pode ser
monitorado remotamente. No entanto,
ressaltam que, na prática, é necessário
realizar visitas periódicas para verificar
certos aspectos da operação que não podem
ser vistos à distância, por exemplo, as
condições ambientais dos equipamentos e do
armazenamento de insumos ou os processos
na fase pré-analítica e pós-analítica.
• Um sistema de controle de qualidade e
calibração de equipamentos wireless.

• Uma linha de apoio (helpdesk), para
resolver os problemas do dia a dia à medida
em que vão surgindo.
• Documentação dos processos pré-analíticos
e pós-analíticos para cada exame.
• A implementação e operação de um sistema
de informação que permita a conectividade
com os demais sistemas de informação da
rede prestadora de forma a garantir que a
informação seja automaticamente esvaziada
para o registro médico eletrônico e outros
sistemas de informação.
Por sua vez, a instituição prestadora de serviços
de saúde ou o programa responsável pelas
atividades na comunidade deve ter a diretriz de
prática clínica documentada, que
estabeleça quando utilizar um método
diagnóstico com POCT e quando não utilizá-lo,
para evitar o uso excessivo e subutilizado,
que prejudicam o desempenho do POCT.
Lewandrowski et al.43 propõem um programa de
POCT com base em sua experiência na gestão de
uma rede com 98 locais onde são realizados
exames diagnósticos in vitro, dos quais 58 são
hospitalares, 31 ambulatoriais e 5 em locais de
procedimentos especiais. Os autores reconhecem
a natureza diferente dessas tecnologias e,
portanto, das estruturas e processos que as
apoiam. Mesmo assim, eles propõem um
modelo que é desenvolvido com base em um
modelo de laboratório clínico tradicional.
O modelo proposto aqui teria um
desempenho muito melhor se
fosse desenvolvido independentemente
do modelo do laboratório centralizado.
Do ponto de vista do modelo de prestação da
instituição prestadora, também são identificados
os elementos-chave que determinam o modelo de
negócio do POCT. Em um consultório de nível
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 37
básico, que em sua maioria deve resolver
condições médicas leves e discretas, não se
justifica ter um extenso painel de equipes em
cada ponto de atendimento, mas sim centralizar
algumas delas em centros de alto tráfego onde se
possa explorar as economias de escala desses
equipamentos. Isso iria contra a lógica de reduzir
o número de contatos, mas a menos que a
disposição dos pagadores ou pacientes de pagar
seja suficiente para cobrir os custos da
capacidade ociosa dos equipamentos de exame de
baixa rotatividade, é mais eficiente para o
paciente ir a uma consulta em um centro de maior
volume onde seu exame poderá ser realizado no
mesmo contato. Isso é mais viável em grandes
cidades, onde os custos de transporte são mais
baixos.
Nos programas de atendimento abrangente de
condições médicas crônicas, o modelo de
prestação é baseado no alinhamento da maior
quantidade de componentes de serviço possível,
sem necessariamente levar ao excesso de
capacidade que torne o modelo mais caro. Nesse
contexto, a utilização de exames POCT é clara,
mesmo que não seja garantida uma utilização
ideal do equipamento, uma vez que os benefícios
são medidos ao nível do custo anual de cada
paciente, redução de internações e atendimentos
emergenciais e em situações crônicas que possam
ser evitados, e não ao nível do custo médio por
exame.
38 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
5.O POCT NA
AMÉRICA LATINA:
DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
Conforme observado na seção dois, o mercado de
dólares POCT na América Latina mostra um
crescimento substancial, o que prevê que sua
participação no mercado continuará a crescer. Se
a isso se somar o efeito da pandemia da covid-19,
certamente as projeções terão de ser ajustadas
para cima a partir de 2021. Como a revolução
digital que levou a interrupções inesperadas na
prestação de serviços de saúde, o atendimento
fora dos ambientes tradicionais do hospital e do
consultório médico (ou seja, na casa do paciente,
na comunidade, no local de trabalho ou em
instituições educacionais) é hoje uma realidade
que, mesmo que retroceda um pouco depois da
pandemia, não voltará à situação de antes.
Dentro desta nova realidade, e dado o maior
impacto que a pandemia teve na América Latina em
2020 em comparação ao resto do mundo, é claro
que o POCT florescerá, pois, como uma tecnologia
capacitadora para desenvolver modelos de
prestação disruptivos no ambiente comunitário, ele
será cada vez mais procurado. Embora essa
demanda seja inicialmente impulsionada pela
pandemia e pela necessidade urgente que ela gera
de rastrear casos e contatos de covid-19, uma vez
que a barreira regulatória seja superada, será muito
mais fácil desenvolver novos modelos de negócios,
não apenas em outras doenças infecciosas, mas na
gestão de condições médicas crônicas e outras
aplicações do POCT. Somado ao efeito de reforço
da pandemia está o das exceções regulatórias em
áreas remotas.
Em países como México, Colômbia, Equador, Peru,
Argentina, Paraguai ou Brasil, entre outros, os
programas de detecção de HIV e sífilis em áreas
distantes dos centros urbanos são operados por
profissionais de saúde com baixo ou nenhum
nível de especialização. Nestes contextos,
a regulamentação em vigor aceita que este
pessoal, que não tem formação em diagnóstico
in vitro, realize os testes POCT, visto que, por
falta de um laboratório convencional e recursos
humanos de capacitação, é melhor ter
pelo menos a possibilidade de se fazer o
diagnóstico, mesmo com uma probabilidade
maior de erros, do que perder casos que
poderiam ser tratados em tempo hábil.
Essa lógica do mal menor não ajuda muito no
aprofundamento dos modelos POCT, pois
cria fronteiras forçadas entre centros urbanos
que possuem laboratórios centralizados e
áreas remotas com suas carências,
limitando o potencial do POCT apenas a
estes. Embora este seja um importante
mercado-alvo, percebe-se que ele não
representa o maior potencial do POCT como
tecnologia capacitadora para gerar inovações
em modelos de negócios. Em termos simples,
pode-se dizer que se as áreas remotas
representam 10% do mercado de diagnóstico in
vitro, é preferível ter 10% ou mais do mercado
nos centros urbanos, do que 80% ou menos do
mercado nas áreas remotas. Por este motivo, deve
ser promovido o desenvolvimento de pilotos de
demonstração em áreas urbanas, no âmbito de
projetos de pesquisa que testem a hipótese
da maior eficácia e custo-eficácia das tecnologias
do POCT.
As estruturas dos sistemas de saúde na América
Latina são variadas, mas uma característica
importante para identificar oportunidades de
desenvolvimento de modelos de
negócios inovadores com o POCT é a
descentralização das decisões sobre as políticas
de saúde. Por exemplo, enquanto na Argentina as
políticas podem variar entre as províncias, o que
obriga a explorar oportunidades de maneira
diferente em cada uma, no México elas são
centralizadas em três grandes blocos (Instituto
Mexicano del Seguro Social [IMSS], Instituto
de Salud para el Bienestar [Insabi] e o
Instituto de Seguridad y Servicios Sociales
de los Trabajadores del Estado [ISSTE]),

que pode tomar decisões a partir das
lideranças nacionais no que diz respeito à
concepção e implementação de modelos
inovadores de POCT. Na Colômbia, as decisões
para criar modelos inovadores também são
descentralizadas, tanto no nível de
seguradoras quanto de prestadores.
As recentes mudanças de governo no México e
no Brasil trouxeram mudanças drásticas nos
sistemas de saúde. No México, o Seguro Popular,
que era uma estrutura descentralizada por
estados, desaparece e é criado o Insabi, uma
estrutura centralizada que busca reduzir a
corrupção partindo do pressuposto de que, se o
dinheiro passa por menos mãos, é mais fácil
reduzi-lo.45 Por outro lado, o Brasil muda
substancialmente o modelo de Saúde da Família
de uma alocação geográfica para uma alocação
por capitação, o que implica que as novas equipes
de atenção básica recebam mais dinheiro quanto
mais conseguirem recrutar pessoas que podem
escolher livremente entre essas equipes.46
No entanto, em um modelo centralizado de
decisões de política de saúde, nem todas as
decisões são centralizadas, assim como em um
modelo descentralizado nem todas as decisões
são descentralizadas. Por exemplo, no Insabi e no
IMSS no México, sua liderança poderia tomar a
decisão de lançar modelos inovadores baseados
no POCT, mas deixar que cada unidade
subnacional iniciasse testes-piloto de acordo com
suas próprias realidades. Entretanto, além desses
três grandes blocos, no contexto ambulatorial das
farmácias privadas, existe um segmento com
grande potencial, pois ali seria possível implantar
modelos inovadores sem passar por uma
autoridade central. Essa possibilidade também
vem surgindo no Brasil e, de maneira geral, em
sistemas de saúde que apresentam elevados
gastos pagos do próprio bolso em relação ao gasto
total em saúde, uma vez que uma parte muito
importante desse gasto é destinada a
medicamentos, sendo comercializado em
farmácias privadas.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 39
No caso da Argentina ou Colômbia, a decisão de
permitir que pessoas não especializadas em
diagnósticos in vitro realizem exames POCT teria
que passar pela autoridade central, mas há muito
mais flexibilidade no nível regional ou local para
iniciar modelos inovadores que possam ser
escalados, caso sejam bem-sucedidos. Por isso, em
cada caso, deve ser considerada a possibilidade de
realização de pilotos de demonstração visando
superar os obstáculos regulamentares enfrentados
pelos modelos de negócios inovadores em cada
país.
Quanto aos mecanismos de pagamento
prevalecentes nos países da região, prevalecem os
orçamentos baseados em custos operacionais, o
pagamento por prestação (pago por serviço (fee-
for-service) e pagamentos prospectivos. Os
últimos incluem pagamentos de captação ou
orçamentos prospectivos por subgrupos
populacionais, por episódios ou por outras
modalidades de agrupamento.47 Nos países que
fazem compras centralizadas de testes de doenças
infecciosas, estes são normalmente baseados em
orçamentos de atividades a serem realizados,
enquanto os pagamentos prospectivos estabelecem
um quantia fixa de dinheiro sem definir um
determinado número de atividades, mas sim um
valor esperado destas, que, na realidade, pode
acabar sendo menor ou maior do que o esperado.
Essa diferença é crucial, pois, enquanto no
primeiro os testes a serem adquiridos já estão
definidos, no segundo existe a possibilidade de
escolher aquele que melhor atende ao objetivo de
gerar maior valor para cada dólar utilizado, de
acordo com os outros elementos do modelo de
negócio que são definidos..
No pagamento por benefício, típico de modelos
como o de obras sociais na Argentina, o das
administradoras de riscos de saúde (ARS) na
República Dominicana, convênios particulares no
Brasil e em alguns casos o de entidades promotoras
de saúde (EPS) na Colômbia, a impossibilidade de
compatibilização de preços por exame laboratorial
centralizado desvia a atenção do campo onde o
40 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
POCT cria valor, ou seja, nos modelos de
entrega que integram os ciclos de atendimento
ou onde o hospital e seu laboratório estão
alinhados, faturando como uma entidade
única. Na Colômbia, existem modelos
abrangentes para condições médicas crônicas
e HIV, nos quais as vantagens do imediatismo
dos resultados do POCT superam os custos
unitários mais elevados por exame, bem como
na realização de triagens de sífilis e HIV na
população de gestantes dentro das EPS. Isso
confirma a hipótese de que o custo unitário não
deve ser o critério de decisão para a escolha
entre exames de POCT e de laboratórios
centralizados, mas sim o efeito líquido sobre os
custos do ciclo de atendimento.
 DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA AMÉRICA LATINA 41

Características e tendências dos principais

mercados da América Latina
México:
• Para 2019, o mercado de POCT em doenças infecciosas foi de US$ 14,92 milhões e
apresentou uma taxa média composta de crescimento de 8,2%.*
• Embora ainda apresente um baixo nível de penetração do POCT, o México representa um
grande potencial porque as decisões são centralizadas, o que permite que o IMSS, o ISSTE e
o Insabi tomem a decisão de adotar o POCT.
• O médico ainda não é um marcador da demanda do POCT, pois não o conhece bem e não
percebe suas vantagens.
• Existe um mercado importante para o POCT feito em farmácias e os gastos pagos diretos
pelos pacientes no México são altos.

Brasil:
• Para 2019, o mercado de POCT em doenças infecciosas foi de US$ 33,4 milhões,
apresentando uma taxa média composta de crescimento de 8,8%.*
• O grau de penetração é baixo, mas a pandemia COVID-1 9 abriu uma grande porta para
a realização de exames por POCT realizados por pessoal não especializado em
diagnósticos in vitro.
• A revisão das regulamentações do POCT, que estão atualmente em curso, abrirá um
espaço importante para a realização dos testes do POCT por pessoal não especializado em
diagnósticos in vitro.
• Existe um mercado crescente de POCT feito em farmácias.

Colombia:
• Para 2019, o mercado de POCT em doenças infecciosas foi de US$ 4,53 milhões,
apresentando uma taxa média composta de crescimento de 8,0%.*
• As regulamentações existentes são altamente restritivas à possibilidade de realização de
exames de POCT por pessoal não especializado em diagnósticos in vitro.
• Os modelos integrais de atendimento ao HIV/AIDS são uma oportunidade de capturar o
valor que os exames de POCT geram, pelo fato de receberem pagamentos prospectivos.

Argentina:
• Para 2019, o mercado de POCT em doenças infecciosas foi de US$ 11,43 milhões,
apresentando uma taxa média de crescimento composto de 8,3%.*
• As regulamentações existentes são altamente restritivas à possibilidade de realização de
exames de POCT por pessoal não especializado em diagnósticos in vitro.
• A prevalência do pagamento por prestação nas obras sociais não permite capturar valor
com o POCT, pois apenas são comparados os custos diretos do exame e não os benefícios
indiretos do POCT frente ao exame convencional.

*Fonte: Latin America Point of Care infectious disease market: industry trends and
forecast to 2027. Relatório não publicado.
42 POCT E INOVAÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIOS
6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As tecnologias de diagnóstico in vitro por
POCT permitem a projeção de inovações
disruptivas nos modelos de prestação de
serviços de saúde, devido à sua contribuição
para a melhoria da resolução do diagnóstico.
Para realizar essas rupturas, é necessário que
o POCT se apoie em novos modelos de
negócios diferentes do atual modelo de
negócios do laboratório centralizado, baseado
na busca por economias de escala.
Esses novos modelos de negócios devem ser
capazes de gerar mais valor pelo dinheiro,
mas do ponto de vista do custo e dos
resultados do ciclo completo de atendimento
a uma condição médica e não dos custos
unitários diretos do exame.
As recomendações para impulsionar os
negócios do POCT na região são resumidas a
seguir:
• Aproveitar a situação da pandemia
COVID-19 para atualizar as regulamentações
que restringem a realização de exames de
POCT a pessoal especializado em
diagnósticos in vitro. A necessidade urgente
de rastrear casos e contatos no ambiente da
comunidade torna necessário permitir a
realização de tais exames a pessoas sem tal
formação. Não obstante, é claro que nem
todos os equipamentos apresentam o mesmo
perfil de segurança e qualidade. Por isso, é
necessário definir quais equipamentos e
quais referências específicas poderão
ser manuseadas por não especialistas.
• Apoiar modelos de negócios inovadores que
são desenvolvidos fora da lógica tradicional
do laboratório centralizado. Por exemplo, o
modelo baseado em farmácias ou o modelo do
laboratório que realiza apenas exames POCT.
• Apoiar a agenda de saúde baseada em
valores. Essa agenda faz com que os
prestadores se organizem a partir das
condições médicas e integrem o ciclo de
atendimento, o qual, somado a uma
modalidade de pagamento prospectiva,
permite a captura de valores com os exames
de POCT.
• Estimular o canal de distribuição a criar um
modelo de negócio diferente do tradicional,
voltado para o laboratório centralizado. Assim
como o modelo de negócios do POCT é
diferente do laboratório centralizado, o do
distribuidor também o é. No entanto,
mudanças disruptivas na indústria do
diagnóstico in vitro devem ocorrer na linha
de frente, com novos modelos de negócios que
explorem o potencial disruptivo das
tecnologias POCT. Assim que essas mudanças
começarem a ocorrer, o canal de distribuição
terá que adequar seu modelo de negócios para
responder a essa demanda crescente.

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Autor:
Ramón Abel Castaño MD, MS, PhD

Este trabalho foi financiado pela Abbott. 16

O autor é o único responsável pelo seu conteúdo.

2021.