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PALAVRA-VALISE NAS OBRAS ALICE’S DE LEWIS CARROLL

PORTMANTEAU IN LEWIS CARROLL ALICE’S WORKS

Raquel Barboza dos Santos (UFSC)

Resumo: O presente estudo analisa literariamente um dos inúmeros


símbolos morfofonológicos, existentes nos livros Alice no País das
Maravilhas (1865) e Alice Através do Espelho (1871), escritos por
Lewis Carroll (1832-1898), a fim de explicitar a criatividade dele no eixo
de seleção de palavras, e apresentar quão grande é o léxico da língua
portuguesa, a qual permite neologismos, justamente por ser uma língua
viva. As palavras-valise, usadas na obra de Lewis Carroll, em
abundância e de forma cômica, também fazem parte das nossas falas
cotidianas, por isso o enfoque nelas. Explica-se e exemplifica-se esse
processo de formação de palavras, através de trechos de sua obra com
objetivo esclarecer o processo de formação das palavras selecionadas.
Palavras-chave: léxico, neologismo, palavra-valise, Lewis Carroll,
Alice.

Abstract: This study aims to analyze literary one of the numerous


morphophonological symbols existing in books Alice in Wonderland
(1865) and Alice Through the Looking Glass (1871), written by Lewis
Carroll (1832-1898) in order to explain his creativity in axis selection
words, and present how big is the lexicon of the Portuguese language,
which allows neologisms, precisely because it is a living language. The
portmanteau words, used in the work of Lewis Carroll, in abundance
and comically, are also part of our everyday speech, so focus on them.
It will be explained and exemplified this process of word formation,
through excerpts from his work in order to clarify the process of
formation of these words, and how and why can and should be used
neologisms.
Keywords: lexicon, neologism, portmanteau, Lewis Carroll, Alice.

Introdução

Este trabalho visa, simplesmente, explicitar a profundidade dos livros


carrollianos, citados acima, e fornecer alguns exemplos de neologismos, mais
precisamente palavra-valise, que fazem parte da sua obra e a enriquece, além
de conseguir despertar a imaginação do leitor, para que também possa praticar
esse exercício de criação.

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O presente artigo é estruturado da seguinte maneira: no primeiro tópico será


apresentado, brevemente, um pouco da composição do léxico, o que é, e como
sucedeu na língua portuguesa. No segundo tópico, apresentar-se-á o que é o
neologismo, como são formadas as novas palavras, o mecanismo interno e
suas propriedades e o externo. No terceiro tópico, é apresentada mais de perto
a palavra-valise, definições, surgimento e aplicações. No quarto e último,
constam exemplos de palavra-valise em alguns trechos das obras,
demonstrando assim o potencial literário dos livros analisados.

Os livros Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho foram


escolhidos devido à sua riqueza literária, à sua profundidade, aos inúmeros e
estimulantes enigmas que os envolvem dentro e fora do domínio do papel
impresso e ao potencial didático que os compõe. Trata-se de histórias que se
disseminaram por todo o mundo e estão no imaginário coletivo tanto dos
ocidentais como dos orientais; não é por acaso que sejam possivelmente as
obras infantis mais estudadas e analisadas, e isso não só por críticos literários.
(Higor Gonçalves, 2001)

1 O léxico da língua portuguesa

O léxico é um sistema dinâmico, capaz de se expandir à medida que a


necessidade de novas unidades de designação e construção de enunciados se
manifestam.

O estudo da história da língua portuguesa nos revela que o léxico português,


basicamente de origem latina, tem ampliado seu acervo por meio de
mecanismos provenientes do latim, a derivação e a composição, mas é
enriquecido através de empréstimos, por contatos próximos com outros povos,
incorporando assim, novos vocábulos à língua portuguesa.

O léxico, portanto, não é apenas um conjunto de palavras. Como sistema


dinâmico, apresenta estruturas a serem utilizadas em sua expansão. Essas
estruturas e os processo de formação de palavras permitem a formação de
novas unidades no léxico como um todo e também a aquisição de palavras
novas por parte de cada falante. A esse processo é atribuído o nome
neologismo.

2 Neologismo

O conjunto lexical de uma língua viva se renova constantemente, enquanto


algumas palavras, consideradas arcaicas, deixam de ser usadas, novas
unidades, criadas pelos falantes de uma comunidade linguística, são incluídas
ao léxico.

Afere-se, portanto, que neologia é o processo de criação e neologismo é o


elemento criado, a nova palavra.

Há dois mecanismos neológicos estudados, o interno e o externo, ao primeiro,


atribuem-se características naturais, nas quais as palavras são formadas
através de processos de derivação ou composição, conforme Mattoso (1976,
p.211), além da inclusão de outros processos como composição por sigla,

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conversão, truncação, palavra-valise, reduplicação e derivação regressiva.


São, em geral, processos que usam palavras, ou afixos já existentes no léxico
e as modificam conforme a necessidade. Já, o segundo mecanismo
supracitado é composto por itens lexicais provenientes de outros sistemas
linguísticos, conhecido por neologismos por empréstimos.

3. Palavra-valise

Uma palavra-valise faz parte do processo de neologismo sintático, ou seja,


supõe a combinação de elementos já existentes no sistema linguístico do
português; é formada pela união de pedaços de duas ou mais palavras
existentes na língua. Geralmente se usa o início de uma palavra e o final da
outra palavra incluindo o processo de truncação.

Frequentemente, a palavra-valise, que também é conhecida como palavra


entrecruzada, mot-valise (em francês), portmanteau (em inglês), constitui um
neologismo, apesar de utilizar vocábulos que já fazem parte do léxico, pois é
atribuído um novo significado à nova palavra formada.

As denominações para palavra-valise são diversificadas conforme cada autor,


como cruzamento ou intersecção supressiva (Rio-Torto, 1998), amálgama
lexical (Azeredo, 2002), amálgama (Lopes, 2003), mistura (Sândalo, 2001),
cruzamento vocabular ou palavra cruzada (Silveira, 2002), palavra-valise
(Alves, 1990), cruzamento morfológico (Henriques, 2007), entre outras, mas
usualmente são definidas semelhantemente, usufruindo de uma mesma ideia,
mudando somente a forma de expressá-la .

Além de James Joyce, tão conhecida pelo exagero de palavra-valise em suas


obrase de José de Alencar em sua obra Iracema, pode-se observar a
ocorrência desse processo também nas obras de Lewis Carroll, que foi
praticamente o fundador desse termo na literatura inglesa.

4 Lewis Carroll e palavra-valise

Apreende-se, com clareza, nas duas histórias de Alice, As aventuras de Alice


no País das maravilhas e Através do Espelho, um trabalho criativo no eixo de
seleção das palavras, tanto na palavra em mudança de tom, quanto na
disposição criativa dos novos lugares que a palavra ocupa no enunciado,
atendendo às intenções do autor e a sua axiologia. (Palo, p.129)

Bastos, a respeito das duas obras afirma que:

“Uma das maneiras principais, ou a mais interessante, de se fazer a


conexão entre Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do
Espelho, é no conteúdo dos poemas que aparecem em ambas as
narrativas. Pois, quando não são nursery rhymes ou poemas infantis
tradicionais, têm uma função paródica, que, em sua ironia, são
imitações burlescas de poemas conhecidos dos líricos ingleses.

A ironia poética de Lewis Carroll brinca, sobretudo, com as palavras


chamadas valise, que são criações que surgem da junção de palavras
diferentes, e que formam um duplo sentido, ou melhor, um sentido
novo, que, na sua formação, dão vazão aos sentidos originais e a um

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neologismo ao mesmo tempo. As palavras valise são a criação
carrolliana que entram no jogo lógico-semântico, a serviço, na poesia,
de uma burlesca corruptela da tradição poética inglesa. Os temas das
discussões em ambas as narrativas passam pelo termo lógico-
semântico que se refere, por sua vez, às questões de identidade, o
sentido das palavras, o problema dos nomes, e as proposições
lógicas.” ( 2015, página?)

Lewis Carroll, em suas obras, concretiza a palavra pela via do ato da


nominalização linguística, prefigurado por meio da descrição pantomímica das
personagens e suas ações trabalhadas na composição da palavra, ou seja,
Carroll cria palavras e as explica através de personagens, que ganham vida em
nossa imaginação, e que, habitualmente, usam esses termos no dia-a-dia
deles, lembrando que sua obra trata de um sonho, da protagonista Alice.

Abaixo foram listadas algumas palavras que compõem sua obra, com os
respectivos significados, conforme o próprio autor, para que possamos
observar como foram formadas essas palavras.

 Moscavalo (p.166) = mistura de mosca com cavalo;


 Borboleteiga (p.167) = Borboleta com asas de pão com manteiga;
 Solumbrava (p.206) = Sol com sombra;
 Lubriciosos (p.206) = Lúbricos com operosos, ou escorregadios e ágeis;
 Vertigiro (p.207) = Giro vertiginosamente rápido;
 Trisciturno (p.207) = Triste + taciturno + noturnal;
 Porverdidos (p.207) = porcos verdes que perderam o caminho de casa.

Trata-se, aqui, de montagens de palavras-valise, há dois ou mais sentidos


embalados numa palavra só (Carroll, p.206).

No desenrolar da história de Alice através do espelho nota-se uma grande


quantidade dessas palavras, que só fazem sentido no contexto em que estão.

Não há uma regra específica, mas através do corpus acima é possível observar
que os vocábulos escolhidos, que sofrem truncação, não fazem,
necessariamente, parte de uma mesma classe morfológica.

No caso de moscavalo, são dois substantivos, mas o segundo é tido como


adjetivo, pois se trata de uma mosca que tem um formato de cavalo; a palavra
borboleteiga entra no mesmo processo, borboleta é da classe dos substantivos
e manteiga também, porém, manteiga está qualificando a asa da borboleta,
portanto muda de classe, tornando-se um adjetivo..

No caso de lubriciosos ocorre a junção de dois adjetivos há, portanto, uma


necessidade de reforçar determinada característica; entretanto, vertigiro é
composto por um substantivo e um adjetivo, duas classes morfológicas
distintas.

Portanto, fazendo jus ao sonho de Alice, cada novo vocábulo criado pelo autor,
tem uma regra específica, assim como as que criamos e por seguinte passam
a fazer parte do nosso léxico.

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Você não colocou os contextos onde aparecem as palavras selecionadas por


você.

Conclusão

Através do artigo redigido, infere-se que o nosso léxico varia conforme a


necessidade do falante, ele é quem cria novos vocábulos e também quem
“aposenta” aqueles não utilizados corriqueiramente.

Carroll faz na verdade a percepção de um jogo dialético, nas relações entre


significante e significado, do jogo de palavras e do que elas significam, e
passa, através deste fenômeno linguístico, pelo questionamento das regras
lógicas através do nonsense e pelo paradoxo.

Tanto Alice no País das Maravilhas como Alice Através do Espelho são livros
deveras profundos, divertidos e de grande qualidade linguística. As leituras que
deles fazemos evoluem com o passar do tempo, novas descobertas são feitas
e a sociedade se modifica, assim como a língua portuguesa, que se modifica
constantemente, expandindo seu léxico de forma que o único protagonista é o
falante.

Referências

ALVES, Ieda Maria (1947). Neologismo: criação lexical. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2007.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso (1975). História e estrutura da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Padrão.

CARROLL, Lewis. Alice: edição comentada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

Monografia Faculdade Mackenzie: goncalves-higor-branco-entrando-na-toca-do-


coelho1.pdf – PDF consultado em 21/06/2016

http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13347/13347_4.PDF - consultado em 21/06/2016

Basílio, Margarida (2004) Formação e classes de palavras no português do


Brasil. São Paulo: Contexto.

Rocha, L. C. (1999) Estruturas Morfológicas do Português. Belo Horizonte:


Editora da UFMG.

http://seculodiario.com.br/23451/14/lewis-carrol - consultado em 01/07/2016

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