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O léxico do vestuário feminino no

século XIX: o frolido de sedas na


narrativa de José de Alencar
Eliane Oliveira da Costa*
Germana Maria Araújo Sales**

Resumo
Introdução
Este artigo objetiva apresentar um
levantamento do léxico do vestuário Neste trabalho tomamos como objeto
feminino no século XIX nas obras Lu- de estudo o léxico utilizado por José de
cíola (1862), Diva (1864) e Senhora
(1875), de José de Alencar, com intuito Alencar para descrever o vestuário fe-
de contribuir para a percepção e para o minino nos romances urbanos Lucíola
entendimento da consciência estética e (1862), Diva (1864) e Senhora (1875),
nacionalista do autor. A escolha desses escritos no século XIX. Temos o objetivo
romances justifica-se pelo fato de con-
figurarem os perfis de mulher traçados de contribuir para a compreensão da
por Alencar e por estarem situados no
grupo de seus romances urbanos, cuja *
Graduada em Letras - Língua Portuguesa (2009) e
riqueza vocabular carecia de um es-
mestra em Linguística (2012) pela Universidade Fede-
tudo dessa natureza. Para a seleção ral do Pará. Doutoranda em Estudos Linguísticos pelo
das unidades léxicas pertencentes ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPA, com
vestir feminino, utilizamos o software projeto apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento
WordSmith Tools (versão 5.0). Quanto de Pessoal de Nível Superior (Capes). Participa dos
Projetos Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA) e
ao aporte teórico-metodológico, foram Atlas Linguístico do Brasil (Região Norte), com pesquisa
consideradas as orientações da lexico- nas áreas de Dialetologia, Sociolinguística e Sociotermi-
logia, disciplina que se dedica ao estu- nologia. E-mail: elianecosta21@yahoo.com.br
do e à descrição do léxico. Ao término **
Graduada em Letras pela Universidade Estadual do
dessa pesquisa, apreendemos o modo Ceará (1989). Mestra em Letras: Teoria Literária pela
como os trajes femininos são explora- Universidade Federal do Pará (1997). Doutora em Te-
oria e História Literária pela Universidade Estadual de
dos, transparecendo de forma grandio- Campinas (2003). Professora Associada II da Faculdade
sa o compromisso do escritor cearense de Letras, do Instituto de Letras e Comunicação (ILC),
com a linguagem e com a expressão da da Universidade do Federal do Pará, na Graduação e
realidade sociocultural da época. Pós-Graduação. E-mail: gmaa.sales@gmail.com

Palavras-chave: Vestuário. Léxico. Le- Data de submissão: set. 2015 – Data de aceite: nov. 2015
xicologia. http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v11i2.5384

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estética e do nacionalismo alencarianos. car, encontramos trabalhos como os de
Isso porque diante da riqueza vocabular Godoi (2006), O vocabulário indianista
e do contexto de produção da vasta obra e ideológico de José de Alencar, Queiroz
do autor, colocamo-nos diante da seguinte (2006), O vocabulário alencariano de O
questão: em que medida o vestuário favo- sertanejo: uma análise léxico-semântica
rece o ser escritor para José de Alencar? e Ávila e Martins (2008), O léxico india-
Sabemos que o século XIX foi palco de nista em José de Alencar.
acontecimentos que marcaram o esforço Trabalhos dessa natureza, que tam-
do Brasil para conseguir a sua identida- bém é a do que ora apresentamos,
de enquanto nação, sendo importante justificam-se por uma série de motivos,
ressaltar que esse esforço dentre os quais destacamos, em con-
não se esgotava nas transformações políti- sonância com Queiroz (2006): pôr em
cas, mas se estendia por toda a estrutura evidência a preocupação dos escritores
social, refletindo-se nas manifestações
artísticas e, consequentemente, literárias” brasileiros daquela época com a lingua-
(MICHELETTI, 2012, p. 13). gem e com a representação da sociedade
brasileira do século XIX, valorizar a
No que tange à literatura, o romantis-
escrita e a importância desses escrito-
mo foi a expressão máxima, possibilitan-
do o despertar de artistas e intelectuais res para a estruturação de um Brasil
nacionais para a necessidade de se criar que se queria livre do ponto de vista
uma identidade genuinamente brasilei- cultural, linguístico e cultural, alargar
ra, moldada com elementos históricos, o rol de estudos sobre o tema; estender
culturais e linguísticos próprios. Nesse a relação entre linguística e literatura;
sentido, para José de Alencar, a língua possibilitar aos estudiosos do léxico uma
era a tinta com a qual ele podia pintar o nova forma de estudo e de compreensão
quadro das realidades socioculturais de desse componente linguístico, contribuir
um Brasil emergente. Assim, partimos para as pesquisas daqueles que se inte-
da hipótese de que o vestuário constitui ressam pelas obras de José de Alencar;
um importante instrumento de expres- colaborar para o ensino de literatura
são dos ideais alencarianos quanto à nas salas de aula do ensino médio e da
linguagem e à nacionalidade. graduação.
Isso posto, esclarecemos que essa Para a realização desta pesquisa,
perspectiva de estudo em que obras li- utilizamos as orientações teórico-meto-
terárias são observadas sob um ponto de dológicas da lexicologia, ciência que se
vista linguístico vem sendo desenvolvida ocupa do léxico e de sua movimentação.
por estudiosos da área da linguagem, O estabelecimento do corpus foi feito com
sobretudo, por aqueles que se dedicam ao o auxílio do software WordSmith Tools
trabalho com o léxico. Nessa perspectiva, (versão 5.0), programa computacional
no que concerne às obras de José de Alen- que proporcionou a identificação dos

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itens lexicais pertencentes ao vestuário O léxico está associado ao conhecimento e o
feminino. Este estudo vivencia o século processo de nomeação em qualquer língua
resulta de uma operação perceptiva e cog-
XIX, contribuindo, dessa forma, para nitiva. Assim sendo, no aparato linguístico
o entendimento das obras de José de da memória humana, o léxico é o lugar do
Alencar. conhecimento sob o rótulo sintético de pala-
vras – os signos lingüísticos (1998, p. 179).
O trabalho apresenta seis seções: na
primeira, expomos o léxico, na segunda, No mesmo sentido, Vilela esclarece
abordamos a lexicologia, apontando suas que o léxico pode ser visto a partir de
principais funções, na terceira, discorre- duas perspectivas: a cognitivo-repre-
mos humildemente sobre José de Alen- sentativa, em que é defendido como a
car e seus romances urbanos, na quarta, “codificação da realidade extralinguísti-
pontuamos algumas considerações a ca interiorizada no saber de uma dada
respeito do vestuário, na quinta, des- comunidade linguística”, e a comunica-
crevemos a metodologia desenvolvida; tiva, em que é posto como um “conjunto
e, finalmente, na sexta, apresentamos das palavras por meio das quais os
os resultados desta pesquisa. membros de uma comunidade linguística
comunicam entre si” (1995, p. 13). Nesse
Aporte teórico da pesquisa sentido, o léxico, por ser o nível linguís-
tico por meio do qual se nomeia e se
O léxico organiza a realidade individual e social
da humanidade, constitui um sistema
O léxico é a primeira instância de
aberto que absorve de maneira muito
nomeação do mundo, ou seja, é ele o
dinâmica as transformações resultantes
instrumento de registro da história do
de necessidades de ordens diversas. As
conhecimento (ciências e tecnologias)
palavras de Isquerdo e Carvalho, a se-
e da humanidade, que se confundem
guir, corroboram o exposto:
naturalmente. Assim sendo, a produção
do conhecimento nessas áreas se dá de A língua, como produto social e cultural,
veicula crenças e ideologias e, em particular,
maneira constante, transformando e por meio do léxico, nível da língua que ma-
modificando a realidade histórica, social terializa as modificações ocorridas na socie-
e cultural das civilizações. O caráter in- dade, perpetua a visão de mundo dos grupos
sociais em diferentes épocas (2012, p. 251).
constante dessa relação (conhecimento/
sociedade) movimenta o léxico que se Por tudo isso, entende-se que o léxico
mantém aberto a transformações, re- resulta dessa relação que mantém com
cebendo novas palavras em detrimento a sociedade e com a cultura. O estudo
do desaparecimento total ou parcial de desse sistema linguístico, independente
outras que não nomeiam mais realidades do ponto de vista teórico-metodológico
atuais. Sobre o componente lexical das adotado, possibilita o conhecimento real
línguas, Biderman explica: e efetivo do modo como as sociedades

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se desenvolveram ao longo da história. rassinonímia), hiperonímia, hiponímia,
Nessa perspectiva, segundo Isquerdo, coiponímia, antonímia e paronímia; e
f) Formalizar a dinâmica do léxico e do
[...] o léxico é o nível da língua que melhor processo neológico, observadas as fases
evidência as pegadas do homem na sua de criação da palavra, sua aceitabilidade
trajetória histórica. É por meio dele que o no meio social, sua desneologização e
homem nomeia o espaço que o circunda e possível reneologização (1990, p. 3).
consubstancia a sua visão de mundo acerca
da sociedade (2009, p. 43).
Como podemos ver, a Lexicologia tem
um amplo alcance, envolvendo morfo-
A Lexicologia logia lexical, semântica lexical, isto é,
A Lexicologia é um campo de estudo forma e sentido, além de combinar em
que analisa e descreve o léxico geral si elementos de etimologia, história das
das línguas naturais. Esse léxico com- palavras e gramática histórica. Segundo
porta todas as palavras existentes num Pontes, ela tem crescido bastante e to-
sistema linguístico, sendo, portanto, a mado novos direcionamentos, sobretudo,
Lexicologia “a disciplina responsável com as contribuições da Sociolinguística,
pelo estudo das palavras de uma língua, da Pragmática e da Linguística Cogni-
em discursos individuais e coletivos” tiva, disciplinas que possibilitam novas
(PONTES, 2009, p. 18). Assim, dada a formas de investigar o léxico, tornando
complexidade do seu objeto de estudo, temas como neologismos, estrangeiris-
a Lexicologia desenvolve uma série de mos, metáfora, polissemia, sinonímia,
atividades, dentre as quais se destacam, entre outros, importantes no âmbito
de acordo com Barbosa, as seguintes: das pesquisas linguísticas modernas
a) Definir conjuntos e subconjuntos lexicais (2009, p. 19).
– universo léxico, conjunto vocabulário,
léxico efetivo e virtual, vocabulário ativo José de Alencar e os
e passivo; romances urbanos
b) Conceituar e delimitar a unidade lexical
de base - a lexia -, bem como elaborar Foi na década de 1850 que os leitores
os modelos teóricos subjacentes às suas
brasileiros tiveram contato com a nar-
diferentes denominações;
c) Analisar e descrever as estruturas rativa de José Martiniano de Alencar, o
morfo-sintáxico-semânticas de tais cearense de Mecejana, radicado na cida-
unidades, sua estruturação, tipologia e de do Rio de Janeiro desde cedo. Alencar
possibilidades combinatórias;
d) Examinar as relações do léxico de uma principiou a carreira de escritor nas pá-
língua com o universo natural, social e ginas dos jornais e, conforme relata em
cultural; Como e porque sou romancista (1893),
e) Analisar e descrever as relações entre
a expressão e o conteúdo das palavras
foi a aproximação com as narrativas,
e os fenômenos daí decorrentes: polis- como leitor, que transbordou a veia de
semia, homonímia, homossemia total folhetinista e romancista, tornando-se
(sinonímia), homossemia parcial (pa-
um dos maiores representantes do ro-

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mantismo brasileiro, pela forma original mas não exótico e raquítico como se propôs
do trabalho com a ficção. Sobre o proces- a ensiná-lo, a nós beócios, um escritor por-
tuguês. A terceira fase, a infância de nossa
so de criação do romancista, Micheletti literatura, começada com a independência
assinala: política, ainda não terminou; espera escri-
tores que lhe dêm os últimos traços e for-
O criador de Iracema via no trabalho com a
mem o verdadeiro gosto nacional, fazendo
palavra a necessidade de precisão, brilho e
calar as pretensões hoje tão acesas, de nos
esmero para concretizar as ‘ideias’; as pala-
recolonizarem pela alma e pelo coração, já
vras eram para ele como tintas nas mãos do
que não o podem pelo braço. Neste período
pintor que deveria ter habilidade suficiente
a poesia brasileira, embora balbuciante
para combiná-las com exatidão sobre a tela.
ainda, ressoa, não já somente nos rumo-
De outra parte, havia a convicção de que a
res da brisa e nos ecos da floresta, senão
existência de uma literatura autônoma pas-
também nas singelas cantigas do povo e
sa pela autonomia da linguagem que lhe dá
nos íntimos serões da família. O Tronco do
forma. Para o autor, seria necessário aceitar
Ipê, o Til e o Gaúcho, vieram dali; embora,
a “aclimação” da língua portuguesa em nos-
no primeiro sobretudo, se note já, devido à
so solo, valorizar as novas formas de dizer e
proximidade da corte e à data mais recente,
explorar-lhes a expressividade (2012, p. 21).
a influência da nova cidade, que de dia em
A narrativa de Alencar foi concebida dia se modifica e se repassa do espírito fo-
rasteiro. Nos grandes focos, especialmente
em um projeto, descrito pelo próprio ro- na corte, a sociedade tem a fisionomia in-
mancista no prólogo intitulado Bênção decisa, vaga e múltipla, tão natural à idade
paterna (1873), quando descreve a pro- da adolescência. É o efeito da transição
que se opera; e também do amálgama de
posta da elaboração dos seus romances elementos diversos. A importação contínua
disposta em três fases, a primitiva, a de idéias e costumes estranhos, que dia por
histórica e a infância de nossa litera- dia nos trazem todos os povos do mundo,
tura: devem por força de comover uma sociedade
nascente, naturalmente inclinada a receber
O período orgânico desta literatura conta já o influxo de mais adiantada civilização.
três fases. A primitiva, que se pode chamar Desta luta entre o espírito conterrâneo e a
aborígene, são as lendas e mitos da terra invasão estrangeira, são reflexos Lucíola,
selvagem e conquistada; são as tradições Diva, A pata da gazela, e tu, livrinho, que aí
que embalaram a infância do povo, e ele vais correr mundo com o rótulo de Sonhos
escutava como o filho a quem a mãe aca- d’Ouro (ALENCAR, 1872, p. 13).
lenta no berço com as canções da pátria,
que abandonou. Iracema pertence a essa A linguagem, de fato, é o sistema por
literatura primitiva, cheia de santidade e meio do qual as realidades existentes
enlevo, para aqueles que veneram na terra
são descritas. Na Literatura, ela ganha
da pátria a mãe fecunda – alma mater, e
não enxergam nela apenas o chão onde contornos estilísticos que a distingue da
pisam. O segundo período é histórico: re- linguagem usada no cotidiano, caracte-
presenta o consórcio do povo invasor com a rizando de maneira especial escrita dos
terra americana, que dele recebia a cultura,
e lhe retribuía nos eflúvios de sua natureza que a utilizam. Dessa maneira, recursos
virgem e nas reverberações de um solo es- linguísticos (morfológicos, fonéticos,
plêndido. [...] A ele pertencem o Guarani e sintáticos, semânticos e lexicais) são
as Minas de Prata. Há aí muita e boa messe
a colher para o nosso romance histórico;
utilizados e engrandecem as obras lite-

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rárias. Essas, por sua vez, constituem e copiava os padrões europeus quanto às
um espelho no qual se refletem as vestes e à cultura.
mudanças pelas quais a língua passa. Nesse sentido, com relação à movi-
Nessa perspectiva, Queiroz, expressa mentação social na corte do Império,
seu entendimento: Micheletti explica:
Assim, entendemos que a linguagem lite- No Rio de Janeiro, consolidavam-se as
rária, embora se configure como um uso feições adquiridas com a vinda da Família
especial da linguagem, não deixa de ser um Real no início do século: multiplicavam-
ato linguístico, na medida em que o autor, -se os espetáculos teatrais, os saraus e os
no processo de criação, vale-se, para sua bailes dos quais participavam estudantes e
expressão, do sistema da língua por ele uti- moças casadoiras; e a rua do Ouvidor, com
lizada (2006, p. 23). suas lojas de artigos importados e hábeis
costureiras, transformava-se em símbolo de
Desse modo, a Literatura emerge elegância (2012, p. 27).
e se constrói na e pela linguagem, o
Quanto à explosão da moda nos cená-
que fica bem perceptível nas obras de
rios nacional, e internacional, o seguinte
José de Alencar, que não se ateve aos
excerto é esclarecedor:
padrões literários da época e construiu,
também pelos recursos da linguagem, O século XIX foi o século da explosão da
moda ou o século da moda por excelência.
a identidade da nação brasileira que Nele ela atinge um maior núcleo de pessoas,
experimentava mudanças significativas, da pequena e média burguesia da França e
tanto na perspectiva política como na de da Inglaterra ‘à boa sociedade’ de lugares
distantes como o Rio de Janeiro, onde, a
formação da identidade cultural do povo. partir de então, se tem acesso quase simul-
As palavras de Micheletti, corroboram o tâneo às novidades estrangeiras. No Rio
exposto: de Janeiro, as transformações no espaço
urbano, a europeização dos costumes, o
Perpassa pela sua vasta obra a consciência incremento do comércio e a intensificação
de que o escritor tem dois grandes compro- da vida social são elementos que servem
missos: um com o seu país, devendo expres- de pano de fundo para a difusão da moda
sar, portanto, em seus contextos, o caráter (APARÍCIO, 2008, p. 3-4).
de seu povo; outro; estético: a mensagem
não afrouxar, a palavra é, para o escritor, Assim sendo, o escritor cearense
“ciência” e “arte” - veículo da expressão fiel
nasceu, viveu e escreveu em um período
de ideias revestidas de “graças” e de belezas
(2012, p. 33). [...] de intenso e movimentado desenvolvi-
mento do Brasil, e soube ele com admirável
No grupo dos romances urbanos, nos maestria fixar essa época nas suas peças de
quais este estudo foca, segundo Mendes teatro e em muitos de seus romances que
constituem verdadeiro documentário da
(1965, p. 7), são obras que “tiveram es-
vida brasileira do segundo reinado (MEN-
pecialmente como cenário a cidade do DES, 1965, p. 7).
Rio de Janeiro e seus arredores” e que
recriam uma sociedade distinta pela as-
cenção da burguesia carioca que seguia

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Vestuário e identidade: O vestuário é sempre significativo e em suas
interpretações aproximamo-nos da organici-
breves considerações dade da sociedade que o produziu. Afinal em
seus cortes, cores, texturas, comprimentos,
É inegável que o vestuário tem papel
exotismo, as roupas dão conta de imprimir
importante na formação da identidade sobre os corpos que as transportam catego-
individual e coletiva de uma nação. rias sociais, ideais estéticos, manifestações
Assim como idioletos e dialetos podem, psicológicas relações de gênero e de poder
(CRANE, 2013, p. 22 apud BORGES, 2013,
respectivamente, identificar indivíduo e p. 4).
povo, vestimentas conseguem evidenciar
países, regiões, cidades, classes e grupos Tavares, a partir do ponto de vista
sociais. O fragmento, a seguir, amplia o de Lipovetsky (1989), afirma ainda que:
entendimento sobre a relação do vestu- [...] a moda serve como reflexo da socieda-
de de um determinado período e traduz a
ário com a cultura e com a linguagem: gama de complexidade e referências sociais,
O vestuário tem uma dupla origem, simbó- psicológicas e comportamentais (TAVARES,
lica e instrumental. Simbólica, pois situa-se 2009, p. 14).
ao lado da linguagem e da arte; como objeto
faz parte do conjunto de instrumentos atra- De modo que existe um vestuário que
vés dos quais o homem interfere no ambien- atende ao seu povo em cada época.
te natural, ou seja, no domínio da cultura O autor, neste sentido, com base
material. Agindo como linguagem que faz
circular a informação transmitida pelo ves- em Kölher (2001), Laver (1997), Bra-
tuário entre indivíduos e grupos, reforça o ga (2007), Moutinho e Valença (2000),
conceito de individualidade e de identidade. Cobra (2007) e Baudot (2002), discorre
Em todos os grupos sociais o vestuário é um
meio de criar e manter identidade, surgindo
sobre a história da moda, explicando,
como um objeto restaurador em todas as por exemplo, que o drapeamento era a
mudanças sociais e culturais vivenciadas principal característica da roupa usada
pelas mulheres. A constituição deste objeto
pelos egípcios e que entre gregos e ro-
como documento ocorre a partir do contexto
social em que ele se encontra inserido (BAR- manos, os drapeados, muito elaborados
THES apud BORGES, 2013, p. 4). e marcantes, especificavam a indumen-
tária clássica, sendo a túnica de linho
O modo como o vestuário marca a épo-
(quitão), uma sobreveste de lã (peplo) e
ca em que é criado também é discutido
uma capa de lã (clâmide), as principais
por outros autores:
peças gregas. As tendências de cada
Por séculos, indivíduos e sociedades têm
usado o vestuário e outros adornos como for-
período, às vezes, voltam e ouvimos que
ma de comunicação não-verbal para indicar certo estilista se inspirou no século tal
ocupação, posição social, localidade, dispo- para elaborar as peças de sua coleção,
nibilidade sexual ou afiliação a determinado
que a festa de determinado amigo será
grupo (COBRA, 2007, p. 9 apud TAVARES,
2009, p. 12). no estilo anos 1980, etc., permitindo, de
uma forma ou de outra, que as épocas
sejam revividas.

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Procedimentos metodológicos vel em: <http://www.dominiopublico.gov.
br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp>).
Seleção das obras
Estabelecimento e validação
José de Alencar é um escritor de vasta do corpus
produção literária. Desse modo, entre
os gêneros produzidos pelo romancista, Os textos em PDF foram convertidos
focamos no romance e, dentro desse, nos para o formato TXT para que pudessem
romances urbanos Lucíola, Diva e Se- ser tratados no WordSmith Tools (versão
nhora por configurarem o que na litera- 5.0), programa computacional que, por
tura denominam de perfis de mulher. As meio da ferramenta WordList, permite
obras foram obtidas em formato PDF por gerar uma lista com todas as palavras do
meio do portal Domínio Público (disponí- texto analisado, conforme a Ilustração 1:

Ilustração 1 – Gerando lista de palavras

Fonte: dos autores.

Após rodarmos as três obras estuda- lise individual das listas, indo direto à
das, tal como foram obtidas, chegamos a procura de substantivos cujos referentes
um total de 24.410 palavras, sendo 5.611 fossem vestes femininas, desconsideran-
de Diva, 7. 762 de Lucíola e 11.337 de do as partes das peças como forro, man-
Senhora. Em seguida, passamos à aná- ga, ombreira, fimbria, etc., e à seleção de

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seus contextos de ocorrência (abonação), ta Concord do mesmo software, como
o que foi feito com o auxílio da ferramen- apresentado na Ilustração 2:

Ilustração 2 – Selecionando os contextos de ocorrência das palavras

Fonte: dos autores.

Como observamos, o programa lista


Decisões para a
todos os contextos de uso da palavra
analisada e informa o número de vezes apresentação das entradas
que ela aparece em cada uma das obras.
Dada a intenção e a dimensão deste
Avaliamos todos eles e selecionamos
estudo, trabalhamos apenas com subs-
um em cada um dos textos para que
tantivos; contamos a ocorrência das pala-
pudéssemos escolher quanto à repre-
vras estudas sem levar em consideração
sentatividade estética, valendo explicar
a categoria gramatical de número e as
que algumas palavras não acontecem
vezes em que elas apareciam fazendo re-
nos três textos literários. Por fim, para
ferência ao vestuário masculino, apresen-
as abonações, elegemos somente um
tamos os vocábulos em ordem alfabética
dos trechos relacionados e usamos os
e no singular, desconsideramos aspectos
códigos ADI (Alencar/Diva), ALU (Alen-
de polissemia, relações de hiperonímia
car/Lucíola) e ASE (Alencar/Senhora),
e/ou quaisquer outros fenômenos dessa
seguido do número da página, para
natureza, o que foi feito também quando
identificá-las.
da seleção dos trechos abonatórios, uti-
lizamos apenas Ferreira (2009) para a

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coleta das definições e consultamos um Gráfico 2 – Tecidos por obra
blogue de moda histórica (disponível em:
<modahistorica.blogspost.com>) para
a redação das notas informativas, que
aparecem em alguns verbetes.

Apresentação e análise
dos resultados
Ao fazermos o levantamento do léxico Fonte: dos autores.
do vestuário feminino em Diva, Lucíola
e Senhora, chegamos a um total de vin- 1) Anágua – s. f.
te itens lexicais, distribuídos segundo Saia usada sob o vestido ou outra
Gráfico 1. saia, em geral mais curta que es-
tes; saia de baixo.
Gráfico 1 – Peças do vestuário feminino por obra “Os lindos cabelos negros refluíam-
-lhe pelos ombros presos apenas
com o aro de ouro, que cingia-lhe a
opulenta madeixa; o pé escondia-se
em um pantufo de cetim que às vezes
beliscava a orla da anágua, como um
travesso beija-flor” (ASE, p. 40).
Nota: o uso da anágua (petticoat) ganhou
força em 1585, quando as mulheres come-
Fonte: dos autores. çaram a usá-la com o intuito de modificar
o formato de seus corpos. O volume e a
dureza da peça arrumavam a saia de
Antes de os relacionarmos, conside-
cima em formato de abóbada, dando-lhes
ramos importante mostrar a variedade a intenção de que tinham uma cintura
de tecidos utilizados por José de Alencar mais fina. Até 1870 ainda usava-se muito
nas três obras pesquisadas, consoante anágua, mas, quando o bustle entrou na
Gráfico 2. moda, a peça se tornou decadente.

2) Calça – s. f.
Peça externa do vestuário tanto
masculino quanto feminino, que
parte da cintura, ou logo abaixo
dela, e, contornando o corpo, se
fecha no centro junto às virilhas,

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dividindo-se em duas partes, que sobre a espádua, por um broche
irão contornar e cobrir separada- onde também prendia a ombreira,
mente as pernas, descendo, por via mostrando o braço mimoso, cuja
de regra, até os tornozelos. tez roseava a camisa de cambraia
“Quando o vento que entrava pela abotoada no punho por uma péro-
janela erguia indiscretamente a la” (ASE, p. 40).
fímbria da saia, apesar do movi- Nota: o uso de camisa é registrado no
mento rápido que a conchegava, século XIX no vestuário chamado alter-
descobria-se a volta bordada de nativo, usado por mulheres, sobretudo
americanas, que trabalhavam fora de
uma calça estreita, cerrando o colo
casa e que eram vistas à margem da so-
esbelto da perna divina” (ALU, 75). ciedade. Tal vestuário incorporava itens
Nota: o uso de calça no século XIX cons- do vestuário masculino esportivo inglês
titui um tema muito controverso, pois como gravatas, chapéus, paletós, cami-
em sua base existia a questão ideológica sas, etc., sempre combinados com peças
da diferença entre gêneros. Assim, a femininas da moda. As francesas, tam-
peça era permitida em escolas, faculda- bém o adotaram, com o nome de tailler
des e sanatórios, como uniforme para a (“conjunto sob medida”) e o usavam para
prática de exercícios, e em locais onde viajar (classe média) e para trabalhar
as mulheres podiam praticar esportes (classe operária). Contudo, em meados
sem serem vistas. As calças femininas só do século XIX, o paletó foi abraçado pelas
foram aceitas na década de 1970, quando altas classes, sendo usado no campo ou
passaram a significar a independência no litoral, e a peça determinante do traje
feminina na moda. feminino surgiu nos EUA, em 1870, a
chemisier, uma camisa masculina adap-
tada, ornamentada com uma pequena
3) Camisa – s. f.
gravata borboleta na cor preta.
Peça do vestuário masculino usada
por cima da pele ou de camiseta,
4) Camisola – s. f.
que vai do pescoço até as coxas.
Vestimenta feminina para dormir,
“Trazia Aurélia uma túnica de semelhante a um vestido, com
cetim verde, colhida à cintura por mangas ou sem elas, e cujo com-
um cordão de torçal de ouro, cujas primento varia de acordo com a
borlas tremiam com seu passo moda.
modulado. Pelos golpeados deste
“Poucos momentos depois de en-
simples roupão borbulhavam os
trar ela foi ao toucador e voltou em
frocos de transparente cambraia,
traje de dormir; os cabelos soltos
que envolviam as formas seduto-
e uma longa camisola de linho,
ras da jovem mulher. As mangas
sem uma renda, nem um bordado”
amplas e envazadas eram apa-
(ALU, p. 85).
nhadas, na covinha do braço e

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5) Capa – s. f. à guisa de avental; vermelha pelo
Peça do vestuário usada sobre toda calor e reflexo do fogo, batendo
a outra roupa a fim de protegê-la, gemas de ovos para fazer não sei
ou proteger quem a veste, contra que doce” (ALU, p. 83).
a chuva. Nota: o uso de crinolina foi efetivo em
“Emília estava defronte, além da várias classes sociais. O tamanho da cri-
cerca de espinheiros que dividia o nolina chegou a três metros de diâmetro,
causando dificuldades para as mulheres
meu jardim da sua chácara. Uma
passarem em portas, entrarem nas car-
capa de caxemira escura cobria-lhe ruagens, etc. Mais tarde, a peça se tornou
quase todo o vestido, e o capuz meio mais leve, uma vez que passaram a ser
erguido moldurava graciosamente feitas de aço e que exigiam um número
seu rosto divino” (ADI, p. 42). menor de anáguas. Por baixo da gaiola
de crinolina, havia muita liberdade para
as pernas e, para que estas não ficassem
6) Corpinho – s. m.
visíveis, por conta da facilidade de movi-
Roupa íntima feminina em forma mento da peça, as mulheres tinham de
de corpete. vestir calças e botas acima do tornozelo.
“Trazia o vestido de alvas escumi-
lhas, com a saia rofada de largos 8) Lenço – s. m.
folhos. Pequenos ramos de urze, Pedaço quadrado de tecido que ser-
com um só botão cor de rosa, apa- ve para uma pessoa se assoar, ou
nhavam os fofos transparentes, para ornar e resguardar a cabeça
que o menor sopro fazia arfar. O ou o pescoço.
forro de seda do corpinho, ligeira-
“E apanhando seu lenço de rendas
mente decotado, apenas debuxava
que jazia sobre o sofá, olhou-o como
entre a fina gaza os contornos nas-
se buscasse nele explicação daque-
centes do gárceo colo; e dentre as
la singular pergunta do marido”
nuvens de rendas das mangas só
(ASE, p. 117).
escapava a parte inferior do mais
lindo braço” (ADI, p. 15).
9) Luva – s. f.
7) Crinolina – s. f. Peça do vestuário que se ajusta à
Anágua de crinolina, usada para mão e aos dedos, para agasalho,
armar ou entufar a saia. adorno, proteção ou higiene.
“Figure uma moça vestida de ricas “Oh! Essa mão gentil, quando ela
sedas, com as mangas enroladas a despia da luva, tinha uma alma;
e a saia arregaçada e atada em movia-se em torno de sua beleza,
nó sobre o meio da crinolina; com como um anjo que descera do céu
uma toalha passada pelo pescoço para acariciá-la. Aos toques suaves

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dos dedos mágicos parecia que sua 13) Manto – s. m.
lindeza debuxava-se mais brilhan- Capa de cauda e roda que se pren-
te” (ADI, p. 52). de nos ombros.
“Envolvia-a desde a cabeça até aos
10) Manta – s. f. pés um finíssimo e amplo manto
Grande pano de lã, do feitio de um de alva caxemira, que apenas
cobertor, e que serve para agasalhar. descobria-lhe o fino rosto à sombra
“Lúcia, trançando a sua longa do capuz e uma orla do vestido
manta listrada de escarlate, que azul. Era preciso ter a elegância de
a envolveu como um pálio romano, Aurélia para dentre esse envolto
voltara ao seu lugar e amolgara singelo e fofo, desatar o talhe dum
sobre a cadeira um corpo sem ar- garbo encantador” (ASE, p. 23).
ticulações” (ALU, p. 32).
14) Pelica – s. f
11) Mantelete – s. f. Pele fina, curtida e preparada para
Pequena capa, leve e com rendas, luvas, calçados, etc.
para senhora. “Pela porta fronteira acabava de
“O seu traje habitual nestes pas- entrar Aurélia, em companhia
seios era vestido de merinó escuro, de D. Firmina. A moça trazia nos
mantelete de seda preta, e um ombros uma pelica de caxemira
chapéu de palha com laços azuis. cinzenta, que disfarçava seu traje
Mas essa mulher tinha a beleza de noiva, cingindo-lhe a cabeça
luxuosa que se orna a si mesma com o frouxo capuz” (ASE, p. 38).
e os enfeites, longe de realçar,
amesquinham; nunca ela me pa- 15) Peliça – s. f.
recia mais linda do que sob essa Peça do vestuário, ou colcha, feita
simplicidade severa.” (ALU, p. 91) ou forrada de peles.
“Ali, naquele carro, ou nas salas
12) Mantilha – s. f. onde entravam, parecia-lhe que sua
Manta para a proteção dos ombros posição e sua importância eram a
e da cabeça. mesma, senão menor, do que tinha
“Não via Emília; procurava-a nas o leque, a peliça, as jóias, o carro, no
quadrilha já formadas, quando ela traje e luxo de Aurélia” (ASE, p. 89).
surgiu diante de nós, envolta em Nota: o uso de roupas de pele estiveram
uma ampla mantilha cor de cinza, em destaque em todo o século, tendo
que lhe ocultava todo o corpo e como característica as nesgas de pele
cingia com uma das pontas o colo para passar os braços.
e parte da cabeça” (ADI, p. 17).

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16) Penteador – s. m. “Moderando os arrojos dessa ins-
Roupão ou espécie de toalha que se trumentação vertiginosa, para
põe nos ombros de quem se penteia fazer o acompanhamento, a moça
ou corta o cabelo. começou a cantar; mas às primei-
“Até que o penteador de veludo ras notas, sentindo-se tolhida pela
voou pelos ares, as tranças luxu- posição, abandonou o piano, e em
riosas dos cabelos negros rolaram pé, no meio da sala, roçagando a
pelos ombros arrufando ao contato saia do roupão como se fosse a cau-
a pele melindrosa, uma nuvem da do pálio gaulês, ela reproduziu
de rendas e cambraias abateu-se com a voz e o gesto aquela epopeia
a seus pés, e eu via aparecer aos do coração traído, que tantas ve-
meus olhos pasmos, nadando em zes tinha visto representada por
ondas de luz, no esplendor de sua Lagrange” (ASE, p. 6).
completa nudez, a mais formosa
bacante que esmagara outrora com 19) Túnica – s. f.
o pé lascivo as unhas de Corinto” Antigo vestuário, longo e ajustado
(ALU, p. 14). ao corpo.
“Trazia Aurélia uma túnica de
17) Roupão – s. m. cetim verde, colhida à cintura por
Peça caseira de vestuário, longa e um cordão de torçal de ouro, cujas
confortável, aberta na frente, de borlas tremiam com seu passo
mangas compridas e cinto, usada modulado. Pelos golpeados deste
sobre a roupa de dormir ou sobre simples roupão borbulhavam os
a roupa debaixo, ou para ficar à frocos de transparente cambraia
vontade. que envolviam as formas seduto-
“Envolvia o corpo da moça um ras da jovem mulher” (ASE, p. 39).
roupão de cambraia, as pregas
caíam sobre o tapete semelhantes 20) Vestido – s. m.
aos borbotões da nívea espuma Vestimenta feminina usada, em
de uma cascata, e deixavam-lhe o geral, por cima da roupa debaixo e
talho debuxado sob a fina teia de composta de saia e blusa, forman-
linho.” (ALU, p. 40) do um todo.
“Aurélia tinha nessa noite um
18) Saia – s. f. vestido de tule cor de ouro, que a
Parte do vestuário feminino que vestia como uma gaze de luz. Com
desce da cintura sobre as pernas o voltear da valsa, as ondas vapo-
até uma altura variável, constituin- rosas da saia e a manga roçagante
do ou não uma peça independente. do braço que erguera para apoiar-

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-se em seu par, flutuavam como Considerações finais
nuvens diáfanas embebidas de sol,
e envolviam a ela e ao cavalheiro Neste artigo, realizamos um levan-
como um brilhante arrebol” (ASE, tamento do léxico de José de Alencar
p. 112). para o vestuário feminino nos romances
Nota: o vestido, pelo o que temos pes- urbanos Diva, Lucíola e Senhora, com o
quisado, foi, sem dúvida, a peça mais objetivo de oferecer uma contribuição à
importante do vestuário feminino no valorização e à compreensão das obras
século XIX. A inspiração para sua confec- do autor. Assim, chegamos a um conjunto
ção vem de períodos como a antiguidade
com vinte palavras cujos referentes são
clássica, gótico, rococó. Desta forma,
dentro dos padrões da época, a peça muito bem explorados, o que confirma
apresentou diferentes modelos quanto à a nossa hipótese de que o vestuário foi
leveza, localização da cintura, mangas, um recurso por meio do qual o autor de
golas, saias, quantidade de anáguas, etc. Iracema pode expressar a sua estética
e o seu nacionalismo. Observamos tam-
Entendemos que o léxico acima des- bém que a ampliação do universo lexical
crito, representa muita bem o modo como desta pesquisa, incluindo acessórios
as mulheres se vestiam no século XIX, para cabelo e roupas, joias, calçados,
haja vista que o vestido, pelos números tipos e partes de roupas e, por que não,
desta pesquisa e pelo grau de detalhes o vestuário masculino, possibilitaria um
com que ele é descrito, foi a peça mais resultado mais abrangente e completo,
importante do vestuário feminino dessa mas, dada a extensão desse gênero, não
época. As mulheres alencarianas são pudemos nos estender. Outra forma de
sempre bem-sucedidas financeiramente expandir os resultados aqui mostrados
e esbanjam beleza, riqueza e poder, qua- seria fazer uma pesquisa sobre a nature-
lidades que podem definir a sociedade za e a origem dos tecidos, cujos usos, sem
brasileira daquela época. O vestuário dúvida, nos chamaram a atenção. Além
feminino em José de Alencar ajuda a disso, seria interessante uma investi-
tornar as cenas mais ricas e românti- gação histórica a respeito da evolução
cas, além de ser veículo de expressão das peças encontradas, meta alcançada
do estado de espírito das personagens parcialmente com a apresentação das
e das situações por elas vivenciadas. informações dessa natureza em notas
Tudo é “pintado” pelo autor de Iracema informativas.
com capricho, o que demonstra a sua
preocupação com a seleção vocabular e,
consequentemente com a capacidade de
expressão da linguagem; da variedade
brasileira da língua portuguesa.

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Le lexique du vêtement Nota
féminin au XIXe siècle: le
fleuri de la soie dans la Este trabalho foi idealizado e conce-
narrative de José de Alencar bido a partir do desejo de adentrar em
mais uma das ciências que se dedicam
Résumé ao estudo do léxico, componente linguís-
L’objectif de cet article est de pré- tico ao qual temos nos dedicado desde
senter un recueil du lexique de vête- a graduação, investigando-o sob uma
ments féminins au XIXe siècle dans perspectiva geossociolinguística e socio-
les oeuvres « Luciola » (1862), « Diva
terminológica, e de prestigiar as obras
» (1864), et « Senhora » (1875), de
José de Alencar, visant à contribuer de José de Alencar, escritor brasileiro
à la perception et à la compréhen- pelo qual mantemos grande admiração.
sion de la conscience esthétique et
nationaliste de l’auteur. Le choix de
ces romans est justifié par le fait
Referências
qu’ils ont mis en évidence les pro-
fils de la femme décrite par Alencar ALENCAR, José Martiniano de. Diva. Dis-
et parce qu’ils sont situés dans le ponível em: <http://www.dominiopublico.gov.
groupe de ses romans urbains, dont br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp>. Acesso
la richesse du vocabulaire méritait em: 29 dez. 2014.
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bits féminins, on a utilisé le logiciel
informatique WordSmith Tools (ver- _______. Lucíola. 12. ed. São Paulo: Ática,
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et méthodologique, on a considéré les publico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.
lignes directrices de la Lexicologie, jsp>. Acesso em: 29 dez. 2014.
c’est-à-dire, la discipline consacrée à _______. Senhora. 4. ed. [s. l.]: Melhora-
l’étude de la description du lexique. mentos, [19--]. Disponível em: <http://www.
À la fin de cette recherche, on a saisi dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaO-
la façon dont les tenues sont explo- braForm.jsp>. Acesso em: 29 dez. 2014.
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análise da moda feminina e seus sentidos
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Anexo

Fonte: disponível em: <modahistórica.blogspost.com>.

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VESTIDO

Fonte: disponível em: <http://www.endendademoda.com.br>.

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